contributos para a pesquisa educacional. Jéssica Rocha
O texto traz consigo a apresentação de dois movimentos apontados pela
teoria pós-crítica como problemas de ordem metodológica na pesquisa educacional no Brasil, sendo i) “a pobreza teórica” e ii) “a inconsequência metodológica” (2017, p. 01). Propondo, então, uma metodologia foucaultiana para lidar com a suposta crise na ciência da educação brasileira, Aquino e Vidal apontam para uma ideia de arquivo, capaz de tramar o contexto histórico- político do objeto em uma “montagem arquivística”. Traçando a trama das vozes emergentes da teoria pós-crítica educacional é que, os autores montam o seu arquivo sobre a tal crise na pesquisa educacional brasileira. E faz emergir deste arquivo apontamentos para tal problemática e que desenham o desvio e a invenção de novas abordagens ao desenvolver pesquisa no campo educacional. A “pobreza teórica” apontada pelos autores, e também por outros que estes chamaram de “interlocutores ulteriores” de Foucault, a exemplo, está intrínseca à “inconsequência metodológica”, pois estas se baseariam na “importação desmensurada de modelos explicativos exógenos ao campo, sem atentar para sua especificidade e, ao mesmo tempo, a complexidade deste” (2017, p. 01). Então, a produção científica que tem por base as teorias da educação de autores alheios às especificidades do objeto, quando na realidade brasileira, reverberam na “justaposição entre o referencial teórico proclamado e o posto em prática, isto é, falta organicidade entre o referencial teórico e os dados empíricos coletados”, conforme contribui Nosella (2010, p. 180 Apud AQUINO e VIDAL, 2017, p. 02) na costura da trama das relações de força que ali disputam pela legitimidade do discurso. A emergência das pesquisas pós-críticas em educação, a partir de meados de 1990, “têm contribuído para a conexão de campos, para o desbloqueio de conteúdos, para a proliferação de formas e para o contágio de saberes minoritários” (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 04). Então, a ideia de arquivo/arquivamento/arquivização está para Aquino e Vidal como que uma proposta de abordagem epistemológica da ciência da educação que possibilita uma “experimentação baseada em fontes de segunda mão – uma operação arquivística” (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 05). Na “recomposição tradutória” do arquivo é que se dá o fazer arquivístico (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 06), recriando a realidade passada, esta imaginada pelo pesquisador e traduzida pelas suas concepções atuais. O objeto de análise do pesquisador, neste caso, o arquivo, sempre ligado à noção de patrimônio, de construção de identidades sociais e de fortalecimento dos mecanismos de memória, pode ser considerado tanto a instituição de guarda dos documentos quanto o conjunto de textos selecionados, organizados e preservados segundo determinada lógica veridictiva. (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 06) A metodologia foucaultiana, segundo os autores, compreende o arquivo como um conjunto de discursos que perduram e que, em seu movimento, se possibilita o surgimento de outros discursos. O que se procura nos arquivos, então, não seria as significações naturalizantes do objeto, mas “estabelecer um diálogo entre as fontes múltiplas e heterogêneas, a fim de que se evidenciem descontinuidades e regularidades, sempre com vistas a um endereçamento crítico em relação àquilo que, no presente, aspira algum tipo de naturalização” (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 09). Na voz de Farge, os autores reafirmam que, “o arquivo não diz a verdade, mas ele diz da verdade” (2009, p. 35 Apud AQUINO e VIDAL, 2017, p. 09). Pensando nos procedimentos da investigação, i) o arquivamento e ii) a arquivização, retraçam os caminhos dos discursos que se legitimam no campo da ciência da educação, o objeto em análise. O “arquivamento”, então, corresponde à “tarefa de reordenação transversal das fontes, por meio das (re) montagens das lacunas discursivas em torno de determinados problemas concretos abrigados no e pelo arquivo” (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 13). E é no passado, partindo da história, nos seus vestígios, onde torna-se perceptível as suas “rupturas e descontinuidades, no rastro do qual se poderia estimar a emergência de tais problemas como uma irrupção, uma cisão arbitrária, a inauguração de um valor” (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 13), que se dará a coleta do material em análise, o procedimento de “arquivamento”. Percebendo a multiplicidade na unidade é que, o “arquivamento” opera na documentação como que de “um quebra-cabeça ou, em alguma medida, a um caleidoscópio” (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 13) Quanto ao procedimento de “arquivização”, movimento posterior ao da seleta de “arquivamento”, valendo-se das definições de Didi-Huberman (2012, pp. 211-212), Aquino e Val definem a díade “imaginação - montagem“ como sendo o cerne do “trato arquivístico das fontes; este sempre labiríntico, frise-se, e jamais em busca de relações de causa – efeito presumidas de antemão” (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 14). A operação arquivística em seu movimento de arquivização elenca, então, uma determinada regularidade do discurso encontrado em série, e no acontecimento fundamenta-se a rarefação deste. Uma vez que, “ambos, série e acontecimento, consistem no terreno sobre o qual é possível estipular pontos de ruptura, laços de continuidade, falas singulares, etc” (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 15). Em sincronia, os procedimentos de arquivamento e arquivização, de um lado, respectivamente, seleta “uma produção discursiva relativamente vasta que, ao longo de séries, possibilita a reconstituição de racionalidades responsáveis por definir os regimes de dizibilidade de um momento e de um espaço dados” (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 15). E por outro lado, “o encontro não somente com os papéis inertes da história, mas com potências ativas, na qualidade de pontos de inflexão que mobilizam e produzem ressonâncias, dada sua capacidade de produzirem desvio” (AQUINO e VIDAL, 2017, p. 15). A presente proposta coloca o arquivo como que invenção, na qual se percebe o movimento da díade imaginação – montagem, rompendo com a suposta patrimonialização do discurso, a vontade de verdade. Na perspectiva foucaultiana, portanto, aponta-se mais do que a materialidade, a função catalogadora e a lógica da seleção dos materiais selecionados, o que se destaca no arquivo são os embates concretos das forças vitais que reverberam para além do seu encerramento nos documentos, os quais têm o condão de nos interceptar de infinitas maneiras. O arquivo, portanto, como o murmúrio perpétuo (AQUINO e VIDAL, 2017, pp. 17-18).