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Curso: Diagnóstico e conduta nutricional na sarcopenia

Versão 1.2

Como diagnosticar a sarcopenia – quais métodos utilizar?


Maria Cristina Gonzalez

O termo sarcopenia é derivado das palavras gregas sarx (carne ou músculo) e


penia (perda) e foi utilizado pela primeira vez em 1989, por Rosenberg, para se referir
à perda de massa muscular esquelética que acontece durante a senescência.1
Nas últimas décadas, muito tem se discutido sobre a sua definição. A primeira
definição sugerida, em 1997, classificava de sarcopenia “a perda muscular que ocorria
de forma involuntária, não relacionada com doenças e associada com a idade, ou seja,
específica da idade”.2 Como os primeiros estudos de prevalência de sarcopenia foram
americanos, a perda muscular foi definida como o valor de 2 desvios padrões abaixo
da média de massa muscular apresentada pela população jovem daquele país, medida
pela DXA.3
No entanto, os estudos utilizando esta classificação baseada apenas na perda
de massa muscular não conseguiram demonstrar uma maior incidência de desfechos
clínicos adversos, como a incapacidade funcional.4 A definição de sarcopenia criada
em 2010 pelo European Working Group on Sarcopenia in Older People (EWGSOP),
como uma “síndrome caracterizada por perda progressiva e generalizada da massa
muscular esquelética e da força, com um risco de desfechos adversos como
incapacidade física, pior qualidade de vida e morte”.5
Baseado nesta definição, a sarcopenia estaria presente apenas quando existir
uma combinação de perda de massa muscular com perda da função muscular, seja
através de perda da força ou do desempenho muscular.5
Em 2018, uma atualização do consenso, chamada EWGSOP 2, preconizou
novos critérios diagnósticos para a doença. A força, anteriormente vista como um dos
componentes de avaliação da função (ou qualidade) muscular, no EWGSOP 2 passou
a ter papel central no diagnóstico da sarcopenia. A baixa massa muscular (ou
quantidade muscular) foi sugerida como critério confirmatório, necessária apenas
para o diagnóstico formal da doença. Quando a baixa força muscular, baixa
quantidade ou qualidade muscular e baixo desempenho físico são detectados, a
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© Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei no. 9.610
de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o material de qualquer
forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e intelectual.
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sarcopenia é considerada grave 13,14. Os novos critérios diagnósticos da EWGSOP 2


estão ilustrados no quadro a seguir 14:

1 Diminuição da força muscular


2 Diminuição da quantidade e qualidade do músculo
3 Diminuição da performance física
Fonte: EWGSOP 2, 2019.
Legenda: A provável sarcopenia é identificada pelo Critério 1. O diagnóstico é confirmado por
documentação adicional do Critério 2. Se os Critérios 1, 2 e 3 forem atendidos, a sarcopenia é
considerada grave.

A sarcopenia também pode ser classificada em estágios, dependendo da


combinação destas alterações. O primeiro estágio seria a pré-sarcopenia, onde ocorre
apenas a perda de massa muscular. O estágio de sarcopenia propriamente dita seria
a combinação de perda muscular com perda de função, com comprometimento da
força muscular ou do desempenho muscular. E finalmente, teríamos o estágio de
sarcopenia avançada, onde a perda de massa muscular se acompanha de perda da
força e do desempenho muscular.5
A sarcopenia pode ter várias causas (tabela 1) e embora seja encontrada
principalmente em idosos, também pode se desenvolver em adultos jovens. Sendo
assim, a sarcopenia pode ser classificada em primária (ou relacionada à idade) quando
ocorre exclusivamente pelo processo de envelhecimento e secundária quando se
pode evidenciar uma ou mais causas para o seu desenvolvimento. 5

Diagnóstico da massa muscular: este item é o mais controverso de todos.


Alguns métodos são sugeridos, dependendo do custo, disponibilidade e facilidade de
uso, assim como se vai ser utilizado na prática clínica ou em ambientes de pesquisa.
Cada um será discutido brevemente abaixo.
1) Absorciometria por dupla emissão de Raios X (DXA): Por definição, a
diminuição da massa muscular deve ser obtida através da massa muscular

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© Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei no. 9.610
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forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e intelectual.
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apendicular (MMA) obtida pela DXA. A MMA é obtida através da soma da


massa muscular dos membros superiores e inferiores. A partir da MMA é
obtido o índice de massa muscular esquelética (IMM) pela equação: IMM =
MMA / altura2 (kg/m)

Mesmo com a utilização deste método, não existe consenso na literatura


quanto ao ponto de corte a ser utilizado para definir sarcopenia. Estes podem variar
dependendo da população estudada, e não existe até o momento, valores específicos
para a população brasileira. Os valores encontrados na literatura encontram-se na
tabela 2. A EWGSOP sugere a utilização dos valores de  5,67 kg/m para mulheres e 
7,25 kg/m para homens. 4,6

2) Bioimpedância elétrica (BIA): a BIA pode ser considerada uma alternativa


para a avaliação da massa muscular quando o DXA não for disponível. Existe uma
equação que estima diretamente a massa muscular esquelética (MME) em kg a partir
da BIA:

MME (kg) = (alt2/resistência x 0,401) + (sexo x 3,825) – (idade x 0,071) + 5,102

sendo a altura usada em cm, resistência em ohms, sexo = 1 para homens e sexo = 0
para mulheres e idade em anos.7
A MME pode ser transformada em dois outros índices de massa muscular
(IMM), conforme pode ser visto na tabela 3.
3) Antropometria: Embora a circunferência da panturrilha tenha sido utilizada
para avaliar massa muscular, esta medida está vulnerável à erros e não é
recomendada para utilização de rotina no diagnóstico da sarcopenia.5
4) Outros métodos de imagem: ressonância magnética, tomografia
computadorizada e dosagem de potássio corporal são métodos padrão ouro,
reservados para uso em ambientes de pesquisa.

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Diagnóstico da força muscular: os métodos mais utilizados para a avaliação da


força muscular são: força do aperto de mão e da flexão/extensão do joelho, sendo
que este último fica restrito aos ambientes de pesquisa. A força de aperto de mão tem
uma boa correlação com a força da perna. Os valores de ponto de corte sugeridos pelo
EWGSOP 2 são <16 Kg e <27 kg para mulheres e homens, respectivamente. Os valores
medianos de referência para a população brasileira são <16 kg e <30 kg para mulheres
e homens, respectivamente.8

Diagnóstico da função muscular: a função muscular é avaliada através de


testes simples como Short Physical Performance Battery (SPPB), teste TUG “get-up-
and-go” e velocidade de marcha. O mais utilizado é a velocidade de marcha,
geralmente de 4 metros, que deve ser realizada numa velocidade maior que 0,8
m/segundo para caracterizar função muscular preservada.

Questionário SARC-F: O EWGSOP2 recomenda o uso do questionário SARC-F


como uma maneira de obter autorelato dos pacientes em sinais que são
característicos da sarcopenia. SARC-F é um formulário que avalia força, caminhar,
levantar da cadeira, subir escadas e quedas; preenchido pelo próprio paciente. O
ponto de corte é de escore ≤8 14.

Diagnóstico na prática clínica

Na prática clínica, o diagnóstico de sarcopenia deve ser realizado de acordo


com o algoritmo sugerido pelo EWGSOP 2 para rastreamento de sarcopenia (figura 1).
Indivíduos acima de 60 anos, com suspeita de sarcopenia pelo SARC-F, devem realizar
inicialmente o teste de velocidade de marcha (4 metros). Caso esta distância seja
percorrida em tempo igual ou superior a 5 segundos ( 0,8 m/s), estaria identificado
como provável sarcopenia e deveria ter sua massa muscular avaliada para
confirmação clínica. A avaliação da massa muscular seria realizada preferencialmente
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pelo DXA ou, caso não seja possível, pela BIA ou CT, utilizando os valores limites
citados no texto acima. Caso seja encontrada uma massa muscular diminuída, fica
diagnosticado sarcopenia. Mesmo tendo a marcha alterada, na presença de massa
muscular normal, fica afastado o diagnóstico de sarcopenia.
A gravidade deve ser avaliada pelos testes de performance física.

Tabela 1: Classificação da sarcopenia de acordo com sua causa.5


Tipo de Sarcopenia Causa
Sarcopenia primária (relacionada com a Sem nenhuma outra causa evidente
idade) exceto envelhecimento.
Sarcopenia secundária:
Relacionada à inatividade Repouso no leito, sedentarismo,
descondicionamento físico e situações
de gravidade zero
Relacionada à doença Associada à falência orgânica avançada,
doença inflamatória, malignidade ou
doença endócrina
Relacionada à nutrição Ingestão proteico-energética
inadequada, tais como má-absorção,
distúrbios gastrintestinais e uso de
medicações que causem anorexia

Tabela 2: Valores limites de Índice de Massa Muscular Esquelética (IMME) obtidos a


partir do DXA para homens e mulheres.5
IMME (kg/m2)
Homens 7,23 a 7,26
Mulheres 5,5 a 5,67

Tabela 3: Estimativa de Índice de Massa Muscular Esquelética a partir da


Bioimpedância Elétrica:
Ponto de corte
Homens Mulheres Referência

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IMME(%) = (MME/peso) X 100 < 31% < 22% Janssen, 20029


IMME(kg/m2) = MME/alt2  8,50 kg/m2  5,75 kg/m2 Janssen, 200410

Figura 1: Algoritmo para identificação de sarcopenia sugerido pelo EWGSOP 2.

Referências Bibliográficas

1. Rosenberg IH. Summary comments. Am J Clin Nutr. 1989; 50: 1231S-3S.


2. Roubenoff R, Heymsfield SB, Kehayias JJ, Cannon JG and Rosenberg IH.
Standardization of nomenclature of body composition in weight loss. Am J Clin
Nutr. 1997; 66: 192-6.

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3. Baumgartner RN, Koehler KM, Gallagher D, et al. Epidemiology of sarcopenia


among the elderly in New Mexico. American journal of epidemiology. 1998;
147: 755-63.
4. Abellan van Kan G. Epidemiology and consequences of sarcopenia. The journal
of nutrition, health & aging. 2009; 13: 708-12.
5. Cruz-Jentoft AJ, Baeyens JP, Bauer JM, et al. Sarcopenia: European consensus
on definition and diagnosis: Report of the European Working Group on
Sarcopenia in Older People. Age and ageing. 2010; 39: 412-23.
6. Delmonico MJ, Harris TB, Lee JS, et al. Alternative definitions of sarcopenia,
lower extremity performance, and functional impairment with aging in older
men and women. J Am Geriatr Soc 2007;55:769-74.
7. Janssen I, Heymsfield SB, Baumgartner RN and Ross R. Estimation of skeletal
muscle mass by bioelectrical impedance analysis. J Appl Physiol. 2000; 89: 465-
71.
8. Budziareck MB, Pureza Duarte RR and Barbosa-Silva MC. Reference values and
determinants for handgrip strength in healthy subjects. Clin Nutr. 2008; 27:
357-62.
9. Janssen I, Heymsfield SB and Ross R. Low relative skeletal muscle mass
(sarcopenia) in older persons is associated with functional impairment and
physical disability. Journal of the American Geriatrics Society. 2002; 50: 889-
96.
10. Janssen I, Baumgartner RN, Ross R, Rosenberg IH and Roubenoff R. Skeletal
muscle cutpoints associated with elevated physical disability risk in older men
and women. American journal of epidemiology. 2004; 159: 413-21.
11. Charlotte Beaudart, Eugène McCloskey, Olivier Bruyère, et al. Sarcopenia in
daily practice: assessment and management. BMC Geriatrics (2016) 16:170.
12. Malmstrom TK, Morley JE. SARC-F: a simple questionnaire to rapidly diagnose
sarcopenia. J Am Med Dir Assoc. 2013; 14(8):531-2.
13. Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, et al. Sarcopenia: revised European
consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2018; 12.
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14. Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, et al. Sarcopenia: revised
European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019,
1;48(1):16-31.
15. Diretriz BRASPEN de terapia nutricional no envelhecimento. BRASPEN J 2019;
34 (Supl 3):2-58

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