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HANSENÍASE: CORRELAÇÃO

CLÍNICO-HISTOPATOLÓGICA
DANIEl l. ObADIA
gusTAVO VERARDINO
MARIA DE FáTIMA g. s. AlVEs

RESUMO

A hanseníase é agravo de grande


importância na saúde pública brasileira. Quando o M. leprae penetra em
O diagnóstico é eminentemente clínico, uma pessoa com imunidade mediada por
mas – em vários casos – há necessidade de
destruído. Se este tipo de defesa é leve-
- -
palmente, quando há suspeita de resistên- tiplicar e uma lesão irá se desenvolver.
cia medicamentosa, como o tipo histoide. Dependendo do grau imunitário, quadros
Neste artigo, procuramos apontar as indi- clínicos e histopatológicos mais aparentes
cações e os padrões de histopatologia nos podem se desenvolver gradualmente1.
pacientes com hanseníase. Porém o exame
histopatológico não deve ser considerado
como padrão ouro para o diagnóstico da CARACTERIZAÇÃO HISTOLÓGICA
doença, visto que grande número de exa-
mes pode não ser conclusivo. A biópsia deve coletar a borda da

PALAVRAS-CHAVE: Hanseníase; Bióp- e deve atingir a hipoderme. Para o diag-


sia; Tratamento; Histopatologia. nóstico preciso das diversas formas clíni-
cas, o laboratório deve processar, sempre,
as duas colorações: Hematoxilina-eosina e
INTRODUÇÃO Wade-Klingmüller ou Fite-Faraco.
O tipo celular que compõe o gra-
A hanseníase é doença contagio-
sa de grande importância epidemiológica, hanseníase: células epiteloides para o polo
principalmente em países em desenvolvi- tuberculoide e macrófagos espumosos para
mento, como Brasil e Índia. O diagnóstico, o polo virchoviano2,3.
basicamente, é feito a partir da avaliação Na hanseníase indeterminada (HI),
clínica. Quando necessário, utilizam-se linfócitos e histiócitos constituem leve in-
métodos como o exame baciloscópico e -
histopatológico, principalmente quando zação perineural e perianexial, torna mais
- provável a hipótese de hanseníase. Nesses
cado como paucibacilar e multibacilar para casos, já que, geralmente, não observamos
receber a antibioticoterapia apropriada e a bacilos nas colorações especiais, o laudo
histopatologia, muitas vezes, é necessária será apenas de compatibilidade. Por vezes,
o exame histopatológico revela que, apesar

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do aspecto clínico, já existe transformação (bulbo de cebola)2,3.


para um dos polos2,3. Os linfócitos são mais numerosos
na hanseníase dimorfa-virchoviana (DV),
por vezes, pode mostrar características surgindo menos na dimorfa-dimorfa (DD)
de dois polos em diferentes lesões de um e são mais escassos no polo virchoviano
mesmo paciente ou, menos frequentemen- (VV). O acometimento da epiderme pelo
te, alterações de diferentes polos em uma -
mesma amostra3. quentemente, um sinal valioso para a iden-
As lesões de Hanseníase Tuber-
culoide (HT) mostram que os histiócitos mas inconstante no dimorfo-tuberculoide
ou macrófagos diferenciam-se em células (DT). Cerca de 70% dos casos de hanse-
epitelioides, que, reunidas, formam granu-
lomas com maior capacidade de destruir os neurológica. Casos com lesões clínicas atí-
picas, que correspondem aos outros 30%,
em contato íntimo com a epiderme produ- têm necessidade de avaliação histopatoló-
- gica3.
Dentre esses casos de apresenta-
hanseníase tuberculoide também exige a ção clínica atípica, existe um subtipo raro
presença de bacilos, e um laudo de compa- de hanseníase multibacilar, o subtipo his-
tibilidade com HT só será dado quando for toide, que pode surgir como lesão primá-
2,3
. ria, ou, secundariamente, por tratamento
A forma dimorfa, quadro imuno- irregular com monoterapia sulfônica. Sua
logicamente instável e com participação etiopatogenia é desconhecida e, na clínica,
variável de estruturas tuberculoides e vir- -
chovianas, tem seu diagnóstico histopato- mes, brilhosos, eritematosos/acobreados,
lógico feito, geralmente, por análises de que surgem de pele aparentemente normal.
duas lesões distintas: uma revela altera- Na baciloscopia, encontram-se numerosos
ções do polo tuberculoide e outra, vircho- bacilos, e, na histopatologia, observam-se
vianas2,3. numerosos histiócitos fusiformes, xanto-
Na HV, encontramos macrófagos mizados, entrelaçados, contendo grande
carregados de bacilos e globias, já que número de bacilos em seu interior. A lesão
não possuem a capacidade de eliminá-los, é circundada por pseudocápsula compos-
e apresentam citoplasma espumoso e va-
cuolar, com degeneração lipídica (célula -
de Virchow). Desta incapacidade, resulta . Essa forma é associada à re-
3-9

- sistência medicamentosa4-9. Pode também


- prover material para pesquisa de resistên-
parados da epiderme por faixa colágena cia antimicrobiana com a inoculação em
(Unna). Esta zona é quase livre nas formas pata de camundongo e/ou PCR com iden-
multibacilares, a menos que comprimida
por um granuloma de expansão, como na 10
.
forma Dimorfa-Dimorfa (DD), na Dimor- Na hanseníase de Lúcio, apresen-
fa-Virchowiana (DV) e na Virchowiana tação clínica rara, há tendência a fenôme-
(VV)2. Os linfócitos são escassos, e quan- nos trombóticos e extravasamento de he-
- máceas3.
sume disposição concêntrica em camadas O tratamento na rede básica de

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saúde é amparado pela quantidade de le- -


sões cutâneas. O paciente que tem até cin- gos e apresenta-se com lesões eritemato-
sas, com bordas crostosas e centro pálido.
e, acima disto, multibacilar. Em alguns ca-
sos, essa lógica não procede. A histologia pouca reação epidérmica. O diagnóstico
-
mesmo que inúmeras, pode ser de granu- cial do PAS (ácido periódico de Schiff).
lomas epitelioides com orla linfocitária e Granuloma anular é doença não infecciosa
com zona subepidérmica poupada, o que granulomatosa, onde há lesões de bordas
- eritematosas com centro poupado e histo-
se tuberculoide . Os pacientes com este
3
logia mostrando focos na derme de muci-
padrão histopatológico e baciloscopia ne- na, degeneração do colágeno e orla linfo-
gativa podem ser tratados com esquema histiocitária. A sarcoidose cutânea pode se
paucibacilar, mas – na ausência de exames apresentar com pápulas, nódulos eritema-
- toacastanhados pelo corpo e revela, histo-
- patologicamente, granulomas epitelioides
mento, como multibacilares. sem orla linfocitária na derme, os clássicos
Casos menos frequentes,com pou- granulomas “nus”.
cas lesões que apresentem macrófagos es-
pumosos com bacilos demonstrados pela
coloração de Fite são multibacilares, mes- doenças que, clinicamente, podem se con-
mo que haja menos de cinco lesões cutâne- fundir com o diagnóstico de hanseníase
as. virchowiana. Nenhuma delas apresenta in-
O exame histopatológico não deve
ser considerado como padrão ouro para o com globias, que facilmente demonstram
diagnóstico da doença, visto que muitas os bacilos pela coloração de Fite-Faraco.
vezes pode não ser conclusivo, principal-
mente, nos casos paucibacilares, onde não
são visualizados bacilos, ou quando não se CONCLUSÕES
-
ral .
11
A histopatologia é útil para realizar
Em áreas não endêmicas, o der-
situações em que a clínica suscita dúvida,
diagnóstico da doença, já que em muitos como a forma histoide, em que o diagnósti-
- co é feito somente com bases histológicas,
co, sem formação de granulomas, além da e pode alterar o tratamento, visto que, nes-
ausência de correlação clínico-patológica, ses casos, há possibilidade de resistência
e – já que no Brasil existem diversas áreas medicamentosa. Podendo o material servir
endêmicas – deve sempre estar atento12. para a pesquisa de resistência a drogas.
O exame histopatológico não deve
ser considerado como padrão ouro para o
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS diagnóstico da doença, sendo complemen-
tar às características clínicas.
Os diagnósticos diferenciais mais Em áreas não endêmicas, o derma-
importantes para o polo tuberculoide são: -
- nóstico da doença.

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ANExO

figuRas Do aRtigo 2 “hansEníasE:


coRRELação cLínico-histoPatoLógica”

da).

borderline Tuberculoide). borderline borderline).

64 Revista Hospital UniveRsitáRio pedRo eRnesto, UeRJ


Anexo

se borderline Virchowiana).

chowiana.

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TITULAÇÃO DOS AUTORES

EgON luIz RODRIguEs DAxbAChER DANIElA MARTINs bRINgEl


Dermatologista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia Médica pós-graduanda em Dermatologia do Hospital
(SBD); Hansenólogo pela Sociedade Brasileira de Han- Universitário Pedro Ernesto/ UERJ.
senologia (SBH); Professor substituto de Dermatologia –
Responsável pelo Ambulatório de Dermatologia Sanitária
– HUPE/UERJ.
DIANA MARy ARAúJO DE MElO FlACh
Enfermeira; Técnica da Gerência de Dermatologia Sanitá-
ria da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio
ADAlgIsA IEDA MAIwORM bROMERsChENkEl de Janeiro (SESDEC-RJ).
Doutoranda PGCM; Mestre em Ciências da Saúde pela
UFRN; Especialista em Fisioterapia Pneumofuncional;
Chefe do Departamento de Fisioterapia do HUPE/PPC/
FáTIMA AbDAlAh sAIEg
UERJ.
Médica; Técnica da Gerência de Dermatologia Sanitária da
Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de
Janeiro (SESDEC-RJ).
ANA luIzA PARENTONI bITTENCOuRT
Enfermeira; Técnica da Gerência de Dermatologia Sanitá-
ria da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio
gERAlDO MARIANO MORAEs DE MACEDO
de Janeiro (SESDEC-RJ).
Médico (UFPA).

ANA PAulA OlIVEIRA lIbóRIO


Enfermeira; Técnica da Gerência de Dermatologia Sanitá- gusTAVO COsTA VERARDINO
ria da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio Médico pós-graduando em Dermatologia pela Universida-
de Janeiro (SESDEC-RJ). de do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

CARlA ANDRéA AVElAR PIREs JOsé DA ROChA CuNhA


Dermatologista pela SBD. Hansenóloga pela SBH. Mes- Fisioterapeuta; Serviço de Reabilitação Pulmonar PPC/
tre em doenças tropicais. Docente da Universidade Fede- UERJ e Pneumologia HUPE/UERJ.
ral do Pará (UFPA) e da Universidade do Estado do Pará
(UEPA).
kéDMAN TRINDADE MEllO
Assistente Social; Gerente de Dermatologia Sanitária da
CARlOs TEllEs Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de
Disciplina de Neurocirurgia -HUPE/UERJ. Janeiro (SESDEC-RJ).

CAROlINA PREsOTTO luDMIllA quEIRós MIRANDA


Especializanda do Programa de Pós-graduação em Médica pós-graduanda em Dermatologia do Hospital
Dermatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universitário Pedro Ernesto/ UERJ.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

MARCus ANDRé ACIOly


ClAuDIA lúCIA PAIVA E VAllE Médico, Professor da Disciplina de Neurocirurgia - HUPE/
Médica, especialista em Saúde Pública; Técnica da Gerên- UERJ; Departamento de Neurologia (USP).
cia de DermatologiaSanitária da Secretaria do Estado de
Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro.
MARIA DE FáTIMA guIMARãEs sCOTElARO AlVEs
Professora adjunta em Dermatologia, responsável pela dis-
DANIEl lAgO ObADIA ciplina de Dermatopatologia da Universidade do Estado do
Médico dermatologista pela SBD. Professor substituto da Rio de Janeiro (UERJ).
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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Titulação dos autores

MARIA INês FERNANDEs PIMENTEl POlIANA E. FARIAs


Médica; Técnica da Gerência de Dermatologia Sanitária da Especialista em Administração Hospitalar (SESPA).
Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Ja-
neiro (SESDEC-RJ); Assistente de Pesquisa da Fundação RENATA PAMPlONA NOVAEs OlIVEIRA
Oswaldo Cruz (IPEC); Professora titular de Dermatologia
Mestre em Planejamento em Políticas Públicas (SESPA).
da Faculdade de Medicina do Centro Universitário de Vol-
ta Redonda (UniFOA).

RuTh REIs DO AMARAl


Assistente Social; Técnica da Gerência de Dermatologia
MARIlDA ANDRADE
Sanitária da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil
Professora Adjunta de Enfermagem da Universidade Fede-
do Rio de Janeiro (SESDEC-RJ).
ral Fluminense (UFF).

suElI CARNEIRO
MARílIA bRAsIl xAVIER
Professora adjunta do Departamento de Especialidades
Doutora em Neurociências e Biologia Celular. Docente da
Médicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universi-
UFPA e UEPA.
dade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

TAINá sCAlFONI FRACAROlI


MAuD PARIsE
Médica pós-graduanda em Dermatologia do Hospital
Médica; Professora da Disciplina de Neurocirurgia -
HUPE/UERJ. Universitário Pedro Ernesto/ UERJ.

NATAshA uNTERsTEll TEREzINhA DE JEsus CARVAlhO ARAuJO FIlhA


Residente de Dermatologia do Hospital Universitário Pe- Fisioterapeuta da URE Dr. Marcello Candia; Mestre em
dro Ernesto/UERJ. doenças tropicais (UFPA).

PEDRO VAlE MAChADO yVEs RAPhAEl DE sOuzA


Residente de Dermatologia do Hospital Universitário Pe- Fisioterapeuta clínico e respiratório; Especialista em Fi-
dro Ernesto/UERJ. sioterapia Pneumofuncional e Terapia Intensiva pela
ASSOBRAFIR e COFFITO. Especialista em Didática e
Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Es-
PlíNIO D. MENDEs tácio de Sá. Docente de graduação e pós-graduação lato
Médico; Professor da Disciplina de Neurocirurgia - sensu em Fisioterapia nas áraeas cardiorrespiratórias, me-
HUPE/UERJ e Centro Universitário Serra dos Órgãos todologia da pesquisa e orientação de projetos.
(Unifeso).

10 Revista Hospital UniveRsitáRio pedRo eRnesto, UeRJ

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