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A redução da jornada de trabalho

Kemil Raje Jarude*


RESUMO
Este texto se destina a uma avaliação dos benefícios da redução da jornada de trabalho e os
seus aspectos quanto ao processo de controle do tempo durante o século 20 tratando dos
movimentos de disputa do tempo de labuta versus tempo social.

PALAVRAS CHAVES: jornada de trabalho, produção econômica, postos de trabalho,


mercado consumidor, direitos trabalhistas, PEA, reprodução social.

INTRODUÇÃO
A relação de tempo destinado ao trabalho influência a humanidade desde as formas mais
primitivas da sociedade. O controle sobre as atividades e a hierarquização dessa jornada de
trabalho já causaram guerras e revoluções e hoje se destaca por ser o ponto de equilíbrio da
fomentação do lucro que alimenta o sistema capitalista. Enquanto de um lado se pensa em
trabalhar mais para ganhar mais do outro se acredita que só trabalhar mais não significa
ganhar mais, mas trabalhar com qualidade e com um número de indivíduos que representem
um aumento da eficiência do processo pode levar a uma elevação dos ganhos.
Pode-se dizer que no século 20 a regulação da jornada de trabalho até os anos 1970 visava à
separação entre o tempo para a reprodução econômica e aquela para a reprodução social,
portanto havia um controle do tempo econômico sobre o tempo total das pessoas e famílias.
Essa padronização da jornada permitiu a sincronização no uso do tempo para a reprodução
social no interior das famílias e, também, nas políticas sociais.
“A tendência de queda do tempo econômico pago e não pago foi interrompida na segunda
metade dos anos 1980” (Fisher & Layte, 2002) e com isso “os tempos econômico e social vão
perdendo sincronismo” (Chiesi, 1989). Conseqüentemente, a flexibilização da jornada revela
o principal retrocesso da regulação social em relação à máquina do capitalismo. Por isso, essa
diminuição do tempo de trabalho se revela importante na manutenção da saúde social das
pessoas influenciadas pela regulação desse tempo.

DESENVOLVIMENTO TEXTUAL
Primeiramente, a redução do número de horas de trabalho representa o aumento ou mesmo a
estabilização da quantidade de postos de trabalho uma vez que mais indivíduos podem se
dedicar em uma determinada função no período considerado para a produção. Outra
consideração sobre o tópico é o de que o valor da produção do trabalho deixa de estar
vinculado ao número de horas trabalhadas e passa a se ligar ao nível de eficiência encontrada
por hora de trabalho, o que determina uma redução nos cálculos que envolvem os custos da
produção laboril. Nesse aspecto essa redução é significativa, pois quanto mais pessoas passam
a produzir simultaneamente, menores se tornam os custos per capita. Sobre isso interpreta-se
que enquanto um indivíduo está realizando uma determinada atividade a(s) outra(s)

*Kemil Raje Jarude é vestibulando.


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concentra(m)-se em descobrir meios mais eficientes de produção e/ou a solução de


determinadas falhas que possam ser encontradas no processo.
As relações de produção e consumo são mantenedoras do sistema capitalista. É da circulação
de moeda que vive o mercado. Por isso é que um produto só passa a ter valor após se fazer
necessário a outra pessoa ou grupo de pessoas e assim obter liquidez**. Isso é explicado por
Russeau para quem “desde o instante em que um homem sentiu necessidade de socorro do
outro, desde que se percebeu ser útil a um só contar com previsão para dois, desapareceu a
igualdade, introduziu-se a propriedade” (Russeau, 1978, p.265). Nesse contexto é que se
busca o descobrimento de novos mercados consumidores como forma de criar demanda para a
produção e constituir um valor para a mesma. E é esta a causa que condiciona o aumento do
poder de compra de uma determinada população e logo o aumento do mercado como forma
de proporcionar o consumo e, assim, movimentar a economia, entretanto pode-se detectar em
vários países desenvolvidos e alguns emergentes que a absorção de indivíduos para a
produção econômica e a formação de certos mercados chegaram à saturação e é neste aspecto
que a redução da jornada de trabalho, com a conseqüente manutenção dos salários, se
apresenta como solução às tensões entre exército de reserva e os postos de trabalho e a
disponibilidade de recursos para o consumo.
Segundo Cláudio Salvadori Dedecca uma das características do capitalismo é que este “ao
contrário das formas sócio-econômicas pretéritas, o capitalismo organiza antecipadamente a
ocupação do trabalho” (Dedecca 2004, p. 23). Baseado nesta afirmação é que se confrontam
duas realidades do sistema em relação ao trabalho: uma sobre a jornada padronizada de
trabalho e a jornada de trabalho em regime excepcional. Enquanto a primeira se propõe e se
baseia na realização do trabalho dentro de condições pré-estabelecidas e assim possibilitando
uma redução controlada de horas de trabalho a segunda é flexível e atende as necessidades da
população que necessita de serviços e/ou produtos fora do horário de trabalho como hospitais,
distribuidoras de energia, shopping centers, entretanto essa “flexibilidade” pode representar o
uso do trabalho além do número de horas padrões e o desrespeito de direitos trabalhistas que
são, muitas vezes, encobertos por propostas financeiras, que nem sempre equivalem a quebra
dessas garantias, ou pelo uso do banco de horas*** que disfarça a relação trabalho/produção
por impor trabalho em períodos de alta produtividade e folgas em períodos de baixa
produtividade.
Com o desenvolvimento do capitalismo e a intensificação da corrida pelo lucro o tempo de
trabalho passou a controlar o tempo de reprodução social, em especial nos setores em que o
descanso e o as necessidades fisiológicas interferem de forma menos intensa na realização da
atividade econômica. Entretanto, o ser humano carece de cuidados fisiológicos tanto para a
sua qualidade de vida quanto para a eficiência produtiva na realização das suas atividades de
trabalho. Ao se analisar esse ponto verifica-se que a redução do tempo de trabalho está
intimamente ligada a um aumento do tempo destinado à reprodução social e assim a
disponibilidade de novas oportunidades de convívio pessoal e de aprimoramento profissional
e intelectual o que pode propiciar uma melhoria nos níveis de rendimento no trabalho e a
criação de novas técnicas e métodos que, uma vez introduzidos no sistema produtivo, podem
** Liquidez é a facilidade com que um ativo pode ser convertido em dinheiro.

*** Banco de Horas é um sistema no qual empregador e empregados, mediante instrumento


normativo, flexibilizam a jornada de trabalho diária, de forma a aumentá-la ou reduzi-la, para
posterior compensação.
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ser convertidos em lucro. Ademais, o acréscimo no tempo de reprodução social permite,


principalmente entre as mulheres, uma maior atenção e cuidado às novas gerações
possibilitando um melhor preparo psico-social e intelectual desses indivíduos para a
constituição da PEA (População Economicamente Ativa) transformando este cenário em um
ambiente muito mais competitivo e preparado para a resolução dos novos desafios da
humanidade.
Uma das conseqüências mais importante, do ponto de vista social, da redução da jornada de
trabalho é a possibilidade de uma maior distribuição dos postos de trabalho e a eqüidade na
ocupação destes. Isso é refletido em uma maior distribuição de renda que conseqüentemente
dá novas condições de desenvolvimento econômico e social à população; fomentando, assim,
um maior número de pessoas a consumir e criar uma série de relações de compra e venda em
uma área relatividade pequena, mas que influência na ocorrência das mesmas relações em
nível macro-econômico.
Além disso, no atual cenário de crise econômica mundial no qual a redução de crédito e a
redução de lucros provoca a extinção de postos de trabalho acarretando na diminuição do
consumo o que, por sua vez, retroalimenta esta sequência e como uma das medidas
resolutivas desse ciclo a redução da jornada de trabalho evita a extinção desses postos de
trabalho mantendo os já existentes e criando outros novos o que auxilia na manutenção dos
níveis de consumo da população previnindo, assim, o desaquecimento da economia.

CONCLUSÃO
Pela reflexão filosófica do trabalho subentende-se que este é o período de tempo em que o
indivíduo realiza uma atividade produtiva de forma a contribuir com o desenvolvimento da
sociedade, ou seja, o trabalho existe em função de uma necessidade humana de ocupar o seu
tempo e ao mesmo tempo criar novas perspectivas na melhoria da qualidade de vida, ao
menos em tese. Entretanto, com a intensificação da competição capitalista e a nova corrida
pelo lucro o trabalho passou a reger as relações sociais e diminuir o tempo destinado a
mesma. Nesse aspecto observa-se a necessidade da redução do tempo de trabalho com a
manutenção salarial sabendo que com o passar dos anos a produção per capita tem crescido de
forma intensa. E nos últimos anos esse crescimento tem sido auxiliado pelas novas
ferramentas de trabalho e o acesso progressivo à educação. Segundo o IBGE, enquanto um
trabalhador, em 1990, produzia 100 unidades de um produto industrial utilizado como
parâmetro em 2007 passou a produzir 213 unidades desse mesmo produto, ou seja, um
aumento de 113%. Em estudos realizados pelo Dieese uma redução da jornada de 44 para 40,
por exemplo, incorreriam em custos de, irrisórios, 1,99%. Portanto, fica claro os benefícios
que a redução do período de trabalho com manutenção salarial podem trazer para a economia
não só brasileira, mas como a mundial principalmente no países desenvolvidos onde o nível
intelectual médio é considerado alto e, dessa forma, se faz necessário criar mecanismos de
absorção dos indivíduos que poderiam, num cenário de exclusão, está desempregados. A
competição capitalista é benéfica para o progresso financeiro, mas se não imaginar o
indivíduo como ser social acaba por se auto-deteriorar e, de fato, o controle do tempo é ponto
chave desse assunto.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEDECCA, Cláudio Salvadori. Tempo, Trabalho e Gênero. São Paulo. CUT Brasil. 2004.
85-89210-02-2.

FALCÃO, Rui. Pela redução da jornada de trabalho.


www.blogdobourdoukan.blogspot.com/2007/08/pela-reduo-da-jornada-de-trabalho-rui.html

** Liquidez é a facilidade com que um ativo pode ser convertido em dinheiro.

*** Banco de Horas é um sistema no qual empregador e empregados, mediante instrumento


normativo, flexibilizam a jornada de trabalho diária, de forma a aumentá-la ou reduzi-la, para
posterior compensação.

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