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Simpósio: Condutas em enfermaria de clínica médica de hospital de média complexidade - Parte 1

Capítulo III

Infecção do tr
Infecção traato urinário
Urinary tract infection

Jarbas S. Roriz-Filho1,2, Fernando C. Vilar3,4, Letícia M. Mota5, Christiane L. Leal1, Paula C. B. Pisi6

RESUMO
A infecção do trato urinário (ITU) é uma das causas mais comuns de infecção na população geral. É
mais prevalente no sexo feminino, mas também acomete pacientes do sexo masculino principalmente
quando associada à manipulação do trato urinário e à doença prostática. A ITU pode ser classificada
quanto à localização em ITU baixa (cistite) e ITU alta (pielonefrite) e quanto à presença de fatores
complicadores em ITU não complicada e ITU complicada. A ITU é complicada quando estão presentes
alterações estruturais ou funcionais do trato urinário ou quando se desenvolve em ambiente hospitalar.
Na ITU não complicada a Escherichia coli é a bactéria responsável pela maioria das infecções enquan-
to nas ITUs complicadas o espectro de bactérias envolvido é bem mais amplo incluindo bactérias Gram
positivas e Gram negativas e com elevada frequência organismos multirresistentes. ITU é definida pela
presença de 100.000 ufc/mL. Os sinais e sintomas associados à ITU incluem polaciúria, urgência
miccional, disúria, hematúria e piúria. A escolha da terapia antimicrobiana para a ITU varia de acordo
com a apresentação da infecção, hospedeiro e agente. Estratégias envolvendo diferentes esquemas
terapêuticos de acordo com grupos específicos de pacientes maximizam os benefícios terapêuticos,
além de reduzir os custos, as incidências de efeitos adversos e o surgimento de microrganismos
resistentes.

Palavras-chave: Trato Urinário/Infecção. Cistite. Pielonefrite. Bacteriuria assintomática.

Introdução corresponde ao segundo sítio mais comum de infec-


ção na população em geral. Entre indivíduos institu-
Infecção do trato urinário (ITU) representa um cionalizados a ITU é a infecção bacteriana mais co-
sítio frequente de infecção tanto em pacientes da co- mum, com 12 a 30% dessa população experimentan-
munidade como em pacientes internados em unidades do um episódio de infecção por ano.1
hospitalares, representando uma das principais cau- A infecção urinária é responsável por cerca de
sas de infecção nosocomial. ITU é responsável por 40% do total de infecções nosocomiais reportadas ao
8,3 milhões de visitas médicas anuais nos EUA e Center for Diseases Control and Prevention (CDC),

1 Ex-Médico Assistente da Clínica Médica do Hospital Estadual Correspondência:


de Ribeirão Preto. Fernando Crivelenti Vilar
2 Professor Doutor da Faculdade de Medicina da Universidade Hospital Estadual de Ribeirão Preto
de Fortaleza (CE). Avenida Independência, 4750
3 Médico Assistente do Serviço de Controle de Infecção Hospi- 14026-160- Ribeirão Preto - SP
talar do Hospital Estadual de Ribeirão Preto. Telefone: 16-3602-7100
4 Pós-graduando da Área de Clínica Médica da FMRP-USP.
5 Ex-Médica Assistente do Serviço de Controle de Infecção Hos-
pitalar do Hospital Estadual de Ribeirão Preto.
6 Médico Assistente da Clínica Médica do Hospital Estadual de
Ribeirão Preto.

Medicina (Ribeirão Preto) 2010;43(2): 118-25


Medicina (Ribeirão Preto) 2010;43(2):118-25 Roriz-Filho JS, Vilar FC, Mota LM, Leal CL, Pisi PCB.
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nos EUA, com prevalência variável entre 1 a 10%. de 100.000 unidades formadoras de colônias bacte-
É comum em unidades de terapia intensiva onde re- rianas por mililitro de urina (ufc/ml).1 Os sinais e sin-
presenta a terceira infecção mais frequente.2 Nos paí- tomas associados à infecção urinária incluem polaciú-
ses em desenvolvimento a situação não é diferente e ria, urgência miccional, disúria, alteração na colora-
a ITU também é uma importante causa de infecção ção e no aspecto da urina, com surgimento de urina
hospitalar. Em um estudo multicêntrico de prevalência turva acompanhada de alterações no sedimento uri-
transversal na Turquia, observou-se 16% de infecções nário, hematúria e piúria (>10.000 leucócitos/mL). É
do trato urinário, correspondendo à terceira causa de comum a ocorrência de dor abdominal mais notada-
infecção, após pneumonia associada à ventilação me- mente em topografia do hipogástrio (projeção da be-
cânica e infecção da corrente sanguínea.3 xiga) e no dorso (projeção dos rins) podendo surgir
O sexo feminino é mais vulnerável do que o febre.5
sexo masculino para ocorrência de infecção urinária. A infecção urinária pode ser sintomática ou
Mulheres adultas têm 50 vezes mais chances de ad- assintomática, recebendo na ausência de sintomas a
quirir ITU do que os homens e 30% das mulheres denominação de bacteriúria assintomática. Quanto à
apresentam ITU sintomática ao longo da vida. Como localização, é classificada como baixa ou alta. A ITU
a principal rota de contaminação do trato urinário é pode comprometer somente o trato urinário baixo,
por via ascendente, atribui-se esse fato à menor ex- caracterizando o diagnóstico de cistite, ou afetar si-
tensão anatômica da uretra feminina e à maior proxi- multaneamente o trato urinário inferior e o superior,
midade entre a vagina e o ânus característica da geni- configurando infecção urinária alta, também denomi-
tália feminina.1 nada de pielonefrite.5
Embora mais comum em mulheres, a incidên- A ITU baixa (cistite) apresenta-se habitualmen-
cia de ITU aumenta entre homens acima de 50 anos.4 te com disúria, urgência miccional, polaciúria, nictúria
A instrumentação das vias urinárias - incluindo- se o e dor suprapúbica. A febre nas infecções baixas não é
cateterismo vesical - e a ocorrência de doença pros- um sintoma usual. O antecedente de episódios prévi-
tática são os fatores mais implicados no aumento da os de cistite deve sempre ser valorizado na história
incidência no sexo masculino.5 Entre idosos e em indi- clínica. A urina pode se apresentar turva, pela presen-
víduos hospitalizados, as taxas de ITU também são ça de piúria, e/ou avermelhada, pela presença de san-
elevadas pelos fatores citados e pela presença de co- gue, causada pela presença de litíase e/ou pelo pró-
morbidades que aumentam a susceptibilidade às in- prio processo inflamatório.5
fecções. As taxas de ITU são bem maiores nos ho- A ITU alta (pielonefrite) se inicia habitualmen-
mossexuais masculinos, estando relacionadas com a te com quadro de cistite, sendo frequentemente acom-
prática mais frequente de sexo anal não protegido, nos panhada de febre elevada, geralmente superior a 38°C,
indivíduos com prepúcio intacto e em portadores de associada a calafrios e dor lombar uni ou bilateral.
infecção pelo vírus HIV.5 Febre, calafrios e dor lombar formam a tríade de sin-
É de grande utilidade clínica a estratificação da tomas característicos da pielonefrite, estando presen-
infecção urinária em ITU complicada e não complica- tes na maioria dos casos. A dor lombar pode se irradi-
da. Os fatores de virulência bacteriana de um lado e a ar para o abdômen ou para os flancos ou ainda, para a
integridade dos mecanismos de defesa do hospedeiro virilha, situação que sugere mais fortemente a pre-
do outro lado são os principais fatores determinantes sença de litíase renal associada. Os sintomas gerais
do curso da infecção.6 Na ITU não complicada a Es- de um processo infeccioso agudo podem também es-
cherichia coli é a bactéria responsável pela maioria tar presentes, e sua intensidade é diretamente propor-
das infecções enquanto nas ITUs complicadas o es- cional à gravidade da pielonefrite.5
pectro de bactérias envolvido é bem mais amplo inclu- As infecções do trato urinário podem ser com-
indo bactérias Gram positivas e Gram negativas e com plicadas ou não complicadas, as primeiras têm maior
elevada frequência organismos multirresistentes.6 risco de falha terapêutica e são associadas a fatores
que favorecem a ocorrência da infecção.6 A infecção
Definição e apresentação clínica urinária é complicada quando ocorre em um aparelho
urinário com alterações estruturais ou funcionais ou
ITU é definida pela presença de bactéria na quando se desenvolve em ambiente hospitalar. Habi-
urina tendo como limite mínimo definido a existência tualmente, as cistites são infecções não complicadas

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enquanto as pielonefrites, ao contrário, são mais fre- Diagnóstico


quentemente complicadas, pois em geral resultam da
ascensão de microrganismos do trato urinário inferior O termo bacteriúria refere-se à presença de
e estão frequentemente associadas à presença de fa- bactérias na urina, sem invasão tecidual. Na ITU ocor-
tores complicadores (Tabela 1). Um paciente é consi- re invasão tecidual por estes microrganismos, causando
derado portador de ITU de repetição quando acome- inflamação local, que gera sinais e sintomas caracte-
tido por 3 ou mais episódios de ITU no período de rísticos desta infecção. O diagnóstico de ITU baseia-
doze meses.6,7 se na presença de bacteriúria associada aos sinais e
sintomas que denotem inflamação de segmentos do
trato urinário.12
Etiologia
A infecção urinária é caracterizada pelo cresci-
Os agentes etiológicos mais frequentemente mento bacteriano de pelo menos 100.000 unidades for-
envolvidos com ITU adquirida na comunidade são, em madoras de colônias por ml de urina (100.000 ufc/mL)
ordem de frequência: a Escherichia coli, o Staphylo- colhida em jato médio e de maneira asséptica. Em
coccus saprophyticus, espécies de Proteus e de determinadas circunstâncias (paciente idoso, infecção
Klebsiella e o Enterococcus faecalis. A E. coli, so- crônica, uso de antimicrobianos) pode ser valorizado
zinha, responsabiliza-se por 70% a 85% das infecções crescimento bacteriano igual ou acima de 10000 colô-
do trato urinário adquiridas na comunidade e por 50% nias (10.000 ufc/mL). Para pacientes cateterizados e
a 60% em pacientes idosos admitidos em instituições.7 mediante realização de assepsia rigorosa contagem
Quando a ITU é adquirida no ambiente hospi- superiores a 100 UFC/mL podem ser consideradas sig-
talar, em paciente internado, os agentes etiológicos são nificativas.5
bastante diversificados, predominando as enterobac- O nível de bacteriúria significativa pode variar
térias, com redução na frequência de E. coli (embora de acordo com a forma de coleta da amostra de urina,
ainda permaneça habitualmente como a primeira cau- o fluxo urinário, a presença e o tempo de permanência
sa), e um crescimento de Proteus sp, Pseudomonas do cateter urinário e até com o microrganismo isolado.
aeruginosa, Klebsiella sp., Enterobacter sp., Microrganismos com crescimento mais lento, como
Enterococcus faecalis e de fungos, com destaque Enterococcus sp e Candida sp, podem requerer mais
para Candida sp.8,9 tempo para atingir contagem mais elevada de colônias.13
Entre os pacientes com ITU complicada e de A coleta de urina para cultura pela micção deve
repetição tem crescido a incidência de microrganis- ser realizada após limpeza genital externa e rigor de
mos produtores de β-lactamase de espectro estendi- anti-sepsia. Nos pacientes cateterizados, é recomen-
do (ESBL) incluindo a própria E. coli multirresistente dada a coleta por meio da punção do sistema de dre-
o que dificulta o tratamento da infecção urinária e exige nagem no local especialmente designado, após rigoro-
a utilização de antibióticos de largo espectro com fre- sa desinfecção com álcool a 70% deste local, man-
quência cada vez maior.10,11 tendo-se o sistema fechado.12

Tabela 1
Fatores associados à ocorrência de ITU complicada.6,7
Alterações anatômicas, estruturais ou Catéteres, distúrbios miccionais, instrumentação do trato urinário, litíase,
funcionais do trato urinário neoplasias, desordens neurológicas (Ex: Demência, AVC), pacientes acamados

Antecedente de infecções prévias História de ITU na infância, pielonefrite prévia no último ano, ITU refratária no
último ano, 3 ou mais episódios de ITU no último ano, colonização por
uropatógeno multirresistente, antibioticoterapia recente (menos de um mês)

Presença de insuficiência renal Insuficiência pré-renal (Ex: desidratação grave, insuficiência cardíaca), renal
(Ex: glomerulopatias) ou pós-renal (Ex: litíase ureteral, hiperplasia prostática)

Comorbidades que afetam a capacida- Diabetes mellitus, desnutrição, insuficiência hepática, imunossupressão (cân-
de imunológica cer, AIDS), hipotermia.

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No ambiente hospitalar o diagnóstico de ITU é Tabela 2


complicado por diversos fatores.14 A presença de ca- Critérios diagnósticos para ITU nosocomial.12,13
teter urinário dificulta ou impede a verificação dos si-
Critério I
nais e sintomas associados à ITU. A sensação de
disúria, de urgência miccional ou de desconforto su- Urocultura com ≥ 105 UFC/mL (até 2 microrganismos)
prapúbico podem estar relacionados à presença do Um ou mais dos seguintes sinais e sintomas:
cateter urinário, independentemente da existência de
- Febre
ITU.15 Tendo em vista as dificuldades diagnósticas é
comum encontrar disparidade das taxas de infecção - Disúria
urinária nosocomial entre diferentes instituições.12 - Urgência miccional
A identificação de sintomas de infecção uriná- - Frequência miccional
ria em idosos e pacientes em estado confusional agu-
- Dor supra-púbica
do representa dificuldade adicional. Importante res-
saltar que a ausência dos sintomas clássicos não ex- - Aumento da espasticidade muscular (nos casos neuro-
lógicos)
clui o diagnóstico de ITU.16 É comum que em pacien-
tes idosos a única manifestação clínica presente seja
a alteração do nível de consciência associada à con- Critério II
fusão mental. Por outro lado, a ocorrência de bacte-
Dois ou mais dos seguintes sinais ou sintomas sem outra
riúria assintomática em idosos é muito frequente. Es-
causa reconhecida:
tima-se que a bacteriúria assintomática acometa cer-
ca de 11 a 25% dos pacientes idosos sem cateterismo - Febre
vesical intermitente, com resolução espontânea na - Disúria
maioria das vezes.16 - Urgência miccional
Em virtude desta dificuldade diagnóstica e com - Frequência miccional
o objetivo de manutenção de vigilância epidemiológica
adequada recomenda-se a utilização do desenvolvi- - Dor supra-púbica
mento de bacteriúria como critério definidor da - Aumento da espasticidade muscular (nos casos neuro-
ITU.17,18 A infecção urinária deve ser classificada em lógicos)
ITU sintomática ou bacteriúria assintomática. Os cri-
E um dos seguintes:
térios do CDC, que são os mais utilizados para diag-
nóstico de ITU hospitalar, estão especificados na Ta- - Fita positiva para esterase leucocitária e/ou nitrito
bela 2.13 - Piúria (≥ 10.000 leucócitos/mL ou ≥ 10 leucócitos/cam-
A maioria dos casos de ITU hospitalar ocorre po)
após cateterização do trato urinário. Cerca de 80% - Novo microrganismo (<100.000 UFC/mL) na vigência de
das ITUs hospitalares são associadas ao uso de cate- tratamento para ITU prévia
ter vesical e 5 a 10% a outras manipulações do trato - Presença de microrganismo no Gram
urinário. Aproximadamente 10% dos pacientes são
- Médico institui tratamento
cateterizados durante internação hospitalar, com du-
ração média de 4 dias. Entre 10 a 20% dos pacientes - Médico fez diagnóstico de ITU
cateterizados desenvolvem bacteriúria e 2 a 6 % de-
senvolvem sintomas de ITU. Sondagem urinária por
Bacteriúria assintomática
período superior a sete dias é associada a desenvolvi-
- Paciente submetido a cateterização vesical até 7 dias da
mento de ITU em até 25% dos pacientes, com risco
coleta da urocultura
diário de 5%.12
E
Os exames complementares que podem ser
úteis para o diagnóstico de ITU incluem: (1) Urina Paciente ter urocultura positiva com ≥ 100.000 UFC/mL
com no máximo dois microrganismos isolados
rotina, (2) Urocultura (Exame definidor do diagnósti-
co), (3) Antibiograma; e em casos selecionados, (4) E
Hemocultura (Em casos de pielonefrite) e (5) Exa- Paciente não ter febre (T ≥ 38°C), disúria, urgência
mes de imagem (Ultrassonografia, Tomografia com- miccional ou frequência miccional

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putadorizada e Ressonância Magnética).5,12 A Tabela 500 mg VO de 12/12 h passa a fazer parte das opções
3 sumariza os achados encontrados nesses exames e terapêuticas.24
o papel de cada um no auxílio diagnóstico da ITU. Em gestantes com cistite de origem comunitá-
ria, algumas contraindicações relativas a determina-
Tr atamento dos antimicrobianos promovem uma redução signifi-
cativa com relação às drogas potencialmente utilizá-
A escolha da terapia antimicrobiana para a ITU veis. As possibilidades terapêuticas disponíveis para a
varia de acordo com a apresentação da infecção, hos- gestante são antibióticos beta-lactâmicos, nitrofuran-
pedeiro e agente. Estratégias envolvendo diferentes toína e fosfomicina.25
esquemas terapêuticos de acordo com grupos especí- Quando a cistite ocorre em pacientes do sexo
ficos de pacientes maximizam os benefícios terapêu- masculino a ciprofloxacina é uma opção terapêutica e
ticos, além de reduzir os custos, as incidências de efei- o tempo de tratamento se prolonga para 10 a 14 dias.
tos adversos e o surgimento de microrganismos resis- Caso o paciente possua mais de 60 anos, justifica-se a
tentes.19 A Tabela 4 resume estas opções. realização do exame de próstata e a solicitação de
O tratamento de ITU baixa (cistite) de origem urocultura e teste de sensibilidade a antimicrobianos
comunitária em mulheres jovens imunocompetentes e deve ser realizada em todos os casos.
sem fatores associados à ocorrência de ITU compli- O uso de Sulfametoxazol+Trimetoprin, ampla-
cada (Tabela 1) pode ser instituído empiricamente sem mente difundido em guias internacionais, poderá ser
a solicitação de urocultura. Para isto deve existir dois utilizado baseado em teste de sensibilidade a antimi-
ou mais dos sintomas como disúria, urgência miccional, crobianos e não em tratamento empírico, devido ao
polaciúria, nictúria e dor suprapúbica, associado ao aumento de resistência desta droga em isolados de
encontro de leucocitúria na urina tipo 1.20/23 Já em Escherichia coli.26
mulheres idosas ou diabéticas, a investigação com Os antimicrobianos da classe dos aminoglicosí-
urocultura é necessária, o tempo de uso dos agentes deos, apesar de possuírem excelente ação sobre
deve ser prolongado (10 a 14 dias) e a ciprofloxacina enterobacteriácias no trato urinário, têm seu uso res-

Tabela 3
Exames complementares utilizados para o diagnóstico de ITU.5,12

Urina Rotina Presença de piúria (≥ 10.000 leucócitos/mL ou ≥ 10 leucóci-


tos/campo), de hematúria e de bacteriúria; Fita positiva para
leucocitoesterase e/ou nitrito

Urocultura Isolamento do agente etiológico da infecção a partir de


bacteriúria significativa (habitualmente ≥ 100.000 UFC/mL)

Teste de Sensibilidade a Antimicrobianos – TSA Complementar à urocultura. Fornece os antibióticos poten-


(Antibiograma) cialmente úteis a serem prescritos a partir do padrão de
sensibilidade do microrganismo

Hemocultura Não tem valor em pacientes com cistite. Nos casos de


pielonefrite positiva em 25 a 60% dos casos e pode indicar
maior risco de sepse

Exames de Imagem A ultra-sonografia, a tomografia computadorizada e a res-


sonância magnética têm indicação restrita àqueles casos
de cistite/pielonefrite não resolvidos com terapia empírica;
assumem maior importância para o diagnóstico de compli-
cações e, também, para evidenciar alterações estruturais e/
ou funcionais do sistema urinário.

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Tabela 4
Opções terapêuticas para Infecções do Trato Urinário (adultos com função renal normal)
Classificação da ITU Antimicrobiano

ITU baixa (cistite) de origem comunitária em 1. Norfloxacino 400 mg Via Oral (VO) de 12/12 h por 7 dias;
mulheres jovens imunocompetentes e sem fa- 2. Nitrofurantoína 100 mg VO de 6/6 h por 7 dias;
tores associados à ocorrência de ITU compli- 3. Cefuroxima 250 mg VO de 12/12 h por 7 dias;
cada 4. Cefalexina 500 mg VO de 6/6 h por 7 dias;
5. Fosfomicina trometamol: 3 g de pó, diluídos em meio copo d’água, em
única tomada, com a bexiga vazia, antes de dormir.

ITU alta (pielonefrite) de origem comunitária e 1. Ciprofloxacino 500 mg VO de 12/12 h por 10 a 14 dias;
não complicada (tratamento ambulatorial com 2. Cefuroxima 500 mg VO de 12/12 h por 10 a 14 dias;
reavaliação a cada 48 h)

ITU alta (pielonefrite) de origem comunitária 1. Ciprofloxacino 400 mg IV de 12/12 h por 14 dias;
com fatores de complicação (tratamento ini- 2. Cefuroxima 750 mg IV de 8/8 h por 14 dias;
cial em regime de internação hospitalar) 3. Ceftriaxona 1 g IV de 12/12 h por 14 dias;(a terapia via oral deve ser
avaliada após 48 a 72 h com paciente afebril e apresentando melhora
clínica)

ITU de origem hospitalar (o tratamento deve Drogas potencialmente ativas contra agentes hospitalares:
ser guiado pela urocultura e antibiograma. O - Ciprofloxacina 400 mg IV de 12/12h;
tratamento empírico deve ser orientado pelo - Ceftazidima 2 g IV de 8/8 h;
conhecimento prévio da resistência microbiana - Cefepima 2 g IV de 12/12 ou 8/8 h;
de cada instituição). - Ampicilina 2 g + Sulbactam 1 g IV de 8/8 ou 6/6h;
- Piperacilina 4 g + Tazobactan 0,5 g IV de 8/8 h;
- Ertapenen 1 g IV 1x ao dia;
- Imipenen 500 mg IV de 6/6 h;
- Meropenen 1 g IV de 8/8 h;
- Amicacina 15mg/Kg/dia em dose única;
- Polimixina B 25.000 UI/Kg/dia fracionada em infusões de 12 h

tringido devido ao potencial de nefrotoxicidade e a antimicrobianos endovenosos deverá ser instituído até
existência de drogas com excelente ação e com perfil que se encontrem sem febre por um período de 48 a
de segurança maior em relação aos efeitos colaterais. 72h, quando a terapia pode ser completada por via
Entretanto são opções válidas nos casos de contrain- oral. Em caso de internação hospitalar, recomenda-se
dicações de outros agentes ou guiado por teste de sen- a coleta de hemoculturas e a realização de ultrasso-
sibilidade a antimicrobianos, não sendo, portanto, indi- nografia.
cado entre as primeiras opções para tratamento.27 As O tratamento da ITU hospitalar baixa ou alta
drogas e doses utilizadas são: Gentamicina 3mg/Kg/ (Tabela 2), considerando a variedade de microrganis-
dia dividido em 3 doses diárias e Amicacina 15mg/Kg/ mos infectantes no ambiente hospitalar e a variação
dia em dose única com infusão de 1h. em sua sensibilidade, deve fundamentar-se no isola-
A ITU alta (pielonefrite) de origem comunitá- mento da bactéria na urocultura e na sensibilidade
ria e não complicada inicialmente pode ser tratada em demonstrada ao antibiograma.28
regime ambulatorial, com reavaliação a cada 48 h para A bacteriúria assintomática definida pela pre-
determinar a efetividade do tratamento. Em pacientes sença de bactérias na urocultura (>100.000 UFC/ml)
com sinais de instabilidade ou com fatores associados e ausência de sinais e sintomas clínicos de infecção,
à ocorrência de ITU complicada, devem preferenci- não deve ser tratada em mulheres jovens não grávi-
almente ser internados. Nestes pacientes o uso de das. Em gestantes, pacientes submetidos a transplan-

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te de órgãos sólidos, granulocitopenia, pré-operatório colher nova amostra de urocultura em 48h. Caso per-
de cirurgias urológicas e pré-operatório de colocação sistir a positividade, está indicado o tratamento; -
de próteses, devemos instituir tratamento para bacte- candidúria sintomática: sempre retirar ou trocar a SVD
riúria assintomática guiados pelo teste de sensibilida- quando presente e instituir tratamento, principalmen-
de a antimicrobianos.29 te, para pacientes que tenham sido submetidos previ-
Nos casos em que a ITU é causada por fun- amente a múltiplos agentes antimicrobianos, transplante
gos, a Candida albicans predomina entre os agentes de órgãos sólidos, granulocitopenia e indicação ou
isolados. A abordagem nos casos de candidúria é se- manipulação invasiva ou cirúrgica de vias urinárias.30
melhante aos agentes bacterianos: - candidúria assin- O tratamento da ITU fúngica deve ser dirigido
tomática (ausência de sintomas clínicos, ausência de pela cultura, pois existem cândidas resistentes aos
piúria e presença de urocultura positiva com >10.000 agentes mais comumente utilizados na abordagem
UFC/ml) em pacientes sem fatores de risco, estes não empírica. Entretanto, quando esta abordagem se faz
deverão receber tratamento. Na presença fatores de necessária, o uso de Fluconazol 200 mg ao dia por 7 a
risco (transplante de órgãos sólidos, granulocitopenia, 14 dias deve ser instituído. Em casos onde o agente é
pré-operatório de cirurgias urológicas) e sondagem resistente a este azólico, deve-se utilizar Anfotericina
vesical de demora (SVD), deve-se retirar a sonda e B na dose de 0,3 - 1 mg/Kg.31

ABSTRACT
Urinary Tract Infection (UTI) is one of the most common causes of infection in the general population. It
is more prevalent in females, but also affects male patients especially when associated with manipula-
tion of the urinary tract and prostate disease. The UTI can be classified according to location in lower UTI
(cystitis) and high UTI (pyelonephritis) and according the presence of complicating factors in uncompli-
cated UTI and complicated UTI. The ITU is complicated when structural or functional abnormalities of the
urinary tract are present or when it develops in the hospital. In uncomplicated UTI, Escherichia coli is the
bacteria responsible for most infections while in complicated UTIs the bacterial spectrum involved is
much broader including Gram positive and Gram-negative and high-frequency multi-resistant organ-
isms. UTI is defined by the presence of 100000 cfu/mL. Signs and symptoms associated with UTI
include urinary frequency, urinary urgency, dysuria, hematuria and pyuria. The choice of antimicrobial
therapy for UTI varies with the presentation of the infection, host and agent. Strategies involving different
treatment regimens according to specific patient groups maximize the therapeutic benefits and reduce
costs, the incidences of adverse effects and the emergency of resistant organisms.

Key words: Urinary Tract/Infection. Cystitis. Pyelonephritis. Asymptomatic bacteriuria.

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