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Rafael da Gama
Doutorado em História
São Paulo
2019
2
Rafael da Gama
Doutorado em História
São Paulo
2019
3
Banca Examinadora
________________________________________
________________________________________
________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
4
AGRADECIMENTOS
1
NORTE EVANGÉLICO. Garanhuns, 1925.
8
RESUMO
GAMA, Rafael da. “Por uma religião nacional”: a separação entre Igreja e Estado e a
disputa religiosa entre católicos e protestantes em Belém do Pará (1889-1931). Tese
(Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2018.
ABSTRACT
GAMA, Rafael da. “For a national religion”: the separation between Church and State
and the religious dispute between catholics and protestants in Belém do Pará (1889-
1931). Thesis (Doctorate in History), PUC-SP, São Paulo, 2018.
In this research, we will try to look into Christianity in Belém do Pará from the religious
dispute of its main aspects in the city: Catholicism and Protestantism. The selected time
(1889-1931) is significant because it has as a milestone the end of the empire and the
beginning of the First Republic in Brazil and, consequently, the official separation of the
Catholic Church from the Brazilian State. With this, we note that Catholics and
Protestants structure their discourses and religious practices influenced by this new
political moment that begins. Through the analysis of periodicals, means of the great
communication like books and records of memory produced in the period, we will
analyze the religious dispute between Catholics and Protestants in the city, which took
great proportions from the symbolic field to the physical one, in a conjuncture of
separation between Church and State in the new political regime represented by the
republican regime. We will try to analyze a specific religious dynamic present in Belém
do Pará, with its majority Catholicism and a fervent devotion to the Virgin of Nazareth. A
minority Protestantism, but better consolidated in the city and always acting as active
agents, whether religious, social or political, and the beginning of the Pentecostal
movement that emerged in the period, as a side of Protestantism that brought with itself
supernatural elements that managed to dialogue with the Catholicism that was popular in
the region. In this specific political-religious scenario, Catholics and Protestants reveal
quarrels among themselves that go beyond clashes on the theological level, showing us
a dispute for the recognition of being seen as the main religions of the nation. In a
political formation of absence from an official religion, Catholics and Protestants seek to
represent themselves as salvific solutions not only in the religious sphere, but as
important elements for the country's prosperity, dialoguing with a political discourse and
thus seeking to be recognized by the State and by society as the true national religions.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................ 13
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 285
12
LISTA DE FIGURAS
APRESENTAÇÃO
2
PILAGALLO, Oscar. O sagrado na história: cristianismo. São Paulo: Dueto, 2010.
3
Diversos autores retratam que, após o cristianismo se tornar a religião oficial do Império Romano e
nos próximos séculos se tornar hegemônico na sociedade, já dá um retrato de que uma nova
civilização surgia, mesmo que o estado ainda fosse considerado ―romano‖. Dão embasamento para
essa visão: STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo: um sociólogo reconsidera a história.
São Paulo: Paulinas, 2006. FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2007.
4
Até anos atrás, uma boa parte da historiografia paraense analisava o período procedente do final do
século XIX e início do XX. Um período de grandes transformações urbanas na cidade de Belém. Com
uma economia em alta devido ao comercio internacional da borracha, grandes obras foram feitas em
sua estrutura inspiradas em características urbanas de cidades europeias, além de parte da
população que, a partir da sua admiração pelo povo europeu, procurou absorver seus costumes e
valores. A década de 1920 já nos mostra um período em que a cidade passa por uma crise
econômica e uma renovação de valores, quando percebemos mulher mais atuante na sociedade,
mudança em hábitos de lazer como ida a cinemas, bailes noturnos, clubes, e um processo de ―norte-
americanização‖ em que parte da sociedade procurou ter modelos norte-americanos de
comportamento social, o que alguns autores chamam de ―yankismos‖. Para saber mais, ver:
14
CORRÊA, Ângela Tereza de Oliveira. História, cultura e música em Belém: décadas de 1920 a
1940. Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2010. Idem. Músicos e poetas na Belém
do início do século XX: incursionando na história da cultura popular. Dissertação (Mestrado em
Planejamento do Desenvolvimento - PLADES), NAEA-UFPA, Belém, 2002. GAMA, Rafael. O sistema
mágico: a imprensa e os valores femininos presentes no cinema (1938-1941). Dissertação (Mestrado
em História), PUC-SP, São Paulo, 2014. CANCELA, Donza Cristina. Relações familiares em Belém
(1890-1940). In: BEZERA NETO, José Maia; GUZMAN, Décio Alencar (Orgs.). Terra matura:
historiografia e história social na Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2002, p.407-421. GOUDINHO, Liliane
Cavalcante. Mulher e ação católica em Belém (1939-1947). Dissertação (Mestrado em História),
PUC-SP, São Paulo, 2003.
15
5
PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1984.
6
CRUZ, Heloísa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador:
conversas sobre história e imprensa. Projeto História. São Paulo, n. 35, 2007, p.183.
7
THOMPSON, Edward Palmer. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao
pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p.183.
19
Brasil e como isso ocorreu. Veremos ainda, por meio das análises feitas pelos
periódicos do pastor metodista Justus Nelson, como essa temática era discutida no
Norte do país e como era aplicada na prática. A partir do episódio da prisão de
Justus Nelson por ataques ao principal símbolo religioso da fé católica paraense, a
devoção a virgem de Nazaré, entenderemos como a separação entre Igreja e
Estado (e o conceito de liberdade religiosa trazidos pela república que despontava)
ocorria na prática misturada às tensões e aos conflitos com o catolicismo vigente.
No capítulo 5, ―Cristianismo e república: A disputa pela ―Religião Nacional‖,
nos utilizaremos de jornais católicos, como o ―A Palavra‖ e Jornais protestantes
como ―O Apologista Christão Brazileiro‖, ―Norte Evangélico‖ e ―O jornal Baptista‖
para retratar como o cristianismo na nova república se reconfigurava a partir do
processo de separação entre Igreja e Estado. Analisaremos o discurso específico
diferenciado das principais vertentes cristãs que desejavam ser reconhecidas como
a religião verdadeira e oficial do país. Veremos também como católicos e
protestantes procuravam se representar como religiões que seriam benéficas para a
nação brasileira caso se tornassem (protestantes) ou se mantivessem hegemônicas
(católicos). Essas vertentes cristãs propunham um salvacionismo que ia muito além
do âmbito religioso, mas também econômico e social para a nação. Analisaremos
que, assim como nas outras regiões do ocidente hegemonicamente cristãs, a
religião sempre se entrelaçava com a estrutura política, mesmo em um estado
juridicamente sem uma religião oficial. Sob as lentes do cenário de Belém do Pará,
notaremos que o processo de laicidade na República teve como característica uma
disputa religiosa entre vertentes cristãs já consolidadas na sociedade, e que sempre
dialogaram com a estrutura política do Estado durante toda a República Velha – uma
relação entre religião e política que podemos perceber em todo o ocidente até os
dias atuais.
21
O catolicismo, desde o século IV, foi uma religião que seguiu atrelada aos
estados nos quais se tornava hegemônico, desde o Império Romano, Franco,
Bizantino, Caroningio e Merovingio à formação do continente europeu. Em todos
esses períodos, há a forte atuação da Igreja Católica na mentalidade social e na
influência das autoridades de estado. Em alguns momentos, tal influência se torna
tão poderosa quanto a de reis e imperadores.9
No século XVI, o protestantismo foi uma vertente cristã que rompeu com a
Igreja Católica, causando a maior cisão do cristianismo já registrada na história, que
se disseminou pela Europa e se fundiu a diversas nações, adotada por membros da
nobreza e autoridades de estado. A relação entre essas duas formas de
religiosidade cristã sempre foi conflituosa, contudo essas foram, simultaneamente,
as duas principais vertentes do cristianismo que mais se expandiram ao longo da
história e transformaram a cultura ocidental.
8
DUBOIS, Florencio. A devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949, p.69.
9
Para melhor embasamento sobre esse período, nos debruçamos em obras como: DAWSON,
Christopher. Criação do Ocidente – A religião e a civilização medieval. Tradução e apresentação à
edição brasileira de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2016. LE GOFF, Jaques. Por uma
outra Idade Média. Lisboa: Estampa, 1985.
22
10
MAUÉS, Heraldo. Ação das ordens e congregações religiosas da Amazônia. Belém: Ed. da
UFPA, 1968, p.20.
11
SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a Belle-Époque (1878-1907) Belém:
Paka-Tatu, 2000.
23
12
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980. Após um tempo de pesquisa também tivemos contato
com a obra de Raymundo Heraldo Maués, na qual faz uma análise bem semelhante à nossa,
justamente por se embasar no mesmo autor, David Vieira Gueiros; assim, por ordem, decidimos
também referenciá-lo aqui. MAUÉS, Raymundo Heraldo. Uma outra invenção da Amazônia:
religiões, histórias e identidades. Belém: Cejup, 1999, p.123.
13
MAUÉS, op. cit., p.196.
14
Ibidem, p.198.
15
Idem. Padres, pajés, santos e festas: catolicismo popular e controle eclesiástico - Um estudo
antropológico numa área do interior da Amazônia. Belém: Cejup, 1995, p.207.
24
O autor nos mostra que nesse sincretismo havia uma certa hierarquia, onde
os santos, diferentemente dos encantados, não precisam incorporar o pajé. Eles
mesmos curam diretamente o doente. Os santos, ícones do catolicismo, ocupavam a
preferência não apenas na identidade dos praticantes da pajelança, como na própria
dinâmica do ritual.
A cura é elemento de crença presente no imaginário religioso popular,
especialmente se tratando dos santos. Maués menciona relatos de devotos aos
santos ou à Virgem Maria, como este: ―Uma mulher que era cega fez a promessa de
preparar um manto novo pra ela, caso recuperasse a visão. Conseguindo sua graça,
preparou o manto mais belo e mais rico que pôde confeccionar‖. 16 Ou quando
ocorreu uma epidemia de Varíola no estado, menos na região da Vigia, sendo esse
―não contato‖ da doença interpretado por muitos moradores como uma proteção feita
por Nossa Senhora, como relata o caboclo entrevistado pelo antropólogo: ―Meu tio
disse que não, que esse ano constô que deu muito essa doença, mas na Vigia, no
Itapuá tudo, num deu. Eles calcularam que aquilo só podia sê Nossa Senhora que
estava livrando os inocentes ali daquela passagem.‖17
Esse mundo encantado e sincrético presente na região, no qual santos e
entidades xamânicas conviviam curando os enfermos, era um imaginário religioso
enraizado e naturalizado e fazia parte do catolicismo majoritário local.18
Pela própria herança da religiosidade católica que por aqui foi propagada no
século XVI, notamos uma crença muito forte do catolicismo popular paraense, que
se revelava por meio da devoção dos santos e suas imagens. O ―santo particular‖ do
paraense poderia ser bem tratado se tudo ocorresse bem em sua vida e na de seus
familiares, se suas preces forem atendidas regularmente, mas a imagem poderia
sofrer punições caso o propósito do fiel não fosse atendido, como enterrar a cabeça
da imagem na areia ou pendurá-la em uma árvore.
16
MAUÉS, Raymundo Heraldo. Padres, pajés, santos e festas: catolicismo popular e controle
eclesiástico - Um estudo antropológico numa área do interior da Amazônia. Belém: Cejup, 1995,
p.176.
17
Ibidem.
18
David Vieira Gueiros, em sua obra ―O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil‖,
ao falar sobre a vinda de ordens religiosas católicas de seminários franceses a Belém, fala das
constantes reclamações dos sacerdotes acerca das práticas dos católicos paraenses, ―simpatias‖,
―mandingas‖, além de outros problemas como corrupção do clero e idolatria, como discutiremos mais
adiante. GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980.
25
19
Utilizaremos aqui perspectiva de um catolicismo popular como um conjunto de crenças e práticas
que fazem parte de um catolicismo pluralizado. Práticas socialmente reconhecidas como católicas, de
que partilham sobretudo os não especialistas do sagrado, quer pertençam as classes subalternas ou
às classes dominantes, mas que não são inicialmente vinculadas a Igreja Católica como instituição. O
autor ressalta que a relação entre crenças populares e clericais não era sempre contraditória, em
diversos momentos dialogavam entre si, a ponto de muitas vezes essas crenças serem cooptadas
pela Igreja católica institucional. Notaremos esse fenômeno na própria pesquisa, ao perceber a forma
como a Virgem de Nazaré era retratada no Brasil República, legitimada tanto por populares, quanto
por clérigos de renome na cidade.
20
Para as informações presentes nesse parágrafo, nos embasamos inicialmente na obra de David
Vieira Gueiros, que retrata o cenário religioso paraense. GUEIROS, David Vieira. O protestantismo,
a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980.
26
21
BHA BHA, Homi. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis,
Gláucia Renate Gonçalves. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, Humanitas, 2013, p.20.
27
22
DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949, p.41.
23
TEIXEIRA, Carlos Alberto da Conceição. Círio: a construção de um texto cultural através da
semiosfera amazônica. Dissertação (Mestrado em Semiótica), PUC-SP, São Paulo, 1999, p.59.
24
DUBOIS, op. cit., p.46.
25
TEIXEIRA, op. cit., p.60.
26
Ibidem, p.61.
28
27
CORREIA, Ivone Maria Xavier de Amorim. Círio de Nazaré: a festa da fé e suas (re)significações
culturais - 1970-2008. Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2010, p.21.
28
DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949, p.70.
29
29
DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949, p.67.
30
Ibidem, p.69.
30
Como já vimos, essa devoção aos santos e adoração ao santo particular era
uma prática corriqueira entre os populares no Pará, e particularmente a ―devoção
extremada‖ dos paraenses à imagem de Nossa Senhora de Nazaré. A prática
incomodou o Bispo do Pará no final do Século XIX, Dom Macedo Costa a tal ponto
que ele entendeu que era sua responsabilidade ―regulamentar todas as questões
relativas ao culto da santa; devendo atar novamente a obediência dos católicos ao
prelado, deixando o governo e a religião sob autoridade da igreja‖ 32. Nesse período,
o Círio de Nazaré, seu planejamento e organização, os cuidados da imagem da
santa no decorrer do ano, a pequena capela construída no local onde a imagem da
santa foi vista pela primeira vez, eram de responsabilidade da Irmandade de Nazaré.
Dom Macedo Costa,
31
DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949, p.79.
32
NEVES, Fernando Arthur. Solidariedade e conflito: estado liberal e nação católica no Pará sob o
pastorado de Dom Macedo Costa (1862-1889). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2009, p.215.
33
Ibidem, p.218.
34
Ibidem, p.219.
31
35
Esse relato é bem fundamentado na tese de Fernando Arthur Neves e no livro do padre Florencio
Dubois. NEVES, Fernando Arthur. Solidariedade e conflito: estado liberal e nação católica no Pará
sob o pastorado de Dom Macedo Costa (1862-1889). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São
Paulo, 2009. DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949.
32
que o Papa ―não podia e nem devia transigir com o liberalismo e com a civilização
moderna‖36.
36
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Cesares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.290.
37
Ibidem, p.290.
38
NEVES, Fernando Arthur. Solidariedade e conflito: estado liberal e nação católica no Pará sob o
pastorado de Dom Macedo Costa (1862-1889). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2009, p.223.
33
39
NEVES, Fernando Arthur. Solidariedade e conflito: estado liberal e nação católica no Pará sob o
pastorado de Dom Macedo Costa (1862-1889). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2009, p.223.
40
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.182.
34
41
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.
35
42
PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1984, p.42.
36
43
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.09.
44
Ibidem, p.27.
38
45
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.27.
46
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Cesares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.235.
39
morte de clérigos, até sua expulsão do país, ocasião da terceira república no final do
século XIX e início do XX. Como exemplo desse exílio de ordens católicas
francesas, temos a própria Ordem Barnabita que analisaremos neste capítulo.
Na adesão do Pará ao regime republicano não foi diferente, logo se procurou
mudar nomes de ruas, avenidas, escolas e praças, especialmente nos espaços que
tinham nomes que referiam o regime monárquico. Como exemplo temos as
travessas com nomes de ícones do período republicano, como Quintino Bocaiúva
(antiga Travessa Príncipe), Serzedelo Correa, Avenida Gentil Bittencourt, Ruy
Barbosa, Benjamin Constant, além dos nomes de alguns palácios, como o Antônio
Lemos, Lauro Sodré e escolas como a tradicional Paes de Carvalho (antigo Liceu
Paraense) e Justo Chermont. Nos primeiros dois anos da República, no estado
também já se elaboravam festas cívicas para comemorar as datas de 15 e 16 de
novembro, referentes à data da proclamação da república, com bandas, orquestras
e foguetes. Houve ainda a construção de monumentos aludindo a símbolos
republicanos a serem exautados, que como exemplo significativo temos a praça
Dom Pedro II, que teve alterado o nome para ―Praça da República‖ e ali se construiu
o ―Monumento à República‖, considerado um dos maiores monumentos republicanos
do país.47
Mesmo com esses símbolos republicanos sendo aplicados aqui e com a
separação da Igreja e do Estado concretizados nas repúblicas ―pós-revolução
francesa‖ houve uma reação da Igreja diante desses fenômenos. No século XIX,
papas como Pio IX, Leão XIII e Gregório XVI lançaram encíclicas como a ―Quanta
Cura‖ e ―Sylabus‖ que eram contrárias a ideais como o naturalismo, o comunismo, o
liberalismo, a ideia de progresso advinda do positivismo e o protestantismo.48 A
Igreja também incentivou o maior proselitismo dos leigos com a ―Ação católica‖ e o
―movimento social católico‖49, além do forte apelo ao marianismo vigente,
dogmantizando a doutrina da Immaculada Conceição.50
47
MOURA, Daniella de Almeida. A república paraense em festa (1890-1911) - por outras
referências. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia), UFPA, Belém - PA, 2008. Nessa
dissertação de mestrado, a autora retrata a conjuntura da cidade no período da primeira república,
descrevendo a situação do novo regime político no país e logo delimitando sua análise ao estado do
Pará, especialmente à cidade de Belém, as festas cívicas, monumentos e mudanças de nomes de
ruas que ocorriam na cidade à época.
48
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Cesares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.290.
49
Ibidem, p.288.
50
Ibidem, p.290.
40
55
GOUDINHO, Liliane Cavalcante. A palavra que vivifica e salva contra o mal da palavra que
mata: imprensa católica em Belém (1910-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2014, p.51.
56
MERCES, José. M. Ramos. Barnabitas no Brasil - 100 anos. Belém: Sociedade Brasileira de
Ação e Cultura (Província dos Barnabitas do Norte), 2003, p.20.
57
Ibidem, p.20.
58
Ibidem, p.20.
42
59
MERCES, José. M. Ramos. Barnabitas no Brasil - 100 anos. Belém: Sociedade Brasileira de Ação
e Cultura (Província dos Barnabitas do Norte), 2003, p.30.
60
MAUÉS, R. Heraldo. Padres, pajés, santos e festas: catolicismo popular e controle eclesiástico.
Belém: Cejup, 1995, p.63.
43
A intensão dos barnabitas era fazer uma reforma no santuário, mas que, na
prática, caracterizou o reestabelecimento de uma nova igreja. A ideia era a
construção de uma basílica com uma ornamentação que a caracterizasse como um
grande templo. A obra, que começou em 1909, durou 14 anos, sendo reconhecida
como a terceira Basílica do Brasil, em 1923.
61
MERCES, José. M. Ramos. Barnabitas no Brasil - 100 anos. Belém: Sociedade Brasileira de Ação
e Cultura (Província dos Barnabitas do Norte), 2003, p.54.
62
Ibidem, p.52.
44
63
Interior da Basílica, colunas de granito de Baveno (Alpes). DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a
Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949.
64
Ibidem.
45
65
O ESTADO DO PARÁ. Belém, 1916. Apud: DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora
de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949.
46
68
―Vista do altar-mor todo em mármore de Carrara. As colunas que regem a mesa são de vermelho
de Verona. No centro o sacrário, com sua porta de bronze, verdadeira obra-prima de buril da Casa
Bertarelli de Milão. No alto fazendo centro a uma grandiosa glória, a pequena e histórica imagem da
Virgem de Nazaré, donde partem lindos raios, do mais puro mármore de Carrara, engastados de
mosaico ouro.‖ DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro,
1949.
48
69
DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949.
49
70
COELHO, Geraldo Martires. No coração do povo: o monumento à República em Belém - 1891-
1897. Belém: Paka Tatu, 2002, p.64.
71
Ibidem, p.138.
50
72
COELHO, Geraldo Martires. No coração do povo: o monumento à República em Belém - 1891-
1897. Belém: Paka Tatu, 2002, p.132.
73
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.75.
74
Ibidem, p.93.
75
Ibidem, p.94.
51
76
CHOAY, Françoise. Alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade; Editora UNESP,
2001, p.18.
77
LE GOFF, Jaques. História e Memória. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1994.
52
78
COELHO, Geraldo Martires. No coração do povo: o monumento à República em Belém - 1891-
1897. Belém: Paka Tatu, 2002.
53
79
COELHO, Geraldo Martires. No coração do povo: o monumento à República em Belém - 1891-
1897. Belém: Paka Tatu, 2002.
80
Ibidem.
54
Como dito acima, a imprensa católica no Pará se fez presente do século XIX
ao início do XX. Os meios de comunicação de massa, no geral, faziam parte dessas
diversas mudanças ocorridas na urbe. O maior nível de instrução das pessoas nas
áreas urbanas e o consequente aumento ao acesso aos conteúdos publicados
contribuíram para a elevação das tiragens.
Heloísa Cruz em seus estudos sobre a imprensa em São Paulo no final do
século XIX e início do XX nos diz o quanto a imprensa, além de crescer em
publicações, também se diversifica, ―chegando ao público através de um grande
número de publicações das mais variadas modalidades; através da expansão de
suas tiragens, acompanham o salto populacional da cidade‖. Ainda, segundo essa
autora, a imprensa foi, nesse período, um fator importante no letramento da
população.
Belém também se mostrou um território urbano em crescimento no estado
do Pará, e ali notamos uma maior variedade de tipos de imprensa. No século XX
havia uma alta circulação de jornais e revistas na cidade de Belém, desde o jornal
informativo ―Folha do Norte‖, que circulava desde o final do século XIX, até revistas
que passaram a ser publicadas nesse período. Entre elas, as mais populares e
duradouras eram ―A Semana‖ e ―Belém nova‖, que na década de 1920 eram
publicadas quinzenalmente e até semanalmente. A revista ―A Semana‖ continuou a
ser publicada na década de 1930, mas não era a única revista em circulação na
cidade, havia outras, como ―Terra Imatura‖ e ―Pará Ilustrado‖. Encontramos muitos
exemplares delas nos acervos do Pará. Assim percebemos tanto uma similaridade
desse fenômeno do crescimento urbano em Belém como uma maior propagação da
imprensa, que junto ao cinema, rádio e outros meios de comunicação, propagavam
e construíam valores, hábitos e comportamentos urbanos. A imprensa serve como
um elemento de propagação desses ideais de cidade, que se articula com as
transformações no meio urbano como nos relata Heloísa Faria Cruz.
81
CRUZ, Heloísa. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana - 1890-1915. São Paulo:
Educ/ Fapesp/ Imprensa Oficial/ Arquivo do Estado, 2000.
82
Dentre os trabalhos que retratam a rearticulação da imprensa católica no Brasil república, destaca-
se a tese de Liliane Cavalcante Goudinho sobre imprensa católica no Pará, já abordada neste
capítulo. GOUDINHO, Liliane Cavalcante. A palavra que vivifica e salva contra o mal da palavra
que mata: imprensa católica em Belém (1910-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São
Paulo, 2014.
56
doutor Paulino de Almeida Brito. O livro ―Barnabitas no Brasil - 100 anos‖ mostra Pe.
Florence Dubois como um comunicador, formado em retórica pela Sorbonne de
Paris aos 19 anos, e que veio a Belém junto com a Ordem Barnabita chegando ao
Pará em 1905. O padre é retratado como dono de ―uma invejável cultura‖, e assim
foi se tornando a liderança católica que melhor conseguia se articular como um
comunicador, conseguindo ser editor-chefe do jornal ―A Palavra‖ e ganhando espaço
no jornal da grande imprensa local, o ―Folha do Norte‖.
Padre Dubois era um padre barnabita famoso por sua defesa ferrenha à fé
católica, característica que se revelava nitidamente em seus artigos publicados na
maior parte das edições recolhidas do jornal ―A Palavra‖, e que ocupavam sempre a
primeira página. Os temas recorrentes dessas matérias refletiam as temáticas
frequentes do jornal: críticas ao comunismo, ao espiritismo, regras de usos e
costumes e ataques ao protestantismo. Periodicamente havia matérias em que o
comunismo era a temática central, cujos argumentos desqualificavam tanto a
ideologia quanto os países que se declaravam comunistas, especialmente a Rússia,
como nesta matéria, intitulada ―Comunismo‖.
83
A PALAVRA. ―Comunismo‖. Belém, 1931.
57
84
Lenin considerava que: ―A religião é uma das formas de opressão espiritual que pesa em toda a
parte sobre as massas populares, esmagadas pelo seu perpétuo trabalho para outros, pela miséria e
pelo isolamento.‖ Apud: NOVA CULTURA. Lenin: "Socialismo e Religião". 21/05/2018. Disponível em:
<https://www.novacultura.info/single-post/2018/02/18/Lenin-Socialismo-e-Religiao>. No livro de Albert
Galter, ―O livro vermelho da igreja perseguida‖, vê-se de forma pormenorizada as tensões entre o
estado russo após a revolução comunista e a Igreja Católica ali presente. Desde uma desconstrução
simbólica a prisões e mortes de lideranças católicas, o que nos faz entender um pouco sobre as
constantes críticas do catolicismo ao regime comunista russo. GALTER, Albert. O livro vermelho da
igreja perseguida. Petrópolis, RJ: Vozes, 1953.
58
86
A PALAVRA. ―O espiritismo‖. Belém, 09/07/1922.
60
87
A PALAVRA. ―O espiritismo‖. Belém, 09/07/1922.
88
BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Codigo Penal. Rio de Janeiro, 11
de outubro de 1890. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-
847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html>.
61
89
A PALAVRA. ―Catholicismo e patriotismo‖. Belém, 1921.
63
A ideia de patriotismo é agregada pelo jornal, mas desde que ande junto
com a ―religião‖, no caso, a católica. Voltaremos a essa matéria em outros
momentos da pesquisa, mas no trecho em questão notamos que existe um eco
social ao discurso que o jornal constantemente traz: há um patriotismo benéfico e
um maléfico à sociedade brasileira. O patriotismo benéfico é aquele que anda lado a
lado com a religião católica, reconhecendo-a como a religião nacional. O patriotismo
pode causar danos à sociedade brasileira se for formado tendo como embasamento
quaisquer religiões ou grupos sociais acatólicos, como maçons, espíritas, liberais,
filosofias não católicas e protestantes.
Mesmo com esses diversos ―inimigos‖ da Igreja, dos temas mais citados
pelo jornal ―A Palavra‖, o protestantismo foi o assunto mais combatido nos mais de
30 anos da publicação. Desde 1918, havia citações no jornal falando que ―a egreja
protestante é devorada dentro de si mesma [...] não possue nem vontade, nem
organização, o que a torna absolutamente incapaz de toda ação importante‖.
Muitas vezes, matérias contra o protestantismo eram escritas logo na
primeira página do jornal, em títulos garrafais e feitos pelo próprio Padre Dubois. No
ano de 1921, o padre publicou um livro chamado ―O biblismo‖, que se tornou
conhecido pelo país inteiro, no qual ele publicou alguns veiculados no ―A Palavra‖.
Tais artigos teológicos refutavam sistematicamente o protestantismo, desde seu
início em Lutero até aquela data.
90
A PALAVRA. ―Patriotismo e religião‖. Belém, 14/04/1921.
64
Dubois já inicia o livro dizendo que ―não procurem esse livro aqueles que
vão atraes de uma linguagem acadêmica. Escrito popularmente, cheio de
vulgarismos, embora encerre uma documentação séria‖91. Dubois mantém uma
linguagem mais acessível, direcionando o livro ―ao povo, o clero e ajude a algum
protestante‖92. Há um interesse no livro de instruir o povo com relação ao
protestantismo, ajudar ao próprio clero nessa instrução e também fazer com que
algum protestante perceba o seu possível erro de aderir ao protestantismo e voltar
para a verdadeira igreja, a católica.
Chamada de ―biblismo‖, ―bibliolatria‖ ou ―seitas biblistas‖, geralmente termos
jocosos que procuravam desqualificar a fé protestante, retratando-a como falsa,
herética, como uma seita que se afastou da verdadeira igreja desde os tempos da
Reforma. Dubois se utilizava desses termos para adjetivar pejorativamente os
protestantes ao longo de sua obra, criticando as práticas e comparando-as com o
islamismo e o hinduísmo, principalmente para mostrar a similaridade daquela que
seria a principal característica comum entre elas, refutada por padres como Dubois,
a utilização da Bíblia (no caso das religiões citadas, os seus livros sagrados Alcorão,
os escritos de Confúcio as leis de Manú dos Vedas, respectivamente) como principal
fonte de fé e prática religiosa.
91
DUBOIS, Pe. Florencio. O Biblismo. Rio de Janeiro, 1921, p.7.
92
Ibidem.
93
Ibidem, p.16.
65
nojo dos Iscariotes, mas a pastorada lambe-se por eles‖ e como os protestantes
usavam esse fato para argumentar a fé católica.
Também havia ataques diretos às lideranças protestantes de diversas
denominações na cidade, nomes como o pastor metodista Justus Nelson, o pastor
presbiteriano Antônio Teixeira Gueiros ou os ―pregadores da João Balby‖, referência
àqueles pregadores batistas que eram citados algumas vezes no jornal.
O embate entre católicos e protestantes ocorria em todo o país,
principalmente após a instauração do estado laico e, com isso, a perda da Igreja
Católica de sua posição como religião oficial, e que precisou se reestruturar para
manter consolidada sua estrutura religiosa, tentando fazer articulações políticas e
institucionais para se ligar ao novo regime e manter a sua hegemonia no país.
Gomes também destaca que se aumentaram as chances de propagação de outras
religiões e ideias de pensamento discordantes do catolicismo.
94
GOMES, Edgard da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: a estadualização diocesana na
Primeira República. Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2012, p.62.
66
95
Como já retratamos, é consenso entre diversos autores sobre o cristianismo, em especial o
catolicismo, na formação da civilização ocidental. Oscar Pilágio, Pedro Paulo Funari, Antônio
Gramsci, Denis Lecompte, Max Weber, são alguns dos vários teóricos que reconhecem essa
afirmação citada.
67
96
PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1984, p.146.
97
DUBOIS, Pe. Florencio. O Biblismo. Rio de Janeiro, 1921.
68
99
FOLHA DO NORTE. ―Exaltação da cidade á Excelsa padroeira dos seus destinos‖. Belém,
14/08/1931.
70
100
FOLHA DO NORTE. ―Os catholicos vão arregimentar-se em defesa da egreja e da sociedade‖.
Belém, 06/09/1931.
71
101
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.58.
72
102
Diversos historiadores publicaram obras sobre história da igreja cristã, e nos fundamentamos em
algumas delas. GONZALES, Justo L. Uma história do pensamento cristão. De Agostinho às
vésperas da Reforma. Vol. 2. São Paulo. Cultura Cristã, 2004. HURLBUT, Jesse Lyman. História da
igreja cristã. São Paulo: Vida, 2007. NICHOLS, Robert Hastings. História da igreja cristã. São
Paulo: Cultura Cristã, 2013.
74
103
Francisco de Assis e a ordem franciscana por ele fundada são exemplos utilizados por autores
como Gramsci e Bourdieu para retratar a diversidade do catolicismo presente na Igreja Católica
enquanto instituição. E a tolerância da Igreja diante de ordens dentro do catolicismo que
contrastavam com o alto clero, mas que eram toleradas se fossem incorporadas no catolicismo
enquanto instituição. Para saber mais: BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São
Paulo: Perspectiva, 2013. PORTELLI, Hugles. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições
Paulinas, 1984. LE GOFF, Jaques de. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2015.
75
104
COSTA, Cezar Paulo. Diálogo entre cristianismo e mundo cultural nos primeiros séculos.
Atualidade Teológica. Rio de Janeiro, Ano XIII, n. 33, set./dez. 2009, p.313.
76
105
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.64.
106
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2001,
p.94.
107
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere. Vol. I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999,
p.107.
77
108
Evangelho de Mateus 28:19.
109
KARNAL, Leandro. Estados Unidos: a formação da nação. São Paulo: Contexto, 2013, p.38.
78
110
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Césares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.157.
111
Ibidem, p.113.
112
Ibidem, p.94.
79
114
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.19.
115
KARNAL, Leandro. Estados Unidos: a formação da nação. São Paulo: Contexto, 2013, p.42.
81
116
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.92.
82
117
SANTOS, Marcelo; PINHEIRO, Jorge. Manual de história da Igreja e do pensamento cristão.
São Paulo: Fonte Editorial, 2013.
118
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.24.
83
119
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995. CALDAS, Carlos. As ondas missionárias estrangeiras no Brasil. In: WINTER,
Ralph; HAWTHORNE, S. C.; BRADFORD, Kelvin D. (Eds.). Perspectivas no movimento cristão
mundial. São Paulo: Vida Nova, 2009.
120
CALDAS, op. cit., p.358.
121
SANTOS, Marcelo; PINHEIRO, Jorge. Manual de história da Igreja e do pensamento cristão.
São Paulo: Fonte Editorial, 2013, p.341.
122
MENDONÇA, op. cit., p.25.
123
CALDAS, op. cit., p.359.
84
124
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.26.
125
Ibidem.
126
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981, p.48.
85
127
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981, p.48.
128
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.27.
129
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.75.
86
clero local, gerando perseguições a ponto de levá-lo à prisão por uns meses. Após
obter asilo nos Estados Unidos, Kalley foi convidado para vir ao Brasil ajudar na
propagação da fé protestante, desembarcando aqui em 1855.130
Kalley foi além da distribuição e venda de bíblias como forma de
evangelismo e passou a fazer pregações de rua. Convocou aliados portugueses
para auxiliá-lo na pregação do protestantismo, e assim como Fletcher também
―dedicou-se a estabelecer, com as autoridades mais elevadas e com a alta
sociedade brasileira, contatos que garantiam sua obra e seus convertidos‖131. Seus
contatos políticos eram tais que conseguiu ser conhecido pelo próprio Imperador, a
ponto de Dom Pedro II ir à sua casa convidá-lo pessoalmente para fazer uma
conferência à família imperial.132
Kalley tinha seus motivos para temer e procurar se cercar de pessoas de
grande prestígio político e social, pois em algumas reuniões de culto protestante
organizadas por ele no Rio de Janeiro ―eram atiradas pedras, as escadas externas
ensaboadas ou untadas de excrementos; insultos e ameaças de sevícia eram
dirigidas contra os assistentes, e tudo isso com a autorização da polícia local‖133.
Em 1860, oito portugueses calvinistas foram presos em uma reunião domiciliar, e a
alegação da prisão era por estarem promovendo uma ―reunião ilícita‖, como retratou
o veículo de imprensa do período, Correio Mercantil. Kalley e seus aliados
publicaram artigos para os jornais acusando as autoridades de intolerantes e sempre
retratando aos veículos de imprensa norte-americanos os casos de intolerância
religiosa no Brasil. Por estar cercado de amigos de influência na corte, Kalley se
esquivou de grandes perseguições, embora claramente no decorrer de seu
ministério os alvos fossem os seus seguidores. Mesmo com perseguições
recorrentes, muitos missionários aproveitaram essa abertura do país com relação a
estrangeiros anglo-saxões, e o respeito que autoridades políticas e literatos
brasileiros já possuíam pelo protestantismo para virem ao Brasil e propagar a fé
protestante. Com isso, muitas denominações passaram a se estruturar no país,
mesmo que com diversas restrições. Notamos a presença de congregacionistas
130
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981, p.50. GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a
maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.120.
131
LEONARD, op. cit., p.50.
132
GUEIROS, op. cit., p.121.
133
LEONARD, op. cit., p.51.
87
134
A imprensa protestante no país é um tema bem fundamentado na tese de Micheline Reinaux de
Vasconcelos, que conta a trajetória dessa imprensa por aqui desde o período imperial até o
republicano. A autora trabalha o tema a partir dos jornais ―Imprensa Evangélica‖ e ―O jornal Baptista‖,
usando-os como suas principais fontes, mas também cita outros periódicos que circulavam nas outras
denominações e em outras regiões. O jornal presbiteriano ―Norte Evangélico‖, publicado para o Norte
e o Nordeste do país, acerca do qual falaremos mais adiante, também é citado por Vasconcelos.
VASCONCELOS, Micheline Reinaux de. As boas novas pela palavra impressa: impressos e
imprensa protestante no Brasil (1837-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2010.
135
SANTOS, Marcelo; PINHEIRO, Jorge. Manual de história da Igreja e do pensamento cristão.
São Paulo: Fonte Editorial, 2013, p.342.
136
HARRISON, Helen Bagby. Os Bagby no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP, 1987, p.14.
88
137
Apud: HARRISON, Helen Bagby. Os Bagby no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP, 1987, p.14.
138
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.185.
139
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981, p.57.
89
140
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981, p.65.
141
Ibidem.
90
142
KIDDER, Daniel. Reminiscências de viagens e permanências no Brasil: províncias do Norte.
Brasilia: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008. Apud: SILVA, Claudio Lísias Gonçalves dos Reis.
“Ganhar almas para Cristo” e as relações de poder: a propaganda protestante em Belém do Pará.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), UEPA, Belém, 2014.
143
Martin Dreher, ao falar sobre os protestantes na Amazônia, menciona possíveis alemães que
foram a cidade de Santarém, no sul do Pará, no período colonial. Mas, ainda assim, reconhece que
não há documentações que embasam essas informações, sendo, assim, apenas suposições.
DREHER, Martin. O protestantismo na Amazônia. In: HOOTNEART, Eduardo (Coord.). História da
Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992.
144
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.165.
145
Ibidem.
146
Ibidem.
147
Apud: SILVA, op. cit., p.55.
92
como um território a ser explorado pelos missionários. A região Norte parecia ser um
importante ponto de ocupação protestante, na qual
148
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.164.
149
Ibidem, p.165.
150
Ibidem, p.225.
151
Ibidem, p.178.
152
Ibidem, p.179.
153
Ibidem, p.180.
93
154
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.183.
155
Padre Eutiquio era um padre católico de linha liberal residente em Belém do Pará que ganhou
espaço na imprensa fazendo críticas ao próprio catolicismo ultramontano do período. Recebendo
também diversas críticas do clero local, principalmente por seus princípios políticos.
94
156
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.185.
157
Ibidem.
95
158
SANTOS, Marcelo; PINHEIRO, Jorge. Manual de história da Igreja e do pensamento cristão.
São Paulo: Fonte Editorial, 2013, p.342.
96
dessa modernização da cidade se devia aos altos lucros obtidos com a economia da
borracha, produto que o estado do Pará era o principal exportador.
Durante esse período, a cidade dobrou o número de moradores. Nos anos
de 1888 a 1920 a cidade passou de 66 mil para 236 mil habitantes, muitos vindos do
interior do estado ou mesmo de outas regiões do país como o Nordeste,
especialmente o estado do Ceará. Os motivos principais dessa migração incomum
eram a busca por trabalho e por uma vida melhor em uma cidade em franco
crescimento econômico. Apesar disso, memorialistas da cidade constantemente
denunciavam as mazelas sociais vistas por eles. Nos seus registros de percepções,
observavam construções deterioradas, um maior número de pessoas mendigando,
estruturas precárias, entre outras mazelas.
Também há registros da historiografia paraense com relação ao aumento do
número de mortos vitimados por epidemias que assolavam a região, como febre
amarela e lepra. Grandes alagamentos em uma cidade onde a maioria das ruas não
possuía um bom sistema de esgoto e pavimentação, o aumento da mendicância e
as famílias do estado que no período da borracha ostentaram grandes riquezas e
após a crise perderam muitos dos seus bens.159
Ao que parece, o estado continuava sendo visto internacionalmente, não
tanto pela economia que despontava, mas como um campo missionário para a
propagação da fé protestante, que nesse período já era um grupo religioso
identificado como sujeito social de relativa visibilidade na cidade.
No final do século XIX, já vemos um cenário um pouco diferente de décadas
anteriores: Um catolicismo que estava deixando de ser religião oficial em 1890, e um
protestantismo que ganhava força. Agora, além de missionários que vendiam bíblias
nos portos, havia congregações fixas, denominações com um número crescente de
membros que pregavam sobre sua fé nos templos, nas ruas, vendiam bíblias e
distribuíam folhetos e jornais protestantes. Ou seja, assim como no resto do país,
159
No jornal ―Folha do Norte‖ eram recorrentes os casos de epidemias, alagamentos e falta de luz.
Muitas mortes ocorreram nesse período e a crise econômica é apontada por alguns historiadores
como um fator que contribuía para as calamidades que ocorriam na cidade. A obra literária ―Belém do
Grão Pará‖, de Dalcídio Jurandir, narra a história de uma família que perdeu seus bens devido à crise
econômica da borracha, sendo um objeto de análise para retratar as famílias que perderam bens
financeiros nesse período. Para saber mais: CORRÊA, Ângela Tereza de Oliveira. História, cultura e
música em Belém: décadas de 1920 a 1940. Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2010. MIRANDA, Aristóteles Guilliod de. A epidemiologia das doenças infecciosas no início do
século XX e a criação da faculdade de medicina e cirurgia do Pará. Tese (Doutorado em Biologia
de Agentes Infecciosos e Parasitários), Universidade Federal do Pará, Belém, 2013.
97
160
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945, p.21.
161
Ibidem.
98
podemos notar, desde já, alguns diferenciais de Eurico Nelson com relação a outros
missionários protestantes que foram a Belém do Pará no período imperial, pois parte
de sua trajetória religiosa foi herdada da Suécia; ele veio de uma família popular e
permaneceu com uma renda similar morando nos Estados Unidos. Contudo as
diferenciações de Eurico Nelson são claras, ele é um novo tipo de missionário
adentrando o solo amazônico para a proclamação da fé protestante; um estrangeiro,
sueco, que foi para os Estados Unidos como migrante, pertencente a uma religião
protestante praticada em grande parte por populares suecos. Esse ethos religioso
sueco também estará presente em sua trajetória missionária, diferenciando-o em
alguns aspectos da mentalidade missionária e teológica protestante norte-
americana.
Nos anos de 1890, Eurico Nelson leu em um jornal batista sueco uma carta
do missionário W.B. Bagby sobre o trabalho missionário batista no Brasil. Segundo
ele, tal carta ―dizia que o Brasil tinha se tornado uma república e agora era um
campo aberto para a pregação do evangelho‖162. Não conseguimos encontrar o
exemplar desse jornal sueco com a entrevista de W.B. Bagby, mas localizamos esse
fato retratado em outra biografia, ―The Apostle of the Amazon‖, de L. M. Bratcher, em
que ele diz: ―while there he head a letter written by missionary W. B. Bagby and
published in a swedish Baptist missionary said in his letter that Brasil was now
republic and entirely open to the preaching of the gospel‖163. Se as informações da
notícia se alinharem com o que está escrito na biografia, notamos que o Brasil, ao se
tornar república, passa a ter um regime político atrativo, a ponto de se transformar
numa legítima propaganda internacional, atraindo mais cristãos protestantes
residentes nos Estados Unidos para se tornarem missionários em terras brasileiras.
Fica claro o quanto a abertura do regime republicano para outras religiões era
motivo de propaganda internacional para a vinda de novos missionários norte-
americanos.
Eurico Nelson conta em uma matéria, acerca de sua trajetória missionária
nas regiões do Pará e de Manaus, sobre seu interesse em ir à Amazônia:
162
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945, p.37.
163
BRATCHER, L. M. The apostle os the amazonas. Nashville, Tennessee, 1952.
99
164
O JORNAL BATISTA. ―Campo Baptista Amazonense‖. Manaus, 04/01/1923.
165
A dissertação de mestrado de Ezilene Ribeiro conta toda a trajetória de Eurico Nelson, tanto pelas
biografias escritas como por fontes de jornais, o que dá um enriquecimento para a sua análise sobre
o missionário batista. RIBEIRO, Ezilene. Eurico Alfredo Nelson (1862-1939) e a inserção dos
batistas em Belém do Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), Universidade
Metodista de São Paulo, São Paulo, 2011, p.23.
100
166
Apud: RIBEIRO, Ezilene. Eurico Alfredo Nelson (1862-1939) e a inserção dos batistas em
Belém do Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), Universidade Metodista de São
Paulo, São Paulo, 2011, p.22.
167
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Justus Nelson‖. Belém, 21/11/1891.
168
RIBEIRO, op. cit., p.28.
169
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945, p.45.
170
Ibidem.
101
171
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945, p.55.
102
outros bacharéis, incluindo seus irmãos e sua cunhada. Um de seus irmãos, Jonh
Nelson, morre de febre amarela, assim como a esposa de seu outro irmão, James
Willet Nelson. Esse acontecimento fez com que o seu irmão que se encontrava vivo
voltasse para os Estados Unidos, fazendo com que, em 1882, Justus Nelson
inicialmente desistisse do Collegio Americano.172
Daí notamos a continuidade da ideia do protestantismo de missão focado em
modificar a sociedade na qual se insere por elementos que vão além da questão
religiosa, mas também educacional, de saúde, etc. Há uma mentalidade institucional
que vai além da construção de congregações protestantes, trata-se de uma
cosmovisão protestante norte-americana. Alex Seabra dos Santos nos conta que em
1883, após algumas pregações em cultos domiciliares em períodos anteriores, é
inaugurada a primeira Igreja Metodista Episcopal do Pará onde Justus Nelson se
tornara pastor.173 Em 1884 Justus Nelson também reabre o Colégio Americano,
sendo sócio do intelectual paraense José Veríssimo.174
O jornal ―O Apologista Christão Brazileiro‖ em si foi outro feito do missionário
metodista, ele se destacava como ―Um jornal noticioso, semanal, para as famílias,
dedicado à formação da fé evangélica e da boa moral‖ 175. Nele ―Nelson publicou
notícias do Brasil e do estrangeiro, atos governamentais, da região, propagou
exposições doutrinárias, esclareceu sobre a taxa de câmbio, preço da borracha e
principalmente fatos religiosos‖176. Tudo isso em um periódico onde ele mesmo era o
chefe, redator e o principal articulista, escrevendo sozinho a maior parte do
conteúdo. O jornal circulou durante 20 anos, quinzenalmente, retomando em edição
única em 1925, já como edição de encerramento. Foi um importante periódico
172
Essa trajetória de Justus Nelson é retratada com maiores detalhes na última matéria do jornal ―O
Apologista Christão Brazileiro‖, na última publicação do jornal, em 1925.
173
SANTOS, Alex Seabra. O protestantismo metodista em Belém: buscando determinações de sua
efetivação (1880-1896). Monografia (Graduação em História), UFPA, Belém - PA, 2000, p.29.
174
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 1925. Nesta matéria, este relata a breve
parceria entre Justus Nelson e José Veríssimo. O intelectual José Veríssimo nasceu em Óbidos, no
Pará, em 1857, e faleceu, no Rio de Janeiro, em 1916, passando parte de sua vida intelectual no
Pará e parte na capital da República, onde fundou e participou ativamente da Academia Brasileira de
Letras (ABL) e da Revista Brasileira. O autor foi estudioso importante nas discussões sobre as
conseqüências do colonialismo português e as tentativas frustradas de uma política republicana de
educação no Brasil. Para José Veríssimo, a educação pública deveria estrategicamente superar as
degenerescências raciais, especialmente localizadas nos sertões do Brasil, promovidas pela
colonização. Para saber mais, ver: ARAUJO, Sonia Maria da Silva. Educação republicana sob a ótica
de José Veríssimo. Educar em Revista. Curitiba, n. especial 2, p.303-318, 2010.
175
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 1890.
176
COSTA, Heliane Monteiro da. Tensões entre metodistas e Igreja Católica, Belém (1890-1925).
Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião), UEPA, Belém, 2013, p.77.
103
177
Termo utilizado por José Reis Pereira ao citar Justus Nelson na Biografia de Eurico Nelson.
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945.
178
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 15/02/1890.
179
Esse fato é mencionado no último capítulo de: RIBEIRO, Ezilene. Eurico Alfredo Nelson (1862-
1939) e a inserção dos batistas em Belém do Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião), Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo, 2011.
180
Essa prisão e todos os processos de julgamento podem ser achados no jornal ―O Apologista
Christão Brazileiro‖ e também em trabalhos como: COSTA, Heliane Monteiro da. Tensões entre
metodistas e Igreja Católica, Belém (1890-1925). Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião),
UEPA, Belém, 2013. SANTOS, Alex Seabra. O protestantismo metodista em Belém: buscando
determinações de sua efetivação (1880-1896). Monografia (Graduação em História), UFPA, Belém -
PA, 2000. O caso da prisão de Justus Nelson e seus conflitos com o catolicismo vigente serão melhor
retratados no quarto capítulo.
181
COSTA, op. cit., p.70.
104
Vale observar que ele reconhece que foram atraídas apenas ―algumas‖
pessoas, embora, pela mensagem, mostra-se satisfeito com seu trabalho. Se essas
pessoas passarem a ter ―uma vida limpa‖, a transformação ética e moral promovida
pelo protestantismo estará concluída, porque é característica do protestantismo
histórico, uma das características da salvação. Essa dificuldade do pastor metodista
com um número expressivo de conversões ao protestantismo se soma aos relatos
de José dos reis Pereira que, em alguns trechos da biografia de Eurico Nelson, ao
retratar sobre a trajetória do pastor Justus Nelson, afirma que:
182
O DEMOCRATA. ―Casamentos acatólicos‖. Belém, 1890.
183
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 1925.
105
Mesmo Justus Nelson sendo utilizado por Pereira nesse aspecto apenas
para exaltar o protagonismo de Eurico Nelson como um missionário em um campo
extraordinariamente difícil de se propagar a fé protestante, a dificuldade de Justus
Nelson era reconhecida por ele mesmo em seu jornal. Dificuldade da qual também
aparentemente passou Eurico Nelson e diversos protestantes que os antecederam.
Ambos procuraram ser agentes ativos na cidade, ambos procuraram se articular com
outros grupos sociais não vinculados ao protestantismo. Ambos procuraram
trabalhar na área da saúde. E Justus Nelson, indo além do movimento batista na
região, criou seu próprio veículo de imprensa e uma instituição de ensino própria,
que, mesmo entre idas e vindas, durou alguns anos. Justus Nelson em sua trajetória
teve reconhecimento de grupos políticos do período, especialmente os republicanos,
e foi um agente ativo para uma tentativa de transformação da cidade, tanto pela via
religiosa como pela política, educação e saúde.185
A partir do aprofundamento da pesquisa sobre o protestantismo na cidade
de Belém no período republicano, encontramos outra denominação que foi pouco
pesquisada, e parte das fontes que a ela se referem encontramos apenas
posteriormente, na cidade de São Paulo. Trata-se da Igreja Presbiteriana do Pará.
Segundo Martin Dreher, o primeiro presbiteriano a surgir no Pará, foi o
reverendo Blackford, em 1878, que fazia seu trabalho missionário distribuindo
bíblias, trechos das escrituras e pregações ao ar livre. Dreher cita apenas uma
pequena reunião de fiéis presbiterianos, sendo que a maioria esmagadora era de
migrantes nordestinos. Lísias Nogueira diz que esses nordestinos foram os que
184
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945, p.47.
185
Eurico Nelson e Justus Nelson foram lembrados em alguns trabalhos historiográficos, seja por
biógrafos que se interessaram pela sua trajetória de vida, ou por historiadores e cientistas da religião
presentes em Belém ou de outras partes do país que procuraram se utilizar deles para traçar a
história da religiosidade na cidade. Trabalhos sobre eles estão presentes na Universidade Estadual
do Pará - UEPA, na Faculdade Batista Equatorial - FATEBE e o Jornal ―O Apologista Christão
Brazileiro‖ está presente no arquivo público do Pará. Parte dele também está digitalizado na
Hemeroteca digital do Rio de Janeiro.
106
Ainda assim, o Dreher nos mostra que nos anos seguintes o movimento não
se consolidou e prosperou, mesmo nas primeiras décadas no século XX, o autor
regista que em 1917 a Igreja Presbiteriana se encontrava apenas com uma sala de
oração. Dreher refere que na ata da Primeira Igreja Presbiteriana do Pará, na
câmara dos deputados, há um informe sobre os 100 anos da igreja na cidade:
186
DREHER, Martin. O protestantismo na Amazônia. In: HOOTNEART, Eduardo (Coord.). História
da Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992, p.86.
187
Procuramos a obra original de Daniel Kidder sobre as suas viagens no Norte no site do senado
federal e em bibliotecas em Belém do Pará e em São Paulo, mas não encontramos as obras
espefcíficas da região Norte disponíveis. Perto de finalizarmos esta pesquisa, descobrimos que há
uma cópia da obra disponível no setor de Educação Física da USP, deslocada para lá devido a uma
reforma feita em algumas outras bibliotecas. Mas também não conseguimos ter acesso a obra, então
retiramos os trechos da obra de outro autor. KIDDER, Daniel. Reminiscências de viagens e
permanências no Brasil: províncias do Norte. Brasilia: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008.
Apud: SILVA, Claudio Lísias Gonçalves dos Reis. “Ganhar almas para Cristo” e as relações de
poder: a propaganda protestante em Belém do Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião), UEPA, Belém, 2014, p.86.
107
188
DREHER, Martin. O protestantismo na Amazônia. In: HOOTNEART, Eduardo (Coord.). História da
Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992.
189
Ibidem, p.329. Na verdade, acreditamos que esse dado de que Antônio Teixeira Gueiros se tornou
governador do Pará foi engano. Retratando aqui melhor a sua biografia, Antônio Teixeira Gueiros foi
professor, promotor público em Belém, chefe de polícia durante a Segunda Guerra Mundial, na
interventoria de Joaquim de Magalhães Barata, e consultor jurídico-geral do estado. Em janeiro de
1947, elegeu-se deputado à Assembléia Constituinte do Pará na legenda do Partido Social
Democrático (PSD). Assumindo o mandato ainda nesse ano, tornou-se presidente da Assembléia e.
por várias vezes. ocupou interinamente o executivo estadual. No pleito de outubro de 1950,
candidatou-se a uma cadeira na Câmara Federal pelo estado do Pará na legenda do PSD, obtendo a
primeira suplência. Em janeiro de 1951, deixou a Assembléia paraense, assumindo o mandato na
Câmara em janeiro de 1954 em substituição a Osvaldo Orico. Em outubro de 1954, elegeu-se
deputado federal pelo mesmo estado na legenda da Aliança Social Democrática, coligação formada
pelo PSD e pelo Partido de Representação Popular. No pleito de outubro de 1958 candidatou-se à
reeleição, obtendo a segunda suplência. Deixou a Câmara dos Deputados em janeiro de 1959,
quando terminou seu mandato e tornou-se membro do Instituto dos Advogados do Pará, presidente
do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, diretor da Sociedade Bíblica do Brasil e conselheiro da
World Wide Evangelization Cruzade, com sede em Londres. Foi ainda secretário-geral do Pará.
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS - FGV. Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil - CPDOC. Verbete - Teixeira Gueiros. s/d. Disponível em: <http://www.fgv.
br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/antonio-teixeira-gueiros>.
108
Gueiros ganhou uma grande notoriedade como pastor, conseguindo ter acesso à
grande imprensa para propagar suas ideias políticas, econômicas e sociais,
incluindo a propagação da fé protestante. Escreveu em jornais como ―A Província do
Pará‖, ―O Estado do Pará‖ e ―Folha do Norte‖.
Além disso, Gueiros foi um difusor do jornal ―Norte Evangélico‖, um jornal
presbiteriano feito especialmente para os estados do Norte e Nordeste do país,
tentando cobrir a dificuldade da imprensa presbiteriana do Sudeste em abarcar os
territórios do Norte e Nordeste.
O Jornal ―Norte Evangélico‖, além de publicar os acontecimentos recorrentes
nas igrejas do Norte e Nordeste, publicava atas de reuniões de presbitérios e
notícias das igrejas em outras partes do Brasil. Também publicava matérias de
conteúdo teológico e doutrinário através de estudos bíblicos. Percebemos seus
posicionamentos com relação ao catolicismo, sempre publicando colunas como
―Marianismo‖, em que a devoção mariana era refutada, assim como colunas a
respeito, por exemplo, de ―bíblias falsas‖, matérias nas quais defendia a veracidade
da bíblia protestante. Nas matérias também notamos claramente sua politização,
que constantemente exaltavam o regime republicano e traziam temáticas sobre
ícones importantes para a república nesse período, como Ruy Barbosa. Muitas das
polêmicas contra católicos levantadas pelo jornal tinham um viés majoritariamente
político, como o debate sobre o ensino religioso em colégios protestantes e a
liberdade religiosa na República.
A Amazônia sempre era posta como uma região problemática, com poucos
obreiros e pouco financiamento. No artigo ―Da Amazônia‖ ele fala da igreja do Pará
com muito lamento, como uma igreja ―esquecida‖ pelas lideranças do presbitério nas
regiões Norte e Nordeste do país.
Essa é uma matéria que mostra toda sua carga de apelo, para que os
leitores do jornal, lideranças e missionários se compadeçam pelo trabalho na Igreja
Presbiteriana na Amazônia como um todo, em especial Manaus e Pará. Revela,
assim, algumas visões que aparentavam ser de senso comum sobre a região,
começando por descrever seu campo missionário como ―fim de mundo‖, e sem os
recursos que outras igrejas em outras partes do país dispunham, além de estarem
sem pastores e missionários. Uma situação aparentemente caótica e apelativa, que
mostra que o jornal estava servindo como um canal de apelo para que pastores e
missionários se interessassem por esse campo.
A Amazônia como uma região de ―fim de mundo‖, ainda povoada por índios
canibais, cobras e onças e diversas epidemias como febre Amarela e Malária,
ocupavam de fato o imaginário de grande parte da população brasileira, incluindo os
presbiterianos. Mas em certa medida vemos que boa parte dessa percepção não era
assim tão lendárias. As epidemias, como a febre amarela, por exemplo, eram casos
recorrentes na cidade e atingiam pessoas incluindo muitos estrangeiros e parentes
dos missionários, como a esposa de Eurico Nelson ou o irmão e a cunhada de
Justus Nelson, que por sinal morreram.
David Vieira Gueiros, em seu livro sobre a família Gueiros, destaca dois
membros dessa família que foram ao Pará como missionários presbiterianos, dois
com nomes bem semelhantes. ―Antônio Gueiros‖ e ―Antônio Teixeira Gueiros‖. O
primeiro, ao ir para a cidade, não ficou por muito tempo justamente pelo surto de
doenças que ocorriam na região. Voltou para o Ceará com a família após a filha
sofrer de febre amarela; o segundo, Antônio Teixeira Gueiros, como já dissemos, foi
o missionário cearense enviado ao Pará e que ali continuou até o fim da sua vida,
fato retratado inclusive na continuidade da matéria ―Da Amazônia‖:
190
NORTE EVANGÉLICO. ―Da Amazônia‖. Garanhuns, 1923.
110
191
NORTE EVANGÉLICO. ―Da Amazônia‖. Garanhuns, 1923.
111
192
NORTE EVANGÉLICO. Garanhuns, 1923.
193
NORTE EVANGÉLICO. Garanhuns, 1923.
113
194
Utilizaremos na pesquisa a definição do pentecostalismo como uma vertente do protestantismo
adotado por Antônio Gouveia de Mendonça, na qual os protestantes seriam tanto aquelas igrejas
originárias do tempo da reforma, como igrejas que surgiram posteriormente, mas adotaram os
princípios gerais do movimento. A assembleia de Deus, apesar de suas diferenciações, nesse
período, não racha com os princípios tradicionais da reforma como defesa da autoridade da Bíblia
Sagrada e Jesus como o único mediador entre Deus e os homens. MENDONÇA, Antônio Gouveia. O
protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas. Revista da USP. São Paulo, n. 67, 2005. Disponível
em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/13455/15273>.
195
―Bem antes da igreja de Seymour, na Azuza, em 1906, já existiam diversas outras igrejas
pentecostais (Holliness em 1895 e do Nazareno em 1899), inclusive uma associação de igrejas
pentecostais formada em 1895 (Vinson, 2003) e também pentecostalismos na Suécia e regiões
próximas.‖ ALENCAR, Gedeon Freire de. Matriz pentecostal brasileira. Assembleias de Deus -
1911-2011. Rio de Janeiro: Novos Diálogos, 2013, p.58.
115
196
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.15.
197
Ibidem.
198
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.23.
116
199
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.25.
200
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.34.
201
VINGREN, op. cit., p.27.
202
Ibidem, p.35.
117
203
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.56.
118
204
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.41.
205
Ibidem, p.40.
119
206
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.56.
207
Ibidem, p.57.
120
certas que, afinal, nunca chegaram. Logo que estes homens começaram a
fallar o nosso idioma, começaram a vender bíblias de casa em casa dos
crentes iam fazendo orações, lendo alguns trechos da bíblia, concernentes
ao dia de Pentecostes, a cornelio, etc. Pediam também que os crentes se
unissem em oração com elles assim que acabava o culto público, etc. Com
estas outras artimanhas foram ganhando os corações de muitos crentes, como
fizera o príncipe Absalão.
Começaram também a se reunir-se em casa de uma irmã cujo
marido é marítimo, não se achando em casa. Depois de cinco dias de
orações e Jejuns me ocorreu rapidamente a noticia de que aquela irmã
havia sido baptizada com o Espírito Santo e com fogo do céo, e que como
prova lhe tinha sido concedi lo o dom de fallar em diversas línguas.
Sendo isto para nós muito estranho, logo depois do nosso culto de
quinta feira, 8 do corrente, dirigimo-nos, eu e diversos irmãos, para o bairro da
cidade velha, onde mora a referida irmã, e ao entrarmos em sua casa fiquei
deveras surpreendido como em tempo nenhum! Vi aquela irmã, que é
brasileira, tendo os joelhos no soalho, mãos postas na fronte bem erguida
e olhos fechados, articulando com rapidez sons que ninguém podia
harmonizar e entender, nem sabemos se aquilo era linguagem. Na mesma
ocasião, muitos outros de joelhos, choravam uns, outros oravam, outros
cantavam e outros liam. De repente uma irmã começou a tremer como se
sofresse de maleitas, a gemer até que ficou sem sentidos; seguindo-se
esta crise outra na qual ora cantava hymnos, ora modinhas, inclusive o
tango. A este momento, diziam, suscitara-se um debate entre os dois
espíritos que tomavam conta das pessôas; a primeira pessoa que tinha o
Espírito dizia que tinha o dom de discernir os espíritos, e por isso conhecia
que o outro espírito era o de Beelzebú; emquanto que a outra respondia,
ora dizendo que era mesmo o espírito de Lúcifer, ora que era de Christo.
Esta scena revoltante durou três horas, depois do que cada um foi para sua
casa. Creio que, como eu, muitos dos que commigo a presenciaram não
dormiram naquela noite.
No dia seguinte houve um culto externo, onde por mandado de um dos
taes doutrinadores, um espirito se manifestou numa das duas pessoas
mencionadas. Fiquei deveras envergonhado de semelhante escândalo público;
mas não me achei com coragem de me oppor para não fazer ainda maior
confusão aos incrédulos. Logo que o culto findou elles convidaram uns crentes
para o templo de nossa egreja. O que então se deu é indescritivel. As quatro
122
Aqui, Raymundo Nobre nos narra as tensões entre a igreja batista e o ainda
embrionário movimento pentecostal. A forma como a liderança local retrata o novo
movimento que surgia é similar à forma como Daniel Berg desenha Eurico Nelson
quando ele se mostrou contrário à experiência de fé pentecostal, tratando-a por
―satânica‖. Daniel Berg e Gunnar Vingren são vistos como ―instrumentos de satanás‖
que se instauraram em uma igreja que, até então, segundo o relato, estava em
―progresso‖, ―bem frequentada‖ e ―em perfeita paz com Deus‖.
Notamos que, desde o início, a chamada ―nova doutrina‖ se alastrava
rapidamente na igreja, a ponto de apenas ―em poucos dias‖ fazia-se necessário que
208
O JORNAL BAPTISTA. ―Nossa correspondência‖. Manaus, 20/07/1911.
123
as lideranças tomassem uma providência para frear tal movimento religioso que
surgia por entre as brechas da denominação. A própria liderança conclui que se não
houvesse a expulsão dos ―membros heréticos‖ eles ficariam ―sem igreja‖. Não
interpretamos aqui os pentecostais querendo o fim da igreja batista, mas a
implementação da ―nova doutrina‖ que praticavam. Todavia, caso essas doutrinas
pentecostais fossem incorporadas pelos novos membros, a dinâmica religiosa dos
batistas seria completamente modificada em sua essência.
Raymundo Nobre aqui faz um dualismo entre o protestantismo e o
pentecostalismo, onde o protestantismo batista é retratado como uma igreja santa,
enquanto o pentecostalismo seria um movimento herético. Nessa perspectiva a
heresia está relacionada à ideia de pureza e santidade. O protestantismo batista
seria uma igreja ortodoxa, santa, que estava indo bem em suas obras na cidade,
enquanto o pentecostalismo seria uma igreja herética, demoníaca, utilizada por
Satanás para atrapalhar a obra santa da verdadeira igreja. A diferenciação
doutrinária entre a denominação batista e o movimento pentecostal emergente
marca uma perspectiva frequente nos embates entre protestantes e pentecostais,
uma dualidade na qual os protestantes se veem como santos e ortodoxos e
enxergam os pentecostais como heréticos e demoníacos.
Poucos anos depois, após o início do movimento pentecostal na cidade,
notamos que os periódicos também passaram a falar do pentecostalismo; matérias
sobre ―A heresia pentecostal‖ (1923) e nominações jocosas como ―espíritos de fogo‖
(1916), ―A praga que veio do Pará‖ (1916) eram comuns nesses jornais. Várias
matérias e até colunas eram publicadas com o objetivo de refutar as práticas e
costumes do pentecostalismo. Como por exemplo, temos o Jornal Batista, que
circulava no Brasil inteiro, e era distribuído em Belém pelo próprio Eurico Nelson,
missionário da igreja batista em que Gunnar Vingren foi expulso; na matéria
―Pathologia religiosa‖ notamos a forma como o jornal os retratava.
209
O JORNAL BAPTISTA. ―Pathologia religiosa‖. Manaus, 1922.
210
NORTE EVANGÉLICO. ―A heresia pentecostal‖. Garanhuns, 1923.
211
Precisamos ressaltar aqui que o próprio Emilie Leonard, que faz essa análise do protestantismo,
revela que entre as igrejas protestantes houve vários movimentos internos que caracterizavam uma
ênfase em uma experiência mística com o Espírito Santo. Destaco aqui o movimento Pietista do
século XVII, em que se enfatizava uma vida piedosa, momentos longos de oração e experiências com
o Espírito Santo. Deste movimento surgiram muitas denominações, incluindo a Igreja Metodista.
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981.
125
212
MENDONÇA, Antônio Gouveia. Protestantismo no Brasil: marginalização social e misticismo
pentecostal. São Paulo: Loyola, 1990.
213
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961.
126
igrejas espalhadas pelo país.214 Gedeon Alencar nos mostra, por meio do Censo de
1940, que o número de protestantes que até 1910 era de 1,1% da população
brasileira, em 30 anos chegou a 2,6%. Esse aumento da porcentagem dos
denominados ―protestantes‖ do Censo, na verdade, segundo o autor, se dá pelo
número crescente de pentecostais que nesse período também eram considerados
protestantes pela metodologia da pesquisa.215 As denominações protestantes mais
significativas na cidade variavam entre 50 a 120 fiéis. Igrejas como a presbiteriana,
por exemplo, que era a maior denominação protestante do país, com grande
concentração no Sudeste e em Belém, passaram décadas com umas poucas
dezenas de membros e vários anos sem um pastor fixo. Podemos afirmar, assim,
que, não apenas em Belém, mas em toda a história do país após a colonização
europeia, nenhuma vertente religiosa acatólica cresceu mais no Brasil em tão curto
período de tempo que o movimento pentecostal. Diante disso, acreditamos ser
importante refletirmos sobre alguns dos prováveis motivos que levaram o
pentecostalismo a ter esse rápido crescimento.
Como relatamos anteriormente, Belém era uma cidade que devido à
economia da borracha, durante o final do século XIX e início do século XX, se tornou
uma capital de grande circulação econômica e melhoramentos em sua estrutura.
Apesar disso, no início do século XX também estava vivendo um surto de epidemias,
especialmente lepra e febre amarela. E a partir de 1909 a cidade já estava
começando a viver os primeiros efeitos de uma crise econômica de exportação da
borracha que se agravaria em anos posteriores. Berg e Vingren chegam à cidade
nessa particular conjuntura social, e Berg conta que:
214
O MENSAGEIRO DA PAZ. Belém, 1923.
215
ALENCAR, Gedeon. Todo poder aos pastores, todo trabalho ao povo, todo louvor a Deus.
Assembléia de Deus: origem, implantação e militância (1911-1946). Dissertação (Mestrado em
Ciências da Religião), Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2000.
127
Esse cenário dantesco descrito por Daniel Berg em Belém do Pará pouco é
retratado nos trabalhos acadêmicos sobre esse período. Contudo, como como já
mencionado, em paralelo com as transformações urbanas e espaços de lazer
luxuosos, como os cinemas e clubes presentes na cidade, havia um surto epidêmico
de doenças como lepra e febre amarela, aumentando o número de enfermos e
mortos por lá.
Ao entendermos a conjuntura social da cidade e o surgimento do
pentecostalismo, podemos refletir sobre o diálogo do movimento pentecostal diante
dos vários surtos epidêmicos que ocorriam em Belém do Pará nesse período.
Notamos uma sociedade que imergia numa crise econômica, passando por surtos
de diversas doenças que atingiam pessoas de todas as classes sociais, mas
especialmente os mais pobres. Paralelo a isso, surgia uma vertente protestante que
em seu principal corpo doutrinário estava uma fé que evidenciava milagres através
de experiências que promoviam a manifestação do Espírito Santo, principalmente
por meio da ênfase de curas. Essa era uma religiosidade que dialogava bem com a
situação dos belenenses nesse período, além de ser melhor assimilável pela cidade
que já vivia uma religiosidade popular mística e oralizada, como o catolicismo da
região.
A partir dos diários de Daniel Berg e Gunnar Vingren, tanto a questão da
cura quanto de pessoas sonhando, tendo revelações do Espírito Santo, falando em
outras línguas (seja as incompreensíveis, ou línguas em outros idiomas), podemos
concordar com hipóteses que indicam a glossolalia como a principal identidade do
pentecostal ou com outras perspectivas que retratam a mística pentecostal como
sua principal distinção de outros movimentos religiosos protestantes.217
Concordamos com essas duas constatações. Porém, em nossa análise sobre o
movimento pentecostal em seu início, dessas experiências sobrenaturais
promovidas pelo Espírito Santo e tão enfatizada por eles, as curas de enfermos
eram os acontecimentos que mais ocupavam as narrativas de Berg e Vingren
216
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.55.
217
Ibidem. VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961.
128
procurou fazer isso na capital e no interior, Vingren não retratava Berg nos primeiros
anos do pentecostalismo em Belém apenas como um parceiro de viagem. Em sua
narrativa missionária, Berg era citado constantemente junto com Vingren
trabalhando para a expansão do pentecostalismo no estado.219
Há relatos de outros pentecostais que procuravam expandir sua fé pelo
estado, como Joaquim Batista de Macedo, um lavrador do Pará que ―recebeu a
revelação de Deus para ir ao Nordeste‖, e ―em todos os cultos muita gente se
entregou a Jesus, muitos foram batizados com o Espírito Santo e muitos foram
libertos de demônios‖220. Ou relatos como o de Crispiniano Fernando de Melo,
descrito como ―um irmão que trabalhava com borracha‖ e que:
219
Na obra ―Matriz pentecostal brasileira‖, Gedeon Alencar, em alguns momentos de sua análise,
enfatiza a maior importância dada a Vingren como liderança do movimento pentecostal se comparado
a Berg, mostrando o fato de Vingren ter terminado um seminário para obter maior valorização em
relação a Berg. Vingren, quando analisa o papel de Frida Vingren ressalta a falta de Daniel Berg em
reuniões de liderança e até mesmo na escola dele como alguém que o substituiria para liderar as
igrejas em Belém das diversas vezes em que ficou doente, mas acabou passando essa liderança a
Frida. Entendemos a importância de Frida no movimento pentecostal em seu início, assim como a de
Gunnar Vingren, mas, ao menos no período da origem e expansão do movimento pentecostal em
Belém, não notamos um menosprezo à liderança de Berg, pelo contrário, ele foi alguém responsável
pela expansão do movimento pentecostal nos interiores e sempre sendo retratado como um
personagem de expressiva liderança na narrativa missionária no início do pentecostalismo na cidade,
revelando uma estratégia de diálogo de Berg com os leigos de locais mais afastados do centro
urbano, e Vingren alocado na capital, promovendo o pentecostalismo na urbe.
220
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961,
221
Ibidem, p.61.
222
Ibidem, p.62.
130
223
Falaremos melhor desse episódio no próximo capítulo. VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro
Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.58.
224
ALENCAR, Gedeon. Matriz pentecostal brasileira. Assembleias de Deus - 1911-2011. Rio de
Janeiro: Novos Diálogos, 2013, p.116.
131
225
Apud: ALENCAR, Gedeon. Matriz pentecostal brasileira. Assembleias de Deus - 1911-2011. Rio
de Janeiro: Novos Diálogos, 2013.
226
ARAUJO, Isael de. Frida Vingren - Uma biografia da mulher de Deus, esposa de Gunnar Vingren,
pioneiro das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p.46.
227
Ibidem, p.46.
228
Ibidem, p.42.
229
Além de ser uma rua central, também é a primeira rua registrada na história da cidade. Presente
desde sua colonização em 1616, era denominada ―Rua do Norte‖, surgindo ali as primeiras casas e
instalações comerciais da cidade em sua gênese.
132
Tanto Maria de Nazaré quanto a ―outra irmã‖ foram sozinhas até o Nordeste
propagar a fé pentecostal que abraçavam. O relato dessa ―outra irmã‖ tem detalhes
que chamam a atenção. Embora Vingren reconheça que, de início, seu testemunho
foi rejeitado na região, a ponto dela precisar do auxílio de pessoas como Adriano
Nobre para seu testemunho ter credibilidade, Vingren reconhece que as duas igrejas
que ele encontrou posteriormente, com ―sessenta membros e outra com trinta‖ foram
os ―frutos da semente que aquela irmã plantara‖. Os créditos são todos dados a ela.
Assim como a autonomia que a ela detinha para ir até outras regiões falar a fé
pentecostal, sem a necessidade de uma companhia masculina. Vingren conta o que
essa irmã fez na mesma sequencia narrativa que relata que outros irmãos saíram de
regiões do Pará e foram aos seus interiores ou ao Nordeste propagar a fé
pentecostal. Essa irmã também está inserida no relato das ―pessoas simples‖,
descrito por Vingren, no qual ele menciona o fato de ser ela uma mulher sozinha (e
talvez solteira). Além do mais, a ida de Adriano Nobre pode ser vista por alguns
como a companhia masculina necessária para que dessem crédito a fala dessa
irmã; não descartamos essa hipótese, embora achemos mais provável que sua
presença na evangelização da irmã se deveu aos próprios presbiterianos que devem
ter aceitado melhor a fala de alguém que aparentemente era mais preparado para
dialogar com eles devido ao fato de já ter sido ele mesmo presbiteriano também.
Fica perceptível a partir daí outro fenômeno, protestantes de diferentes
denominações estavam aderindo à fé pentecostal.
Esses diversos episódios nos mostram a forte autonomia que o movimento
pentecostal deu a pessoas de diferentes gêneros e escolaridades ao propagar sua
fé, conquistando até mesmo cargos de liderança naqueles primeiros anos, mesmo
que para isso fosse preciso sair da região para pregar em outros locais. A autonomia
230
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.61.
133
231
MENDONÇA, Antônio Gouveia. Introdução ao protestantismo no Brasil. In: Idem. Protestantismo
no Brasil: marginalização social e misticismo pentecostal. São Paulo: Loyola, 1990.
232
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2001,
p.94.
134
elaborarmos uma análise territorial mais ampla, que podem nos ajudar a elucidar
muito acerca do protestantismo brasileiro a partir de questões que escapam à
historiografia protestante tradicional.
Em ―O celeste porvir‖, Antônio Gouveia de Mendonça aborda um
protestantismo fortemente influenciado pela religiosidade protestante norte-
americana.233 Temos concordância com tal perspectiva, mas também notamos
possíveis influências de outros países europeus na dinâmica religiosa. Uma
migração protestante que no Brasil não apareceria diretamente dos Estados Unidos,
mas uma relação Suécia-EUA-Brasil. Na dissertação de mestrado de Samuel
Valério, notamos o retratar das ondas de imigração que ocorreram da Suécia para
os Estados Unidos no século XIX, somada ao fluxo migratório de diversos outros
europeus que procuraram sair de seu país de origem devido às diversas crises
econômicas e regimes políticos autoritários que emergiam no continente. Era uma
Europa em crise que contrastava com a democracia norte-americana em ascensão,
considerada exemplo para o mundo, com seu regime político democrático e
prosperidade econômica; foi uma nação que encheu os olhos de milhares de
europeus, incluindo os suecos.234
Gedeon Alencar foi sensível a esse fato em ―Matriz pentecostal brasileira‖ e
ali retrata a forte migração de suecos para os Estados Unidos, ou mesmo a forte
vinda de migrantes que, pela crise que o país estava passando, vinham diretamente
para o Brasil.235 Nós não encontramos trabalhos acadêmicos sobre a migração
sueca ao Pará, mas é bem provável que eles existiam; o fato é que precisamos
entender um certo ethos protestante sueco que também notamos no período por nós
abordado. Grande parte das principais lideranças protestantes, Eurico Nelson,
Justus Nelson, Gunnar Vingren e Daniel Berg, eram de origem sueca e traziam em
sua bagagem religiosa não apenas o protestantismo norte-americano, mas também
a religiosidade protestante sueca, marginalizada em seus países. As quatro
lideranças vinham de origem popular, e dessas pessoas citadas apenas duas
fizeram seminário, contrastando com toda aquela importância dada ao
academicismo por parte dos missionários tipicamente norte-americanos.
233
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a invenção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995.
234
VALÉRIO, Samuel Pereira. Pentecostalismo de migração: terceira entrada do pentecostalismo
no Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), PUC-SP, São Paulo, 2013, p.16.
235
ALENCAR, Gedeon. Matriz pentecostal brasileira. Assembleias de Deus - 1911-2011. Rio de
Janeiro: Novos Diálogos, 2013.
136
deles vindos de outras partes da Europa. Muitos eram bem mais pragmáticos,
punham uma maior ênfase em veículos de imprensa para a propagação de sua fé,
fosse através de uma imprensa específica de circulação nacional de sua
denominação, como ―O jornal Baptista‖, fossem por meio de veículos de imprensa
com uma produção mais regionalizada, como ―O Apologista Christão Brazileiro‖ e
―Norte Evangélico‖. Sendo assim, vê-se que o período republicano nos apresenta
um protestantismo bem mais estruturado, localizado, e ainda se articulando com
grupos políticos e conseguindo espaços na grande imprensa, mas, para além disso,
através do movimento pentecostal, a religiosidade protestante chega a um público
que até então o protestantismo histórico teve pouco acesso, o católico leigo popular
paraense.
Como vimos afirmando, havia uma reestruturação religiosa no período
republicano e um dos motivos é a Igreja Católica deixar de ser religião oficial do
Estado. E é por essa ―brecha‖ política que vemos uma maior consolidação do
protestantismo na cidade, ainda que nem todas as vertentes religiosas se
posicionem diretamente sobre suas preferências políticas, notamos o período
republicano influenciando-as, seja pela maior abertura de suas vindas ao país, um
processo que já vinha ocorrendo desde os tempos do império, ou mesmo pelo seu
posicionamento político, sempre em defesa de um regime republicano destacando a
importância desse modelo de regime para a manutenção da liberdade religiosa, ou
ainda pela continuidade de perseguições como ocorriam no Império, onde o próprio
Estado era utilizado como um instrumento de coerção ao protestantismo.
Das lideranças protestantes citadas neste capítulo, a maior parte delas
passou por uma delegacia, por ameaças de prisões, ou mesmo, em casos como o
de Justus Nelson, tendo sua prisão decretada. Essas tensões entre católicos e
protestantes ocorridas no Brasil república será o principal tema do nosso próximo
capítulo.
138
236
A PALAVRA. Belém, 28/09/1922.
139
discursos para começarmos a desnudar a disputa religiosa que havia entre essas
duas vertentes cristãs.
237
Na oficina do historiador: conversas sobre história e imprensa. CRUZ, Heloísa; PEIXOTO, Maria
do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador: conversas sobre história e imprensa. Projeto
História. São Paulo, n. 35, p.255-272, 2007.
238
Ibidem.
141
Compte, Zarathustra e Allan Kardec e mostra que nas ideias propagadas por esses
homens havia um orgulho de não obedecer a fé católica, se afastar da Igreja, e que
muitos desses disseram inclusive que a fé cristã chegaria ao fim. Entre esses
diversos exemplos, o Padre cita Lutero, dizendo que:
239
A PALAVRA. ―Orgulho‖. Belém, 28/03/1923.
240
A PALAVRA. ―Os inimigos da Igreja‖. Belém, 22/09/1938.
142
241
A PALAVRA. ―Os inimigos da Igreja‖. Belém, 22/09/1938.
143
era o único coerente, e o protestantismo era um movimento falho desde sua gênese,
ombreado à falibilidade de seu próprio ―fundador‖. Desqualificar Lutero, bestializá-lo
e demonizá-lo era uma forma de usá-lo como um elemento simbólico de
desqualificação do movimento protestante. Um orgulhoso, ambicioso e mentiroso
que protagonizou um ―movimento bestial‖.
Provavelmente a figura de Lutero era pouco conhecida na cidade, não fazia
parte do imaginário popular. Especialmente pela maioria de católicos frente a um
diminuto número de protestantes. Mas acreditamos que o jornal tinha um público
minoritário e letrado, que podia consumir o jornal e entender a sua mensagem. 242
Era este mesmo universo que compunha grande parte dos protestantes históricos,
um público que consegue assimilar as abordagens históricas feitas pelo jornal com
relação à figura de Lutero.
Na obra ―Simulacro e poder‖, de Marilena Chauí, a autora fala de um
fenômeno midiático que ocorre atualmente. A espetacularização da mídia diante de
fatos concretos, mas que são distorcidos ou caricaturados para chamar a atenção do
público para quem a mídia se direciona. É como uma ―encenação da informação‖ 243.
No texto de Cox Barronas, a mídia vai mostrando um cotidiano de sentidos e
interpretações além do fato propriamente dito, segundo ―as ideologias dos grupos,
organizações e instituições que os veiculam‖.
Esse simulacro construído pela mídia é constantemente visto nas polêmicas
entre dois grupos antagônicos.
242
O número de analfabetos do país na primeira república variava entre 85% a 65%, como revela o
Mapa do Analfabetismo do Brasil. O Pará permaneceu nessa média, em torno de 70%, segundo o
Censo de 1906. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira - INEP. Mapa do Analfabetismo no Brasil. Brasília, 2003. Disponível
em: <http://portal.inep.gov.br/documents/186968/485745/Mapa+do+analfabetismo+no+Brasil/a53ac9e
e-c0c0-4727-b216-035c65c45e1b?version=1.3>. BOMENY, Helena B. Quando os números
confirmam impressões: desafios na educação brasileira. Rio de Janeiro: CPDOC, 2003.
243
CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Perseu Abramo, 2006,
p.15.
144
Uma das características mais criticadas pelo jornal católico ―A Palavra‖ era o
uso da Bíblia pelos protestantes, além da própria Bíblia protestante em si. Não é à
toa que o jornal descreve os protestantes com apelidos depreciativos como
―biblistas‖, ―bibliolatras‖, ―seitas biblistas‖. A Bíblia sempre foi um elemento
significativo da fé protestante, escolhida pelo catolicismo vigente como um dos
pontos de ataque ao protestantismo.
244
BARRONAS, Roberto Leiser; COX, Maria Inês Pagliarini. Por uma vida melhor na mídia: discurso,
aforização e polêmica. Linguagem em (Dis)curso. Tubarão - SC, v. 13, n. 1, p.65-93, jan./abr. 2013.
145
Uma matéria que nos chamou a atenção não tinha a assinatura de nenhum
autor, o que faz entender que o seu conteúdo era convergente com a opinião do
jornal. Intitulada como ―Bíblias protestantes em penca‖, e repetida em outras
diversas edições em que o jornal era veiculado:
245
A PALAVRA. ―Bíblias protestantes em penca‖. Belém, 08/03/1931.
246
Vale ressaltar aqui que a Bíblia Sagrada também era um artefato religioso relevante para os
católicos, mas a diferença entre as bíblias protestantes e católicas está nos números a mais de livros
que a segunda possui: Tobias, Judite, I Macabeus, II Macabeus, Baruque, Sabedoria e Eclesiástico.
Todos presentes no antigo testamento. Essa diferenciação era utilizada como mais um elemento
retórico para deslegitimar a sacralidade da bíblia protestante.
146
Diz o Apostolo Paulo que tudo o que está nos livros santos foi
escripto para nossa instrução. Os protestantes admitem esse
papel instructivo da sagrada escriptura; exageram no porém,
na hora de rejeitar a egreja.‖a bíblia e só a bíblia‖ gritam! ―A
bíblia é só um código em que se acha depositada toda a
revelação divina. É suficiente em si mesma‖ [...] Mas, respondo
eu, se a bíblia é um código completo, deve haver uma
autoridade competente que o explique e aplique, e qual seria
essa autoridade? Os protestantes fiam se na interpretação
individual do leitor, illuminado directamente, dizem, pelo
Espírito Santo.247
247
A PALAVRA. ―A bíblia! Só a bíblia‖. Belém, 14/09/1922.
248
A PALAVRA. ―A bíblia! Só a bíblia‖. Belém, 28/09/1922.
147
possíveis legitimações para tal: apenas a Igreja Católica dialoga com a tradição
teológica da Igreja. O protestantismo peca por não considerar a autoridade e
tradição teológica na interpretação, se desfazendo dela e por isso se contradizendo
em suas doutrinas, chegando ao nível da loucura. A Igreja Católica seria, segundo
esse pensamento, uma instituição religiosa coesa, que mantém a decência porque
respeita uma hierarquia de autoridade, mantém a sua unidade e sua constância, já
que existe há séculos e quer continuar numa linha teológica de tradição que
corrobora como a chave interpretativa da Bíblia.
Assim, o texto procura constantemente defender a legitimidade do sacerdote
católico em ser a principal autoridade interpretativa dos textos bíblicos, contrastando
com uma outra crença que empoderava o leigo a tal ponto de permitir a ele uma
interpretação livre da Bíblia, que poderia até mesmo contradizer ou construir um
argumento de superioridade em relação ao do sacerdote católico caso o sacerdote
concluísse algo contraditório no discurso clerical comparado com o que se lia nas
escrituras.
Essa retaliação de católicos com a Bíblia era assunto constante nas
discussões entre católicos e protestantes na primeira república. O pastor Metodista
Justus Nelson já chamava a atenção desse fato em seu jornal O Apologista Christão
Brazileiro, como podemos ver na matéria ―Bíblias Falsas‖:
249
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Bíblias falsas‖. Belém, 01/02/1890.
149
250
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Bíblias falsas‖. Belém, 01/02/1890.
150
251
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Bíblias falsas‖. Belém, 01/02/1890.
151
253
NORTE EVANGÉLICO. ―Marianismo‖. Garanhuns, 16/09/1918.
154
254
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Idolatria‖. Belém, 21/06/1890.
155
―Nossa Senhora de Nazaré‖. Nelson culpa todo o clero católico local por promover o
que os protestantes chamavam de idolatria, e para isso se utiliza de passagens
bíblicas e usa até as palavras do antigo bispo do Pará, no período imperial, Dom
Macedo Costa, como argumentação contrária ao rito feito à imagem de Nazaré.
Assim, o pastor não acusa apenas a prática devocional à Virgem de Nazaré como
idólatra, mas todo o clero de estar envolvido no estímulo ao povo de praticar
idolatria, já que eles estavam cientes de tratar-se apenas de uma imagem, uma
prática condenável, e ainda assim continuavam a executá-la.
Na matéria ―A festa de Nazareth‖, Justus Nelson responde ao jornal ―Gram
Pará‖ pela crítica às festividades que acompanhavam o Círio de Nazaré no mês de
outubro, afirmando que essas festividades estimulavam os ―vícios‖ e os ―crimes‖:
255
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―A festa de Nazareh‖. Belém, 27/10/1890.
156
clero tinha total consciência de que as práticas do catolicismo local eram contrárias à
fé cristã, incluindo o próprio catolicismo. Era uma forma de continuar desqualificando
a autoridade católica local com fatos concretos que ocorriam na localidade. Apontar
a festividade do Círio de Nazaré como uma festividade lucrativa para a igreja,
estando eles cientes dos possíveis vícios, crimes e jogos de azar ali realizados.
Ao continuarmos na análise de fontes, notamos que Justus Nelson
permaneceu em sua militância contrária à devoção mariana, como exemplo vamos
retornar ao artigo ―as bíblias falsas‖ publicado em 1893, que analisamos no começo
do capítulo, em que se notam os trechos do jornal ―A semana religiosa‖ publicados
no ―O Apologista Christão Brazileiro‖:
256
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―As Bíblias falsas‖. Belém, 1893.
157
contra a devoção mariana local, uma batalha enérgica, agressiva e que chegava ao
limiar da entrada do espaço de culto católico para afrontar o catolicismo vigente.
Justus Nelson faz diversos discursos e narrativas, incluindo até mesmo a do
bispo Dom Macedo Costa, para assim construir sua narrativa de desqualificação da
devoção mariana local. Tece críticas negativas ao clero, as festividades e à própria
devoção mariana em si, taxando-a como idólatra, sempre de maneira taxativa,
jocosa e irônica. O pastor metodista constantemente abordava esses assuntos a
partir da conjuntura local, e construía a sua narrativa do seu universo in loco,
presente em Belém do Pará. Como vimos, a devoção mariana era bem presente e
fervorosa na cidade, destratá-la e desacatá-la era enfrentar um ponto nevrálgico da
religiosidade local. A forma como Justus Nelson se pronunciava diante do
catolicismo vigente em Belém, a partir das fontes que vimos, é importante para
entendermos que as tensões entre ele e os católicos se aprofundava desde o início
de seu ministério na cidade, especialmente em relação ao seu posicionamento
perante a expressão religiosa mais característica do catolicismo paraense, a
devoção mariana.
Detalharemos essa oposição à devoção Mariana de Justus Nelson ainda
neste capítulo. Mas, por hora, notamos o quanto o simbolismo da figura de Maria é
importante para a argumentação contrária ao catolicismo feita pelos protestantes,
justamente pelo peso que ela tem como simbologia do imaginário católico,
especialmente o catolicismo local. Também percebemos que católicos e
protestantes não tratavam apenas seus dogmas, mas as aplicações deles em sua
localidade, seus líderes e suas estigmatizações da liderança local.
257
A PALAVRA. ―Cartas a um jovem moço‖. Belém, 27/07/1922.
159
258
DUBOIS, Pe. Florencio. O Biblismo. Rio de Janeiro, 1921.
259
GOUDINHO, Liliane Cavalcante. A palavra que vivifica e salva contra o mal da palavra que
mata: imprensa católica em Belém (1910-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São
Paulo, 2014, p.160.
260
DUBOIS, op. cit., p.19.
160
261
A PALAVRA. ―Mestre Gueiros, pai de uma nova seita protestante denominada ‗Os imaginários‘‖.
Belém, 15/11/1931.
161
262
A PALAVRA. ―Mestre Gueiros, pai de uma nova seita protestante denominada ‗Os imaginários‘‖.
Belém, 15/11/1931.
163
Um caso curioso que não nos deixou ferir a atenção dos que
ultimamente foram ao Pará em presbyterio foi o silencio do
sanhudo campeão de hostes romanas- Padre Dubois, vejam os
leitores: Anno passado, após a reunião do presbytério em
Caxias, durante a qual foi derrotado em polemica verbal com o
padre Arias, que não obstante, mandou trombetar para fora
uma sua victoria fantástica, teve o Padre Dubois a pachorra de
se abalar do Pará para fazer trejeitos e momices em Caxias e
S. Luiz. Agora, porém, o presbyterio reunido na sua casa, na
sua arena de belluario pavoneado, annunciando, como o fez,
na Folha do Norte diariamente, os trabalhos de referido
presbyterio, padre Dubois, nada fez, nada disse, nada
escreveu – não tugiu, nem mugiu- resignado a um silêncio de
demasiado, de vencido! Curioso e significativo! Como se
justifíca o silêncio de Padre Dubois, conhecidíssimo fazedor de
arrengas?! Como se harmonizar esta atitude de hoje, com a de
hontem em Caxias? Que se teria passado na alma do corifeu
das hortes humanas?... Deixamos ao leitor a resposta a esta
indagação, Elle que faça o seu juízo sobre Dubois e sua
obra...Eu daqui apenas lembrarei que, no Pará, padre Dubois
já foi derrotado apenas trez vezes pelos nossos: duas por
Severino Silva e uma por Bezerra Lima. Como já dissemos,
Dubois tinha espaço na grande imprensa, e em especial, no
jornal ―Folha do Norte‖.263
263
NORTE EVANGÉLICO. ―O trabalho no Pará‖. Garanhuns, 1923.
164
discussões para protestantes e que, inclusive, os teme. Está era uma forma de
desqualificá-lo como autoridade religiosa. Um padre local, mas de prestígio nacional,
que perde embates verbais para protestantes.
Dubois conseguia ocupar espaços na imprensa confessional católica e na
grande imprensa. Antônio Teixeira Gueiros, ao que notamos, foi o primeiro pastor
local do período republicano a se inserir no debate da grande imprensa. Era
evidente o quanto o pastor presbiteriano se diferenciava de outras lideranças locais
protestantes do período republicano em Belém. Por mais que, no geral, os
protestantes conseguissem articulações com pessoas influentes, os presbiterianos
conseguiram um espaço na grande imprensa maior que qualquer outra
denominação presente no período havia conseguido, disputando assim um espaço
até então exclusivo de lideranças católicas, e sofrendo as represálias do catolicismo
diante dessa ocupação de espaço.
O fato de Gueiros conseguir debater com Dubois se utilizando de espaços
na grande imprensa, ou entrando em terrenos argumentativos que, até então, só
eram utilizados pela liderança católica, como a tradição cristã, mostra uma liderança
protestante brasileira que consegue melhor se adequar à conjuntura local, aos
espaços de fala e aos sujeitos presentes na região, criando uma diferenciação até
mesmo de outras lideranças protestantes locais estrangeiras.
Outro embate entre católicos e protestantes que repercutiam na grande
imprensa era o direito de resposta de protestantes citados por Dubois, como o
pastor batista que se tornou ―ex-padre‖, Victor Coelho de Oliveira.
Na matéria ―Sempre os mesmos - Dubois em scena‖, resposta do ex-padre
Victor Coelho de Oliveira, notamos que o jornal ―Folha do Norte‖ publicou, em 24 de
janeiro de 1920, a resposta a um possível ataque de padre Dubois ao ex-padre e
atual pastor batista.
264
FOLHA DO NORTE. ―Sempre os mesmos - Dubois em scena‖. Belém, 24/01/1920.
166
Muitas das supostas acusações feitas por padre Dubois pareciam ser
propagadas por outros veículos de imprensa Brasil afora, e Dubois também as
utilizou para criticar o ex-padre nas acusações em que ele foi processado pelo
exercício ilegal da medicina, ou que recebia dinheiro de norte-americanos; ou, ainda,
que em seus tempos de padre ele era ―trapalhão e desequilibrado‖. Dubois
continuou com o seu discurso em que não apenas os dogmas do protestantismo
eram questionados, mas os próprios líderes religiosos eram difamados.
Especialmente em relação à acusação de ―sedução aos dollares‖ nós retomaremos
a ela no capítulo seguinte. O que por hora podemos extrair dessa fonte é que Victor
Coelho, em seu texto resposta, ressalta a diferença entre padres e pastores com
relação à arrecadação e sustento de suas igrejas, e defende que ser vigário era
muito mais lucrativo do que ser protestante. O sacrifício de sua mudança ao
protestantismo não era apenas a perseguição, mas um grito de recusa aos altos
ganhos financeiros que os clérigos supostamente teriam. O ex-padre afirma que
escolheu viver na ―pobreza protestante‖.
O pastor batista continua não apenas se defendendo, mas atacando o
catolicismo e especialmente padre Dubois, dizendo que o fato dele ser ―atrapalhado‖
se devia ao fato de que ele, Victor Coelho, quando ainda era padre, ter denunciado
265
FOLHA DO NORTE. ―Sempre os mesmos - Dubois em scena‖. Belém, 24/01/1920.
167
―os escândalos e a vida leviana‖ de Dubois. Ele não entra em detalhes da tal
denúncia, mas logo se refere ao padre como ―moceiro‖, indicando, desde aí e no
continuar de sua narrativa, possíveis casos de ―quebra da batina‖ envolvendo padres
católicos. E continua dizendo que padre Dubois, ―sem abandonar a egreja romana,
andava cercado de moelinhas da Santa Cruz‖ 266,e mostra também a acusação de
um outro padre barnabita, Julio, que foi ―acusado de quebrar o voto de celibato no
filho de um oficial do exército, alluno do collegio do catette teve que embarcar às
pressas fugido, no primeiro vapor para o Pará‖267. Victor Coelho passa a falar
desses escândalos envolvendo Dubois e outros padres barnabitas, em que votos de
celibato estavam sendo quebrados, e escândalos outros que envolviam até mesmo
casos de padres com jovens colegiais.
Assim o ex-padre ia procurando expor a hipocrisia da Igreja Católica ao
afirmar que, ―no entanto, por e apesar de todas essas capidizes em ambos os sexos,
elle ainda não se julga imcompatibilizado com a sua veste azarenta, negra como a
perversidade da sua pena caluniadora‖268.
Mesmo com casos como esse ocorrendo, de relacionamentos de padres
com homens e mulheres, a Igreja Católica continuava a considerá-los como padres,
e eles próprios continuavam a se julgar no direito de difamar outrem.
Logo Victor Coelho continua:
266
FOLHA DO NORTE. ―Sempre os mesmos - Dubois em scena‖. Belém, 24/01/1920.
267
Ibidem.
268
Ibidem.
269
Ibidem.
168
270
FOLHA DO NORTE. ―Sempre os mesmos - Dubois em scena‖. Belém, 24/01/1920.
169
271
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.46
172
273
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.86.
174
ela. Aconselhei-a que também orasse, pois Jesus gosta de ouvir nossa voz. Ela
cruzou os braços, agradeceu a Deus e pediu-lhe que a ajudasse a participar de
sua graça. Após aquela oração, a enferma declarou que não estava mais com
medo de morrer e manifestou o desejo de continuar na terra para contar aos
seus parentes a maravilhosa e simples verdade que agora conhecera. [...] No dia
anterior, o padre havia estado lá, mas agira de forma diferente[...] Colocou a
imagem de Maria o mais perto possível da enferma, e após ordenar quais as
orações que eles deviam fazer, retirou-se. [...] Porém, naquela hora, depois de
terem visto como nós havíamos procedido ali, e a alegria e a esperança que
haviam inundado o coração da enferma, estavam convencidos de que havia
alguma coisa melhor que a tradição. Havia fé verdadeira e pessoal em Jesus
Cristo. [...] A senhora idosa, por quem eu orei naquele dia, viveu ainda durante
algum tempo. Ela usou esse tempo para ganhar almas para o Reino de Deus.
Muitos de seus parentes se converteram, e mais tarde foi estabelecida uma
Assembleia de Deus naquele local.274
274
Relato de Daniel Berg, referente às páginas 89 e 90 de seu diário. BERG, Daniel. O enviado de
Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959.
175
A personagem por fim se tornou uma leiga que durante o restante de sua vida ―usou
esse tempo para ganhar almas para o Reino de Deus‖, e muitos parentes seus se
converteram e fundaram uma igreja da Assembleia de Deus ali.
O movimento pentecostal enfatizava como prática de fé questões como a da
cura ou do ―falar em outras linguas‖, elementos que trazem consigo um ―poder‖ de
efetuar ―milagres‖. Homens e mulheres que já tinham em seu imaginário social essas
obras místicas e sobrenaturais existentes no catolicismo popular paraense, tendo
como principais canalizadores desse ―poder‖ os santos e a figura de Maria,
perceberam também no movimento pentecostal esse imaginário religioso sendo
efetuado como prática de fé como nenhum outro protestante enfatizara até o
momento.
A partir disso, trabalhamos com a ideia de que o movimento pentecostal, de
todas as outras denominações protestantes, foi o que melhor conseguiu comunicar
sua fé ao paraense popular hegemonicamente católico. Demonstrar a prática dessa
fé e convencer o povo que a divindade propagada pelo pentecostalismo era
poderosa e eficaz se comparada ao catolicismo, a ponto de enfrentar até mesmo um
simbolismo de crença tão forte para a região como a devoção mariana, traz sentido
à análise de Weber quando explica a rotatividade dos fiéis quando são atraídos por
uma divindade, quando a nova demonstra mais poder que a divindade de adoração
atual do fiel.
275
No livro ―Economia e Sociedade II‖ Weber analisa diversas religiões e faz introduções a uma
sociologia da religião. Dentre as diversas comparações e pontos em comum que encontra nas várias
religiões mundiais, ele percebe que a devoção de fiéis a uma divindade muitas vezes é mantida
quando essa devoção manifesta seu poder de alguma forma. Quando essa divindade deixa de ser
eficaz aos seus adoradores, é constantemente trocada por uma outra que mostra mais poder, mais
eficácia que a anterior. Há aqui um diferencial fenomenológico com o Deus Javeh, pois ao estudar a
literatura judaica Weber nota que mesmo nas vezes em que Javeh deixa de ser um Deus provedor,
ainda assim parte de seu povo mantêm a fidelidade a ele, mesmo com as constâncias
desobediências de seus fiéis. WEBER, Max. Economia e Sociedade II. Brasília: UnB, 2004.
176
Em páginas anteriores do livro, Dubois ressalta que essa ―Vila teta‖ era um
local próximo do Ver-o-peso, onde os protestantes vendiam as suas bíblias. Poderia
ser esse um local de ―referência‖ para o protestantismo se alojar e propagar sua fé,
já que ali era uma região portuária e de comércio, onde havia uma grande circulação
276
A PALAVRA. Belém, 1923.
277
DUBOIS, Pe. Florencio. O Biblismo. Rio de Janeiro, 1921.
177
278
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961.
178
279
Percebemos em seu diário e em muitas biografias e trabalhos a respeito de Berg e Vingren, assim
como a outros ícones cristãos, e até mesmo na biografia de Eurico Nelson a que tivemos acesso, a
ênfase em seus feitos ―heroicos‖ como missionários que desbravavam terras desconhecidas para
proclamar o Evangelho. Essa construção de heróis, principalmente daqueles que fundam grandes
denominações no cristianismo, Gedeon Alencar as trabalha a partir da ideia do ―mito fundante‖, em
que é necessário se construir uma imagem de fundador como ―herói‖, um ―semideus‖. Como
historiadores, precisamos analisar fatos e acontecimentos através das fontes e da historiografia, de
forma a que nos deem um melhor embasamento sobre esses ―fundadores‖. VINGREN, Ivan. O diário
do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961.
179
Aqui nós já notamos que Franklin deixa claro que esses ―inimigos‖ que
cercaram os pentecostais no batismo eram católicos. Seja através da referência ao
líder, que carregava uma cruz, ou relatando sobre o homem que ameaçou esfaquear
Vingren e o outro que interrompeu a ameaça com um grito; eram todos católicos. No
prosseguir da narrativa, bem próximo a esses fatos, Vingren conta outro momento
em que estava doente e ―os inimigos da obra de Deus nos perseguiram muito
durante aqueles dias‖, e que ―certa noite, apedrejaram a casa onde estávamos
reunidos‖ e ―noutra noite planejaram matar-me e queimar a casa‖283. A narrativa de
Vingren revelava tensões entre pentecostais e católicos bem mais violentas do que
280
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.43.
281
Trecho retirado do livro ―O diário do pioneiro Gunnar Vingren‖, onde se publicou partes do diário de
Gunnar Vingren e relatos de pessoas próximas a ele, como a sua esposa Frida Vingren e o pastor
Franklin. Ibidem.
282
Ibidem, p.43.
283
Ibidem, p.45.
180
284
PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1984, p.25.
285
MENDONÇA, Antônio Gouveia. Introdução ao protestantismo no Brasil. In: Idem. Protestantismo
no Brasil: marginalização social e misticismo pentecostal. São Paulo: Loyola, 1990, p.241.
181
A briga entre católicos e protestantes que ocorria nos jornais era em caráter,
na maioria das vezes, polemista e apologeta, envolvendo questões dogmáticas e
políticas acerca das quais os pentecostais inicialmente não se preocuparam em se
posicionar. Com seu racionalismo, sua consolidada teologia e ortodoxia, o
protestante não conseguiu comunicar sua crença ao religioso, pois para o autor ―o
protestante mais estuda do que crê, está mais para verdades do que para
crenças‖287. Em uma cidade onde ―64,9% da população era constituída de
analfabetos‖288, era difícil para o paraense assimilar a fé protestante que consistia
em leitura bíblica, somada a livros e folhetos de Lutero, Calvino e teólogos do
protestantismo de seu tempo.
Apesar disso, como vimos no capítulo anterior, os pentecostais, assim como
os protestantes, tinham a Bíblia como a sua regra de fé e prática. Até mesmo os
seus dons sobrenaturais advindos do Espírito Santo eram baseados no livro de Atos
dos Apóstolos, um livro legitimado pelos protestantes como verdadeiro e canônico. A
própria ideia de ―batismo com o Espírito Santo‖ fora retirado do livro. Contudo, essas
manifestações religiosas dos pentecostais não ganharam apreço dos protestantes
desde o início do movimento até os anos subsequentes.
Por mais que enfatizassem as experiências religiosas místicas e mágicas,
como o catolicismo popular paraense, o movimento pentecostal manteve muitos
dogmas do protestantismo histórico que, diferentemente de outras manifestações
religiosas, naquele momento não dialogaram ou se hibridizaram com o catolicismo.
Vingren nos relata as lutas dos ―servos do Senhor‖ contra ―A mentira e superstição
que o povo aprendeu desde criança dos sacerdotes católicos‖.
286
MENDONÇA, Antônio Gouveia. Introdução ao protestantismo no Brasil. In: Idem. Protestantismo
no Brasil: marginalização social e misticismo pentecostal. São Paulo: Loyola, 1990, p.241.
287
Ibidem, p.246.
288
GOUDINHO, Liliane Cavalcante. A palavra que vivifica e salva contra o mal da palavra que
mata: imprensa católica em Belém (1910-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2014, p.63.
182
289
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.58.
183
290
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.62.
184
291
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.129.
185
292
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.133.
293
Ibidem, p.134.
294
Ibidem, p.135.
295
Ibidem, p.136.
186
delegado, nos dias que se seguiam, Berg continua a relatar outras perseguições
sofridas e a feitas a outros pentecostais de Bragança. Cita que ―ajuntaram-se
cinquenta homens para me matar‖296. Depois de terem escapado, esses homens
―arrombaram as portas das casas e agrediram os membros da igreja‖297, fazendo
com que Berg mais uma vez levasse os pentecostais feridos às autoridades locais e
tendo recepção muito semelhante à anterior.
[...] ouvimos como resposta, que tivemos muita sorte por não
ter acontecido coisa pior, compreendemos então que estavam
do lado dos perseguidores, que pertenciam à mesma horda
corrupta e que não tomariam qualquer providencia para fazer
justiça.298
Dessa vez ele fala de forma mais genérica, não sabemos se Daniel Berg se
referia ao mesmo delegado que o perseguiu, ou se faz menção a outras autoridades
locais que também não o ajudaram e se colocaram do lado dos católicos
agressores, como o delegado. Independentemente disso, o que o pioneiro
pentecostal narra aqui vai além de uma perseguição entre católicos e protestantes a
nível religioso, assim como também vai além das violências físicas e simbólicas
sofridas. O que está sendo tratado aqui é que ele se sente diante de um catolicismo
atrelado ao Estado, não pela via legal, mas porque suas autoridades que
representavam o Estado naquela região eram ligadas à Igreja Católica, fosse por
convicção religiosa, política ou ambas somadas. Enquanto esse tipo de tensão e
confronto ocorria, os pentecostais cresciam rapidamente na região, uma
religiosidade acatólica cara a cara com um catolicismo que ia além da questão
religiosa, mas que tinha como pares, ainda que extraoficialmente, as autoridades
políticas.
Algo que é importante ressaltar, seja nos ditos de Daniel Berg ou Gunnar
Vingren, é o ar triunfalista em suas narrativas. Vale observar que todos os ataques
partiam de ―inimigos‖ que eram ―vencidos‖ por eles, sempre ―guiados pelo Espírito
Santo‖ para isso. Nos diários há uma constante heroização dos missionários em
vivenciar adversidades e superá-las por meio do poder sobrenatural do Espírito
Santo, se assemelhando inclusive às vivências dos apóstolos descritas no livro de
296
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.141.
297
Ibidem.
298
Ibidem, p.142.
187
Atos. Tal postura ufanista convida a analisarmos com cautela e criticismo os fatos
narrados.
Contudo, o nosso principal foco não recai sobre a discussão da veracidade
dos fatos narrados. Nos cabe entender quais são os elementos simbólicos locais
que Vingren e Berg elegem para si na construção de suas narrativas missionárias.
Nos casos analisados, nota-se o catolicismo como um significativo elemento de
antagonismo, de uma religião hegemônica que os persegue e ataca com toda sorte
de violências, simbólicas e físicas, e revela um poder que abrange até mesmo o
aparelho estatal. Uma igreja atrelada ao Estado pro alianças políticas. Assim, essa
narrativa missionária na qual os católicos ocupam o papel de perseguidores ganha
uma dimensão para além da religiosa, mostrando um catolicismo altamente
vinculado ao Estado em algumas regiões do Pará. Os seus perseguidores iam além
do católico leigo popular e das lideranças católicas locais, mas dos próprios
representantes do Estado que eram aliados da Igreja.
Gunnar Vingren, de estada no interior do Maranhão, também relata um caso
de perseguição aos ―crentes‖ da região:
Assim como no episódio narrado por Daniel Berg, aqui também ocorre um
fenômeno semelhante. Os pentecostais foram perseguidos a ponto de sofrerem
violência física. E, mais uma vez, além de não receberem o amparo das autoridades,
foram perseguidos por elas. Por fim, os ―crentes feridos‖ acabaram presos.
299
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.55.
188
300
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Artigo 72, § 3º. Rio de Janeiro,
24 de fevereiro de 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituicao91.htm>.
191
que também seria legitimado pelo Estado. Essa era uma decisão havia muito tempo
desejada por protestantes no Império, assim como outros setores da sociedade.
Discussões sobre o casamento civil, de fato, não se iniciaram no Brasil
república. Debates envolvendo políticas públicas sobre esse tema existiam desde o
período imperial. O parlamento brasileiro já discutia referendos que procurassem
legitimar alguns tipos de matrimônios que não fossem ligados à Igreja Católica. O
casamento legítimo pelo Estado era aquele realizado em uma cerimônia religiosa
católica e dentro de uma igreja. Sendo assim, houve algumas discussões sobre a
legitimidade do casamento de imigrantes que vinham ao Brasil e não eram católicos.
Mesmo ainda no período no qual o Estado era vinculado à Igreja, e em meio
a fortes pressões do catolicismo para que a legitimação do casamento civil não
acontecesse, houve alguns casos relatados pela autora como um breve período de
legalidade da cerimônia civil nos anos de 1861 a 1865. Ela relata a batalha jurídica
que se deu em 1857, pelas mãos do ministro da justiça, Nabuco de Araújo, em
legitimar o casamento civil, usando o argumento que seria ―illusoria a intolerância
religiosa se essas pessoas não forem respeitadas quanto aos direitos civis‖.
Independentemente dos recursos e argumentos proferidos, autoridades vinculadas à
Suprema Corte e à Santa Sé sempre se mostravam contrárias às iniciativas
favoráveis ao casamento civil, pois ―para elas o único que poderia legitimar
moralmente os domínios familiares era o religioso; qualquer outro não passaria de vil
amasiamento‖301.
Apesar dessas e de outras diversas tentativas, e de alguns projetos de lei
que procuravam amparar casos específicos de matrimônios entre não cristãos, a
legitimidade do casamento civil entrou em vigor somente no período republicano.
Ainda assim, com as constantes resistências da Igreja Católica em aceitá-lo como
um matrimônio legitimamente cristão.
Logo, o casamento civil além de ser um novo parecer jurídico na constituição
republicana de 1890, também era motivo de querelas entre católicos e protestantes
desde o período imperial. Na República, com a legalização do casamento civil,
301
COSTA, Heliane Monteiro da. Tensões entre metodistas e Igreja Católica, Belém (1890-1925).
Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião), UEPA, Belém, 2013, p.30. Em sua dissertação de
mestrado sobre Justus Nelson, faz uma breve análise sobre as discussões do casamento civil no
período imperial e republicano. Para trabalhar esse assunto, também nos utilizamos de outras fontes
como: SANTOS, Ana Gabriela da Silva. O casamento na implantação do registro civil brasileiro (1874-
1916). Anais do I Encontro de pós-graduandos da Sociedade Brasileira de Estudos do
Oitocentos. Niterói, 2016, p.01-23.
192
302
CAMPOS, Ipojucan Dias. Para além da tradição: casamentos, famílias e relações conjugais em
Belém nas décadas iniciais do século XX (1916/1940). Tese (Doutorado em História) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p.58.
303
Ibidem, p.59.
304
Ibidem.
193
305
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―O casamento civil‖. Belém, 1890.
194
306
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―O casamento civil‖. Belém, 1890.
196
307
MENDONÇA, Antônio Gouveia. La cuestión religiosa y la incursión del protestantismo en Brasil
durante el siglo XIX: reflexiones e hipótesis. In: BASTIAN, Jean Pierre (Comp.). Protestantes,
liberales y francmasones: sociedades de ideas y modernidad en América Latina, siglo XIX. México:
Fondo de Cultura Económica, 1990, p.68.
197
308
David Vieira Gueiros trata sobre as alianças entre grupos minoritários no período imperial, como
protestantes, maçons e republicanos. GUEIROS, David Vieira. Liberalismo, maçonaria y
protestantismo em Brasil. In: BASTIAN, Jean Pierre. Protestantes, liberales y francmasones.
México: Fondo de Cultura Económica, 1990.
309
Ibidem, p.65.
310
BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil. Rio de Janeiro, 25 de março de 1824.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>.
198
311
BRASIL. Decreto n. 119, de 7 de janeiro de 1890. Prohibe a intervenção da autoridade federal e
dos Estados federados em materia religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o
padroado e estabelece outras providências. Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1890. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-119-a-7-janeiro-1890-497484-
publicacaooriginal-1-pe.html>.
312
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro
de 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>.
199
Justus Nelson, em 1890, era um sujeito ativo diante dessa discussão, que
acabou resultando no Código Civil registrado em 1891, que dá plena liberdade para
todas as confissões religiosas exercerem seu culto, não apenas em suas casas,
mais publicamente, construindo seus templos e podendo acumular bens para dar
prosseguimento à sua dinâmica religiosa não católica. Justus Nelson, como
protestante, participava de forma aguerrida desses debates, publicando diversas
matérias sobre o tema e afirmando seu posicionamento no jornal. Através dele,
podemos ter uma ideia de parte das discussões religiosas que ocorriam na cidade.
Justus Nelson fazia questão de destacar esse fenômeno político nas matérias do
seu jornal:
informativo, ainda notamos uma leve ironia na mensagem, ao dizer que quando a
Igreja deixar de ser a religião oficial do Estado não haverá desacato à igreja sem
apedrejamento de seus templos, provavelmente ironizando ao retratar, nas
entrelinhas, aquilo que muitos protestantes passavam: desacato e ameaças a sua
integridade física.
O tema ―separação entre Igreja e Estado‖ era importante para o jornal, a
ponto de se tornar inclusive uma coluna. Outros textos com essa temática foram
feitos com essa mesma titulação no ano de 1890. Em outra matéria, Justus Nelson
menciona a importância da referida separação até para a própria Igreja Católica.
315
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Separação entre Igreja e Estado‖. Belém, 1890.
201
Nessa matéria, Justus Nelson diz que nas missas os padres falavam de
assuntos como separação Igreja e Estado e casamento civil. Possivelmente, essa
era uma discussão que também atravessava o campo católico, e era discutida até
mesmo dentro do templo religioso. Segundo o pastor, havia ameaças de padres de
não batizarem os filhos das mulheres que efetuassem o casamento civil, além de
outras crenças propagadas que o pastor define como fábulas, como ―os
sacramentos da igreja, sepultura em terra benta, missas para tirar as almas do
316
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―A separação‖. Belém, 31/05/1890.
202
purgatório‖. Aqui, mais uma vez, religioso e político se misturam, tanto nas possíveis
atitudes dos padres em usar do espaço das igrejas para opinar sobre as questões
políticas do momento, quanto de Justus Nelson, que em seu jornal defende
constantemente a separação entre Igreja e Estado e o casamento civil. Nessa
matéria, em especial, há uma tentativa de desqualificação do catolicismo, de
denunciá-lo como uma igreja que coage seus fiéis em crenças que, para ele, são
mitológicas e mentirosas, reconhecidas em todo o mundo como tal, menos na região
em que ele presencia isso.
Pela frequência do jornal a abordar esse assunto, notamos o interesse de
Justus Nelson em defender a legitimação da separação entre igreja e estado. Esta
causa era usada contra os católicos como a luta para a concretização de um objetivo
político, mas também para deslegitimar a Igreja Católica como a religião oficial e
conseguir, assim, maior liberdade religiosa para a fé protestante. Justus Nelson
ataca os acontecimentos locais, confronta a fé e prática católica paraense, expõe as
suas particularidades e as denuncia como sendo heréticas.
Por mais que a separação entre Igreja Católica e Estado tenha sido
legitimada em 1891 no plano jurídico, dando liberdade religiosa para grupos como os
protestantes exercerem livremente sua fé na esfera pública e privada, o discurso do
jornal ―O Apologista Christão Brazileiro‖, semelhantemente às narrativas do
movimento pentecostal, nos faz entender que, por mais que o protestantismo fosse
algo juridicamente legalizado, na prática as tensões entre católicos e protestantes
continuaram se desdobrando em embates que iam além da arena religiosa,
englobando até mesmo a estrutura do Estado de forma a coibir as práticas religiosas
de protestantes.
Quando Justus Nelson desafia o bispo a provar com fatos históricos que
Maria seria a padroeira da Amazônia, mais uma vez ele usa o argumento de pedir
uma prova material e racional da crença mariana paraense, mostrando o
racionalismo protestante frente ao misticismo católico. O desafio também serve
como enfrentamento a uma autoridade católica que, como já vimos, também é um
símbolo significativo para o catolicismo, procurando, assim, desconstruí-la. Fora
isso, a afirmação do marianismo local ser ―uma fábula para engodar os ignorantes‖
passa uma mensagem dualística, o protestantismo como uma fé culta, racional e
verdadeira, e o catolicismo local como religiosidade ignorante e falsa.
317
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―A Padroeira‖. Belém, 01/07/1892.
204
318
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―A cathedral do Pará‖. Belém, 01/05/1892.
205
O promotor se utilizou do Artigo 185 para embasar sua acusação. Este artigo
foi introduzido no Código Penal em 1890. No capítulo III do Código Penal, acerca de
crimes contra o livre exercícios dos cultos, reza o Artigo 185 que “Ultrajar qualquer
confissão religiosa vilipendiando acto ou objeto de seu culto, desacarando ou
profanando seus symbolos publicamente. Pena – de prisão por um a seis mezes”.320
O promotor se baseou nesse artigo para mostrar que Justus Nelson não
cumpriu a lei, e considerou que o pastor metodista ultrajou ―a fé dogmática e
tradicional da família paraense‖. É importante destacarmos essa fala do promotor
para notarmos que ele acusa Justus Nelson de ultrajar não apenas uma instituição
religiosa, mas a crença tradicional de toda a sociedade paraense. Vale reparar que a
inciativa da denúncia surgiu de um promotor da região, e não de um membro do
clero católico local. Justus Nelson estava sendo denunciado por uma autoridade de
estado que reconheceu as matérias publicadas pelo jornal metodista como
ofensivas. Se Justus Nelson estava atacando uma ―fé tradicional paraense‖, então
era aquela uma crença na qual o próprio promotor parecia comungar.
319
SANTOS, Alex Seabra. O protestantismo metodista em Belém: buscando determinações de
sua efetivação (1880-1896). Monografia (Graduação em História), UFPA, Belém - PA, 2000. Além da
fonte abordada, há outra pesquisa feita em Belém do Pará que gostaria de destacar para análise: a
dissertação de mestrado ―Tensões entre metodistas e Igreja Católica, Belém‖, de Heliane Monteiro da
Costa, onde a prisão de Justus Nelson também aparece como temática de análise pela autora.
COSTA, Heliane Monteiro da. Tensões entre metodistas e Igreja Católica, Belém (1890-1925).
Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião), UEPA, Belém, 2013.
320
BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Codigo Penal. Rio de Janeiro, 11
de outubro de 1890. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-
847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html>.
206
321
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
207
322
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
208
O que Justus Nelson deixa claro é que ele não estava ―vilipendiando‖ a fé
católica, ou Maria, mais sim, especificamente, as imagens que eram feitas e que a
representavam. Para sua defesa, Justus Nelson fazia questão de separar a Virgem
Maria descrita nos evangelhos das imagens de Maria que eram instrumento de
devoção do catolicismo paraense, e que para ele não correspondiam àquela que
seria a ―verdadeira Maria‖.
Nesse compilado de trechos dá para entender que Justus Nelson continua a
se utilizar de um elemento retórico usado diversas vezes para trazer à tona
aparentes contradições da religião católica. Ele não desmente as afirmações
contrárias à religiosidade que condena, mas apresenta as possíveis contradições
entre o artigo citado e sua mensagem, mostrando que em nenhum momento feriu a
fé católica em sua base, mas os erros que condenava no catolicismo local, e que,
segundo ele, eram condenados até mesmo pela própria religião católica. Há aqui um
choque de conceitos. As noções estrangeiras de catolicismo não estavam
correspondendo às particularidades das dinâmicas religiosas do catolicismo local
com o qual o pastor se deparava. Justus Nelson era um estrangeiro em terra
estranha. Um protestante norte-americano com valores próprios de sua região, que
combatia um catolicismo de um fervoroso marianismo representado pela Virgem de
Nazaré, um catolicismo com características próprias, com simbolismos específicos
que ele procurava decifrar e combater na medida do possível.
209
323
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
210
valor que, para o jurista, ia além do religioso e poderia ferir o valor moral da
liberdade de expressão:
Vale ressaltar um adendo de Alex Seabra dos Santos, em que afirma, que
diversos advogados se ofereceram para serem defensores de Justus Nelson. O que
podemos notar era que o pastor metodista também tinha simpatizantes de sua
causa, mesmo entre não protestantes e entre pessoas de certo renome social, a
ponto de ser procurado por juristas. Provavelmente, os temas separação Igreja –
Estado e liberdade de expressão já eram debatidos não apenas entre religiosos,
mas entre intelectuais e juristas do período. Justus Nelson era um sujeito que estava
inserido em uma conjuntura maior de debate político, que envolvia questões
delicadas a serem discutidas em uma sociedade que estava iniciando seu período
republicano e o papel da religião nesse novo estado, as liberdades de expressão e
matrimônio, os novos papéis da Igreja e do Estado na sociedade.325
Não é à toa que a ideia de liberdade de pensamento era um dos principais
argumentos dos defensores assim como dos acusadores de Justus Nelson, como
notamos nas palavras do segundo promotor público, Américo Chaves:
324
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
325
Alex Seabra dos Santos e Heliane da Costa detalham um pouco melhor as questões da prisão,
reiterando que diversos advogados juristas não protestantes se interessaram em ser defensores de
Justus Nelson, mas nem eles e nem as fontes nos dão indícios do critério que Justus Nelson usou
para escolher Diogo Holanda como seu defensor. SANTOS, Alex Seabra. O protestantismo
metodista em Belém: buscando determinações de sua efetivação (1880-1896). Monografia
(Graduação em História), UFPA, Belém - PA, 2000. COSTA, Heliane Monteiro da. Tensões entre
metodistas e Igreja Católica, Belém (1890-1925). Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião),
UEPA, Belém, 2013.
211
326
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
327
CHEHOUD, Heloísa Sanches Querino. Liberdade religiosa e laicidade: evolução histórica e
análise constitucional. Dissertação (Mestrado em Direito), PUC-SP, São Paulo, 2010, p.35.
212
328
CHEHOUD, Heloísa Sanches Querino. Liberdade religiosa e laicidade: evolução histórica e
análise constitucional. Dissertação (Mestrado em Direito), PUC-SP, São Paulo, 2010, p.36
329
Burdeau, 1979, p.101. Apud: Ibidem, p.36.
330
Ibidem.
213
331
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
214
entende e aplica a pena em grau médio, como Justus Nelson registra em seu jornal
―O Apologista Christão Brazileiro‖, em 1925:
332
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 1925.
333
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 1892.
216
fosse plena, e que raças e religiosidades fossem tratadas como iguais perante a lei.
De certa forma, a república brasileira trazia consigo, como analisamos nesse
capítulo, um código penal que apontava para isso, mas a aplicabilidade desse
código pelos aplicadores da lei parecia estar privilegiando a religião majoritária, o
catolicismo vigente.
Com isso, precisamos apontar uma reflexão mais profunda, entender como
que a separação entre Igreja e Estado ocorrida no período republicano, em muitos
casos da vivência cotidiana, não era aplicada na prática, sendo o catolicismo uma
religião que mantinha privilégios.
Apesar das políticas de separação entre Igreja e Estado no Brasil, nas
primeiras décadas da República, aproximadamente 95% da população era
católica.334 Esses ideais nacionalistas, republicanos e laicos não modificaram a
estrutura religiosa de forma abrupta. Na verdade, não apenas o Brasil, mas o
ocidente continuou hegemonicamente cristão, seja de linha católica ou protestante,
mesmo nos países considerados ―laicos‖. Até mesmo a França manteve a maior
parte da população católica, ainda que aplicando uma laicidade conflituosa com a
religiosidade vigente. O Brasil, no decorrer do século XX, é considerado um dos
países mais religiosos do ocidente. O que notamos aqui são ideais secularizados
circulando em uma sociedade ainda profundamente religiosa. Especialmente o
Brasil, onde a maioria esmagadora da população era católica.
Ao analisarmos o processo de implantação da separação entre Igreja e
Estado no Brasil, notamos que ela se diferencia de outros modelos de implantação
de separação ocorridos no ocidente. Se tomarmos o estado francês como exemplo,
onde após as tentativas de separação entre Igreja e Estado serem feitas a partir de
diversas tensões após a Revolução Francesa, com políticas que expressavam uma
agressiva rejeição à religião vigente, mesmo a república brasileira buscando
inspiração francesa, o fenômeno da relação Igreja e Estado no Brasil se difere.
Notamos que o modelo civil de separação entre Igreja e Estado tem similaridades
com o modelo norte-americano, um modelo laico de um país hegemonicamente
protestante, onde não se valorizava não uma ―descristianização‖335 como ocorreu na
334
O primeiro censo brasileiro no período republicano a quantificar o número de religiosos no Brasil
foi em 1940, onde este apurou que 95,2% eram católicos.
335
O termo ―descristianização‖ é utilizado por Fernando Catroga em seu livro ―Entre deuses de
césares: Secularização, laicidade e religião civil‖, no qual, ao analisar o processo de laicidade
francês, mostra que os intelectuais franceses iniciaram uma campanha de separação entre Igreja e
217
França, mas de uma religião que permanecia na mentalidade de seu povo e era
importante para o desenvolvimento da nação. Mesmo os norte-americanos não
possuindo uma nação oficial, a crença majoritária protestante interferia diretamente
nas decisões do Estado.
Diferentemente de países como a França, os norte-americanos EUA
procuraram conciliar a sua sociedade, em que predominava a religiosidade
protestante, com um estado formado por ideais iluministas e deístas. 336
A primeira emenda constitucional relacionada à separação entre Igreja e
Estado foi realizada pelos Estados Unidos, país predominantemente protestante.
Menos de uma década depois de sua separação oficial com o Reino Unido, eles
registram na construção da constituição americana que ―a liberdade religiosa foi
garantida na primeira emenda, em duas cláusulas, a do livre exercício da religião e a
da separação entre Igreja e Estado e confissão religiosa‖ 337. Mas aqui,
diferentemente da França, há uma contínua predominância cristã, especialmente a
protestante, na qual ―o cristianismo reina pois sem obstáculos, segundo o
testemunho de todos‖338. Na obra ―A democracia da América‖, Alexis de Tocqueville
nos mostra que a ideia de separação entre Igreja e Estado era uma unanimidade
entre as autoridades religiosas339, e que ―a religião nunca se envolve diretamente no
governo da sociedade‖340. Todavia, o próprio prestígio que o cristianismo tem diante
da sociedade norte-americana faz com que essa exerça influência direta no Estado,
como registrado pelo próprio Toqueville:
Estado a partir da Revolução Francesa que perdurou no decorrer dos séculos, embuída de um forte
―anti-clericalismo‖ que, no desenvolver da ideia, o autor conta que após alguns anos os laicistas
franceses já estavam defendendo uma descristianização em que nenhum elemento simbólico ou ideal
que relevasse uma cosmovisão cristã é aceito entre instituições de Estado. Ele esmiúça essa ideia no
capítulo ―Anatemizações da modernidade‖ e em ―Clericalismo, anticlericalismo, descristianização‖,
nas páginas 286 e 304, respectivamente. CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Césares:
secularização, laicidade e religião civil. Coimbra, Portugal: Almedina, 2010.
336
Ibidem, p.157.
337
CHEHOUD, Heloísa Sanches Querino. Liberdade religiosa e laicidade: evolução histórica e
análise constitucional. Dissertação (Mestrado em Direito), PUC-SP, São Paulo, 2010, p.39.
338
TOQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e opiniões. São Paulo: Martins
Fontes, 2014, p.343.
339
Ibidem, p.146.
340
Ibidem, p.144.
218
341
TOQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e opiniões. São Paulo: Martins
Fontes, 2014, p.345.
219
346
SOUSA, Rodrigo Franklin de. Símbolos, memória e a semiótica da cultura: a religião entre a
estrutura e o texto. Estudos de Religião. São Bernardo do Campo - SP, v. 29, n. 1, 2015, p.73.
KAST, Verena. A dinâmica dos símbolos. São Paulo: Loyola, 1997.
222
349
SANTOS, Mário Ferreira. Tratado de Simbólica. São Paulo: É Realizações, 2007, p.68.
224
350
NORTE EVANGÉLICO. Garanhus, 1925.
227
351
A PALAVRA. ―A Europa está sofrendo o castigo de sua apostasia‖. Belém, 03/02/1938.
229
patriotismo e a instituição do divórcio. Sendo que o início dessa apostasia teria sido
a adesão de parte da Europa ao protestantismo:
Pouco é dito sobre o protestantismo nessa matéria, mas daí já notamos ele
sendo responsabilizado como o iniciador da derrocada, pois ―inventaram o
protestantismo, veio a revolução francesa...‖. O protestantismo é retratado como um
marco histórico inicial, não apenas para um abalo do catolicismo europeu, mas
consequentemente como o início do decorrer de outros males que a Europa sofreu
em seus períodos posteriores.
352
A PALAVRA. Belém, 03/02/1938.
230
353
A PALAVRA. Belém, 25/10/1931.
231
354
A PALAVRA. Belém, 10/09/1938.
355
Apesar disso, vale ressaltar que a matéria é de 1938, um ano antes do início da II Guerra Mundial.
Apesar da crítica ao nazismo feita pelo jornal na época, esse regime político, apesar de já ter suas
críticas e apontamentos de seu autoritarismo desde 1933, ainda não é conhecido de forma tão
negativa como viria a ser mundialmente após 1945 com o fim da II Guerra e a revelação para o
mundo dos campos de concentração e do genocídio que marcaria o séc. XX.
234
356
A PALAVRA. Belém, 16/11/1922.
236
357
A PALAVRA. Belém, 16/11/1922.
358
Ibidem.
237
359
OLIVEIRA, Lucia Lippi. A questão nacional na Primeira República. Brasília: Brasiliense, 1990,
p.162-163.
238
Mas a maior característica da Igreja Católica foi potencializar um discurso que dizia
que ela ―colaborava com a ordem diante dos movimentos de contestação que
começavam a questionar o status quo reinante‖360.
Lucia Lippi, ao estudar a ideia de nacionalismo nas primeiras décadas da
República, diz que a Igreja passa a adotar um discurso conciliador entre Igreja e
República, mostrando-se dona de uma religiosidade que seria o principal pilar da
unidade política que o nacionalismo exigia. Para isso, Lippi analisa os discursos de
Julio Maria nas imprensas católicas circulantes, no qual ele afirmava que
360
OLIVEIRA, Lucia Lippi. A questão nacional na Primeira República. Brasília: Brasiliense, 1990.
361
Ibidem, p.165.
362
Ibidem, p.172.
239
363
A PALAVRA. ―Desnacionalização‖. Belém, 24/02/1921.
240
364
A PALAVRA. ―Os protestantes do Brasil são Anti-Patriotas‖. Belém, 08/11/1931.
241
Essa é uma matéria que, assim como outras, foi publicada em outro estado
e o conteúdo também circulou nos jornais católicos de Belém do Pará. A matéria
procura convocar não apenas os católicos devotos para esse combate, mas se
dirige também a ―todo o brasileiro‖, e que isso não é apenas uma questão de fé, mas
é ―dever do patriotismo‖. Mais uma vez a ideia de ―católico‖ e ―brasileiro‖ sendo
atreladas ao discurso, a proteção e defesa do catolicismo sendo postas como
interesse nacional, e que o catolicismo é essencial para o Brasil enquanto nação.
O protestantismo posto como um ―inimigo‖ do catolicismo, faz com que as
críticas feitas a ele não sejam apenas na questão religiosa (―uma seita‖), mas como
uma ameaça nacional, um perigo para todos os brasileiros. Essa ideia do catolicismo
brasileiro como uma fé necessária para a unidade nacional, e o protestantismo como
um uma religiosidade que objetivava destruí-la visando uma dominação norte-
americana, será um dos principais discursos do conflito entre essas duas vertentes
cristãs nos veículos de imprensa.
Aqui, semelhantemente à matéria ―a bíblia dos protestantes em penca‖,
mostrada no capítulo anterior, o jornal mais uma vez se posiciona como um agente
mobilizador diante de seus leitores, mas dessa vez a ideia não está em destruir a
365
A PALAVRA. ―Combate ao protestantismo‖. Belém, 25/10/1931.
242
bíblia protestante apenas, mas todo o protestantismo que se infiltra no país. Com um
composto narrativo a mais, onde o combate aos protestantes não é um problema
apenas dos católicos, mas de toda a nação.
Há algo muito claro nessas matérias analisadas, a apropriação da ideia de
nação pelo catolicismo, apesar de haver uma separação oficial entre Igreja Católica
e Estado. O catolicismo consegue mostrar-se como uma religião imprescindível para
o Brasil republicano que desponta, a religiosidade que promove uma união nacional,
como um pilar de sustentação da República. Ser contrário ao catolicismo, seria ir
contra toda a nação e o novo modelo republicano seria insustentável. Com essa
nova roupagem discursiva, a Igreja Católica mantém o seu discurso messiânico
atrelado ao novo momento político que vinha com o Brasil República. Mesmo que
separada juridicamente do Estado, era necessário estruturar seus discursos para
manter sua hegemonia diante de uma sociedade ainda majoritariamente católica.
O protestantismo, movimento religioso historicamente antagônico ao
católico, também ganha uma nova reconstrução social pela imprensa católica. Agora
ele não era apenas uma ―seita herética‖, mas uma religiosidade norte-americana,
utilizada pelos Estados Unidos como instrumento de dominação da nação brasileira.
Destruir a igreja católica seria uma forma de destruir a nação e o protestantismo
seria o agente dessa destruição; fosse por meio de exemplos europeus ou do
próprio cotidiano brasileiro, a imprensa católica se utilizava de suas construções
sociais para vender a ideia do catolicismo como a religiosidade que sustenta a
nação a protege de seus inimigos, e mesmo separada do Estado precisa ser
reconhecida por ele e pela sociedade como a principal religião nacional.
Justus Nelson ressalta que, desde o primeiro jornal publicado, ele já tinha
tomado um posicionamento político. Mesmo não possuindo uma vinculação direta
com os partidos, o jornal se posicionava como republicano e muitas ideias do partido
sincronizavam com os ideais do jornal. Havia um apoio de Justus Nelson ao partido
que se formava no estado, a ponto do pastor ter até a preocupação de informar os
pormenores do partido, mostrando quem fora eleito como presidente dos
republicanos: o doutor José Paes de Carvalho. Há uma comemoração tanto por
essa eleição quanto pela retirada de outros nomes, mostrando que o jornal
acompanhava e se posicionava diante dos trâmites internos do partido, instruindo
aos seus leitores qual a melhor posição do partido nos interesses dos protestantes.
Apesar dos acompanhamentos minuciosos e críticas de Justus Nelson a
alguns membros do partido, no geral havia uma clara aprovação ao regime
republicano e uma intenção de declarar essa aprovação aos seus leitores. Informar
a eles o que acontecia no partido era tão importante para o jornal quanto tratar de
assuntos religiosos da fé protestante, como estudos bíblicos e discussões de
doutrinas internas do protestantismo. Nesse jornal, a política ocupava um espaço
considerável, revelando o elevado grau de importância que o líder metodista
destinava ao assunto.
366
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―O partido republicano‖. Belém, 25/01/1890.
244
367
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Separação do estado e da igreja‖. Belém,
01/02/1890.
245
368
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Separação do estado e da igreja‖. Belém,
01/02/1890.
246
369
O JORNAL BAPTISTA. ―Christã, jamais ultramontana‖. Manaus, 10/09/1901.
248
370
O JORNAL BAPTISTA. ―Carta aberta ao padre Julio Maria‖. Manaus, 10/09/1901.
249
371
O JORNAL BAPTISTA. ―A unidade nacional‖. 01/01/1920.
250
372
NORTE EVANGÉLICO. ―Ruy Barbosa‖. Garanhuns, 22/03/1923.
251
Daí notamos que há, pelo jornal Norte Evangélico, não apenas um apoio à
República, mas também ao catolicismo, e há uma tentativa de associação de
elementos discursivos da República com o protestantismo, onde se procura associar
pessoas, datas e ideais republicanos à religiosidade protestante, construindo não
apenas uma defesa ao regime republicano, mas procurando atrelar o republicanismo
ao imaginário protestante e vice-versa, absorvendo seus símbolos e ideais, para
fazer a leitura da República a partir de uma cosmovisão protestante.
373
Há algumas citações de Ruy Barbosa elogiando o protestantismo em suas obras. Todas elas
estão disponíveis em: FUNDAÇÃO CASA RUI BARBOSA. Disponível em: <http://www.
casaruibarbosa.gov.br>.
374
NORTE EVANGÉLICO. ―Liberdade religiosa‖. Garanhuns, 1925.
252
375
NORTE EVANGÉLICO. ―Da Amazônia‖. Garanhuns, 10/10/1923.
376
NORTE EVANGÉLICO. ―De Belém‖. Garanhuns, 1923.
253
377
NORTE EVANGÉLICO. ―Liberdade religiosa‖. Garanhuns, 1925.
255
378
Não sabemos se essa matéria foi retirada do jornal Anarquista ―O combate‖ que circulava em São
Paulo nas primeiras décadas do séc XX, ou se havia um outro jornal chamado ―D‘O combate‖, a
respeito do qual não achamos documentação histórica ou material historiográfico que o analisasse.
Independentemente disso, o próprio jornal ―Norte Evangélico‖ diz que a matéria foi retirada desse
veículo e que, aparentemente, era um veículo de comunicação não confessional, não vinculado a
nenhuma instituição religiosa. ―O dr. Lauresto‖ era o protestante Nicolas Soares do Couto, um médico
missionário presbiteriano que teve um forte posicionamento contra a maçonaria e a favor da cisão da
Igreja Presbiteriana, sendo, após o cisma, membro da Igreja Presbiteriana Independente que
constantemente publicava matérias no jornal presbiteriano ―O Estandarte‖. NORTE EVANGÉLICO.
―Falso nacionalismo‖. Garanhuns, 20/01/1923.
256
379
NORTE EVANGÉLICO. ―Falso nacionalismo‖. Garanhuns, 20/01/1923.
257
380
NORTE EVANGÉLICO. ―A infiltração americana‖. Garanhuns, 11/05/1923.
258
381
NORTE EVANGÉLICO. ―A infiltração americana‖. Garanhuns, 11/05/1923..
259
faria seus alunos a se instruírem, e, caso seu método de ensino fosse incorporado
no país, seria a alavanca para o próprio país se desenvolver como os países de
elevado nível econômico e de maioria protestante, como os citados pela matéria. O
catolicismo é descrito como a religião que traz um ensino atrasado e ineficaz,
enquanto o protestantismo tem a melhor metodologia de ensino, e que traz a
prosperidade.
No segundo capítulo, discutimos um pouco sobre a cosmovisão protestante
no país, sobre o Destino Manifesto e como missionários protestantes do final do
século XIX vinham ao Brasil com a mentalidade de redenção, não apenas no âmbito
religioso, mas também econômico e social, possuindo os Estados Unidos como
modelo ideal de nação. Matérias como essas nos fazem entender como essa visão
foi se estruturando no período republicano, como se discutia isso no dia a dia em um
modelo republicano já instaurado e como os protestantes articulavam seus discursos
para construir um projeto de nação na república brasileira já consolidada,
especialmente em um ramo tão caro para eles como a educação.
Na matéria ―O estado leigo e o ensino religioso‖, havia uma resposta à
queixa de parte da Igreja Católica com relação ao ensino laico nas escolas públicas,
onde elas não poderiam mais ter uma forma de ensino com uma cosmovisão
católica, mas sim ―neutra‖. A Igreja Católica supostamente estava se queixando de
que o Estado estava cedendo à pressão de uma minoria de pessoas pertencentes a
diversos grupos minoritários, entre os quais os protestantes. A argumentação
católica se utilizava de ideais republicanos para validar a ocupação de seus
espaços, trazendo para si a ideia de ―liberdade de consciência‖, argumentando que
os católicos estavam perdendo terreno para a manifestação da sua fé nos espaços
públicos, e que isso era contrário aos princípios da própria laicidade do Estado, além
de atingir a fé da maioria da população, que era católica. Com isso, no Paraná, se
discutiu uma emenda constitucional para declarar nas escolas que, ainda que
houvesse liberdade para outras religiões, que fosse lembrado nas aulas que a
principal religião era a católica. Um dos trechos da emenda reza que há no ensino
laico ―um sectarismo violento‖ e que ―constituem programma mínimo reivindicações
consciência catholica. Nação está a exigir como justa reparação todo o passado
histórico‖. Essas discussões no Paraná provocaram uma reação do jornal ―Norte
Evangélico‖, e a matéria ―O estado leigo e o ensino religioso‖ foi feita como uma
262
pequena coluna do jornal, produzindo alguns artigos para discutir essas questões e
responder esses questionamentos da Igreja.
383
NORTE EVANGÉLICO. ―O estado leigo e o ensino religioso‖. Garanhuns, 16/09/1925.
263
384
NORTE EVANGÉLICO. ―O estado leigo e o ensino religioso‖. Garanhuns, 16/09/1925.
264
385
NORTE EVANGÉLICO. ―O estado leigo e o ensino religioso‖. Garanhuns, 16/09/1925.
265
Nessa matéria o autor já trabalha questões um pouco mais amplas, nela ele
vai discutir sobre o conceito de Igreja, de Estado, conta um pouco da história da
Igreja e discute a sua relação com o Estado em alguns momentos específicos.
Ao longo do argumentos, constrói um eixo argumentativo para demonstrar
que o ideal é a Igreja separada do Estado, mostra que a igreja oficial da Inglaterra, A
386
NORTE EVANGÉLICO. ―O estado leigo e o ensino religioso II‖. Garanhuns, 23/09/1925.
266
anglicana, definida pelo autor como ―meio romanizada‖, por ser oficializada como a
principal religião inglesa perdeu sua ―vida expansiva e espiritual‖ e se secularizou,
despertando apenas no século XVI com a Reforma Protestante que libertou a Igreja
do paganismo. Assim como no período da igreja primitiva, onde a Igreja ao se aliar
ao Estado Romano no período de Constantino ―definhou na fé‖.
A relação entre Igreja e Estado é uma das preocupações da matéria, o autor
mostra as relações lícitas e ilícitas entre Igreja e Estado, situação na qual o Estado
―é a organização do poder público constituído ou a colectividade abstracta de uma
nação politicamente organizada‖. A Igreja Católica procura adquirir uma função
social de uma instituição que deve estar acima desse estado, e que essa
―coletividade abstracta‖ deve obedecer às orientações da Igreja por esta ser
espiritualmente superior àquela, e toda a sua defesa ao ensino religioso no Estado e
o reconhecimento constitucional do catolicismo como religião majoritária era devido
a essa mentalidade católica.
O protestantismo defende o Estado como uma instituição que representa
essa ―colectividade abstracta‖, mas como uma coletividade mortal, e que, por isso,
não deve necessariamente obedecer à Igreja, que deveria ser representante de
almas imortais. Para a matéria, o Estado deve apenas garantir a ordem social e a
Igreja deve, com autonomia, ser a propagadora da parte espiritual sem que o Estado
se submeta a ela. No discurso protestante, o Estado ganha uma autonomia maior do
que teria na perspectiva católica.
Na última matéria sobre esse tema, para além dos assuntos já recorrentes,
há, novamente, o retrato do catolicismo como um agente de caos social.
Essa discussão continua na matéria ―O Estado Leigo e o ensino religioso III‖:
387
NORTE EVANGÉLICO. ―O estado leigo e o ensino religioso II‖. Garanhuns, 30/09/1925.
267
388
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Césares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.285.
389
Ibidem, p.297.
269
390
SCHUELER, Alessandra Frota Martinez; MAGALDI, Maria Bandeira de Mello. Educação escolar
na Primeira República: memória, história e perspectivas. Tempo. Rio de Janeiro, v. 13, n. 26, 2009,
p.48.
391
VIEIRA, César Romeiro Amaral. Contribuição protestante à reforma da educação pública paulista.
Comunicações. Piracicaba - SP, v. 9, n. 1, 2002, p.08.
392
Ibidem, p.11.
270
laicidade), ele procura tirar dos católicos mais essa esfera de poder, além do
objetivo missionário evidente de promover uma educação protestante no país.
Para além da pauta educacional, nos diversos assuntos onde o
protestantismo evoca a laicidade do Estado, há aqui a tentativa de promover dois
valores que servem para a sua própria proteção enquanto movimento religioso:
―liberdade‖ e ―igualdade‖. A relação dos protestantes com o Estado se dá na medida
em que eles cobram sua liberdade de culto, e a questão da igualdade era uma luta
dos protestantes por disporem de mesmos privilégios e proteções estatais que o
catolicismo – ainda que os protestantes nesse período representassem entre 1 a 2%
da população nacional, diante da esmagadora maioria católica.
É interessante analisar as pautas que católicos e protestantes trazem para o
debate no período republicano. O protestantismo entendia que embora houvesse a
constituição que igualava os direitos das religiosidades, existiam privilégios que o
estado fornecia apenas aos católicos. Privilégios esses que os próprios católicos
consideravam como legítimos, por serem membros da religião majoritária,
escondendo-se, assim, atrás do valor republicano da soberania popular. Há uma
disputa de poder, onde os protestantes constantemente perdem, mesmo estando em
um regime que, juridicamente, os privilegia comparado ao regime anterior. Ainda
assim, são esmagados pela maioria católica, embora após o período republicano
tenham entrado numa reta de crescimento constante que avançou no decorrer do
século XX.
A ideia da laicidade do Estado era um tema discutido no ocidente dos
séculos XIX e XX. Cada país interpretou a laicidade a partir de sua conjuntura social
e assim tivemos diferentes modelos de estado laico pelo mundo. No Brasil, notamos
que a Igreja Católica, mesmo separada do Estado, manteve muitos de seus
privilégios como religião majoritária, e buscava constantemente angariar outros, se
encaixando na nova política apresentada pelo regime republicano. Ainda que a
constituição garantisse a liberdade religiosa e a separação da Igreja Católica do
Estado, na prática, a mentalidade social ainda era católica e isso se refletia nas
atuações do Estado, além de ser aceita pela grande maioria dos indivíduos na
nação, devido à continuidade da hegemonia católica presente nas sociedades. Eis
os motivos de constantemente a Igreja Católica associar, através dos discursos da
imprensa, a ideia do catolicismo vinculada à unidade nacional, por ser ela a única
religiosidade que consegue estar presente no Norte e no Sul do país, sendo
271
inclusive mais incorporada pelos brasileiros que os próprios ideais republicanos. Daí
o discurso católico constantemente reiterado: a República, por mais que fosse laica,
deveria continuar a tratar os católicos como principal religião. Caso não fizesse,
poderia ser o fim da nação.
Entre os protestantes, havia a contínua tentativa de desqualificação do
catolicismo, a educação católica do Brasil era mais uma temática para legitimar o
discurso protestante do catolicismo majoritário brasileiro ser o responsável por todos
os males e atrasos da nação no aspecto econômico e social. O catolicismo seria o
responsável pelo atraso enquanto o protestantismo seria o progresso certo,
conforme o modelo norte-americano, o exemplo máximo do sucesso dessa
religiosidade. Se o Brasil fosse majoritariamente protestante, não haveria não
apenas uma salvação ―espiritual‖ diante de uma religião apóstata, mas uma
redenção nos campos econômico, social, educacional e político. O Brasil seria, ao
fim e ao cabo, uma nação próspera em todos esses aspectos, partícipes da
salvação terrena, chegando ao patamar nacional estadounidense.
Não notamos necessariamente que as tensões entre católicos e protestantes
se davam por um total reconhecimento jurídico, pela aparente ambição de ambas
em se tornar a religião oficial da nação. Porém, fica claro que havia uma disputa
para a conquista desse posto. Essas principais vertentes religiosas amoldaram seus
discursos e suas dinâmicas religiosas para se vincularem ao novo regime. Nota-se
que no Brasil, mesmo em um estado juridicamente laico, havia uma nação que
continuava profundamente religiosa e majoritariamente cristã. Suas principais
vertentes do cristianismo procuravam permanecer na estrutura estatal e adquirir o
reconhecimento do Estado para assim obter privilégios diante das demais. A adesão
da sociedade a elas causaria não apenas uma redenção espiritual, mas também
terrena, conferindo a nação prosperidade e progresso. Tais discussões chegavam
na sociedade e no Estado e tinham efeito na estrutura jurídica, mostrando que um
estado de fato religiosamente neutro, como se prometia como ideal ocidental de
estado laico, nunca ocorreu. Por detrás da ideia de laicidade havia uma sociedade
predominantemente religiosa e que influenciava nas decisões do Estado, nem que
fosse para brigar pela sua própria laicidade em vista de promover maior liberdade
religiosa.
O cristianismo, em especial, nas suas mais variadas vertentes, possui seu
diferencial quando se relaciona com a política, pois traz em sua base um caráter
272
393
CLERQ, Bertrand J. de. Religion, ideologia y politica. Salamanca: Sigueme, 1971.
273
394
GIUMBELLI, Emmerson. A modernidade do Cristo Redentor. Revista de Ciências Sociais. Rio
de Janeiro, v. 51, n. 1, p.75-105, 2008, p.84.
274
395
FOLHA DO NORTE. ―Ad lucem‖. Belém, 1931.
275
sociedade brasileira tinha uma ―alma católica‖, seja pelo reconhecimento e devoção
à figura de Cristo no Corcovado ou pela da Virgem de Nazaré no Pará.
E assim como o autor exalta a construção do Cristo Redentor, há a
costumeira crítica negativa ao protestantismo, os ―falsos profetas‖ que se mostraram
contrários à construção da estátua no Corcovado. O texto sugere que os leitores
tenham ―cautela‖ com relação aos protestantes, especialmente os de linha Luterana
e Calvinista – e aqui leia-se cautela como um prudente afastamento dos perigosos
protestantes.
Notamos o quanto a construção da imagem do Cristo Redentor é
significativa e ganhava espaço na grande imprensa local, sempre com um parecer
favorável a seu respeito. Ao mesmo tempo, os posicionamentos contrários à
construção da estátua do Cristo eram desqualificados, especialmente os vindos de
protestantes, mostrando ser esse mais um motivo de conflito entre as duas vertentes
religiosas.
Na matéria publicada no jornal ―Folha do Norte‖, padre Dubois responde a
uma suposta crítica do presbiteriano Antônio Teixeira Gueiros com relação à estátua
do Cristo redentor que seria construída no Rio de Janeiro. Notemos que essa
matéria saiu em um jornal de grande imprensa em que o padre tinha bastante
espaço. Como já comentado no capítulo anterior, era costume desse jornal abrir
espaço para a crítica de Dubois aos protestantes. A matéria ―O Chisto no Corcovado
- explicações a um pastor‖ se divide em duas respostas de Dubois a Gueiros,
apresentadas a seguir.
396
Associação Cristã de Moços.
276
397
FOLHA DO NORTE. ―O Chisto no Corcovado - explicações a um pastor‖. Belém, 1931.
277
Mas não era apenas o discurso religioso a ser evocado pelos protestantes,
havia também o apelo ao princípio da separação da Igreja e do Estado devido à
subvenção do Estado para a construção do monumento. O jornal acusa os católicos
de conseguirem privilégios do Estado na esfera municipal e federal para a
construção do monumento. Há um inconformismo com uma prática de benefícios do
Estado para o catolicismo vigente que os protestantes acusam de inconstitucional.
O protestantismo continuava a se posicionar em contraposição total ao
discurso católico. O financiamento do estado brasileiro era, para Dubois, normal e
natural, e até mesmo necessário. Um discurso que se alinha ao que vem sendo
mostrado até aqui. Uma Igreja Católica que construía uma representação social de
si como a (ainda) igreja oficial, e que, por isso, era legítimo que tivesse o
398
O JORNAL BAPTISTA. ―O Ídolo do Corcovado‖. 13/09/1923.
278
399
MOUFFE, Chantal. Religião, democracia liberal e cidadania. In: BURITY, Joanildo; MACHADO,
Maria das Dores (Orgs.). Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições. Recife: Massangana,
2006, p.25.
279
―Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus‖, disse o próprio Cristo
segundo a Bíblia – seja a católica ou a protestante.
Há, na lógica cristã, como descreve Agostinho de Hipona, duas cidades que
mostram um significado religioso inédito: ―a história mundial é o velho afrontamento
entre as civitas. A cidade celeste e a cidade terrena, entre o reino celestial de Cristo
e o reino do mal‖, este último representado pelos reinos terrenos. Esses novos
dogmas trazidos pelo cristianismo com relação ao reino terreno e reino celestial são
retratados por René Rémond como ―o germe da laicidade‖400, e que continuará
presente na história do ocidente que vai se tornando hegemonicamente cristão, e é
a partir daí que ideais que visam a ideia de separação entre Igreja e Estado
começaram a germinar e se desenvolver no decorrer da história da sociedade
ocidental.
Rousseau, seguindo esse entendimento da natureza do cristianismo, retrata
que os homens da antiguidade tinham reis que também eram deuses, sendo comum
reinos teológicos. Segundo ele, ―Jesus chegou para estabelecer na terra um reino
espiritual, que separando o sistema teológico do sistema político fez com que o
Estado deixasse de ser uno e causasse as divisões internas que jamais deixaram de
agitar os cristãos‖401. O cristianismo, diferente das outras religiosidades, diferencia
claramente a cidade ―temporal‖ e a ―celestial‖. Para o filósofo, essas cidades, mesmo
dialogando algumas vezes, em geral possuem sistemas diferentes e em grande
parte antagônicos. Essa distinção entre dois reinos já nos revela dogmas
separatistas da religião com a noção de estado terreno vigente, incluídos na religião
cristã em sua base primitiva e em sua teologia posterior.
Ainda segundo Rousseau, mesmo que os reis de países majoritariamente
cristãos tentassem unificar novamente o controle do Estado à religiosidade, em
contraponto ―O espírito do cristianismo sempre venceu. O culto sagrado sempre […]
se tornou independente do Soberano e sem ligação necessária com o corpo do
Estado‖.402
Já Bernard afirma que os cristãos são os estrangeiros na ―cidade dos
homens‖. São embaixadores do reino celestial e necessários para conservar no
mundo a consciência de transformá-lo ao deixar as pessoas conscientes da
400
RÉMOND, René (Org.). As grandes descobertas do cristianismo. Rio de Janeiro: Loyola, 2005,
p.96.
401
ROUSSEAU, Jean Jaques. O contrato social. São Paulo: Skala, 2008, p.172.
402
Ibidem, p.173.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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