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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


PUC/SP

Rafael da Gama

―Por uma religião nacional‖:


a separação entre Igreja e Estado e a disputa religiosa
entre católicos e protestantes em Belém do Pará (1889-1931)

Doutorado em História

São Paulo
2019
2

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


PUC/SP

Rafael da Gama

―Por uma religião nacional‖:


a separação entre Igreja e Estado e a disputa religiosa
entre católicos e protestantes em Belém do Pará (1889-1931)

Doutorado em História

Tese apresentada à Banca Examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em História,
sob a orientação do Prof. Dr. Fernando
Torres Londoño.

São Paulo
2019
3

Banca Examinadora

________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________
4

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de


Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
Também contou com apoio da PUC-SP/Fundasp.
5

AGRADECIMENTOS

Mesmo com as diversas batalhas travadas para a construção e finalização


dessa pesquisa, tenho muito mais a agradecer do que lamentar. Foram diversas
experiências positivas que tive nessa trajetória e gostaria de manifestar aqui, neste
espaço, os meus mais profundos agradecimentos.
A começar agradecendo a Deus. Não apenas por ter me sustentado até
aqui, mas, principalmente, por ter me dado a oportunidade de conhece-lo
intimamente, e me amado como um Pai ama um filho, mesmo com meus pecados e
falhas. Desde o dia 10/03/2011 eu tenho seguido a Jesus Cristo como meu Senhor e
Salvador, e tem sido os 8 anos mais intensos e felizes que já vivi. Agradeço a Deus
por tudo o que foi feito até aqui. A Ele toda a honra e glória.
Gostaria de agradecer a minha mãe, Maria Amparo da Gama, por ter
acreditado e torcido por mim durante toda essa trajetória. Sempre procurou investir
em mim com os poucos recursos que tinha, e sou muito grato a esse investimento.
Parte do meu esforço em construir esse trabalho foi para tentar retribuir, ainda que
pouco, todo o amor, carinho e educação que ela me proporcionou por todos esses
anos. Te amo muito, mãe.
Agradecer a grandes amigos que fiz em São Paulo, Mateus Prates Mori e
Mateus Faria Bueno, meus ―amigos mais chegados que irmãos‖, estes dois últimos,
também tive a honra de ser padrinho de casamento de ambos. Vocês junto as suas
esposas, Thais Mori e Martha Bueno se tornaram como uma família para mim. Amo
muito vocês.
Agradecer ao Mateus Cunha pela parceria em me acompanhar neste ultimo
ano que passou nas loucas visões de Reino que Deus me dá. Está sendo
abençoador demais caminhar junto contigo.
Quero agradecer a Igreja Presbiteriana de Pinheiros pela acolhida desde
quando cheguei em São Paulo em 2012. Ao lado de vocês cresci muito na fé e
conheci irmãos maravilhosos que me acolheram aqui nessa nova cidade em que
migrei por esses anos. Sou grato a Deus pela vida de vocês.
Agradeço aos amigos da minha nova república: Roberto Tsukino e Saulo
Reis. Não deve ser fácil aguentar alguém tão ansioso, desligado e notívago,
dividindo o quarto e a vida em um apartamento pequeno. Quantas vezes já acordei o
Saulo Reis por entrar no quarto às 4h da manhã após ficar até essas horas
6

escrevendo esta tese. Agradeço muito a vocês pela amizade, compreensão e


companheirismo que vocês têm demonstrado para comigo nesses últimos meses.
Quero agradecer ao GEPP- Grupo de Estudos de Protestantismo e
Pentecostalismo. Nunca participei de um grupo de pesquisa tão maduro, com
análises tão boas e consolidadas e, ao mesmo tempo, tão divertido, leve e
descontraído. Foi bom demais caminhar esses quatro anos com vocês. Não me
sentia em um grupo de pesquisa somente, mas em um grupo de amigos, o que
melhorava inclusive a própria produtividade do grupo. Sou grato por esses quatro
anos ao lado de vocês aprendendo e me divertindo bastante.
E continuando a lembrar dos amigos que fiz na PUC-SP, quero agradecer
aos grupos cristãos que atuam dentro da universidade, tentando ser luz do mundo e
sal da terra. Em especial o Dunamis Pocket, a Pastoral Católica Universitária e a
Aliança Bíblica Universitária (ABU-PUC), cresci na fé ao lado de vocês. Estar com
vocês em comunhão e trabalhando para a promoção do Reino de Cristo foi
abençoador demais. Contem sempre comigo para amizades, orações e ações.
Gostaria de agradecer a CAPES, que financiou esta pesquisa. Sem esse
programa de financiamento essa pesquisa não se realizaria. Muito obrigado.
Quero agradecer a banca pela aceitação do convite, eu espero que tenham
apreciado a leitura.
E, por fim, quero agradecer ao meu orientador, Fernando Torres Londoño.
Agradeço por sempre acreditar na proposta da pesquisa e neste pesquisador. Pois
foram pouco, em vida, que acreditaram neste último. Agradeço por se esforçar em
me ajudar, seja na pesquisa ou em problemas que vão além da relação
orientador\orientando. Para mim, não foi apenas um orientador, mas um amigo.
Deus colocou em meu coração um carinho muito grande por esse brilhante
professor\orientador de sotaque espanhol. Sempre terá minha amizade, carinho,
respeito e orações.
Foram quatro anos de muita luta, porém de muita alegria. Agradeço todas as
experiências que tive e pessoas que eu conheci nesse trajeto. ―Em tudo dai graças.‖
(1 Tessalonicenses 1:8)
7

De igual modo a igreja, seja ela católica romana ou


evangélica, deverá impor-se pelo seu valor moral
sem precisar do prestígio oficial, tendo deante de si
um terreno franco, em uma atmosfera livre, para
manifestar ao povo os seus princípios e agir de
acordo que não ofenda a moral pública e as leis do
paiz. “Dae a cezar o que é de cezar e a Deus o que
é de Deus”. [...]1

1
NORTE EVANGÉLICO. Garanhuns, 1925.
8

RESUMO

GAMA, Rafael da. “Por uma religião nacional”: a separação entre Igreja e Estado e a
disputa religiosa entre católicos e protestantes em Belém do Pará (1889-1931). Tese
(Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2018.

Nesta pesquisa, procuraremos analisar o Cristianismo em Belém do Pará a partir da


disputa religiosa de suas principais vertentes na cidade: o Catolicismo e o
Protestantismo. A temporalidade eleita (1889-1931) é significativa pois tem como marco
o fim do império e o início da Primeira República no Brasil e, consequentemente, a
separação oficial da Igreja Católica do Estado Brasileiro. Com isso, notamos que
católicos e protestantes estruturam seus discursos e práticas religiosas influenciados por
este novo momento político que se inicia. Através da análise de periódicos, veículos da
grande imprensa, livros e registros de memória produzidos no período, analisaremos a
disputa religiosa entre católicos e protestantes na cidade, que tomava proporções
variantes do campo simbólico ao físico, em uma conjuntura de separação entre Igreja e
Estado no novo regime político representado pelo regime republicano. Procuraremos
analisar uma dinâmica religiosa específica presente em Belém do Pará, com o seu
catolicismo majoritário e uma fervorosa devoção a Virgem de Nazaré. Um
protestantismo minoritário, mas melhor consolidado na cidade e sempre atuando como
agentes ativos, seja a nível religioso, social ou político, e a gênese movimento
pentecostal surgida no período, como uma vertente do protestantismo que trazia
consigo elementos sobrenaturais que conseguiam dialogar com o catolicismo popular da
região. Nesse cenário político-religioso específico, Católicos e Protestantes revelam
querelas entre si que vão além de embates á nível teológico, nos mostrando uma
disputa pelo reconhecimento de serem vistas como as principais religiões da nação. Em
uma formação política de ausência á uma religião oficial, Católicos e protestantes
procuram representar-se como soluções salvíficas não apenas no âmbito religioso, mas
como elementos importantes para a prosperidade do país, dialogando com um discurso
político e assim, procurando ser reconhecidas pelo Estado e pela sociedade como as
verdadeiras religiões nacionais.

Palavras-chave: catolicismo, protestantismo, separação Igreja-Estado, República,


religião nacional.
9

ABSTRACT

GAMA, Rafael da. “For a national religion”: the separation between Church and State
and the religious dispute between catholics and protestants in Belém do Pará (1889-
1931). Thesis (Doctorate in History), PUC-SP, São Paulo, 2018.

In this research, we will try to look into Christianity in Belém do Pará from the religious
dispute of its main aspects in the city: Catholicism and Protestantism. The selected time
(1889-1931) is significant because it has as a milestone the end of the empire and the
beginning of the First Republic in Brazil and, consequently, the official separation of the
Catholic Church from the Brazilian State. With this, we note that Catholics and
Protestants structure their discourses and religious practices influenced by this new
political moment that begins. Through the analysis of periodicals, means of the great
communication like books and records of memory produced in the period, we will
analyze the religious dispute between Catholics and Protestants in the city, which took
great proportions from the symbolic field to the physical one, in a conjuncture of
separation between Church and State in the new political regime represented by the
republican regime. We will try to analyze a specific religious dynamic present in Belém
do Pará, with its majority Catholicism and a fervent devotion to the Virgin of Nazareth. A
minority Protestantism, but better consolidated in the city and always acting as active
agents, whether religious, social or political, and the beginning of the Pentecostal
movement that emerged in the period, as a side of Protestantism that brought with itself
supernatural elements that managed to dialogue with the Catholicism that was popular in
the region. In this specific political-religious scenario, Catholics and Protestants reveal
quarrels among themselves that go beyond clashes on the theological level, showing us
a dispute for the recognition of being seen as the main religions of the nation. In a
political formation of absence from an official religion, Catholics and Protestants seek to
represent themselves as salvific solutions not only in the religious sphere, but as
important elements for the country's prosperity, dialoguing with a political discourse and
thus seeking to be recognized by the State and by society as the true national religions.

Keywords: catholicism, protestantism, Church-State separation, Republic, national


religion.
10

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................................................ 13

CAPÍTULO I – BELÉM DO PARÁ: CATOLICISMO, ESTADO E


HEGEMONIA SOCIAL......................................................................................... 21
1.1 ―A DEVOÇÃO MARIANA‖: CATOLICISMO E HEGEMONIA SOCIAL........... 21
1.2 ―ENTRE MARIA E MARRIANE‖: O CATOLICISMO NO BRASIL
REPÚBLICA......................................................................................................... 35
1.3 ―A PALAVRA‖: A IMPRENSA COMO INSTRUMENTO DE HEGEMONIA..... 54

CAPÍTULO II – “UMA FÉ IGNORANTE”: O PROTESTANTISMO NO


PERÍODO REPUBLICANO.................................................................................. 73
2.1 ―A VERDADEIRA IGREJA‖: UMA BREVE ANÁLISE DO
PROTESTANTISMO............................................................................................ 73
2.2 ―UM CRISTIANISMO MAIS PURO‖: O PROTESTANTISMO NO BRASIL.... 82
2.3 ―DISTRIBUINDO BÍBLIAS NO RIO‖: O PROTESTANTISMO NO PARÁ....... 90
2.4 ―AS IGREJAS ESQUECIDAS‖: O PROTESTANTISMO NO BRASIL
REPÚBLICA EM BELÉM...................................................................................... 95
2.5 ―BATISMO DE FOGO‖: A CHEGADA DO MOVIMENTO PENTECOSTAL
EM BELÉM........................................................................................................... 114
2.6 ENTRE SUECOS E BRASILEIROS: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE
RUPTURAS E PERMANÊNCIAS DO PROTESTANTISMO NO BRASIL
REPÚBLICA NO PARÁ........................................................................................ 134

CAPÍTULO III – ENTRE A AUTORIDADE RELIGIOSA E A AUTONOMIA DO


LEIGO: CATÓLICOS, PROTESTANTES, PENTECOSTAIS E O “CAMPO
RELIGIOSO” EM DISPUTA................................................................................. 138
3.1 A DISPUTA SIMBÓLICA ENTRE CATÓLICOS E PROTESTANTES............ 139
3.1.1 “A desconstrução histórica”: a depreciação da figura de Lutero........ 139
3.1.2 Bíblia x Maria............................................................................................. 144
3.1.3 “Ignorantes e tolos”: o embate entre as lideranças religiosas
locais.................................................................................................................... 157
3.2 ―MATEM O MISSIONÁRIO‖: EMBATES E TENSÕES ENTRE CATÓLICOS
E PENTECOSTAIS NO PARÁ............................................................................. 171
3.2.1 “Da violência simbólica à física”: tensões e conflitos entre católicos
e pentecostais..................................................................................................... 172
3.2.2 “Delegado pune os crentes”: catolicismo, protestantismo e Estado.. 183
11

CAPÍTULO IV – “O APOLOGISTA CHRISTÃO”: A SEPARAÇÃO ENTRE


IGREJA E ESTADO E A PRISÃO DE JUSTUS NELSON.................................. 190
4.1 ―A SEPARAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO‖............................................. 190
4.2 ―O ULTRAJE À RELIGIÃO CATÓLICA‖: A PRISÃO DE JUSTUS
NELSON............................................................................................................... 202

CAPÍTULO V – CRISTIANISMO E REPÚBLICA: A DISPUTA PELA


“RELIGIÃO NACIONAL”..................................................................................... 226
5.1 ―A RAINHA DAS NAÇÕES‖: O CATOLICISMO E A REPRESENTAÇÃO
DA IGREJA COMO REDENTORA SOCIAL DA EUROPA................................... 227
5.2 ―OS PROTESTANTES DO BRASIL SÃO ANTIPATRIOTAS‖: A
REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO CATOLICISMO COMO REDENTOR
NACIONAL........................................................................................................... 235
5.3 ―A REPÚBLICA CHRISTA‖: PROTESTANTISMO E POLÍTICA..................... 242
5.4 ―O CRISTO REDENTOR E O ENSINO LEIGO‖: CATOLICISMO,
PROTESTANTISMO E ESTADO REPUBLICANO.............................................. 259

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 281

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 285
12

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Vista parcial da Basílica a partir do altar-mor.......................................... 44


Figura 2 - Porta de bronze na entrada da Basílica.................................................. 44
Figura 3 - ―Clássico tímpano da Basílica‖................................................................ 46
Figura 4 - ―Precioso mosaico de abside‖................................................................. 46
Figura 5 - ―Vista do altar-mor todo em mármore de Carrara‖.................................. 47
Figura 6 - ―A famosa Berlinda em que nossa Senhora de Nazaré, todos os
anos, durante o Círio, percorre as principais ruas de Belém.‖................ 48
Figura 7 - ―Monumento à República‖ em Belém, ao lado do Teatro da Paz............ 52
Figura 8 - Basílica ainda em construção, 1920........................................................ 53
Figura 9 - Solenidade do início da construção da Basílica de Nazaré,
em 1909.................................................................................................. 53
Figura 10 - ―O Biblismo‖, obra do Padre Dubois, 1921............................................ 67
Figura 11 - ―A devoção à Virgem de Nazaré, em Belém do Pará‖, do
Padre Dubois........................................................................................ 68
Figura 12 - Folha do Norte, 14/08/1931................................................................... 69
13

APRESENTAÇÃO

―É surpreendente que o cristianismo, uma das maiores construções


intelectuais do homem, tenha atravessado vinte séculos e chegado até nós com a
força de uma mensagem que atinge nada menos que dois terços da população
planetária‖. Essa observação feita por Oscar Pilagallo nos faz refletir sobre a
abrangência e importância de estudarmos essa religião.2 Uma fé que além de
duradoura e crescente também é diversificada se transforma conforme o tempo e as
sociedades às quais ela atinge, transforma culturas e é transformada por elas, está
em constante processo de rupturas e permanências em seus dogmas, valores e
crenças.
Estudar sobre o cristianismo, seja a história de suas instituições ou de seu
pensamento, nem sempre foi primordial para mim, embora, desde metade do meu
curso de graduação de História, essa religião já me chamasse a atenção, justamente
pelo seu rápido avanço pelo mundo. Uma fé que surgiu em um território judaico, tão
inexpressivo diante de um dos maiores impérios da história da humanidade,
conseguiu ter um crescimento tão rápido, a ponto de em um pouco mais de três
séculos fazer o Império Romano se tornar uma ―nova civilização‖3 mantendo sua
expansão a ponto de se tornar a maior religiosidade praticada no mundo, nos
últimos dois milênios?
Desde o início das pesquisas na graduação, tenho trabalhado a construção
social do feminino presente no cinema em Belém nas décadas de 1920 e 1930, uma
temporalidade que era pouco explorada pela historiografia local e apenas
recentemente vem chamando atenção.4 No mestrado permaneci com uma temática

2
PILAGALLO, Oscar. O sagrado na história: cristianismo. São Paulo: Dueto, 2010.
3
Diversos autores retratam que, após o cristianismo se tornar a religião oficial do Império Romano e
nos próximos séculos se tornar hegemônico na sociedade, já dá um retrato de que uma nova
civilização surgia, mesmo que o estado ainda fosse considerado ―romano‖. Dão embasamento para
essa visão: STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo: um sociólogo reconsidera a história.
São Paulo: Paulinas, 2006. FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2007.
4
Até anos atrás, uma boa parte da historiografia paraense analisava o período procedente do final do
século XIX e início do XX. Um período de grandes transformações urbanas na cidade de Belém. Com
uma economia em alta devido ao comercio internacional da borracha, grandes obras foram feitas em
sua estrutura inspiradas em características urbanas de cidades europeias, além de parte da
população que, a partir da sua admiração pelo povo europeu, procurou absorver seus costumes e
valores. A década de 1920 já nos mostra um período em que a cidade passa por uma crise
econômica e uma renovação de valores, quando percebemos mulher mais atuante na sociedade,
mudança em hábitos de lazer como ida a cinemas, bailes noturnos, clubes, e um processo de ―norte-
americanização‖ em que parte da sociedade procurou ter modelos norte-americanos de
comportamento social, o que alguns autores chamam de ―yankismos‖. Para saber mais, ver:
14

semelhante, analisei como os valores femininos presentes nos filmes eram


retratados por diversos veículos de imprensa (especialmente as revistas de
variedades) para se criar a construção social de uma mulher ideal apresentada por
esses veículos. Da graduação até o fim do mestrado, foram cinco anos me
aprofundando no tema até no fim da pós-graduação da PUC-SP, ocasião em que
decidi por enveredar por outros caminhos.
Já no fim do mestrado, ao pensar em continuar trilhando os caminhos da
pós-graduação e tentar um doutorado, de início parti à pesquisa com a ideia de
avançar num projeto que retratasse a construção social da imprensa católica sobre o
cinema em Belém. Havia encontrado algumas fontes e trabalhos sobre isso e
comecei a estruturar a pesquisa por essa linha. Uma das minhas principais
referências documentais de início foi o jornal católico ―A Palavra‖. Um periódico que
circulou em Belém, onde encontrei exemplares publicados no período entre 1916 a
1941. Provavelmente o tempo de publicação do jornal é mais extenso, pois os
assistentes do ―Arquivo público do Pará‖ mencionaram a existência de exemplares
de 1945, ao quais eles não teriam mais acesso. A Palavra era um jornal confessional
que tinha como objetivo promover e consolidar a fé católica. Os padres que
escreviam as matérias constantemente abordavam notícias e opiniões sobre a
sociedade da época a partir de uma visão estritamente católica, e os temas eram
casamento, opções de lazer, trabalho, atualidades da Igreja Católica,
acontecimentos internacionais e opiniões sobre ideologias e outras religiões.
Dos diversos grupos acatólicos citados pelo jornal, pude perceber as
constantes citações ao espiritismo, ao comunismo, a maçonaria e ao protestantismo,
e na maioria dessas matérias essas religiões e práticas eram abordadas de forma
negativa e tratadas como inadequadas. A partir da abordagem desses temas, o
jornal sugeriria que a moral católica deveria ser o norteador comportamental dos
seus leitores.

CORRÊA, Ângela Tereza de Oliveira. História, cultura e música em Belém: décadas de 1920 a
1940. Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2010. Idem. Músicos e poetas na Belém
do início do século XX: incursionando na história da cultura popular. Dissertação (Mestrado em
Planejamento do Desenvolvimento - PLADES), NAEA-UFPA, Belém, 2002. GAMA, Rafael. O sistema
mágico: a imprensa e os valores femininos presentes no cinema (1938-1941). Dissertação (Mestrado
em História), PUC-SP, São Paulo, 2014. CANCELA, Donza Cristina. Relações familiares em Belém
(1890-1940). In: BEZERA NETO, José Maia; GUZMAN, Décio Alencar (Orgs.). Terra matura:
historiografia e história social na Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2002, p.407-421. GOUDINHO, Liliane
Cavalcante. Mulher e ação católica em Belém (1939-1947). Dissertação (Mestrado em História),
PUC-SP, São Paulo, 2003.
15

Vi ali, naquele jornal, todo um universo de pesquisa a ser explorado,


incluindo o que eu estava procurando, o cinema. Mas, ao ler e analisar aquele jornal,
percebi que o meu objeto de pesquisa já havia se restringido comparado a temáticas
muito mais interessantes que me haviam sido apresentadas. Resolvi, assim, me
debruçar mais sobre as fontes, ler mais sobre os temas do período e conversar com
outros historiadores. Depois de muito ponderar, me decidi por trabalhar com os
embates entre o catolicismo e o protestantismo em Belém.
O jornal, como dito acima, se envolvia em polêmicas com diversos grupos
sociais, mas notei que o protestantismo era tanto a religiosidade quanto o grupo
social que o jornal mais referenciava nos mais de 30 anos de publicação analisada.
Além de não ter nenhuma fonte documental sobre o protestantismo do
período, ao se analisar a historiografia paraense fica claro que pouco se fala sobre
os protestantes no início do Brasil República, o que dificultou bastante a pesquisa.
Contudo, após uma intensa pesquisa consegui encontrar alguns jornais protestantes
como ―O Apologista Christão Brazileiro‖, do pastor metodista Justus Nelson,
publicado de 1890 a 1925. O próprio título do jornal, O Apologista Christão
Brazileiro, mostra que se tratava de um periódico de imprensa que visava defender a
fé protestante a partir da perspectiva da denominação Metodista. Também notei que
assim como no jornal ―A Palavra‖, o jornal de Nelson também era um instrumento de
propagação da fé, mas a partir do viés protestante, conflitando com outras crenças e
grupos sociais, como os espíritas, maçons, os católicos e algumas vezes alguns dos
próprios protestantes.
Também consegui analisar outras fontes documentais do período como ―O
jornal Baptista‖, um jornal da denominação batista de circulação nacional que
começou a ser publicado em 1901 e está sendo veiculado até hoje. Circulando
frequentemente em Belém nas primeiras décadas da República, o jornal ―A boa
semente‖, publicado em Belém em 1919, pelo movimento pentecostal na cidade,
junto com o diário de seu pioneiro, Gunnar Vingren, se tornaram as fontes iniciais
para construir uma análise desse tema ainda tão pouco explorado na cidade, o
protestantismo. Além do jornal ―Norte-evangélico‖, periódico protestante de vertente
presbiteriana feito exclusivamente para circular no Norte e Nordeste do país.
Ao analisar essas fontes e dialogar com referenciais teóricos do período,
notei o intenso conflito entre católicos e protestantes na região, e, a partir daí, fiz um
projeto baseado nesses conflitos. Ingressei no doutorado com um projeto que
16

propunha analisar os conflitos entre católicos e protestantes na cidade de Belém no


período entre 1890 e 1941. A temporalidade eleita refere-se a um período específico
na história do país em que a Igreja Católica, legalmente, deixa de ser a religião
oficial do Estado e o protestantismo aproveita para se consolidar enquanto religião.
A religiosidade desses cristãos faz-nos deparar com práticas religiosas muito
significativas na cidade, como a devoção aos santos e a Nossa Senhora de Nazaré.
Um protestantismo que, nesse período, se destaca pela chegada de missionários
suecos que chefiaram importantes denominações, tiveram seus próprios veículos de
comunicação e espaço na grande imprensa, ocuparam também cargos políticos, se
associaram a personalidades e movimentos políticos importantes na cidade, e, por
meio da Assembleia de Deus, conseguiram muitos fiéis não só em Belém, mas em
todo o Brasil e em um curto período de tempo. A intenção nessa pesquisa era
analisar pormenorizadamente como se dava esse embate entre católicos e
protestantes a partir desse cenário político de construção de um estado laico no
início do período republicano.
Parte dessa intencionalidade permaneceu na pesquisa, mas enquanto eu
me aprofundava nas análises das fontes e dos referenciais teóricos adquiridos, além
das grandes contribuições das orientações do professor Fernando Torres Londoño,
fui percebendo que essa temática era parte de um tema mais amplo e expressivo,
até então pouco explorado: As particularidades da relação entre religião e estado no
início do período republicano.
Aprofundei-me também na temática da laicidade do estado, autores como
Fernando Catroga e José Murilo de Carvalho foram de fundamental importância para
me mostrar a profundidade que havia na ideia da separação entre Igreja e Estado,
religião e política e de toda a mentalidade republicana secularizada que se procurou
formar naquele período.
No continuar da análise de fontes, eu e meu orientador notamos um discurso
específico de católicos e protestantes no período. Ambos se declaravam ―religiões
nacionais‖, e procuravam se legitimar em seus discursos como religiões que seriam
benéficas não apenas para seus fiéis, como as portadoras da salvação individual,
mas redentoras também para a nação em que fossem hegemônicas, tornando a
nação prospera na sua economia e em sua ordem social. Notamos, então, o conflito
entre católicos e protestantes, que abordamos no início da pesquisa, como uma
―disputa religiosa‖ pelo reconhecimento de religião nacional diante da forte ideia de
17

nação e patriotismo retratada no período republicano e pela consolidação dessas


vertentes religiosas diante de um período em que a Igreja Católica havia deixado de
ser a religião oficial do estado.
A partir de materiais impressos pelo próprio catolicismo vigente, ou mesmo
veículos da grande imprensa locais, nos quais membros do alto clero católico tinham
espaço, passei a analisar como a Igreja Católica representava outras vertentes
religiosas e continuava a construir o discurso do catolicismo como religião oficial da
nação. Também me utilizei de periódicos e diários de missionários protestantes que
foram a Belém para notar a representação do protestantismo como uma religião do
―progresso‖, que poderia ser instrumento de prosperidade para fazer a nação
brasileira chegar a patamares econômicos e sociais de países como os Estados
Unidos. Ambas religiões se retravam como salvacionistas, e se abraçadas pela
sociedade trariam não apenas a salvação individual, mas também uma indiscutível
prosperidade econômica e social à nação.
Em paralelo a isso, houve a chegada do movimento pentecostal, que passa
a atingir um público religioso leigo popular católico que o protestantismo tradicional
até então pouco conseguia dialogar, difundindo de forma mais rápida uma religião
não católica como nunca havia ocorrido desde o período colonial.
Assim, procurarei analisar um cristianismo paraense reestruturado e
particularizado tanto pela própria religiosidade peculiar da região amazônica, quanto,
principalmente, pela nova estrutura política onde o estado brasileiro não tinha mais
uma religião oficial, o que influenciava diretamente as igrejas católicas e
protestantes em sua eclesiologia e discurso, retratando, desta forma, um
cristianismo nacional com suas características próprias e particulares de dialogar
com a política laica republicana e com a religiosidade dos brasileiros.
Diversos autores nos embasam a trabalhar tais ideias. Para retratar o
movimento protestante diante da hegemonia da Igreja Católica, trabalharemos o
conceito de hegemonia à luz de autores como Antônio Gramsci e Raymond Wlliams,
definindo essa hegemonia como um conjunto de práticas e expectativas sobre a
totalidade da vida e percepção de mundo do fiel, mas controlados por uma
instituição dominante que controla uma sociedade a níveis ideológicos. Usando a
Igreja Católica como exemplo, uma instituição que na Idade Média se tornou a mais
poderosa, controlando as esferas política e ideológica da sociedade europeia,
Gramsci trabalha os intelectuais e o ―mass-media‖, quando se vê que foi necessário
18

que os intelectuais dessa instituição dominante se apossassem de instrumentos


como a imprensa e a literatura para propagar seus ideais e conservar ou construir
seu poder hegemônico.5
A ideia de ―campo religioso‖ definida por Bourdieu também será retratada na
pesquisa, nos ajudando a trabalhar a dinâmica religiosa entre católicos e
protestantes; o autor trata a Igreja como uma religião dominante em uma sociedade
que monopoliza seus instrumentos de salvação.
Nesse trabalho, os veículos de imprensa serão de fundamental importância
para a pesquisa, visto que somados são a maior parte das minhas fontes. Para
trabalhar esse tema proposto e essas fontes documentais, terei como base
metodológica o diálogo de obras e autores, como o de Heloísa de Faria Cruz e Maria
do Rosário Cunha Peixoto, que abordam a imprensa enquanto uma força social ativa
diante de cada conjuntura que o historiador elege pesquisar, pois ―pensar a
imprensa com esta perspectiva implica, em primeiro lugar, tomá-la como uma força
ativa da história do capitalismo e não como um mero depositário de acontecimentos
nos diversos processos e conjunturas.‖6
Analisando a fonte como uma força ativa, com suas intencionalidades
especificas na exposição de seus conteúdos, procurarei analisar os veículos de
imprensa abordados à luz do conteúdo da própria fonte. A partir daí pretendo guiar a
pesquisa e construir a dissertação, trabalhando uma lógica de análise da própria
experiência do historiador com as fontes, como aborda Edward P. Thompson em
sua obra ―A miséria da teoria‖, onde ―os homens se aprisionam em estruturas de sua
própria criação porque mistificam a si mesmos‖7 fazendo assim uma crítica a
pesquisadores que constroem suas pesquisas tomando como base teorias já
prontas, e dão pouca ênfase à ―experiência humana‖ do pesquisador com sua fonte
de análise, para que assim ele construa sua própria teoria usando do estudo de sua
fonte.
Nos utilizaremos da ideia de separação entre Igreja e Estado, laicidade e
secularização discutida por autores como Fernando Catroga, que explica que a
sociedade procurava manter um estado que fosse pautado nas leis estipuladas em

5
PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1984.
6
CRUZ, Heloísa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador:
conversas sobre história e imprensa. Projeto História. São Paulo, n. 35, 2007, p.183.
7
THOMPSON, Edward Palmer. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao
pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p.183.
19

vez de em dogmas religiosos, mas, ainda assim, a sociedade em geral continuava


predominantemente religiosa, e que mesmo em um estado juridicamente laico, a
mentalidade religiosa continua atrelada à sociedade, se mesclando à própria
estrutura do Estado se manifestando em discursos, inscrições, monumentos,
produções filatélicas e numismáticas e em frequentes citações religiosas.
Para retratar essa nova temática dividiremos a tese em quatro capítulos. No
capítulo 1, ―A devoção mariana: Catolicismo, Estado e Hegemonia Social‖,
procuraremos retratar Belém e sua historicidade e o quanto a história da cidade
sempre esteve entrelaçada com a religiosidade católica desde a sua fundação.
Atravessaremos os séculos, mas enfatizaremos o período referente ao final do
século XIX e início do século XX, época em que a cidade, além de passar por um
grande período de reconfiguração econômica e social com a economia da borracha,
passa também por grandes transformações políticas e religiosas com o fim do
Império e o início do período republicano. Para retratar esse período, nos
utilizaremos de diversas fontes de jornais católicos, como o periódico ―A Palavra‖.
No capítulo 2, ―Uma fé ignorante: O protestantismo no período republicano‖,
mostraremos a história do protestantismo na cidade desde suas primeiras aparições
até o início da República, que é o nosso ponto de conclusão, com ênfase no
processo de reestruturação a partir do período político em que o estado brasileiro se
torna laico, dividindo-o em três subitens, nos quais mostraremos desde a história do
protestantismo no Brasil e do Pará, até o Brasil república em Belém, retratando as
rupturas e permanências do protestantismo na primeira república na cidade, fazendo
uma análise pormenorizada também do movimento pentecostal que se iniciava.
No capítulo 3, ―Entre a autoridade religiosa e a autonomia do leigo:
Católicos, protestantes, pentecostais e o ‗campo religioso‘ em disputa‖, analisaremos
a disputa religiosa que ocorreu na primeira república nas principais vertentes do
cristianismo na cidade. Perceberemos algumas características desde o embate
simbólico até a ameaça física, envolvendo também difamações e prisões, e como o
período político republicano influenciava tal disputa. Procuraremos retratar como
havia, como pano de fundo dos vários temas de embate, o conflito entre a
autoridade religiosa legítima representada pelo catolicismo e a autonomia do leigo,
como enfaticamente era defendida pelo protestantismo.
No capítulo 4, ―O Apologista Christão: A separação entre igreja e estado e a
prisão de Justus Nelson‖, apresentaremos a separação entre Igreja e Estado no
20

Brasil e como isso ocorreu. Veremos ainda, por meio das análises feitas pelos
periódicos do pastor metodista Justus Nelson, como essa temática era discutida no
Norte do país e como era aplicada na prática. A partir do episódio da prisão de
Justus Nelson por ataques ao principal símbolo religioso da fé católica paraense, a
devoção a virgem de Nazaré, entenderemos como a separação entre Igreja e
Estado (e o conceito de liberdade religiosa trazidos pela república que despontava)
ocorria na prática misturada às tensões e aos conflitos com o catolicismo vigente.
No capítulo 5, ―Cristianismo e república: A disputa pela ―Religião Nacional‖,
nos utilizaremos de jornais católicos, como o ―A Palavra‖ e Jornais protestantes
como ―O Apologista Christão Brazileiro‖, ―Norte Evangélico‖ e ―O jornal Baptista‖
para retratar como o cristianismo na nova república se reconfigurava a partir do
processo de separação entre Igreja e Estado. Analisaremos o discurso específico
diferenciado das principais vertentes cristãs que desejavam ser reconhecidas como
a religião verdadeira e oficial do país. Veremos também como católicos e
protestantes procuravam se representar como religiões que seriam benéficas para a
nação brasileira caso se tornassem (protestantes) ou se mantivessem hegemônicas
(católicos). Essas vertentes cristãs propunham um salvacionismo que ia muito além
do âmbito religioso, mas também econômico e social para a nação. Analisaremos
que, assim como nas outras regiões do ocidente hegemonicamente cristãs, a
religião sempre se entrelaçava com a estrutura política, mesmo em um estado
juridicamente sem uma religião oficial. Sob as lentes do cenário de Belém do Pará,
notaremos que o processo de laicidade na República teve como característica uma
disputa religiosa entre vertentes cristãs já consolidadas na sociedade, e que sempre
dialogaram com a estrutura política do Estado durante toda a República Velha – uma
relação entre religião e política que podemos perceber em todo o ocidente até os
dias atuais.
21

CAPÍTULO I – BELÉM DO PARÁ: CATOLICISMO,


ESTADO E HEGEMONIA SOCIAL

1.1 ―A DEVOÇÃO MARIANA‖: CATOLICISMO E HEGEMONIA SOCIAL

Toda a população vem a rua nessa ocasião. Todos os


soldados da linha ou da guarda nacional tomam parte na
procissão, cada batalhão acompanhado por sua banda de
música. Acompanham-na também as autoridades civis, com o
presidente à frente, bem como as pessoas gradas, e também
muitos residentes estrangeiros. O bote dos náufragos
portugueses é transportado atrás da santa, nos ombros de
oficiais da marinha e marinheiros e em seguida vem outros
símbolos dos milagres realizados por Nossa Senhora. [...] O
aspecto da praça é então o de uma feira, sem o bom humor e a
galhofa de festas semelhantes a Inglaterra, mas também sem
sua algazarra e grosseria. Preparam-se grandes salas, para
vistas panorâmicas e outros divertimentos, onde o público tem
entrada grátis. Há todas as noites uma queima de fogos de
artifício, tudo obedecendo a um programa publicado da festa.
[...] Nazaré não tardou em passar de largo suburbano a largo
urbano, tamanho foi o interesse que despertou nos
governadores do estado, da cidade e do povo simples.8

O catolicismo, desde o século IV, foi uma religião que seguiu atrelada aos
estados nos quais se tornava hegemônico, desde o Império Romano, Franco,
Bizantino, Caroningio e Merovingio à formação do continente europeu. Em todos
esses períodos, há a forte atuação da Igreja Católica na mentalidade social e na
influência das autoridades de estado. Em alguns momentos, tal influência se torna
tão poderosa quanto a de reis e imperadores.9
No século XVI, o protestantismo foi uma vertente cristã que rompeu com a
Igreja Católica, causando a maior cisão do cristianismo já registrada na história, que
se disseminou pela Europa e se fundiu a diversas nações, adotada por membros da
nobreza e autoridades de estado. A relação entre essas duas formas de
religiosidade cristã sempre foi conflituosa, contudo essas foram, simultaneamente,
as duas principais vertentes do cristianismo que mais se expandiram ao longo da
história e transformaram a cultura ocidental.

8
DUBOIS, Florencio. A devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949, p.69.
9
Para melhor embasamento sobre esse período, nos debruçamos em obras como: DAWSON,
Christopher. Criação do Ocidente – A religião e a civilização medieval. Tradução e apresentação à
edição brasileira de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2016. LE GOFF, Jaques. Por uma
outra Idade Média. Lisboa: Estampa, 1985.
22

Refletir sobre essas duas modalidades cristãs é um exercício que se faz


importante para analisarmos a forma com que o catolicismo chegou ao Brasil,
reflexo de uma disputa religiosa que estava ocorrendo na Europa, e a conquista
religiosa do Novo Mundo se deve tanto ao catolicismo estar atrelado a determinadas
nações europeias que procuravam colonizar os territórios que descobriram em
grandes navegações, como uma tentativa de consolidar sua cosmovisão de mundo
nas terras recém-conquistadas, tanto para exploração quanto para proteção de
outras nações da Europa que estavam adotando a ―herege‖ religião protestante.
A chegada das ordens missionárias católicas europeias na Amazônia no
século XVI nos mostram esse fenômeno religioso que ocorria no seu catolicismo
nesse período: uma reestruturação de parte da religião católica como reação à
reforma protestante que despontava na Alemanha e se espalhava rapidamente pelo
continente. Com isso o Brasil, e especialmente a Amazônia, recebem um catolicismo
que se reestruturava, onde se enfatizava uma prática religiosa de ―aspectos negados
pelos protestantes‖ como o ―culto aos santos, sacramentos, boas obras‖, e
menosprezando outros dogmas valorizados pelos protestantes tidos como hereges
como a ―leitura da Bíblia e importância da fé‖.10 Com esse modelo católico
fortemente influenciado pela contra-reforma, as ordens religiosas católicas que
foram para a Amazônia, assim como a outras partes do país, conseguiram
influenciar tanto o aspecto religioso quanto o social, o econômico e o educacional da
região.
Em Belém, o próprio nome da cidade, ―Santa Maria de Belém do Grão Pará‖,
já demonstra as fortes marcas da Igreja Católica deixadas desde sua formação.
Maria de Nazaré Sarges, ao trabalhar de forma sucinta a relação da Igreja Católica
com os índios da região, analisa como a Igreja era usada pelo estado português
para ―acalmar os índios‖, principalmente na contribuição da relação deles com o
estado português. No entanto, ao que parece, no decorrer dos séculos os nativos
não apenas se ―acalmaram‖, mas também se mesclaram com o catolicismo na
região.11 A fé católica continuou sendo a religião oficial do Estado durante o período
colonial e imperial. Grande parte dos moradores da cidade seguiam seus valores e
dogmas, mas o catolicismo de Belém parecia ter suas diferenciações se comparado

10
MAUÉS, Heraldo. Ação das ordens e congregações religiosas da Amazônia. Belém: Ed. da
UFPA, 1968, p.20.
11
SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a Belle-Époque (1878-1907) Belém:
Paka-Tatu, 2000.
23

ao dos países Europeus. As ordens religiosas católicas de seminários franceses que


iam a Belém constantemente reclamavam sobre as práticas dos católicos
paraenses, as ―simpatias‖ e ―mandingas‖ além de outros tantos sincretismos
presentes na religiosidade local.12
No Pará, especificamente nos séculos XIX e XX, era notória a associação de
práticas religiosas de santos com as pajelanças. A ―pajelança cabocla‖ fazia parte da
medicina popular local, baseada nas curas xamânicas dos povos indígenas
tupinambás, sincretizados com o branco e o negro que permearam a região no
processo de colonização. O pajé inicia seu ritual de cura em indivíduos que
apresentam alguma enfermidade (rito chamado de ―trabalho‖), é quando ele invoca
os ―encantados‖, seres invisíveis que incorporam o pajé durante o ritual. Nessa
sessão, há uma mesa com imagens de santos católicos, e é através dessa mesa
que o pajé ―entrega o seu espírito a Deus‖ antes de incorporar os encantados.13
Ainda que esse sincretismo de diversas religiosidades fosse presente em
rituais como esse, que soma elementos de diversas religiosidades como o
xamanismo, o kardecismo e as religiões de matriz africana, os praticantes da
pajelança, desde pajés até o indivíduo que participa do rito, se identificavam como
―bons católicos‖.14 O catolicismo ainda era elemento predominante na mentalidade
religiosa paraense, mesmo diante de todo esse sincretismo. Heraldo Maués
relaciona a ideia de santos e encantados; ambos convivem no imaginário religioso
popular paraense, mas com alguns diferenciais entre eles, como o autor aborda:

Assim como os santos possuem representação material,


também só eles fazem milagres (além de Deus). Os
encantados não são pensados como capazes de fazer milagre;
suas ações são designadas como cura, castigo malinesa, e
outras expressões. Por outro lado, se os santos atendendo às
preces dos doentes são capazes de proporcionar a cura, eles
não agem como os encantados que, tendo o corpo do pajé
como instrumento, vêm eles mesmos curar os doentes.15

12
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980. Após um tempo de pesquisa também tivemos contato
com a obra de Raymundo Heraldo Maués, na qual faz uma análise bem semelhante à nossa,
justamente por se embasar no mesmo autor, David Vieira Gueiros; assim, por ordem, decidimos
também referenciá-lo aqui. MAUÉS, Raymundo Heraldo. Uma outra invenção da Amazônia:
religiões, histórias e identidades. Belém: Cejup, 1999, p.123.
13
MAUÉS, op. cit., p.196.
14
Ibidem, p.198.
15
Idem. Padres, pajés, santos e festas: catolicismo popular e controle eclesiástico - Um estudo
antropológico numa área do interior da Amazônia. Belém: Cejup, 1995, p.207.
24

O autor nos mostra que nesse sincretismo havia uma certa hierarquia, onde
os santos, diferentemente dos encantados, não precisam incorporar o pajé. Eles
mesmos curam diretamente o doente. Os santos, ícones do catolicismo, ocupavam a
preferência não apenas na identidade dos praticantes da pajelança, como na própria
dinâmica do ritual.
A cura é elemento de crença presente no imaginário religioso popular,
especialmente se tratando dos santos. Maués menciona relatos de devotos aos
santos ou à Virgem Maria, como este: ―Uma mulher que era cega fez a promessa de
preparar um manto novo pra ela, caso recuperasse a visão. Conseguindo sua graça,
preparou o manto mais belo e mais rico que pôde confeccionar‖. 16 Ou quando
ocorreu uma epidemia de Varíola no estado, menos na região da Vigia, sendo esse
―não contato‖ da doença interpretado por muitos moradores como uma proteção feita
por Nossa Senhora, como relata o caboclo entrevistado pelo antropólogo: ―Meu tio
disse que não, que esse ano constô que deu muito essa doença, mas na Vigia, no
Itapuá tudo, num deu. Eles calcularam que aquilo só podia sê Nossa Senhora que
estava livrando os inocentes ali daquela passagem.‖17
Esse mundo encantado e sincrético presente na região, no qual santos e
entidades xamânicas conviviam curando os enfermos, era um imaginário religioso
enraizado e naturalizado e fazia parte do catolicismo majoritário local.18
Pela própria herança da religiosidade católica que por aqui foi propagada no
século XVI, notamos uma crença muito forte do catolicismo popular paraense, que
se revelava por meio da devoção dos santos e suas imagens. O ―santo particular‖ do
paraense poderia ser bem tratado se tudo ocorresse bem em sua vida e na de seus
familiares, se suas preces forem atendidas regularmente, mas a imagem poderia
sofrer punições caso o propósito do fiel não fosse atendido, como enterrar a cabeça
da imagem na areia ou pendurá-la em uma árvore.

16
MAUÉS, Raymundo Heraldo. Padres, pajés, santos e festas: catolicismo popular e controle
eclesiástico - Um estudo antropológico numa área do interior da Amazônia. Belém: Cejup, 1995,
p.176.
17
Ibidem.
18
David Vieira Gueiros, em sua obra ―O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil‖,
ao falar sobre a vinda de ordens religiosas católicas de seminários franceses a Belém, fala das
constantes reclamações dos sacerdotes acerca das práticas dos católicos paraenses, ―simpatias‖,
―mandingas‖, além de outros problemas como corrupção do clero e idolatria, como discutiremos mais
adiante. GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980.
25

Nessa prática expressiva do católico paraense popular.19, relacionada à


adoração aos santos através das imagens, notava-se em grande destaque a sua
devoção à Nossa Senhora de Nazaré. Um tipo de ―adoração‖ que foi além do
conceito teológico do catolicismo de render mais que uma homenagem (dulia), e
chegou a ser um fenômeno como a ―latria‖ (adorar como se adora a Deus),
transformando-se numa ritualidade católica extremamente festiva, com procissões
dedicadas a santos, especialmente à Nossa Senhora de Nazaré, como a ―festa do
Círio‖, com foguetes e irmandades dançantes. Esse catolicismo que se dá nas
procissões e adorações aos santos, sincretizado com as religiões de origem
indígena e africana ocorreu em todo o paísApesar das diferenciações entre cada
estado, a religião católica europeia, atrelada ao estado português, na relação entre
metrópole e colônia, o catolicismo continuou sendo uma religião predominante.20
Os estudos de autores ―pós-coloniais‖ nos ajudam a entender melhor os
fenômenos religiosos surgidos no norte do país. Em muitos deles há uma crítica à
dicotomia marxista do ―opressor e oprimido‖, que muitas vezes interpreta o
colonizado como um agente passivo do colonizador. Os autores mostraram que a
análise do pós-colonial é muito mais complexa, polissêmica e dinâmica. A
disseminação do ideal eurocêntrico para os povos colonizados, em que a Europa era
o modelo de civilização a ser seguido, nos mostra, sim, que as colônias absolveram
muito do modelo europeu, mas com suas diferenciações e perticularidades, de forma
que não foram passivas nesse processo. Sua cultura local transformou e
particularizou o processo de europeização de cada região colonizada.
Retratamos, desta forma, autores como Homi Bha Bha, que produz análises
que nos ajudam a entender o funcionamento do processo de relação colônia e
metrópole europeia por meio da ideia do ―entre-lugares‖, quando ao analisar as
colônias europeias do período da colonização até o decorrer do século XX ele

19
Utilizaremos aqui perspectiva de um catolicismo popular como um conjunto de crenças e práticas
que fazem parte de um catolicismo pluralizado. Práticas socialmente reconhecidas como católicas, de
que partilham sobretudo os não especialistas do sagrado, quer pertençam as classes subalternas ou
às classes dominantes, mas que não são inicialmente vinculadas a Igreja Católica como instituição. O
autor ressalta que a relação entre crenças populares e clericais não era sempre contraditória, em
diversos momentos dialogavam entre si, a ponto de muitas vezes essas crenças serem cooptadas
pela Igreja católica institucional. Notaremos esse fenômeno na própria pesquisa, ao perceber a forma
como a Virgem de Nazaré era retratada no Brasil República, legitimada tanto por populares, quanto
por clérigos de renome na cidade.
20
Para as informações presentes nesse parágrafo, nos embasamos inicialmente na obra de David
Vieira Gueiros, que retrata o cenário religioso paraense. GUEIROS, David Vieira. O protestantismo,
a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980.
26

percebe que predominou nas colônias o modelo político, econômico, cultural e


religioso da Europa, contudo o modelo social dos povos nativos da colônia
permaneceu, criando assim uma sociedade diferente das europeias, mas que por
sua vez resultou numa estrutura social muito diferente do que se via antes dos
europeus colonizarem essas regiões. Trata-se de um ―entre-lugar‖, uma sociedade
nova que surge com novos significados a partir dessas diferenças culturais, como
Homi explica a seguir nesta passagem:

Esses ―entre-lugares‖ fornecem o terreno para a elaboração de


estratégias de subjetivação – singular ou coletiva – que dão
início a novos signos de identidade e postos inovadores de
colaboração e contestação, no ato de definir o próprio ato de
identidade.21

Pelas discussões de Homi Bha bha sobre a relação colônia e metrópole,


adquirimos melhor embasamento para entender o cristianismo na Colônia,
especialmente o catolicismo. O cristianismo chegou ao Pará no período da
colonização europeia, mas seu desenvolvimento no estado se diferenciou do
catolicismo europeu. No Pará, notamos um catolicismo imagético, místico e popular
que predominou com muito mais intensidade na região. Com devotos fervorosos às
imagens dos santos, atraídos pelas ―procissões e foguetórios‖ de práticas religiosas
mais pontuais e festivas, assim como a permanência dos encantados da religião
xamânica, com seus rituais de cura sincretizados com a devoção aos santos.
Esse tipo de análise é importante para entendermos que trabalharemos um
catolicismo hegemônico, que possui semelhanças com o catolicismo europeu e
brasileiro, mas também possui diferenciações que serão essenciais para
compreendermos a análise que faremos na pesquisa.
Como dito acima, uma característica da religiosidade católica paraense que
se nota como um diferencial é a adoração à Nossa Senhora de Nazaré. Um dos
eventos que melhor simbolizam essa devoção é o Círio de Nazaré, festividade
religiosa paraense que até os dias de hoje é extremamente popular e que há séculos
existe na cidade promovida pela Igreja Católica, mas que desde seu início envolveu
autoridades políticas da região e teve grande apoio e participação da população
paraense.

21
BHA BHA, Homi. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis,
Gláucia Renate Gonçalves. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, Humanitas, 2013, p.20.
27

A vinda da imagem da Nossa Senhora de Nazaré a Belém é difícil de


precisar, como bem ressalta Carlos Alberto da Conceição Teixeira, que apresenta a
própria convergência de historiadores que dizem que ela teria vindo do interior do
Pará trazida pelos Jesuítas da pequena cidade de Vigia. Na tradição da crença, a
imagem é encontrada por um pobre caçador e lenhador no ano de 1700, chamado
Plácido José de Sousa, que encontrou a imagem de Nazaré em um igarapé, entre
pedras lodosas. ―Apesar das intemperes, não estava maltratada e tinha o manto a
brilhar como se tivesse ficado no templo.‖22 Ao ver a imagem, ele a levou para sua
casa e fez um simples altar.23 A tradição conta que no outro dia a imagem da santa
sumiu do altar de Plácido, e quando o caboclo procurou por ela a imagem estava no
lugar de origem, as margens do igarapé. Após esse misterioso deslocamento ocorrer
por ―muitas diversas vezes‖24, Plácido e outros caboclos que estariam presenciando
o fenômeno entenderam que era da vontade da santa não abandonar o local em que
foi encontrada, e fizeram ali um pequeno altar para a imagem. A história da santa,
suas fugas, local de devoção e os possíveis devotos que surgiam em torno dela
chamaram a atenção do governador da época que decretou que a imagem fosse
para o Palácio do Governo. Assim foi feito. Mas não demorou muito para a imagem
desaparecer novamente e ser encontrada em seu local de origem.
Plácido, então, construiu sua cabana ao lado do local de devoção da virgem.
Teixeira nos aponta que os jornais que circulavam nos anos de 1721 a 1733
mencionam que o Bispo do Pará, D. Bartolomeu de Pilar, visitou a pequena ermida
onde estava a santa, e, ao visitar Plácido, ―o caboclo sugeriu que se levantasse uma
nova capela para Nossa Senhora de Nazaré, sendo essa ideia aprovada por D.
Bartolomeu‖25. Com isso, nota-se o alto clero da Igreja absorvendo a crença popular
que se instaurava e crescia no período, e aqui Teixeira percebe também o controle
eclesiástico sobre a devoção popular que se inicia nesse período, agregando a
devoção à Nossa Senhora de Nazaré ao alto clero, assim como uma marca da
cidade, pois o próprio D. Evangelista coloca ―a cidade de Belém sob proteção de
Nossa Senhora de Nazaré‖26.

22
DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949, p.41.
23
TEIXEIRA, Carlos Alberto da Conceição. Círio: a construção de um texto cultural através da
semiosfera amazônica. Dissertação (Mestrado em Semiótica), PUC-SP, São Paulo, 1999, p.59.
24
DUBOIS, op. cit., p.46.
25
TEIXEIRA, op. cit., p.60.
26
Ibidem, p.61.
28

O Círio de Nazaré é um acontecimento religioso que retrata essa relação de


um catolicismo popular que é cooptado e controlado pelo alto clero e pelo Estado.
Ivone Maria Xavier Correia, em sua tese de doutorado ―Círio de Nazaré: a festa de fé
e suas ressignificações culturais (1970-2008)‖, assim como Teixeira, nos mostra que
o Círio de Nazaré foi elaborado 93 anos depois do possível achado da imagem da
santa. Em uma romaria que, pelos historiadores consultados pela autora, já ocorria
entre populares antes mesmo da ―romaria oficial‖. Populares faziam romarias,
promessas, rezas e outras práticas devocionais à santa durante este quase um
século antes da instauração do Círio.27
O Círio é composto de elementos simbólicos que vão desde arraiais,
festividades e romarias nas quais a imagem da santa era levada na berlinda. Uma
festa estruturalmente mais simples, mas sempre coordenada por bispos e pelo
capitão Mor da província do Pará. Com o tempo o Círio foi se estruturando, novos
elementos foram adicionados na romaria, assim como novos espaços de transição
da imagem da santa, ―o tempo vai inexoravelmente transformando a romaria
tradicional‖28 , que passou a ter uma parte fluvial e também um trajeto marítimo,
adicionou-se cordas ligadas à berlinda, puxadas diretamente pelos fiéis, dando a
sensação de estarem ―carregando‖ a santa. Assim como o aumento das
festividades com bandas e fogos de artifício nos arraiais, com essas diversas
modificações, no decorrer do tempo, o capital simbólico dessa religiosidade aumenta
entre rupturas e permanências, e se consolida no imaginário e na prática do
paraense durante as décadas e séculos que seguiram.

Toda a população vem a rua nessa ocasião. Todos os


soldados da linha ou da guarda nacional tomam parte na
procissão, cada batalhão acompanhado por sua banda de
música. Acompanham-na também as autoridades civis, com o
presidente à frente, bem como as pessoas gradas, e também
muitos residentes estrangeiros. O bote dos náufragos
portugueses é transportado atrás da santa, nos ombros de
oficiais da marinha e marinheiros e em seguida vem outros
símbolos dos milagres realizados por Nossa Senhora. [...] O
aspecto da praça é então o de uma feira, sem o bom humor e a
galhofa de festas semelhantes a Inglaterra, mas também sem
sua algazarra e grosseria. Preparam-se grandes salas, para
vistas panorâmicas e outros divertimentos, onde o público tem

27
CORREIA, Ivone Maria Xavier de Amorim. Círio de Nazaré: a festa da fé e suas (re)significações
culturais - 1970-2008. Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2010, p.21.
28
DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949, p.70.
29

entrada grátis. Há todas as noites uma queima de fogos de


artifício, tudo obedecendo a um programa publicado da festa29
[...] Nazaré não tardou em passar de largo suburbano a largo
urbano, tamanho foi o interesse que despertou nos
governadores do estado, da cidade e do povo simples.30

Nesta análise, mais que analisar o Círio, suas possíveis origens e


construções históricas, devemos perceber a relação que há entre o catolicismo
popular, o alto clero da Igreja e as autoridades de Estado locais. Tanto Dubois como
os outros autores que retratam o Círio de Nazaré nos mostram através de um
processo histórico uma característica que notamos até os dias de hoje. Desde o
início, há interferências de autoridades políticas, geralmente governadores da
província, na devoção à Nossa Senhora de Nazaré. As interferências se dão tanto
na normatização do rito quanto no próprio usufruto desses governadores se
utilizando do rito para própria autopromoção, mostrando uma relação que vai além
de Estado e Igreja, mas do Estado e a religiosidade católica presente na população,
visto que nem sempre a Igreja Católica enquanto instituição caminhou de braços
dados com a religiosidade popular praticante de um catolicismo muitas vezes
diferenciado do alto clero. Havia uma constante tentativa de permanência da Igreja
Católica como uma instituição que detinha o controle de sua hegemonia na
sociedade, seja por meio da busca de uma constante continuidade de seu
atrelamento ao Estado ou na cooptação da religiosidade popular.
Houve alguns casos particulares, no decorrer da formação da festa, em que
o Círio de Nazaré e algumas práticas devocionais feitas pelos fiéis de Nossa
Senhora de Nazaré foram reprovadas pelo auto clero católico, a ponto de sofrerem
algumas tentativas de censura. O caso mais clássico dessa tensão se dá no
ministério do bispo do Pará, Dom Macedo Costa, no fim do Império. Dom Marcedo,
ao perceber que os paraenses adoravam a imagem de Nazaré como se fosse a
própria Virgem Maria encarnada, procurou fazer declarações contrárias à prática
religiosa, causando grandes indignações populares e entre alguns membros do clero
católico.

Corria o ano de 1877. Por ocasião da festa de Nossa Senhora


de Nazaré, escreve Dom Antônio de Almeida Lustrosa, um
diário de Belém fez chegar ao domínio público a notícia de

29
DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949, p.67.
30
Ibidem, p.69.
30

representações indecorosas no arraial. O Prelado (Dom


Antônio Macedo Costa) surge vigilante, pronto em curar os
interesses do seu rebanho, suspende os atos religiosos donde
se originou a magna questão de Nazaré, que para o seu
coração de bispo e dos verdadeiros católicos foi uma acerba e
pungente dor.31

Como já vimos, essa devoção aos santos e adoração ao santo particular era
uma prática corriqueira entre os populares no Pará, e particularmente a ―devoção
extremada‖ dos paraenses à imagem de Nossa Senhora de Nazaré. A prática
incomodou o Bispo do Pará no final do Século XIX, Dom Macedo Costa a tal ponto
que ele entendeu que era sua responsabilidade ―regulamentar todas as questões
relativas ao culto da santa; devendo atar novamente a obediência dos católicos ao
prelado, deixando o governo e a religião sob autoridade da igreja‖ 32. Nesse período,
o Círio de Nazaré, seu planejamento e organização, os cuidados da imagem da
santa no decorrer do ano, a pequena capela construída no local onde a imagem da
santa foi vista pela primeira vez, eram de responsabilidade da Irmandade de Nazaré.
Dom Macedo Costa,

[...] exigindo a subordinação da festa de Nazaré, reduz a


irmandade à condição de festeiros [...] desautoriza usar a
igreja, a autoridade da santa, os exercícios de oração como
novenas e trezenas sem seu selo. No arraial, as composições
dos divertimentos nos teatros precisam da sua aquiescência,
destituíndo jogos de azar e a pornografia possivelmente
presente nas ―representações indecentes de um poyorama‖.33

Assim, a Irmandade de Nazaré continuou a procurar realizar as festividades


e os ritos presentes no Círio de Nazaré, o que levou a uma futura suspensão da
festa, alegando ―ser sua responsabilidade preservar o culto da religião oficial do
Império quando os próprios católicos não observam suas prescrições‖34.
Havia aí uma tentativa de mostrar a sociedade paraense a representação
simbólica da Igreja Católica institucional representada pelo bispo e sua autoridade
diante das manifestações religiosas relevantes presentes na cidade. Notamos que a
devoção à Nossa Senhora de Nazaré e o Círio eram práticas tão arraigadas na

31
DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949, p.79.
32
NEVES, Fernando Arthur. Solidariedade e conflito: estado liberal e nação católica no Pará sob o
pastorado de Dom Macedo Costa (1862-1889). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2009, p.215.
33
Ibidem, p.218.
34
Ibidem, p.219.
31

mentalidade religiosa da sociedade paraense que, mesmo com a interrupção do


Bispo, o Círio foi realizado com o apoio da sociedade civil e das autoridades políticas
do período. O chamado ―Círio Civil‖ foi realizado em 1878, quando os membros da
Irmandade, as autoridades políticas do período, e boa parte da população
mantiveram o rito, mas sem a presença do Bispo Dom Macedo e representantes do
alto clero da Igreja Católica da cidade.35
Essas querelas, assim como outras envolvendo o Círio e a devoção à Nossa
Senhora de Nazaré, não impediram o continuar da prática religiosa que ocorre até
os dias atuais, mas desse conflito em específico podemos tirar algumas reflexões.
Há uma hegemonia católica que abarca desde o paraense popular até o alto clero
católico e as autoridades políticas que representam a sociedade civil. Há também
uma tentativa constante da Igreja de manter essa hegemonia, seja entrando em
diálogo ou conflito com práticas católicas populares ou com as autoridades civis
percebendo o atrelamento existente entre Igreja Católica, Estado e sociedade.
Partindo desse raciocínio e analisando ainda o caso do conflito do Bispo Dom
Macedo com o Círio de Nazaré, podemos entender que foram necessárias
mudanças estruturais na Sociedade Civil e na Igreja Católica para que Dom Macedo
tomasse uma decisão diferenciada da maioria dos bispos anteriores, de ser
conflitante com a devoção praticada pelos paraenses à santa.
O Bispo Dom Macedo era fruto de seu tempo, estava presente em um
período de reestruturação da Igreja Católica no século XIX em que a relação Igreja e
Estado estava sendo debatida no ocidente a partir das diversas revoluções que
estavam ocorrendo em países europeus e nas colônias norte-americanas, onde
pensamentos trazidos pela modernidade, como liberalismo e positivismo traziam
atreladas discussões sobre o papel da Igreja na sociedade, sua separação com o
Estado em países nos quais ela era atrelada e reconhecida como religião oficial.
Encíclicas como a Síbabus e Quanta Cura, introduzidas pelo Papa Pio IX, nos
mostram o posicionamento da Igreja diante dessas correntes de pensamento, em

35
Esse relato é bem fundamentado na tese de Fernando Arthur Neves e no livro do padre Florencio
Dubois. NEVES, Fernando Arthur. Solidariedade e conflito: estado liberal e nação católica no Pará
sob o pastorado de Dom Macedo Costa (1862-1889). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São
Paulo, 2009. DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949.
32

que o Papa ―não podia e nem devia transigir com o liberalismo e com a civilização
moderna‖36.

Com efeito, nesses documentos não só fulminou o


indiferentismo, o panteísmo, o racionalismo absoluto, o
racionalismo moderado, o comunismo, as sociedades secretas,
as sociedades bíblicas, as sociedades liberais, a autonomia
das leis morais em relação à lei divina, a autonomia da filosofia
e da ética, as liberdades de pensamento, opinião, religião,
culto, como censurou a reconciliação com o progresso.37

Os ataques a essas correntes de pensamento que permeavam o século XIX


foram mantidas pelo Papa Leão XIII em 1887, que reprovou a relação da Igreja
especialmente com o liberalismo e com o socialismo.
Essa reação de resistência e combate da Igreja Católica diante dessas
ideias presentes no século XIX a fizeram tomar posicionamentos conservadores.
Dom Macedo, para mostrar que a Igreja detinha controle, adotou práticas
conservadoras como as interdições de irmandades que não estivessem cumprindo
os regulamentos da Sé em suas práticas religiosas, gerando conflitos como o
ocorrido com a Irmandade de Nazaré e toda a prática religiosa do Círio que a
cercava. Medidas assim tiveram como pano de fundo o combate ao liberalismo que
Dom Macedo julgava presente na Igreja, permitindo desta forma centralizar o poder
na Igreja enquanto instituição.
Católicos liberais defendiam a liberdade dos fiéis católicos de realizarem
suas novenas e seus pagamentos de promessas, condenados pelo bispo vigente. O
argumento dado por eles era o fato de que símbolos do catolicismo como as
imagens eram parte integrantes do catolicismo praticado pelo Império. ―Restava-lhes
contra-atacar o baluarte da hierarquia aonde lhe era penoso - a religião oficial do
estado.‖38
O deputado Tito Franco de Almeida, um político liberal contemporâneo de
toda essa polêmica envolvendo Dom Macedo Costa e o Círio de Nazaré, escrevia
em seu material de imprensa, o jornal ―O Liberal do Pará‖, opiniões contrárias à

36
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Cesares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.290.
37
Ibidem, p.290.
38
NEVES, Fernando Arthur. Solidariedade e conflito: estado liberal e nação católica no Pará sob o
pastorado de Dom Macedo Costa (1862-1889). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2009, p.223.
33

decisão de Dom Macedo e aos posicionamentos do catolicismo pelo império.


―Restava-lhes contra-atacar o baluarte da hierarquia aonde lhe era penoso - a
religião oficial do estado.‖39
O deputado Tito Franco de Almeida, um político liberal contemporâneo de
toda essa polêmica envolvendo Dom Macedo Costa e o Círio de Nazaré, escrevia
em seu material de imprensa, o jornal ―O Liberal do Pará‖, opiniões contrárias à
decisão de Dom Macedo e aos posicionamentos do catolicismo ultramontano,
defendendo que a prática religiosa de adoração a imagens de santos fazia parte da
cultura brasileira. Ainda retratado em seu jornal, críticas a Dom Macedo por
declarações feitas por ele, contrárias à prática religiosa da devoção à Nossa
Senhora de Nazaré, rotulando tal prática como ―adoração de Isis‖ e chamando o
festival que precedia a procissão do Círio de ―libertinagem‖.
Tito Franco também simpatizava com a religião protestante, pois além de dar
espaço em seu veículo de imprensa a católicos liberais, também cedeu espaço a
missionários do protestantismo que estavam presentes no Pará, como Richard
Holden, um protestante que teve espaço no jornal. Seus artigos chamaram a
atenção de Tito Franco de Almeida a ponto dos dois se tornarem amigos, e seu
jornal passou a defender a liberdade de culto para religiões acatólicas; defesa que,
na época, era um tabu no país. Nesse período, o político e jornalista entrou em
conflitos com personalidades importantes do clero católico, como o bispo Dom
Macedo Costa.
Gueiros retrata os conflitos entre Dom Macedo Costa e Richard Holden
também a partir de cartas pastorais, dizendo que a base da fé católica não era a
Bíblia, tida como ―a babel do protestantismo‖; afirmando que os protestantes eram ―o
monstro da heresia‖ e que tentavam invadir o ―império da Cruz‖, que ―a Bíblia
protestante deveria ser destruída‖, proibindo os católicos de a possuírem em casa.40
Os protestantes eram minoritários na região, e o liberalismo era abraçado
também por outro grupo muito restrito formado por alguns intelectuais e políticos no
estado. O que percebemos desses dois grupos em específico é que, além de terem

39
NEVES, Fernando Arthur. Solidariedade e conflito: estado liberal e nação católica no Pará sob o
pastorado de Dom Macedo Costa (1862-1889). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2009, p.223.
40
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.182.
34

suas querelas com o catolicismo, defendiam amplamente o regime democrático e a


separação entre Igreja e Estado.
O Círio e toda a devoção mariana que o cerca é um exemplo significativo da
hegemonia social católica que já estava consolidada na sociedade Paraense. Um
catolicismo que durante os séculos procurou manter a continuidade de seu poder
hegemônico durante o período que esteve consolidada na região, e que no final do
século XIX se via diante de novos desafios para se manter no poder, ora regulando
práticas religiosas de populares, ora as permitindo, procurando apoderar-se do
poder simbólico da igreja institucional através do alto clero, combatendo ideais como
o liberalismo, o protestantismo e outras religiões e correntes de pensamento que
permeavam alguns segmentos sociais, fosse no Pará ou no resto do ocidente.
Autores como Hugues Portelli e Raymond Willams procuram trabalhar os
conceitos de Antônio Gramsci sobre hegemonia. Willams descreve hegemonia como
sendo: todo um conjunto de práticas e expectativas, sobre a totalidade da vida:
nossos sentidos e distribuição de energia, nossa percepção de nós mesmos e nosso
mundo. É um sistema vivido de significados e valores – constitutivo e constituidor –
que, ao serem experimentados como práticas, parecem confirmar-se
reciprocamente.41
Portelli segue uma visão semelhante, definindo hegemonia como esse
mesmo conjunto de práticas e expectativas sobre a totalidade da vida e percepção
de mundo, porém controlados por uma instituição dominante que controla uma
sociedade a nível ideológico. Portelli analisa Gramsci e nos mostra o quando ele usa
a Igreja Católica como exemplo para conceituar hegemonia, justamente por ser ela
uma instituição que na Idade Média se tornou a mais poderosa, controlando as
esferas políticas e ideológicas da sociedade europeia.
A devoção à Nossa Senhora de Nazaré ou às imagens de santos católicos,
mesmo sendo questionada por alguns clérigos, na maior parte do tempo tiveram sua
prática tolerada pelos cleros, ainda que eles fizessem intervenções constantemente,
em especial para que assim pudessem continuar sendo vistos como os reais
representantes de toda a religiosidade presente.
Essa aparente unidade mantida pelo catolicismo é um de seus mecanismos
de consolidação de sua hegemonia usado desde o período medieval, o que se

41
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.
35

convencionou chamar de o ―monopólio ideológico‖42 da sociedade. Com uma


sociedade inteira tendo uma cosmovisão fortemente influenciada pela Igreja,
Gramsci a define como um aparelho religioso e ao mesmo tempo um aparelho
político do Estado.
Não nos embasaremos nas visões que Gramsci tinha sobre o catolicismo,
que punha a religião católica como o aparelho ideológico do estado como se fosse
submissa ao poder estatal. O que nós extrairemos de sua análise é a percepção
sobre o quanto o catolicismo hegemônico era atrelado ao Estado, como um
instrumento político que se vinculava ao poder estatal justamente pela Igreja
Católica ser a principal formadora da mentalidade de toda a sociedade civil.
Trabalharemos com a via de mão dupla existente entre Estado e Igreja, na qual a
igreja não necessariamente era controlada pelo Estado, agindo de forma autônoma
e procurando muitas vezes usufruir do poder do Estado em favor de seus próprios
interesses.
A separação entre Igreja e Estado, marca registrada do discurso de liberais
e protestantes contra a Igreja Católica, foram um dos principais temas de conflito
entre o clero católico e esses segmentos sociais. Notamos assim que desde o
Império no Brasil já existem grupos políticos e religiosos que procuram se contrapor
a essa hegemonia católica. As medidas enérgicas do catolicismo contra o
liberalismo, o protestantismo, a maçonaria e uma série de outras religiões e ideais
acatólicos vão se reestruturar conforme surge o regime republicano, que oficializa,
juridicamente, a separação da Igreja Católica do estado brasileiro.

1.2 ―ENTRE MARIA E MARRIANE‖: O CATOLICISMO NO BRASIL REPÚBLICA

Se analisarmos os diversos trabalhos historiográficos sobre a história da


cidade de Belém, veremos que apontam mudanças consideráveis na cidade a partir
da segunda metade do século XIX. Historiadoras como Maria de Nazaré Sarges, ao
analisar a cidade de Belém no final do século XIX e início do século XX, afirmam
tratar-se de uma época na qual a economia de Belém estava em alta devido ao fato
da região amazônica ser a principal exportadora de borracha no mundo e por ser
uma cidade portuária; sendo assim, era o principal município para se efetuar a

42
PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1984, p.42.
36

exportação dos produtos manufaturados da borracha. Nessas circunstâncias, o


governo local pôde destinar verbas para investir em mudanças no espaço urbano.
Por essas razões, surgiram mais indústrias na cidade, bancos e obras, entre elas a
construção de teatros, palacetes, monumentos, cinemas; ―é que a cidade começa a
se desenvolver em uma progressão assombrosa sob todos os aspectos –
intelectuais, materiais e econômicos‖. A historiografia trabalha esse período como
um momento de constantes mudanças na cidade, na estrutura urbana, no comércio,
no comportamento social de vários segmentos da sociedade.
Novos espaços sociais foram sendo construídos e junto a eles novas
barreiras e diferenciações. Tendo como modelo a París de Haussuman do século
XIX, a cidade passou a ser estruturada com largas avenidas. Enquanto o povo era
alijado para as periferias, os mais abastados passaram a se concentrar no entorno
do centro da cidade, justamente onde se concentrava a melhor infraestrutura urbana
e os melhores serviços de conforto e lazer, tais como praças arborizadas,
importantes lojas de comércio, bancos, teatros, bailes e bondes elétricos. Na região
central também se localizavam as maiores catedrais católicas, desde as primeiras
igrejas fundadas no século XVI até a basílica de Nazaré, o maior templo católico da
cidade, localizado no centro de Belém, no bairro de Nazaré. O centro da cidade era
uma referência não apenas para as práticas de lazer, serviços e comércio, mas
também como um referente polo religioso da cidade.
Entre as diversas mudanças que ocorriam no urbanismo, também foi
possível presenciar na Belém da época uma grande mudança na estrutura política,
acompanhando as mudanças que ocorriam no Brasil, já que no final do século XIX,
mais especificamente em 1889, é declarado o fim do Império e o início da República
no Brasil. Com o advento da República, as autoridades políticas vigentes
procuraram reestruturar não apenas a política do país, mas todo o imaginário social
de uma população por meio da inserção de novas simbologias, que se dava por
meio de festas cívicas, mudanças de nomes de ruas e a construção de monumentos
que remetessem ao ideal republicano. Eis como se fomentava uma ideologia política
e se construia um imaginário social a partir da instauração do regime republicano no
país.
Para a legitimação ideológica desse novo regime, o autor aponta três
correntes que disputavam a natureza do novo sistema político, o ―liberalismo à
37

americana, o jacobinismo à francesa e o positivismo‖.43 Dentre eles, o positivismo


aparece ganhando maior destaque por ser o principal ideal abraçado pelas elites
republicanas. Os republicanos no Brasil tiveram como maior inspiração simbologias
que remetiam à República Francesa, ancorada pelos ícones de revolução jacobina,
além do positivismo como um modelo ideal a ser seguido, trabalhando com a tese
de que para se construir um discurso republicano para uma população iletrada e de
baixa educação formal era necessário o uso de imagens, alegorias, símbolos e
mitos. Importante salientar que essas simbologias para os imaginários sociais no
Brasil foram, em sua maior parte, mais inspiradas pela revolução francesa do que
por símbolos do liberalismo norte-americano que, por sua raiz protestante, tinha um
empobrecido arcabouço de imagens simbólicas de representação.
Mesmo com algumas inspirações americanas e predominantemente
francesas, houve, como dito antes, o positivismo como o ideal que mais agradou os
republicanos. No ideal positivista, há uma perspectiva política de uma mudança
evolutiva, na qual os regimes políticos se aperfeiçoam com o passar do tempo.
Assim, a monarquia seria apenas uma ―fase‖ que naturalmente se modificaria para o
regime republicano, considerado um regime melhor. Como nos fala o autor:

O arsenal teórico positivista trazia armas muito úteis. A


começar pela condenação da monarquia em nome do
progresso. Pela lei dos três estados, a monarquia correspondia
à fase teológico-militar, que devia ser superada pela fase
positiva, cuja melhor encarnação era a república.44

Apesar dos republicanos serem contrários à monarquia, a intervenção social


do Estado continuou semelhante à monárquica, diferentemente do que propunha o
liberalismo norte-americano. O ideal jacobino de revolução também não era visto
com bons olhos, fazendo com que o modelo positivista que defendia o fim da
monarquia fosse concretizado no Brasil, mas não como uma revolução civil feita à
força como a francesa, ou com grandes perdas estatais de poder, como defendiam
os liberais.
Entre as propostas políticas republicanas trazidas pelo positivismo, a
―separação entre igreja e estado também era atraente para este grupo,

43
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.09.
44
Ibidem, p.27.
38

particularmente entre professores, estudantes e militares‖45, embora tal separação


também fosse um assunto de conformidade com outros setores do movimento
republicano no país, caso dos próprios liberais, maçons e tantos republicanos
admiradores dos modelos de república norte-americanos ou franceses, que
procuraram, mesmo de maneiras distintas, aplicar a separação entre Igreja e
Estado.
Essa relação da Igreja com o Estado em um regime republicano foi algo que
acompanhou a história desse modelo político em países ocidentais. Na França, a
partir da revolução francesa, os modelos de repúblicas instituídos foram hostis ao
catolicismo presente, visto que:

A revolução francesa, ao dar luz a uma nova ordem política e


social, teve de faze-lo dentro de um estado regalista. E em
confronto directo com o poder (espíritual, político e econômico)
da confissão dominante, um dos alicerces do antigo regime.
(Catroga, p.223) [...] O que deu origem a implantação de
muitos cultos alternativos (Theofilantropia, culto da razão) e as
novas expressões rituais (Panteão, festas cívicas, música coral
patriótica, novas fórmulas de juramento), tendo em vista abolir,
ainda que mimeticamente em relação ao adversário, o papel
que o cristianismo (e o catolicismo) tinha exercido no papel de
―formação das almas‖.46

Essas simbologias que procuravam substituir toda a hegemonia católica


europeia se mostravam presentes nas festas cívicas que homenageavam
revolucionários, substituindo as festas católicas que referenciavam seus santos e
mártires; livros sobre os ―direitos do homem‖ substituindo as escrituras e tradições
escritas do catolicismo como fonte de fundamento moral, a figura revolucionária da
Marriane, constantemente utilizada em esculturas e gravuras de grandes
monumentos, utilizada como tentativa de substituição do ícone de Maria enquanto
objeto feminino de devoção e admiração; a defesa de escolas laicas comandadas
pelo Estado, tirando a Igreja Católica enquanto principal instituição que coordenava
a educação francesa. Mesmo com permanências do catolicismo francês na
sociedade, essa relação de Igreja e Estado na França se deu em uma relação
conflituosa no decorrer da história republicana francesa, indo desde perseguição e

45
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.27.
46
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Cesares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.235.
39

morte de clérigos, até sua expulsão do país, ocasião da terceira república no final do
século XIX e início do XX. Como exemplo desse exílio de ordens católicas
francesas, temos a própria Ordem Barnabita que analisaremos neste capítulo.
Na adesão do Pará ao regime republicano não foi diferente, logo se procurou
mudar nomes de ruas, avenidas, escolas e praças, especialmente nos espaços que
tinham nomes que referiam o regime monárquico. Como exemplo temos as
travessas com nomes de ícones do período republicano, como Quintino Bocaiúva
(antiga Travessa Príncipe), Serzedelo Correa, Avenida Gentil Bittencourt, Ruy
Barbosa, Benjamin Constant, além dos nomes de alguns palácios, como o Antônio
Lemos, Lauro Sodré e escolas como a tradicional Paes de Carvalho (antigo Liceu
Paraense) e Justo Chermont. Nos primeiros dois anos da República, no estado
também já se elaboravam festas cívicas para comemorar as datas de 15 e 16 de
novembro, referentes à data da proclamação da república, com bandas, orquestras
e foguetes. Houve ainda a construção de monumentos aludindo a símbolos
republicanos a serem exautados, que como exemplo significativo temos a praça
Dom Pedro II, que teve alterado o nome para ―Praça da República‖ e ali se construiu
o ―Monumento à República‖, considerado um dos maiores monumentos republicanos
do país.47
Mesmo com esses símbolos republicanos sendo aplicados aqui e com a
separação da Igreja e do Estado concretizados nas repúblicas ―pós-revolução
francesa‖ houve uma reação da Igreja diante desses fenômenos. No século XIX,
papas como Pio IX, Leão XIII e Gregório XVI lançaram encíclicas como a ―Quanta
Cura‖ e ―Sylabus‖ que eram contrárias a ideais como o naturalismo, o comunismo, o
liberalismo, a ideia de progresso advinda do positivismo e o protestantismo.48 A
Igreja também incentivou o maior proselitismo dos leigos com a ―Ação católica‖ e o
―movimento social católico‖49, além do forte apelo ao marianismo vigente,
dogmantizando a doutrina da Immaculada Conceição.50

47
MOURA, Daniella de Almeida. A república paraense em festa (1890-1911) - por outras
referências. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia), UFPA, Belém - PA, 2008. Nessa
dissertação de mestrado, a autora retrata a conjuntura da cidade no período da primeira república,
descrevendo a situação do novo regime político no país e logo delimitando sua análise ao estado do
Pará, especialmente à cidade de Belém, as festas cívicas, monumentos e mudanças de nomes de
ruas que ocorriam na cidade à época.
48
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Cesares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.290.
49
Ibidem, p.288.
50
Ibidem, p.290.
40

No Brasil, especificamente no Pará, a hegemonia católica permaneceu


vigente por meio de rearticulações, alianças políticas, mudanças em sua eclesiologia
e em seu discurso. A tese de Edgar da Silva Gomes revela o quando a Igreja
Católica se aliou a políticos, rearticulou suas bases, principalmente através das
dioceses implantadas em vários estados brasileiros e ganhando a ―forma
estadualizada que o episcopado havia planejado com o fim do império‖51.
Logo, ainda que com a separação entre a Igreja Católica e o Estado, há
aproximações entre autoridades civis e eclesiásticas, seja nas áreas federais ou
estaduais, como ações de colaboração mútua entre esses poderes. Lustosa destaca
a capacidade de mobilização da Igreja na primeira república, onde são barradas
políticas contrárias a ela, como os ―ideais socialistas do ministro Osvaldo Aranha‖ 52,
que consegue manter a sua liberdade para atividades religiosas e faz alianças com
autoridades civis a nível federal e estadual.53
Liliane Cavalcante Goudinho retrata que a criação de uma diocese na cidade
de Manaus, em 1892, auxiliou o fortalecimento da Igreja Católica no norte do país,
que antes apresentava como coordenação apenas a arquidiocese do Pará. Com
esse poder eclesiástico dividido, houve um fortalecimento do catolicismo do Norte,
onde a coordenação de evangelismos, pastoreamentos e investimentos de projetos
da Igreja se tornaram mais eficazes.54
O catolicismo que nos é apresentado nesse período é diverso, não só nas
práticas católicas presentes nos diferentes segmentos sociais de uma sociedade
hegemonicamente católica. Até mesmo entre a Igreja ligada à instituição havia uma
diversidade de ordens religiosas que se instauravam no país, com diferenças entre
si, mesmo mantendo sua diversidade católica. Liliane Cavalcante Goudinho relata
que na Amazônia, desde Manaus até Belém, havia diversas ordens religiosas.
Desde o fim do aviso imperial que proibia a entrada de novas ordens religiosas, nos
últimos anos do Império, o número de ordens foi crescente e muitas se
estabeleceram no século XX após a instauração do regime republicano. Também
como estratégia de fortalecimento do campo de influência da Igreja Católica, nas
51
GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: a estadualização diocesana na
Primeira República (1889-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, 2012, p.312.
52
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Os bispos do Brasil e a imprensa. São Paulo: Edições Loyola,
1983, p.37.
53
Ibidem, p.36.
54
GOUDINHO, Liliane Cavalcante. A palavra que vivifica e salva contra o mal da palavra que
mata: imprensa católica em Belém (1910-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2014, p.51.
41

primeiras décadas do séc. XX, já tínhamos Barnabitas, Jesuítas, Sagrada Família,


Agostinianos Recoletos, Franciscanos, Trinitários e tantos outros.55
Dentre essas diversas ordens que se estabeleceram na região, os
barnabitas merecem destaque, pois no início do séc. XX, ao chegarem em Belém,
passaram a organizar espaços e eventos importantes para o catolicismo paraense,
como a basílica de Nazaré, o Círio e a imprensa católica no Pará.
A Ordem Barnabita tem origem na Itália, no ano de 1502, com um jovem
médico chamado Antônio Maria Zaccaria, que, sendo inicialmente um médico leigo
católico, procurava propagar a fé católica em diversas cidades da Itália que julgava
serem ―fortemente contagiadas pelo paganismo e doutrinas contrárias ao homem‖56 .
Aos 26 anos se tornou sacerdote e no decorrer de seu ministério Antônio Zaccaria
―[...] salvou, com isso, sua terra natal do paganismo, impedindo ao mesmo tempo
que nela penetrasse a doutrina protestante, que surgia na época avassaladora,
como um vulcão em erupção‖57. Os sacerdotes que se reuniram em torno de Antônio
Maria Zaccaria em Milão, na Itália, diante de diversos nomes anteriores, foram
nomeados como ―os barnabitas‖ e se espalharam por diversos países, mantendo
sua ordem ao redor do mundo no decorrer dos séculos seguintes.
Os Barnabitas que chegaram a Belém no início do século XX foram expulsos
da França em após as ―Leis de separação‖ entre a Igreja e Estado na França. As
congregações procuravam resistir às políticas de laicização da sociedade Francesa
introduzidas pela terceira república a mando do ministro Émilie Combes, que nesse
período já havia expulsado cerca de vinte mil religiosos do país, onde os Barnabitas
estavam inclusos.58
Aqui no Brasil os barnabitas também encontraram um quadro de separação
entre Igreja e Estado ocorridas na proclamação da república.

Com as transformações políticas do Brasil a partir do advento


da República houve a separação entre igreja e estado, em
1890. A constituição de 1891 suprimiu o pagamento ao clero,
mas garantiu à Igreja liberdade e direito de propriedade. As
relações diplomáticas foram restabelecidas e a organização

55
GOUDINHO, Liliane Cavalcante. A palavra que vivifica e salva contra o mal da palavra que
mata: imprensa católica em Belém (1910-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2014, p.51.
56
MERCES, José. M. Ramos. Barnabitas no Brasil - 100 anos. Belém: Sociedade Brasileira de
Ação e Cultura (Província dos Barnabitas do Norte), 2003, p.20.
57
Ibidem, p.20.
58
Ibidem, p.20.
42

eclesial passou a depender diretamente de Roma. Foi então


que a hierarquia brasileira teve que lutar para refazer-se dos
prejuízos e o meio mais utilizado foi o favorecimento da
chegada das ordens religiosas [...] Tudo isso para evidenciar
que, também a vinda dos Barnabitas ao Brasil, embora
ocasionada por fatos contingentes - como descritos
anteriormente - não foi um acontecimento isolado. Foi acolhida
nesse contexto mais amplo de renovação pastoral promovida
pelo episcopado brasileiro, que para tanto incentivou a vinda
dessas congregações religiosas, para educação da juventude
e, sobretudo, para enfrentar a grande escassez do clero
secular.59

Notamos então que a iniciativa da Igreja Católica no Brasil de agregar aos


barnabitas em seu meio eclesiástico fazia parte desse período de renovação do
catolicismo diante de um novo quadro político e religioso de separação entre Igreja e
Estado. Os barnabitas, assim como outras diversas ordens, tiveram facilitações em
seu acesso para poder renovar o clero com menos custo, com objetivos que
acreditamos ir além da ―educação para a juventude‖ e enfrentamento da escassez
do clero secular, como retratados por Merces. Analisando de uma perspectiva mais
ampla, os Barnabitas, assim como outras ordens, eram um instrumento de
renovação do catolicismo para que ele se mantivesse hegemônico em uma
sociedade que havia perdido sua titulação de religião oficial do Estado.
Entre as diversas cidades brasileiras às quais os Barnabitas foram
chamados, como São Paulo e Recife, eles também foram para a Amazônia e
administraram setores muito significativos do catolicismo paraense e foram
responsáveis por evangelizações nos interiores do estado do Pará, dirigiram um
seminário católico na cidade de Bragança, onde além de ensinar sacerdotes
também se dedicaram ao ensino da população leiga. Em Belém, no ano de 1905, foi
―entregue a eles o mais importante santuário de devoção popular da Amazônia, o de
Nossa Senhora de Nazaré‖60, utilizada como uma estratégia do episcopado
brasileiro para controlar os principais centros de devoção do Brasil.

59
MERCES, José. M. Ramos. Barnabitas no Brasil - 100 anos. Belém: Sociedade Brasileira de Ação
e Cultura (Província dos Barnabitas do Norte), 2003, p.30.
60
MAUÉS, R. Heraldo. Padres, pajés, santos e festas: catolicismo popular e controle eclesiástico.
Belém: Cejup, 1995, p.63.
43

A intensão dos barnabitas era fazer uma reforma no santuário, mas que, na
prática, caracterizou o reestabelecimento de uma nova igreja. A ideia era a
construção de uma basílica com uma ornamentação que a caracterizasse como um
grande templo. A obra, que começou em 1909, durou 14 anos, sendo reconhecida
como a terceira Basílica do Brasil, em 1923.

Um estilo da nossa basílica é neo-clássico em suas linhas


gerais. Ela se apresenta com cinco naves, divididas em 36
colunas, de puro granito italiano. Possui 53 vitrais franceses da
casa Champignuelle de Paris, 65 ilustrações em mosaico
veneziado, 15 estátuas de mármore, 3 grandiosas portas de
bronze da firma Barigozzi de Milão – sendo que o maior pesa
duas toneladas, medindo 1,80m de diâmetro.61

Notamos a grandiosidade da ornamenetação da basílica, muitas vindas de


países europeus, como o granito italiano e os vitrais franceses além das portas de
bronze. Havia uma clara intensão de retratar a basílica como um monumento
suntuoso, grandioso. Pe. Afonso di Gigorio, o barnabita que é destacado como o
padre que dedicou tempo para as obras da Basílica de Nazaré nas primeiras
décadas do século XX, é retratado por Merces como aquele que "ornaria
dignamente o maior templo românico do Brasil", e que essa suntuosa ornamentação
era necessária pois estaria sendo feita para a "Mãe de Deus". A intensão dos
barnabitas parece ser a de edificar a basílica com a grandiosidade que julgam
merecer a virgem de Nazaré. Merces, retratando um biógrafo de Pe. Afonso,
descreve seu empenho: ―estudou-lhe a estrutura, examinou as possibilidades,
consultou os arquitetos e depois formulou o seu plano: cobri-la dos mais valiosos
mármores e das obras de artes mais preciosas‖62.

61
MERCES, José. M. Ramos. Barnabitas no Brasil - 100 anos. Belém: Sociedade Brasileira de Ação
e Cultura (Província dos Barnabitas do Norte), 2003, p.54.
62
Ibidem, p.52.
44

Figura 1 - Vista parcial da Basílica a partir do altar-mor.63

Figura 2 - Porta de bronze na entrada da Basílica.64

63
Interior da Basílica, colunas de granito de Baveno (Alpes). DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a
Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949.
64
Ibidem.
45

Observando a porta de bronze pode-se perceber mais uma característica da


Basílica. Diversas imagens também passaram a fazer parte de sua estrutura, e
muitas delas eram imagens de santos, algumas fabricadas na Europa, como a de
santa Terezinha, ou santa Inês. Também havia imagens de Jesus Cristo, a maior
parte delas mostrando sua morte. Uma imagem em específico chamou a atenção do
jornal "O Estado do Pará", em 1916, a imagem da Imaculada Conceição de Maria. O
jornal a descreveu assim:

[...] sugestiva e impressionante cerimônia do culto católico


realizada na Catedral, aquela manhã. Será benção de linda
imagem da Imaculada Conceição de Maria, adquirida em París,
pelo Cura da Sé, Padre Melibeu de Lima. É uma obra
primorosa trabalhada em CARTON PIERRE pelos inválidos da
atual guerra e mede 1 metro e 20 cmts de altura.65

Entre as diversas imagens que ornamentavam a basílica, percebemos um


trato e um destaque maior para as imagens marianas, seja através da própria
percepção de jornais da grande imprensa à imagem de Imaculada Conceição ou a
outras imagens de Nossa Senhora, feitas em mármore, pintadas ou esculpidas no
bronze, como pode-se ver na porta de entrada, figura acima.

65
O ESTADO DO PARÁ. Belém, 1916. Apud: DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora
de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949.
46

Figura 3 - ―Clássico tímpano da Basílica‖.66

Figura 4 - ―Precioso mosaico de abside‖.67


66
―Clássico tímpano da Basílica. A cruz central é coberta de mosaicos ouro. O frontal encerra o rico
mosaico da apoteose de Nossa Senhora, onde se veem representados todos os elementos étnicos
da Amazônia. Imagem de Nossa Senhora de Nazaré.‖ DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa
Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949.
67
―Precioso mosaico de abside, cuja cornija é um rico e majestoso arco com lindos estuques
dourados: representa a casa de Nazaré com a Sagrada Família.‖ Ibidem.
47

Figura 5 - ―Vista do altar-mor todo em mármore de Carrara‖.68

68
―Vista do altar-mor todo em mármore de Carrara. As colunas que regem a mesa são de vermelho
de Verona. No centro o sacrário, com sua porta de bronze, verdadeira obra-prima de buril da Casa
Bertarelli de Milão. No alto fazendo centro a uma grandiosa glória, a pequena e histórica imagem da
Virgem de Nazaré, donde partem lindos raios, do mais puro mármore de Carrara, engastados de
mosaico ouro.‖ DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro,
1949.
48

Figura 6 - ―A famosa Berlinda em que nossa Senhora de Nazaré, todos os anos,


durante o Círio, percorre as principais ruas de Belém.‖69

69
DUBOIS, Pe. Florencio. Devoção a Nossa Senhora de Nazareh. Rio de Janeiro, 1949.
49

A Ordem Barnabita percebeu a representatividade daquele espaço para os


paraenses, Merces retrata a construção da obra como uma valorização dos
barnabitas diante da fé católica paraense voltada à Nossa Senhora de Nazaré. Eles
tinham a consciência de que a Basílica de Nazaré seria o "centro do Círio",
conheciam a força da devoção mariana na cidade e procuraram fazer um
monumento "a altura" de toda essa religiosidade. A Basílica acabou sendo um
elemento a mais para a construção de todo um imaginário religioso paraense voltado
para a devoção à Virgem de Nazaré.
Todavia, gostaríamos de analisar tal acontecimento para além da narrativa,
muitas vezes heroizada por José M. Ramos Mercês na revista ―Barnabitas no Brasil:
100 anos‖ com relação às ações dos barnabitas no estado. Independentemente da
boa vontade dos barnabitas, acreditamos que a construção da basílica também fazia
parte do processo de reestruturação do catolicismo na República, na qual as ordens
procuravam renovar espaços simbólicos da fé católica brasileira para consolidar sua
hegemonia presente na cidade. Especialmente em um período em que o estado
republicano também construía seus monumentos simbolizando seus ideais, fazendo
muitas vezes o catolicismo perder espaço na simbologia republicana.
Como exemplo, já citamos a Praça da República, anteriormente chamada
―Dom Pedro II‖, que se modificou poucos anos após a proclamação da república, e
que se tornou um dos mais importantes pontos de circulação da cidade, reunindo em
suas imediações grandes teatros reconhecidos pelo mundo todo, como o Teatro da
Paz. Para dignificar ainda mais este espaço, em 1897 foi construído o ―mais
expressivo conjunto escultórico construído no Brasil em homenagem à república‖ 70.
O monumento à república. Tendo a Marianne como o principal destaque, sua figura
foi esculpida no alto de uma coluna de 22 metros de altura, a construção desse
monumento foi incentivada pelo governador Justo Chermont. Ela era retratada como
a própria representação da República. A escultura compreende uma mulher
imponente, em pose de luta, segurando uma espada, mostrando como a República
lutava contra seus inimigos, ―remete a uma ideia de movimento, de marcha
aguerrida, a República realizava-se como vontade, determinação e imperativo,
conceitos reunidos na condição de discurso‖71. O conceito de república deveria ser

70
COELHO, Geraldo Martires. No coração do povo: o monumento à República em Belém - 1891-
1897. Belém: Paka Tatu, 2002, p.64.
71
Ibidem, p.138.
50

reconhecido nela, e assim como as festas civis instauradas, os desfiles, as


mudanças de nomes de praças e de ruas, Marianne também era um símbolo desse
―novo tempo‖ que representava o período republicano, uma república que

[...] chamava o cidadão a integrar-se ao universo dos signos


que redefiniam os parâmetros de sua lealdade à república, ao
mesmo tempo que universalizava os grandes emblemas - a
começar, é claro, por Marianne - pelos quais o cidadão
reconhecia a república e se reconhecia nela. Havia, portanto,
uma nítida preocupação em formar uma alma republicana a
habitar o corpo social, de modo que a República imperasse
sobre todos os pensamentos e sobre todas as vontades, no
que seria o substrato ético da consciência republicana. Esses
processos simbólicos, de grande eficiência ideológica, já eram
desenvolvidos na França, nos primórdios da terceira
república.72

A figura feminina, desde as repúblicas francesas, até mesmo as instauradas


no Brasil, era retratada como o principal simbolismo, contrastando com o símbolo
monárquico do masculino como a principal figura de autoridade.73 Dentre as diversas
figuras femininas, a simbologia da Marianne como uma mulher revolucionária
representante do período republicano, quando utilizada sempre foi acompanhada de
grupos antirrepublicanos que utilizavam a figura de Maria como um símbolo feminino
que rivalizava com Marianne. Seja na França ou no Brasil, os republicanos sempre
precisaram conviver com algum símbolo de uma devoção mariana hegemônica
desde o período imperial. José Murilo de Carvalho nos mostra Nossa Senhora
Aparecida sendo utilizada como ―arma antirrepublicana‖ ao ser ―coroada como
rainha da nação em 1904‖74. Essa competição simbólica de uma representação
feminina do novo regime se perpetuou até 1930 com a declaração de Pio IX
consagrando Nossa Senhora de Aparecida padroeira do Brasil.75

72
COELHO, Geraldo Martires. No coração do povo: o monumento à República em Belém - 1891-
1897. Belém: Paka Tatu, 2002, p.132.
73
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.75.
74
Ibidem, p.93.
75
Ibidem, p.94.
51

Ao analisarmos esses dois grandes monumentos construídos em Belém, o


Monumento à República e a Basílica de Nazaré, é interessante perceber que diante
de uma cidade com uma crença tão fervorosa à figura mariana como a Nazaré,
houve um aproveitamento de todo esse imaginário para se criar esculpir uma
Marianne em um dos maiores monumentos do país. Seria a basílica uma tentativa
direta de contraponto a diversos monumentos como este? Para melhor entendermos
essa perspectiva, precisamos refletir sobre o conceito de ―monumento‖.
Segundo Françoise Choay, um monumento é ―aquilo que traz a lembrança
de algo‖, algo edificado por uma comunidade de indivíduos para fazer com que as
pessoas pertencentes àquela sociedade rememorem acontecimentos, sacrifícios,
ritos ou crenças. A intenção do monumento é invocar um discurso, construir um
passado e contribuir para o desenvolvimento de uma ―identidade de uma
comunidade étnica, religiosa, nacional tribal ou familiar‖.76
Jaques Le Goff avança um pouco mais nessa perspectiva e acrescenta algo
que conversa ainda melhor com as fontes que temos. O autor afirma que devemos
refletir o monumento de forma crítica, como um documento histórico construído,
―produto de um centro de poder, deve ser estudado em uma perspectiva econômica,
social, política, cultural, espiritual, mas, sobretudo, como instrumento de poder”, este
não é ―qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade
que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder‖.77
Construções como a da Basílica de Nazaré ou o Monumento à República possuem
essa intencionalidade. Construir para a região uma identidade, na qual as pessoas
se identifiquem e se reconheçam naquele monumento ali construído. Notamos uma
batalha identitária de grupos sociais poderosos na cidade, do clero católico a grupos
intelectuais e políticos republicanos que procuravam passar por meio desses
monumentos suas próprias visões de mundo e perspectivas sociais, procurando
construir na cidade suas mentalidades sociais.
Notamos que o início da construção da basílica se deu justamente em um
período muito próximo à reação da igreja brasileira diante do simbolismo feminino
republicano. A ordem Barnabita conhecia bem esse embate simbólico, pois veio
expulsa da própria nação, onde estava sendo travada uma verdadeira disputa

76
CHOAY, Françoise. Alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade; Editora UNESP,
2001, p.18.
77
LE GOFF, Jaques. História e Memória. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1994.
52

simbólica entre Estado e Igreja através da construção de monumentos. Tanto a


ordem barnabita quanto o Estado sabiam da importância do monumento na
formação da mentalidade de uma sociedade. Ainda que não fosse de forma tão
direta, é possível notar o quanto os monumentos eram utilizados na república
brasileira, tanto pelo Estado quanto pela Igreja, como um capital simbólico para se
legitimar discursos e imaginários sociais em um período onde ambos procuravam
―formar as almas de cidadãos‖ com representações muitas vezes conflitantes entre
si na história do período republicano ocidental, como as figuras femininas de Maria e
Marianne.

Figura 7 - ―Monumento à República‖ em Belém, ao lado do Teatro da Paz.78

78
COELHO, Geraldo Martires. No coração do povo: o monumento à República em Belém - 1891-
1897. Belém: Paka Tatu, 2002.
53

Figura 8 - Basílica ainda em construção, 1920.79

Figura 9 - Solenidade do início da construção da Basílica de Nazaré, em 1909.80

79
COELHO, Geraldo Martires. No coração do povo: o monumento à República em Belém - 1891-
1897. Belém: Paka Tatu, 2002.
80
Ibidem.
54

1.3 ―A PALAVRA‖: A IMPRENSA COMO INSTRUMENTO DE HEGEMONIA

Como dito acima, a imprensa católica no Pará se fez presente do século XIX
ao início do XX. Os meios de comunicação de massa, no geral, faziam parte dessas
diversas mudanças ocorridas na urbe. O maior nível de instrução das pessoas nas
áreas urbanas e o consequente aumento ao acesso aos conteúdos publicados
contribuíram para a elevação das tiragens.
Heloísa Cruz em seus estudos sobre a imprensa em São Paulo no final do
século XIX e início do XX nos diz o quanto a imprensa, além de crescer em
publicações, também se diversifica, ―chegando ao público através de um grande
número de publicações das mais variadas modalidades; através da expansão de
suas tiragens, acompanham o salto populacional da cidade‖. Ainda, segundo essa
autora, a imprensa foi, nesse período, um fator importante no letramento da
população.
Belém também se mostrou um território urbano em crescimento no estado
do Pará, e ali notamos uma maior variedade de tipos de imprensa. No século XX
havia uma alta circulação de jornais e revistas na cidade de Belém, desde o jornal
informativo ―Folha do Norte‖, que circulava desde o final do século XIX, até revistas
que passaram a ser publicadas nesse período. Entre elas, as mais populares e
duradouras eram ―A Semana‖ e ―Belém nova‖, que na década de 1920 eram
publicadas quinzenalmente e até semanalmente. A revista ―A Semana‖ continuou a
ser publicada na década de 1930, mas não era a única revista em circulação na
cidade, havia outras, como ―Terra Imatura‖ e ―Pará Ilustrado‖. Encontramos muitos
exemplares delas nos acervos do Pará. Assim percebemos tanto uma similaridade
desse fenômeno do crescimento urbano em Belém como uma maior propagação da
imprensa, que junto ao cinema, rádio e outros meios de comunicação, propagavam
e construíam valores, hábitos e comportamentos urbanos. A imprensa serve como
um elemento de propagação desses ideais de cidade, que se articula com as
transformações no meio urbano como nos relata Heloísa Faria Cruz.

A cidade intromete-se na imprensa. O crescimento da cidade, a


diversificação das atividades econômicas, a ampliação do
mercado e o desenvolvimento da vida mundana são
incorporados às formas e conteúdos dessas publicações.
Através de novas temáticas, personagens e linguagens, o
55

processo social que transforma a cidade passa também a


configurar as publicações.81

Desde o século XIX, percebemos veículos da imprensa católica circulando


no estado, como ―A boa nova‖. Tratava-se de um recurso da modernidade do qual a
Igreja se apropriou para propagar seus ideais. No século XX, com esse boom da
imprensa acontecendo em Belém, a imprensa católica também se reestrutura e se
torna uma importante difusora da fé católica, seus posicionamentos religiosos e
políticos, que também terá um considerável espaço na grande imprensa, com
diversos artigos em jornais como ―Folha do Norte‖; eram artigos escritos por padres,
propagandas de batismos, informes sobre missas e rituais como o Círio de Nazaré,
todas informações que eram constantemente propagadas e propagandeadas pelos
jornais. Dessas novas formas de estrutura na tentativa do catolicismo de manter seu
poder hegemônico, a imprensa se revelou um importante instrumento. Veículos de
imprensa predominantemente católicos existiam desde o período imperial, porém no
período republicano notamos uma nova rearticulação da imprensa católica no país,
em que pequenos periódicos eram ajudados por organizações como o ―centro‖ e as
várias dioceses espalhadas pelo país.82
É destaque dentre os veículos de imprensa que circulavam em Belém no
período, o jornal católico ―A Palavra‖, que circulou na cidade no período entre 1914 a
1945. Era um jornal confessional que objetivava promover e consolidar a fé católica
aos seus leitores. Os padres que escreviam nele constantemente abordavam
notícias e davam opiniões sobre a sociedade atual sob uma ótica católica. Falava-se
de casamento, opções de lazer, trabalho, atualidades da Igreja Católica,
acontecimentos internacionais e opiniões sobre ideais e religiões não católicas. A
partir da abordagem desses temas, o jornal sugeriria que a moral católica deveria
ser o norteador comportamental dos seus leitores.
O jornal era publicado semanalmente na cidade, e também passou a ser
administrado pela Ordem Barnabita, tendo como um dos principais articulistas e
editor-chefe, por alguns anos, o Padre Florêncio Dubois, e como redator-chefe o

81
CRUZ, Heloísa. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana - 1890-1915. São Paulo:
Educ/ Fapesp/ Imprensa Oficial/ Arquivo do Estado, 2000.
82
Dentre os trabalhos que retratam a rearticulação da imprensa católica no Brasil república, destaca-
se a tese de Liliane Cavalcante Goudinho sobre imprensa católica no Pará, já abordada neste
capítulo. GOUDINHO, Liliane Cavalcante. A palavra que vivifica e salva contra o mal da palavra
que mata: imprensa católica em Belém (1910-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São
Paulo, 2014.
56

doutor Paulino de Almeida Brito. O livro ―Barnabitas no Brasil - 100 anos‖ mostra Pe.
Florence Dubois como um comunicador, formado em retórica pela Sorbonne de
Paris aos 19 anos, e que veio a Belém junto com a Ordem Barnabita chegando ao
Pará em 1905. O padre é retratado como dono de ―uma invejável cultura‖, e assim
foi se tornando a liderança católica que melhor conseguia se articular como um
comunicador, conseguindo ser editor-chefe do jornal ―A Palavra‖ e ganhando espaço
no jornal da grande imprensa local, o ―Folha do Norte‖.
Padre Dubois era um padre barnabita famoso por sua defesa ferrenha à fé
católica, característica que se revelava nitidamente em seus artigos publicados na
maior parte das edições recolhidas do jornal ―A Palavra‖, e que ocupavam sempre a
primeira página. Os temas recorrentes dessas matérias refletiam as temáticas
frequentes do jornal: críticas ao comunismo, ao espiritismo, regras de usos e
costumes e ataques ao protestantismo. Periodicamente havia matérias em que o
comunismo era a temática central, cujos argumentos desqualificavam tanto a
ideologia quanto os países que se declaravam comunistas, especialmente a Rússia,
como nesta matéria, intitulada ―Comunismo‖.

Por todo canto, e a proposito de tudo, deve-se falar nas


doutrinas em que Lenin prostituiu a desventurada Russia. Na
Russia Bolchevista anno passado morreram de innanição mais
de 200 mil pessoas. Tivessemos nós no Brasil o communismo,
o que seria dessa terra de santa cruz? A Russia, país europeu,
dos maiores e mais ricos; celebre em diversos aspectos da
sciencia e dos astros, a que está hoje reduzida? A um chão de
desordem, a anarchia, à infelicidade. Para ser soberana nos
seus desatinos e nos seus absurdos, insurgiu-se contra o
catolicismo porque neste via a voz de um inimigo impiedoso. A
egreja de Deus, na Russia ou no Brasil, nos confins da África
ou entre as ilhas longínquas da Oceania é sempre a mesma, a
sentinela fiel a guardar o arsenal bemdito das reservas Moraes
da humanidade. Deus nos livre de um país communista –
supremo anseio dos vadios e dos idealistas que desejam vida
commoda e descansada... a custa dos que trabalham.83

Notamos que os textos sobre o comunismo passaram a ser maiores e


publicados com maior frequência no jornal a partir de 1938, mas, como podemos
notar nessa matéria, essa era uma temática que já havia aparecido no jornal
anteriormente, sempre apresentada de um ponto de vista negativo. Nessa matéria
em específico, nos é mostrado os males que a Rússia está passando após a

83
A PALAVRA. ―Comunismo‖. Belém, 1931.
57

revolução bolchevique de Vladmir Lenin. A matéria denuncia 200 mil mortos de


fome, lamentando um país que, antes de Lenin, era um dos mais ricos, e que havia
sido reduzido a ―um chão de desordem, anarquia e infelicidade‖. O interessante é
que logo após titular a Rússia comunista como uma terra anárquica, desordenada e
caótica, a matéria denuncia também a perseguição que o regime comunista russo
faz contra a própria Igreja Católica, visto que ela aparentemente era uma ―voz‖
contrária ao comunismo nessa nação.
Nota-se o jornal declarando o catolicismo como sendo uma fé globalizada e
fiel aos seus princípios, se mantendo reta em suas crenças nos vários países que
faz figura soberana, como Rússia, Brasil e na Oceania. Para além disso, a Igreja é
descrita de maneira edificante e austera, como a ―sentinela fiel a guardar o arsenal
bemdito das reservas Moraes da humanidade‖. Sob essa visão a Igreja seria uma
instituição com a missão de conservar e proteger a boa moral existente em todo o
mundo. Vale observar que ela precisa ser uma sentinela fiel e protetora do mundo é
porque há inimigos que querem destruir essa moral por toda a face da Terra, e esse
inimigo é apontado nas entrelinhas como sendo o comunismo, o que se contrapõe à
Igreja no mundo, levando a pobreza aonde havia riqueza, levando a desordem
aonde havia a ordem, e perseguindo assim a Igreja Católica, responsável essa por
resistir fiel e impavidamente a essa ameaça, e, como um guardião incansável,
resguardar o mundo inteiro dela.
Se analisarmos a relação entre os regimes comunistas e as instituições
cristãs pelo mundo, veremos que foi formada por alguns diálogos e muitos conflitos.
Inspirados pelos socialistas utópicos e científicos, donos de ideais revolucionários
semelhantes aos da Revolução Francesa. Um regime como o de Lenin, na Rússia,
também se tornou hostil à monarquia vigente no período, tomando o poder por meio
de uma revolução armada. O catolicismo enquanto religião e grande influenciador da
cosmovisão do povo russo, também possuía ideais que conflitavam com a ideologia
de Lenin.84 Segundo Catroga, regimes socialistas e comunistas, assim como

84
Lenin considerava que: ―A religião é uma das formas de opressão espiritual que pesa em toda a
parte sobre as massas populares, esmagadas pelo seu perpétuo trabalho para outros, pela miséria e
pelo isolamento.‖ Apud: NOVA CULTURA. Lenin: "Socialismo e Religião". 21/05/2018. Disponível em:
<https://www.novacultura.info/single-post/2018/02/18/Lenin-Socialismo-e-Religiao>. No livro de Albert
Galter, ―O livro vermelho da igreja perseguida‖, vê-se de forma pormenorizada as tensões entre o
estado russo após a revolução comunista e a Igreja Católica ali presente. Desde uma desconstrução
simbólica a prisões e mortes de lideranças católicas, o que nos faz entender um pouco sobre as
constantes críticas do catolicismo ao regime comunista russo. GALTER, Albert. O livro vermelho da
igreja perseguida. Petrópolis, RJ: Vozes, 1953.
58

nazistas, fascistas, e outros regimes totalitários característicos do século XX,


também procuram, a semelhança do que ocorreu na França, a separação entre
Igreja e Estado, sendo este último o novo representante do ―Deus-providência‖,
substituindo o Deus cristão. No comunismo haveria ainda a intensão de ―formar as
almas‖ das sociedades em que o sistema se instaurava.85 Os comunistas que
existem no Brasil também são desqualificados pela matéria, mas ao contrário dos
que estão no poder na Rússia, os nossos são retratados como ―vadios e idealistas
de vida cômoda‖.
Apesar da desqualificação com os comunistas brasileiros estar presente, as
palavras utilizadas são menos duras se comparadas às descrições feitas do
comunismo francês, para além de até mesmo uma certa obviedade analítica, já que
o Brasil passava longe de ser um regime comunista, pois os comunistas por aqui
eram um grupo minoritário, concentrado nas universidades, em alguns cargos
políticos e em nichos do operariado. Mesmo sua força política sendo pequena no
país, havia uma preocupação do jornal em desqualificá-los e descrevê-los de forma
pejorativa.
Desde a história do comunismo europeu, os conflitos com o cristianismo
eram constantes, mas para além desse fato havia uma preocupação do clero em
alimentar um embate retórico com grupos sociais acatólicos e até mesmo
anticatólicos, a maioria pertencente a uma parcela da população composta por
pessoas economicamente abastadas e letradas, vindas de boas escolas e
universidades, segmentos que muitos dos comunistas brasileiros também faziam
parte.
Uma outra parcela minoritária da população, que o jornal constantemente
retratava, eram os espíritas. Para eles o jornal dava maior destaque que ao grupo
anterior, com matérias maiores e mais frequentes, utilizando letras garrafais nos
títulos. A maior parte dessas matérias refutavam as doutrinas espíritas, como
exemplo da matéria ―O espiritismo‖, com trecho a seguir:

Sem dúvida, podemos afirmar com o código penal numa das


mãos e a medicina na outra, que as práticas de espiritismo
levam os seus adeptos aos mais criminosos excessos e os
fazem enlouquecer, reduzindo-os a barbaria das antigas
religiões pagãs, arrastando após um cortejo de males psysicos
85
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Césares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.268.
59

e moraes [...] Fazemos nossas as palavras do presidente da


Academia Brasileira de Letras, o conde dr Carlos de Laet: ―O
simples facto de assistir uma secção espirita, é um
requerimento de entrada em um hospício de alienados‖
Continua o nosso príncipe do jornalismo brasileiro ―das
entradas de manicômios e de xadrez policiaes‖ [...] o Dr Juliano
Moreira, director do hospício nacional desta capital affirma:
Tenho visto muitos casos de perturbações mentaes e nervosas
evidentemente despertadas por sessões espíritas‖ o dr Franco
da Rocha, director do hospício de alienados de Juquery, do
Estado de S. Paulo também é de opinião <que são
frequentíssimos os exemplos de pessoas, sobretudo moças,
anteriormente sãs, que se tornaram hysterico-epyleticas em
consequência de terem tomado parte nas scenas de evocação
de espíritos em sessões espíritas. O dr homem de melo,
director da casa da saúde, do mesmo nome, de S. Paulo,
escreve. <o espiritismo concorre para o formento dos nossos
hospícios e casas de saúde, acho tão forte o seu contingente
que a lei deve tolher-lhe a marcha [...]86

Eis o espiritismo sendo desqualificado por esse jornal alicerçado em


argumentos da área médica e penal, acusando a prática de enlouquecer seus
adeptos. O jornal reforça o embasamento trazendo falas de médicos com altos
cargos tanto no estado do Pará, como em São Paulo e Rio de Janeiro, além das
palavras do próprio presidente da Academia Brasileira de Letras. O embate do jornal
com relação ao espiritismo não se mostrava apenas na opinião do escritor da
matéria, mas buscava respaldo em grandes nomes da área médica e acadêmica do
país, fazendo com que a desqualificação do espiritismo, mostrado como uma crença
perigosa, fosse além do campo religioso, sendo também um problema de saúde.
Além da tentativa de legitimação do argumento baseado na medicina e nas
reflexões acadêmicas, somava-se um discurso de criminalização do espiritismo,
como notamos no trecho a seguir:

O código penal nos seus artigos 157 e 158 prohibe


terminantemente as práticas espíritas sob pena de prisão
cellular e multa. Perguntamos agora, se as autoridades às
quaes compete a observância dessa lei, cumprem o seu dever,
negligenciando o combate ao espiritismo, tolerando as
escancaras, escandalosamente, o funcionamento público
dessas associações, antros do inferno, onde os cidadãos vão
procurar a ruina mental. Será patriótico cooperar permitindo o
que o código prohibe? Não devem os poderes públicos, obstar
por todos os meios (sic) tão calamitoso mal? Esse
indiferentismo por parte das autoridades é um criminoso

86
A PALAVRA. ―O espiritismo‖. Belém, 09/07/1922.
60

atentado e um desrespeito as leis, ao bem público e ao mais


rudimentar sentimento de patriotismo. [...] Os poderes públicos
estudem as consequências funestíssimas do espiritismo e
organizem uma cruzada para combate-lo, como se está
combatendo a syphilis e assim secundará a acção da egreja
católica contra esse vírus corrosivo que infesta a sociedade!
Olavo Bilac reputava o espiritismo mais nocivo que a síphilis.87

Após mostrar, através de argumentos da medicina, os danos que o


espiritismo causa às pessoas, o jornal agora apresenta, à luz do código penal, que a
prática do espiritismo é ilegal e desafia constantemente as autoridades legais a
combatê-lo.
Mesmo com a separação entre Igreja Católica e Estado na primeira
república, o código penal criminalizava algumas práticas que eram condenadas pelo
catolicismo. O artigo 157 do código penal brasileiro, citado pela matéria, diz que:

Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de


talismãs, e cartomancias para despertar sentimentos de ódio
ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis,
enfim para fascinar, e subjulgar a credulidade pública, penas
de prisão celular por um a seis meses e multa de 100$ a
500$.88

Nota-se o quanto no Brasil na primeira república, mesmo com a separação


oficial da Igreja e do Estado, ainda se elaboram leis que criminalizam algumas
religiões acatólicas, revelando assim a manutenção de uma hegemonia católica no
corpo jurídico do país. Contudo, apesar dessa criminalização, o apelo da matéria
nos dá a entender que as autoridades não estavam cumprindo o seu papel de
combate ao espiritismo, mesmo com a lei proibindo essa prática. Nota-se que a
matéria direciona seu discurso não apenas para os católicos nominais, mas para as
autoridades públicas, mostrando dados e argumentações que revelam o quão
danoso é o espiritismo para a população brasileira, apresentando argumentações de
Olavo Bilac, elevando o espiritismo a um mal ―mais perigoso que a syfilis‖ e pedindo
para os ―poderes públicos‖ estudarem as ―consequências funestíssimas do
espiritismo‖ e ―organizarem uma cruzada para combate-lo‖.

87
A PALAVRA. ―O espiritismo‖. Belém, 09/07/1922.
88
BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Codigo Penal. Rio de Janeiro, 11
de outubro de 1890. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-
847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html>.
61

É interessante notar na narrativa do texto que o discurso de desqualificação


do espiritismo tem a intenção de criminalizá-lo, persuadindo não apenas os
católicos, mas as autoridades públicas a punirem os espíritas. Para continuar a
combater diversos grupos sociais que a Igreja não concordava no início do Brasil
República, a Igreja Católica se utilizará de leis remanescentes ainda do Brasil
Império, nas quais religiões acatólicas eram punidas por lei. Todavia, para além da
lei, há a construção de um discurso veiculado pela imprensa no qual o catolicismo
era a religião verdadeira, e precisava, junto ao Estado e a sociedade brasileira,
combater as religiões acatólicas que seriam ilegais, patológicas e até demoníacas.
Será que toda essa persuasão às autoridades pela imprensa católica não
seria um apelo que, agora, ela precisaria levar ao Estado para que ele efetivasse
seus desejos? Seria uma demonstração de perda de poder da Igreja ao ter que fazer
apelos para a aparente falta de interesse do Estado em punir o espiritismo? Ou na
verdade seria algo além, uma renovação da Igreja que já procurava mostrar por
meio da imprensa e de outros meios, usando o novo cenário político de separação
entre Igreja e Estado, manter sua hegemonia através de discursos e representações
em que algumas religiões acatólicas, marginalizadas pelo Código Civil, tinham a
Igreja Católica como uma instituição que as fiscalizava e também as desconstruía?
Percebemos a imprensa católica como um instrumento de desconstrução do
grupo social ou religioso antagônico à Igreja Católica, a imprensa se mostra como
um outro instrumento utilizado pela Igreja para a consolidação de sua hegemonia,
tanto por seus fiéis como por toda a sociedade brasileira.
Além disso, por mais que a separação entre Igreja e Estado tenha ocorrido
no aspecto jurídico, na prática toda a estrutura estatal estava atrelada à mentalidade
social do povo, que em sua maioria vinha fortemente influenciado pelo catolicismo.
Independentemente da influência positivista ou de inspirações na realidade das
repúblicas francesas, aqui a estrutura de estado republicano se atrelou
constantemente à cosmovisão católica que permeava a nação brasileira.
O que também se pode notar nessa matéria sobre o espiritismo é uma
tendência de discurso similar ao que se vê em outras: apontar o chamado
―patriotismo‖ como um possível ideal que promovia um contraponto com o
pensamento católico. Essa ideia é sutilmente abordada na frase ―Será patriótico
cooperar permitindo o que o código prohibe?‖. Essa pergunta retórica pode nos
62

indicar uma possível contrariedade, onde certos ―patriotas‖ estavam defendendo


uma liberdade do espiritismo condenável, tanto pela lei quanto pela Igreja Católica.
Essa ideia de ―patriotismo‖ também será retratada outra vez pelo jornal em
matérias como ―Patriotismo e religião‖ e ―Catholicismo e patriotismo‖. Nas duas
últimas matérias, não percebemos o ataque direto à ideia de patriotismo, mas alguns
outros ideais que podem estar vinculados a eles:

A heresia do livre exame, seguida fatalmente dos erros do


philosophismo e do liberalismo. Da revolução Francesa e do
maçonismo que fomentou todos os erros e revoltas.
Conspiraram contra a Egreja Catholica e expeliram-na da
política quase geralmente. Uma época de industrialismo
inaldito favoreceu a conspiração iludindo os povos,
membriando-nos no progresso puramente material. Veiu porém
a catástrophe da guerra universal abrir os olhos a todos,
demonstrando a necessidade de voltar ao ideal chistão, e
clamar como o apóstolo na tempestade ―senhor, salvamos
todos senão perecemos todos.89

Esse texto, retirado do órgão católico do Rio de Janeiro ―A União‖,


semelhantemente a abordagem feita ao comunismo, mostra a função da Igreja
Católica a nível global. Segundo a matéria, ideais como o liberalismo,
acontecimentos como a Revolução Francesa e grupos como a maçonaria, se
mostraram contrários à na política, tendo como consequência ―guerras universais‖
presentes no mundo, provavelmente remetendo a fatos como a I Guerra Mundial.
Após isso, o mundo percebeu a ―necessidade de voltar ao ideal Chistão‖, e, no
decorrer da matéria, o autor citará a volta de clérigos a cargos políticos em diversos
países da Europa e da América.
A matéria não fala especificamente do Brasil, porém continua a construir a
ideia da Igreja Católica como uma instituição que mantém a ordem social e se faz
necessária na política, pois fora dela as sociedades entram em catástrofe. Assim, a
Igreja Católica defende a sua permanência no Estado, mostrando as consequências
de regimes que propõem sua exclusão.
Patriotismo é um outro ideal, mas não chega a ser nem abordado pelo jornal.
A palavra ―patriotismo‖ só aparece em títulos, como na matéria ―Patriotismo e
religião‖, que aparentemente não aprofunda o conceito de patriotismo, mas mostra o
quanto há uma apropriação dessa ideia pelo jornal, vinculando o patriotismo ao

89
A PALAVRA. ―Catholicismo e patriotismo‖. Belém, 1921.
63

catolicismo e não a liberais, filósofos não católicos, comunistas, maçons ou


protestantes, estes últimos por sinal os mais citados em ―Patriotismo e religião‖,
conforme a seguir.

Este é que deveria ser o título da matéria e não ―Nacionalismo


clerical‖ em que o padre Victor vem dar a mão ao pastor Alvaro
Dias na obra impatriótica e destruidora de fazer esse nosso
Brazil, já tão trabalhado de ideias subversivas e anarchicas,
uma espécie de Egypto ou Tunisia sob protectorado dos...
norte americanos. [...] Agora sim, parece que a providencia na
sua sabedoria quis mostrar-nos até que ponto é perigoso o
nosso indiferentismo, o pouco caso em que vivemos da religião
dos nossos maiores, a como casam, agora e sempre, no
passado e no futuro, religião e pátria.90

A ideia de patriotismo é agregada pelo jornal, mas desde que ande junto
com a ―religião‖, no caso, a católica. Voltaremos a essa matéria em outros
momentos da pesquisa, mas no trecho em questão notamos que existe um eco
social ao discurso que o jornal constantemente traz: há um patriotismo benéfico e
um maléfico à sociedade brasileira. O patriotismo benéfico é aquele que anda lado a
lado com a religião católica, reconhecendo-a como a religião nacional. O patriotismo
pode causar danos à sociedade brasileira se for formado tendo como embasamento
quaisquer religiões ou grupos sociais acatólicos, como maçons, espíritas, liberais,
filosofias não católicas e protestantes.
Mesmo com esses diversos ―inimigos‖ da Igreja, dos temas mais citados
pelo jornal ―A Palavra‖, o protestantismo foi o assunto mais combatido nos mais de
30 anos da publicação. Desde 1918, havia citações no jornal falando que ―a egreja
protestante é devorada dentro de si mesma [...] não possue nem vontade, nem
organização, o que a torna absolutamente incapaz de toda ação importante‖.
Muitas vezes, matérias contra o protestantismo eram escritas logo na
primeira página do jornal, em títulos garrafais e feitos pelo próprio Padre Dubois. No
ano de 1921, o padre publicou um livro chamado ―O biblismo‖, que se tornou
conhecido pelo país inteiro, no qual ele publicou alguns veiculados no ―A Palavra‖.
Tais artigos teológicos refutavam sistematicamente o protestantismo, desde seu
início em Lutero até aquela data.

90
A PALAVRA. ―Patriotismo e religião‖. Belém, 14/04/1921.
64

Dubois já inicia o livro dizendo que ―não procurem esse livro aqueles que
vão atraes de uma linguagem acadêmica. Escrito popularmente, cheio de
vulgarismos, embora encerre uma documentação séria‖91. Dubois mantém uma
linguagem mais acessível, direcionando o livro ―ao povo, o clero e ajude a algum
protestante‖92. Há um interesse no livro de instruir o povo com relação ao
protestantismo, ajudar ao próprio clero nessa instrução e também fazer com que
algum protestante perceba o seu possível erro de aderir ao protestantismo e voltar
para a verdadeira igreja, a católica.
Chamada de ―biblismo‖, ―bibliolatria‖ ou ―seitas biblistas‖, geralmente termos
jocosos que procuravam desqualificar a fé protestante, retratando-a como falsa,
herética, como uma seita que se afastou da verdadeira igreja desde os tempos da
Reforma. Dubois se utilizava desses termos para adjetivar pejorativamente os
protestantes ao longo de sua obra, criticando as práticas e comparando-as com o
islamismo e o hinduísmo, principalmente para mostrar a similaridade daquela que
seria a principal característica comum entre elas, refutada por padres como Dubois,
a utilização da Bíblia (no caso das religiões citadas, os seus livros sagrados Alcorão,
os escritos de Confúcio as leis de Manú dos Vedas, respectivamente) como principal
fonte de fé e prática religiosa.

A bibliolatria é o centro, o eixo da Reforma. O delírio


escripturario dos luteranos hombrea com o fetichismo dos
muçulmanos pelo Alcorão, com o apego dos chineses pelos
livros de Confucio, e com a idolatria dos Hindus pelas leis de
Manú e dos Vedas. ―todas as seitas‖ por acanhada que seja a
sua esphera de vida particular e por mesquinha que seja a sua
mutilação do chistianismo, asseveram ter por fonte e norma de
doutrina a bíblia e só a bíblia.93

Nas publicações da década de 1930 se percebe uma maior preocupação


com o protestantismo, provavelmente por já ter crescido ainda mais e se
consolidado na cidade. O jornal retomava o assunto por diversas vezes, criticando
os católicos e até mesmo padres que aderiam a essa nova fé. Como exemplo temos
a matéria ―podem ficar com eles‖, publicada em 1938 pelo padre Dubois; a matéria
versava sobre padres que estariam aderindo à ―bibliancia‖, dizendo que ―o povo tem

91
DUBOIS, Pe. Florencio. O Biblismo. Rio de Janeiro, 1921, p.7.
92
Ibidem.
93
Ibidem, p.16.
65

nojo dos Iscariotes, mas a pastorada lambe-se por eles‖ e como os protestantes
usavam esse fato para argumentar a fé católica.
Também havia ataques diretos às lideranças protestantes de diversas
denominações na cidade, nomes como o pastor metodista Justus Nelson, o pastor
presbiteriano Antônio Teixeira Gueiros ou os ―pregadores da João Balby‖, referência
àqueles pregadores batistas que eram citados algumas vezes no jornal.
O embate entre católicos e protestantes ocorria em todo o país,
principalmente após a instauração do estado laico e, com isso, a perda da Igreja
Católica de sua posição como religião oficial, e que precisou se reestruturar para
manter consolidada sua estrutura religiosa, tentando fazer articulações políticas e
institucionais para se ligar ao novo regime e manter a sua hegemonia no país.
Gomes também destaca que se aumentaram as chances de propagação de outras
religiões e ideias de pensamento discordantes do catolicismo.

[...] o catolicismo tentou combater seus inimigos imaginários,


ou seja, com o complexo de exclusivismo e baluarte da moral e
bons costumes da sociedade ocidental, o catolicismo nunca
conseguiu conviver pacificamente com outras expressões
religiosas ou ideais de sociedade que não fossem os seus.
Poderia até colocar que não fossem compatíveis, mas, na
realidade, nada pode ser compatível com uma instituição que
se considera única e detentora da verdade [...] Dentre todas as
ameaças existentes, mesmo que só no imaginário católico da
época, na sociedade moderna, destaco apenas essas três
―ameaças‖: a maçonaria, o espiritismo e o protestantismo.94

Concordamos com o autor em sua análise, pois seja em seus livros


publicados, nos veículos de imprensa comandados por eles, entre outras fontes e
produções historiográficas retratando o catolicismo, constantemente percebemos a
Igreja Católica como a instituição que se auto-intitulava a fundadora e protetora da
moral e dos bons costumes ocidentais. E podemos perceber certa lógica para o
catolicismo reivindicar para si esse título, visto que na história do ocidente esteve em
constante expansão desde o início do surgimento da fé cristã, se espalhando e se
tornando hegemônica em diversas nações ocidentais, onde até mesmo o
protestantismo, religião da qual a Igreja Católica tanto combatia, também foi gerado

94
GOMES, Edgard da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: a estadualização diocesana na
Primeira República. Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2012, p.62.
66

a partir do próprio catolicismo. É inegável o forte papel da Igreja Católica na


formação da civilização ocidental.95
Ainda assim, procuraremos aqui aprofundar a análise do catolicismo diante
de seus ―inimigos‖ e da sociedade como um todo. Inimigos do catolicismo eram até
bem mais numerosos, incluindo vários grupos sociais que eram contrários à Igreja
Católica como religião oficial do Estado, ou que de alguma forma a Igreja entendia
que ameaçava a sua hegemonia social. É por isso que iremos um pouco além, e
mesmo que muitas ameaças ao catolicismo estivessem apenas ―no imaginário
católico‖, como afirma Edgar Gomes, procuraremos perceber o porquê da
construção de tal imaginário, analisando a forma como o catolicismo estava se
rearticulando em um processo de separação de Igreja e Estado, onde, em Belém do
Pará, notamos a influência de um catolicismo global que procura lidar com o
anticlericalismo que surgia nos estados em processo de secularização, adotando a
laicidade do Estado e que surgiam ao lado de regimes republicanos, onde, na
Europa, especialmente na França, combatiam ferozmente o catolicismo.
Dentre os grupos sociais citados, considerados ―inimigos da igreja‖, por que
essa aparente preferência ao protestantismo como o ―inimigo‖ mais falado nos
jornais, a ponto de, em Belém, até livros serem publicados especialmente para sua
refutação? As tensões entre católicos e protestantes sempre existiram desde a
fundação do protestantismo, e no Brasil surgem desde a chegada dos protestantes
no país. Todavia, procuraremos demonstrar nesta pesquisa uma questão que vai
além das tensões entre católicos e protestantes. A partir da separação entre Igreja e
Estado, instituída pelo período republicano no Brasil, como o cristianismo brasileiro,
em sua maior parte influenciado por católicos e protestantes, se reconfigura para se
tornar a principal religião do país? Seja o catolicismo procurando manter a sua
hegemonia ou o protestantismo procurando tirar o catolicismo do posto de ―principal
religião do país‖, e procurando ser ela própria a religião hegemônica da nação,
detalharemos melhor essa disputa religiosa no decorrer do trabalho. Por hora, é
importante nos aprofundarmos mais nesse processo de hegemonia do catolicismo
no Brasil República, como procuramos discutir até então.

95
Como já retratamos, é consenso entre diversos autores sobre o cristianismo, em especial o
catolicismo, na formação da civilização ocidental. Oscar Pilágio, Pedro Paulo Funari, Antônio
Gramsci, Denis Lecompte, Max Weber, são alguns dos vários teóricos que reconhecem essa
afirmação citada.
67

Gramsci procura analisar todo esse processo e percebe o papel dos


intelectuais e o ―mass-media‖ na construção do poder hegemônico católico europeu,
em que se revela necessário que os intelectuais dessa instituição dominante se
apossem de instrumentos como a imprensa e a literatura para propagar seus ideais
e conservar ou construir seu poder hegemônico, especialmente no período
equivalente ao início do século XX, onde Gramsci começa a estudar sobre a igreja
católica:

Os ―mass media‖ católicos constituem, efetivamente, um dos


pilares do aparato ideológico eclesiástico [...] esses meios de
difusão são essencialmente a edição e a imprensa que
realizam sua função de criar homogeneidade ideológica em
duplo nível: o do aparelho eclesiástico para manter a unidade
doutrinal e o da população católica – mas também não
católica.96

Figura 10 - ―O Biblismo‖, obra do Padre Dubois, 1921.97

96
PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1984, p.146.
97
DUBOIS, Pe. Florencio. O Biblismo. Rio de Janeiro, 1921.
68

Figura 11 - ―A devoção à Virgem de Nazaré, em Belém do Pará‖, do Padre Dubois.98

Além da imprensa católica, clérigos da Igreja nesse período também


obtiveram bastante espaço na grande imprensa, especialmente o padre Dubois. No
jornal ―Folha do Norte‖, percebemos constantes menções a horários de missas,
batismos e acontecimentos de eventos da Igreja Católica.
A Folha do Norte era um jornal da grande imprensa que circulava
quinzenalmente na cidade, produzindo matérias dos mais variados temas, os fatos
do cotidiano da cidade que o jornal julgava ser importantes retratar, política,
economia, esportes, dicas de cinema, maquiagem, além de grandes e expressivas
propagandas de diversos produtos. A religião, enquanto tema, foi sendo
98
DUBOIS, Pe. Florencio. A devoção à Virgem de Nazaré, em Belém do Pará. Belém: Imprensa
Oficial, 1953.
69

constantemente abordada no jornal também, especialmente o catolicismo. As


matérias sobre o Círio ganhavam grande destaque nos períodos próximos ao início
da festividade.
O jornal geralmente começava a falar sobre o Círio nos períodos próximos
da festividade, mês de setembro e início de outubro, geralmente as matérias
ocupavam as primeiras páginas, se utilizando de grandes gravuras da imagem de
Nossa Senhora de Nazaré, expondo esse acontecimento como uma ―Exaltação da
cidade á Excelsa padroeira dos seus destinos‖99.

Figura 12 - Folha do Norte, 14/08/1931.

Padre Dubois era um colunista muito requisitado no jornal. Constantemente


havia colunas escritas por ele, e o jornal sempre o descrevia como um ―querido‖ ou
―distinto‖ colaborador da Folha do Norte. Nas colunas, o padre constantemente
opinava sobre usos e costumes, política e elaborava contos e criticava alguns
grupos sociais e religiosos, entre eles os espíritas e protestantes.

99
FOLHA DO NORTE. ―Exaltação da cidade á Excelsa padroeira dos seus destinos‖. Belém,
14/08/1931.
70

Não apenas no estado, mas o jornal também frequentemente publicava


notícias da Igreja Católica que circulavam a nível nacional, conforme matéria:

O mundo catholico brasileiro começou a agitar-se em torno da


legislação da república nova. Há dias reuniram sob a
presidência do cardeal Leme cerca de cinquenta juristas que
professam o catholicismo. Ficou resolvida então a organização
de uma grande comissão, que se subdividira, para acompanhar
não somente as leis que vem sendo postas em vigor, mas,
sobretudo, as que estão em estudo e elaboração. Os juristas
catholicos tomaram com o cardeal o compromisso de ficarem
atentos a execução de tais leis e nelas colaborarem no sentido
da defesa dos interesses da egreja e da sociedade. E ponto
assente dar mais decisivo combate às tentativas do divorcio a
vínculo. A reforma eleitoral também merecerá a maior attenção
dos catholicos que estão a colaborar egualmente nella,
prevendo-se por isso, a próxima organização de um partido
catholico no Brasil.100

Mesmo não estando atrelada ao estado como religião oficial, no período


republicano ela se utiliza de meios para procurar manter seu poder. A matéria
mostra uma estratégia da Igreja Católica de poder acompanhar e intervir no Estado
através de uma frente própria de juristas, fiscalizando as leis e projetos de lei que
fossem a favor ou contrários aos seus interesses, sendo que a matéria nos passa
claramente a ideia de que, caso houvesse alguma lei criada que não fosse
concordante com o catolicismo seria combatida pela instituição.
É interessante perceber a forma como a imprensa retrata a atenção que a
Igreja dá a leis que vão contra seus interesses. Interesses ―da egreja e da
sociedade‖, diziam no esforço de mostrar que sociedade e igreja tinham interesses
alinhados; a igreja se colocando mesclada à sociedade, como se leis que fossem
contrárias aos seus interesses também prejudicariam toda a sociedade. A imprensa
aqui também mostra o discurso da Igreja como o baluarte da moral e dos bons
costumes sociais, defendendo que destruí-la seria prejudicar a sociedade como um
todo. Essa era a busca constante da Igreja Católica, se apresentar como a salvadora
da sociedade brasileira e mundial, discurso utilizado tmbém para defender a
manutenção de sua influência perante o Estado. O jornal ao afirmar que a Igreja
possui diversos juristas observando a lei e vislumbrando a criação de um partido

100
FOLHA DO NORTE. ―Os catholicos vão arregimentar-se em defesa da egreja e da sociedade‖.
Belém, 06/09/1931.
71

católico, procura transmitir a ideia de um catolicismo ativo e atuante na formação da


estrutura estatal republicana.
Sua tentativa de permanecer influenciando o estado, mesmo deixando de
ser a religião oficial e ocupando grandes espaços na imprensa, mostra o esforço
despendido para manter seu poder hegemônico, mesmo com um novo panorama
político em que, ao menos no aspecto jurídico, o catolicismo deixou de ser a religião
oficial do estado brasileiro.
Sobre a dinâmica do catolicismo enquanto igreja dominante, com a
preocupação da consolidação e continuidade de sua hegemonia, Bourdieu explica
que

Na medida que a igreja impõe o reconhecimento de seu


monopólio e também pretende perpetuar-se, tende a impedir
de maneira mais ou menos rigorosa a entrada no mercado de
novas empresas de salvação (como por exemplo as seitas e
todas as formas de comunidade religiosas independentes),
bem como a busca individual da salvação (por exemplo,
através do ascetismo, da contemplação e da orgia). Ademais, a
igreja visa conquistar ou preservar um monopólio mais ou
menos total de um capital da graça institucional ou
sacramental, pelo controle do acesso aos meios de produção,
de reprodução e de distribuição (ou seja, assegurando a ordem
no interior do corpo de especialistas) e pela delegação ao
corpo de sacerdotes do monopólio da distribuição.101

Gramsci, ao procurar estudar a cultura ocidental e tecer críticas ao sistema


capitalista vigente, objetivando a destruição do capitalismo a partir do campo
cultural, percebeu o catolicismo como a principal religião, classificada por ele como
uma ideologia que impedia a consolidação de outras ideologias para concretizarem
o domínio cultural ocidental. Notando, assim, desde o período medieval até o início
do século XX, ―um esforço dessa hegemonia católica no domínio cultural‖, em que
ela se utiliza da ―imprensa e da literatura católica como o principal obstáculo para o
domínio cultural‖ justamente por ser estes os meios utilizados pelo catolicismo para
a consolidação de sua hegemonia no campo cultural. Gramsci trabalha os
intelectuais e o ―mass-media‖, afirmando que se faz necessário que os intelectuais
da instituição dominante se apossem de instrumentos como a imprensa e a literatura
para propagar seus ideais e conservar ou construir seu poder hegemônico. Desde o
período da reforma protestante, com o surgimento da própria reforma e com as

101
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.58.
72

diversas revoluções que ocorreram na Europa em tempos posteriores, os ideais


iluministas e as diversas outras correntes de pensamento moderno e religioso que
passaram a circular no ocidente no decorrer dos séculos fizeram com que a Igreja
Católica perdesse muito de seu poder político, social e ideológico; mas, ainda do
século XX, ela mantinha a sua hegemonia presente em diversos países ocidentais e
continuava procurando se consolidar no poder, ainda se utilizando de intelectuais e
dos ―mass-media‖, e no início do século XX, com a ação católica, renasce uma
prática que havia séculos o catolicismo não utilizava, o incentivo para que os leigos
trabalhassem na igreja.
Essa teoria nos dará um embasamento do que já podemos perceber nas
fontes, veículos da imprensa católica circulando na capital paraense, padres
intelectualizados vindos de países europeus e que tomam conta desses veículos de
comunicação, publicam livros e se associam aos grandes veículos de imprensa. É
daí que notamos a importância do padre Dubois e dos barnabitas em todo esse
processo de reestruturação hegemônica do catolicismo no estado do Pará no
período republicano. Uma ordem católica que toma conta de seminários, instituições
de ensino, constrói monumentos, controla veículos de imprensa católicos e é
influente em periódicos da grande imprensa, escreve livros embasando o catolicismo
como principal religião e refutando religiões acatólicas; conseguindo manter o
conservadorismo católico francês que fazia frente às políticas de laicidade
anticlericais da terceira república, mas, diferentemente das práticas ultramontanas
de Dom Macedo Costa no final do século XIX, na primeira república, clérigos
influentes como Dubois conseguiam dialogar com as peculiaridades religiosas
católicas locais, como a devoção à Nossa Senhora de Nazaré e às práticas
religiosas do Círio, na quais, ao menos aparentemente, não havia registro de
grandes conflitos entre o catolicismo popular e os dogmas católicos do alto clero;
pelo contrário, havia diversas citações, artigos e livros publicados elogiando a santa.
Podemos perceber, desta forma, que houve uma reestruturação do
catolicismo, e que mesmo com as particularidades do ethos religioso paraense, se
reinventava diante do cenário político e religioso que existia não apenas no país,
mas em todo o ocidente.
73

CAPÍTULO II – “UMA FÉ IGNORANTE”:


O PROTESTANTISMO NO PERÍODO REPUBLICANO

2.1 ―A VERDADEIRA IGREJA‖: UMA BREVE ANÁLISE DO PROTESTANTISMO

Um processo significativo de ruptura do cristianismo na Europa ocorreu em


1517, na Reforma Protestante. Um movimento religioso cristão iniciado pelo padre
alemão Martinho Lutero rompeu com o estado alemão católico para provocar uma
reforma no catolicismo baseado em dogmas como a salvação vinda da fé e não das
obras, o sacerdócio universal, onde todos teriam acesso a Deus diretamente pelo
sacerdócio de Jesus Cristo, contrariando o dogma do sacerdote intercessor,
representado pelo clero católico; a escritura sagrada (Bíblia) como regra de fé e
prática, dando autonomia ao cristão para interpretá-las por conta própria, tirando a
autoridade de padres, bispos e Papa de serem os únicos vocacionados para
interpretar a mensagem das escrituras. Esse movimento continuou, foi além das
fronteiras da Alemanha e se espalhou pela Europa. Essa tentativa de reforma
consequentemente gerou uma brusca desvinculação de pessoas e instituições ao
catolicismo europeu, e em alguns anos produziu uma nova vertente cristã, que viria
a se tornar conhecida como protestantismo.
A partir daí, desde o início do movimento protestante, catolicismo e
protestantismo se transformaram em dois polos cristãos que não apenas se
diferenciavam fundamentalmente, como também passaram a manter embates ao
longo dos séculos, do campo teológico ao bélico. Confrontos que se expandiram
pela Europa e se espalharam pelo mundo, incluindo o ―Novo Mundo‖, descoberto no
século XV.102
Notamos a reforma protestante como um significativo marco histórico, que
significou mais do que uma cisão com o catolicismo europeu vigente, mas uma
mudança da cosmovisão que estava se reestruturando e se expandindo pela Europa
e se consolidou em alguns países europeus posteriormente. Diferentemente de
outros vários movimentos surgidos dentro do catolicismo que discordavam dos seus

102
Diversos historiadores publicaram obras sobre história da igreja cristã, e nos fundamentamos em
algumas delas. GONZALES, Justo L. Uma história do pensamento cristão. De Agostinho às
vésperas da Reforma. Vol. 2. São Paulo. Cultura Cristã, 2004. HURLBUT, Jesse Lyman. História da
igreja cristã. São Paulo: Vida, 2007. NICHOLS, Robert Hastings. História da igreja cristã. São
Paulo: Cultura Cristã, 2013.
74

dogmas, e que a Igreja Católica conseguia reaglutiná-los institucionalmente (o


franciscanismo, por exemplo)103, ou mesmo procurando desqualificá-los, de forma
discursiva ou através de punições físicas como prisões e morte (como os valdenses
ou hussenistas). O protestantismo foi um movimento que escapou do controle do
catolicismo e ganhou sua própria estrutura eclesiástica, fundamentos teológicos e
uma cosmovisão específica que influenciou drasticamente as estruturas sociais de
diversas sociedades que o absorveram enquanto religião hegemônica.
A análise de Gramsci sobre a igreja primitiva, da qual Portelli disserta em
seus estudos, trabalha uma ideia de ―revolução pacífica‖ feita por pobres contra a
elite econômica do Império Romano, que como o nome diz, não registra atos
violentos como é usual nas revoluções. Neste caso, Gramsci diz que houve um
fenômeno de passividade no qual as pessoas morriam por sua causa revolucionária
(no caso, o cristianismo) sem resistência física, proclamando valores de amor,
igualdade, mas discordando do sistema econômico e social instituído. Esse
pacifismo é desfeito quando o cristianismo se associa ao estado e passa a ser
dominante, a partir daí surge uma resistência por parte de muitos cristãos que
procuram continuar sua ―revolução‖ e a luta de classes dentro da Igreja, tendo a
igreja primitiva como um modelo a ser seguido.
É necessário fazer algumas ressalvas a essa visão política do cristianismo
primitivo apresentado pela teoria Gramsciana. Há de se avaliar que com relação aos
movimentos cristãos contrários ao catolicismo, o cristianismo primitivo não deve ser
visto apenas como um movimento religioso feito por pobres, visto que parte de uma
elite econômica e social também aderiu a ele em seu período inicial, os 3 séculos
que durou o que se denomina de ―igreja primitiva‖. Outro fator é que a abordagem do
movimento cristão neste trabalho não será sob a ótica desse nível de estruturalismo
econômico, pois tanto os teóricos que utilizaremos aqui como as fontes analisadas
contradizem esse tipo de análise. O cristianismo é uma religião que dialoga com o
econômico e o social, mas não é um agente passivo diante delas. Há uma via de
mão dupla em que o cristianismo influencia e é influenciado por sua conjuntura

103
Francisco de Assis e a ordem franciscana por ele fundada são exemplos utilizados por autores
como Gramsci e Bourdieu para retratar a diversidade do catolicismo presente na Igreja Católica
enquanto instituição. E a tolerância da Igreja diante de ordens dentro do catolicismo que
contrastavam com o alto clero, mas que eram toleradas se fossem incorporadas no catolicismo
enquanto instituição. Para saber mais: BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São
Paulo: Perspectiva, 2013. PORTELLI, Hugles. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições
Paulinas, 1984. LE GOFF, Jaques de. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2015.
75

social. Especialmente por seu caráter de ―universalidade‖, o cristianismo desde o


período primitivo quer ―ler‖ a cultura pagã a partir de seu próprio viés cristão,
procurando aculturá-la.104
Apesar disso, acredito que a análise Gramsciana sobre o cristianismo, e
especialmente sobre o protestantismo, nos ajuda a entender algumas questões que
serão pertinentes a este trabalho. Entre elas os constantes processos de
―revoluções puras‖ que ocorriam internamente no catolicismo medieval, que ora
procuravam fugir ou se contrapor diante do sistema eclesiástico católico medieval.
Movimentos como esses ora eram perseguidos, ora assimilados pelo catolicismo
vigente, uma tática do catolicismo que abordamos no capítulo anterior. O
protestantismo foi uma vertente do cristianismo que promovia valores diferentes dos
que a Igreja Católica possuía, e esta, após o racha, não conseguiu assimilá-lo. Os
protestantes referenciavam-se como uma religião que procurava restaurar os valores
da igreja primitiva que haviam se perdido com o catolicismo do século IV atrelado ao
estado romano. O discurso de protestantes como uma vertente religiosa que tinha o
cristianismo primitivo como modelo será um elemento discursivo utilizado no período
de sua fundação, mas que permanecerá no decorrer dos séculos.
O protestantismo surge como uma religião que procura trazer os valores do
cristianismo primitivo, e é a partir da perspectiva de Bourdieu que se pode fazer uma
análise mais profunda desse processo, trabalhando a ideia do protestantismo
surgindo como uma ―seita‖ que nasce para se contrapor à religião dominante,
geralmente apresentada por profetas que trabalham uma religiosidade com menos
dogmas e ―capital religioso‖, diminuindo o poder do sacerdócio e uma maior
participação dos leigos da religiosidade, incentivando até mesmo uma relação mais
próxima do religioso leigo com Deus, situação na qual

As ideologias religiosas (e até mesmo as secularizadas)


denominadas heréticas (situadas em estados muito diversos do
campo religioso) no sentido de que tendem a contestar a
ordem religiosa que a ―hierarquia‖ eclesiástica visa manter,
apresentam temas invariantes (por exemplo, recusa da graça
institucional, prédica dos leigos e sacerdócio universal, auto-
gestão direta das empresas de salvação, os eclesiásticos
―permanentes‖ sendo considerados meros ―servidores‖ da
comunidade, e mais ―liberdade de consciência‖, ou seja, direito

104
COSTA, Cezar Paulo. Diálogo entre cristianismo e mundo cultural nos primeiros séculos.
Atualidade Teológica. Rio de Janeiro, Ano XIII, n. 33, set./dez. 2009, p.313.
76

de cada indivíduo à autodeterminação religiosa em nome da


igualdade de qualificações religiosas etc, porque tem sempre
por princípio gerador uma contestação mais ou menos radical
da hierarquia sacerdotal que pode exacerbar-se mediante uma
denúncia do arbitrário de uma autoridade religiosa que não
esteja fundada na santidade de seus detentores, podendo
inclusive chegar a uma condenação radical do monopólio
eclesiástico enquanto tal.105

Weber nos mostra uma análise pormenorizada do protestantismo,


especialmente sobre a questão do sacerdócio universal, destacada pelo calvinismo.
Weber defende que o protestantismo, com o passar do tempo, passou a construir
seus próprios dogmas representativos como sinais de salvação. A questão do
trabalho era um exemplo das principais funções religiosas do cristão protestante, o
Homem teria sido feito para a glória de Deus e toda a atividade social que fizesse
deveria servir para este fim.106 Assim, era como se cada homem tivesse uma função
específica no mundo, um ―sacerdócio‖. Percebemos pela análise de Weber que a
importância que o protestantismo dá ao indivíduo rompe com o poder da instituição.
Notamos, assim, que protestantismo modifica a perspectiva da relação ―Deus /
homem‖, estimulando que o homem tenha uma relação única com Deus, a ideia de
sacerdócio universal, no qual o cristão pode se relacionar com Deus diretamente,
sendo ele mesmo um sacerdote único, criado por Deus com habilidades e
competências específicas para trabalhar para Deus a partir do seu trabalho feito aqui
nesse mundo, e aqui ―a posição do calvinismo, com a sua férrea concepção da
predestinação e da graça, que determina uma vasta expansão do espírito de
iniciativa (ou torna-se a forma deste movimento) é ainda mais expressiva e
significativa‖107.
Esse ―sacerdote metafísico‖ proposto pela religião protestante daria uma boa
discussão teórica, mas para a tensão que analisaremos no momento, essa
informação nos serve para retratar o quanto o protestantismo propunha uma religião
mais centrada na graça a partir do próprio homem convertido ao cristianismo, e
menos na instituição e no homem como sacerdote. Eis um dos motivos da
diferenciação do protestantismo e do catolicismo e dos constantes conflitos ao longo

105
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.64.
106
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2001,
p.94.
107
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere. Vol. I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999,
p.107.
77

da história dessas duas vertentes cristãs; no protestantismo se valorizava o


indivíduo e se conferia maior autonomia ao leigo, já no catolicismo se vê uma igreja
hierarquizada, rica em institucionalidades, simbolismos e com uma valorização
exacerbada do sacerdote.
Uma das características que o cristianismo manteve foi sua marca
expansionista, o mandamento de ―ide e fazei discípulos em todas as nações‖ 108.
Tanto católicos quanto protestantes continuaram a expandir sua fé cristã por outras
partes do mundo, e o ―novo mundo‖, as américas, passou a ser ocupado por nações
que tinham o cristianismo como religião oficial. Nos séculos XVIII e XIX, ao se
analisar um mapa territorial das américas baseado na dominação religiosa, fica
evidente que a do Sul e a Central assumiram como religião oficial o catolicismo,
enquanto a América do Norte, a partir da colonização de diversos segmentos do
cristianismo europeu, em sua maioria protestantes (mórmons, batistas,
presbiterianos), desenvolveu-se protestante, assumindo noções como ética,
moralidade e jurisdição, fortemente ligadas ao protestantismo.
Um exemplo claro de uma nação hegemonicamente protestante é a nação
norte-americana. Para entendermos a história dos Estados Unidos é essencial
estudar os povos migrantes que viajaram para o ―novo mundo‖ descoberto em 1492.
No século XVII, um grupo de migrantes protestantes chega na colônia inglesa
fugidos da perseguição feita pela Igreja Anglicana na Inglaterra, e aquele passa a
ser visto como um local de refúgio para esses religiosos. Várias denominações
protestantes migraram para a colônia, a maioria protestantes calvinistas, foi o
conhecido ―movimento puritano‖.
No protestantismo calvinista cria que cada cristão protestante era alguém
que foi salvo por Deus, mediante a fé, sem mérito nenhum dos seus atos, e que os
protestantes em geral eram um povo eleito por Deus. Neste período, os puritanos se
classificavam ―como um grupo escolhido por Deus para criar uma sociedade de
―eleitos‖109. O movimento puritano nos Estados Unidos se referenciava como o ―novo
Israel‖, fazendo constantes analogias de sua perseguição sofrida na Inglaterra com a
perseguição dos hebreus no Egito, que provocou o seu êxodo.
Muitas obras literárias e construções históricas trabalham os puritanos como
o padrão da população colonial norte-americana, não obstante entre eles houvesse

108
Evangelho de Mateus 28:19.
109
KARNAL, Leandro. Estados Unidos: a formação da nação. São Paulo: Contexto, 2013, p.38.
78

aventureiros, negros, índios e pobres que migravam da Europa em busca de


promessas de melhora de vida. Os puritanos eram apenas parte desse emaranhado
de grupos sociais que faziam parte da colônia, embora fossem os mais importantes
partícipes da consolidação de uma mentalidade religiosa, política e social que
fundamentaria a futura nação que dessa colônia se formaria, os Estados Unidos da
América.
Fernando Catroga procura analisar historicamente o processo de
secularização de países ocidentais, e retrata que, por mais que se tente construir
estados secularizados, é perceptível que essas sociedades mantêm fortes
elementos religiosos na construção de seu estado-nação. No caso da nação
americana, o autor percebe muitas diferenciações entre sua formação e a europeia;
e ressalta também que, diferentemente de países como a França, os EUA
procuraram conciliar a sua sociedade predominantemente protestante com um
modelo de estado formado por ideais iluministas e deístas.110 Ao estudar o processo
de secularização das nações ocidentais, o autor trabalha com reflexões de
pensadores como Locke e Rousseau. Segundo Rousseau, essa teoria encerra a
ideia de que mesmo havendo uma separação jurídica da igreja cristã com o Estado,
em que este deixasse de ser um estado teocrático, a sociedade ainda assim
manteria uma ―religião natural‖ na qual a sociedade seria controlada por um ―Deus
supremo‖ e o funcionamento dessa sociedade teria como função seguir as ordens
desse Deus, com éticas e valores morais universais111, e que isso seria essencial
para conservar a virtude da população. Já Locke defendia uma separação total entre
a Igreja e o Estado, não defendendo nenhum católico como liderança estatal e o
Estado como uma instituição que não professasse nenhum tipo de religiosidade,
embora, assim como Rousseau, defendesse os valores do cristianismo como bases
para o bem comum de uma sociedade, porém se colocando contra representantes
estatais católicos ou ateus.112
O autor, ao analisar a nação norte-americana, nota que o modelo nacional
construído se assemelha a essa teoria de Rousseau, pois a sociedade procurava
manter um estado que fosse pautado nas leis estipuladas em vez de em dogmas
religiosos, todavia a sociedade, de maneira geral, continuava predominantemente

110
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Césares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.157.
111
Ibidem, p.113.
112
Ibidem, p.94.
79

religiosa professando o protestantismo calvinista e influenciando claramente na


estrutura jurídica do estado, e aqui vale lembrar que o estado norte-americano
incorporou a ideia de uma nação constituída de um ―povo eleito‖, de um Deus único,
uma nação com vocação messiânica, escolhida para abençoar todos os demais
países do mundo.
Essa cosmovisão religiosa patriótica, para ser construída e consolidada na
sociedade norte-americana, não foi imposta de forma teológica, mas através de ritos
e simbologias específicas que ajudaram a construir a mentalidade da nação.

[...] tanto mais que a religião civil se manifesta, não numa


teologia, mas, sobretudo, nos seus ritos e símbolos. [...] Assim
sendo, é licito concluir que, nos EUA, a religião civil assenta
num postulado monoteísta, em que a transcendência e o
profano se aliam, e quase se fundem para instituírem,
simultaneamente, uma religião bíblica e nacional.
Concretamente, ela objectiva-se em discursos, inscrições, em
monumentos, em produções filatélicas e numismáticas, em
frequentes citações religiosas [...] na veneração de heróis
cívicos e no uso paradigmático de suas vidas, no culto
sacrificial da Pátria [...]113

Da simbologia presente nos hinos e bandeiras, nos ritos existentes pelas


paradas e discursos inaugurais, culto cívico aos mortos e nas construções de mitos
fundantes se arquiteta uma religião secular que busca legitimar uma mentalidade
social de um destino histórico pertencente à América.
A nação norte-americana tem como boa parte de seus fundadores os
protestantes das mais diversas denominações, que procuraram construir em sua
republica um estado de tolerância religiosa e que incentivasse a própria separação
entre Igreja e Estado, principalmente por serem grupos que um dia foram
perseguidos por uma igreja atrelada ao estado, na Inglaterra. Porém, a procura de
uma secularização política não eliminou sua forte moralidade e religiosidade
baseada no protestantismo, e seu sistema político não se tornou isento de valores
de sua religião predominante, principalmente pelos símbolos e ritos da construção
de uma nação republicana norte-americana.
Durante dois séculos se procurou construir uma civilização cristã segundo o
modelo protestante, dando prioridade à religião, moralidade e educação. O autor nos
113
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Césares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.170.
80

mostra que os cidadãos norte-americanos estavam tentando construir um modelo


ideal de sociedade que deveria ser propagado em todas as nações, e que, segundo
Mendonça,

[...] é nesse contexto que se insere a ideologia do ―Destino


Manifesto‖. O mesmo comissionamento outorgado aos judeus
através de Abraão se transferia agora para os americanos num
messianismo nacional direcionado para a redenção política,
moral e religiosa do mundo.114

No desenvolvimento econômico e social dos Estados Unidos, segundo


Mendonça, havia um discurso teológico na América do Norte de que o ―Reino de
Cristo‖ voltaria após a implantação de uma civilização cristã, as agencias
missionárias norte-americanas ensinavam essa perspectiva de evangelização aos
missionários protestantes, onde não apenas se propagava a fé protestante, mas o
modelo econômico e social norte-americano, fortalecendo a ideia de que os Estados
Unidos eram o modelo ideal de nação e que haviam sido eleitos por Deus para ser a
―nação exemplo‖, aquela que salvaria as outras nações nos mais diversos espectros
sociais.
A educação e consequentemente uma escolarização letrada eram questões
muito valorizadas desde o período das 13 colônias, e isso de devia à influência do
protestantismo na região. Havia um incentivo à alfabetização e escolarização das
pessoas para que pudessem ler a Bíblia, e em alguns estados se estipulavam leis
em que cidadãos pagavam um instrutor para alfabetizar a sociedade. Havia, ainda, a
preocupação de se criar institutos de ensino superior.

O grande interesse pela educação tornou as 13 colônias uma


das regiões do mundo onde o índice de analfabetismo era dos
mais baixos. Apesar das variações regionais e raciais, as 13
colônias tinham um nível de educação formal bastante superior
à realidade dos séculos XVII e XVIII.115

Daí notamos significativas diferenças entre as 13 colônias, que após se


tornar uma nação, não apenas se posicionava como ―a nação escolhida por Deus‖,
como tinha a admiração de diversos países do ocidente pelo seu sistema político,

114
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.19.
115
KARNAL, Leandro. Estados Unidos: a formação da nação. São Paulo: Contexto, 2013, p.42.
81

econômico e educacional. No século XIX, o protestantismo era tido como a ―religião


da modernidade‖, visto que era a principal religião de países que haviam se tornado
referências de prosperidade para o mundo, como Estados Unidos e Inglaterra.
A América do Sul era foco dos missionários protestantes, em especial o
Brasil. Apesar do país já ter a Igreja Católica como religião oficial, para as agências
missionárias norte-americanas protestantes o catolicismo não fazia parte da
―verdadeira igreja‖, que viam o catolicismo como uma religião que se apostatou, se
perdeu em folclores e sincretismos locais.116 Era necessário que os brasileiros
aderissem à fé protestante e só assim eles conheceriam o verdadeiro cristianismo.
Ao virem para o Brasil com esse propósito, abriram congregações, venderam Bíblias
e falaram sobre a sua fé tanto dentro de casas como a céu aberto; procuraram ser
influentes na política (muitos deles defendendo o modelo de estado norte-
americano) e, além da Bíblia, publicaram e distribuíram folhetos e jornais
protestantes.
A partir daí percebe-se como a religião secular norte-americana construiu o
olhar do outro, primeiramente defendendo ser ela própria a civilização eleita, que
havia chegado ao estágio ideal de civilidade ideal, dona de valores políticos,
econômicos e religiosos que precisavam ser propagados e absorvidos pelo mundo.
E se alguém deve ser salvo é porque existem os perdidos. No caso nações e etnias
perdidas, o que legitimava a existência do cristão no mundo, como um pequeno
messias necessário para a salvação do outro, do não cristão. A religião civil norte-
americana, mergulhada na percepção do cristianismo protestante, aplica na prática
essa ideia, devido à clara mescla entre sua noção de civilidade e religiosidade
oriunda do protestantismo calvinista. O mundo precisava ser salvo, e os Estados
Unidos deveriam, com base nisso, propagar e expandir o seu modelo de nação ideal
a todas as outras nações. Uma nação messiânica supostamente escolhida por Deus
para tal.
Precisamos entender essa cosmovisão religiosa e social do protestantismo
para entendermos melhor a mentalidade protestante no Brasil, e mais precisamente
no Pará. Perceberemos as rupturas e permanências desse protestantismo histórico
que atravessou séculos e rompeu os limites geográficos europeus, se tornando
hegemônico nas 13 colônias. Urge compreender como essa cosmovisão

116
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.92.
82

protestante, em sua maior parte norte-americana, se inseriu em um país de


hegemonia católica como o Brasil, perceber suas estratégias expansionistas e seu
modus operandi, muitas vezes similar à mentalidade social norte-americana e outras
vezes não, ocasiões em que se recria e produz adaptações à conjuntura brasileira
produzindo rupturas, como veremos mais adiante.

2.2 ―UM CRISTIANISMO MAIS PURO‖: O PROTESTANTISMO NO BRASIL

A historiografia nos mostra a presença de protestantes no Brasil desde os


primórdios do período colonial; presenças pontuais e atípicas, como a do viajante
Hans Staden, protestante, que indo para Argentina teve seu barco naufragado em
1547 no litoral paulista, e por aqui acabou permanecendo por sete anos professando
a fé protestante aos tupinambás, e ao retornar a Alemanha, em 1554, escreveu um
livro com suas memórias, intitulando ―Viagem ao Brasil e meu cativeiro entre os
selvagens do Brasil‖.117
Mas a primeira expedição de protestantes ao país de forma planejada se
deu em 1555, poucos anos depois da colonização portuguesa. Missionários
franceses objetivaram fazer do Brasil a ―França Antártica‖, um território Francês em
que os huguenotes poderiam professar a fé protestante livremente, sem a
perseguição que ocorria ao protestantismo pelo estado monárquico francês na
época.118
Mas a história conta que esse primeiro projeto da instauração do
protestantismo no país não deu certo. Tanto pela resistência portuguesa como por
membros da própria expedição, como o seu chefe, Villegaignon, que desde a
tentativa de um processo civilizatório protestante por aqui procurou concordar com o
pedido dos frades católicos sobre questões caras à Reforma nesse período, como a
eucaristia, orações aos mortos, purgatório. Logo começaram as desavenças entre
Villegaignon e o pequeno grupo protestante francês que viera com ele na expedição.
Foram desavenças com pessoas da própria expedição e principalmente com
portugueses, contendas que acarretou a morte desses huguenotes pelas próprias
lideranças políticas e religiosas portuguesas que estavam no Brasil. Mesmo com as

117
SANTOS, Marcelo; PINHEIRO, Jorge. Manual de história da Igreja e do pensamento cristão.
São Paulo: Fonte Editorial, 2013.
118
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.24.
83

perseguições chegando a esse extremo, foram desses protestantes o crédito do


primeiro culto protestante no Brasil, que se deu no dia 10 de março de 1557.119
No século XVII, notamos uma empreitada semelhante a que ocorreu no
século anterior após o Brasil ter, desde 1580 se tornado uma colônia ibérica, por
Portugal ter se tornado território Espanhol. No século XVII, a Espanha estava
gradativamente perdendo força, enquanto países como a Holanda estavam em
constante ascensão. Foi em 1630 que a Holanda, país declaradamente protestante,
procurou vir ao Brasil e conquistar terras que forneciam riquezas para a Espanha
manter suas pretensões imperialistas na Europa. Uma estratégia inicialmente
política, mas que teve consequências tanto no aspecto político como no religioso de
algumas regiões da colônia brasileira.120 A Holanda se instalou na região de
Pernambuco, e aquela área e suas proximidades se tornaram território protestante.
Muitos templos católicos eram tomados pelos portugueses para servirem como
templos protestantes, e imagens e altares eram retirados.121 Costumes foram
inseridos; agora ordem e silêncio deveriam prevalecer nos horários de culto,
santificação absoluta no domingo, proibindo os trabalhos e algumas práticas de lazer
nesse dia. Era uma disciplina religiosa que também atingia a área política e civil,
pois cabia às lideranças protestantes representadas pelos presbitérios realizar
casamentos e examinar documentos de identidade de estrangeiros.122
Havia uma preocupação de diversos missionários protestantes em implantar
aqui ministérios de pregação e educação, especialmente para indígenas, e então
produziram literatura em língua Tupí, especialmente voltada para a fé cristã, como
os catecismos. Alguns indígenas aderiram à fé protestante e se tornaram, inclusive,
lideranças do protestantismo local.123
Essa ―Nova Holanda‖, como denominavam os colonizadores holandeses, foi
destituída em 1654 quando os portugueses novamente assumiram o controle do
Brasil como colônia lusa. Os holandeses foram expulsos da região e o
protestantismo enquanto religião institucional no Brasil foi praticamente eliminado.

119
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995. CALDAS, Carlos. As ondas missionárias estrangeiras no Brasil. In: WINTER,
Ralph; HAWTHORNE, S. C.; BRADFORD, Kelvin D. (Eds.). Perspectivas no movimento cristão
mundial. São Paulo: Vida Nova, 2009.
120
CALDAS, op. cit., p.358.
121
SANTOS, Marcelo; PINHEIRO, Jorge. Manual de história da Igreja e do pensamento cristão.
São Paulo: Fonte Editorial, 2013, p.341.
122
MENDONÇA, op. cit., p.25.
123
CALDAS, op. cit., p.359.
84

Não encontramos autores e fontes documentais que nos mostrem o movimento


protestante atuando nesse período. Assim, podemos, por hora, nos juntar à
conclusão de outros diversos autores desse tema: O protestantismo no Brasil é
erradicado por aproximadamente 200 anos, reaparecendo apenas no século XIX.
Com a família real portuguesa vindo ao Brasil, e a dependência portuguesa
diante da Inglaterra, é que notamos uma maior abertura a vinda de imigrantes anglo-
saxões para o Brasil, muitos deles protestantes. ―Assim, progressivamente passando
pela constituição de 1824 até a de 1891, foi sendo reduzida a hegemonia católica, e
os protestantes foram conquistando o seu lugar no espaço brasileiro.‖124 Diversos
protestantes de diversos países europeus, como alemãos, suecos e ingleses, assim
como muitos norte-americanos, passaram a viver no Brasil vendendo Bíblias e
praticando cultos religiosos, mesmo que de forma legalmente muito restritiva. 125
No Brasil monárquico é que temos o ressurgimento do protestantismo, e,
consequentemente, uma pequena quebra da hegemonia católica como principal
religião do país. Além dos protestantes estrangeiros que já estavam chegando aqui
desde o início do império, no reinado de Dom Pedro II começaram a aparecer as
missões estrangeiras. O próprio Dom Pedro II admirava esses missionários ―pelos
seus conhecimentos e pelos serviços práticos que poderiam prestar‖ 126. O
proselitismo religioso protestante não era algo que o Imperador se opunha. Mesmo
sendo católico, ele não adotou a linha católica ultramontana que se reestruturava no
século XIX e que se mostrava combativa a qualquer religião ou ideal acatólico. Além
do que, a admiração pelo protestantismo ia além da inteligência desses
missionários, é algo que acompanha a relação entre os protestantes e o país desde
a primeira caravana de protestantes que aqui pisou: havia um projeto civilizatório
onde o protestantismo era visto como um instrumento para se chegar a um devir, em
um modelo ideal de nação próspera. Um projeto que, aparentemente, não estava
apenas permeando o imaginário social norte-americano, mas também de muitas
lideranças políticas e intelectuais brasileiras. Notamos esse discurso na obra ―O
protestantismo brasileiro‖, em que Leonard analisa o discurso de Marquês de
Paraná, em 1854:

124
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.26.
125
Ibidem.
126
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981, p.48.
85

Meu governo, dizia ele no discurso do trono em 3 de maio de


1855, empenha-se com particular interesse na tarefa de
promover a colonização, da qual depende essencialmente o
futuro do país. Para tanto, é necessário assegurar aos mais
―evoluídos‖ desses colonos esperados, pertencentes a nações
protestantes, a possibilidade de exercer seu culto e de nele
educar seus filhos.127

Esse discurso civilizatório também foi um gancho para missionários como


James Cooley Fletcher se inserirem no país, ele que, como pastor e também como
banqueiro, se utilizava da sua titulação de ―homem de negócios‖ para vir ao Brasil
propagar a fé protestante. Trabalhou em hospitais, ajudou outros missionários
protestantes financeiramente, vendia bíblias e depois de vários anos de tentativas
conseguiu entrar no ciclo social do imperador Dom Pedro II. Tornou-se presidente da
Sociedade Bíblica no Brasil e a distribuição de bíblias no país aumentou de 4000
para 20.000 exemplares. Segundo Mendonça, a liberdade que se passou a ter no
Império para vender e distribuir bíblias por parte de agências das sociedades
bíblicas estrangeiras, bem antes da chegada e estabelecimento das missões
protestantes, se tornou uma estratégia protestante de penetração da sua fé no
país.128
Segundo David Vieira Gueiros, um dos assuntos recorrentes de Fletcher
com Dom Pedro II e com diversos empresários brasileiros era a ideia de ―progresso‖
do país, que procurava retratar os países anglo-saxões usando-os como exemplo,
atribuindo ao protestantismo o motivo do sucesso econômico e social dessas
nações, e tentando convencer o Imperador, os literatos e estadistas do Brasil da
superioridade do protestantismo, de modo que eles cooperassem para que a
imigração protestante se desenvolvesse no país.129
Além disso, Fletcher foi um grande incentivador do ministério de Robert Reid
Kalley, relevante personagem na história do protestantismo no Brasil. Nascido na
Escócia, Kalley havia trabalhado em uma obra de evangelização vinculada a um
projeto de assistência médica, e conseguiu ter milhares de adeptos e adotou o
calvinismo como um modelo doutrinário protestante, algo que não foi bem visto pelo

127
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981, p.48.
128
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.27.
129
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.75.
86

clero local, gerando perseguições a ponto de levá-lo à prisão por uns meses. Após
obter asilo nos Estados Unidos, Kalley foi convidado para vir ao Brasil ajudar na
propagação da fé protestante, desembarcando aqui em 1855.130
Kalley foi além da distribuição e venda de bíblias como forma de
evangelismo e passou a fazer pregações de rua. Convocou aliados portugueses
para auxiliá-lo na pregação do protestantismo, e assim como Fletcher também
―dedicou-se a estabelecer, com as autoridades mais elevadas e com a alta
sociedade brasileira, contatos que garantiam sua obra e seus convertidos‖131. Seus
contatos políticos eram tais que conseguiu ser conhecido pelo próprio Imperador, a
ponto de Dom Pedro II ir à sua casa convidá-lo pessoalmente para fazer uma
conferência à família imperial.132
Kalley tinha seus motivos para temer e procurar se cercar de pessoas de
grande prestígio político e social, pois em algumas reuniões de culto protestante
organizadas por ele no Rio de Janeiro ―eram atiradas pedras, as escadas externas
ensaboadas ou untadas de excrementos; insultos e ameaças de sevícia eram
dirigidas contra os assistentes, e tudo isso com a autorização da polícia local‖133.
Em 1860, oito portugueses calvinistas foram presos em uma reunião domiciliar, e a
alegação da prisão era por estarem promovendo uma ―reunião ilícita‖, como retratou
o veículo de imprensa do período, Correio Mercantil. Kalley e seus aliados
publicaram artigos para os jornais acusando as autoridades de intolerantes e sempre
retratando aos veículos de imprensa norte-americanos os casos de intolerância
religiosa no Brasil. Por estar cercado de amigos de influência na corte, Kalley se
esquivou de grandes perseguições, embora claramente no decorrer de seu
ministério os alvos fossem os seus seguidores. Mesmo com perseguições
recorrentes, muitos missionários aproveitaram essa abertura do país com relação a
estrangeiros anglo-saxões, e o respeito que autoridades políticas e literatos
brasileiros já possuíam pelo protestantismo para virem ao Brasil e propagar a fé
protestante. Com isso, muitas denominações passaram a se estruturar no país,
mesmo que com diversas restrições. Notamos a presença de congregacionistas

130
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981, p.50. GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a
maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.120.
131
LEONARD, op. cit., p.50.
132
GUEIROS, op. cit., p.121.
133
LEONARD, op. cit., p.51.
87

vindos através do próprio Kalley (1855), os presbiterianos (1859), os metodistas


(1867) e os batistas (1871).
A Igreja Presbiteriana chegou ao Brasil pelas mãos do missionário Ashebel
Green Simonton, que recebeu cartas de apresentação escritas por James Cooley
Fletcher dirigida a membros de ―alta classe‖, mas pouco as utilizou. Simonton foi
responsável pela iniciação de um seminário presbiteriano no Brasil, distribuição de
bíblias e criação de um jornal presbiteriano chamado ―A imprensa evangélica‖. O
primeiro jornal protestante presente no país.134
Em 1882 surgiu a primeira igreja batista brasileira em Salvador. Um
missionário que se destacou no trabalho foi Willian B. Bagby, junto com sua esposa
Ana. B Bagby. Contudo, já existiam batistas vivendo no Brasil havia uma década, e
congregando em residências.135 A filha dos Bagby, Helen Bagby Harrison, escreve
sobre a vida dos pais, contando inicialmente a migração dos batistas para o país,
relatando o quanto esse processo migratório foi consideravelmente influenciado pela
guerra civil ocorrida nos EUA, na qual centenas de famílias americanas de origem
batista migraram para o Brasil por perderem terras e escravos, recebendo o convite
do próprio Dom Pedro II.136
Hawthorne, um general norte-americano sulista, que tinha contatos com o
imperador, se tornou membro da sociedade missionária do Texas e, a partir daí,
incentivou o Brasil como um forte território a ser trabalhado por missionários batistas.
Há várias justificativas, tais como esta:

Primeiro, o governo é justo e estável, sábio e firmemente


administrado e oferece segurança de vida, liberdade e
prosperidade, um governo onde o mérito é devidamente
recompensado e o crime é prontamente punido. Imigrantes
industriosos de todos os climas e países, mas especialmente
dos Estados Unidos, são convidados e recebidos com
corações e braços abertos, e toda a proteção e comodidade

134
A imprensa protestante no país é um tema bem fundamentado na tese de Micheline Reinaux de
Vasconcelos, que conta a trajetória dessa imprensa por aqui desde o período imperial até o
republicano. A autora trabalha o tema a partir dos jornais ―Imprensa Evangélica‖ e ―O jornal Baptista‖,
usando-os como suas principais fontes, mas também cita outros periódicos que circulavam nas outras
denominações e em outras regiões. O jornal presbiteriano ―Norte Evangélico‖, publicado para o Norte
e o Nordeste do país, acerca do qual falaremos mais adiante, também é citado por Vasconcelos.
VASCONCELOS, Micheline Reinaux de. As boas novas pela palavra impressa: impressos e
imprensa protestante no Brasil (1837-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2010.
135
SANTOS, Marcelo; PINHEIRO, Jorge. Manual de história da Igreja e do pensamento cristão.
São Paulo: Fonte Editorial, 2013, p.342.
136
HARRISON, Helen Bagby. Os Bagby no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP, 1987, p.14.
88

lhes são dadas que passam ser necessárias para o progresso


e prosperidade. Segundo: O povo do país é polido, liberal e
hospitaleiro ao mais alto grau. Tem grande admiração pelo
povo americano, e está, evidentemente, na condição mais
favorável para receber de nossa parte um cristianismo mais
puro.137

Essas informações romanceadas com as quais Hawthorne retrata o Brasil


mostram o quanto ele quer revelar a abertura dada ao governo feita por Dom Pedro
II. Naturalmente, podemos comparar o relato de Hawthorne acerca da história de
tensões entre católicos e protestantes (no decorrer do Império) com as que viveram
outros missionários aqui mencionados, e outros dos quais falaremos mais à frente.
Contudo, se analisarmos para além dessa visão romanceada do general missionário
batista sobre o Brasil notaremos o quanto ele reconhece o Governo como o agente
que promove a abertura política para a vinda de imigrantes, especialmente de norte-
americanos, uma migração legitimada por um discurso de que eles faziam parte do
―progresso‖; essa foi a mensagem que fez com que Willian e Ana B. Bagby viessem
ao Brasil.
O protestantismo desde o Império se instaurou nos grandes centros
urbanos, especialmente no Rio de Janeiro e São Paulo. Todavia, houve missionários
que procuraram levar a fé protestante para o interior do país. Um caso muito peculiar
do protestantismo no Império no interior de estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste
foi o de José Manuel da Conceição.
Ao contrário dos outros casos retratados aqui, José Manuel da Conceição
era um padre católico que se tornou ―o primeiro pastor protestante brasileiro‖ 138 que,
intencionando aprofundar seu conhecimento teológico, debruçou-se sobre a
literatura protestante em alemão a partir do editor Henrique Larmmert. Houve
acontecimentos peculiares, como sua negação em se confessar, e que ele defendia
para os fiéis católicos reflexões como ―Eu e você precisamos nos confessar a Deus
e não a homens‖139. Essa perspectiva de discordância dos dogmas católicos e
assimilação cada vez maior da teologia protestante fez com que, anos mais tarde,
ouvindo as pregações do missionário presbiteriano Alexandre Blackford, José

137
Apud: HARRISON, Helen Bagby. Os Bagby no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP, 1987, p.14.
138
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995, p.185.
139
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981, p.57.
89

Manuel da Conceição abandonasse a Igreja Católica, se batizando em uma igreja


protestante presbiteriana.
Conhecido como ―o padre protestante‖, Conceição propagou o
protestantismo no interior de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, em cidades
como Ibiúna, Sorocaba, Limeira, São José dos Campos, Aparecida, Jacareí,
Pindamonhangaba, Mogi Mirim, Ouro Fino, Santa Ana, e outras cidades menores
das províncias imperiais.
Mesmo tendo diversos companheiros para propagar a fé protestante, como
Blackford e Simonton, ele acabou por incorporar métodos diferenciados dos
protestantes estrangeiros, mostrando-se bem mais pragmático e pouco
organizacional. José Manuel da Conceição não se fixava em uma cidade por muito
tempo, era um ―pregador itinerante‖, fazia viagens e proclamava a fé protestante por
um tempo imprevisível a cada cidade que passava. Com isso, deixou de receber
apoio de agências missionárias e passou a se encontrar pouco com os líderes
protestantes que se destacavam na época. ―Não tinha havido um rompimento entre
ele e seus companheiros, mas sua missão não era o ministério organizado e a
propaganda confessional‖140, a peculiaridade de seu pragmatismo fez com que ele
desse maior atenção a ―um ministério de caridade e instrução religiosa entre os mais
humildes‖, transformando-se, ele próprio, em um homem materialmente pobre. Além
disso, José Manuel da Conceição não procurava destruir os hábitos religiosos do
povo brasileiro como um todo, aparentemente, ele planejava ―uma reforma
realmente brasileira, harmonizada com o temperamento e os hábitos do país‖, e
apesar de discordar das práticas do catolicismo brasileiro, reconhecia que, em
muitos fiéis, havia uma ―fé ignorante, mas profunda e sincera‖.141 O proselitismo
religioso protestante no Império nos leva a algumas reflexões: Esses protestantes, a
partir de uma abertura do Imperador que permitia a inserção do protestantismo no
país, mesmo com diversas restrições jurídicas, procuraram por meio da distribuição
de bíblias, contatos com pessoas de grande credibilidade política e social da época,
pregações pelo país em templos, casas ou na rua, elaboração de veículos de
imprensa, tradução de livros e construção de instituições de ensino e saúde, a
propagação da fé protestante no país. Era comum, tanto os protestantes norte-

140
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981, p.65.
141
Ibidem.
90

americanos como os brasileiros, observar uma cosmovisão cristã que ia além da


prática religiosa. Pessoas que proclamavam uma fé a partir de uma visão de que o
país prosperaria nos cenários político, econômico e social a partir da inserção do
protestantismo na sociedade.
O chamado ―boom‖ protestante no século XIX fez com que cerca de 1% da
população se tornasse protestante. Apesar disso, vimos que o protestantismo se
propagou especialmente nas regiões do Rio de Janeiro e São Paulo, e foi mais bem
recebido entre os de renda financeira estável, em geral a classe média ou alta.
Ainda assim, não devemos ignorar que houve uma tentativa de comunicação desses
protestantes com os populares, que aparentemente houve uma falta de assimilação
dessa camada popular a esse modelo de fé diferenciada. José Manuel da Conceição
parece ter sido, dos missionários retratados, o que mais procurou vivenciar a sua fé
protestante entre os populares. Conseguiu ser o protestante nesse período que mais
penetrou no interior e proclamou um protestantismo afastado das grandes capitais.
Precisamos, é claro, considerar as suas particularidades, visto que ele era brasileiro,
não tinha a ideia do ―destino manifesto‖ em sua dinâmica religiosa e procurou fazer
pontes entre o catolicismo popular e o protestantismo que havia abraçado. Mas,
ainda assim, a abordagem do ex-padre foi algo particularizado e aparentemente não
se iniciou daí um movimento protestante popular que melhor dialogasse com o
brasileiro, ainda na maioria católicos, em suas diversas camadas sociais, embora
talvez tenha sido um dos que mais se aproximaram de um bom diálogo com a
religiosidade católica local. Ainda que o protestantismo no Brasil nesse período
tenha crescido e se consolidado como nunca havia ocorrido em séculos anteriores, a
maior parte de seu público ainda se concentrava nas grandes capitais, o qiue talvez
explique a dificuldade de crescimento do protestantismo na região Norte,
especialmente no Pará, como retrataremos a seguir.

2.3 ―DISTRIBUÍNDO BÍBLIAS NO RIO‖: O PROTESTANTISMO NO PARÁ

As manhãs e as noites no Pará são de indescritível beleza.


Nenhuma outra região do globo oferece maior interesse que
esta, no que se respeita a natureza. Sua situação geográfica
sob a faixa equatorial, sua enorme extensão territorial, seus
rios colossais, o encanto e o romanesco de sua história e de
91

seu nome, são característicos originais, peculiares a essa


gleba imensa.142

Retratar o protestantismo nessa região é um grande desafio para a


pesquisa, pois foram poucos os materiais produzidos sobre protestantes no Pará.
Dos relatos de viajantes que circulavam pelo país no período colonial, não
encontramos relatos de protestantes, no máximo algumas suposições.143 Até onde
podemos averiguar, a região amazônica era majoritariamente católica desde a
colonização europeia portuguesa no século XVI e até meados do século XIX.
Notamos assim a primeira tentativa da inserção de protestantes na
Amazônia a partir de um missionário da Igreja Metodista chamado Daniel Kidder. O
missionário viajou pelo Brasil inteiro e esteve em Belém do Pará em 1839, e teria
mencionado que Belém era a maior comunidade de americanos que já havia
encontrado no país depois do Rio de Janeiro. 144 A maioria desses norte-americanos
eram negociantes e mecânicos. A presença deles em Belém era relatada por
políticos como Tavares Bastos, que atribuía a escolha desses norte-americanos pela
região como ―prova de que o Brasil abandonara o espírito de obscurantismo e tinha
finalmente adotado bom senso em relação ao Amazonas‖145 . Fletcher via esses
norte-americanos como pessoas que ―tinham trazido o ‗progresso‘ para o
Amazonas‖146. Para além disso, era um atrativo para outros missionários norte-
americanos perceberem a região como um campo missionário.
Kidder via o Pará especificamente como a ―região com a maior variedade de
produtos regionais que qualquer outra região do Império, e, talvez, mesmo do
mundo‖.147 Havia realmente uma diversificação de matérias-primas na região para
sua comercialização, mas não descartamos a possibilidade de, para além disso,
notar uma possível intenção de Daniel Kidder de propagandear a região amazônica

142
KIDDER, Daniel. Reminiscências de viagens e permanências no Brasil: províncias do Norte.
Brasilia: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008. Apud: SILVA, Claudio Lísias Gonçalves dos Reis.
“Ganhar almas para Cristo” e as relações de poder: a propaganda protestante em Belém do Pará.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), UEPA, Belém, 2014.
143
Martin Dreher, ao falar sobre os protestantes na Amazônia, menciona possíveis alemães que
foram a cidade de Santarém, no sul do Pará, no período colonial. Mas, ainda assim, reconhece que
não há documentações que embasam essas informações, sendo, assim, apenas suposições.
DREHER, Martin. O protestantismo na Amazônia. In: HOOTNEART, Eduardo (Coord.). História da
Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992.
144
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.165.
145
Ibidem.
146
Ibidem.
147
Apud: SILVA, op. cit., p.55.
92

como um território a ser explorado pelos missionários. A região Norte parecia ser um
importante ponto de ocupação protestante, na qual

[...] havia uma grande expectativa nos Estados Unidos e na


Europa de que o rio Amazonas fosse aberto à navegação
mundial, e que a Amazônia viesse a ser um novo centro de
civilização, um ponto magnético para o qual seriam atraídos
centenas de milhares de imigrantes europeus e americanos,
onde criariam um novo El Dourado.148

Apesar dessa visão internacional europeia e norte-americana com relação


ao Amazonas, ao menos no Pará, aparentemente, a maioria dos ingleses e norte-
americanos que estavam na região eram contrários à presença de pregadores
protestantes na cidade.149 Além disso, era notável a forte presença do catolicismo
em Belém. Tanto Daniel Kidder quanto outros missionários que foram
posteriormente ao Pará mencionaram a religiosidade católica paraense,
especialmente com relação ao Círio de Nazaré. Kidder a retratava como ―a maior
festividade que se celebra no Pará‖150.
Outro protestante no período imperial que procurou propagar sua fé na
região amazônica foi Robert Nesbit. Capitão naval americano, ele sempre levava
consigo nas viagens um carregamento de bíblias para serem distribuídas na região.
Em 1857 se tornou agente da Sociedade Bíblica Americana no Rio Amazonas, e
assim distribuiu bíblias em uma área territorial que ia de Belém a Iquitos no Peru.
Além de ser um grande fornecedor de Bíblias para a cidade de Belém, também
fornecia constantemente bíblias para as comunidades ribeirinhas.151 Em 1960,
outro protestante que chega ao Pará e marca a história do protestantismo do estado
é Richard Holden. Enviado do conselho mundial de Missões da Igreja Episcopal
Americana, Holden chegou a Belém do Pará e montou um centro comercial para
depositar seus livros, bíblias e anunciar sua venda em jornais.152 Viajava durante
semanas pelo Rio Amazonas para vender bíblias em vilas e cidades vizinhas153, e
apesar de se associar com alguns comerciantes e políticos locais, também começou

148
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.164.
149
Ibidem, p.165.
150
Ibidem, p.225.
151
Ibidem, p.178.
152
Ibidem, p.179.
153
Ibidem, p.180.
93

um trabalho de evangelização das classes populares. Holden sentiu a forte


resistência que as pessoas que viviam em Belém do Pará tinham com a fé
protestante, fossem os estrangeiros ingleses e americanos ou a própria população
local; teria declarado que na cidade havia ―hostilidade intensa ao evangelho no
coração do povo e quase todos professam princípios hostis‖. Ocorre que Holden se
deparou com a pouca instrução de muitos padres da região, e um catolicismo de
forte devoção popular aos santos, à Maria, práticas que julgava ser idólatras.
Uma das características que mais marcaram a trajetória de Holden pelo
estado foi a sua atuação na imprensa e suas polêmicas com o clero católico
paraense, especialmente com o bispo do Pará, Dom Macedo Costa. Apoiado pelo
deputado Tito Franco de Almeida, ele conseguiu espaço para publicar artigos em
seu jornal por um baixo custo. Holden publicou os evangelhos descritos na bíblia
como o Evangelho de Mateus e as Epístolas de Paulo, além de algumas críticas ao
catolicismo que, mesmo moderadas por Tito Franco, não deixavam de ser
publicadas no jornal.
Com a chegada de Dom Macedo Costa como o novo bispo do Pará, as
dificuldades sofridas pelo protestantismo para a perpetuação em solo paraense se
intensificaram. Também se utilizando de veículos de imprensa, Dom Macedo
ganhava espaço em periódicos locais onde publicava diversos artigos atacando
diretamente Richard Holden, refutando a sua ―Bíblia protestante‖ e proibindo os
católicos de comprá-la e tê-la em casa. Ao mesmo tempo que recomendava que os
fiéis católicos deveriam ―encher-se de bondade para com seus irmãos desviados‖,
Dom Macedo também pedia ―Ódio de morte ao Protestantismo‖, refutando essa fé
que possuía um ―espírito de independência que põe a razão individual acima da
augusta autoridade da Igreja Católica‖154.
O debate de Holden e Dom Macedo Costa durou um bom tempo nos jornais,
neles Holden defendia a veracidade da bíblia protestante, que Dom Macedo acusava
de ser falsificada. Aparentemente, Holden também ganhou apoio de diversas
pessoas como intelectuais, políticos e até mesmo padres, como o Padre Eutíquio 155,
que também tinha espaço na grande imprensa e que adotava ideais liberais e

154
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.183.
155
Padre Eutiquio era um padre católico de linha liberal residente em Belém do Pará que ganhou
espaço na imprensa fazendo críticas ao próprio catolicismo ultramontano do período. Recebendo
também diversas críticas do clero local, principalmente por seus princípios políticos.
94

criticava constantemente o ultramontanismo católico. O número de pessoas que


foram no estabelecimento de Holden comprar seus livros aumentou, tanto por
pessoas curiosas, como por jovens intelectuais que manifestavam opiniões
contrárias ao catolicismo vigente.156 Em 1962, Holden deixou Belém e foi para a
Bahia, mas continuou sendo citado algumas vezes em veículos de imprensa dos
quais Dom Macedo Costa tinha espaço.
Então notamos que no Pará o protestantismo seguiu algumas tendências
nacionais no período imperial. Uma brecha nas boas relações internacionais do
Brasil com Inglaterra e Estados Unidos permitiu a vinda de missionários protestantes
no Brasil, que preferiam a região amazônica, vista internacionalmente como uma
boa região de comércio e um bom lugar para a ocupação de estrangeiros europeus
e norte-americanos, percepção compartilhada por protestantes como Fletcher, que
constantemente assinalava a importância da Amazônia ser ocupada pela fé
protestante, que ―traria o progresso‖ para a região. Será que Fletcher estaria
pensando em uma possível separação da Amazônia iniciada pelos costumes, e
quem sabe por rupturas futuras no campo político e territorial? Para nós fica claro
que havia uma tentativa dos missionários protestantes de, além da propagação da fé
protestante, promover uma modificação da sociedade amazônica como um todo a
partir de um possível protestantismo assimilado pela comunidade local. Contudo,
além das intenções, é interessante notarmos os acontecimentos registrados. A
maioria dos ingleses e norte-americanos que estavam na região não parecia seguir
o ethos moralista protestante, a ponto de rejeitarem até seus compatriotas
missionários. Aparentemente, nem os estrangeiros e nem os missionários
conseguiam dialogar com a mentalidade local. Mesmo os trabalhos com populares
não atingiram sua eficácia, que seguiram a tendência nacional de se articular com
grupos sociais notáveis da região, como políticos, intelectuais e comerciantes.
No Pará, pelos relatos de missionários como Holden, além da dificuldade de
um clero católico romanista, também havia o próprio povo que ―não possuía
entendimento‖157, e ele via isso como um quadro geral, e tal visão abarcava até
mesmo os padres, e a respeito de todos garantia que ―não conseguia encontrar um
católico de verdade‖ na região.

156
GUEIROS, David Vieira. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.
Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1980, p.185.
157
Ibidem.
95

É interessante refletir sobre essa perspectiva, pois se o catolicismo na


sociedade brasileira era místico e sincrético. Os missionários protestantes paraenses
notavam no Pará esses fenômenos de forma muito acentuada. Havia ali dificuldades
semelhantes às sofridas pelos protestantes no resto do país, pois:

Apesar desse ―boom‖ protestante que se alastrava pelo Brasil,


ser evangélico naquela época era de uma dificuldade, pois
havia muita discriminação. O fim dos constrangimentos com
relação à lei só aconteceu com o advento da república e a
promulgação da primeira constituição republicana de 1891,
onde estado e religião foram oficialmente separados.158

Realmente a historiografia protestante brasileira nos dá embasamento para


identificarmos que houve verdadeiras dificuldades que os protestantes enfrentaram
na tentativa de propagar sua fé no país. Embora, diferentemente das afirmações do
autor, não acreditamos que os ―constrangimentos com relação a lei‖ aconteceram
após o advento da primeira república, visto que o catolicismo, mesmo tendo deixado
de ser a religião oficial do país, ainda era a religião hegemônica por aqui, e sua
coerção a religiões e ideais não católicos se manifestava nas mais diversas
instituições, inclusive nos aparelhos de estado. E isso justificava as constantes
ameaças de prisão que muitos desses protestantes sofriam, que iam desde
ameaças de prisão, violências físicas e simbólicas feitas pelo clero católico em
diversas regiões do Estado, que não cessaram no período republicano,
especialmente no Pará.

2.4 ―AS IGREJAS ESQUECIDAS‖: O PROTESTANTISMO NO BRASIL REPÚBLICA


EM BELÉM

Como dizíamos no capítulo anterior, no final do século XIX e início do XX, a


cidade de Belém se modernizava, ganhava status de metrópole, grandes obras de
infraestrutura saíam do papel, como suntuosas e espaçosas praças, teatros, ruas,
prédios, bondes circulando pela cidade, luzeiros espalhados pelas ruas clareando o
breu da noite, um aumento nos números do comércio e da economia. A maior parte

158
SANTOS, Marcelo; PINHEIRO, Jorge. Manual de história da Igreja e do pensamento cristão.
São Paulo: Fonte Editorial, 2013, p.342.
96

dessa modernização da cidade se devia aos altos lucros obtidos com a economia da
borracha, produto que o estado do Pará era o principal exportador.
Durante esse período, a cidade dobrou o número de moradores. Nos anos
de 1888 a 1920 a cidade passou de 66 mil para 236 mil habitantes, muitos vindos do
interior do estado ou mesmo de outas regiões do país como o Nordeste,
especialmente o estado do Ceará. Os motivos principais dessa migração incomum
eram a busca por trabalho e por uma vida melhor em uma cidade em franco
crescimento econômico. Apesar disso, memorialistas da cidade constantemente
denunciavam as mazelas sociais vistas por eles. Nos seus registros de percepções,
observavam construções deterioradas, um maior número de pessoas mendigando,
estruturas precárias, entre outras mazelas.
Também há registros da historiografia paraense com relação ao aumento do
número de mortos vitimados por epidemias que assolavam a região, como febre
amarela e lepra. Grandes alagamentos em uma cidade onde a maioria das ruas não
possuía um bom sistema de esgoto e pavimentação, o aumento da mendicância e
as famílias do estado que no período da borracha ostentaram grandes riquezas e
após a crise perderam muitos dos seus bens.159
Ao que parece, o estado continuava sendo visto internacionalmente, não
tanto pela economia que despontava, mas como um campo missionário para a
propagação da fé protestante, que nesse período já era um grupo religioso
identificado como sujeito social de relativa visibilidade na cidade.
No final do século XIX, já vemos um cenário um pouco diferente de décadas
anteriores: Um catolicismo que estava deixando de ser religião oficial em 1890, e um
protestantismo que ganhava força. Agora, além de missionários que vendiam bíblias
nos portos, havia congregações fixas, denominações com um número crescente de
membros que pregavam sobre sua fé nos templos, nas ruas, vendiam bíblias e
distribuíam folhetos e jornais protestantes. Ou seja, assim como no resto do país,

159
No jornal ―Folha do Norte‖ eram recorrentes os casos de epidemias, alagamentos e falta de luz.
Muitas mortes ocorreram nesse período e a crise econômica é apontada por alguns historiadores
como um fator que contribuía para as calamidades que ocorriam na cidade. A obra literária ―Belém do
Grão Pará‖, de Dalcídio Jurandir, narra a história de uma família que perdeu seus bens devido à crise
econômica da borracha, sendo um objeto de análise para retratar as famílias que perderam bens
financeiros nesse período. Para saber mais: CORRÊA, Ângela Tereza de Oliveira. História, cultura e
música em Belém: décadas de 1920 a 1940. Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2010. MIRANDA, Aristóteles Guilliod de. A epidemiologia das doenças infecciosas no início do
século XX e a criação da faculdade de medicina e cirurgia do Pará. Tese (Doutorado em Biologia
de Agentes Infecciosos e Parasitários), Universidade Federal do Pará, Belém, 2013.
97

podemos ver o protestantismo presente também na cidade de Belém, e ainda mais


consolidado que no período imperial.
Na última década do século XIX e primeira década do século XX,
denominações batistas, metodistas e presbiterianas passaram a funcionar
ativamente na cidade. Faziam cultos regulares semanalmente, tinham um
determinado número de fiéis que frequentavam e seguiam a fé protestante, ainda
conectados a caraterísticas do início do XIX, como, por exemplo, estar
constantemente propagando sua fé ao ar livre, vendendo bíblias e distribuindo
jornais e folhetos. Essas denominações eram lideradas por muitos missionários que
se tornaram pastores, gente que na maioria das vezes vinha de outros países, assim
como havia os que chegavam de outros estados brasileiros.
Um dos protestantes que se destacou nesse novo momento do
protestantismo no Pará foi o sueco Eurico Nelson. Destacou-se desde a Suécia,
onde vinha de uma denominação batista, e na juventude foi morar com a família nos
Estados Unidos. Um de seus biógrafos, José dos Reis Pereira, relata que o principal
motivo de sua ida aos Estados Unidos foi a perseguição que os batistas sofriam na
Suécia por serem considerados uma ―seita‖, muito malvista aos olhos do povo, onde
tinham a igreja Luterana como denominação oficial do estado e referência para a
população. A família de Eurico Nelson, junto com outros batistas, foi para os Estados
Unidos por lá ser a ―terra tradicional da liberdade religiosa e que sempre acolheu
generosamente todos aqueles que, desejando adorar a Deus segundo os ditames
de sua consciência, eram perseguidos pelo oficialismo intolerante‖160. O autor
menciona Nelson como alguém que abandonou a escola, trabalhava como peão na
fazenda, e, consequentemente, não possuía o mesmo cabedal intelectual de outros
missionários protestantes. Apesar disso, Pereira destaca que ―Eurico Nelson era um
menino de singular inteligência e grande vivacidade de espírito‖ e que ―Jornais e
livros que chegavam em sua casa eram por ele devorados com sofreguidão‖161.
Estamos considerando alguns possíveis exageros do biógrafo, pois ao
trabalhar com determinadas biografias precisamos ter cuidado com a linguagem
que, muitas vezes, retrata sempre os aspectos positivos do personagem principal.
Ponderando isso, acreditamos ser importante analisar suas entrelinhas, e ali

160
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945, p.21.
161
Ibidem.
98

podemos notar, desde já, alguns diferenciais de Eurico Nelson com relação a outros
missionários protestantes que foram a Belém do Pará no período imperial, pois parte
de sua trajetória religiosa foi herdada da Suécia; ele veio de uma família popular e
permaneceu com uma renda similar morando nos Estados Unidos. Contudo as
diferenciações de Eurico Nelson são claras, ele é um novo tipo de missionário
adentrando o solo amazônico para a proclamação da fé protestante; um estrangeiro,
sueco, que foi para os Estados Unidos como migrante, pertencente a uma religião
protestante praticada em grande parte por populares suecos. Esse ethos religioso
sueco também estará presente em sua trajetória missionária, diferenciando-o em
alguns aspectos da mentalidade missionária e teológica protestante norte-
americana.
Nos anos de 1890, Eurico Nelson leu em um jornal batista sueco uma carta
do missionário W.B. Bagby sobre o trabalho missionário batista no Brasil. Segundo
ele, tal carta ―dizia que o Brasil tinha se tornado uma república e agora era um
campo aberto para a pregação do evangelho‖162. Não conseguimos encontrar o
exemplar desse jornal sueco com a entrevista de W.B. Bagby, mas localizamos esse
fato retratado em outra biografia, ―The Apostle of the Amazon‖, de L. M. Bratcher, em
que ele diz: ―while there he head a letter written by missionary W. B. Bagby and
published in a swedish Baptist missionary said in his letter that Brasil was now
republic and entirely open to the preaching of the gospel‖163. Se as informações da
notícia se alinharem com o que está escrito na biografia, notamos que o Brasil, ao se
tornar república, passa a ter um regime político atrativo, a ponto de se transformar
numa legítima propaganda internacional, atraindo mais cristãos protestantes
residentes nos Estados Unidos para se tornarem missionários em terras brasileiras.
Fica claro o quanto a abertura do regime republicano para outras religiões era
motivo de propaganda internacional para a vinda de novos missionários norte-
americanos.
Eurico Nelson conta em uma matéria, acerca de sua trajetória missionária
nas regiões do Pará e de Manaus, sobre seu interesse em ir à Amazônia:

[...] Quando ainda residia na América, em um dia de outubro de


1890, veio-me ao pensamento a ideia de trabalhar no Valle do

162
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945, p.37.
163
BRATCHER, L. M. The apostle os the amazonas. Nashville, Tennessee, 1952.
99

amazonas, havia completado um mez como pregador do


evangelho, no Estado de Kansas, e o meu pensamento de
trabalhar no amazonas era minha preocupação continua. Em
janeiro de 1891 finalmente resolvi seguir para Belém do Pará,
onde cheguei no dia 19 de setembro do mesmo anno.
Enquanto aprendia a língua portuguesa, ocupava-me de pregar
a bordo dos navios de vela, surtos do porto de Belém, na maior
parte noruegueses, suecos e ingleses, e a ajudar nos hospitais
o tratamento dos doentes, especialmente estrangeiros,
atacados com a febre amarella, que até então grassava
intensamente. [...]164

Eurico Nelson chega a Belém do Pará com a economia em alta, um alto


fluxo de estrangeiros a visitar a cidade, principalmente a negócios, fato que apenas
se potencializava havia décadas, fruto das relações internacionais feitas entre Brasil,
Estados Unidos e Europa, países que foram apenas fortalecidos na República,
especialmente no trânsito marítimo de cidadãos estrangeiros em rios da região
amazônica.
Apesar disso, notamos doenças como a febre amarela atingindo a cidade
como pano de fundo desse glamour apresentado no centro da cidade no período da
belle époque. Ezilene Fontes, ao retratar a conjuntura social de Belém na chegada
de Eurico Nelson à cidade, enfatizou as epidemias que estavam ocorrendo por lá na
época, em especial a de Febre Amarela. Em sua pesquisa, a autora cita discussões
com diversos autores do Pará sobre a presença da doença na cidade, e notou o
quanto esse era um assunto considerado habitual na província, assim como outras
epidemias e suas consequências, o que mostra que a doença já fazia parte do
cotidiano da região e que atingia diversas pessoas, como notado por Eurico Nelson
e mesmo outros missionários protestantes que viam o Pará como seu campo
missionário.165 Uma doença que atingiu até mesmo a esposa de Eurico Nelson, Ida
Nelson. Como o próprio missionário que residia no Pará, Justus Nelson, escreve em
seu jornal, ―O Apologista Christão Brazileiro‖, dizendo que: ―a esposa do pastor
Eurico Nelson cahiu doente de febre amarela em 17 do mês de fundo, porém na

164
O JORNAL BATISTA. ―Campo Baptista Amazonense‖. Manaus, 04/01/1923.
165
A dissertação de mestrado de Ezilene Ribeiro conta toda a trajetória de Eurico Nelson, tanto pelas
biografias escritas como por fontes de jornais, o que dá um enriquecimento para a sua análise sobre
o missionário batista. RIBEIRO, Ezilene. Eurico Alfredo Nelson (1862-1939) e a inserção dos
batistas em Belém do Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), Universidade
Metodista de São Paulo, São Paulo, 2011, p.23.
100

data de escrever-se essa notícia (27) já se achava felizmente em franca


convalescência‖.166
Ezilene nos mostra a intensão de Eurico Nelson em se posicionar como um
agente ativo de transformação social à luz do cenário em que se encontrava, visto
que além de atender os doentes de febre amarela ele pretendia ―construir um asilo
para cuidar dos doentes de febre amarela‖, fato que gerou uma nota do jornal
metodista ―O Apologista Christão Brazileiro‖, que dizia que ―apoiado por seus amigos
pessoais e filantrópicos da pátria, e também pelos estrangeiros, do seu idioma na
capital, elle presente abrir um modesto asylo para os marinheiros no bairro do
comércio‖167. A autora mostra, entretanto, que esse projeto não continuou.168
Eurico Nelson tinha seus contatos pessoais e apoio, seja das pessoas de
―seu idioma‖, amigos e até mesmo ―filantrópicos da pátria‖, referência a possíveis
políticos ligados ao regime republicano, pois em algumas matérias do jornal ―O
Apologista Christão Brazileiro‖ eram definidos como ―filantropos‖ por Justus Nelson.
Desses grupos apoiadores de Eurico nenhum parecia ser necessariamente
protestante, o que mostra um possível contato com pessoas de outros grupos
sociais da cidade que vão além da Igreja, uma tendência semelhante com a ocorrida
por protestantes que foram para a cidade antes dele, e até mesmo de protestantes
contemporâneos seus.
A historiografia considera o sueco Eurico Alfredo Nelson como o pioneiro
para o nascimento da denominação batista no Pará. Quando, em 1891, ele ―chegava
ao Brasil em plena festa de Nossa Senhora de Nazaré‖169, a ―festa Católica por
excelência da cidade‖, e o autor continua dizendo que ―Foi assim, pouco rude o
primeiro contacto de Nelson com a idolatria romanista‖.170 Segundo o autor, Eurico
Nelson chegou na cidade já tendo contato com uma das principais práticas do
catolicismo paraense. A biografia já deixa claro seu juízo de valor diante do contato
de Nelson com a festa de Nossa Senhora de Nazaré, uma ―festa idólatra‖, contrária
a fé protestante que Nelson propagaria na cidade. O autor já nos condiciona a um

166
Apud: RIBEIRO, Ezilene. Eurico Alfredo Nelson (1862-1939) e a inserção dos batistas em
Belém do Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), Universidade Metodista de São
Paulo, São Paulo, 2011, p.22.
167
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Justus Nelson‖. Belém, 21/11/1891.
168
RIBEIRO, op. cit., p.28.
169
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945, p.45.
170
Ibidem.
101

antagonismo entre catolicismo e protestantismo na cidade que se tornará visível nas


fontes documentais que veremos posteriormente.
Eurico Nelson também costumava vender bíblias que lhe eram oferecidas
pela Sociedade Bíblica Americana, ele as vendia nos portos ou em locais
estratégicos da cidade, como ―em frente ao Hotel América‖, um hotel importante no
centro.171 Também distribuía edições do ―Jornal Batista‖ que circulava por todo o
país, com o objetivo de ensinar sobre a fé batista, dizer o que acontecia nas
congregações batistas pelos estados brasileiros, publicar estudos bíblicos e criticar
algumas religiões não protestantes e, até mesmo, vertentes do próprio
protestantismo, espiritismo, catolicismo, calvinismo e, anos depois, o
pentecostalismo. Após alguns anos na proclamação da fé batista na cidade, ele foi a
Manaus, onde continuou seu trabalho missionário. Outro personagem importante do
protestantismo paraense nesse período é o sueco metodista Justus Nelson. O
―turbulento‖ pastor, como define José dos Reis Pereira em rápidas citações ao
metodista, chega a Belém em 1880 e permanece na cidade até o ano de 1925. Uma
das principais fontes que temos acerca de sua estadia na cidade, seu ministério e
obras feitas na região é o jornal que o pastor metodista publicou na cidade por 20
anos (1890-1910); e após 15 anos voltou a publicar apenas um volume explicando
sua trajetória como um missionário brasileiro e o motivo de sua partida em 1925.
Segundo descrito na última edição do jornal ―O Apologista Christão
Brazileiro‖, Justus Nelson, um sueco que foi para os Estados Unidos ainda criança, e
durante esse período viveu ali até decidir ser um missionário na América Latina, veio
ao Brasil por conta de um projeto missionário chamado Taylor Self Supporting
Mission, que levaria missionários norte-americanos metodistas para regiões como
Pará, Maranhão, Pernambuco e Bahia. Todavia, segundo o próprio pastor, esse
projeto missionário não deu certo, embora tenha sido a partir dele que Justus. N.
Nelson chegou ao Brasil, e precisamente a Belém do Pará.
Uma das formas de ingresso e consolidação da fé protestante no país era a
partir de uma instituição de ensino chamada ―Collegio Americano‖. Alguns bacharéis
norte-americanos vêm ao Brasil junto com Justus Nelson para o projeto, que
também seria aplicado nas províncias citadas acima. Todavia, nos outros estados os
colégios não duraram nem um ano, Justus Nelson procurou perseverar, chamando

171
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945, p.55.
102

outros bacharéis, incluindo seus irmãos e sua cunhada. Um de seus irmãos, Jonh
Nelson, morre de febre amarela, assim como a esposa de seu outro irmão, James
Willet Nelson. Esse acontecimento fez com que o seu irmão que se encontrava vivo
voltasse para os Estados Unidos, fazendo com que, em 1882, Justus Nelson
inicialmente desistisse do Collegio Americano.172
Daí notamos a continuidade da ideia do protestantismo de missão focado em
modificar a sociedade na qual se insere por elementos que vão além da questão
religiosa, mas também educacional, de saúde, etc. Há uma mentalidade institucional
que vai além da construção de congregações protestantes, trata-se de uma
cosmovisão protestante norte-americana. Alex Seabra dos Santos nos conta que em
1883, após algumas pregações em cultos domiciliares em períodos anteriores, é
inaugurada a primeira Igreja Metodista Episcopal do Pará onde Justus Nelson se
tornara pastor.173 Em 1884 Justus Nelson também reabre o Colégio Americano,
sendo sócio do intelectual paraense José Veríssimo.174
O jornal ―O Apologista Christão Brazileiro‖ em si foi outro feito do missionário
metodista, ele se destacava como ―Um jornal noticioso, semanal, para as famílias,
dedicado à formação da fé evangélica e da boa moral‖ 175. Nele ―Nelson publicou
notícias do Brasil e do estrangeiro, atos governamentais, da região, propagou
exposições doutrinárias, esclareceu sobre a taxa de câmbio, preço da borracha e
principalmente fatos religiosos‖176. Tudo isso em um periódico onde ele mesmo era o
chefe, redator e o principal articulista, escrevendo sozinho a maior parte do
conteúdo. O jornal circulou durante 20 anos, quinzenalmente, retomando em edição
única em 1925, já como edição de encerramento. Foi um importante periódico

172
Essa trajetória de Justus Nelson é retratada com maiores detalhes na última matéria do jornal ―O
Apologista Christão Brazileiro‖, na última publicação do jornal, em 1925.
173
SANTOS, Alex Seabra. O protestantismo metodista em Belém: buscando determinações de sua
efetivação (1880-1896). Monografia (Graduação em História), UFPA, Belém - PA, 2000, p.29.
174
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 1925. Nesta matéria, este relata a breve
parceria entre Justus Nelson e José Veríssimo. O intelectual José Veríssimo nasceu em Óbidos, no
Pará, em 1857, e faleceu, no Rio de Janeiro, em 1916, passando parte de sua vida intelectual no
Pará e parte na capital da República, onde fundou e participou ativamente da Academia Brasileira de
Letras (ABL) e da Revista Brasileira. O autor foi estudioso importante nas discussões sobre as
conseqüências do colonialismo português e as tentativas frustradas de uma política republicana de
educação no Brasil. Para José Veríssimo, a educação pública deveria estrategicamente superar as
degenerescências raciais, especialmente localizadas nos sertões do Brasil, promovidas pela
colonização. Para saber mais, ver: ARAUJO, Sonia Maria da Silva. Educação republicana sob a ótica
de José Veríssimo. Educar em Revista. Curitiba, n. especial 2, p.303-318, 2010.
175
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 1890.
176
COSTA, Heliane Monteiro da. Tensões entre metodistas e Igreja Católica, Belém (1890-1925).
Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião), UEPA, Belém, 2013, p.77.
103

servindo como propagador de notícias locais, nacionais e internacionais e,


principalmente, foi um aparelho difusor da fé protestante na capital paraense.
Quando lemos o jornal e nos aprofundamos mais na trajetória de Justus
Nelson na cidade, compreendemos a pecha de ―turbulento‖ dada a ele.177 Nas várias
temáticas retratadas pelo jornal ―O Apologista Christão Brazileiro‖, Nelson defendia
ideais políticos, especialmente o regime republicano, além de defesas do casamento
civil e separação entre Igreja e Estado. Também criticava as doutrinas internas do
protestantismo, a predestinação calvinista, cosmovisão protestante que enfatiza a
soberania de Deus na salvação, onde Deus elege seu povo, acerca da qual Justus
Nelson afirmava ser uma doutrina ―monstruosa‖. Criticava ainda a continuidade do
batismo infantil, alegando que ―o baptismo de crianças deve conservar-se na
egreja‖178, contrariando o pensamento batista que considerava o ato herético,
criando tensões com o próprio Eurico Nelson179, além das relativas aos dogmas da
Igreja Católica nos mais de 20 anos de circulação do seu jornal. Logo durante as
primeiras publicações, Justus Nelson foi autor de diversas polêmicas contra o
catolicismo vigente e defesa da fé protestante. Eram constantes as matérias do seu
jornal e panfletos que ele entregava pessoalmente em frente às missas católicas da
cidade, criticando a devoção dos paraenses à Nossa Senhora de Nazaré. 180
Polêmicas como essas foram responsáveis por levar o pastor metodista à prisão por
4 meses em 1892, por ―ultraje à religião católica‖.
Mesmo com essas constantes polêmicas e prisões, a denominação
metodista encabeçada por Justus Nelson cresceu no decorrer dos anos; em 1895 já
possuía 44 membros professos, 26 candidatos à membresia e 250 simpatizantes. 181
Além de manter diálogos com grupos políticos da cidade, o pastor publicava
constantemente em seu jornal notícias do partido republicano, e em alguns

177
Termo utilizado por José Reis Pereira ao citar Justus Nelson na Biografia de Eurico Nelson.
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945.
178
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 15/02/1890.
179
Esse fato é mencionado no último capítulo de: RIBEIRO, Ezilene. Eurico Alfredo Nelson (1862-
1939) e a inserção dos batistas em Belém do Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião), Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo, 2011.
180
Essa prisão e todos os processos de julgamento podem ser achados no jornal ―O Apologista
Christão Brazileiro‖ e também em trabalhos como: COSTA, Heliane Monteiro da. Tensões entre
metodistas e Igreja Católica, Belém (1890-1925). Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião),
UEPA, Belém, 2013. SANTOS, Alex Seabra. O protestantismo metodista em Belém: buscando
determinações de sua efetivação (1880-1896). Monografia (Graduação em História), UFPA, Belém -
PA, 2000. O caso da prisão de Justus Nelson e seus conflitos com o catolicismo vigente serão melhor
retratados no quarto capítulo.
181
COSTA, op. cit., p.70.
104

momentos, jornais como ―O Democrata‖, que circulava nesse período substituindo o


―Liberal do Pará‖, anunciava eventos de sua igreja, como cultos e casamentos.
Exemplo a seguir do aviso ―Casamentos acatólicos‖, publicado em 1890:

No dia 1º do corrente na casa n27 á travessa do príncipe desta


capital, pelo revd Justus Nelson, pastor da igreja Methodista
Episcopal, forão casados oo sr Marcellino Duarte, e a exm srª d
Adelaide do Carmo Nobre Salgado. Servirão de testemunhas
do acto religioso os sr. Antônio José Duarte e Francisco
Romano da Costa.182

Apesar do crescimento em poucos anos e desses vastos contatos com


grupos sociais importantes da cidade, aparentemente a Igreja Metodista Episcopal
não alcançou um número muito expressivo de membros. Ao menos aos olhos do
próprio Justus Nelson, que, na última publicação do Jornal ―O Apologista Christão
Brazileiro‖, em 1925, se manifesta acerca de sua saída da cidade após 45 anos de
ministério. No texto, após narrar sua trajetória missionária, dificuldades financeiras,
prisões e perseguições, conclui que

Se a egreja Metodista episcopal, nesses 45 annos no Brasil,


conseguiu attrair algumas pessoas a uma vida limpa, por mais
diminuto que seja o número, fica plenamente justificado o
dispêndio aqui feito, de dinheiro, de trabalho, e de vidas
ceifadas já no seu primor.183

Vale observar que ele reconhece que foram atraídas apenas ―algumas‖
pessoas, embora, pela mensagem, mostra-se satisfeito com seu trabalho. Se essas
pessoas passarem a ter ―uma vida limpa‖, a transformação ética e moral promovida
pelo protestantismo estará concluída, porque é característica do protestantismo
histórico, uma das características da salvação. Essa dificuldade do pastor metodista
com um número expressivo de conversões ao protestantismo se soma aos relatos
de José dos reis Pereira que, em alguns trechos da biografia de Eurico Nelson, ao
retratar sobre a trajetória do pastor Justus Nelson, afirma que:

Havia, em Belém, por essa época, um missionário metodista,


Justus. H. Nelson. Êste, que passava por médico, tinha vindo
em companhia de outros missionários em 1885, com o bispo

182
O DEMOCRATA. ―Casamentos acatólicos‖. Belém, 1890.
183
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 1925.
105

metodista William Taylor, afim de estabelecer o trabalho na


amazônia. Julgavam eles que se poderiam manter dando aulas
de inglês. Começaram com animação a empresa em Belém e
em Manaus, mas dentro em pouco alguns morreram de febre
amarela, outros abandonaram o campo e Justus H. Nelson
ficou só com sua esposa. Lutou quarenta anos em Belém,
sem conseguir estabelecer trabalho sólido. Isso prova o
quanto era difícil o campo que Eurico Nelson escolheu.184
(grifo nosso)

Mesmo Justus Nelson sendo utilizado por Pereira nesse aspecto apenas
para exaltar o protagonismo de Eurico Nelson como um missionário em um campo
extraordinariamente difícil de se propagar a fé protestante, a dificuldade de Justus
Nelson era reconhecida por ele mesmo em seu jornal. Dificuldade da qual também
aparentemente passou Eurico Nelson e diversos protestantes que os antecederam.
Ambos procuraram ser agentes ativos na cidade, ambos procuraram se articular com
outros grupos sociais não vinculados ao protestantismo. Ambos procuraram
trabalhar na área da saúde. E Justus Nelson, indo além do movimento batista na
região, criou seu próprio veículo de imprensa e uma instituição de ensino própria,
que, mesmo entre idas e vindas, durou alguns anos. Justus Nelson em sua trajetória
teve reconhecimento de grupos políticos do período, especialmente os republicanos,
e foi um agente ativo para uma tentativa de transformação da cidade, tanto pela via
religiosa como pela política, educação e saúde.185
A partir do aprofundamento da pesquisa sobre o protestantismo na cidade
de Belém no período republicano, encontramos outra denominação que foi pouco
pesquisada, e parte das fontes que a ela se referem encontramos apenas
posteriormente, na cidade de São Paulo. Trata-se da Igreja Presbiteriana do Pará.
Segundo Martin Dreher, o primeiro presbiteriano a surgir no Pará, foi o
reverendo Blackford, em 1878, que fazia seu trabalho missionário distribuindo
bíblias, trechos das escrituras e pregações ao ar livre. Dreher cita apenas uma
pequena reunião de fiéis presbiterianos, sendo que a maioria esmagadora era de
migrantes nordestinos. Lísias Nogueira diz que esses nordestinos foram os que
184
PEREIRA, José dos Reis. O Apóstolo da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,
1945, p.47.
185
Eurico Nelson e Justus Nelson foram lembrados em alguns trabalhos historiográficos, seja por
biógrafos que se interessaram pela sua trajetória de vida, ou por historiadores e cientistas da religião
presentes em Belém ou de outras partes do país que procuraram se utilizar deles para traçar a
história da religiosidade na cidade. Trabalhos sobre eles estão presentes na Universidade Estadual
do Pará - UEPA, na Faculdade Batista Equatorial - FATEBE e o Jornal ―O Apologista Christão
Brazileiro‖ está presente no arquivo público do Pará. Parte dele também está digitalizado na
Hemeroteca digital do Rio de Janeiro.
106

levaram o presbiterianismo para a cidade, pois muitos já praticavam sua fé em seu


local de origem.186 Na Igreja Presbiteriana Independente também notamos esse
fenômeno. O reverendo Lessa, na publicação do jornal ―O Estandarte‖, em 1907,diz
que

A imigração para aqui é fornecida pelos estados vizinhos,


notadamente pelo Ceará e Rio Grande do Norte. Para se fazer
uma idea da afluência de pessoas dos estados vizinhos, basta
notar que, entre os cincoenta membros de nossa egreja
independente, temos sergipanos, alagoanos, pernambucanos,
rio grandenses do norte, cearenses, piauhyenses,
maranhenses, e paraenses. A Parahyiba está representada
entre os congregados.187

Ainda assim, o Dreher nos mostra que nos anos seguintes o movimento não
se consolidou e prosperou, mesmo nas primeiras décadas no século XX, o autor
regista que em 1917 a Igreja Presbiteriana se encontrava apenas com uma sala de
oração. Dreher refere que na ata da Primeira Igreja Presbiteriana do Pará, na
câmara dos deputados, há um informe sobre os 100 anos da igreja na cidade:

A organização da Igreja Presbiteriana de Belém ocorreu em 09


de novembro de 1904, sob a orientação dos Pastores Belmiro
de Araújo César e Willian Thompson, sendo empossado no
Pastorado da Igreja o Reverendo Carlos R. Womeldorf. No ano
seguinte, 1905, o Rev. Womeldorf necessitou ir aos Estados
Unidos da América em busca de saúde para sua esposa. Daí
em diante, até 1910, a Igreja Presbiteriana de Belém ficou
sendo assistida pelos pastores Willian Thompson, Rev.
Langdon Herderlite e Rev. João Marques da Mota Sobrinho.
Este último sendo o primeiro Pastor brasileiro residente. Em
1912, a Igreja foi pastoreada pelo ilustre Pr. José Martins
Leitão. No período de 1917 a 1924, a Igreja ficou sem Pastor
efetivo, recebendo Pastores que vinham periodicamente do
Ceará ou do Maranhão para ministrar atos eclesiásticos. Foi
destaque, ainda, a passagem do Rev. Antônio Teixeira
Gueiros, que no período de 1925 a 1938 foi o Pastor

186
DREHER, Martin. O protestantismo na Amazônia. In: HOOTNEART, Eduardo (Coord.). História
da Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992, p.86.
187
Procuramos a obra original de Daniel Kidder sobre as suas viagens no Norte no site do senado
federal e em bibliotecas em Belém do Pará e em São Paulo, mas não encontramos as obras
espefcíficas da região Norte disponíveis. Perto de finalizarmos esta pesquisa, descobrimos que há
uma cópia da obra disponível no setor de Educação Física da USP, deslocada para lá devido a uma
reforma feita em algumas outras bibliotecas. Mas também não conseguimos ter acesso a obra, então
retiramos os trechos da obra de outro autor. KIDDER, Daniel. Reminiscências de viagens e
permanências no Brasil: províncias do Norte. Brasilia: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008.
Apud: SILVA, Claudio Lísias Gonçalves dos Reis. “Ganhar almas para Cristo” e as relações de
poder: a propaganda protestante em Belém do Pará. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião), UEPA, Belém, 2014, p.86.
107

responsável direto pela construção do Templo da Igreja


Presbiteriana de Belém, cuja inauguração ocorreu em 1938.188

Notamos, assim, que as mudanças eclesiásticas da Igreja Presbiteriana


eram constantes no início do século XX, os pastores se revezavam constantemente
e durante 5 anos a igreja ficou sem pastor efetivo. Isso mostra que, provavelmente,
não houve um trabalho consistente a longo ou médio prazo dessa denominação na
cidade.
Contudo, ao final do trecho nota-se que a liderança mais duradoura na igreja
nesse período foi do reverendo Antônio Teixeira Gueiros, que é citado rapidamente
por Dreher. Porém, a informação que ele apresenta é de grande relevância; segundo
ele ―no Pará viria a se destacar o Rev. Teixeira Gueiros, que em virtude de sua
atividade política viria a se tornar governador do estado‖189.
O pastor presbiteriano Antônio Teixeira Gueiros foi chamado para liderar a
Primeira Igreja Presbiteriana do Pará em 1925. Além dele ser o líder presbiteriano
que perdurou mais tempo como pastor da igreja presbiteriana em Belém, também
chegou a se destacar na política a partir da década de 1940 como deputado,
superintendente da Polícia Militar e vice-governador do Pará. Nesse período,
continuou exercendo o papel de pastor presbiteriano, cargos que foram ocupados
por ele em um período um pouco posterior à temporalidade que retrataremos em
nosso trabalho, mas esses dados já mostram o quando o reverendo era articulado
politicamente e um líder religioso diferenciado na cidade. Também notamos o quanto

188
DREHER, Martin. O protestantismo na Amazônia. In: HOOTNEART, Eduardo (Coord.). História da
Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992.
189
Ibidem, p.329. Na verdade, acreditamos que esse dado de que Antônio Teixeira Gueiros se tornou
governador do Pará foi engano. Retratando aqui melhor a sua biografia, Antônio Teixeira Gueiros foi
professor, promotor público em Belém, chefe de polícia durante a Segunda Guerra Mundial, na
interventoria de Joaquim de Magalhães Barata, e consultor jurídico-geral do estado. Em janeiro de
1947, elegeu-se deputado à Assembléia Constituinte do Pará na legenda do Partido Social
Democrático (PSD). Assumindo o mandato ainda nesse ano, tornou-se presidente da Assembléia e.
por várias vezes. ocupou interinamente o executivo estadual. No pleito de outubro de 1950,
candidatou-se a uma cadeira na Câmara Federal pelo estado do Pará na legenda do PSD, obtendo a
primeira suplência. Em janeiro de 1951, deixou a Assembléia paraense, assumindo o mandato na
Câmara em janeiro de 1954 em substituição a Osvaldo Orico. Em outubro de 1954, elegeu-se
deputado federal pelo mesmo estado na legenda da Aliança Social Democrática, coligação formada
pelo PSD e pelo Partido de Representação Popular. No pleito de outubro de 1958 candidatou-se à
reeleição, obtendo a segunda suplência. Deixou a Câmara dos Deputados em janeiro de 1959,
quando terminou seu mandato e tornou-se membro do Instituto dos Advogados do Pará, presidente
do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, diretor da Sociedade Bíblica do Brasil e conselheiro da
World Wide Evangelization Cruzade, com sede em Londres. Foi ainda secretário-geral do Pará.
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS - FGV. Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil - CPDOC. Verbete - Teixeira Gueiros. s/d. Disponível em: <http://www.fgv.
br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/antonio-teixeira-gueiros>.
108

Gueiros ganhou uma grande notoriedade como pastor, conseguindo ter acesso à
grande imprensa para propagar suas ideias políticas, econômicas e sociais,
incluindo a propagação da fé protestante. Escreveu em jornais como ―A Província do
Pará‖, ―O Estado do Pará‖ e ―Folha do Norte‖.
Além disso, Gueiros foi um difusor do jornal ―Norte Evangélico‖, um jornal
presbiteriano feito especialmente para os estados do Norte e Nordeste do país,
tentando cobrir a dificuldade da imprensa presbiteriana do Sudeste em abarcar os
territórios do Norte e Nordeste.
O Jornal ―Norte Evangélico‖, além de publicar os acontecimentos recorrentes
nas igrejas do Norte e Nordeste, publicava atas de reuniões de presbitérios e
notícias das igrejas em outras partes do Brasil. Também publicava matérias de
conteúdo teológico e doutrinário através de estudos bíblicos. Percebemos seus
posicionamentos com relação ao catolicismo, sempre publicando colunas como
―Marianismo‖, em que a devoção mariana era refutada, assim como colunas a
respeito, por exemplo, de ―bíblias falsas‖, matérias nas quais defendia a veracidade
da bíblia protestante. Nas matérias também notamos claramente sua politização,
que constantemente exaltavam o regime republicano e traziam temáticas sobre
ícones importantes para a república nesse período, como Ruy Barbosa. Muitas das
polêmicas contra católicos levantadas pelo jornal tinham um viés majoritariamente
político, como o debate sobre o ensino religioso em colégios protestantes e a
liberdade religiosa na República.
A Amazônia sempre era posta como uma região problemática, com poucos
obreiros e pouco financiamento. No artigo ―Da Amazônia‖ ele fala da igreja do Pará
com muito lamento, como uma igreja ―esquecida‖ pelas lideranças do presbitério nas
regiões Norte e Nordeste do país.

Atirados para este fim de mundo da Amazônia, sem os


recursos de que despoem, para um trabalho eficiente, egrejas
de outras circumscripções do paíz, mesmo no norte do Brasil,
vamos por aqui laborando, no círculo reduzido das nossas
habilidades, o trabalho bem dito da Seára... E vamos para a
diante, sem desfalecimentos, posto que pequeninos e poucos
obreiros... Sem pastor, sem um missionário – e neste particular
vae de parelha com nosco a egreja de Manaos – a Egreja
presbiteriana de Belém, pobre e humilde, mas activa e
enthusiasta, trabalha, trabalha, e vê, e colhe, a cada passo, os
fructos de sua actividade fecunda. Mas... nem um pastor, nem
um missionário a colaborar neste grande e santo trabalho...
109

Porque nos deixam sós... porque nos deixam tão sós,


empenhados na dura peleja, aquelles que, lá longe, nos
sorriem, nos festejam, com saudações alviçareiras, e lá se
ficam? Febre Amarela?... Malaria?... Kobras kilometricas?, e
onças vorazes, e índios feios e caniballes a povoarem as ruas
civilizadas das cidades da Amazônia? Lendas... Fábulas...
Lendas... [...]190

Essa é uma matéria que mostra toda sua carga de apelo, para que os
leitores do jornal, lideranças e missionários se compadeçam pelo trabalho na Igreja
Presbiteriana na Amazônia como um todo, em especial Manaus e Pará. Revela,
assim, algumas visões que aparentavam ser de senso comum sobre a região,
começando por descrever seu campo missionário como ―fim de mundo‖, e sem os
recursos que outras igrejas em outras partes do país dispunham, além de estarem
sem pastores e missionários. Uma situação aparentemente caótica e apelativa, que
mostra que o jornal estava servindo como um canal de apelo para que pastores e
missionários se interessassem por esse campo.
A Amazônia como uma região de ―fim de mundo‖, ainda povoada por índios
canibais, cobras e onças e diversas epidemias como febre Amarela e Malária,
ocupavam de fato o imaginário de grande parte da população brasileira, incluindo os
presbiterianos. Mas em certa medida vemos que boa parte dessa percepção não era
assim tão lendárias. As epidemias, como a febre amarela, por exemplo, eram casos
recorrentes na cidade e atingiam pessoas incluindo muitos estrangeiros e parentes
dos missionários, como a esposa de Eurico Nelson ou o irmão e a cunhada de
Justus Nelson, que por sinal morreram.
David Vieira Gueiros, em seu livro sobre a família Gueiros, destaca dois
membros dessa família que foram ao Pará como missionários presbiterianos, dois
com nomes bem semelhantes. ―Antônio Gueiros‖ e ―Antônio Teixeira Gueiros‖. O
primeiro, ao ir para a cidade, não ficou por muito tempo justamente pelo surto de
doenças que ocorriam na região. Voltou para o Ceará com a família após a filha
sofrer de febre amarela; o segundo, Antônio Teixeira Gueiros, como já dissemos, foi
o missionário cearense enviado ao Pará e que ali continuou até o fim da sua vida,
fato retratado inclusive na continuidade da matéria ―Da Amazônia‖:

Revdo dr Teixeira Gueiros Estamos a espera deste nosso


querido irmão, evangelista, pelo presbyterio do Norte, das

190
NORTE EVANGÉLICO. ―Da Amazônia‖. Garanhuns, 1923.
110

egrejas do Pará e Amazônas. Prometida para maio a sua visita,


adiada, a contragosto seu, pela superveniência de imprevistos
sucessivos, vamos, agora ter, a alegria de abraçar o infagável
e consagrado obreiro, joven culto de palavra fluente e
poderosa. Na próxima quarta feira, acompanhado de sua
exma. Srª esposa d. Zoe de motta Teixeira Gueiros, chegará a
essas paragens, pelo Ceará, do Lloyd o nosso illustre pastor,
que, a custo de tenacidade e talento, conquista, este anno, o
honroso titulo de bacharel em sciencias jurídicas e sociaes.
Deus abençoe e guarde o seu servo a quem galardoa, com os
louros dos mais altos prêmios.191

Diante de todo o cenário de desolação descrito pela matéria com relação ao


campo missionário presbiteriano nas regiões do Amazonas e Pará, Antônio Teixeira
Gueiros no final da matéria é descrito como o missionário que se prontificou a ir a
este ―fim de mundo‖ ajudar na difusão do presbiterianismo na região. O fato de
Antônio Teixeira Gueiros ser o homem que se dispôs a ir a uma região tão difícil,
―isolada‖, com pouca estrutura e epidemias e passando por crises econômicas
mostra um discurso de heroização do sujeito, e apelo para que o público alvo do
jornal siga seu exemplo.
Após sua viagem mencionada na matéria anterior, após um tempo na igreja
de Belém, Teixeira Gueiros conta suas percepções sobre a igreja presbiteriana em
Belém:

Escrevo aqui de Belém do Pará para transmittir aos leitores os mais


importantes informes do nosso movimento evangélico neste campo. Chegamos
aqui (eu e minha senhora) no dia 4 do fluente depois de uma rápida e feliz
viagem de Fortaleza para Belém pelo vapor Ceará do Lloyd brasileiro [...] “A
egreja tem mesmo como uma das maiores bênçãos uma idea feliz da sua
localização da avenida onde se encontra. Esta circumstancia tem feito attrahir
ao local dos nossos cultos, constantemente, assistências que são verdadeiras
multidões, talvez não seja exagero dizer que as egrejas do Pará nunca foram
frequentadas por assistências tão numerosas como as que, de commum,
constituem os nossos auditórios. No último culto (que foi o de hontem), por
exemplo, não somente o nosso vasto salão de cultos actual, como a sua entrada
e considerável área em frente a egreja, ficaram apinhados de curiosos em todo o
tempo em que o pregador da noite, que era o Dr. Severino Silva, empolgou o
audictorio com sua palavra de oiro, na exposição da mensagem da cruz, durante

191
NORTE EVANGÉLICO. ―Da Amazônia‖. Garanhuns, 1923.
111

todos os actos dos cultos, em que foram recebidos profissão de fé e baptismo 4


irmãos congregados em que celebramos também a ceia do Senhor.
A egreja do Pará atravessa uma das phases mais brilhantes da sua
história. Ella está sendo hoje, graças á actividade incansável do Dr. Severino
Silva, e o seu zelo intransitivel, o vehiculo do evangelho para o grande meio
paraense. O evangelho que se prega hoje e é conhecido hoje tanto na choupana
do Pobre, nos vários arrabaldes de Belém, como nos largos e praças
movimentados desta metrópole setrenptrional, frequentados pelos que se julgam
mais illustres e melhor arquivadas nas posições e distinções sociaes, prega tanto
nos vastos, mas modestos salões das egrejas, como das columnas de grandes
órgãos, paladino da imprensa do norte, que é a Folha do Norte. A perspectiva do
trabalho é a mais lisonjeira possível. A este esforço e esta operosidade da
egreja, encabeçada pelos seus oficiaes consagrados se sucedem conversões
animadoras. Afora os 12 ou 13 membros recebidos em fevereiro por ocasião do
presbyterio, acabei de receber hontem, consoante referi acima, 4 pessoas mais
para a comunhão da egreja, além de cinco creanças que foram consagradas
pelo rito do baptismo, cujos nomes este periódico inserirá noutra parte.Estes
dados provam tão somente que a egreja trabalha, mas que Deus sanciona,
aprova o seu trabalho por esta derrama sensível e abundante de fructos sobre a
mesma. Bem haja, pois, a egreja no santo esforço em que se empenha de tornar
Christo conhecido a este grande povo, e que Christo crucificado seja em breve a
magna esperança dos milhares de filhos da gleba paraense, destinados por
Deus ao grosso das nossas fileiras [...] Antes porém de finalizar esta
correspondência quero consignar aqui um apello em favor da egreja do Pará
neste seu novo empenho de adquirir um prédio próprio e bem situado para sua
sede. Esta egreja é merecedora do apoio e auxílio de todas as suas irmãs, E’
uma das mais antigas no norte. E’ uma das mais antigas no norte e única, das
capitaes, que não possue um templo próprio. Já mais de uma vez temos
salientado que apesar do esforço e da dedicação dos irmãos, a egreja não pode,
com recursos locaes, dos seus membros pobres na sua totalidade, sem o
concurso de fóra, de outros mui generosos, levar a effeito este seu desejo, que é
uma grande necessidade local. Que os irmãos de outros locaes comprehendam
a situação da egreja do Pará e venham generosa e fraternalmente em seu
socorro; abram as suas entranhas, e o seu bolso para com essa egreja luctadora
e paciente, a egreja está fazendo sua parte. Está fazendo o que é possível. Os
irmãos cotizam-se quase que mensalmente para ver se em breve, terão
realizada a grande aspiração de todos, de dotar a egreja de um modesto templo
112

próprio e bem localizado para os louvores de Deus e pregação do Evangelho. Há


por ahi a fora, pelo sul sobretudo, tantos irmãos e egrejas ricas e prosperas que
muito podiam fazer comnosco e por nós. [...]
Ah! Fica o apello da egreja do Pará, para o qual solicitamos a prompta
attenção de todos.
Teixeira Gueiros192

A partir daí podemos refletir acerca de algumas realidades da denominação


na cidade. Quando analisamos jornais e não temos acesso às atas, como é o caso,
temos que ter cautela ao verificar a fonte. A tendência do jornal é fazer uma
propaganda positiva do presbiterianismo em Belém; Gueiros procura ressaltar os
aspectos positivos que aparentemente está vivenciando na cidade: a boa localização
do templo e o crescente número de membros. A partir daí apresenta a igreja
presbiteriana como uma denominação que está vivendo ―uma das fases mais
brilhantes de sua história‖193. Apesar dos floreios, os dados concedidos ao jornal,
como os ―12 a 14 membros‖ que entraram, eram registrados em ata e entregues à
liderança responsável pelas regiões Norte e Nordeste para confirmar o crescente
número de membros. Se compararmos as informações da matéria com os estudos
de Martin Dreher sobre o presbiterianismo no Pará em décadas anteriores,
podemos, sim, pensar na possibilidade da igreja estar passando por um crescimento
no período que se inicia um pouco antes da chegada de Gueiros na cidade. Na
matéria, o próprio Teixeira Gueiros não atribui a si o motivo do crescimento, mas sim
―pelos seus oficiaes consagrados” e ―graças á actividade incansável do Dr. Severino
Silva, e o seu zelo intransitivel, o vehiculo do evangelho para o grande meio
paraense”. Isso mostra consonância com o cenário descrito por Dreher do
presbiterianismo em Belém no final do século XIX e início do século XX que
destacamos acima, um grupo que não tinha pastor fixo, apenas uma casa de
oração, e passou a se estruturar e se consolidar melhor apenas a partir de 1925. O
jornal procura nos mostrar uma denominação presbiteriana já bem estruturada se
comparada a décadas anteriores, e que Antônio Teixeira Gueiros veio do Nordeste
para somar forças a esse trabalho.

192
NORTE EVANGÉLICO. Garanhuns, 1923.
193
NORTE EVANGÉLICO. Garanhuns, 1923.
113

Mesmo o presbiterianismo estando bem reestruturado e com uma liderança


fixa, não podemos dizer que não havia precariedade na denominação como o jornal
afirma, visto que a partir do próprio periódico e pela historiografia já apresentada,
notamos que Belém era a única capital onde havia presbiterianos que estavam sem
templo, e durante anos estavam pedindo ajuda tanto aos membros como doações
de outros presbitérios, as quais, aparentemente, não foram suficientes para a
construção do templo em um curto período de tempo, já que esse templo ficou
pronto apenas 15 anos depois, em 1938.
Dois outros fatores que talvez estivessem levando a um crescimento e
consolidação do presbiterianismo na cidade foram o possível alcance da igreja
presbiteriana do período. O local das reuniões e do futuro templo eram
emblemáticos, pois ele se localizava em um local um pouco mais afastado dos
principais templos da igreja batista e metodista na cidade. Apesar de ainda estar em
uma área considerada central, estava bem próximo de uma localidade considerada
já periférica na época, o bairro de São Brás. A avenida onde a igreja se localizava
tinha um considerável fluxo de pessoas que saiam da periferia para o Centro. Era
um local realmente estratégico onde se poderia ter acesso a grupos bem
heterogêneos economicamente, como moradores das áreas periféricas e grupos
abastados nos centros, frequentavam ―as praças notórias da cidade‖, como a Praça
da República e a Praça Batista Campos. O foco na igreja nas obras sociais e em se
aproximar de áreas periféricas parece ser um grande diferencial do presbiterianismo
local se comparado às outras denominações protestantes. Ainda assim, eles
mantinham as características do protestantismo histórico de se vincular a setores de
grande influência social, conseguindo espaço na grande imprensa, e até mesmo
podendo pregar em espaços das redações de jornais da grande imprensa como a
―Folha do Norte‖.
Notamos que Gueiros ganhou notoriedade como protestante não apenas em
sua denominação. Ele conseguiu, assim como os outros protestantes que
retratamos acima, ser um agente ativo na sociedade em que vivia, sendo a imprensa
um método difusor de suas ideias e a propagação da fé cristã protestante. Também
foi o pastor local mais citado pelo jornal ―A Palavra‖, geralmente recebendo críticas
negativas diversos artigos escritos pelo próprio Dubois.
O movimento presbiteriano nesse período no Pará teve seus diferenciais,
era encabeçado basicamente por brasileiros, em sua maioria nordestinos. Tratava-
114

se de uma geração de protestantes que mantiveram uma continuidade do trabalho


missionário elaborado inicialmente por protestantes estrangeiros.
O fato do presbiterianismo em Belém ser chefiado por brasileiros facilitava o
diálogo com a população local. Além da preocupação em comunicar o Evangelho ao
pobre, aproximava seu espaço congregacional de áreas periféricas e focava em
ações de caridade. Aparentemente, através da figura de Gueiros, foi aberto espaço
na grande imprensa, diferentemente de Eurico Nelson ou mesmo Justus Nelson que
sempre tiveram seu próprio jornal e dele eram porta-vozes.
Mesmo com um possível crescimento e consolidação do presbiterianismo
nas primeiras décadas da República, e procurando dialogar também com os pobres,
não notamos um crescimento expressivo como acontecia no resto do país onde a
Igreja Presbiteriana era a denominação protestante com o maior número de
membros no Brasil, menos ainda se comparado ao movimento pentecostal, que
analisaremos a seguir.

2.5 ―BATISMO DE FOGO‖: A CHEGADA DO MOVIMENTO PENTECOSTAL EM


BELÉM

Há diversas discussões teóricas e historiográficas sobre o movimento


pentecostal ser considerado protestante.194 Há um consenso historiográfico que tal
movimento surgiu em 1905 a partir do avivamento na Rua Azuza. Embora se tenha
relatos de movimentos semelhantes ocorridos em períodos anteriores 195, uma das
principais características desse movimento é a experiência do ―Batismo com o
Espírito Santo‖, que se dá a partir de um êxtase emocional seguido de ―glossolalia‖,
o ato de falar em ―línguas estranhas‖, um fenômeno referente ao momento de

194
Utilizaremos na pesquisa a definição do pentecostalismo como uma vertente do protestantismo
adotado por Antônio Gouveia de Mendonça, na qual os protestantes seriam tanto aquelas igrejas
originárias do tempo da reforma, como igrejas que surgiram posteriormente, mas adotaram os
princípios gerais do movimento. A assembleia de Deus, apesar de suas diferenciações, nesse
período, não racha com os princípios tradicionais da reforma como defesa da autoridade da Bíblia
Sagrada e Jesus como o único mediador entre Deus e os homens. MENDONÇA, Antônio Gouveia. O
protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas. Revista da USP. São Paulo, n. 67, 2005. Disponível
em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/13455/15273>.
195
―Bem antes da igreja de Seymour, na Azuza, em 1906, já existiam diversas outras igrejas
pentecostais (Holliness em 1895 e do Nazareno em 1899), inclusive uma associação de igrejas
pentecostais formada em 1895 (Vinson, 2003) e também pentecostalismos na Suécia e regiões
próximas.‖ ALENCAR, Gedeon Freire de. Matriz pentecostal brasileira. Assembleias de Deus -
1911-2011. Rio de Janeiro: Novos Diálogos, 2013, p.58.
115

pentecostes relatado no capítulo 2 do livro de Atos dos Apóstolos. Fenômenos como


supostas curas, visões e revelações também eram enfatizados por eles.
Os propagadores do pentecostalismo em Belém, Daniel Berg e Gunnar
Vingren, também foram consequentemente os pioneiros desse movimento no Brasil
inteiro. Os dois eram de origem Sueca e de denominação batista, e faziam parte da
mesma denominação que Eurico Nelson, que como já mencionado era uma
denominação marginalizada no país devido ao forte atrelamento do estado à Igreja
Luterana. Daniel Berg mostra a pressão que muitos suecos de denominações
protestantes de sua cidade sofriam devido à recusa de seus filhos serem batizados
na igreja oficial. ―Naquele tempo pude observar a desvantagem e o perigo de o povo
ter uma fé dirigida, sem liberdade‖. E assim deixava claro que a religião que
dominava a sua cidade era uma ―fé morna‖, fazendo com o que o povo não
alcançasse ―a experiência dos milagres e da salvação plena do nosso Deus que
transforma as almas de pecadores arrependidos‖196. Assim como Eurico Nelson,
Gunnar Vingren e Daniel Berg não parecem ser de famílias abastadas ou
intelectualizadas da Suécia. Berg vinha de uma cidade pequena de uma região
montanhosa sueca e Vingren era jardineiro como seu pai. Ambos foram para os
Estados Unidos ―como muitos outros haviam feito antes dele‖197. Vingren conta que
foi atingido pela ―febre dos Estados Unidos‖198, migrando para lá em 1903. Em seus
respectivos diários, nota-se que ambos não foram para os Estados Unidos apenas
por questões religiosas, mas principalmente por motivos financeiro. A Suécia
passava por uma crise financeira nesse período, estimulando diversos suecos a
migrarem para países mais prósperos, como os Estados Unidos, que nesse período
já possuía uma visibilidade mundial de grande potência.
Vingren, teve essa experiência nos Estados Unidos, após cursar um
seminário teológico sueco em Chicago. Sem dar muitos detalhes em seu diário
sobre como conheceu a doutrina do batismo do Espírito Santo, ele relata o seguinte:

No verão de 1909, Deus me encheu de uma grande sede de


receber o batismo com o Espírito Santo e com fogo. Em
novembro do mesmo ano, pedi licença à minha igreja para
visitar uma conferencia batista que deveria ser realizada na
primeira Igreja Batista Sueca em Chicago. Fui a conferencia

196
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.15.
197
Ibidem.
198
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.23.
116

com o firme propósito de buscar o batismo com o Espírito


Santo. E, louvado seja Deus, depois de cinco dias de busca, o
Senhor Jesus me batizou com o Espírito Santo e com fogo!
Quando recebi o batismo, falei novas línguas, justamente como
está escrito que aconteceu com os discípulos no dia de
pentecoste, em Atos 2. É impossível descrever a alegria que
encheu o meu coração. Eternamente o louvarei, pois Ele me
batizou com o seu Espírito Santo e com fogo.199

Tanto Berg quanto Vingren procuram evidenciar essa experiência em suas


memórias, assim como a mudança de caráter que tiveram após o batismo. Berg
―decidiu viver somente para o Senhor‖, e Vingren passou a pregar em diversas
igrejas norte-americanas. Também foi após essa experiência que Vingren relata ter
sido direcionado ao chamado ao Brasil, mais especificamente para Belém do Pará.
Também foi após essa experiência que Daniel e Gunnar Vingren se conhecem, em
uma conferência evangélica em Chicago. O Batismo com o Espírito Santo e suas
visões missionárias foram os pontos de convergência de seus pensamentos
doutrinários, e a partir deles eles resolveram ―se encontrar diariamente para orar e
esperar que Deus nos mostrasse o caminho a seguir‖200. Retratam, assim, a
experiência do ―Batismo com o Espírito Santo‖ como um marco na trajetória
ministerial de ambos.
Vingren conta que em uma reunião de oração ele e Berg recebem uma
revelação em que ―um outro irmão, Adolfo Undini, recebeu do Espírito Santo
palavras maravilhosas e vários mistérios sobre o meu futuro foram revelados, e entre
outras cousas o Espírito Santo falou a esse irmão que eu deveria ir para o Pará‖ 201.
Ao contrário dos missionários protestantes históricos, estes vieram para o Pará sem
o apoio de uma agência missionária, confiando apenas no poder do Espírito Santo
advindo da doutrina pentecostal que haviam abraçado.202
Percebemos, dessa forma, que tanto na trajetória de vida, quanto na forma
como ambos foram ao Pará, havia um diferencial místico nas práticas de fé
efetuadas por esses missionários. O sobrenatural é enfatizado com muito mais
afinco em seus discursos e práticas de fé. O Espírito Santo não deixa de fazer parte
da teologia presente no protestantismo histórico do período, mas, aqui, entre os
pentecostais, ele recebe um protagonismo de vivência prática na vida do fiel.

199
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.25.
200
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.34.
201
VINGREN, op. cit., p.27.
202
Ibidem, p.35.
117

Apesar de suas evidentes diferenciações com relação ao protestantismo


tradicional histórico vigente no período, a própria congregação se considerava
protestante, pois criam na Bíblia como verdade absoluta e Jesus Cristo como único
mediador entre Deus e os homens. Contudo, a partir da própria Bíblia como base, os
fiéis sempre enfatizavam a sua ―nova doutrina‖ que incluía a praticidade de viver
uma religiosidade a partir de experiências com o Espírito Santo como descritas em
Atos dos Apóstolos, onde havia curas, visões, revelações e o falar em outras línguas
como evidência do batismo com o Espírito Santo.
Gunnar Vingren e Daniel Berg chegam ao Pará em 1911 e são acolhidos
pelo pastor Justus Nelson em sua casa, personagem que ―Vingren conhecera na
América do Norte‖ e o reencontrou ali. Justus Nelson prontamente apresentou os
novos missionários a Eurico Nelson, e ambos passaram a congregar na Igreja
Batista, pregar em cultos e fazer reuniões de oração. Essas reuniões ocorriam tanto
na casa de membros batistas ou eram realizados até mesmo no porão da própria
igreja, onde eles se hospedaram; local que, desde o início, tanto Berg quanto
Vingren descreviam como um quarto pequeno, apertado e quente. Berg chamava
esse cômodo de ―quarto-corredor‖, em alusão ao fato de ser muito estreito. E ali, em
casas e não em templos, que as reuniões ocorriam, reuniões, nas quais pessoas
eram curadas e algumas recebiam o chamado ―batismo com o Espírito Santo‖. A
seguir um relato de Virgren após alguns meses em Belém:

As visitas dos membros da igreja ao nosso quarto-corredor


eram cada vez mais intensas. Desejavam orações por suas
vidas. Alguns já tinham recebido o batismo com o Espírito
Santo e muitos doentes haviam sido curados. Resolvemos, por
isso, improvisar cultos a noite naquele lugar apertado203 […]
Durante aquela semana realizamos cultos de oração todas as
noites na casa de uma irmã que tinha uma enfermidade
incurável nos lábios. Ela não podia assistir os cultos da igreja.
A primeira coisa que fiz foi perguntar-lhe se cria que Jesus
podia cura-la. Ela respondeu que sim. Dissemos-lhe então que
deixasse de lado todos os remédios que estava tomando.
Oramos por ela, e o Senhor Jesus a curou completamente. Nos
cultos que se seguiram, aquela irmã começou a buscar o
batismo com o Espírito Santo. O seu nome era Celina de
Albuquerque. Na quinta-feira, depois do culto, continuou
orando em sua casa, juntamente com outra irmã. A uma hora
da madrugada a irmã Celina começou a falar em novas
línguas, e continuou falando durante duas horas. Foi, portanto,

203
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.56.
118

a primeira operação de batismo com Espírito Santo em terras


brasileiras.204

Algo muito diferente ocorreu com o protestantismo em geral. Ao menos é o


que notamos a partir das desavenças dos missionários pentecostais com
protestantes, especialmente as lideranças da sua própria denominação. Vingren,
em seu diário, menciona um diálogo com Eurico Nelson, quando ele lhes falava
sobre a questão dos dons espirituais e o batismo com o Espírito Santo enfatizado
pelo pentecostalismo.

No início ele nos ouviu silenciosamente. Mas em outra


oportunidade disse-nos que deveríamos deixar fora da nossa
mensagem aquele versículo que fala de Jesus batizar com o
Espírito Santo, ―pois propaga divisões‖, argumentou ele. No
princípio, pensávamos que estivéssemos falando com um
verdadeiro cristão, mas depois agradecemos a Deus por Ele ter
nos livrado das garras daquele homem. O inimigo havia
preparado uma cilada muito astuta para nos desviar da vontade
de Deus, e dessa maneira desfazer completamente o plano do
Senhor para a obra pentecostal no Brasil por nosso intermédio.
Quando chegou ao Brasil, esse missionário tinha buscado o
batismo e o poder do Espírito Santo durante quatorze dias.
Porém, quando começou a sentir o poder de Deus, sua mulher
ficou com medo e o impediu de continuar. Ele cessou então de
buscar a face do Senhor e tornou-se contrário a essas
manifestações.205

É interessante perceber a forma como o diário retratava Eurico Nelson. No


discurso escrito de Vingren, Eurico Nelson era um falso cristão, um instrumento do
―inimigo‖, do próprio Diabo, que queria preparar uma cilada para eles. Eurico Nelson
era descrito dessa forma por, aparentemente, discordar da doutrina do batismo do
Espírito Santo como Vingren pregava. Esse modelo de tentativa de desqualificação
seria constantemente usado nas tensões entre as vertentes cristãs que
apresentaremos. Porém, por hora, notamos essa desqualificação do outro como
uma tentativa de legitimação do novo movimento que despontava, em que a visão
que Vingren tinha e propagava da fé pentecostal que havia abraçado era a única
verdadeira e santa, e qualquer um que se opusesse a essa ―nova doutrina‖ era
demonizado.

204
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.41.
205
Ibidem, p.40.
119

O relato de Vingren sobre Eurico Nelson na ocasião de sua chegada ao


Brasil, por ele ter buscado o poder do Espírito Santo por 14 dias, nos leva a outras
reflexões. Nelson chegou ao Brasil em 1890, 15 anos antes do avivamento da Rua
Azuza ocorrido nos Estados Unidos. Não temos outras fontes além dessa para
retratar essa possível tentativa de experiência de Eurico Nelson em buscar o poder
do Espírito Santo. Todavia, como dizíamos, muitas manifestações sobrenaturais
enfatizadas pelo movimento pentecostal não são novas ao cristianismo, desde os
avivamentos e reavivamentos norte-americanos aos europeus. Talvez possamos
dialogar com a possibilidade que já indicamos anteriormente, de uma possível
mística já estar inserida em uma mentalidade religiosa batista sueca, e que teria
permanecido com Eurico Nelson nos Estados Unidos. Independentemente da
origem dessa prática de Eurico Nelson em buscar um ―poder do Espírito‖, já se
notava no missionário batista uma busca que difere da maioria dos missionários
protestantes que vinham ao Brasil até então. A relação entre mística e racionalidade
era, muitas vezes, conflituosa na mentalidade religiosa protestante. Eurico Nelson,
segundo esse relato, não escapou desse conflito. Considerando que sua esposa, Ida
Nelson, interrompeu a busca de seu esposo quando ele, aparentemente, já
mostrava sinais de estar conseguindo o poder que ansiava deter. O ―medo‖ que Ida
Nelson sentiu, como descreve Vingren, pode significar não necessariamente o medo
do poder em si, mas o meo de sair do campo da ―ortodoxia‖ e cair no campo da
―heresia‖, como Berg e Vingren logo seriam taxados meses depois.
Mesmo com a possível tentativa de convencimento de Eurico Nelson a fazer
com que Berg e Vingren não propagassem a doutrina do batismo com o Espírito
Santo, eles continuaram com essas práticas da fé pentecostal. Depois de 6 meses
acabaram expulsos pelo próprio pastor da igreja batista por ―causar discussões
acerca das doutrinas, coisa que nunca acontecera‖206, e que dizia ainda que aquelas
eram ―falsas doutrinas‖, alegando que batismos com o Espírito Santo e curas
realmente aconteciam no livro de Atos mas ―essas coisas tinham sido somente no
tempo dos apóstolos‖ e que ―hoje temos a sabedoria para ser usada‖ 207.
Além de Berg e Vingren, foram expulsos da igreja com eles outros 19 que
concordavam com as doutrinas pentecostais ensinadas por eles, incluindo Celina de
Albuquerque. Alguns desses se uniram e passaram a se reunir em moradias de

206
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.56.
207
Ibidem, p.57.
120

membros dissidentes da denominação batista que agora aderiam à fé pentecostal,


praticando o batismo com o Espírito Santo e curas. A partir daí, a congregação
passa a ser independente dos batistas, sendo nominada inicialmente por ―Missão de
fé apostólica‖, que 8 anos depois viria a se chamar ―Assembleia de Deus‖, dando
início a um movimento que se tornou crescente tanto na cidade quanto no resto do
país.
O Jornal Batista publica em sua edição do dia 20 de Julho de 1911, na
coluna ―Nossa correspondência‖, espaço reservado para as correspondências dos
líderes das igrejas batistas presentes no Brasil inteiro, a carta enviada ao redator do
jornal de uma das lideranças batistas paraenses, Raymundo Nobre. A sessão do
Pará, nessa coluna, se mostrou maior que as sessões de outros estados, onde a
carta de Raymundo Nobre foi publicada na íntegra:

Presado irmão, redactor:


Como sabeis pela correspondência do irmão João Jorge de Oliveira,
inserta no numero de 20 de abril do corrente, na ausência do nosso mui
estimado irmão missionário Eurico A. Nelson, ficou o abaixo assignado como
encarregado do trabalho de evangelização desta egreja e da do Castanhal.
Devo dizer-vos que os cultos internos e externos desta egreja iam sempre
em progresso, pois eram bem frequentados e com bastante atenção; e,
sem que houvesse oposição de pessoa alguma, a egreja trabalhava em
perfeita paz com Deus. Porém pela experiência de dezoito séculos, pela
qual tem passado as egrejas do Senhor, sabemos exatamente quando ellas
vão mais prosperas é que Satanaz se introduz manhosa e sorrateiramente
dentro delas procurando aniquila-las. Deveras o ultimo assalto que
Satanaz fez á Egreja do Senhor aqui foi o mais astuto e perigoso de todos.
O caso é que há uns cinco mezes atraz, chegaram aqui da America do
Norte dois homens suecos que se diziam mensageiros do evangelho; e antes de
bem conhecermos taes pessoas conseguiram ellas captar a sympathia dos
irmãos J.J de Oliveira e Eurico. A. Nelson, apresentando-se lhes muito
desejosos de trabalharem para o progresso da causa do Senhor neste logar. Na
sua boa fé os ditos irmãos Oliveira e Nelson apresentaram os taes indivíduos a
egreja; que, naturalmente, com tão boa apresentação, logo os recebeu sob
condição de elles trazerem as cartas demissórias das egrejas a que pertenciam,
121

certas que, afinal, nunca chegaram. Logo que estes homens começaram a
fallar o nosso idioma, começaram a vender bíblias de casa em casa dos
crentes iam fazendo orações, lendo alguns trechos da bíblia, concernentes
ao dia de Pentecostes, a cornelio, etc. Pediam também que os crentes se
unissem em oração com elles assim que acabava o culto público, etc. Com
estas outras artimanhas foram ganhando os corações de muitos crentes, como
fizera o príncipe Absalão.
Começaram também a se reunir-se em casa de uma irmã cujo
marido é marítimo, não se achando em casa. Depois de cinco dias de
orações e Jejuns me ocorreu rapidamente a noticia de que aquela irmã
havia sido baptizada com o Espírito Santo e com fogo do céo, e que como
prova lhe tinha sido concedi lo o dom de fallar em diversas línguas.
Sendo isto para nós muito estranho, logo depois do nosso culto de
quinta feira, 8 do corrente, dirigimo-nos, eu e diversos irmãos, para o bairro da
cidade velha, onde mora a referida irmã, e ao entrarmos em sua casa fiquei
deveras surpreendido como em tempo nenhum! Vi aquela irmã, que é
brasileira, tendo os joelhos no soalho, mãos postas na fronte bem erguida
e olhos fechados, articulando com rapidez sons que ninguém podia
harmonizar e entender, nem sabemos se aquilo era linguagem. Na mesma
ocasião, muitos outros de joelhos, choravam uns, outros oravam, outros
cantavam e outros liam. De repente uma irmã começou a tremer como se
sofresse de maleitas, a gemer até que ficou sem sentidos; seguindo-se
esta crise outra na qual ora cantava hymnos, ora modinhas, inclusive o
tango. A este momento, diziam, suscitara-se um debate entre os dois
espíritos que tomavam conta das pessôas; a primeira pessoa que tinha o
Espírito dizia que tinha o dom de discernir os espíritos, e por isso conhecia
que o outro espírito era o de Beelzebú; emquanto que a outra respondia,
ora dizendo que era mesmo o espírito de Lúcifer, ora que era de Christo.
Esta scena revoltante durou três horas, depois do que cada um foi para sua
casa. Creio que, como eu, muitos dos que commigo a presenciaram não
dormiram naquela noite.
No dia seguinte houve um culto externo, onde por mandado de um dos
taes doutrinadores, um espirito se manifestou numa das duas pessoas
mencionadas. Fiquei deveras envergonhado de semelhante escândalo público;
mas não me achei com coragem de me oppor para não fazer ainda maior
confusão aos incrédulos. Logo que o culto findou elles convidaram uns crentes
para o templo de nossa egreja. O que então se deu é indescritivel. As quatro
122

pessoas actuadas, cantavam, riam, choravam! Todos os outros irmãos que se


achavam presentes sofriam uma agonia terrível. Até que não pude suportar
mais; levantei-me e fiz signal de silêncio e comecei a fallar aos crentes sobre os
falsos signaes que haveria nos últimos tempos; porém as pessoas actuadas
fizeram uma balburdia tamanha em cima de mim que por mais que eu gritasse
ellas mais gritavam; e como não me fosse possível fazer sobresahir a minha voz,
fui forçado a calar-me e a aconselhar os crentes a se retirarem, no que alguns
me attenderam. No dia seguinte, eu e outro irmão, como não sabíamos notícias
do irmão Nelson, passamos telegramma para o irmão J.J de Oliveira e para o
irmão pastor do Maranhão, pedindo providencias urgentes.
Fui nesse mesmo dia à tarde fazer a pregação da Egreja de Castanhal;
e voltei no domingo de manhã para pregar aqui na egreja; e tanto na pregação
da manhã como na da noite fui rebatido por um adepto da tal heresia. Esta
doutrina diabólica ia-se alastrando rapidamente e vi que em poucos dias,
se não tomássemos posição de verdadeiros crentes baptistas, ficaríamos
sem egreja baptista na capital. Terça feira 13 do corrente, depois do culto de
oração, convoquei a egreja em sessão extraordinária, na qual foram cortados
todos quantos se manifestaram adeptos da heresia, sendo o numero total dos
eliminados 17. Como estamos em tempos trabalhosos, combinei com a egreja
termos uma serie de conferencias e orações que terminaram hontem, as quaes
embora pouco concorridas, deram bons resultados. Os crentes acham-se
novamente promptos para o trabalho. Sem outro assumpto pelo a todos os
amados do Senhor as suas orações por nós aqui.
Vosso irmão na fé.
Raymundo P. Nobre208

Aqui, Raymundo Nobre nos narra as tensões entre a igreja batista e o ainda
embrionário movimento pentecostal. A forma como a liderança local retrata o novo
movimento que surgia é similar à forma como Daniel Berg desenha Eurico Nelson
quando ele se mostrou contrário à experiência de fé pentecostal, tratando-a por
―satânica‖. Daniel Berg e Gunnar Vingren são vistos como ―instrumentos de satanás‖
que se instauraram em uma igreja que, até então, segundo o relato, estava em
―progresso‖, ―bem frequentada‖ e ―em perfeita paz com Deus‖.
Notamos que, desde o início, a chamada ―nova doutrina‖ se alastrava
rapidamente na igreja, a ponto de apenas ―em poucos dias‖ fazia-se necessário que
208
O JORNAL BAPTISTA. ―Nossa correspondência‖. Manaus, 20/07/1911.
123

as lideranças tomassem uma providência para frear tal movimento religioso que
surgia por entre as brechas da denominação. A própria liderança conclui que se não
houvesse a expulsão dos ―membros heréticos‖ eles ficariam ―sem igreja‖. Não
interpretamos aqui os pentecostais querendo o fim da igreja batista, mas a
implementação da ―nova doutrina‖ que praticavam. Todavia, caso essas doutrinas
pentecostais fossem incorporadas pelos novos membros, a dinâmica religiosa dos
batistas seria completamente modificada em sua essência.
Raymundo Nobre aqui faz um dualismo entre o protestantismo e o
pentecostalismo, onde o protestantismo batista é retratado como uma igreja santa,
enquanto o pentecostalismo seria um movimento herético. Nessa perspectiva a
heresia está relacionada à ideia de pureza e santidade. O protestantismo batista
seria uma igreja ortodoxa, santa, que estava indo bem em suas obras na cidade,
enquanto o pentecostalismo seria uma igreja herética, demoníaca, utilizada por
Satanás para atrapalhar a obra santa da verdadeira igreja. A diferenciação
doutrinária entre a denominação batista e o movimento pentecostal emergente
marca uma perspectiva frequente nos embates entre protestantes e pentecostais,
uma dualidade na qual os protestantes se veem como santos e ortodoxos e
enxergam os pentecostais como heréticos e demoníacos.
Poucos anos depois, após o início do movimento pentecostal na cidade,
notamos que os periódicos também passaram a falar do pentecostalismo; matérias
sobre ―A heresia pentecostal‖ (1923) e nominações jocosas como ―espíritos de fogo‖
(1916), ―A praga que veio do Pará‖ (1916) eram comuns nesses jornais. Várias
matérias e até colunas eram publicadas com o objetivo de refutar as práticas e
costumes do pentecostalismo. Como por exemplo, temos o Jornal Batista, que
circulava no Brasil inteiro, e era distribuído em Belém pelo próprio Eurico Nelson,
missionário da igreja batista em que Gunnar Vingren foi expulso; na matéria
―Pathologia religiosa‖ notamos a forma como o jornal os retratava.

O seu falso propheta Vingren, chegou a hospedar-se na egreja


de Belém dizendo-se missionário desta denominação [...] A
conversão normal é aquella em que se combinam
proporcionalmente todos os elementos espirituaes da pessoa
[...] A sua doutrina é a própria encarnação do phanatismo, da
superstição e da bisbilhotice religiosa na sua expressão de
máximo requinte. Nós o temos presenciado nas suas
espeluncas sob uma atmosphera de suggestão, exitamento e
ultrasentimentalismo; temos testemunhado o ridículo de suas
124

proezas linguísticas, o indecente de seus tremeliques e


grunhidos histéricos, temos ouvido por elles mesmos os seus
suppostos milagres, e podemos afirmar que esse nosso acerto
são verdades incontestes.209

O pentecostalismo era identificado por esses jornais como ―seita‖, ―praga‖ e


até ―pathologia‖. Nessa matéria, em específico, o autor ressalta uma diferença da
conversão ―normal‖ para a ―pathologica‖, pois na conversão dita normal deveria
haver, segundo ele, um equilíbrio entre razão, vontade e emoção. A emoção não é
descartada, mas o elemento racional é valorizado pelo protestantismo. A acusação
do jornal era do pentecostalismo ser uma religiosidade patologia, uma doença
mental, já que exaltava o sentimentalismo e o misticismo em detrimento da razão, o
que justificava a rejeição dos batistas a essas expressões religiosas.
No jornal presbiteriano ―Norte Evangélico‖ havia uma coluna quinzenal
chamada ―Heresia pentecostal‖, em que diversos dogmas do pentecostalismo eram
refutados. Em uma de suas colunas há menção específica aos ―milagres‖, apontado
como ―um assumpto muito decantado pelos pentecostaes‖; em outra coluna, o autor
destrincha melhor o assunto.

[...] os pentecostaes se propalam como os obradores de


milagres, curas maravilhosas – etc. Creio em parte nos
milagres pentecostaes, não como elles querem impingir, mas
como sendo manifestações diabólicas, suggestões demoníacas
e nada mais.210

Os elementos sentimentais e místicos eram alguns dos argumentos de


refutação de protestantes contra católicos, e agora os protestantes usam os mesmos
argumentos para refutar o pentecostalismo, o classificando-o também como
―herético‖ e demoníaco, visto que o protestantismo que veio ao Pará manteve sua
característica histórica de ser uma religião intelectual, racional e letrada.211 Uma
rejeição que se dá por ―traços de tradições protestantes que controlam e inibem

209
O JORNAL BAPTISTA. ―Pathologia religiosa‖. Manaus, 1922.
210
NORTE EVANGÉLICO. ―A heresia pentecostal‖. Garanhuns, 1923.
211
Precisamos ressaltar aqui que o próprio Emilie Leonard, que faz essa análise do protestantismo,
revela que entre as igrejas protestantes houve vários movimentos internos que caracterizavam uma
ênfase em uma experiência mística com o Espírito Santo. Destaco aqui o movimento Pietista do
século XVII, em que se enfatizava uma vida piedosa, momentos longos de oração e experiências com
o Espírito Santo. Deste movimento surgiram muitas denominações, incluindo a Igreja Metodista.
LEONARD, Emilie. Protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. Rio de
Janeiro; São Paulo: Juerp/ASTE, 1981.
125

manifestações que a teologia da Reforma proíbe‖212. A racionalidade era uma marca


profunda dos protestantes, e seu ―poder sobrenatural‖ era observado apenas no
campo moral, em que o cristão protestante passaria por uma mudança de
mentalidade após aderir à fé, e a própria fé em Jesus Cristo e a mudança
comportamental que tal fé proporcionaria ao fiel seria a manifestação sobrenatural,
já que a fé é um dom dado pelo próprio Deus. Poderes que fossem além dessa
limitação de poder e contrários ao equilíbrio entre razão e emoção proposto seriam
manifestações que não se adequariam a essa teologia e acabariam rejeitadas e até
demonizadas pelos protestantes.
Logo percebemos constantes discursos negativos de protestantes com os
pentecostais do período, apontando-os como produtores de uma heresia patológica
ou demoníaca. Há uma relação muito conflituosa entre eles, sendo os próprios
protestantes mais um entre os seus ―inimigos‖, desde a sua expulsão da igreja
batista. O embate de católicos com várias vertentes do protestantismo era comum
desde a chegada de protestantes na cidade, mas os pentecostais, além de não
serem quistos pelos católicos, não conseguiram ter apoio nem do seu próprio
movimento de origem.
Como dito antes, a historiografia nos aponta uma adesão de paraenses ao
protestantismo, mas em menor projeção se comparada a estados como Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Ainda assim, era uma vertente religiosa que
ganhava fiéis e espaço de visibilidade através da admiração de pessoas importantes
do estado e da imprensa. Embora percebamos em Belém o mesmo que ocorreu em
outras regiões do país, nas quais o protestantismo melhor se consolidou, não
notamos uma difusão tão grande das três principais vertentes do protestantismo que
a historiografia nos aponta em Belém (Metodistas, Batistas e Presbiterianos), como
houve com o movimento pentecostal, que resultou posteriormente na igreja
Assembleia de Deus. Samuel Ninstron, um dos líderes da Assembleia de Deus no
período, diz que ―Quando deixamos o Pará em 1930 havia três igrejas com locais
próprios e mil membros. No interior havia 50 igrejas locais e algumas delas tinham já
quase 400 membros‖213. Em 1934 o obreiro da Assembleia de Deus, Nels. J. Nelson,
registra mais de 6000 fiéis e 70 igrejas espalhadas pelo Pará, além de outras várias

212
MENDONÇA, Antônio Gouveia. Protestantismo no Brasil: marginalização social e misticismo
pentecostal. São Paulo: Loyola, 1990.
213
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961.
126

igrejas espalhadas pelo país.214 Gedeon Alencar nos mostra, por meio do Censo de
1940, que o número de protestantes que até 1910 era de 1,1% da população
brasileira, em 30 anos chegou a 2,6%. Esse aumento da porcentagem dos
denominados ―protestantes‖ do Censo, na verdade, segundo o autor, se dá pelo
número crescente de pentecostais que nesse período também eram considerados
protestantes pela metodologia da pesquisa.215 As denominações protestantes mais
significativas na cidade variavam entre 50 a 120 fiéis. Igrejas como a presbiteriana,
por exemplo, que era a maior denominação protestante do país, com grande
concentração no Sudeste e em Belém, passaram décadas com umas poucas
dezenas de membros e vários anos sem um pastor fixo. Podemos afirmar, assim,
que, não apenas em Belém, mas em toda a história do país após a colonização
europeia, nenhuma vertente religiosa acatólica cresceu mais no Brasil em tão curto
período de tempo que o movimento pentecostal. Diante disso, acreditamos ser
importante refletirmos sobre alguns dos prováveis motivos que levaram o
pentecostalismo a ter esse rápido crescimento.
Como relatamos anteriormente, Belém era uma cidade que devido à
economia da borracha, durante o final do século XIX e início do século XX, se tornou
uma capital de grande circulação econômica e melhoramentos em sua estrutura.
Apesar disso, no início do século XX também estava vivendo um surto de epidemias,
especialmente lepra e febre amarela. E a partir de 1909 a cidade já estava
começando a viver os primeiros efeitos de uma crise econômica de exportação da
borracha que se agravaria em anos posteriores. Berg e Vingren chegam à cidade
nessa particular conjuntura social, e Berg conta que:

Era comum naquela época os leprosos andarem pelas ruas da


cidade, com grande perigo de contaminar outras pessoas.
Vimos doentes sem mãos ou sem pés, com as orelhas e o
nariz comidos pela doença. A quantidade de enfermos nas ruas
era um espetáculo deprimente. A esse mal juntou-se outro: a
febre amarela. Essa epidemia viera do interior. Começara com
alguns casos, mas pouco tempo depois, alastrou-se por toda a
cidade. As filas de enfermos nos hospitais eram cada dia mais
longas, e os cortejos para os cemitérios aumentavam a curtos
intervalos. Era doloroso ver as classes pobres, tão duramente
provadas na vida, assoberbadas com mais aquele fardo da

214
O MENSAGEIRO DA PAZ. Belém, 1923.
215
ALENCAR, Gedeon. Todo poder aos pastores, todo trabalho ao povo, todo louvor a Deus.
Assembléia de Deus: origem, implantação e militância (1911-1946). Dissertação (Mestrado em
Ciências da Religião), Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2000.
127

doença nos ombros. Algumas pessoas que haviam perdido


parentes vitimados pela enfermidade, vinham nos visitar em
nosso quarto-corredor, em busca de conforto na palavra de
Deus.216

Esse cenário dantesco descrito por Daniel Berg em Belém do Pará pouco é
retratado nos trabalhos acadêmicos sobre esse período. Contudo, como como já
mencionado, em paralelo com as transformações urbanas e espaços de lazer
luxuosos, como os cinemas e clubes presentes na cidade, havia um surto epidêmico
de doenças como lepra e febre amarela, aumentando o número de enfermos e
mortos por lá.
Ao entendermos a conjuntura social da cidade e o surgimento do
pentecostalismo, podemos refletir sobre o diálogo do movimento pentecostal diante
dos vários surtos epidêmicos que ocorriam em Belém do Pará nesse período.
Notamos uma sociedade que imergia numa crise econômica, passando por surtos
de diversas doenças que atingiam pessoas de todas as classes sociais, mas
especialmente os mais pobres. Paralelo a isso, surgia uma vertente protestante que
em seu principal corpo doutrinário estava uma fé que evidenciava milagres através
de experiências que promoviam a manifestação do Espírito Santo, principalmente
por meio da ênfase de curas. Essa era uma religiosidade que dialogava bem com a
situação dos belenenses nesse período, além de ser melhor assimilável pela cidade
que já vivia uma religiosidade popular mística e oralizada, como o catolicismo da
região.
A partir dos diários de Daniel Berg e Gunnar Vingren, tanto a questão da
cura quanto de pessoas sonhando, tendo revelações do Espírito Santo, falando em
outras línguas (seja as incompreensíveis, ou línguas em outros idiomas), podemos
concordar com hipóteses que indicam a glossolalia como a principal identidade do
pentecostal ou com outras perspectivas que retratam a mística pentecostal como
sua principal distinção de outros movimentos religiosos protestantes.217
Concordamos com essas duas constatações. Porém, em nossa análise sobre o
movimento pentecostal em seu início, dessas experiências sobrenaturais
promovidas pelo Espírito Santo e tão enfatizada por eles, as curas de enfermos
eram os acontecimentos que mais ocupavam as narrativas de Berg e Vingren

216
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.55.
217
Ibidem. VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961.
128

durante seus relatos de expansão do movimento pentecostal em Belém, em sua


primeira década. Eles retratavam as curas até mesmo como elemento de
legitimação para o movimento.

A obra de Deus continuou, e sua palavra continuou a ser


confirmada a cada dia com milagres e maravilhas. Um irmão foi
curado de uma enfermidade muito grave na perna. Uma irmã
foi curada de uma doença considerada incurável nos lábios.
Um outro irmão, que sentia uma dor de cabeça há dez anos,
também foi alcançado pela cura. Um homem paralítico, que
estava moribundo e não mais podia falar, foi curado e passou a
participar dos nossos cultos. Uma criança que estava quase
morrendo de tanta febre também foi curada. Um homem muito
idoso, que sofria de hérnia há nove anos, também foi
alcançado pela cura divina. Um outro homem, que já vários
meses sofria de Febre e tinha o corpo todo inchado, também
curado e batizado com o Espírito Santo. Ele recebeu ainda o
dom da profecia. Uma irmã foi curada em uma mesma noite de
duas enfermidades.218

No decorrer do diário, ambos, mas especialmente Gunnar Vingren, passam


a dar outras ênfases em sua narrativa sobre o crescimento pentecostal no Pará,
principalmente as perseguições, as pessoas recebendo batismos com o Espírito
Santo e os dons de profecias. Todavia, pelos relatos iniciais de seus primeiros anos,
tanto em Belém, como no interior do Pará, a cura com certeza foi a característica do
movimento pentecostal mais citada em ambos os diários. Podemos notar uma
vertente protestante que promovia uma ―cura‖ para uma cidade cheia de enfermos,
mostrando um diálogo com a mentalidade religiosa paraense muito mais profunda
que a tentativa de cuidado desses enfermos a partir da medicina, como ocorreu com
os protestantes Eurico Nelson e Justus Nelson, tanto por apresentar um elemento
religioso que de certa forma não era estranho aos paraenses, pois a ―cura‖ feita
pelos santos e por Nossa Senhora de Nazaré por meio de preces fazia parte da
crença popular, quanto porque a ―cura‖ vinha como solução religiosa para um
problema fortemente presente naquela ocasião.
Outra característica clara do movimento pentecostal é a questão do leigo e a
função social da mulher que, aparentemente, possuí algumas diferenciações se
compararmos suas funções com relação ao próprio movimento protestante de outras
denominações, ou mesmo a Igreja Católica da região. A começar pelo próprio Daniel
Berg que, ainda nos primeiros anos, tinha autonomia para evangelizar pessoas e
218
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.47.
129

procurou fazer isso na capital e no interior, Vingren não retratava Berg nos primeiros
anos do pentecostalismo em Belém apenas como um parceiro de viagem. Em sua
narrativa missionária, Berg era citado constantemente junto com Vingren
trabalhando para a expansão do pentecostalismo no estado.219
Há relatos de outros pentecostais que procuravam expandir sua fé pelo
estado, como Joaquim Batista de Macedo, um lavrador do Pará que ―recebeu a
revelação de Deus para ir ao Nordeste‖, e ―em todos os cultos muita gente se
entregou a Jesus, muitos foram batizados com o Espírito Santo e muitos foram
libertos de demônios‖220. Ou relatos como o de Crispiniano Fernando de Melo,
descrito como ―um irmão que trabalhava com borracha‖ e que:

[...] viajou diversas vezes a um outro rio afim de testificar a


Jesus‖. Depois de um determinado tempo havia ali um grupo
de uns sessenta crentes que esse irmão mesmo batizou nas
águas. Ele depois foi separado como evangelista e pastor para
atuar na evangelização das ilhas do Pará.221

Ou mesmo de outros ―irmãos‖ que saiam do Pará para irem a outros


estados, nesse período inicial especialmente para o nordeste. Pessoas das quais
―Os inimigos ficam admirados ao ver a grande sabedoria e inteligência com que
Deus, através do seu Espírito, reveste os seus servos de origem tão simples‖ (grifo
nosso)222.
A separação de pastor ou evangelista difere da maioria dos relatos que
percebemos de protestantes históricos. Em sua maioria, sua titulação acadêmica e
seu arcabouço teórico eram postas em evidência, seja por eles mesmos ou por
membros que queriam exaltá-los em jornais e folhetos. Essa talvez não fosse a

219
Na obra ―Matriz pentecostal brasileira‖, Gedeon Alencar, em alguns momentos de sua análise,
enfatiza a maior importância dada a Vingren como liderança do movimento pentecostal se comparado
a Berg, mostrando o fato de Vingren ter terminado um seminário para obter maior valorização em
relação a Berg. Vingren, quando analisa o papel de Frida Vingren ressalta a falta de Daniel Berg em
reuniões de liderança e até mesmo na escola dele como alguém que o substituiria para liderar as
igrejas em Belém das diversas vezes em que ficou doente, mas acabou passando essa liderança a
Frida. Entendemos a importância de Frida no movimento pentecostal em seu início, assim como a de
Gunnar Vingren, mas, ao menos no período da origem e expansão do movimento pentecostal em
Belém, não notamos um menosprezo à liderança de Berg, pelo contrário, ele foi alguém responsável
pela expansão do movimento pentecostal nos interiores e sempre sendo retratado como um
personagem de expressiva liderança na narrativa missionária no início do pentecostalismo na cidade,
revelando uma estratégia de diálogo de Berg com os leigos de locais mais afastados do centro
urbano, e Vingren alocado na capital, promovendo o pentecostalismo na urbe.
220
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961,
221
Ibidem, p.61.
222
Ibidem, p.62.
130

característica exclusiva do pentecostalismo nesse período, pois já comentamos que


o batista Eurico Nelson também não teve formação teológica. Porém, enviar
missionários sem formação teológica simplesmente demonstrando um bom
conhecimento teólógico não fazia parte da prática comum dos protestantes até
então. O movimento pentecostal nesse início não parecia ter essa preocupação, ou
pelo menos não como primordial, o que explica bastante de sua expansão, pois o
capital simbólico para o leigo tomar a frente da obra congregacional se diferencia,
em vez de um conhecimento teológico aprofundado ou até mesmo uma profundo
conhecimento da Bíblia, bastava o fiel pentecostal receber ―uma revelação‖ ou uma
―visão‖ do Espírito que instantaneamente adquiria o privilégio de proclamar sua fé
aonde o Espírito Santo o guiasse. E, pelo que notamos na fé pentecostal, se
acreditava que as revelações do Espírito Santo eram direcionadas tanto às
principais lideranças, como Berg e Vingren, quanto a muitos de seus fiéis
independentemente de posição econômica e social.
Notamos ainda um maior protagonismo feminino com relação a outras
igrejas protestantes e mesmo entre o catolicismo institucional presente na região.
Era comum Vingren mencionar mulheres como Celina de Albuquerque, a primeira
segundo Berg e Vingren a ser batizada com o Espírito Santo, que ganha bastante
notoriedade em diversos relatos desses missionários, como a mulher que cedia sua
casa para realizar os cultos. Celina protegeu Vingren de uma perseguição de
católicos, ―salvando a vida deste‖223.
Uma figura feminina muito retratada em algumas obras como Isael de Araujo
e Gedeon Alencar é Frida Vingren, esposa de Gunnar Vingren. Gedeon retrata sua
proatividade, sendo ela uma mulher que, como missionária pentecostal,

Dirigia cultos na praça onze, em presídios, nas casas e nos


templos. Trabalhou no jornal oficial da denominação a boa
semente em Belém e, depois, no Rio de Janeiro, no Som
Alegre. Em 1930 os dois jornais são unidos e nasce o
Mensageiro da paz. (Existente até hoje) e ela se torna sua
redatora.224

223
Falaremos melhor desse episódio no próximo capítulo. VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro
Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.58.
224
ALENCAR, Gedeon. Matriz pentecostal brasileira. Assembleias de Deus - 1911-2011. Rio de
Janeiro: Novos Diálogos, 2013, p.116.
131

O autor também nos mostra, à luz da análise do diário de Vingren, as vezes


em que Frida, enquanto Vingren esteve doente, o apoiava. ―Minha esposa, junto
com alguns obreiros da igreja, tem assumido a responsabilidade pela obra‖ 225,
mostrando Frida como uma mulher que redigia jornais e administrava igrejas na
ausência do marido. Isael de Araujo também diz que ―como Vingren precisava viajar
bastante, Frida ficava responsável pela direção da igreja e dos cultos muitas vezes.
Seu bom conhecimento bíblico foi de grande benção tanto verbalmente como por
escrito‖226, seu direcionamento nas igrejas e seu conhecimento bíblico que ficava
evidente em seus estudos, hinos e nas redações de jornal, era usado ―tanto no Pará
quanto no Rio de Janeiro‖227. No Pará, em específico, Frida também trabalhava ―com
crianças‖, fazia ―trabalhos sociais‖ e ―na igreja‖. Também tinha conhecimentos de
enfermagem e trabalhou em Belém como ―parteira‖228.
Podemos entender como fato que Frida e Celina de Albuquerque eram
mulheres diferenciadas. Frida era uma mulher que vinha da Suécia com um provável
curso de enfermagem e tinha passado por um seminário teológico. Celina de
Albuquerque tem indícios de ser de um grupo abastado e privilegiado da cidade,
morava na rua Siqueira Mendes229, rua existente até os dias de hoje. local onde está
localizada em uma área central e nobre da cidade, isso desde o século XIX.
Contudo, mesmo com esses atributos que as valorizavam, como maior renda
econômica e estudos, ambas tiveram seu local de destaque no movimento
pentecostal em suas primeiras décadas, e podemos notar a partir delas um maior
destaque da mulher no pentecostalismo em seu início, se comparada a outras
denominações protestantes na cidade.
Pode-se enumerar análises sobre as mulheres no movimento pentecostal
que vão além delas, há mulheres como Maria de Nazaré, a segunda mulher a ser
―batizada com o Espírito Santo‖ em Belém, e que passou a pregar no Nordeste,
assim como também há relatos de outras irmãs, como:

225
Apud: ALENCAR, Gedeon. Matriz pentecostal brasileira. Assembleias de Deus - 1911-2011. Rio
de Janeiro: Novos Diálogos, 2013.
226
ARAUJO, Isael de. Frida Vingren - Uma biografia da mulher de Deus, esposa de Gunnar Vingren,
pioneiro das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p.46.
227
Ibidem, p.46.
228
Ibidem, p.42.
229
Além de ser uma rua central, também é a primeira rua registrada na história da cidade. Presente
desde sua colonização em 1616, era denominada ―Rua do Norte‖, surgindo ali as primeiras casas e
instalações comerciais da cidade em sua gênese.
132

Uma irmã que pertencia à igreja no Pará sentiu a direção de


Deus de viajar para o Nordeste (Estado do Ceará). Sua viagem
de navio durou quatro dias. Ela queria testificar aos seus
parentes. Porém, ao chegar ali o seu testemunho não foi bem
recebido. Mas alguns crentes presbiterianos ouviram suas
palavras e aceitaram o seu testemunho sobre o batismo com o
Espírito Santo. Mais tarde, Deus enviou o nosso evangelista,
Adriano Nobre, para lá, e muitos foram batizados nas águas e
com o Espírito Santo. Quando cheguei ali, em 1914, encontrei
duas igrejas, uma com sessenta membros e outra com trinta.
Frutos da semente que aquela irmã plantara.230

Tanto Maria de Nazaré quanto a ―outra irmã‖ foram sozinhas até o Nordeste
propagar a fé pentecostal que abraçavam. O relato dessa ―outra irmã‖ tem detalhes
que chamam a atenção. Embora Vingren reconheça que, de início, seu testemunho
foi rejeitado na região, a ponto dela precisar do auxílio de pessoas como Adriano
Nobre para seu testemunho ter credibilidade, Vingren reconhece que as duas igrejas
que ele encontrou posteriormente, com ―sessenta membros e outra com trinta‖ foram
os ―frutos da semente que aquela irmã plantara‖. Os créditos são todos dados a ela.
Assim como a autonomia que a ela detinha para ir até outras regiões falar a fé
pentecostal, sem a necessidade de uma companhia masculina. Vingren conta o que
essa irmã fez na mesma sequencia narrativa que relata que outros irmãos saíram de
regiões do Pará e foram aos seus interiores ou ao Nordeste propagar a fé
pentecostal. Essa irmã também está inserida no relato das ―pessoas simples‖,
descrito por Vingren, no qual ele menciona o fato de ser ela uma mulher sozinha (e
talvez solteira). Além do mais, a ida de Adriano Nobre pode ser vista por alguns
como a companhia masculina necessária para que dessem crédito a fala dessa
irmã; não descartamos essa hipótese, embora achemos mais provável que sua
presença na evangelização da irmã se deveu aos próprios presbiterianos que devem
ter aceitado melhor a fala de alguém que aparentemente era mais preparado para
dialogar com eles devido ao fato de já ter sido ele mesmo presbiteriano também.
Fica perceptível a partir daí outro fenômeno, protestantes de diferentes
denominações estavam aderindo à fé pentecostal.
Esses diversos episódios nos mostram a forte autonomia que o movimento
pentecostal deu a pessoas de diferentes gêneros e escolaridades ao propagar sua
fé, conquistando até mesmo cargos de liderança naqueles primeiros anos, mesmo
que para isso fosse preciso sair da região para pregar em outros locais. A autonomia

230
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.61.
133

do leigo, se comparada a outras denominações protestantes, fica muito clara nesse


período.
A prática do sacerdócio universal incorporada por um público pouco letrado,
com ênfase nos dons, faz com que vários líderes surjam e propaguem a fé com mais
rapidez. Percebemos, assim, mais uma característica para o seu crescimento ―as
igrejas pentecostais oferecem numerosas atrações, para não falar no mecanismo de
proselitismo‖231. Leigos absorviam melhor a fé através das experiências místicas,
nela permaneciam e propagavam-na por meio de sua ortopraxia.
Os pentecostais, assim como as outras denominações protestantes, também
consideravam a bíblia protestante como regra de fé e prática, e que todos deveriam
ter acesso a essa fé, valorizando a ideia do leigo como um sacerdote que pode se
achegar diretamente a Cristo. Notamos que, na prática, a valorização do leigo era
posta em prática com uma maior eficácia em relação até ao próprio protestantismo
histórico.
Como dito no capítulo anterior, ao falarmos sobre o ―sacerdócio universal‖,
em que o homem teria sido feito para a glória de Deus e toda a atividade social que
produzisse deveria servir para este fim, como um sacerdócio único do homem para
com o Deus, intermediado pelo próprio Jesus Cristo.232 Notamos a partir de Max
Weber que o pentecostalismo também dá importância ao indivíduo e em um nível
mais abrangente, no qual o leigo pode entrar para o movimento e ser liderança com
menos capital simbólico que católicos e protestantes.
Mas, para além das questões apontadas aqui, como: ―cura\ gênero\ leigo\
sacerdócio universal‖, que sugerem motivos para o rápido crescimento do
movimento pentecostal, há também a sua inserção no momento político do período.
Os pentecostais já se inseriram na cidade em um período republicano, no qual as
pregações de religiões acatólicas nas ruas, feitas em português, já não eram mais
proibidas, em um tempo no qual o protestantismo passa a se consolidar, construir
seus templos, publicar seus periódicos. Todo esse proselitismo praticado pelo
movimento pentecostal tinha respaldo no corpo jurídico do regime republicano.
Contudo, ainda assim, a prática das leis que garantiam a liberdade de religiões e

231
MENDONÇA, Antônio Gouveia. Introdução ao protestantismo no Brasil. In: Idem. Protestantismo
no Brasil: marginalização social e misticismo pentecostal. São Paulo: Loyola, 1990.
232
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2001,
p.94.
134

ideais acatólicos nem sempre protegeram o movimento de perseguições e


impedimentos de práticas de fé.
O regime republicano era novo na história do país, e trouxe um país um
código jurídico que protegia mais as religiões acatólicas. Em paralelo a isso, surge o
movimento pentecostal nessa virada política, mostrando-se como uma religião
acatólica diferenciada. Um movimento religioso com dogmas protestantes como a
Bíblia como regra de fé e prática, valorização do leigo, centralidade da salvação e
intercessão em Jesus Cristo, mas com um discurso místico, evocando o
sobrenatural, e, de certa forma, demonstrando uma certa ―eficácia‖ do seu poder em
efetuar serviços e milagres. Nisso, não apenas o protestantismo histórico, mas até
mesmo práticas significativas da religiosidade popular, como a devoção mariana,
estavam sendo postas em xeque. Mas esse outro aspecto referente ao
pentecostalismo, especialmente na sua relação com o catolicismo na região e como
os representantes de estado reagiram a esse avanço, retrataremos quando
voltarmos a analisar o movimento no terceiro capítulo.

2.6 ENTRE SUECOS E BRASILEIROS: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE


RUPTURAS E PERMANÊNCIAS DO PROTESTANTISMO NO BRASIL REPÚBLICA
NO PARÁ

Muitos pesquisadores do protestantismo brasileiro elaboram suas pesquisas


elegendo como parâmetro territorial de análise a região sudeste, em especial o Rio
de Janeiro e São Paulo. Até mesmo em estudos sobre a historicidade da
Assembleia de Deus, muitos autores não retratam o início do movimento pentecostal
em Belém com a mesma pormenorização com que retratam sua expansão e
concentração no Rio de Janeiro, por exemplo. Muitas vezes, até mesmo a maior
denominação pentecostal (e, consequentemente, evangélica) do país não tem a
cidade onde se originou tão bem esmiuçada nas pesquisas, quiçá o protestantismo
no Brasil, onde a maior parte do movimento se concentrou no Sudeste.
Acreditamos que o Pará, especialmente a cidade de Belém, sua capital,
pode ser um bom campo de análise para reflexões sobre o protestantismo no Brasil
no período republicano, tanto para entendermos certas rupturas e especificidades da
região, como para compreender a religiosidade no país nesse período, de forma a
nos permitir mergulhar em pormenorizações geográficas e ao mesmo tempo
135

elaborarmos uma análise territorial mais ampla, que podem nos ajudar a elucidar
muito acerca do protestantismo brasileiro a partir de questões que escapam à
historiografia protestante tradicional.
Em ―O celeste porvir‖, Antônio Gouveia de Mendonça aborda um
protestantismo fortemente influenciado pela religiosidade protestante norte-
americana.233 Temos concordância com tal perspectiva, mas também notamos
possíveis influências de outros países europeus na dinâmica religiosa. Uma
migração protestante que no Brasil não apareceria diretamente dos Estados Unidos,
mas uma relação Suécia-EUA-Brasil. Na dissertação de mestrado de Samuel
Valério, notamos o retratar das ondas de imigração que ocorreram da Suécia para
os Estados Unidos no século XIX, somada ao fluxo migratório de diversos outros
europeus que procuraram sair de seu país de origem devido às diversas crises
econômicas e regimes políticos autoritários que emergiam no continente. Era uma
Europa em crise que contrastava com a democracia norte-americana em ascensão,
considerada exemplo para o mundo, com seu regime político democrático e
prosperidade econômica; foi uma nação que encheu os olhos de milhares de
europeus, incluindo os suecos.234
Gedeon Alencar foi sensível a esse fato em ―Matriz pentecostal brasileira‖ e
ali retrata a forte migração de suecos para os Estados Unidos, ou mesmo a forte
vinda de migrantes que, pela crise que o país estava passando, vinham diretamente
para o Brasil.235 Nós não encontramos trabalhos acadêmicos sobre a migração
sueca ao Pará, mas é bem provável que eles existiam; o fato é que precisamos
entender um certo ethos protestante sueco que também notamos no período por nós
abordado. Grande parte das principais lideranças protestantes, Eurico Nelson,
Justus Nelson, Gunnar Vingren e Daniel Berg, eram de origem sueca e traziam em
sua bagagem religiosa não apenas o protestantismo norte-americano, mas também
a religiosidade protestante sueca, marginalizada em seus países. As quatro
lideranças vinham de origem popular, e dessas pessoas citadas apenas duas
fizeram seminário, contrastando com toda aquela importância dada ao
academicismo por parte dos missionários tipicamente norte-americanos.
233
MENDONÇA, Antônio Gouveia. O celeste porvir: a invenção do protestantismo no Brasil. São
Paulo: IMS, 1995.
234
VALÉRIO, Samuel Pereira. Pentecostalismo de migração: terceira entrada do pentecostalismo
no Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), PUC-SP, São Paulo, 2013, p.16.
235
ALENCAR, Gedeon. Matriz pentecostal brasileira. Assembleias de Deus - 1911-2011. Rio de
Janeiro: Novos Diálogos, 2013.
136

Das quatro lideranças, Justus Nelson parece seguir um modus operandi


semelhante ao de missionários norte-americanos que vieram ao Brasil. Investiu em
instituições de ensino e veículos de imprensa. Contudo, aqui cabe ressaltar a
particularidade desse pastor metodista, pois ele produziu um veículo próprio de
imprensa em vez de circular na cidade periódicos protestantes de grandes capitais
brasileiras como fizeram outras lideranças. O Apologista Christão Brazileiro foi um
meio de comunicação que circulou em Belém por 20 anos em um período no qual
eram raros os periódicos que se mantinham na cidade por menos de uma década.
Além do que, esse foi um jornal que conseguiu ganhar repercussão em outros
estados, tanto por seu conteúdo quanto por suas polêmicas.
Notamos na região um presbiterianismo que desde o Império teve
dificuldade de se consolidar até mesmo se comparado às outras regiões do país,
conseguindo manter um trabalho expressivo apenas no período republicano, por
missionários brasileiros. Nota-se então um outro cenário, que começa a despontar
se comparado ao período imperial. Lideranças brasileiras começam a tomar a frente
do campo protestante na cidade, o que facilitaria questões como a comunicação,
identidade e uma brasilidade que, mesmo com fortes traços de uma práxis religiosa
norte-americana, também possui uma maior inserção na conjuntura social e política
em que estão inseridos, além de posicionamentos que correspondem a
particularidades de um ―protestantismo brasileiro‖ em suas práticas. Procuram criar
uma imprensa confessional própria para o Norte e Nordeste do país, ganham uma
maior inserção na grande imprensa em relação às lideranças estrangeiras, traçando
abordagens diferenciadas na tentativa de consolidar o protestantismo em um país
hegemonicamente católico.
O fato de pastores como Antônio Teixeira Gueiros agora prestar contas não
para agências missionárias norte-americanas, mas para presbitérios que atuavam
especialmente para as regiões Norte e Nordeste do país, já nos mostra uma
autonomia maior de um protestantismo que agora era legalizado e conseguia se
reestruturar melhor a partir de lideranças brasileiras, evangelizadas por esses
diversos missionários norte-americanos. Isso vai influenciar a abordagem de
propagação de sua fé e sua forma de lidar com o Estado, agora republicano, como
veremos mais a frente.
Então, no período republicano no Pará, continuamos encontrando imigrantes
norte-americanos que procuravam propagar o protestantismo no país, mas muitos
137

deles vindos de outras partes da Europa. Muitos eram bem mais pragmáticos,
punham uma maior ênfase em veículos de imprensa para a propagação de sua fé,
fosse através de uma imprensa específica de circulação nacional de sua
denominação, como ―O jornal Baptista‖, fossem por meio de veículos de imprensa
com uma produção mais regionalizada, como ―O Apologista Christão Brazileiro‖ e
―Norte Evangélico‖. Sendo assim, vê-se que o período republicano nos apresenta
um protestantismo bem mais estruturado, localizado, e ainda se articulando com
grupos políticos e conseguindo espaços na grande imprensa, mas, para além disso,
através do movimento pentecostal, a religiosidade protestante chega a um público
que até então o protestantismo histórico teve pouco acesso, o católico leigo popular
paraense.
Como vimos afirmando, havia uma reestruturação religiosa no período
republicano e um dos motivos é a Igreja Católica deixar de ser religião oficial do
Estado. E é por essa ―brecha‖ política que vemos uma maior consolidação do
protestantismo na cidade, ainda que nem todas as vertentes religiosas se
posicionem diretamente sobre suas preferências políticas, notamos o período
republicano influenciando-as, seja pela maior abertura de suas vindas ao país, um
processo que já vinha ocorrendo desde os tempos do império, ou mesmo pelo seu
posicionamento político, sempre em defesa de um regime republicano destacando a
importância desse modelo de regime para a manutenção da liberdade religiosa, ou
ainda pela continuidade de perseguições como ocorriam no Império, onde o próprio
Estado era utilizado como um instrumento de coerção ao protestantismo.
Das lideranças protestantes citadas neste capítulo, a maior parte delas
passou por uma delegacia, por ameaças de prisões, ou mesmo, em casos como o
de Justus Nelson, tendo sua prisão decretada. Essas tensões entre católicos e
protestantes ocorridas no Brasil república será o principal tema do nosso próximo
capítulo.
138

CAPÍTULO III – ENTRE A AUTORIDADE RELIGIOSA E A AUTONOMIA DO


LEIGO: CATÓLICOS, PROTESTANTES, PENTECOSTAIS
E O “CAMPO RELIGIOSO” EM DISPUTA

O caso de Luthero é comum a todos os protestantes, maníacos


leitores da bíblia abandonada ao capricho da interpretação
individual, com mais ou menos ma fé, ignorância ou
presumpção. Chegam ao ponto de não se entenderem mais
entre si e nem consigo: e cada qual puxando a bíblia para seu
lado, em nome do Espírito Santo, julga-se autorizado a puxar
sua igrejola: e as taes egrejolas, ou seitas, nascem, e morrem,
e multiplicam ao infinito. [...] O protestantismo parece-se com
um vasto hospital de doidos, metidos a interpretes da bíblia.236

Como discutido nos capítulos anteriores, analisamos as origens, o


crescimento e a consolidação do catolicismo e do protestantismo na região
amazônica, especialmente na cidade de Belém do Pará. Traçamos um panorama
histórico para entendermos a trajetória dessas religiosidades para assim melhor
embasar nossa análise dessas duas vertentes cristãs no período específico da
nossa pesquisa. Catolicismo e protestantismo se reestruturam após a mudança do
sistema político do Império á República, destacando especialmente a separação da
Igreja e do Estado que ocorreu no período republicano, quando a Igreja Católica
deixa de ser a religião oficial do país e o Estado se torna laico.
Desde o início do movimento protestante surgido na Alemanha até os
séculos posteriores, incluindo a temporalidade abordada por nós, os protestantes
continuaram a conflitar com o catolicismo vigente. No Brasil, e especialmente em
Belém do Pará, não foi diferente. Os capítulos anteriores já abordaram, ainda que de
forma menos detalhada, tensões entre católicos e protestantes. Nesse capítulo
analisaremos mais a fundo tais conflitos, especialmente os ocorridos em Belém do
Pará nesse período histórico tão distinto, como o período republicano.
Para entender os conflitos, a imprensa é uma reveladora fonte histórica. Os
jornais católicos e protestantes, entre outras funções exercidas, eram instrumentos
de propagação da fé e também de ataque a grupos considerados antagônicos.
Católicos e protestantes se utilizavam dos jornais impressos de suas próprias
instituições religiosas, ou até mesmo o espaço que tinham na grande imprensa para
retratar negativamente a fé do outro. Analisaremos pormenorizadamente esses

236
A PALAVRA. Belém, 28/09/1922.
139

discursos para começarmos a desnudar a disputa religiosa que havia entre essas
duas vertentes cristãs.

3.1 A DISPUTA SIMBÓLICA ENTRE CATÓLICOS E PROTESTANTES

3.1.1 “A desconstrução histórica”: a depreciação da figura de Lutero

Como vimos no primeiro capítulo, veículos de comunicação católicos que


circulavam em Belém tinham diversos grupos sociais aos quais constantemente
dirigiam críticas negativas, a ponto de os retratarem como ―inimigos da igreja‖. Pelas
três décadas de publicação que analisamos do jornal católico ―A Palavra‖, o
protestantismo foi a temática mais recorrente, sempre alvo de depreciações e
refutações. Só essa constância no tema já deixa evidente a importância social do
movimento, e o quanto ele incomodava as lideranças católicas.
Os termos com que o ―A Palavra‖ definiam os protestantes eram
depreciativos e jocosos, frases como ―seitas biblistas‖, ―os bibliolatras‖ e ―filhos de
Luthero‖. Muitas das matérias contra os protestantes eram escritas pelo próprio
editor do jornal, o Padre Dubois. Os tipos de críticas variavam: desde a histórica,
criticando os fundadores do protestantismo na Europa no século XVI, ou mesmo
jogando luz sobre algumas práticas de protestantes referentes ao seu tempo.
Também havia constantes refutações dos dogmas protestantes, especialmente pela
forma como eles utilizavam a Bíblia. Por essas tensões se passarem em Belém do
Pará, também havia matérias depreciando alguns líderes do movimento protestante
na cidade. Em contraponto, também notamos em algumas declarações da imprensa
protestante envolvendo constantes ataques aos católicos, chamando de ―idolatras‖,
pela devoção deles aos santos, especialmente à Virgem de Nazaré. Muitas vezes
também de forma jocosa e depreciativa, como veremos adiante.
Os veículos de imprensa são fundamentais para entendermos tal processo,
e se tornarão aqui a nossa principal fonte documental. A maior parte dos discursos
tensionais entre essas duas vertentes eram registrados pelos periódicos. Para isso,
precisamos nos aprofundar na análise também da mídia. Nos utilizaremos mais uma
vez da metodologia de análise da imprensa feita por Heloísa Cruz e Maria do
Rosário Peixoto. Elas incentivam que o historiador analise a imprensa de forma
crítica, não apenas o conteúdo publicado, mas também seu projeto gráfico, sua
140

diagramação e as temáticas mais recorrentes que o jornal elege, todos aspectos


pensados para passar ao leitor uma mensagem que vai além da letra, pois os
veículos de imprensa constroem narrativas que selecionam temáticas em seu grau
de importância a partir de um editorial que decide o que fará parte da mensagem
que será passada ao leitor.

[...] a análise do projeto gráfico volta-se para a organização e


distribuição de conteúdos nas diversas partes e seções no
interior do periódico como, por exemplo, a localização e
extensão que ocupam, as funções editoriais a elas atribuídas e
por elas desempenhadas, seus modos de articulação e
expressão.237

Nos mais diversos temas retratados pelos veículos de imprensa, há uma


―hierarquização de conteúdos‖ que o historiador deve estar atento para entendê-la,
seja através da constância das mensagens ou pela forma como as mensagens
estão sendo colocadas. Bom exemplo são ―as capas e primeiras páginas: funcionam
como vitrine da publicação que, por meio de ‗chamadas‘ de matérias, fotos,
manchetes e slogans, indicam ênfase em determinados temas e questões‖238.
É necessário nos apropriarmos dessa metodologia para entendermos o
grande espaço que o jornal ―A Palavra‖ cedia às críticas aos protestantes. Eles
ganhavam um destaque que ultrapassava outros grupos sociais e religiosos dos
quais o jornal também criticava. Como já dissemos, nos 30 anos de documentação
analisada, o protestantismo ganhava protagonismo em boa parte das primeiras
páginas, incluindo as análises editoriais.
Daí já notamos que o jornal tinha um discurso claro e categórico contra o
protestantismo, e que as matérias procuravam desqualificá-lo se utilizando de
diversos recursos discursivos. Uma das formas de desenhar o protestantismo era
atacando o seu fundador. O ex-monge Martinho Lutero. Eram constantes as
matérias em que Lutero era citado sempre de forma depreciativa, como a matéria
―Orgulho‖, redigida por Padre Dubois no jornal ―A Palavra‖, na qual ele retratava
diversas ―reformas radicaes‖ promovidas por homens, que tinham o pecado do
orgulho como o fator que impulsionava essas reformas. Dubois cita Voltarie,

237
Na oficina do historiador: conversas sobre história e imprensa. CRUZ, Heloísa; PEIXOTO, Maria
do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador: conversas sobre história e imprensa. Projeto
História. São Paulo, n. 35, p.255-272, 2007.
238
Ibidem.
141

Compte, Zarathustra e Allan Kardec e mostra que nas ideias propagadas por esses
homens havia um orgulho de não obedecer a fé católica, se afastar da Igreja, e que
muitos desses disseram inclusive que a fé cristã chegaria ao fim. Entre esses
diversos exemplos, o Padre cita Lutero, dizendo que:

Luthero, pae de um movimento que injustamente


congominaram de reforma, pisou ao pé da egreja quinze vezes
secular, a exegese dos mais veteranos glosadores, a theologia
de gênios como São Thomaz e São Boaventura, a
espiritualidade dos maiores santos, para impor, uma diatribe e
pela força armada, uma doutrina que deu o belo nome de
evangelismo. [...]239

Ao mesmo tempo que havia uma desqualificação do protestantismo, era


comum o jornal evocar a tradição católica como argumento de legitimidade como
igreja. Seus dogmas são confirmados como corretos por diversos teólogos católicos
prestigiados na tradição da Igreja, como S. Tomas de Aquino. A tradição é
constantemente utilizada, seja nessa ou em outras matérias, como um instrumento
de legitimação do catolicismo como a religião verdadeira e correta.
Não é à toa que constantemente o jornal fazia uso de uma breve descrição
histórica para retratar o protestantismo como um movimento contrário a Igreja
Católica desde a raiz. Figuras como Lutero constantemente são referenciadas pelo
jornal para destacar o que se considerava como o iniciador do movimento na Europa
do século XVI, um exemplo está na matéria ―Os Inimigos da Igreja‖, publicada pelo
―A Palavra‖ em 22/09/1938.240
Nessa matéria, o autor passa a estabelecer os inimigos da Igreja Católica
através da história. Desde os primeiros séculos, o jornal nos aponta os
perseguidores da igreja primitiva, nos primeiros séculos da nova era.
Imperadores como Nero, Dioclesiano, que perseguiram e mataram cristãos,
são citados como exemplos de inimigos. Mas o intrigrante é que no próximo
parágrafo Lutero estará na lista de inimigos, porque segundo eles por meio do
protestantismo muitos adeptos da Igreja se afastaram onde este se utilizava de uma
estratégia de ataque, ainda pior que as dos imperadores romanos.

239
A PALAVRA. ―Orgulho‖. Belém, 28/03/1923.
240
A PALAVRA. ―Os inimigos da Igreja‖. Belém, 22/09/1938.
142

Luthero, muito mais aquem, depois de ordenado sacerdote, por


vaidade e fraqueza de vocação, abandonou a religião.
Invéstivou-a e caluniou de todos os modos. Fundou o
Lutheranismo e o protestantismo conseguindo afastar muitos
adeptos e afastar da igreja números sectários que falta alguma
lhe faziam.241

Essa matéria nos mostra o protestantismo não apenas como um inimigo,


mas um inimigo a um nível até maior do que estadistas que perseguiram e
torturaram cristãos fisicamente. Mais uma vez se utilizando da nivelação a outras
personalidades para mostrar que o fundador do protestantismo era um inimigo do
catolicismo tão (ou ainda mais) cruel quanto os outros mencionados. Há a constante
afirmação do jornal que o catolicismo era a religião verdadeira e o protestantismo
era um movimento antagônico à verdadeira igreja. Deixar de ser católico e se tonar
protestante era equivalente a abandonar a verdadeira religião e aderir a uma ―seita‖,
uma ―religião falsa‖.
Na Coluna ―Para o povo‖, publicada constantemente na primeira página do
jornal ―A Palavra‖, eram publicadas de três a quatro pequenas matérias em uma
única seção. Acreditamos que o jornal se utilizava disso como uma metodologia para
ser mais enfático nas mensagens que queria passar ao leitor antes das demais. As
matérias feitas tendo o protestantismo como temática eram constantes. Dos quatro
temas retratados, era comum ter uma ou duas matérias falando sobre o
protestantismo, sempre em um tom de refutação ao movimento, ou de pura
desqualificação. Na publicação feita no dia 08\08\1918, todas as matérias falavam
dos protestantes, especialmente de Lutero. A matéria ―os autores do protestantismo‖
diz que ―Muner, um pregador protestante dos tempos de Luthero, se refere a ele
como sendo um escrevinhador ambicioso, louco orgulhoso, monge sem vergonha,
doutor de mentiras, papa de Wittenberg e ímpio‖. Por ser um próprio protestante de
seu tempo, o Jornal utiliza essa fonte para dar mais credibilidade à desqualificação
de Lutero. Na matéria ―Os absurdos de Luthero‖, o jornal qualifica os ensinamentos
do monge protestante sobre vontade humana como ―doutrina bestial‖.
Usar a figura de Lutero com frequência nos parece ser uma característica
plausível para uma instituição como a Igreja Católica, pois ela se utilizava da força
de sua tradição como uma das suas principais características de legitimação. Nas
suas versões da história procuravam demonstrar que historicamente o catolicismo

241
A PALAVRA. ―Os inimigos da Igreja‖. Belém, 22/09/1938.
143

era o único coerente, e o protestantismo era um movimento falho desde sua gênese,
ombreado à falibilidade de seu próprio ―fundador‖. Desqualificar Lutero, bestializá-lo
e demonizá-lo era uma forma de usá-lo como um elemento simbólico de
desqualificação do movimento protestante. Um orgulhoso, ambicioso e mentiroso
que protagonizou um ―movimento bestial‖.
Provavelmente a figura de Lutero era pouco conhecida na cidade, não fazia
parte do imaginário popular. Especialmente pela maioria de católicos frente a um
diminuto número de protestantes. Mas acreditamos que o jornal tinha um público
minoritário e letrado, que podia consumir o jornal e entender a sua mensagem. 242
Era este mesmo universo que compunha grande parte dos protestantes históricos,
um público que consegue assimilar as abordagens históricas feitas pelo jornal com
relação à figura de Lutero.
Na obra ―Simulacro e poder‖, de Marilena Chauí, a autora fala de um
fenômeno midiático que ocorre atualmente. A espetacularização da mídia diante de
fatos concretos, mas que são distorcidos ou caricaturados para chamar a atenção do
público para quem a mídia se direciona. É como uma ―encenação da informação‖ 243.
No texto de Cox Barronas, a mídia vai mostrando um cotidiano de sentidos e
interpretações além do fato propriamente dito, segundo ―as ideologias dos grupos,
organizações e instituições que os veiculam‖.
Esse simulacro construído pela mídia é constantemente visto nas polêmicas
entre dois grupos antagônicos.

[...] no nível propriamente polêmico, subsume-se que a


heterogeneidade, as dissensões, as oposições, as contovérsias
são visíveis na superfície linguística. Um discurso envolvido em
uma polêmica poderá se referir ao seu outro de forma clara,
usando expressões variadas: agressivas, mal intencionadas,
derrisórias, irônicas, intrigantes ameaçadoras, etc, mas todas
essas expressões serão desferidas pelo Mesmo a partir de um
simulacro do outro. A polêmica é uma espécie de homeopatia
pervertida: Ela introduz o Outro em seu recinto para melhor

242
O número de analfabetos do país na primeira república variava entre 85% a 65%, como revela o
Mapa do Analfabetismo do Brasil. O Pará permaneceu nessa média, em torno de 70%, segundo o
Censo de 1906. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira - INEP. Mapa do Analfabetismo no Brasil. Brasília, 2003. Disponível
em: <http://portal.inep.gov.br/documents/186968/485745/Mapa+do+analfabetismo+no+Brasil/a53ac9e
e-c0c0-4727-b216-035c65c45e1b?version=1.3>. BOMENY, Helena B. Quando os números
confirmam impressões: desafios na educação brasileira. Rio de Janeiro: CPDOC, 2003.
243
CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Perseu Abramo, 2006,
p.15.
144

conjurar sua ameaça, mas esse Outro só entra anulado


enquanto tal, simulacro.244

Precisamos notar que os jornais, sejam católicos ou protestantes,


direcionavam suas mensagens a um nicho social específico. Para esse público, o
jornal católico está utilizando a figura de Lutero para corroborar a sua visão de
sentido diante de um público letrado, alfabetizado e que consegue entender uma
linguagem mais complexa, aprofundada e acadêmica. É importante refutar o
protestantismo em diversos pontos, incluindo uma abordagem histórica na qual a
figura de Lutero é capturada pelo jornal católico e transmitida aos seus leitores com
as nuances que os editores desejam. Independentemente da figura de Lutero estar
de fato presente na mentalidade social paraense ou não, a figura do líder protestante
é passada aos seus leitores a partir do simulacro midiático construído pela própria
imprensa católica. Assim como feito com outros símbolos protestantes, o jornal os
ressignifica, educando os seus leitores a considerarem o protestantismo como
herético e inimigo da verdadeira fé, a católica.
As expressões ―agressivas, mal-intencionadas, derrisórias, irônicas,
intrigantes e ameaçadoras‖ analisadas no artigo serão constantemente utilizadas
pelos veículos de imprensa para a desqualificação do outro, do antagônico. Será um
recurso utilizado tanto por católicos, quanto por protestantes. Trata-se de uma
construção retórica que viria a ser a mais recorrente para se criar um ambiente de
embate entre essas duas religiosidades, como perceberemos nas próximas matérias
a seguir.

3.1.2 Bíblia x Maria

Uma das características mais criticadas pelo jornal católico ―A Palavra‖ era o
uso da Bíblia pelos protestantes, além da própria Bíblia protestante em si. Não é à
toa que o jornal descreve os protestantes com apelidos depreciativos como
―biblistas‖, ―bibliolatras‖, ―seitas biblistas‖. A Bíblia sempre foi um elemento
significativo da fé protestante, escolhida pelo catolicismo vigente como um dos
pontos de ataque ao protestantismo.

244
BARRONAS, Roberto Leiser; COX, Maria Inês Pagliarini. Por uma vida melhor na mídia: discurso,
aforização e polêmica. Linguagem em (Dis)curso. Tubarão - SC, v. 13, n. 1, p.65-93, jan./abr. 2013.
145

Uma matéria que nos chamou a atenção não tinha a assinatura de nenhum
autor, o que faz entender que o seu conteúdo era convergente com a opinião do
jornal. Intitulada como ―Bíblias protestantes em penca‖, e repetida em outras
diversas edições em que o jornal era veiculado:

Um grande despacho de livros em língua portuguesa acaba de


ser despachado em língua portuguesa e acaba de ser recebido
de Nova York. No Rio, pela agencia brasileira, da sociedade
bíblica americana. São 72 caixas contendo 103.272 livros.
Esse despacho feito pelo vapor ―Southein Cross‖, que entrou
no porto ali, na quinta feira, do dia 19 corrente deste mez. Já
sabem os catholicos o destino que devem dar as bíblias e
demais livros heréticos: ao fogo todos, como fez Santa
Catharina. Uma lição dão esses ―filhos do século‖ aos ―Filhos
da luz‖: ―têm para o mal o fervor e ardor que os catholicos não
tem para o bem‖.245

Provavelmente a matéria foi feita em algum jornal católico do Rio, mas o ―A


Palavra‖ não referenciou. É interessante notar o caráter instrutivo da matéria, que
procura instigar seus leitores a praticar uma ação de destruição às bíblias que
chegavam, queimando-as. Uma atitude legitimada pela matéria não apenas pelo seu
ordenamento, mas ao por uma santa como um exemplo de referência para
concretizar este ato. Outro incentivo do autor à queima de bíblias protestantes é
através da frase final: ―têm para o mal o fervor e ardor que os catholicos não tem
para o bem‖, referindo-se a uma crítica do autor com uma certa passividade dos
católicos em não fazer o ―bem‖, que, nesse caso específico, se refere a queimar as
bíblias protestantes.246 Há um incentivo a destruição física de um artefato que seria
um dos principais elementos da fé protestante. O jornal não apenas legitima, mas
classifica a ação como ―boa‖ e até mesmo ―santa‖. A Igreja Católica era retratada
pelo jornal como a guardiã da ortodoxia cristã. Destruir elementos escritos do
protestantismo seria, portanto, legítimo e santo justamente pelo protestantismo ser
herético, contrário à verdadeira ortodoxia que o catolicismo representava.
Todavia, vale ressaltar que, mesmo percebendo no jornal matérias com um
conteúdo semelhante à mensagem que acabamos de analisar, não era comum

245
A PALAVRA. ―Bíblias protestantes em penca‖. Belém, 08/03/1931.
246
Vale ressaltar aqui que a Bíblia Sagrada também era um artefato religioso relevante para os
católicos, mas a diferença entre as bíblias protestantes e católicas está nos números a mais de livros
que a segunda possui: Tobias, Judite, I Macabeus, II Macabeus, Baruque, Sabedoria e Eclesiástico.
Todos presentes no antigo testamento. Essa diferenciação era utilizada como mais um elemento
retórico para deslegitimar a sacralidade da bíblia protestante.
146

encontrar matérias incentivando a destruição física de bíblias protestantes. O mais


comum era um discurso de desqualificação da forma como os protestantes
utilizavam a Bíblia, como percebemos em uma coluna fixa publicada pelo jornal
chamada ―A bíblia! Só a bíblia‖, redigida pelo Padre Salvador Tracalori:

Diz o Apostolo Paulo que tudo o que está nos livros santos foi
escripto para nossa instrução. Os protestantes admitem esse
papel instructivo da sagrada escriptura; exageram no porém,
na hora de rejeitar a egreja.‖a bíblia e só a bíblia‖ gritam! ―A
bíblia é só um código em que se acha depositada toda a
revelação divina. É suficiente em si mesma‖ [...] Mas, respondo
eu, se a bíblia é um código completo, deve haver uma
autoridade competente que o explique e aplique, e qual seria
essa autoridade? Os protestantes fiam se na interpretação
individual do leitor, illuminado directamente, dizem, pelo
Espírito Santo.247

Padre Tracalori prossegue:

Se a interpretação de cada leitor é legitima e verdadeira,


porque é que os protestantes, em vez de darem todos a
mesma interpretação, dão muitas contradictórias? Uma sendo
verdadeira, as outras hão de ser falsas, pois a verdade é uma
só. Assim diz o simples bom senso. Mas o bom senso não é
coisa que sympatizam os biblistas: Divorciam-se delle desde o
momento em que renegaram o catholicismo. [...] O caso de
Luthero é comum a todos os protestantes, maníacos leitores da
bíblia abandonada ao capricho da interpretação individual, com
mais ou menos ma fé, ignorância ou presumpção. Chegam ao
ponto de não se entenderem mais entre si e nem consigo: e
cada qual puxando a bíblia para seu lado, em nome do Espírito
Santo, julga-se autorizado a puxar sua igrejola: e as taes
egrejolas, ou seitas, nascem, e morrem, e multiplicam ao
infinito. [...] O protestantismo parece-se com um vasto hospital
de doidos, metidos a interpretes da bíblia.248

Nessa coluna já notamos um tipo diferente de acusação. Dessa vez,


refutando a forma como os protestantes usam a Bíblia. Especialmente a legitimidade
dada ao protestantismo, em que cada fiel poderia ter acesso à Bíblia e autoridade
para interpretá-la, dando poder ao leigo como intérprete das escrituras sagradas.
A mensagem que o autor quer passar é que a única instituição que tem
autoridade para interpretar a Bíblia é a Igreja Católica. O texto argumenta suas

247
A PALAVRA. ―A bíblia! Só a bíblia‖. Belém, 14/09/1922.
248
A PALAVRA. ―A bíblia! Só a bíblia‖. Belém, 28/09/1922.
147

possíveis legitimações para tal: apenas a Igreja Católica dialoga com a tradição
teológica da Igreja. O protestantismo peca por não considerar a autoridade e
tradição teológica na interpretação, se desfazendo dela e por isso se contradizendo
em suas doutrinas, chegando ao nível da loucura. A Igreja Católica seria, segundo
esse pensamento, uma instituição religiosa coesa, que mantém a decência porque
respeita uma hierarquia de autoridade, mantém a sua unidade e sua constância, já
que existe há séculos e quer continuar numa linha teológica de tradição que
corrobora como a chave interpretativa da Bíblia.
Assim, o texto procura constantemente defender a legitimidade do sacerdote
católico em ser a principal autoridade interpretativa dos textos bíblicos, contrastando
com uma outra crença que empoderava o leigo a tal ponto de permitir a ele uma
interpretação livre da Bíblia, que poderia até mesmo contradizer ou construir um
argumento de superioridade em relação ao do sacerdote católico caso o sacerdote
concluísse algo contraditório no discurso clerical comparado com o que se lia nas
escrituras.
Essa retaliação de católicos com a Bíblia era assunto constante nas
discussões entre católicos e protestantes na primeira república. O pastor Metodista
Justus Nelson já chamava a atenção desse fato em seu jornal O Apologista Christão
Brazileiro, como podemos ver na matéria ―Bíblias Falsas‖:

No domingo, o Diário do Gram-Pará honrou-nos com a sua


atenção por tempo suficiente para reconhecer o facto de que a
igreja romana manda queimar bíblias. Eis a confissão: ―cremos
finalmente que a verdade inteira é a seguinte, a igreja manda
queimar bíblias falsas‖ Para justificar esse procedimento diz
―assim, a pouco tempo, o governo inglez se oppoz à publicação
de um livro que sò podia fazer estragos a sociedade e nenhum
bem‖. Mas o Gram-para, esqueceu-se de dizer que este livro
foi a tradução em latim empregado constantemente nos
estudos dos padrecos, e consiste principalmente de
instrucções para os confessores e perguntas indecentes que
eles deveriam fazer aos penintentes no confessionário, o
collega deve contar não ―meias verdades‖ mas ―a verdade
inteira‖. Mas, quanto a acusação, ou antes, insinuação que os
protestantes espalham ―bíblias falsas‖ diremos que é uma
falsidade, quem o escreveu deve saber que é uma falsidade. E
para provar que é uma falsidade, ao colega ou a qualquer outro
membro da igreja romana, desafiamos a provar a falsificação
de um só texto das bíblias que os protestantes espalhão,
comparando-as com o original grego do novo testamento e o
original hebraico do velho testamento. Por falsificação
entendemos modificação essencial do sentido da passagem de
148

maneira que se faz conflicto com o sentido da passagem no


original. E, demais, se o fim do seu jornal ―é muito outro‖, como
assevera o colega do órgão clerical desta capital, offerecemos
as nossas columnas a qualquer membro da igreja romana que
de boa-fé e livre das descomposturas pessoaes quiser aceitar
este nosso desafio. Promettemos publicar por inteiro os artigos
de quem o acceitar e, quando for possível, no mesmo numero
do jornal em que vai a resposta. Agora, provae que são falsas
as nossas bíblias ou confessae que falsa é a acusação.249

Por certo, nesta matéria, o pastor metodista estava respondendo a outra


matéria, publicada por um jornal da grande imprensa que circulava no período, o
Diário do Grão-Pará, retaliando a declaração dos católicos a respeito da queima de
―bíblias falsas‖ dos protestantes.
Não temos a matéria do Diário do Grão-Pará publicada nesse período para
analisarmos na íntegra, porém, pela forma como o jornal católico ―A Palavra‖ se
referia à bíblia protestante, deduzimos que se trata de um questionamento católico
sobre o uso da bíblia e a veracidade da bíblia protestante, constantemente acusada
de ser uma bíblia herética, falsa e que deveria ser queimada. Justus Nelson procura
defender a veracidade da bíblia protestante de forma enérgica, numa espécie de
contragolpe; um discurso forte de defesa do livro que é considerado um pilar da sua
fé, além de procurar demonstrar que a falsidade vem da outra bíblia, dizendo que o
que é falso não é a bíblia, mas a Igreja Católica enquanto instituição.
Além disso, há algo importante de se reconhecer nas entrelinhas do texto. O
descaso com o clero católico. O uso de nomes jocosos como ―padrecos‖, a suspeita
que havia dos padres fazerem ―perguntas indecentes‖ no confessionário aos fiéis.
Sua descrição debochada ao clero católico procura causar um efeito de
desqualificação de autoridade do catolicismo. É um ataque direto a simbologia da
autoridade que o catolicismo tanto preza. Esse elemento discursivo é
constantemente utilizado pelo pastor metodista.
Aparentemente, a resposta dada a Justus Nelson não foi a partir do tema
que ele gostaria, segundo o pastor, ele só obteve uma resposta da igreja sobre seu
desafio, e a publicou em seu jornal:

O sr J.H.N. quer dizer, o methodista Justus Nelson pretende


nos envolver em tal questão de bíblias falsas e bíblias
verdadeiras, comparações do texto, etc. ―não nos sobra tempo

249
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Bíblias falsas‖. Belém, 01/02/1890.
149

para este extemporâneo trabalho‖ ―E o caso, o sr Justus


Nelson, levado demais pelo fanatismo, foi uma noite durante o
Mez de Maria, à igreja do Carmo, e no vestíbulo do templo
começou a entregar as famílias, que entravam uns pamphletos
indecentes contra o culto de devoção a Maria Santissima. As
famílias que tinham recebido na porta da igreja, na boa fé,
aquelles panfletos, apenas reconheceram o seu engano e
começaram a rasgal-os, visto como a grandeza dessa devoção
eram ali atacadas baixamente. ――A igreja, ao final do findar-se
do seu acto religioso estava alastrada dos destroços do
repelente pamphleto‖ ―Portanto é claro que os fieis da Igreja de
Roma não precisam de ordem para queimar ou rasgar livros
falsos e inconvenientes. Elles sabem o que lhes convem e o
que não lhes convem‖ ―que o sr Justus nos conteste o facto si
puder‖.250

Não houve uma resposta direta ao questionamento de Justus Nelson quanto


à acusação feita por parte da liderança católica em relação ao uso de bíblias falsas,
assim como não houve a exposição dos equívocos da bíblia protestante, como o
pastor metodista os havia desafiado. Porém, nota-se aqui uma troca de acusações.
Justus Nelson é acusado de entregar panfletos que refutavam o culto de devoção à
Maria, em um período importante para o culto mariano e bem em frente a uma Igreja
Católica.
A recusa da liderança católica de responder Justus Nelson é oferecida em
um tom de desprezo, seja pelo desafio do pastor metodista ou até pelo próprio
protestante, pois além de dizer que ―não sobra tempo para tal trabalho‖, no decorrer
do texto, Justus Nelson é retratado como um ―fanático‖. Mais uma vez, um
argumento católico que desenha os protestantes como uma ―seita de fanáticos‖
diante de uma Igreja Católica que supostamente possuí senso e racionalidade de
instruir acerca do certo e do errado, do bem e do mal.
A resposta do articulista à Justus Nelson diz que, após perceberem o que
tratavam os panfletos que lhes haviam sido entregues, os fiéis católicos tomaram a
iniciativa de rasgar as peças, já que entendiam claramente sobre ―livros falsos e
inconvenientes‖.
O articulista ergue os fieis católicos à categoria de autônomos, capazes de
avaliar a literatura boa e a ruim e selecioná-las por conta própria. O ato do católico
rasgar livros e bíblias protestantes é de certa forma afirmado pelo autor como algo
que ocorre, e é visto inclusive como correto pela igreja. O fiel católico teria, segundo

250
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Bíblias falsas‖. Belém, 01/02/1890.
150

o jornal, entendimento para perceber ―o que convém e o que não convém‖,


retratando os fieis católicos como autônomos e suficientes para diferenciar o certo e
o errado, a verdade e a mentira, o ortodoxo e o herético.
Justus Nelson, após citar a resposta do articulista do Grão-Pará, procura,
nos parágrafos seguintes, refutar a resposta do autor:

Citamos estes paragraphos somente para apontar os dous


erros mais salientes. O escriptor delles é o mesmo padre que
na ocasião da distribuição dos pampheletos occupou o púlpito
poucos momentos depois, e levando ao púlpito um dos folhetos
rasgou-o a vista do auditório e mandou que os ouvintes
fizessem o mesmo, segundo nos contarão testemunhas
oculares. Uma das devotas obdecerão o mandato do padre,
mas muitos também guardarão os folhetos para examina-los
depois e ainda outros muitos vierão pedir-nos exemplares para
o mesmo fim. Portanto se vê que nessa ocasião o reverendo
collega achava necessário mandar rasgar os folhetos. A
―ordem‖ é justamente o que os ―fieis da igreja de Roma‖
precisam para saber ―o que lhes convem e o que não lhes
convem.‖ Os ditos ―fieis‖ não tem o direito de examinar e
estudar. E o collega quer fazer nos crer que nos cinco ou dez
minutos que passarão entre a distribuição de folhetos e o seu
rasgamento, que essa gente, a maior parte da qual não sabia
ler, tinha examinado esse folheto de dezoito paginas
sufficientemente para saber se lhes convinha ou não? Outro
erro na contagem da historia feita pelo rev. Collega é a
accusação de aerem (sic) indecentes os ditos folhetos. Ainda
temos uns poucos exemplares dos mesmos folhetos. Enviamos
um exemplar ao reverendo agora, sabendo que já rasgou um
exemplar que recebeu a sete anos; e desafiamos a elle a
apontar uma só palavra, ou uma só alusão do dito folheto que
seja ―indecente‖ e incapaz. O nosso desafio para provar a sua
falsa accusação a respeito das bíblias, o collega não aceitou-o,
dessa maneira confessando que é falsa a sua accusação.
Agora, prove a accusação de serem ―indecentes‖ os folhetos
ou confesse o reverendo que mentiu.251

A partir de matérias como essa, podemos tatear a defesa dos protestantes


sobre as críticas do catolicismo. Justus Nelson aponta o domínio do clero diante das
ações dos fiéis católicos, que são manobrados pelos padres, direcionados por eles
sobre os livros que ―convém e não convém‖, e ainda que são estimulados a destruir
a literatura que ―não convêm‖, não dando ao católico a autonomia própria para
decidir sobre o que ler e o que acreditar. Mais uma vez notamos aqui um conflituoso
embate entre católicos e protestantes que se dá entre a autonomia do leigo

251
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Bíblias falsas‖. Belém, 01/02/1890.
151

defendida pelo protestantismo, e a autoridade da Igreja, representada pelo clero,


como afirma o catolicismo; segundo o jornal, o padre é o manipulador, o
direcionador da fé do leigo, aquele que suprime a liberdade de crença e a autonomia
para decidir o que é certo e o que é errado.
A Bíblia, sendo defendida ou atacada, é um elemento central na fé cristã, e
especialmente a protestante. É através dela que o protestante retoma a sua regra de
fé e a pratica. É por meio do seu, em a interpretação de um sacerdote, que a
autonomia do leigo era defendida pelo protestantismo. Atacar a Bíblia, seja através
de sua veracidade ou de seu uso era atacar o maior símbolo religioso do
protestantismo e a autonomia do leigo, antagônica à ideia católica da igreja como
principal norteadora e instrutora da fé de seus fiéis.
Acreditamos que os ataques e as defesa do uso da Bíblia se davam em
torno desses valores. Defender e tentar destruir tais pontos era tocar em dogmas
que serviam como pilares de sustentação das duas vertentes cristãs.
Todavia, pela própria matéria de Justus Nelson e pela análise da literatura
protestante, notamos que se a Bíblia era um objeto de ataque pelos católicos, os
protestantes também tinham suas refutações ao catolicismo, baseados também em
questões específicas. Uma delas era com relação a uma prática muito cara ao
catolicismo, especialmente à religiosidade católica paraense, a devoção mariana. Na
maior parte dos veículos de imprensa protestante que analisamos, o assunto da
devoção mariana pelos católicos vinha à tona, seja a crítica feita aos fiéis ou feita
diretamente ao clero.
A matéria ―Marianismo‖ do jornal presbiteriano ―Norte Evangélico‖ mostra
exatamente as críticas comuns que ocorriam diante dessa prática religiosa:

[...] cada dia mais nos convencemos que os padres e frades se


permitem fortemente em mudar a religião christa para religião
mariana. Quem se der o trabalho de percorrer as paginas da
historia ecclesiastica notará admirado a transformação operada
de seculo em seculo, cada vez mais accentuada, do
Chistianismo em marianismo. Os papas e os concílios têm
trabalhado com tal pericia na obra destructiva da religião do
filho de Deus que os povos, destigitados pela ausência do
clero, não sentem, não percebem que as verdades do
evangelho vao pouco a pouco sendo substituídas pelos
ensinos de invenção humana. [...] Tanto tem o clero trabalhado
abolir o chistianismo primitivo para substitui-lo pelo marianismo,
que, chegaram ao ponto de crearem o novo dogma da
―imaculada conceição de maria‖, em 8 de dezembro de 1854,
152

não obstante ser doutrina corrente da Sagrada Escriptura que o


pecado alcançou todo o gênero humano, com a única
excepção de Jesus, cuja conceição foi a única imaculada, por
ser obra do Espirito Santo. E‘ assim que lemos Rom. Cap 5, v
12. ―Portanto, assim como por um homem entrou um peccado
neste mundo, e pelo peccado a morte, assim também passou a
morte a todos os homens, por um homem do qual todos
pecaram‖.252

A matéria já começa com uma acusação: o clero católico procura, no


decorrer dos séculos, mudar a religião cristã para algo que no jornal é chamado de
―religião mariana‖. Maria é apresentada como uma mulher ―imaculada‖, sem
pecado. No decorrer da narrativa, notamos que o chamado ―marianismo‖ é visto
como uma prática antagônica à fé cristã, a ponto de ser considerada ―destrutiva‖
para o cristianismo.
Daí notamos algumas argumentações singulares, inicialmente a crença
protestante de pôr a Bíblia como regra de fé e prática, acima de outras questões que
são muito caras para os católicos – a tradição. Se a devoção mariana é justificada e
legitimada pelos católicos a partir das encíclicas, da autoridade papal e do clero
católico formado por padres e bispos, os protestantes se utilizam do conteúdo bíblico
como um contra argumento, considerando que se há uma contradição entre a
mensagem bíblica e a autoridade católica e sua tradição, o que diz na Bíblia deve
prevalecer. Com isso, a ideia de tradição como um legitimador da autoridade católica
é desconstruída no discurso protestante, no qual a Bíblia é um artefato religioso
cristão que pode ter informações contrárias até mesmo às tradições mantidas desde
séculos antes pelo catolicismo vigente, e o conteúdo bíblico possui mais validade
que a tradição vigente. As informações contidas ali são mais válidas que a tradição.
Notamos argumentações semelhantes no decorrer da matéria:

[...] Dahi as innumeras invocações de senhoras com


denominações mais ou menos sympaticas, laços armados aos
corações dos devotos, objectos do predomínio do clero. Dahi
as padroeiras de localidades pequenas e grandes, de cidades
e estados. E o povo que não se embaraça em examinar e
procurar saber a razão de ser dessas invocações, desses
patronados, que nada patrocinam e se deixam embahir pela
astucia desses pervidos guias religiosos que, além de
obstruírem o caminho que conduz a vida eterna, além de
impedirem que o povo entre no reino de Deus, além de
desviarem as almas de Chisto e sua salvação, se locupletam
252
NORTE EVANGÉLICO. ―Marianismo‖. Garanhuns, 16/09/1918.
153

com os seus haveres para a construccão de grandes e ricos


conventos, para o estabelecimento de novos bispados e para
dominarem no estado occupando as posições mais salientes
na politica nacional. E‘ tempo portanto de despertar e de
indagar porque mudaram os padres a antiga religião de Jesus
Christo nesta nova religião que eleva Maria ao lugar que
compete ao filho de Deus. E‘ tempo de cada um abrir a
Sagrada Escriptura, fonte da religião e cotejar essas novas
doutrinas que os padres andam a ensinar ao povo incauto, com
as antigas doutrinas ensinadas por Christo e seus apóstolos.253

Vemos claramente uma tentativa de desqualificação do próprio clero católico


como autoridade religiosa, como pessoas que impedem os fiéis de conhecerem a
verdadeira fé cristã através da devoção mariana, considerada herética, e pelos seus
possíveis falsos testemunhos, que procuram construir conventos ricos e luxuosos e
adquirir poder na estrutura do Estado.
Essa representação do catolicismo afortunado e atrelado ao Estado, e que
engana fiéis com crenças populares, tem como antagônico a própria representação
que o protestantismo faz de si, no qual, para a libertação do povo, o jornal mostra
como necessária a leitura da sagrada escritura, a ―fonte da religião‖, que destruiria
todo esse sistema, não apenas herético, mas de poder construído pelo catolicismo
vigente. O protestantismo apresenta aqui a leitura da Bíblia como uma ação
libertadora do povo, não apenas para a salvação das almas a Cristo que o
catolicismo ―desvia‖ por meio do culto mariano, mas uma libertação de uma
exploração de fé baseada também em exploração financeira feita pelo catolicismo.
Assim como era costumeiro entre os protestantes, Justus Nelson também
constantemente fazia declarações sobre o dogma da Virgem Maria e as devoções
marianas, geralmente taxando tais práticas de ―idolatras‖. Nessa última matéria que
analisamos, Nelson se refere à devoção mariana pelo nome jocoso de ―matriolatria‖,
e diz que na catedral reformada se fariam ―cultos mariolátricos‖. E, sendo uma
prática religiosa constante, por mais que o pastor aponte haver um mês específico
onde se aumentam as práticas devocionais a Maria (o mês de maio), a devoção
mariana era uma prática contínua na região. Justus Nelson queria mostrar a
devoção mariana como uma idolatria recorrente no Pará.

253
NORTE EVANGÉLICO. ―Marianismo‖. Garanhuns, 16/09/1918.
154

Assim, recorrentemente, havia provocações as devoções marianas


presentes em Belém, como na matéria ―Idolatria‖, publicada no jornal do pastor
metodista:

Chegou a bonequinha, o ―Gram Pará‖ diz que já não é feia, que


alegria para as beatas e para os jogadores de Nazareth.
Chama-se Nossa Senhora de Narazeth, ou, por melhor dizer,
assim será chamada depois de apanhar latim e agua benta
amanhã na igreja de Santo Alexandre. Por ora ainda é só
bonequinha. Depois das momices milagrosas do mon Senhor
Jorge Gregório, a boneca tornar-se-ha milagrosa Mãe de Deus,
Nossa Senhora de Nazareth-para o povo pelo menos [...]
Responsabilizamos ao governador do bispado por toda a
idolatria que o povo vae tributar aquela calunguisha [...] é o seu
latim que a torna um verdadeiro fetisch para o povo. Não vale o
clero declarar que não ensina idolatria e culto de imagens; pois
é o seu benzimento que aos olhos do povo torna imagem o
objeto de adoração que é ―Não pedimos ao referido padre para
desistir d‘esse acto de idolatria e de fetischismo, porque
sabemos que não seriam attendidos n‘esse sentido. Porém, em
nome de nosso Deus omnipotente e de sua santa lei,
protestando contra a reabertura dos diques para deixar correr
esse diluvio de idolatria. Diz nosso Deus: ‗não farás para ti
imagem de escultura, nem figura alguma de tudo que há em
cima do céo, e do que embaixo da terra, nem de cousa que
haja nas aguas embaixo da terra. Não as adoraras, nem lhes
darás culto, porque eu sou o Senhor, teu céus‘ (Ex XZ 4..5). D.
Antônio Macedo Costa, arcebispo da Bahia declara que este
supracitado mandamento de Deus ‗increpa de idolatria‘ essa
romaria que está anunciando para Domingo que vem, para
transportar esse ídolo para o collegio do Amparo. Tende um
medo salutar de Deus e do juízo final. J.H.N.‖.254

Um dos diferenciais de Justus Nelson, se comparado aos outros


protestantes que analisamos, é justamente o fato dele apontar casos locais,
ocorridos especifícamente no Pará, para fomentar suas querelas contra os católicos.
De um jeito jocoso e debochado, Nelson chama a devoção mariana, representada
na região pela ―virgem de Nazaré‖, como ―bonequinha‖ e ―calunguicha‖, dando ares
depreciativos à imagem da Virgem.
Contudo, para além da depreciação, Justus Nelson aponta toda a dinâmica
religiosa que envolve o marianismo na região dizendo que o valor simbólico dado
para a imagem é o benzer do clero. Segundo ele, no momento que o bispo católico
―unge‖ a imagem ela passa a ser reconhecida pelo povo como ―Mãe de Deus‖ e

254
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Idolatria‖. Belém, 21/06/1890.
155

―Nossa Senhora de Nazaré‖. Nelson culpa todo o clero católico local por promover o
que os protestantes chamavam de idolatria, e para isso se utiliza de passagens
bíblicas e usa até as palavras do antigo bispo do Pará, no período imperial, Dom
Macedo Costa, como argumentação contrária ao rito feito à imagem de Nazaré.
Assim, o pastor não acusa apenas a prática devocional à Virgem de Nazaré como
idólatra, mas todo o clero de estar envolvido no estímulo ao povo de praticar
idolatria, já que eles estavam cientes de tratar-se apenas de uma imagem, uma
prática condenável, e ainda assim continuavam a executá-la.
Na matéria ―A festa de Nazareth‖, Justus Nelson responde ao jornal ―Gram
Pará‖ pela crítica às festividades que acompanhavam o Círio de Nazaré no mês de
outubro, afirmando que essas festividades estimulavam os ―vícios‖ e os ―crimes‖:

O ―Gram Pará‖ acha inconveniência na nossa crítica, porque,


entre outros motivos, criticamos ao clero que contribue com
sua influencia para tornar popular a festa, e que aos
vergonhosos vícios e crimes da festa não se oppõem, porque
lhes rende uma somma avultada. [...] A festa de Nazareth é
sustentada principalmente por jogadores que ahi roubam este
povo de uma maneira espantosa e altamente criminosa. Quem
mais lucro tira da festa são os jogadores e os padres. [...] por
causa d‘essa sociedade e esses interesses mútuos, o púlpito
de Nazareth guarda um interesse tumular a respeito do jogo da
festa. Há poucos anos o clero paraense entendeu não ter parte
na festa por essa vez, qual o motivo? Não por ser imoral essa
combinação, mas sim uma questãozinha lá com a irmandade
de Nazareth, a respeito das sociedades secretas. Dão se bem
com os jogadores, porém, com os maçons nunca, senão
quando convem. Comtudo, essa pequena escaramuça deu
ensejo para o clero paraense expor a sua opinião da festa de
Nazareth. [...] Porque? Porque a festa é uma passeata
chamada Cyrio, e aquilo do largo e nada mais. De facto, a festa
de Nazareth sempre foi um accesorio insignificante. Pouca
gente s‘importava da Ermida, nem do qué já se passava. As
dissipações, os jogos, os deboches do largo eram tudo. A
imagem da santíssima virgem era apenas um chamariz para o
povo: sua devoção, mero pretexto para chamar gente honesta
àquiella feita nocturna e cheia de mil perigos. Portanto, temos
razão de dizer que a festa de Nazareth, como vai fazer-se, é
uma solemne mystificação, um laço armado a boa fé e
simplicidade dos devotos da immaculada virgem.255

A depreciação do clero como uma classe corrupta e racionalmente herética


continua a ser propagandeada pelo jornal. O principal argumento do pastor é que o

255
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―A festa de Nazareh‖. Belém, 27/10/1890.
156

clero tinha total consciência de que as práticas do catolicismo local eram contrárias à
fé cristã, incluindo o próprio catolicismo. Era uma forma de continuar desqualificando
a autoridade católica local com fatos concretos que ocorriam na localidade. Apontar
a festividade do Círio de Nazaré como uma festividade lucrativa para a igreja,
estando eles cientes dos possíveis vícios, crimes e jogos de azar ali realizados.
Ao continuarmos na análise de fontes, notamos que Justus Nelson
permaneceu em sua militância contrária à devoção mariana, como exemplo vamos
retornar ao artigo ―as bíblias falsas‖ publicado em 1893, que analisamos no começo
do capítulo, em que se notam os trechos do jornal ―A semana religiosa‖ publicados
no ―O Apologista Christão Brazileiro‖:

E‘ o caso, O sr Justus Nelson, levado demais pelo fanatismo,


foi uma noite durante o Mez de Maria, à igreja do Carmo, e no
vestíbulo do templo começou a entregar as famílias, que
entravam uns pamphletos indecentes contra o culto de
devoção a Maria Santissima.As famílias que tinham recebido
na porta da igreja, na boa fé, aquelles panfletos, apenas
reconheceram o seu engano e começaram a rasgal-os, visto
como a grandeza dessa devoção eram ali atacadas
baixamente. ―A igreja, ao final do findar-se do seu acto religioso
estava alastrada dos destroços do repelente pamphleto.
Portanto é claro que os fieis da Igreja de Roma não precisam
de ordem para queimar ou rasgar livros falsos e
inconvenientes. Elles sabem o que lhes convem e o que não
lhes convem‖ que o sr Justus nos conteste o facto si puder.256

Nelson responde essa acusação afirmando que os fiéis católicos rasgaram


os folhetos por mando do padre, e não por terem eles próprios averiguado se o
conteúdo fazia sentido ou não. Assim como, segundo o pastor, alguns fiéis
guardaram os folhetos para examiná-los futuramente e outros até pediram folhetos
ao pastor. Lembremos que esse fato que estava sendo discutido nesses jornais,
ocorreram 7 anos antes da discussão, em 1886, ainda no período imperial.
Independentemente da versão mais coerente dos fatos, há aqui mais um
exemplo da ação de Justus Nelson em propagar a sua fé e sua contrariedade com
relação à devoção mariana da região, a ponto de ir defronte a uma igreja católica
distribuir folhetos que refutavam o culto católico de devoção à Maria. Pelo jornal ―O
Apologista Christão Brazileiro‖ esses acontecimentos se referiam a episódio ocorrido
7 anos antes, o que mostra que havia anos o pastor vinha travando essa batalha

256
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―As Bíblias falsas‖. Belém, 1893.
157

contra a devoção mariana local, uma batalha enérgica, agressiva e que chegava ao
limiar da entrada do espaço de culto católico para afrontar o catolicismo vigente.
Justus Nelson faz diversos discursos e narrativas, incluindo até mesmo a do
bispo Dom Macedo Costa, para assim construir sua narrativa de desqualificação da
devoção mariana local. Tece críticas negativas ao clero, as festividades e à própria
devoção mariana em si, taxando-a como idólatra, sempre de maneira taxativa,
jocosa e irônica. O pastor metodista constantemente abordava esses assuntos a
partir da conjuntura local, e construía a sua narrativa do seu universo in loco,
presente em Belém do Pará. Como vimos, a devoção mariana era bem presente e
fervorosa na cidade, destratá-la e desacatá-la era enfrentar um ponto nevrálgico da
religiosidade local. A forma como Justus Nelson se pronunciava diante do
catolicismo vigente em Belém, a partir das fontes que vimos, é importante para
entendermos que as tensões entre ele e os católicos se aprofundava desde o início
de seu ministério na cidade, especialmente em relação ao seu posicionamento
perante a expressão religiosa mais característica do catolicismo paraense, a
devoção mariana.
Detalharemos essa oposição à devoção Mariana de Justus Nelson ainda
neste capítulo. Mas, por hora, notamos o quanto o simbolismo da figura de Maria é
importante para a argumentação contrária ao catolicismo feita pelos protestantes,
justamente pelo peso que ela tem como simbologia do imaginário católico,
especialmente o catolicismo local. Também percebemos que católicos e
protestantes não tratavam apenas seus dogmas, mas as aplicações deles em sua
localidade, seus líderes e suas estigmatizações da liderança local.

3.1.3 “Ignorantes e tolos”: o embate entre as lideranças religiosas locais

O jornal católico A Palavra, em algumas de suas matérias, mostrava a ação


de alguns protestantes na cidade. Geralmente, eram matérias assinadas pelo padre
Dubois, principal articulista e editor chefe do jornal.
Em colunas como ―cartas a um jovem moço‖, padre Dubois procurava refutar
o protestantismo como fazia em suas outras matérias no jornal. Mas, dessa vez, com
uma estética textual diferenciada. Escrevia como se trocasse correspondências com
um jovem, um rapaz ansioso por aprender que lhe dirigia perguntas e a quem ele
orientava. Dubois responde às perguntas do tal ―moço‖ esclarecendo suas dúvidas.
158

Sem dúvida um excelente expediente estilístico, ainda que de verossimilhança


questionável, no qual Dubois pode se autorrepresentar como uma liderança sábia,
um mestre experiente que instruí os moços; enfim, uma autoridade religiosa
legitimada para instrução e discipulado de seus leitores.
Destacamos uma matéria desta coluna em que Dubois comenta sobre a
possibilidade do ―moço‖ fazer uma pesquisa sobre a quantidade de protestantes no
país, e discorrer sobre o seu possível crescimento. Em resposta, o padre retrata as
dificuldades de se fazer este ―censo‖. Primeiro, por se duvidar desse suposto
aumento dos protestantes que seu amigo afirmaria ocorrer. Dubois garantia que
muitos membros do protestantismo haviam aderido à causa por conseguirem
facilidades financeiras, ou apenas por comprarem a Bíblia de um protestante. No
decorrer da matéria, ele dá o exemplo do que ocorria em Belém: ―[...] aqui em
Belém, local onde posso estar a par do movimento, o protestantismo se recruta na
gentinha ignorante, e está muito dividida entre si‖257. E continua: ―[...] as demais
egrejolas não suportam a seita pentecostal que é, apesar dos pesares, a que mais
se expande no meio dos tolos e dos grulhas‖. Continuando a discorrer da
desqualificação do movimento protestante em sua localidade, taxando os que
aderem ao protestantismo de ―ignorantes‖ e ―tolos‖, com especial ênfase aos que
aderem ao movimento pentecostal.
O protestantismo é mostrado como uma religião de ―gentinha ignorante‖, que
constantemente ―se divide‖, e atrai apenas ―ignorantes e tolos‖. Dubois aqui se
diferencia, mostrando que é uma referência de sabedoria e que contrasta com a
―ignorância protestante‖, e que é qualificado para direcionar seus leitores a escapar
da ignorância e da tolice como os que já caíram no ―engodo‖ representado pelo
protestantismo. O catolicismo é representado como uma fé de sabedoria, por conter
em si os verdadeiros dogmas cristãos, a virtude da unidade das diferentes ordens e
a liderança religiosa católica como a mais capacitada a instruir os moços em suas
práticas de fé.
Em seu livro ―O biblismo‖ padre Dubois se utiliza de exemplos locais sobre
como o homem simples que comprava a Bíblia, na maior parte dos casos, não a lia
como os protestantes supostamente visionavam.

257
A PALAVRA. ―Cartas a um jovem moço‖. Belém, 27/07/1922.
159

Para darmos um exemplo local, nesta leal cidade de Belém do


Grão-Pará, nas vizinhanças do Ver-o-Peso e da Villa Têta,
logradouros essencialmente populares, os mercadores bíblicos
oferecem sua mercadoria aos canoeiros, bruxeiros e peixeiros,
os quais, satisfeitos por possuírem um bem encadernado livro,
voltam ao sítio, a roça, ou a barraquinha, onde a edição anglo-
americana irá dormir o sono do justo no baú ancestral, perto do
dente de jacaré ou da banha de anta, entre o ramilete de
alfazema e o santo Antonio pequenino, ao lado da garrafa de
água benta ou do vidro de Maravilha até que as traças venham,
com seu trabalho perfurante, pertubar a dormidela do inocente
volume.258

A Bíblia, para muitos desses homens populares paraenses, era considerada


como mais um artefato mágico entre os diversos outros que eles tinham, como
garrafas de água benta, imagens do Santo Antônio, dentes de jacaré... Segundo
Dubois, a Bíblia seria apenas um elemento a mais para a crença católica popular
paraense, não representando de fato uma conversão ao protestantismo.
O cenário descrito por Dubois, usando a região do Pará onde vivia como
referência, serve para entender como era o universo protestante na visão dele, onde
muitos não fariam o usufruto da Bíblia de saída porque ―não sabiam ler, não
compreendiam a linguagem ou não se interessariam pela leitura‖259. Já analisamos
a dificuldade que o protestante tinha de expandir sua fé letrada num cenário de
maioria analfabeta. Dubois reafirma esse cenário religioso local e se utiliza dessa
mazela para demonstrar que aqueles que se tornavam protestantes eram ―não
praticantes‖, ―ignorantes‖ e ―tolos‖. Notamos no livro uma afirmação que, para nós, é
essencial para que se entenda a narrativa do padre: ―A bíblia na mão do leigo, sem
alguém que a explique, é como o primeiro livro de leitura na mão do alumno sem o
mestre-escola, é uma obra inútil, quando não prejudicial.‖260 O cenário do
protestantismo em Belém do Pará para Dubois reforça o que seria para ele a falha
do protestantismo – a qual o catolicismo poderia suprir: o leigo paraense não tem
condições de entender o conteúdo bíblico por si só justamente por ser ignorante e
analfabeto, faz-se necessário que haja um sacerdote preparado para instruí-lo. Um
sacerdote referencial. Um sacerdote, claro, católico.

258
DUBOIS, Pe. Florencio. O Biblismo. Rio de Janeiro, 1921.
259
GOUDINHO, Liliane Cavalcante. A palavra que vivifica e salva contra o mal da palavra que
mata: imprensa católica em Belém (1910-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São
Paulo, 2014, p.160.
260
DUBOIS, op. cit., p.19.
160

As lideranças católicas são desenhadas como as autoridades necessárias e


capacitadas para instruir o fiel paraense na sua prática de fé, incluindo até mesmo
no seu usufruto da Bíblia. Excluir o sacerdote católico da instrução do fiel faz com
que ele se utilize da Bíblia como um amuleto, um artefato mágico diante de um
universo de outros tantos das crenças locais. O argumento do catolicismo como
sendo uma ―autoridade instruída‖ para conduzir ―o popular paraense analfabeto e
ignorante‖ é mais um ataque à doutrina protestante acerca de sua defesa da
autonomia religiosa do leigo. Só as lideranças católicas seriam capazes de pegar
pela mão o leigo e conduzi-lo no caminho de compreender as Sagradas Escrituras.
Além de fazer críticas ao protestantismo local, também fazia críticas
específicas a lideranças significativas do protestantismo na cidade. Um dos seus
desafetos mais recorrentes era o pastor presbiteriano Antônio Teixeira Gueiros, o
difusor do jornal ―Norte Evangélico‖ em Belém, e que também conseguia espaço
para publicar na grande imprensa. Dubois escreveu no jornal ―A Palavra‖ uma
resposta a um artigo de Gueiros no qual ele mencionava ícones do catolicismo,
como Agostinho de Hipona, a igreja primitiva e o próprio Jesus Cristo como
propagadores de uma religiosidade semelhante ao protestantismo. Dubois refuta
fortemente essas premissas, em matérias como ―Mestre Gueiros, pai de uma nova
seita protestante denominada ‗Os imaginários‘‖:

Contemos a história de sua origem, que é instrutiva e


interessantíssima. Mestre Gueiros, acaba de affirmar pelos
jornaes que o primeiro protestante foi o Nosso Senhor Jesus
Christo. Dahi a existência de dois protestantismos; um
imaginado por mestre Gueiros, outro consta na história; este
apareceu como apostasia de Luthero. [...] no protestantismo do
século dezesseis acabou se toda a subordinação. No
protestantismo anterior ao século dezesseis não se professava
o falso principio do ―livre exame‖, não se considerava como
única regra de fé e pratica a escriptura, não se afirmava que na
salvação bastava a fé sem obras. No protestantismo do século
dezesseis é tudo o contrario. [...] Nestas alturas, das duas
uma; ou mestre Gueiros se abraça com o Christo catholico, o
que infelizmente não quer, ou continua onde está, apegado ao
seu Christo protestante. [...] Gueiros nem se quer chega a ser
um dos muitos galhos da arvore do protestantismo, mas um
parasita, ou melhor, um protestante imaginário fundador da
seita que se dá pelo nome de ―os imaginários‖.261

261
A PALAVRA. ―Mestre Gueiros, pai de uma nova seita protestante denominada ‗Os imaginários‘‖.
Belém, 15/11/1931.
161

Não temos as matérias escritas pelo Gueiros para nos aprofundarmos no


que ele realmente disse, o que sabemos é que a matéria foi publicada em um jornal
da grande imprensa do estado do Pará, visto que não encontramos nenhum escrito
dele no jornal Norte Evangélico no ano em que a matéria foi publicada discorrendo
acerca do tema. Pela afirmação de Dubois, nota-se que Gueiros tinha seu espaço de
publicação na grande imprensa. Não vimos tais espaços ocupados por outros
protestantes locais nesse período, o que dá a Gueiros um diferencial nesse ponto,
justificando também a preocupação do jornal ―A Palavra‖ de se utilizar de seu
espaço para constantemente atacá-lo.
A matéria ironiza e zomba a afirmação de Gueiros, em especial quando ele
diz que Jesus Cristo seria considerado o primeiro protestante. A matéria de Dubois
em resposta àquela se utiliza da ideia da tradição para mostrar que o catolicismo
está mais ligado aos ideais de Cristo do que a ―ruptura‖ protestante no século XVI. O
tema do ―livre exame‖ é mais uma vez trazido à tona, assim como a ideia da Igreja
Católica como religião que preserva a tradição cristã. Há uma distinção de dois
cristos, e de dois cristianismos. O cristianismo do catolicismo, tido como verdadeiro;
e o de Gueiros como falso, herético e ―parasitário‖ até mesmo entre o próprio
protestantismo.
Gueiros insiste nessa linha, se utilizando de outros ícones da história cristã,
como Agostinho de Hipona. Gueiros publica o artigo ―Agostinho, tirando Luthero e
Calvino, foi talvez o maior protestante‖. Segundo Dubois, acerca da matéria em
questão, publicada no dia 29/11/1931, a própria história derruba tais afirmações do
pastor. Dubois diz que, nos tempos de Cristo e da igreja primitiva, havia o respeito à
autoridade, não havia a ―heresia do livre exame das escrituras‖, ou mesmo o debate
jocoso.
Gueiros havia discorrido na referida matéria sobre a história de Agostinho,
desde sua vida pregressa até a sua conversão ao catolicismo com 34 anos. Dubois,
sendo irônico, diz:

[...] Eis as duas phases da vida de Agostinho, na primeira até


os trinta e quatro annos aparece-nos o Agostinho protestante
proclamado pelo pastor Gueiros, aparece-nos o Africano com
todos os seus vícios, incapaz de ser regenerado pela moral de
Luthero e Calvino! Na Segunda é o Agostinho catholico, não só
regenerado, mas transformado num Santo que se chama Santo
162

Agostinho. Fica mais uma vez provada a ma fé do pastor


Gueiros [...]262

Há um estilo de retórica nas duas matérias que envolve, primeiramente,


contra-argumentação pelo nível histórico, na qual se defende a tradição católica e a
conecta a personagens e momentos históricos de grande significado para o
cristianismo, como Jesus Cristo, a igreja primitiva e Agostinho de Hipona, colocando-
os como parte única e exclusivamente da tradição do catolicismo. Gueiros entra em
um campo argumentativo da tradição e a lê com uma chave hermenêutica
protestante.
Logo da primeira página, vemos diversas críticas ao protestantismo. Em
meio às várias matérias, acima da página havia um trecho pequeno de uma
publicação do jornal da grande imprensa ―Folha do Norte‖, intitulada ―Epigramma‖:

Bem baratinho ao mestre Jesus Cristo Judas trocou por uns


trinta dinheiros: Em bons dólares, mais caros que isso. Ao
biblismo de Sam, Vendeu-se o senhor Gueiros. Vejam, depois,
dos nomes a união feia! - a bem rimar, ó musa, tu me ajudas –
Pensei em Judas – Gueiros me veio a ideia. Em Gueiros
penso? Vem-me a mente Judas.

Com Antônio Teixeira Gueiros, o embate entre católicos e protestantes não


se limitava apenas à imprensa confessional, chegava também à grande imprensa,
ambiente que no período republicano era bem restrito à Igreja Católica,
especialmente o jornal ―Folha do Norte‖, o de maior publicação no estado. Padre
Dubois mantinha coluna semanal de grande prestígio ali, e era respeitado pelo
redator chefe, Paulo Maranhão. Eis que Antônio Gueiros conseguiu também um
espaço no periódico, espaço que, até então, na temática religião, era exclusivo de
Dubois.
O que se percebia era o intuito da maior parte dos veículos de imprensa
ligados total ou parcialmente a Igreja Católica para combater o protestantismo, seja
as ideias protestantes ou até mesmo a figura do próprio pastor como pessoa.
Os pastores protestantes eram constantemente acusados de serem
heréticos; mas, nesse caso, as acusações a Gueiros iam além. Ele era taxado de
―pastor vendido‖ à fé norte-americana. Não é mais apenas um herege, é também um

262
A PALAVRA. ―Mestre Gueiros, pai de uma nova seita protestante denominada ‗Os imaginários‘‖.
Belém, 15/11/1931.
163

interesseiro, ombreado a Judas, o traidor de Jesus. Gueiros trai a ―verdadeira fé‖


representada pelo catolicismo e adere a uma religião estrangeira. Sobre essa
relação do protestantismo como uma religião do ―Tio Sam‖, trataremos melhor no
capítulo seguinte; por hora, falemos do ataque do catolicismo ao protestantismo
presbiteriano.
Por mais que não tenhamos tido acesso às matérias de Antônio Teixeira
Gueiros nos jornais da grande imprensa, notamos pelas suas matérias no jornal
―Norte Evangélico‖ que as polêmicas entre o padre Dubois e protestantes ocorriam
recorrentemente nesse período:

Um caso curioso que não nos deixou ferir a atenção dos que
ultimamente foram ao Pará em presbyterio foi o silencio do
sanhudo campeão de hostes romanas- Padre Dubois, vejam os
leitores: Anno passado, após a reunião do presbytério em
Caxias, durante a qual foi derrotado em polemica verbal com o
padre Arias, que não obstante, mandou trombetar para fora
uma sua victoria fantástica, teve o Padre Dubois a pachorra de
se abalar do Pará para fazer trejeitos e momices em Caxias e
S. Luiz. Agora, porém, o presbyterio reunido na sua casa, na
sua arena de belluario pavoneado, annunciando, como o fez,
na Folha do Norte diariamente, os trabalhos de referido
presbyterio, padre Dubois, nada fez, nada disse, nada
escreveu – não tugiu, nem mugiu- resignado a um silêncio de
demasiado, de vencido! Curioso e significativo! Como se
justifíca o silêncio de Padre Dubois, conhecidíssimo fazedor de
arrengas?! Como se harmonizar esta atitude de hoje, com a de
hontem em Caxias? Que se teria passado na alma do corifeu
das hortes humanas?... Deixamos ao leitor a resposta a esta
indagação, Elle que faça o seu juízo sobre Dubois e sua
obra...Eu daqui apenas lembrarei que, no Pará, padre Dubois
já foi derrotado apenas trez vezes pelos nossos: duas por
Severino Silva e uma por Bezerra Lima. Como já dissemos,
Dubois tinha espaço na grande imprensa, e em especial, no
jornal ―Folha do Norte‖.263

Gueiros mostra padre Dubois como alguém que constantemente se envolve


em polêmicas com lideranças religiosas, sejam pastores evangélicos ou até mesmo
padres católicos; alguém que nas polêmicas com as quais se envolvia na própria
cidade perdia os debates para protestantes locais. Uma perda ―na sua própria casa‖.
A matéria o retrata como um padre que tem grande visibilidade na cidade de Belém
do Pará e no país, mas essas informações não são colocadas na matéria para
exaltá-lo, mas para desqualificá-lo ainda mais, um padre que cria polêmicas, perde

263
NORTE EVANGÉLICO. ―O trabalho no Pará‖. Garanhuns, 1923.
164

discussões para protestantes e que, inclusive, os teme. Está era uma forma de
desqualificá-lo como autoridade religiosa. Um padre local, mas de prestígio nacional,
que perde embates verbais para protestantes.
Dubois conseguia ocupar espaços na imprensa confessional católica e na
grande imprensa. Antônio Teixeira Gueiros, ao que notamos, foi o primeiro pastor
local do período republicano a se inserir no debate da grande imprensa. Era
evidente o quanto o pastor presbiteriano se diferenciava de outras lideranças locais
protestantes do período republicano em Belém. Por mais que, no geral, os
protestantes conseguissem articulações com pessoas influentes, os presbiterianos
conseguiram um espaço na grande imprensa maior que qualquer outra
denominação presente no período havia conseguido, disputando assim um espaço
até então exclusivo de lideranças católicas, e sofrendo as represálias do catolicismo
diante dessa ocupação de espaço.
O fato de Gueiros conseguir debater com Dubois se utilizando de espaços
na grande imprensa, ou entrando em terrenos argumentativos que, até então, só
eram utilizados pela liderança católica, como a tradição cristã, mostra uma liderança
protestante brasileira que consegue melhor se adequar à conjuntura local, aos
espaços de fala e aos sujeitos presentes na região, criando uma diferenciação até
mesmo de outras lideranças protestantes locais estrangeiras.
Outro embate entre católicos e protestantes que repercutiam na grande
imprensa era o direito de resposta de protestantes citados por Dubois, como o
pastor batista que se tornou ―ex-padre‖, Victor Coelho de Oliveira.
Na matéria ―Sempre os mesmos - Dubois em scena‖, resposta do ex-padre
Victor Coelho de Oliveira, notamos que o jornal ―Folha do Norte‖ publicou, em 24 de
janeiro de 1920, a resposta a um possível ataque de padre Dubois ao ex-padre e
atual pastor batista.

Do norte ao sul do Brasil estão os padres numa agitada


azafama, receiosos de que a penetração do verdadeiro
sentimento chistão no coração do povo ponha justo termo a
tradicional exploração que fez do Brasil o el dourado do clero.
A verdade vae fazendo brecha; e para sustentar-lhe, a macha
vertiginosa e límpida, que fazem os Dubois de lá e de cá? Em
vez de terçarem armas com os adversários no leal e nobre
terreno dos princípios, sentindo-se incapazes de defender a
sua falsa these romanista e de refutar as doutrinas que lhes
oppõem, fingem-se superiores aos ataques e tratam de
inutilizar os antagonistas pela calumnia. A este gênero
165

pertence o artigo de padre Dubois, publicado na FOLHA DO


NORTE, de 14 de novembro, contra mim. O sr Dubois gosta de
ser chistoso, mente, calunia brincando, fazendo rir. e brincando
também insulta, lança phases como essa: ―O protestantismo e
o monturo da egreja catholica‖. E esta outra chula e brejeira:
―quando o papa capina o seu quintal, atira o malto por cima do
muro, no quintal protestante‖.264

Victor Coelho de Oliveira adquiriu fama nacional entre católicos e


protestantes por ter sido um padre católico que aderiu ao protestantismo. Em Belém,
o jornal ―Folha do Norte‖ abriu espaço para a retratação do ex-padre para se
defender de ataques de Dubois no mesmo jornal.
De início, vemos que o pastor acusa o padre de não conseguir debater
enfocando na defesa de princípios do catolicismo, e por não ter argumentações, se
utiliza de calúnias contra seus adversários, acusando-o ainda de ser mentiroso e
sempre escrever suas matérias em tom jocoso e difamatório. Aqui, ele analisa a
própria retórica de Dubois, suas críticas depreciativas, insultos irônicos e linguagem
chula. O ex-padre descreve os argumentos retóricos do líder barnabita com o
objetivo de desconstruir sua retórica. A resposta de Victor Coelho mostra Dubois
como sendo mais um padre que faz uma ―agitada azafama‖ por estar ―receoso com
a penetração do verdadeiro sentimento cristão no coração do povo‖, referindo-se a
uma possível adesão de pessoas ao protestantismo. Essa possível ―penetração do
verdadeiro sentimento cristão‖ no coração do povo é vista como algo positivo que
libertará o país do ―El Dourado do Clero‖. Mais uma vez, o catolicismo sendo posto
como uma fé que explora as pessoas para enriquecer o próprio clero católico, e
pondo o protestantismo como sendo o verdadeiro cristianismo, e que salvaria o povo
do engodo católico.
As defesas contra as possíveis argumentações de Dubois contra ele são
várias:

Affirma que fui processado por exercício ilegal de medicina...E‘


outra mentira insustentável, já lancei um repto em São Paulo
pela imprensa, para que os meus pérfidos caluniadores
demonstrassem quando e onde fui processado: e ninguém
aceitou o repto que os cobria de vergonha perante a sociedade
como covardes e mentirosos. Quem pôde dar créditos a
homens para os quais a fins quaisquer que justificam os meios.
Diz que fui seduzido pelos dollars... Que dollars? Nunca tive

264
FOLHA DO NORTE. ―Sempre os mesmos - Dubois em scena‖. Belém, 24/01/1920.
166

um, nem em transito, pela minha mão. Nunca recebi um tostão,


nem indirectamente de procedência americana. Quem
procurou seduzir-me e attrair-me foi o clero romanista, e não o
protestantismo. A 23 de agosto p ... p...ameaçado em
documento público pelo vigário geral daqui, foi-me dado o
praso geral de 50 dias para voltar ao clero romano, e o vigário
geral ainda fazia e aconselhava preços a Virgem do Carmo
para que este clero da capina do papa voltasse ao quintal do
mesmo papa. E documento publico, reproduzido em quasi toda
a imprensa. Eu repeli com dignidade a insinuação. Entre o
ouro da egreja romana e a pobreza protestante, optei por esta.
Não me vendi. Hoje percebo as 300 mensaes. Na ultima
freguesia em que fui vigário, em Santa Rita, no centro da
capital, ganhava 1: 800:000 por mez... onde está a venalidade,
a seducção do ouro? ―Era zeloso, trapalhão e desequilibrado‖
Sabem porque? Porque dei queixa ao seu cardeal Arcoverde,
dos escândalos e da vida leviana e‘ molte do Padre Dubois em
Santa Cruz, e o sr cardeal, verificando a nulidade daquele
padre moceiro, fel-o substituir com enorme vantagem, pelo
padre Leopoldo, também barnabita. E elle, também saiu dali
para o celebre collegio onde adquiriu ainda maior celebridade...
foi este o desequilíbrio e a trapalhada.265

Muitas das supostas acusações feitas por padre Dubois pareciam ser
propagadas por outros veículos de imprensa Brasil afora, e Dubois também as
utilizou para criticar o ex-padre nas acusações em que ele foi processado pelo
exercício ilegal da medicina, ou que recebia dinheiro de norte-americanos; ou, ainda,
que em seus tempos de padre ele era ―trapalhão e desequilibrado‖. Dubois
continuou com o seu discurso em que não apenas os dogmas do protestantismo
eram questionados, mas os próprios líderes religiosos eram difamados.
Especialmente em relação à acusação de ―sedução aos dollares‖ nós retomaremos
a ela no capítulo seguinte. O que por hora podemos extrair dessa fonte é que Victor
Coelho, em seu texto resposta, ressalta a diferença entre padres e pastores com
relação à arrecadação e sustento de suas igrejas, e defende que ser vigário era
muito mais lucrativo do que ser protestante. O sacrifício de sua mudança ao
protestantismo não era apenas a perseguição, mas um grito de recusa aos altos
ganhos financeiros que os clérigos supostamente teriam. O ex-padre afirma que
escolheu viver na ―pobreza protestante‖.
O pastor batista continua não apenas se defendendo, mas atacando o
catolicismo e especialmente padre Dubois, dizendo que o fato dele ser ―atrapalhado‖
se devia ao fato de que ele, Victor Coelho, quando ainda era padre, ter denunciado

265
FOLHA DO NORTE. ―Sempre os mesmos - Dubois em scena‖. Belém, 24/01/1920.
167

―os escândalos e a vida leviana‖ de Dubois. Ele não entra em detalhes da tal
denúncia, mas logo se refere ao padre como ―moceiro‖, indicando, desde aí e no
continuar de sua narrativa, possíveis casos de ―quebra da batina‖ envolvendo padres
católicos. E continua dizendo que padre Dubois, ―sem abandonar a egreja romana,
andava cercado de moelinhas da Santa Cruz‖ 266,e mostra também a acusação de
um outro padre barnabita, Julio, que foi ―acusado de quebrar o voto de celibato no
filho de um oficial do exército, alluno do collegio do catette teve que embarcar às
pressas fugido, no primeiro vapor para o Pará‖267. Victor Coelho passa a falar
desses escândalos envolvendo Dubois e outros padres barnabitas, em que votos de
celibato estavam sendo quebrados, e escândalos outros que envolviam até mesmo
casos de padres com jovens colegiais.
Assim o ex-padre ia procurando expor a hipocrisia da Igreja Católica ao
afirmar que, ―no entanto, por e apesar de todas essas capidizes em ambos os sexos,
elle ainda não se julga imcompatibilizado com a sua veste azarenta, negra como a
perversidade da sua pena caluniadora‖268.
Mesmo com casos como esse ocorrendo, de relacionamentos de padres
com homens e mulheres, a Igreja Católica continuava a considerá-los como padres,
e eles próprios continuavam a se julgar no direito de difamar outrem.
Logo Victor Coelho continua:

[...] Trate pois, o sr dubois de defender o dogma da sua egreja


anti-chistã, em vez de se meter a caluniador gaiato como
outros tantos dos seus pares. Olhe as miseráveis mazelas
clericaes desse Brasil a fora, e não fale tão alto assim e tão
confiante moralidade da egreja romana. Quem tem telhado de
vidro não atira pedras no do vizinho, principalmente quando o
dele é resistente. A egreja que, durante 4 seculos teve
monopólio da educação do povo brasileiro e que ao lado da
egreja rural deixou [...] centenas de jecas-tatu anaphalbetos,
supeticiosos, mentirosos, vingativos, inteiramente submissos
ao padre, essa egreja passe de largo, dê logar a luz do
evangelho.269

Nesse momento, Victor Coelho ataca diretamente a Igreja Católica, dizendo


que ―mazelas clericais‖ como aquelas ocorrem em todo o país, e que seria preferível

266
FOLHA DO NORTE. ―Sempre os mesmos - Dubois em scena‖. Belém, 24/01/1920.
267
Ibidem.
268
Ibidem.
269
Ibidem.
168

que Dubois defendesse os dogmas da sua igreja em vez de atacar as


personalidades protestantes. O pastor batista intitula o catolicismo como uma igreja
anticristã, e diz que ela precisa dar lugar à ―luz do evangelho‖, e assim faz uso do
mesmo expediente que o catolicismo se vale, apresenta o catolicismo como
anticristão e o protestantismo como a verdadeira religião cristã.
A nota do jornal ―Folha do Norte‖ nos revela um pouco da mentalidade do
jornal:

O dr Victor Coelho de Almeida, em carta que endereçou a


FOLHA, solicitou-nos a publicação do artigo acima, em que
este defende as acusações que lhe fez, por este jornal, o
brilhante colaborador, padre Dubois. Sendo norma tradicional
da FOLHA condecer aos seus colaboradores a mais ampla
liberdade de opinião, e tratando-se, sobretudo, de um acto de
legitima defesa, não podíamos sem grave lesão ao critério
deste jornal deixar de dar guarida ao artigo do dr Victor Coelho
de Almeida, cuja publicação, não significa, da nossa parte,
intuito de melindrar os sentimentos de nosso prezado e distinto
collaborador, padre Dubois.270

Como o próprio jornal nos informa, era característica do periódico dar


espaço para direito de resposta a alguém que se sentiu difamado por algum dos
colunistas do jornal. O pastor Victor Coelho teve essa oportunidade, mas, ainda
assim, a matéria foi tão enfática nas críticas a padre Dubois que ele tomou a
inciativa de fazer essa nota para enfatizar que a opinião do pastor não corresponde
com a opinião do jornal. Chamado-o sempre de ―prezado e distinto colaborador”.
Notamos o quanto padre Dubois era estimado pelo jornal, tanto pelo espaço que ele
tinha ali quanto pelas suas colunas fixas. Mas, ainda assim, o embate entre católicos
e protestantes conseguia repercutir na grande imprensa a ponto de protestantes
também ganharem espaço de publicação.
Os embates entre católicos e protestantes eram constantes. Eram
questionados os principais dogmas, crenças, símbolos de fé e liderança.
Selecionamos, por hora, alguns desses embates para mostrar como as tensões se
davam, e seus mais recorrentes argumentos. Por mais que saibamos que embates
entre católicos e protestantes já existem desde a fundação do protestantismo, para
além de dogmas estamos falando de religiões que tinham seus próprios veículos de
imprensa, espaços nos grandes veículos de comunicação e, especialmente, de um

270
FOLHA DO NORTE. ―Sempre os mesmos - Dubois em scena‖. Belém, 24/01/1920.
169

catolicismo que se mantinha hegemônico na sociedade brasileira e de um


protestantismo que buscava alargar seu campo religioso, isso tudo em um período
republicano que legitimou a separação da Igreja Católica do estado brasileiro.
Assim, no conflito entre católicos e protestantes, a primeira vertente cristã
possuía uma grande vantagem, pois detinha melhor estrutura, a ponto de ter
veículos de imprensa com maiores tiragens. Conseguia mais espaço na grande
imprensa por ter contato com os principais jornalistas da cidade, e era a religião
hegemônica. A população, das mais diferentes classes sociais, era em sua maioria
católica.
Desses conflitos que mostramos, podemos tirar algumas conclusões para
além das que já discutimos. Católicos e protestantes até então discutiam em um
campo letrado, fosse por meio da imprensa confessional, da grande imprensa ou na
publicações de livros. Atingiam portanto um público que dominava o letramento, O
debate apologético feito entre católicos e protestantes tinha pouco alcance entre os
populares, o público alcançado era minoritário na sociedade, mas eram sem dúvida
os detentores de maior poder aquisitivo, político e social. Para essas religiões era
importante dialogar e principalmente cooptar esses leitores para aderirem as suas
respectivas religiões. O próprio padre Dubois ao mostrar em seu livro como o
católico popular interpreta a bíblia protestante, já traçava uma linha de separação
entre ele e o seu público, os protestantes e o típico popular paraense.
Isso não quer dizer que a mentalidade católica e protestante, de certa forma,
não reverberasse entre os populares. Não esqueçamos que ainda que a Igreja
Católica fosse diversificada e polissêmica o discurso da imprensa católica e dos
livros publicados também influenciavam na mentalidade de outras lideranças dentro
do catolicismo, especialmente acerca da importância da Igreja Católica como a
detentora da interpretação bíblica, do saber e da autoridade do sacerdócio.
Não apenas católicos tinham esse discurso em seus veículos de
comunicação, como já dito aqui, mas os protestantes traziam discursos
semelhantes. Victor Coelho é um exemplo dos que punham o protestantismo como a
verdadeira religião e o catolicismo como uma religião anticristã, dizendo também que
os padres católicos influenciavam os populares a terem uma fé pouco autônoma, na
qual o clero católico era autoridade e o uso da Bíblia, como um copilado de livros
que poderia ser interpretado livremente pelo fiel, era determinantemente condenado.
170

E é justamente o tema da autonomia do fiel e da autoridade da igreja que


revelam os embates por trás desses dois dogmas tão significativos de católicos e
protestantes: o ―uso da bíblia‖ e a ―devoção mariana‖. O protestantismo, ao defender
o livre uso das escrituras, afirmava que o fiel ao fazer essa análise veria que a
devoção mariana, tão praticada pelos católicos, especialmente em Belém do Pará,
era inverídica; por outro lado, os católicos defendiam a devoção mariana
respaldados não apenas em uma interpretação bíblica que favorecia o dogma, mas
na tradição da igreja que também o legitimava.
Através dos discursos presentes nas tensões entre católicos e protestantes,
notamos que para além de discordâncias dogmáticas também havia representações
de poder, e a autonomia do leigo era considerado um tipo de ação libertadora para o
protestante, diante de um possível ataque do catolicismo ao bolso do seu fiel. Ler a
bíblia faria com que o fiel católico percebesse as tais heresias católicas e pararia de
financiá-la. Do outro lado, havia um catolicismo que, em seu discurso
antiprotestante, tinha como principal contra-argumento atacar a autonomia do leigo,
as alegações de que o fiel não consegue usufruir a Bíblia como deveria, que a
autonomia do leigo resulta em seitas dissidentes e fanáticas (como o
protestantismo), sempre no esforço de construir um discurso de legitimação do
catolicismo como a verdadeira religião, a única capacitada a guiar o fiel em sua
prática de fé.
Esse fenômeno de contestação da autoridade religiosa, frente à autonomia
do leigo que normalmente é enfatizada por uma religião minoritária, é explicado por
Bourdieu:

As ideologias religiosas (e até mesmo as secularizadas)


denominadas heréticas (situadas em estados muito diversos do
campo religioso) no sentido de que tendem a contestar a
ordem religiosa que a ―hierarquia‖ eclesiástica visa manter,
apresentam tantos temas invariantes (por exemplo, recusa da
graça institucional, prédica dos leigos e sacerdócio universal,
autogestão direta das empresas de salvação, os eclesiásticos
―permanentes‖ sendo considerados meros ―servidores‖ da
comunidade e mais ―liberdade de consciência‖, ou seja, direito
de cada individuo à autodeterminação religiosa em nome da
igualdade de qualificações religiosas, etc) porque têm sempre
por princípio gerador uma contestação mais ou menos radical
da hierarquia sacerdotal que pode exacerbar-se mediante uma
denúncia do arbitrário, de uma autoridade religiosa que não
esteja fundada na santidade de seus detentores, podendo
171

inclusive chegar a uma condenação radical do monopólio


eclesiástico enquanto tal.271

Bourdieu constantemente analisa o fenômeno da autoridade sacerdotal de


religiões que mantêm o monopólio religioso de uma sociedade com relação a outros
movimentos religiosos que surgem e servem como um contraponto a essa
religiosidade majoritária. Essas religiões minoritárias são consideradas ―heréticas‖,
―seitas‖, e para a religião ―herética‖ se contrapor à religião considerava ―ortodoxa‖,
uma das reivindicações é a contestação da autoridade eclesiástica da religião
majoritária, somados a outros valores e reivindicação como a recusa da graça
institucional, a maior participação dos leigos e a ideia de liberdade de consciência,
dando uma autonomia maior ao leigo e diminuindo todo o mercado religioso da
religião majoritária.
Selecionamos algumas fontes para entendermos como os conflitos entre
católicos e protestantes se estabeleceram no período republicano em Belém, quais
os sujeitos envolvidos e em quais períodos. Veremos casos específicos, entendendo
a questão a partir de uma perspectiva mais ampla, de outros campos que o embate
se travava, na perspectiva de que estamos lidando com embates onde havia uma
minoria protestante envolvida com querelas contra uma Igreja Católica hegemônica
no país, e que no Pará contava com um catolicismo fervoroso e praticante,
envolvendo todas as classes sociais.

3.2 ―MATEM O MISSIONÁRIO‖: EMBATES E TENSÕES ENTRE CATÓLICOS E


PENTECOSTAIS NO PARÁ

Abordamos no capítulo anterior o surgimento de um outro movimento que


brotou como uma vertente do protestantismo: o movimento pentecostal. Esse
segmento religioso cresceu de forma tão rápida na cidade que não passou
despercebido aos olhos de parte do clero católico, ou ao menos do clero que
possuía maior poder de comunicação em veículos de imprensa. Além disso,
notamos que tal movimento chamou a atenção de populares, protestantes e
autoridades políticas. Assim como o seu rápido crescimento, a reação de grupos
contrários ao pentecostalismo gerou um embate religioso diferenciado se

271
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.46
172

compararmos a outras vertentes protestantes, como analisaremos no decorrer do


capítulo.

3.2.1 “Da violência simbólica à física”: tensões e conflitos entre católicos e


pentecostais

A maior parte de conversões ao pentecostalismo eram de pessoas que


anteriormente haviam comungado a fé católica. Muitas dessas conversões Vingren
relatava em seu diário. Em um deles, destacamos o de uma católica que aderiu à fé
pentecostal, e, a partir daí, Vingren passou a perceber um público ao qual o
pentecostalismo se comunicava com maior eficácia:

Quando os parentes católicos observam a vida justa dos


crentes e a alegria que eles tem em Deus, e quando os ouvem
falar em línguas, profetizar e cantar hinos espirituais, e falar
com sabedoria, ficam completamente convencidos da realidade
do poder de Deus. Quando, por exemplo, ouvem os seus
próprios parentes falarem em novos idiomas, apesar de
muitos deles serem analfabetos, reconhecem tudo isso
vem de Deus. (grifo nosso)272

Já tratamos aqui da ―Glossolália‖, o ―falar em línguas‖, como a


representação de uma significativa característica sobrenatural do pentecostalismo.
Através do trecho destacado, podemos entender que essa era uma singularidade
que potencializava o diálogo que o pentecostalismo desejava manter com o
paraense popular, além do atrativo moral para a conversão de católicos, como ―pela
vida justa dos crentes‖. Essa conversão que enfatizava uma mudança de
comportamento já era retratada por protestantes históricos. O pentecostalismo ia
mais adiante, pois católicos visualizavam ―seus próprios parentes falarem em outros
idiomas, apesar de muitos serem analfabetos‖.
O pentecostalismo propunha uma nova forma de assimilação da fé que ia
além de uma mudança comportamental, ou a exigência de uma boa assimilação do
conteúdo bíblico, mas trazia manifestações sobrenaturais, como o ―falar em outras
línguas‖, e isso era um tipo de experiência válida para o fiel se tornar pentecostal,
fazendo com que pessoas analfabetas, que tinham dificuldade de ter o entendimento
do conteúdo bíblico que o protestantismo exigia, conseguissem aderir ao
272
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.56.
173

pentecostalismo. Os pentecostais trouxeram ao protestantismo um elemento místico


como símbolo religioso, muito mais palpável ao povo.
Há um interessante relato de Daniel Berg em suas memórias; trata de sua
visita a uma mulher enferma em uma região próxima à cidade de Belém. Logo no
início da sua viagem missionária a outras regiões do Pará, após algumas
caminhadas tentando distribuir bíblias em diversas casas e sendo rejeitado em
todas, Berg conta que ―estavam prevenidos contra mim e contra as doutrinas que eu
anunciava. Certamente os padres já haviam mandado isso‖273. Após entrar em uma
vila a dois quilômetros de distância de onde estava, chegou em uma casa onde
encontrou uma senhora idosa enferma com o ―rosto marcado pelas muitas horas de
trabalho‖:

A enferma tinha as mãos cruzadas sobre o peito e o olhar fixo em um


objeto entre as velas. Quando me aproximei, percebi que ela olhava para a
imagem de uma santa, a qual todos dirigiam suas orações como último recurso e
refúgio. Naquela hora pedi a Deus que me desse palavras de conforto. Assim
que acabei de orar em espírito, ouvi a minha própria voz dizer: -não te disse que
se creres verás a glória de Deus? Essa doença não é para a morte, mas para a
glória de Deus, a fim de que o Filho de Deus seja glorificado”. A enferma moveu
a cabeça e olhou-me cheia de curiosidade. Uma jovem que estava ajoelhada
rezando com um rosário entre as mãos também olhou meio assustada, e parou
de rezar quando ouviu a minha voz. [...] Ajoelhei-me do lado da cama, à
cabeceira da enferma, e perguntei-lhe se ela tinha fé em Deus e em seu filho
Jesus Cristo. Quando ela acenou afirmativamente, disse-lhe que Jesus se
encontrava diretamente no quarto e estava pronto para ajuda-la. A única coisa
que ela precisava fazer era crer nele. Ela respondeu: - Temos orado a santa – e
apontou para a imagem – mas parece que ela não tem tempo para ouvir.
Aproveitando as palavras da enferma, sugeri então que nos dirigíssemos
diretamente a Jesus. [...] se ela cresse em Jesus podia estar certa de que ele a
libertaria e a perdoaria, pois foi para isso que o filho de Deus morreu na cruz.
Insisti com a enferma que a única coisa que ela deveria fazer era crer nessas
verdades, para ser inteiramente liberta. – Isso parece ser coisa maravilhosa e
fácil – respondeu a enferma – Será possível chegar a Jesus tão facilmente? –
Sim, é possível – respondi. A enferma então pediu aos filhos que orassem por

273
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.86.
174

ela. Aconselhei-a que também orasse, pois Jesus gosta de ouvir nossa voz. Ela
cruzou os braços, agradeceu a Deus e pediu-lhe que a ajudasse a participar de
sua graça. Após aquela oração, a enferma declarou que não estava mais com
medo de morrer e manifestou o desejo de continuar na terra para contar aos
seus parentes a maravilhosa e simples verdade que agora conhecera. [...] No dia
anterior, o padre havia estado lá, mas agira de forma diferente[...] Colocou a
imagem de Maria o mais perto possível da enferma, e após ordenar quais as
orações que eles deviam fazer, retirou-se. [...] Porém, naquela hora, depois de
terem visto como nós havíamos procedido ali, e a alegria e a esperança que
haviam inundado o coração da enferma, estavam convencidos de que havia
alguma coisa melhor que a tradição. Havia fé verdadeira e pessoal em Jesus
Cristo. [...] A senhora idosa, por quem eu orei naquele dia, viveu ainda durante
algum tempo. Ela usou esse tempo para ganhar almas para o Reino de Deus.
Muitos de seus parentes se converteram, e mais tarde foi estabelecida uma
Assembleia de Deus naquele local.274

Acreditamos ser importante a transcrição desse episódio relatado por Daniel


Berg, já que resume diversas características diferenciadas do movimento
pentecostal apresentadas no decorrer da pesquisa. Berg, um leigo, foi até a casa de
uma senhora idosa católica, enferma, provavelmente uma típica mulher paraense
pertencente à classe popular, já que era uma casa ―em uma vila‖, afastada não
apenas do centro, um pouco distante até mesmo do marco territorial do município.
Uma senhora que deveria ter uma rotina de trabalho intensa antes de se tornar
enferma, por ter ―o rosto marcado por muitas horas de trabalho‖, mostrando um
público popular que recorrentemente era alvo da fé pentecostal.
Nesse relato, notamos os elementos significativos para a expansão do
pentecostalismo naquele momento, eram eles: ―Cura/ Gênero/ Sacerdócio Universal/
Leigo‖. Berg procurou desconstruir o dogma do catolicismo de intercessão dos
santos e enfocou em um sacerdócio exclusivo, pertencente a Jesus Cristo. Isso
mostra a forte religiosidade protestante presente no movimento pentecostal do
período. Após crer na mensagem de Berg, essa idosa passou a viver por mais
tempo, e aí podemos entender também que houve uma cura, mesmo que descrita
de forma não tão miraculosa como em outros relatos que vimos no capítulo anterior.

274
Relato de Daniel Berg, referente às páginas 89 e 90 de seu diário. BERG, Daniel. O enviado de
Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959.
175

A personagem por fim se tornou uma leiga que durante o restante de sua vida ―usou
esse tempo para ganhar almas para o Reino de Deus‖, e muitos parentes seus se
converteram e fundaram uma igreja da Assembleia de Deus ali.
O movimento pentecostal enfatizava como prática de fé questões como a da
cura ou do ―falar em outras linguas‖, elementos que trazem consigo um ―poder‖ de
efetuar ―milagres‖. Homens e mulheres que já tinham em seu imaginário social essas
obras místicas e sobrenaturais existentes no catolicismo popular paraense, tendo
como principais canalizadores desse ―poder‖ os santos e a figura de Maria,
perceberam também no movimento pentecostal esse imaginário religioso sendo
efetuado como prática de fé como nenhum outro protestante enfatizara até o
momento.
A partir disso, trabalhamos com a ideia de que o movimento pentecostal, de
todas as outras denominações protestantes, foi o que melhor conseguiu comunicar
sua fé ao paraense popular hegemonicamente católico. Demonstrar a prática dessa
fé e convencer o povo que a divindade propagada pelo pentecostalismo era
poderosa e eficaz se comparada ao catolicismo, a ponto de enfrentar até mesmo um
simbolismo de crença tão forte para a região como a devoção mariana, traz sentido
à análise de Weber quando explica a rotatividade dos fiéis quando são atraídos por
uma divindade, quando a nova demonstra mais poder que a divindade de adoração
atual do fiel.

A questão mais simples, a de se cabe tentar influenciar


determinado deus ou demônio mediante a coação e súplica é,
em primeiro lugar, somente uma questão de resultado. Assim
como o mago tem de provar seu carisma, o deus tem de provar
seu poder.275

Em casos como este, o pentecostalismo traz consigo uma divindade que


demonstra tais eficácias na sua intervenção sobrenatural e providencia divina na
vida das pessoas com as quais seus fieis mantêm contato. Na batalha interna entre

275
No livro ―Economia e Sociedade II‖ Weber analisa diversas religiões e faz introduções a uma
sociologia da religião. Dentre as diversas comparações e pontos em comum que encontra nas várias
religiões mundiais, ele percebe que a devoção de fiéis a uma divindade muitas vezes é mantida
quando essa devoção manifesta seu poder de alguma forma. Quando essa divindade deixa de ser
eficaz aos seus adoradores, é constantemente trocada por uma outra que mostra mais poder, mais
eficácia que a anterior. Há aqui um diferencial fenomenológico com o Deus Javeh, pois ao estudar a
literatura judaica Weber nota que mesmo nas vezes em que Javeh deixa de ser um Deus provedor,
ainda assim parte de seu povo mantêm a fidelidade a ele, mesmo com as constâncias
desobediências de seus fiéis. WEBER, Max. Economia e Sociedade II. Brasília: UnB, 2004.
176

as várias vertentes cristãs, o pentecostalismo ganhava terreno, provando seu poder


diante da racionalidade protestante e do catolicismo popular representado pelos
santos e a Virgem de Nazaré.
É evidente que essa explosiva conversão de católicos ao pentecostalismo,
assim como a de alguns protestantes, gerou uma reação contrária de ambas as
vertentes religiosas ao movimento pentecostal, promovendo conflitos que foram da
violência simbólica à física, com ameaças de morte e prisões.
Já citamos a fala de Dubois com relação ao próprio movimento pentecostal,
ao analisarmos a matéria ―Cartas a um jovem moço‖, no qual ele dizia que ―as
demais egrejolas não suportam a seita pentecostal que é, apesar dos pesares, a que
mais se expande no meio dos tolos e dos grulhas‖.276 Algo notável aqui foi o padre
perceber o quão rápido o movimento crescia, referindo-se ao pentecostalismo como
a ―seita‖ que ―mais se expande‖, o que mostra que tal crescimento causava
desconforto, inclusive entre as outras igrejas protestantes que ―não suportavam‖
aquela explosão social do pentecostalismo.
Em ―O biblismo‖, padre Dubois, após tecer severas críticas ao
protestantismo e aos males que ele poderia causar com sua livre interpretação das
escrituras, dá como exemplo de malefício o grupo do qual se tomou conhecimento
em setembro de 1913, denominado ―os missionários da fé‖:

Como exemplo de fanatismo protestante, podemos citar os


missionários da fé que, em setembro de 1913, refugiam na vila
Têta, em Belém do Pará. ―acreditamos‖, disseram os iniciados
ao repórter do Correio de Belém, ―na manifestação dos
apóstolos, razão porque fazemos nossas sessões onde. Sob a
inspiração do espírito santo, os nossos irmãos de fé podem
falar todas as línguas proferindo belas orações cheias de
ensinamento e de conforto... comunicamo-nos com Jesus e os
Apóstolos‖. Temos aqui uma repetição macaqueada do
Pentecostes.277

Em páginas anteriores do livro, Dubois ressalta que essa ―Vila teta‖ era um
local próximo do Ver-o-peso, onde os protestantes vendiam as suas bíblias. Poderia
ser esse um local de ―referência‖ para o protestantismo se alojar e propagar sua fé,
já que ali era uma região portuária e de comércio, onde havia uma grande circulação

276
A PALAVRA. Belém, 1923.
277
DUBOIS, Pe. Florencio. O Biblismo. Rio de Janeiro, 1921.
177

de pessoas, moradores locais e viajantes. Os pentecostais provavelmente conviviam


entre os protestantes e faziam parte desse cenário local.
Para Dubois, o movimento pentecostal era considerado como o maior
exemplo de erro que o protestantismo poderia chegar com a livre interpretação das
escrituras. Era o ápice do ―fanatismo protestante‖. Uma denominação que chegou ao
ponto de ―macaquear pentecostes‖. Se o protestantismo histórico era herético e
fanático para Dubois, o movimento pentecostal era pior, era a vertente protestante
que representava o máximo do fanatismo.
Esse repórter que entrevistou os pentecostais para o jornal ―Correio de
Belém‖ provavelmente publicou o artigo descrito por Gunnar Vingren, onde conta
sobre um redator que procurou escrever sobre o movimento pentecostal em um
jornal no mesmo período da entrevista mencionada por Dubois, em 1913.

Naquele tempo escreviam muitos artigos contra os crentes,


mas havia também jornais que nos defendiam. As ondas de
discussão eram bem altas. Um dia o redactor de um jornal de
Belém veio a nossa igreja para pesquisar o assunto. Porém,
para a alegria de todos nós, o redator nos defendeu contra o
que nos criticavam. Entre outras coisas, o redator escreveu: Os
que pertencem a essa missão de fé Apostólica [era o nome da
igreja naquele tempo] só permitem manifestações com o
Espírito Santo. Não tem nenhum contato com espíritos de
falecidos.278

Gunnar Vingren ressalta aqui um acontecimento que já constatamos em


páginas anteriores: a alta intensidade da briga entre católicos e protestantes.
Discussões que iam além dos jornais tradicionais e ganhavam espaço na grande
imprensa também. Nessas tensões entre essas duas vertentes, os pentecostais
parecem também ter sido citados e até mesmo confundidos com espíritas. Embora,
isso não fosse totalmente estranho, dado o seu diferencial a partir da experiência
com o Espírito Santo, o chamado ―falar em outras línguas‖. Porém, aparentemente,
pela narrativa de Vingren e mesmo pelos trechos da matéria publicados pelo próprio
padre Dubois, a forma como o jornalista retratou o movimento pentecostal em seu
início, a ―missão de fé apostólica‖, foi desassociando o pentecostalismo do
espiritismo e se mostrando mais favorável ao movimento.

278
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961.
178

Apesar de percebermos embates de católicos ao movimento pentecostal


também na imprensa, e o reconhecimento da imprensa católica diante do rápido
crescimento do movimento durante o período que abordamos, não vimos grandes
ênfases aos pentecostais nos periódicos católicos ou em livros publicados, como o
―O biblismo‖, de Dubois, da mesma forma que notamos ocorrer com os protestantes
históricos.
Apesar da imprensa católica aparentemente demonstrar amenidade no
ataque aos pentecostais, percebemos, contraditoriamente, que na narrativa
missionária de Gunnar Vingren, além dos pentecostais não serem aceitos também
pelo catolicismo, as tensões entre católicos ocorriam por agressões morais e até
físicas, dado os relatos de perseguições ainda mais frequentes e violentas advindas
do catolicismo. Vingren mostra em seu diário que o movimento pentecostal sofria
constantes difamações de protestantes; vimos algumas delas no capítulo anterior.
Mas, quando referenciava os católicos, dizia que sofriam difamações morais e até
ameaças de morte, em que muitas vezes só escapavam por ―milagres de Deus‖.279
As perseguições de católicos a pentecostais faziam constantemente parte da
narrativa de Vingren. Em seu diário, relata perseguições de católicos e protestantes
aos pentecostais, sempre enfatizando bem mais a perseguição católica, muitas
vezes os chamando de ―inimigos‖. Enquanto Vingren revelava que os protestantes
os perseguiam a partir de difamações em veículos de imprensa e em folhetos, como
dito acima, os católicos tinham formas de perseguição bem mais violenta. O primeiro
relato de Vingren mostra uma perseguição ocorrida cerca de um ano após a sua
expulsão da igreja batista.

No dia 14 de Abril batizei mais três novos convertidos. Nessa


oportunidade, uma grande multidão de inimigos da obra de
Deus dirigiu-se para o local do batismo. Estavam armados de
facas e laços e queriam impedir o nosso batismo. Foi debaixo
de muitas ameaças e sobretudo acobertados pelo poder de

279
Percebemos em seu diário e em muitas biografias e trabalhos a respeito de Berg e Vingren, assim
como a outros ícones cristãos, e até mesmo na biografia de Eurico Nelson a que tivemos acesso, a
ênfase em seus feitos ―heroicos‖ como missionários que desbravavam terras desconhecidas para
proclamar o Evangelho. Essa construção de heróis, principalmente daqueles que fundam grandes
denominações no cristianismo, Gedeon Alencar as trabalha a partir da ideia do ―mito fundante‖, em
que é necessário se construir uma imagem de fundador como ―herói‖, um ―semideus‖. Como
historiadores, precisamos analisar fatos e acontecimentos através das fontes e da historiografia, de
forma a que nos deem um melhor embasamento sobre esses ―fundadores‖. VINGREN, Ivan. O diário
do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961.
179

Deus que realizamos o batismo. Só por um milagre a minha


vida foi salva naquela oportunidade! Louvado seja o Senhor!280

Uma narrativa de A. P. Franklin sobre o movimento pentecostal em seu


início, na América do Sul, conta esse mesmo tipo de acontecimento, mas com um
melhor detalhamento em sua descrição. Conta sobre um dia em que os membros do
movimento pentecostal realizaram seus primeiros batismos nas águas, e que já
havia um tempo os realizavam em segredo, dessa vez resolveram divulgar horário e
local, e ―isto deu tempo para que os inimigos preparassem algo para atrapalhar a
cerimonia‖281.

[...] centenas de homens se aproximaram do local do Batismo,


pensando que com violência poderiam impedir o ato sagrado.
O líder deles caminhava à frente carregando uma cruz. Os
poucos crentes que estavam reunidos compreenderam o
perigo naquele momento, e temeram que houvesse
derramamento de sangue. Vingren procurou ler a bíblia, mas
foi impedido. Tentou ler outra vez, mas o líder empunhou uma
faca e se preparou para lançar-se contra Vingren. Porém, a
irmã Celina interpôs-se então entre esse católico e o irmão
Vingren, salvando a vida deste. Um outro católico, um homem
velho gritou então: ―Chega! Deixem que eles realizem a
cerimonha‖. Mas o líder do grupo continuou no seu firme
propósito de impedir o batismo. Vingren disse aos inimigos: ―eu
faço somente o que Jesus quer!‖ [...] Enquanto Vingren os
batizava, os inimigos gritavam: Miseráveis, comida de tigres,
matem o missionário.282

Aqui nós já notamos que Franklin deixa claro que esses ―inimigos‖ que
cercaram os pentecostais no batismo eram católicos. Seja através da referência ao
líder, que carregava uma cruz, ou relatando sobre o homem que ameaçou esfaquear
Vingren e o outro que interrompeu a ameaça com um grito; eram todos católicos. No
prosseguir da narrativa, bem próximo a esses fatos, Vingren conta outro momento
em que estava doente e ―os inimigos da obra de Deus nos perseguiram muito
durante aqueles dias‖, e que ―certa noite, apedrejaram a casa onde estávamos
reunidos‖ e ―noutra noite planejaram matar-me e queimar a casa‖283. A narrativa de
Vingren revelava tensões entre pentecostais e católicos bem mais violentas do que

280
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.43.
281
Trecho retirado do livro ―O diário do pioneiro Gunnar Vingren‖, onde se publicou partes do diário de
Gunnar Vingren e relatos de pessoas próximas a ele, como a sua esposa Frida Vingren e o pastor
Franklin. Ibidem.
282
Ibidem, p.43.
283
Ibidem, p.45.
180

qualquer relato de violências contra protestantes. Contra os pentecostais as


ameaças eram constantes e não apenas as difamações verbais eram feitas, mas
havia ameaças inclusive de morte, que por muito pouco não eram concretizadas.
Se o lado místico da Assembleia de Deus fez com que a religião se
proliferasse entre os paraenses, o catolicismo, aparentemente, também mostrou
uma forte reação a essa denominação. Ficam algumas indagações: a vertente
católica que perseguia os assembleianos era a mesma denominação barnabita que
confrontava as outras denominações protestantes? E por que a pouca menção da
imprensa católica a uma vertente acatólica que crescia mais do que qualquer outra
denominação protestante em contraste com essa violenta opressão de católicos em
diversos relatos do diário de Vingren?
A Igreja Católica é diversificada, polissêmica, há diversas ordens e
monastérios. E quando se torna hegemônica em uma sociedade, tende a se
pluralizar para atender o maior número possível de grupos sociais. Há diversas
manifestações religiosas católicas nas seus mais diferentes esferas sociais, em que
a instituição se procura manter em unidade mas que, segundo Portelli,

[...] na realidade uma multidão de religiões distintas,


frequentemente contraditórias: há um catolicismo dos
camponeses, um catolicismo dos pequenos burgueses e dos
operários urbanos, um catolicismo das mulheres e um
catolicismo dos intelectuais, também estes variados e
desconexos.284

O catolicismo místico, popular, do leigo, é característico do povo paraense


nesse período, inclusive da religiosidade brasileira como um todo. Geralmente é o
leigo quem produz os elementos mágicos da religiosidade católica. ―É muito raro que
clérigos, num dado momento, comecem a exercer a magia coletiva. São os leigos
que o fazem.‖285

Outros segmentos do cristianismo - especialmente o


catolicismo, pela manutenção do ritual e das práticas populares
mais acessíveis, em decorrência de uma manipulação mais
objetiva do simbólico, permitindo uma maior intimidade com o
sagrado - mostram uma abertura mais acentuada para o
misticismo. O misticismo não é prática de intelectuais, mas de

284
PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1984, p.25.
285
MENDONÇA, Antônio Gouveia. Introdução ao protestantismo no Brasil. In: Idem. Protestantismo
no Brasil: marginalização social e misticismo pentecostal. São Paulo: Loyola, 1990, p.241.
181

pessoas simples, dos não-intelectuais, dos ―pobres de espírito‖.


[...] Ora, ressalvados alguns letrados e ricos, o misticismo, ou
melhor dizendo, a tendência mística, costuma surgir entre as
camadas despossuídas.286

A briga entre católicos e protestantes que ocorria nos jornais era em caráter,
na maioria das vezes, polemista e apologeta, envolvendo questões dogmáticas e
políticas acerca das quais os pentecostais inicialmente não se preocuparam em se
posicionar. Com seu racionalismo, sua consolidada teologia e ortodoxia, o
protestante não conseguiu comunicar sua crença ao religioso, pois para o autor ―o
protestante mais estuda do que crê, está mais para verdades do que para
crenças‖287. Em uma cidade onde ―64,9% da população era constituída de
analfabetos‖288, era difícil para o paraense assimilar a fé protestante que consistia
em leitura bíblica, somada a livros e folhetos de Lutero, Calvino e teólogos do
protestantismo de seu tempo.
Apesar disso, como vimos no capítulo anterior, os pentecostais, assim como
os protestantes, tinham a Bíblia como a sua regra de fé e prática. Até mesmo os
seus dons sobrenaturais advindos do Espírito Santo eram baseados no livro de Atos
dos Apóstolos, um livro legitimado pelos protestantes como verdadeiro e canônico. A
própria ideia de ―batismo com o Espírito Santo‖ fora retirado do livro. Contudo, essas
manifestações religiosas dos pentecostais não ganharam apreço dos protestantes
desde o início do movimento até os anos subsequentes.
Por mais que enfatizassem as experiências religiosas místicas e mágicas,
como o catolicismo popular paraense, o movimento pentecostal manteve muitos
dogmas do protestantismo histórico que, diferentemente de outras manifestações
religiosas, naquele momento não dialogaram ou se hibridizaram com o catolicismo.
Vingren nos relata as lutas dos ―servos do Senhor‖ contra ―A mentira e superstição
que o povo aprendeu desde criança dos sacerdotes católicos‖.

O servo do Senhor tem de lutar muito contra toda a mentira e


toda superstição que o povo aprendeu desde criança dos
sacerdotes católicos. Algumas dessas mentiras são: ―A bíblia

286
MENDONÇA, Antônio Gouveia. Introdução ao protestantismo no Brasil. In: Idem. Protestantismo
no Brasil: marginalização social e misticismo pentecostal. São Paulo: Loyola, 1990, p.241.
287
Ibidem, p.246.
288
GOUDINHO, Liliane Cavalcante. A palavra que vivifica e salva contra o mal da palavra que
mata: imprensa católica em Belém (1910-1930). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo,
2014, p.63.
182

dos protestantes é falsa‖; ―Salvação só se consegue pela santa


igreja católica‖; ―A virgem Maria é a mãe de Deus, deve ser
adorada e é também intercessora junto ao seu filho Jesus‖; ―os
santos devem ser adorados porque eles também intercedem
por nós‖. ―A bíblia, dizem os padres, só pode ser compreendida
pelos sacerdotes e não pode ser compreendida pelo povo,
salvação só se consegue por intermédio dos santos e por meio
das boas obras que fazem [...] Os que não vão a missa e não
obedecem os dogmas católicos são do Diabo. Mesmo que
sejam as mais puras, santas e justas do mundo. Se alguém lê
a bíblia protestante, só por isso irá para o inferno.‖289

Assim como os protestantes, os pentecostais também viam os católicos


como detentores de uma fé falsa, supersticiosa e idolatra. A interseção dos santos, a
devoção a Maria, a Igreja Católica como único meio de salvação, e a autoridade dos
sacerdotes eram dogmas rejeitados veementemente pelo pentecostalismo. O que
notamos aqui, novamente, é o antagonismo entre a autoridade sacerdotal católica e
a autonomia do leigo, que poderia ter livre acesso e interpretação das escrituras e
ainda ter experiências de fé sobrenaturais como as descritas na Bíblia.
Os pentecostais, assim como as outras denominações protestantes, também
consideravam a bíblia protestante como regra de fé e prática, e diziam que todos
deveriam ter acesso a essa fé (conflitando com a ideia da autoridade sacerdotal
católica na interpretação das escrituras), valorizando um sacerdócio universal dos
crentes, como afirmavam os protestantes. Os pentecostais também acreditavam que
a bíblia protestante era a verdadeira e defendiam o livre uso e interpretação das
escrituras. As próprias experiências com o Espírito Santo eram baseadas em
passagens da Bíblia. Independentemente de terem características mais místicas e
sobrenaturais como os católicos, a interpretação da Bíblia e a autonomia do leigo
eram características pentecostais que faziam com que se aproximassem e até
mesmo se denominassem, também, como protestantes.
O elemento místico existente nessas duas vertentes religiosas não serviu
como uma relação de diálogo, mas de conflito. Já é uma prática milenar do
catolicismo, desde sua fusão com o Império Romano, dialogar com movimentos
cristãos que divergissem de seus principais dogmas, quando não conseguem
acoplar o movimento como mais uma vertente do catolicismo institucional.

289
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.58.
183

Bourdieu nos ajuda a refletir sobre a dinâmica religiosa entre o catolicismo


como religião hegemônica, visto que o que os ameaçava em sua estrutura
eclesiástica sofria perseguição.

[...] a contestação profética (ou herética) da igreja ameaça a


própria existência da instituição eclesiástica no momento em
que põe em questão não apenas a aptidão do corpo sacerdotal
para cumprir sua função declarada (em nome de recusa da
―graça institucional‖), mas também a razão de ser do
sacerdócio [...]. Assim, quando as relações de força são
favoráveis à Igreja, a consolidação dessa depende da
supressão do profeta (ou da seita) por meio da violência física
ou simbólica.290

O que notamos é um embate de católicos e pentecostais, que


diferentemente dos embates com os protestantes ocorria em outro campo, mas que
também tomava dimensões que iam além da imprensa e de toda uma teologia
baseada em uma cultura letrada. Porém, havia um forte uso do discurso religioso
oral e testemunhal, que, por mais que a Bíblia não fosse ignorada e continuasse
sendo valorizada, não era uma valorização das escrituras por dogmas existentes em
sua mensagem escrita, mas pela tentativa de vivência das experiências espirituais
sobrenaturais narradas em diversos livros e epístolas bíblicas. Os pentecostais
procuravam efetuá-las na prática de sua fé, de forma que esse movimento sofreu
perseguições e travou embates com as duas principais vertentes religiosas cristãs
vigentes, mas também presenciou uma grande adesão de muitos católicos e
protestantes a esse movimento.

3.2.2 “Delegado pune os crentes”: catolicismo, protestantismo e Estado

Além da intensa perseguição feita aos pentecostais pelos ―inimigos da obra


de Deus‖, há casos peculiares onde a narrativa nos leva a analisar essas
perseguições a partir de uma ótica mais ampla, indo além do aspecto puramente
religioso, revelando outras esferas, como por exemplo a interferência do Estado na
prática religiosa. Um exemplo que acreditamos ser de grande relevância para
abordar esse tema é o episódio narrado por Berg, quando ele é confrontado por um
delegado no interior do Pará.

290
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.62.
184

Daniel Berg era um líder pentecostal ativo, praticante de forte proselitismo


religioso, pregando a fé pentecostal na cidade e nos interiores do estado. É
interessante analisarmos a sua chegada à cidade de Bragança, onde, depois de um
tempo em que ele proclamava sua fé, e, segundo conta, havia um grande número de
pessoas aderindo ao pentecostalismo. Eis que na cidade aconteceu que:

Enquanto o trabalho do Senhor se estendia por toda parte, os


inimigos maquinavam perseguições, especialmente contra
mim. Certo dia, o dono da casa onde eu estava voltou
ensanguentado, com o rosto inchado e as roupas rasgadas.
Não sabia explicar o que acontecera porque estava muito
escuro. A única coisa que sabia era que fora atacado por
muitos homens armados de paus. Levamos o ferido à presença
do delegado de Polícia. Depois de ouvir a vítima, o delegado
disse-me que ele tivera sorte, pois poderia ter sido pior, e de
fato pior aconteceria se ele e outros crentes não deixassem
aquelas fantasias e voltassem à igreja católica. Nesse caso,
tudo terminaria bem. Quando ouvimos aquelas palavras do
delegado, entendemos que a igreja católica estava por trás dos
acontecimentos e que o delegado estava ao lado dos inimigos
da causa de Cristo. Nós não havíamos transgredido a lei. A
autoridade local, ao dar cobertura aos transgressores,
transformara-se em ditadora da lei, quando deveria ser
responsável pelo seu cumprimento.291

Ao contrário das outras perseguições narradas por Berg e Vingren, nesta o


líder pentecostal conta um caso de violência física real, que foi além da ameaça. O
homem pentecostal que hospedava Daniel Berg em sua casa foi ferido por homens
armados de paus. Mas a diferenciação não se esgotava por aí. Berg foi prestar
queixa ao delegado, e além da autoridade não punir os agressores, aparentemente
deu razão a eles e culpabilizou os pentecostais, dizendo que deixassem as
―fantasias‖ e se voltassem para o catolicismo. Berg acusa o delegado de estar aliado
aos ―inimigos‖, no caso os católicos.
O acontecimento aqui vai além das difamações e ameaças de morte. Daniel
Berg relata a sensação de desamparo que sente do próprio Estado com relação a
sua segurança. Entende perfeitamente que ―não havia transgredido a lei‖, e que as
autoridades locais se transformaram em ―ditadores da lei‖, agindo em prol da igreja
que o perseguia.

291
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.129.
185

O papel que o delegado adquire na narrativa de Daniel Berg é bem


interessante, ele é retratado como um dos seus ―opositores‖ que mais ocupa espaço
em suas ―memórias‖. Quando o seu diário é publicado, desde a primeira publicação
em 1951 até a mais recente, há divisões em capítulos e percebemos a aparição do
delegado em três desses capítulos, sendo que há um capítulo dedicado apenas às
perseguições do delegado, intitulado ―delegado pune os crentes‖.
No continuar da narrativa, Daniel Berg mostra que a perseguição do
delegado, para além de religiosa, era política.

O delegado estava preocupado, sem dúvida, com o futuro de


sua carreira política. Ele sentia que cada novo membro da
igreja era um voto a menos nas urnas a seu favor. Comparada
com o total da população do distrito, a igreja ainda não era tão
grande. Por essa razão ele resolveu ficar do lado dos
agressores, pelo menos até que a igreja crescesse um pouco e
tivesse maior influência. Enquanto isso, os líderes católicos não
se mostravam satisfeitos com os resultados da perseguição,
apesar dos muitos esforços para nos atingir.292

O número de pentecostais no interior de Bragança, local onde essas


possíveis perseguições estavam acontecendo, não ultrapassava o número de
católicos. Por mais que os pentecostais tivessem crescido na região, eles ainda
eram minoritários. Todavia, segundo a narrativa, o delegado reagiu de acordo com o
crescimento constante do movimento pentecostal que possivelmente ocorria ali, e
deixou evidente que se o movimento continuasse a crescer ele perderia influência
entre os católicos locais. O delegado ainda se sentia influente por ter a Igreja
Católica como aliada política, de forma que defender os pentecostais agredidos por
católicos seria ir contra uma instituição ainda poderosa na cidade, e que era sua
possível grande aliada para adquirir poder político e estatal.
Daí para frente, o delegado é citado por Berg diversas vezes, e por sua vez
enviou militares para vigiarem seus cultos.293 O delegado ordenou certa vez que
todos os crentes do culto fossem à delegacia.294 Contudo, sem um motivo que
pudesse ser minimamente uma suspeita de crime, os mandou ir ao cemitério ―limpar
o campo dos mortos‖295. Logo após esses episódios, para além do desamparo do

292
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.133.
293
Ibidem, p.134.
294
Ibidem, p.135.
295
Ibidem, p.136.
186

delegado, nos dias que se seguiam, Berg continua a relatar outras perseguições
sofridas e a feitas a outros pentecostais de Bragança. Cita que ―ajuntaram-se
cinquenta homens para me matar‖296. Depois de terem escapado, esses homens
―arrombaram as portas das casas e agrediram os membros da igreja‖297, fazendo
com que Berg mais uma vez levasse os pentecostais feridos às autoridades locais e
tendo recepção muito semelhante à anterior.

[...] ouvimos como resposta, que tivemos muita sorte por não
ter acontecido coisa pior, compreendemos então que estavam
do lado dos perseguidores, que pertenciam à mesma horda
corrupta e que não tomariam qualquer providencia para fazer
justiça.298

Dessa vez ele fala de forma mais genérica, não sabemos se Daniel Berg se
referia ao mesmo delegado que o perseguiu, ou se faz menção a outras autoridades
locais que também não o ajudaram e se colocaram do lado dos católicos
agressores, como o delegado. Independentemente disso, o que o pioneiro
pentecostal narra aqui vai além de uma perseguição entre católicos e protestantes a
nível religioso, assim como também vai além das violências físicas e simbólicas
sofridas. O que está sendo tratado aqui é que ele se sente diante de um catolicismo
atrelado ao Estado, não pela via legal, mas porque suas autoridades que
representavam o Estado naquela região eram ligadas à Igreja Católica, fosse por
convicção religiosa, política ou ambas somadas. Enquanto esse tipo de tensão e
confronto ocorria, os pentecostais cresciam rapidamente na região, uma
religiosidade acatólica cara a cara com um catolicismo que ia além da questão
religiosa, mas que tinha como pares, ainda que extraoficialmente, as autoridades
políticas.
Algo que é importante ressaltar, seja nos ditos de Daniel Berg ou Gunnar
Vingren, é o ar triunfalista em suas narrativas. Vale observar que todos os ataques
partiam de ―inimigos‖ que eram ―vencidos‖ por eles, sempre ―guiados pelo Espírito
Santo‖ para isso. Nos diários há uma constante heroização dos missionários em
vivenciar adversidades e superá-las por meio do poder sobrenatural do Espírito
Santo, se assemelhando inclusive às vivências dos apóstolos descritas no livro de

296
BERG, Daniel. O enviado de Deus: memórias de Daniel Berg. São Paulo, 1959, p.141.
297
Ibidem.
298
Ibidem, p.142.
187

Atos. Tal postura ufanista convida a analisarmos com cautela e criticismo os fatos
narrados.
Contudo, o nosso principal foco não recai sobre a discussão da veracidade
dos fatos narrados. Nos cabe entender quais são os elementos simbólicos locais
que Vingren e Berg elegem para si na construção de suas narrativas missionárias.
Nos casos analisados, nota-se o catolicismo como um significativo elemento de
antagonismo, de uma religião hegemônica que os persegue e ataca com toda sorte
de violências, simbólicas e físicas, e revela um poder que abrange até mesmo o
aparelho estatal. Uma igreja atrelada ao Estado pro alianças políticas. Assim, essa
narrativa missionária na qual os católicos ocupam o papel de perseguidores ganha
uma dimensão para além da religiosa, mostrando um catolicismo altamente
vinculado ao Estado em algumas regiões do Pará. Os seus perseguidores iam além
do católico leigo popular e das lideranças católicas locais, mas dos próprios
representantes do Estado que eram aliados da Igreja.
Gunnar Vingren, de estada no interior do Maranhão, também relata um caso
de perseguição aos ―crentes‖ da região:

Depois de algum tempo, surgiu em Guatipurá uma grande


perseguição contra os crentes. Eles foram espancados até
correr sangue, e depois foram levados a prisão. As autoridades
diziam: ―Vejamos que tipo de religião eles têm‖. O comissário
sabia que era contra a Constituição do país perseguir os
crentes e prendê-los. Mas ele queria prova-los para ver se os
irmãos ficariam zangados por aquela injustiça. Quando
chegaram na prisão, os crentes começaram a orar e a louvar a
Deus. E o povo se reuniu na frente da cadeia para escutá-los.
Ali mesmo Jesus batizou um desses crentes com o Espírito
Santo. O comissário também tinha dito ―agora veremos se
Jesus vem e lhes dá pão!‖. Sem saber desse comentário, um
dos soldados lhes trouxe pão. Após concluírem que não valia a
pena manter presas pessoas que cantavam dentro da própria
prisão, as autoridades deixaram os crentes voltar para suas
casas, e disseram: ―vocês tem uma religião que nós não temos
e não entendemos‖.299

Assim como no episódio narrado por Daniel Berg, aqui também ocorre um
fenômeno semelhante. Os pentecostais foram perseguidos a ponto de sofrerem
violência física. E, mais uma vez, além de não receberem o amparo das autoridades,
foram perseguidos por elas. Por fim, os ―crentes feridos‖ acabaram presos.

299
VINGREN, Ivan. O diário do pioneiro Gunnar Vingren. Rio de Janeiro, 1961, p.55.
188

Assim como Daniel Berg, Gunnar Vingren faz questão de retratar a


consciência que ele tinha com relação à lei. Conhecia a Constituição brasileira
vigente, e sabia que prender os pentecostais era ilegal, mas que o comissário,
mesmo sabendo da ilegalidade do seu ato, os prendeu. Vingren evoca o Código
Penal e a liberdade religiosa protegida constitucionalmente à luz da lei do período
republicano como elemento de amparo que poderia ser usado a seu favor. O
interessante ao analisarmos a narrativa missionária de Gunnar Vingren é que ele
tinha consciência que havia uma constituição que os protegia, e que ela em diversos
momentos não era aplicada.
Nesse particular momento histórico, onde havia no Brasil uma aparente
legitimidade da liberdade religiosa, Daniel Berg e Gunnar Vingren contam que essa
jurisdição nem sempre era aplicada no Norte do país. E não apenas isso, essa
perseguição por parte dos católicos, fosse do leigo, das autoridades católicas e das
próprias autoridades políticas, era um instrumento de denúncia misturado a um
discurso triunfalista no qual, mesmo com adversidades como o enfrentamento da
maior religião do país e dos aparelhos estatais, o pentecostalismo continuava
triunfando e crescendo no Norte e no resto do país.
Independentemente de serem meras narrativas, assim como os veículos de
imprensa os diários não devem ser desacreditados, embora sejam cautelosamente
analisados pelos pesquisadores, devemos perceber, no cruzar das informações, se
eles têm coerência com a conjuntura vivida no período em que foram escritos. E
pelo que já vimos no decorrer da pesquisa, fica claro que a Igreja Católica, mesmo
deixando de ser a religião oficial, ainda detinha poder e influência no Estado através
de sua hegemonia social no país, especialmente no Norte. Um poder que ia além da
esfera religiosa, alcançando também o poder do Estado, como a narrativa dos dois
missionários pentecostais explicita.
O comissário revela um espanto que também é a reação de outros diversos
católicos e protestantes: ―Vocês têm uma religião que nós não temos e não
entendemos‖. Os católicos e protestantes locais estavam diante de um movimento
religioso novo, uma vertente protestante que evocava uma religiosidade
experiencialista e mística, um usufruto do Espírito Santo diferenciado que não se
encaixava na dogmática católica tampouco na protestante. Para além disso,
católicos, protestantes e os próprios pentecostais percebem que esse era um
movimento que se expandia rapidamente, e tal expansão de um novo movimento
189

religioso, ainda que com diversas permanências de práticas de fé do seu movimento


base, esbarra em um estranhamento de seu próprio movimento de origem, onde
suas experiências sobrenaturais são tratadas como patológicas e demoníacas.
Além disso, eles se depararam com uma hegemonia católica que
permanecia presente na mentalidade social da maioria da população local,
percebendo também um atrelamento da Igreja Católica ao Estado, ainda que
tivessem consciência de que no estado republicano a Igreja Católica era,
oficialmente, separada do Estado. Esse atrelamento não oficial entre Igreja e Estado
será objeto de análise pormenorizada no próximo capítulo
190

CAPÍTULO IV – “O APOLOGISTA CHRISTÃO”:


A SEPARAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO E A PRISÃO DE JUSTUS NELSON

Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer


pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e
adquirindo bens, observadas as disposições do direito
comum.300

4.1 ―A SEPARAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO‖

Acredito que para melhor retratar esses conflitos entre católicos e


protestantes diante de uma sociedade hegemonicamente católica, para além do que
já foi dito, seria interessante entender casos como o da prisão de Justus Nelson.
Casos como esse nos revelam essa nova conjuntura social que o período
republicano trouxe, na qual esses conflitos acabavam por ser influenciados por esse
novo modelo político que representava o fim do Império e o surgimento da república
brasileira. Para nos ajudar a refletir sobre esse caso, nos embasaremos em diversos
trabalhos teóricos e historiográficos, mas principalmente nas matérias do jornal ―O
Apologista Christão Brazileiro‖.
O pastor metodista era um sujeito ativo de seu tempo, não apenas no
aspecto do proselitismo religioso com relação a sua denominação, mas também do
político. A partir de Justus Nelson, podemos analisar as particularidades da
República em casos onde a separação entre Igreja Católica e Estado estava sendo
refletidas nas discussões públicas. A abordagem de temas como partido
republicano, casamento civil e separação entre Igreja e Estado eram comuns no
jornal ―O Apologista Christão Brazileiro‖.
A temática do casamento civil, em específico, é, entre outros temas,
interessante para entendermos como a conjuntura política no período republicano
havia mudado e como os protestantes se posicionavam com relação a isso, e como
eles influenciavam ou eram influenciados pelo novo modelo político que ali se
instaurava. Na República, se legitimaram os casamentos entre homens e mulheres
pela via jurídica. Não necessariamente vinculados à Igreja Católica. Podendo ser,
inclusive, feitos numa cerimônia religiosa de celebração por outras religiões, modelo

300
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Artigo 72, § 3º. Rio de Janeiro,
24 de fevereiro de 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituicao91.htm>.
191

que também seria legitimado pelo Estado. Essa era uma decisão havia muito tempo
desejada por protestantes no Império, assim como outros setores da sociedade.
Discussões sobre o casamento civil, de fato, não se iniciaram no Brasil
república. Debates envolvendo políticas públicas sobre esse tema existiam desde o
período imperial. O parlamento brasileiro já discutia referendos que procurassem
legitimar alguns tipos de matrimônios que não fossem ligados à Igreja Católica. O
casamento legítimo pelo Estado era aquele realizado em uma cerimônia religiosa
católica e dentro de uma igreja. Sendo assim, houve algumas discussões sobre a
legitimidade do casamento de imigrantes que vinham ao Brasil e não eram católicos.
Mesmo ainda no período no qual o Estado era vinculado à Igreja, e em meio
a fortes pressões do catolicismo para que a legitimação do casamento civil não
acontecesse, houve alguns casos relatados pela autora como um breve período de
legalidade da cerimônia civil nos anos de 1861 a 1865. Ela relata a batalha jurídica
que se deu em 1857, pelas mãos do ministro da justiça, Nabuco de Araújo, em
legitimar o casamento civil, usando o argumento que seria ―illusoria a intolerância
religiosa se essas pessoas não forem respeitadas quanto aos direitos civis‖.
Independentemente dos recursos e argumentos proferidos, autoridades vinculadas à
Suprema Corte e à Santa Sé sempre se mostravam contrárias às iniciativas
favoráveis ao casamento civil, pois ―para elas o único que poderia legitimar
moralmente os domínios familiares era o religioso; qualquer outro não passaria de vil
amasiamento‖301.
Apesar dessas e de outras diversas tentativas, e de alguns projetos de lei
que procuravam amparar casos específicos de matrimônios entre não cristãos, a
legitimidade do casamento civil entrou em vigor somente no período republicano.
Ainda assim, com as constantes resistências da Igreja Católica em aceitá-lo como
um matrimônio legitimamente cristão.
Logo, o casamento civil além de ser um novo parecer jurídico na constituição
republicana de 1890, também era motivo de querelas entre católicos e protestantes
desde o período imperial. Na República, com a legalização do casamento civil,

301
COSTA, Heliane Monteiro da. Tensões entre metodistas e Igreja Católica, Belém (1890-1925).
Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião), UEPA, Belém, 2013, p.30. Em sua dissertação de
mestrado sobre Justus Nelson, faz uma breve análise sobre as discussões do casamento civil no
período imperial e republicano. Para trabalhar esse assunto, também nos utilizamos de outras fontes
como: SANTOS, Ana Gabriela da Silva. O casamento na implantação do registro civil brasileiro (1874-
1916). Anais do I Encontro de pós-graduandos da Sociedade Brasileira de Estudos do
Oitocentos. Niterói, 2016, p.01-23.
192

percebemos em Belém a continuidade das discussões entre católicos e protestantes


a partir de posicionamentos como o de Justus Nelson.
Ipojucan Dias Campos, em sua tese sobre casamentos, famílias e relações
conjugais em Belém, nos anos de 1916 a 1940, ao analisar uma relação de desquite
na cidade, o juiz Maurício Cordovil Pinto procurava descrever positivamente o
casamento civil como sendo ―importante para a sociedade, para a moral, para os
bons costumes‖302. No decorrer da declaração, o juiz diz que ―em Belém, os
protestantes fazem verdadeiras festas pela victória do casamento civil e ao contrario
dos catholicos, não compreendem este consórcio como mancebia‖.303
Daí já podemos perceber uma questão interessante, independentemente de
percebermos a hegemonia do catolicismo no país, especialmente em Belém, havia
cidadãos que tinham pensamentos contrários ao discurso oficial do catolicismo
vigente. Juiz Cordovil era católico, mas ainda assim apoiava o casamento civil. Além
disso, citava a reação dos próprios protestantes como um argumento favorável para
a legitimação do caso. O juiz era favorável à interpretação protestante de
matrimônio, usando-a como exemplo positivo para a forma como o casamento civil
deveria ser visto, fazendo com que essa opinião fosse, inclusive, argumento para
dar ganho de causa à mulher que pediu o desquite, Joanna Cavalcante
Albuquerque. Seguindo por essa ideia o autor diz:

Tomando como base o ponto de vista do juiz, tudo indica que,


ao contrário do desconforto dos católicos, os protestantes
ampliaram pausadamente a sua influência e o enlace civil – em
virtude das escalas de poder, jamais significou para eles
modelo desprezível. Do item anterior pode-se inferir que as
ações da igreja católica influenciavam as pessoas; mas
nenhuma força é suficientemente vigorosa para envolver a
todos e, diante do civil, é evidente a existência de
posicionamentos diferentes, como o dos protestantes.304

A partir desse panorama histórico, já podemos entender melhor o


posicionamento de Justus Nelson sobre o casamento civil, que constantemente
expunha em seu jornal, ―O Apologista Christão Brazileiro‖, o assunto, e sempre

302
CAMPOS, Ipojucan Dias. Para além da tradição: casamentos, famílias e relações conjugais em
Belém nas décadas iniciais do século XX (1916/1940). Tese (Doutorado em História) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p.58.
303
Ibidem, p.59.
304
Ibidem.
193

questionava os jornais católicos que atacavam a legalidade do casamento fora do


viés católico.
Matérias como ―O casamento civil‖, publicada no periódico dirigido por
Justus Nelson, nos ajudam a elucidar melhor o posicionamento do jornal diante do
tema:

A semana religiosa, como era de se esperar, ataca ferozmente


a nova lei do casamento civil. Na edição de domingo passado,
o seu argumento principal basea-se na premissa de que o
casamento é um sacramento. Para provar que é sacramento
cita a autoridade de Pio IX no parágrafo seguinte: ―É um dogma
de ‗fé‘‖, diz o santo padre Pio IX. ―que o matrimonio foi elevado
pelo nosso Senhor Jesus Christo á dignidade de sacramento, e
é ponto de doutrina que o sacramento não é uma qualidade
accidental, accrescentada ao contracto, mas que elle é da
essencia mesma do matrimonio; de sorte que a união conjugal
entre os Christãos não é legítima senão no sacramento, fora do
qual só há um mero concubinato. Este paragrapho é citado
de uma carta ao rei de Sardenha 1852‖ D‘ella seguem algumas
conclusões, um pouco espantosas! Por exemplo: se sem o
casamento só há um mero concubinato, e se antes de Jesus
Christo não houve sacramento de matrimônio, então não se
póde deixar de concluir que todas as uniões conjugais antes de
Jesus Christo eram mero concubinato. Segue-se que a Virgem
Maria mesma, a ―immaculada‖ era também filha do
concubinato. Mas porque é que cita o Pio IX para provar que
Jesus Christo ―eleveu o matrimonio a dignidade de
sacramento‖? Porque não se cita as palavras de Jesus
Christo? Porque não nos dá a passagem do evangelho em
que este ―sacramento‖ foi instituído? É porque na bíblia inteira
não existe uma só passagem que se possa provar que o
matrimonio seja sacramento? Não contestamos, mas antes
affirmamos a santidade do matrimonio; porém, essa santidade
não depende do latim do padre; vem do próprio Deus que nos
creou. O que contestamos é a falsidade do dogma romano, que
declara que Jesus Christo instituiusse o sacramento do
casamento. O casamento civil tem toda a santidade perante
Deus que tem a qualquer outro, e a pessoa que violar a
santidade do casamento civil fica com a mesma condenação
divina que se o seu casamento fosse feito com todas as
formalidades romanas.305

O jornal católico ―A semana religiosa‖ que, como vimos anteriormente,


constantemente entrava em atritos com Justus Nelson, fez certa vez uma matéria
sobre o casamento civil na qual reprovava esse tipo de matrimônio. Um de seus
argumentos contrários foi registrado por Justus Nelson, nele o jornal se utilizava das

305
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―O casamento civil‖. Belém, 1890.
194

declarações do Papa Pio IX para defender o casamento como um sacramento da


Igreja, e, por isso, só deveria ser legítimo se a cerimônia fosse feita num rito religioso
católico, senão seria mero ―concubinato‖.
O jornal católico mantém a argumentação padrão, procurando mostrar a
opinião de algum papa, seja atual ou antigo, para lançar sua argumentação que
consiste em: o dogma defendido encontra autoridade através da autoridade do
sacerdote, da autoridade da Igreja ou da tradição histórica católica. Justus Nelson,
como forma de contrapor essa afirmação, se utiliza da arguição mais típica entre os
protestantes, a de colocar a Bíblia como autoridade máxima para contra-argumentar
os dogmas do cristianismo. Para Justus Nelson, não havia nenhuma passagem
bíblica que determinasse o casamento como sacramento, de forma que procurou
deslegitimar a palavra do Papa ou dos padres como autoridades para legitimarem
esse dogma. Justus Nelson não economiza seu jeito jocoso ao dizer que o ―latim‖ do
padre, que fazia parte da cerimônia religiosa católica, tinha menos validade para
legitimar o casamento, que o próprio Deus, reiterando a mentalidade protestante de
autonomia do leigo, na qual o fiel detinha acesso direto a Deus sem precisar da
intercessão do sacerdote religioso católico, inclusive para casamentos.
A força do argumento aqui vai além da tentativa de mostrar a contradição do
argumento católico, mas de contradizer seus principais ícones de suas crenças, a
autoridade do Papa e a Virgem Maria, posta como ―Imacullada‖, assim, entre aspas,
mostrando o deboche e o descrédito de Justus Nelson diante da crença católica de
ter sido Maria uma mulher virgem e sem pecado.
O artigo prossegue.

Outro paragrapho citado pela Semana Religiosa vem de


Montesquieu- Espírito das Leis, e diz ―Tudo quanto respeito ao
caracter do casamento, a sua forma, a sua maneira de o
contrahir, a fecundidade que procura... tudo isto é do domínio
da religião‖ Então, não haverá fecundidade se tivermos o
casamento civil? Ou se houver, será differente da fecundidade
do casamento eclesiástico? Como é que os celibatários vão
fiscalizar a fecundidade de suas ovelhas? A resposta
verdadeira dessas perguntas se encontra no confessionário. É
ahi que os padres, por meio de perguntas innocentes, se
encarregam de saber tudo o que há de mais sagrado da vida e
do leito conjugal. Se alguém duvidar, leia o livro intitulado O
padre, a mulher e o confessionário pelo ex padre Chiniquy. Ahi
encontrará (em latim) horrores, que num jornal não se pode
publicar, mas que nas vésperas das núpcias se segredam nos
195

ouvidos das noivas para prepara-las para o sacramento, e


depois para fiscalizar a sua fecundidade J.H.N.306

Justus Nelson reitera sua difamação às autoridades católicas com sua


maneira jocosa e sarcástica de tecer críticas. Utilizando da literatura de um ex-padre,
insinua que os padres têm a prática de fiscalizar a vida sexual dos fiéis católicos a
partir de perguntas tendenciosas nos confessionários. É uma continuidade da
desqualificação ao catolicismo a partir de seus principais simbolismos: os
sacerdotes, que representam a igreja, e a autoridade religiosa que eles possuem.
Aqui o artigo acrescenta um elemento discursivo inédito se comparado aos
outros que já havíamos visto, para além dos atritos sobre dogmas religiosos. Ao
inserir Montesquieu no debate, o jornal ―A semana religiosa‖ quis mostrar que a
defesa do casamento como sacramento era defendido não apenas pela tradição
católica, mas por um dos principais teóricos que embasaram o modelo republicano
ocidental. Ao citar trechos da obra ―O espírito das leis‖ está inaugurada uma
argumentação que não era baseada nos dogmas católicos ou em sua tradição, mas
em teoria política e jurídica. O casamento civil era uma causa onde as querelas
entre católicos e protestantes ganhavam uma proporção acima de seus dogmas,
pois estavam diante de uma ação legitimada pelo Estado, e para defendê-lo ou
combatê-lo, as argumentações também se mesclavam com teorias políticas e
jurídicas.
O casamento civil é um exemplo de como, agora, os debates entre católicos
e protestantes estavam se adaptando a uma nova conjuntura. Tudo era posto diante
de um novo cenário político, de uma nova constituição, que, em diversas cláusulas
como esta, era contrária aos dogmas católicos e favoreciam ideais protestantes. A
legalização do casamento civil, além de facilitar a legitimidade do matrimônio entre
acatólicos, também mostrava o quanto o cenário político havia mudado. Essas e
outras leis efetuadas na constituição de 1890 eram consequências da própria
separação entre Igreja e Estado, que surgiu junto com a República. Daqui podemos
entender a importância que o jornal dava ao referido assunto, recorrente nas
publicações do jornal. Refletimos, aqui, não apenas a mudança política que ocorria
no Brasil, mas a própria relevância dela para católicos e protestantes, e onde suas

306
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―O casamento civil‖. Belém, 1890.
196

dinâmicas religiosas eram afetadas com as mudanças nas estruturas de estado no


período republicano.
Pelo que analisamos no segundo capítulo, no período imperial, mesmo com
uma certa tolerância ao protestantismo no Brasil, a religião ainda era ilegal, e uma
estratégia de muitos protestantes para manter seus cultos era se relacionar com
cidadãos de forte expressão política e econômica. Contudo, mesmo com esses
subterfúgios e com a admiração de diversos intelectuais e até do próprio imperador,
o catolicismo, à luz da lei, continuava sendo a religião oficial do estado e o
protestantismo, assim como outras religiões, permaneciam na ilegalidade.
No Brasil, a ideia de progresso aliou, no fim do Império, liberais e
positivistas, ajudando a solidificar uma ideia liberal conhecida como ―o espírito da
civilização moderna‖, que, segundo Mendonça, pode ser resumido em:

[...] deseo de secularizaçon progressiva de lá sociedad; la


promocion de las massas em perjuicio de las elites jeráquicas;
la liberación de los espiritus com respecto a la autoridade, em
nombre del progresso científico; la separacion de la Iglesia y
del Estado, y la concepcion evolutiva de la sociedad.307

Os termos ―moderno‖, ―modernidade‖ e ―progresso‖ são percebidos aqui


como características positivas e que se baseiam em um sentido de ―evolução‖, como
se espaços, hábitos, leis, infraestrutura e costumes que tivessem essas adjetivações
fossem se tornando gradativamente melhores na perspectiva de um tempo linear.
Os liberais apresentavam a nação norte-americana como um modelo ideal de nação,
e seus conceitos de secularização, cientificismo e separação Igreja – Estado como
caminhos para a nação se tornar um ―estado-nação ideal‖.
As discussões para se implantar o modelo republicano eram intensas em
períodos anteriores, a ponto de, por alguns momentos, os militantes republicanos
arquitetarem planos até maiores de conquista do Estado. Nas década de 1870 e
1880 eles planejavam até mesmo conspirações armadas contra a Monarquia, depois

307
MENDONÇA, Antônio Gouveia. La cuestión religiosa y la incursión del protestantismo en Brasil
durante el siglo XIX: reflexiones e hipótesis. In: BASTIAN, Jean Pierre (Comp.). Protestantes,
liberales y francmasones: sociedades de ideas y modernidad en América Latina, siglo XIX. México:
Fondo de Cultura Económica, 1990, p.68.
197

de diversas tentativas anteriores para derrubar o regime monárquico por vias


legais.308
A luta por separação da Igreja Católica e do Estado era uma das principais
bandeiras de luta do protestantismo no decorrer do Império, batalha que só teve fim
no período republicano. Quando Rui Barbosa, católico que fazia parte do grupo
maçônico que militava pela República, escreveu os decretos que, entre eles,
legitimavam a separação da Igreja do Estado, como retrata o autor:

La gran lucha por la separacion de la Iglesia y del Estado, y por


todos os direchos civiles de los no catholicos llegaba a su fin
com el auge de la República. Rui Barbosa personamente,
redactó los decretos e estabeleceo uma serie de cuestiones
(entre ellas separacion entre iglesia y el Estado e lá
secularizacion dos cemitérios).309

Ao analisarmos as duas constituições, notamos uma clara diferença no


código penal no que se refere à relação do Estado com a religião. No período
imperial, a constituição legitimava a religião católica como a ―religião do império‖,
quando todas as religiões, juridicamente, ganham a liberdade religiosa de culto
público:

Constituição Politica do Imperio do Brazil (de 25 de março de


1824)
[...]
Art 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser
a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão
permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas
para isso destinadas, sem forma alguma exterior ao Templo.310

Decreto n. 119, de 7 de janeiro de 1890


Art 1. E‘ prohibido á autoridade federal, assim como á dos
Esados federados, expelir leis, regulamentos, ou actos
administraticos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a,
e crear diferenças entre os habitantes do paiz, ou nos serviços
sustentados á custa do orçamento por motivos de crenças, ou
opiniões philosophicas ou religiosas.

308
David Vieira Gueiros trata sobre as alianças entre grupos minoritários no período imperial, como
protestantes, maçons e republicanos. GUEIROS, David Vieira. Liberalismo, maçonaria y
protestantismo em Brasil. In: BASTIAN, Jean Pierre. Protestantes, liberales y francmasones.
México: Fondo de Cultura Económica, 1990.
309
Ibidem, p.65.
310
BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil. Rio de Janeiro, 25 de março de 1824.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>.
198

Art 2. A todas as confissões religiosas pertence por igual a


faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a
sua fé e não serem contrariadas nos actos particulares ou
públicos, que interessem o exercício desde decreto.
Art 3. A liberdade aqui constituída abrange não só os
indivíduos nos actos individuais, sinão também as igrejas,
associações e institutos em que se acharem agremiados,
cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem
collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem
intervenção do poder público.311

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24


de fevereiro de 1891)
[...]
Art 72. [...] § 3 Todos os indivíduos e confissões religiosas
podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se
para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do
direito comum.312

A diferença entre as constituições do Império e da República com relação ao


papel do Estado diante da religião é clara: no Império vemos expresso juridicamente
o que percebemos no capítulo anterior na historiografia protestante brasileira. As
religiões não católicas poderiam exercer apenas o culto privado, o culto público era
ilegal, ―sem forma alguma exterior ao templo‖; no período republicano, há toda uma
preocupação com relação a uma liberdade religiosa, liberdade de culto público e a
não intervenção do Estado na dinâmica religiosa das mais diferentes religiões.
Com essa percepção da separação da Igreja e do Estado nos regimes
democráticos, percebemos como as reflexões de Chantal Mouffe nos ajudam a
entender esse fenômeno. Segundo a autora,

[...] a democracia liberal é a expressão de valores específicos


que informam a maneira como ela estabelece um modo de
ordenamento das relações sociais. É este novo ordenamento
simbólico que constitui sua especificidade como um regime
distinto. Como uma nova forma política da sociedade, a
democracia pluralista liberal se caracteriza por certo número de
separações cruciais: entre o público e o privado, entre Igreja e
Estado; entre lei civil e lei religiosa. São essas separações que
possibilitam a emergência da sociedade civil como domínio

311
BRASIL. Decreto n. 119, de 7 de janeiro de 1890. Prohibe a intervenção da autoridade federal e
dos Estados federados em materia religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o
padroado e estabelece outras providências. Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1890. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-119-a-7-janeiro-1890-497484-
publicacaooriginal-1-pe.html>.
312
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro
de 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>.
199

distinto. Ademais, a noção liberal de estado secular não


apenas implica a distinção entre Igreja e Estado, mas também
a concepção da Igreja como associação voluntária.313

Justus Nelson, em 1890, era um sujeito ativo diante dessa discussão, que
acabou resultando no Código Civil registrado em 1891, que dá plena liberdade para
todas as confissões religiosas exercerem seu culto, não apenas em suas casas,
mais publicamente, construindo seus templos e podendo acumular bens para dar
prosseguimento à sua dinâmica religiosa não católica. Justus Nelson, como
protestante, participava de forma aguerrida desses debates, publicando diversas
matérias sobre o tema e afirmando seu posicionamento no jornal. Através dele,
podemos ter uma ideia de parte das discussões religiosas que ocorriam na cidade.
Justus Nelson fazia questão de destacar esse fenômeno político nas matérias do
seu jornal:

Acabamos de receber um importante monographo sobre o


assumpto que mais interessa grande parte de nossa nação- a
completa igualdade perante a lei de todas as formas de
crenças e de cultos. Em seguida reproduzimos os últimos
parágrafos: A separação da egreja e do estado, e o
estabelecimento de todos os cultos no mesmo pé de igualdade,
nenhuma injustiça trata para a Egreja de Roma. Ella ficará
gozando da mais completa acção, assim como os outros cultos
ficaram com igual direito. Ninguém ousará desacatal-a em seu
culto; ninguém apedrejará os seus templos; todas as suas
festividades terão a mesma garantia que hoje.314

Justus Nelson fala da separação de Igreja católica e Estado como um


assunto que interessa não apenas a protestantes, mas a grande parte da nação. O
que mostra também que o público de alcance desejado pelo pastor, ao menos nessa
matéria, vai além de seu próprio rebanho, além dos fiéis de sua crença. Isso é
importante para notar a própria postura do jornal, se posicionando como um veículo
importante de informação não apenas para protestantes, mas para toda a sociedade
brasileira.
Quando se trata desse assunto, Justus Nelson sempre deixa claro que a
Igreja Católica não perderá direitos. Apesar do tom agora já menos jocoso e mais
313
MOUFFE, Chantal. Religião, democracia liberal e cidadania. In: BURITY, Joanildo; MACHADO,
Maria das Dores (Orgs.). Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições. Recife: Massangana,
2006, p.20.
314
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―A separação do Estado e da Egreja‖. Belém,
01/02/1890.
200

informativo, ainda notamos uma leve ironia na mensagem, ao dizer que quando a
Igreja deixar de ser a religião oficial do Estado não haverá desacato à igreja sem
apedrejamento de seus templos, provavelmente ironizando ao retratar, nas
entrelinhas, aquilo que muitos protestantes passavam: desacato e ameaças a sua
integridade física.
O tema ―separação entre Igreja e Estado‖ era importante para o jornal, a
ponto de se tornar inclusive uma coluna. Outros textos com essa temática foram
feitos com essa mesma titulação no ano de 1890. Em outra matéria, Justus Nelson
menciona a importância da referida separação até para a própria Igreja Católica.

A separação da egreja com suas consequências, o casamento


civil, etc, em vez de ser uma medida de perseguição, uma
medida vexatória, nas condições em que se achava a egreja
brasileira, podemos dizer, sem medo de séria contestação, que
foi um acto reclamado pela opinião pública e que trouxe
somente vantagens para ambas as sociedades. Com effeito,
qual o estado da Egreja Brazileira no tempo da monarchia? Era
simplesmente lastimoso e se tendia cada vez mais a anullar-se
completamente. Ella não tinha a liberdade precisa pois ahi
estavam o direito do padroado, com todo o cortejo de suas
regalias, com o recurso a coroa, o beneplácito, etc. Sob o
pretexto de proteção, achava-se a egreja sujeita a liderança do
Estado e quando os bispos, fieis ao seu dever, queriam fazer
cumprir as leis da egreja ou executar as bulas e os Papas, não
o podiam fazer sem o beneplácito régio, sob pena de serem
arrastados para a prisão. Ainda está na memória de todos a
prisão do sábio bispo do Pará e do de Olinda, prisão realizada
n‘esses bons tempos em que a Egreja era subordinada ao
estado.315

Essa matéria publicada no jornal ―O Apologista Christão Brazileiro‖ não foi


escrita por Justus Nelson, mas tirada do Jornal Republicano Brasileiro. O
interessante é o jornal selecionar uma matéria que alardeava as vantagens para a
própria Igreja Católica com a separação da Igreja e do Estado. Isso mostra que ele
não apenas se preocupava com a temática, mas buscava até apoio de grupos que,
em muitos momentos, eram antagônicos a sua fé, no caso os fiéis católicos.
A matéria retrata a separação entre Igreja e Estado como uma medida
aclamada pela opinião pública, onde a própria Igreja Católica não tinha liberdade
para cumprir as leis da igreja, executar as bulas papais – se elas fossem contrárias
às leis do Estado. Como exemplo, o texto retrata a prisão do ―sábio bispo do Pará e

315
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Separação entre Igreja e Estado‖. Belém, 1890.
201

de Olinda‖, provavelmente se referindo a Dom Macedo Costa e sua prisão no


maranhão.
Das duas últimas matérias que abordamos, como já dito, os textos tinham
um estilo de escrita menos ácido e irônico que outros temas. Parecia ser uma nova
forma escolhida por Justus Nelson para informar a importância da separação da
Igreja e do Estado, até para os próprios católicos. Provavelmente, nesse assunto, o
pastor metodista pretendia ter a simpatia do clero católico, tentando convencer que a
causa era importante para todos e não se deveria fazer querelas em torno dela.
Na matéria ―A separação‖, notamos o apontamento de diversos temas
recorrentes que o jornal publicava, como a separação entre Igreja e Estado, o
casamento civil e a devoção mariana:

Mez de Maria: findou-se o mez da mariolatria mas não a


mariolatria. Nos púlpitos dessa capital, o clero aproveitou-se da
concurrencia para explicar a carta pastoral episcopal da
maneira que isso lhe foi encomendado. Bradarão os padres
contra a separação da igreja do estado e contra o casamento
civil. Uma pessoa de confiança nos diz em uma dessas noites
de culto matriolatro, o vigário da igreja da trindade, tratando de
casamento civil avisou às moças que senão se casarem pelo
rito catholico, os seus filhos não serão baptizados pelo clero
catholico em nome da santíssima trindade, nem seriam
considerados filhos legítimos, e quando os trouxessem para
receber o baptismo, os paes casados só civilmente, devião
esperar que no registro de lançasse o nome do filho como filho
natural do casamento civil, baptizado em nome do Escrivão juiz
de paes fulano de tal. Tambem se ameaça a longa lista de
horrores que a um devoto da igreja romana parecem tão
medonhos; mas que ao resto do mundo, não são senão
fabulas- a negação pela igreja da absolvição, os sacramentos
da igreja, a sepultura em terra benta, e missas para tirar lhes
as almas do purgatório.316

Nessa matéria, Justus Nelson diz que nas missas os padres falavam de
assuntos como separação Igreja e Estado e casamento civil. Possivelmente, essa
era uma discussão que também atravessava o campo católico, e era discutida até
mesmo dentro do templo religioso. Segundo o pastor, havia ameaças de padres de
não batizarem os filhos das mulheres que efetuassem o casamento civil, além de
outras crenças propagadas que o pastor define como fábulas, como ―os
sacramentos da igreja, sepultura em terra benta, missas para tirar as almas do

316
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―A separação‖. Belém, 31/05/1890.
202

purgatório‖. Aqui, mais uma vez, religioso e político se misturam, tanto nas possíveis
atitudes dos padres em usar do espaço das igrejas para opinar sobre as questões
políticas do momento, quanto de Justus Nelson, que em seu jornal defende
constantemente a separação entre Igreja e Estado e o casamento civil. Nessa
matéria, em especial, há uma tentativa de desqualificação do catolicismo, de
denunciá-lo como uma igreja que coage seus fiéis em crenças que, para ele, são
mitológicas e mentirosas, reconhecidas em todo o mundo como tal, menos na região
em que ele presencia isso.
Pela frequência do jornal a abordar esse assunto, notamos o interesse de
Justus Nelson em defender a legitimação da separação entre igreja e estado. Esta
causa era usada contra os católicos como a luta para a concretização de um objetivo
político, mas também para deslegitimar a Igreja Católica como a religião oficial e
conseguir, assim, maior liberdade religiosa para a fé protestante. Justus Nelson
ataca os acontecimentos locais, confronta a fé e prática católica paraense, expõe as
suas particularidades e as denuncia como sendo heréticas.
Por mais que a separação entre Igreja Católica e Estado tenha sido
legitimada em 1891 no plano jurídico, dando liberdade religiosa para grupos como os
protestantes exercerem livremente sua fé na esfera pública e privada, o discurso do
jornal ―O Apologista Christão Brazileiro‖, semelhantemente às narrativas do
movimento pentecostal, nos faz entender que, por mais que o protestantismo fosse
algo juridicamente legalizado, na prática as tensões entre católicos e protestantes
continuaram se desdobrando em embates que iam além da arena religiosa,
englobando até mesmo a estrutura do Estado de forma a coibir as práticas religiosas
de protestantes.

4.2 ―O ULTRAJE À RELIGIÃO CATÓLICA‖: A PRISÃO DE JUSTUS NELSON

Apesar das tensões entre Justus Nelson e o catolicismo vigente já terem


sido construídas anos antes, o estopim para que ele fosse denunciado e preso se
baseou em dois artigos de sua autoria publicados em 1892, um ano depois do
código penal de 1891 sobre separação entre Igreja e Estado ser estabelecido na
república.
203

O Bispo do Pará affirma ser Maria, mãe de Jesus, padroeira do


Pará, isto é, da diocese do Pará que compreende os dois
estados de Pará e Amazonas – A amazonia.
Ora, queremos saber se é facto histórico ou não essa proteção
mariana na Amazonia. A religião christã é uma religião de
factos históricos, Jesus Christo nasceu, viveu, foi crucificado,
ressuscitou, e provou a sua ressurreição por meio de muitas
testemunhas oculares incapazes de enganar-se. Agora procura
impingir á amazonia uma religião ou um culto mariano, por ser
Maria protectora das plagas amazônicas. Compete ao Sr Bispo
declarar os factos históricos sobre os quaes se basea a sua
afirmação.
1. Desde que data ficou Maria sendo padroeira da Amazonia?
Inaugurou se a sua protecção antes da descoberta do rio
Amazonas por Vicente Piçon, no ano 1500, ou depois?
2. Se foi antes seria ella padroeira de selvagens e pagãos?
3. Se foi depois de 1500 que innaugurou-se a protecção
mariana no valle do Amazonas, em que anno foi?
4. A sua escolha foi por acclamação, ou por eleição popular,
ou foi ela mesma que escolheu este valle desprezando as
regiões de Maranhão, de Ceará, de Piauhy, etc?
5. Se foi por aclamação ou eleição popular, a quem
communicou ella a sua acceitação do titulo da padroeira?
6. Se foi por acclamação ou eleição popular, a quem
communicou ella a sua acceitação do titulo de padroeira?
7. Se ella mesma escolheu este território, despresando os
outros Estados para o sul por intermédio de quem communicou
ella essa noticia aos mundanos d‘aqui?
Convidamos o Sr Bispo para responder ou pessoalmente ou
por intermédio de pessoa da sua confiança authorisada, a
esses quesitos. E compromettemo-nos a publicar a sua
resposta se for convenientemente redigida quanto á linguagem,
pondo á sua disposição até duas columnas da nossa folha. Se
não responder até o fim do mez corrente (Mez de Maria),
julgamos ter razão em considerar essa padroeiragem mariana
da Amazônia como simplesmente uma fabula para engodar
aos ignorantes.317

Quando Justus Nelson desafia o bispo a provar com fatos históricos que
Maria seria a padroeira da Amazônia, mais uma vez ele usa o argumento de pedir
uma prova material e racional da crença mariana paraense, mostrando o
racionalismo protestante frente ao misticismo católico. O desafio também serve
como enfrentamento a uma autoridade católica que, como já vimos, também é um
símbolo significativo para o catolicismo, procurando, assim, desconstruí-la. Fora
isso, a afirmação do marianismo local ser ―uma fábula para engodar os ignorantes‖
passa uma mensagem dualística, o protestantismo como uma fé culta, racional e
verdadeira, e o catolicismo local como religiosidade ignorante e falsa.

317
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―A Padroeira‖. Belém, 01/07/1892.
204

Outro artigo publicado no jornal e que também serviu como material de


acusação foi a matéria ―A cathedral do Pará‖.

Afinal estão concluídas as obras de concerto e


embellezamento da Cathedral do Pará. Está marcado o dia 1
do corrente mez de Maio, data d‘esta folha a reabertura d‘esse
edifício Promettem a assistência dos bispos do Ceará e do
Maranhão. Escolheu-se o dia 1 de Maio para a reabertura por
ser Maio o ―mez de Maria‖ e ser ella chamada ―padroeira d‘esta
diocese‖. A cathedral foi preparada especialmente com vistas
ao culto mariano. É de esperar que as ceremonias da
reabertura deem grande impulso á idolatria mariana. Que
sempre importa o desprezo e o abatimento da religião christã.
Da adoração da Virgem para a das virgens é passo curto. Não
é de admirar que esses celibatários coroados sejam
propagandistas tão acirrados da novíssima religião de Maria.318

Nessa matéria, a narrativa é ainda mais depreciativa, retratando a Catedral


do Pará como um espaço que seria utilizado para uma devoção a Maria que, para o
pastor, era idólatra e uma prática de ―desprezo e abatimento da religião cristã‖. A
utilização de um termo como esse nos mostra que as devoções a Maria, para Justus
Nelson, não deveriam ser classificadas nem como cristianismo, e sim mas como
uma ―novíssima religião de Maria‖, algo não cristão, uma religião herética.
Levando em consideração o peso que era para os paraenses a figura de
Maria e sua religiosidade devocional, como vimos no primeiro capítulo, já
conseguimos supor o quanto Justus Nelson atingia a religiosidade de toda uma
região.
O bispo católico ao qual Justus Nelson direcionava o desafio nunca chegou
a responder as provocações. Em contrapartida, Justus Nelson foi denunciado pelo
próprio promotor de justiça do estado, que se apoiou no Artigo 185 do Código Penal,
como o próprio Alex Seabra cita, através do parecer do juiz substituto, Dr Olívio
Filho.

O 2 promotor Público da capital, usando das atribuições que


lhe são conferidas pela lei, vem perante vós denunciar do
cidadão Americano, Justus H. Nelson, residente n‘esta capital
pelo facto seguinte: ―Com o fim de estabelecer propaganda
evangélica, tem publicado o denunciado n‘esta cidade, acerca
de três annos, um jornal com o titulo ‗Apologista Christão
Brazileiro‘ depois de fazer as declarações de direito na

318
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―A cathedral do Pará‖. Belém, 01/05/1892.
205

intendência de Belém. Este jornal, porém, longe de fazer uma


propaganda séria, como se compreende que tivesse valor, e é
garantido pelo pacto constitucional e mais leis da República,
procura por todos os meios ridicularisar e ultrajar a religião
catholica Apostólica Romana‖ […] Não procuramos,
denunciando Justus H. Nelson, tolher a quem quer que
seja o direito de livre manifestação do pensamento, não, o
nosso fim como órgão do Ministério público é fazer
respeitar a lei, punindo áqueles que abusando de tão nobre
quanto sagrado direito, tornam-se criminosos em face do
Código Penal da República. [...] o denunciado tornou-se
criminoso, abriga-se á toga da justiça pedindo a punição do
delinquente em desagravo do direito social ofendido. Justus H.
Nelson, ultrajando como tem feito a fé dogmática e
tradicional da família paraense, está sujeito as penas do art
185 do Código Penal da República, grau máximo, por concorrer
a circumstancia agravante do 2 art 39 do mesmo Codigo. (grifo
nosso)319

O promotor se utilizou do Artigo 185 para embasar sua acusação. Este artigo
foi introduzido no Código Penal em 1890. No capítulo III do Código Penal, acerca de
crimes contra o livre exercícios dos cultos, reza o Artigo 185 que “Ultrajar qualquer
confissão religiosa vilipendiando acto ou objeto de seu culto, desacarando ou
profanando seus symbolos publicamente. Pena – de prisão por um a seis mezes”.320
O promotor se baseou nesse artigo para mostrar que Justus Nelson não
cumpriu a lei, e considerou que o pastor metodista ultrajou ―a fé dogmática e
tradicional da família paraense‖. É importante destacarmos essa fala do promotor
para notarmos que ele acusa Justus Nelson de ultrajar não apenas uma instituição
religiosa, mas a crença tradicional de toda a sociedade paraense. Vale reparar que a
inciativa da denúncia surgiu de um promotor da região, e não de um membro do
clero católico local. Justus Nelson estava sendo denunciado por uma autoridade de
estado que reconheceu as matérias publicadas pelo jornal metodista como
ofensivas. Se Justus Nelson estava atacando uma ―fé tradicional paraense‖, então
era aquela uma crença na qual o próprio promotor parecia comungar.

319
SANTOS, Alex Seabra. O protestantismo metodista em Belém: buscando determinações de
sua efetivação (1880-1896). Monografia (Graduação em História), UFPA, Belém - PA, 2000. Além da
fonte abordada, há outra pesquisa feita em Belém do Pará que gostaria de destacar para análise: a
dissertação de mestrado ―Tensões entre metodistas e Igreja Católica, Belém‖, de Heliane Monteiro da
Costa, onde a prisão de Justus Nelson também aparece como temática de análise pela autora.
COSTA, Heliane Monteiro da. Tensões entre metodistas e Igreja Católica, Belém (1890-1925).
Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião), UEPA, Belém, 2013.
320
BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Codigo Penal. Rio de Janeiro, 11
de outubro de 1890. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-
847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html>.
206

A resposta de Justus Nelson a esta acusação foi publicada no jornal ―O


Apologista Christão Brazileiro‖ na mesma data afirmando que ―Nego achar-me
incurso n’este artigo.” A partir daí, Justus Nelson se defende, procurando se utilizar
do dicionário Caldas Aulete para pormenorizar conceitos apresentados na lei como
―Simbolos‖ e ―Vílipendio‖.

A palavra ―Symbolo‖ segundo o Diccionario Contemporaneo de


Aulete, no sentido theologico significa ―Signal exterior de um
sacramento.‖ Nas publicações minhas, citadas na denuncia,
não se trata nem de longe de ―signal exterior de sacramento‖
Portanto, se houvesse infracção do art 185 citado, seria a
minha offensa limitada á primeira parte do artigo: ―Ultrajar
qualquer confissão religiosa, vilipendiando acto ou objecto de
seu culto‖ Deve-se notar que o único ultraje comtemplado
n‘esta phrase é o vilipendiar. Recorrendo de novo ao
Diccionario de Aulete, encontra-se a seguinte definição:
VILIPENDIAR- Tratar com vilipendio, com muito desprezo;
tratar como vil ou desprezível; ter ou considerar como vil ou
desprezível. Apregoar como vil ou digno de desprezo‖ A
questão não é se a minha publicação offendeu ou não os
sentimentos religiosos dos leitores catholicos romanos.
Qualquer oposição ou discussão de dogmas é prohibida pela
igreja romana e é altamente offensiva a todos os fieis d‘esta
igreja. A questão é simplesmente se as minhas publicações
citadas vilipendiaram ou não acto ou objeto do seu culto.321

Essa linha argumentativa da defesa, de se utilizar do significado das


palavras da lei, mostrando que há contradições na acusação por não condizerem
com as ações feitas pelo acusado, somam-se ao raciocínio construído pelo pastor
metodista de entender que ele não vilipendiou nenhum objeto de culto, porque suas
afirmações eram factuais. Ele supunha que havia um culto mariano idolátrico no
Pará correspondendo a uma figura mariana que não correspondia com a Maria
descrita nas escrituras. Grande parte da defesa de Justus Nelson será por essa
linha de raciocínio.

O único ―objecto‖ de seu culto mencionado e especificado, é a


Virgem Maria: e os únicos ―actos‖ mencionados são [a] as
cerimonias da reabertura da cathedral [b] a adoração da
Virgem e [c] a adoração das virgens. A única coisa offensiva
citada a respeito das ceremonias da reabertura da cathedral é
que era de esperar que dessem grande impulso ao culto de
Maria. Os motivos d‘essa esperança são patentes e
reconhecidos, entre os quaes primam o dia escolhido (1º do

321
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
207

mez de Maria) e a proeminência dada á Padroeira do Pará,


assim chamada em diversas partes do programma de
reabertura e depois. A esse culto de Maria chamei de ―idolatria
mariana‖ E talvez que seja este termo assim applicado que
causasse a offensa, estou convencido de que alguns não
gostaram d‘esse termo. Comtudo, os desgostosos pessoaes
não são da questão. Vejamos se é vilipendio ou não: Aulete, já
citado, diz: IDOLATRIA - adoração dos ídolos. ―Também diz:
IDOLO - figura, estatua ou imagem representativa de alguma
divindade, e que é o objeto de um culto.‖ Ora, no Pará não
faltam figuras, estatuas e imagens que se dizem representar a
Virgem Maria, mãe de Jesus Christo. Também não falta quem
chama a Maria, ―Rainha do Ceu‖, ―Mãe de Deus‖ e ―Divina Mãe
de Deus‖ E ninguém pode negar que aqui no Pará, tanto a
Virgem Maria como as suas figuras, estatuas e imagens são
objetos de culto. Ora, segundo Aulete, essas figuras, estatuas
e imagens são ―Idolos‖ e o seu culto é idolatria. Já assisti a um
sermão na própria cathedral, no qual o sacerdote procunciou
muitas vezes os nomes de Deus e da Virgem Maria. Todas as
vezes que elle pronunciou o nome ou qualquer titulo de Maria,
elle suspendeu o chapéu peculiar que trazia na cabeça, mas ao
contrario nunca fez isso quando pronunciava o nome de Deus.
É notório que não existe no Pará culto mais ardente nem
mais popular do que o culto que se dedica á imagem que
se intitula “Nossa Senhora de Nazareth” É n’esse sentido
que empreguei o termo “idolatria mariana”.322

É notório que Justus Nelson se utiliza de práticas religiosas do catolicismo


local para comprovar sua tese de que o que ocorria na região era considerado
idolatria pela própria definição do termo. Aqui, Justus Nelson enfoca uma fé
localizada, com características próprias e específicas, que as classifica como
idólatras. Desde as matérias já publicadas por ele, ―A Cathedral‖ e ―A padroeira do
Pará‖, a desconstrução não é apenas à devoção mariana, mas ao marianismo que
ele percebia presente no estado, onde sua concentração se dava na capital,
justamente onde ele estava exercendo seu ministério.
No decorrer da defesa, Justus Nelson ainda diz que:

Quanto á Virgem Maria, creio que foi milagrosa a conceição do


seu Filho primogênito, Jesus Christo, nosso único Salvador; e
também creio que nunca houve mulher n‘este mundo mais pura
nem mais honrada por Deus do que foi Maria, mãe de Jesus.
Também creio firmemente que ella já se acha na presença de
Deus com todos os mais remidos do Senhor Jesus Christo, que
já faleceram. Portanto, me seria impossível vilipendiar á Virgem
Maria. E creio que não é ―vilipendiar‖ chamar ao culto das suas
figuras, estatuas e imagens pelo mesmo nome que se lhe dá

322
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
208

no Diccionario Contemporaneo de Aulete. Apenas peço ao Sr


Juiz que leia atentamente o artigo referido, considerando-o
como uma indagação scientifica sobre as bases históricas do
assumpto tratado. Nas sete perguntas dirigidas ao Rvd. Bispo
do Pará, não se póde deparar a mínima falta de seriedade. A
religião Christã é uma religião histórica- uma religião de factos,
baseada na história scientificamente apurada pelas indagações
dos seus amigos e dosque a ella se oppõem. Ora, se a Virgem
Maria é protectora especial da Amazonia, é forçosamente facto
historico. E factos históricos precisam de evidencia para serem
acreditados. Nas sete perguntas referidas, eu seriamente
indaguei o que existe na historia (não da Grecia nem da
Babylonia, mas sim da Amazonia – não nos tempos
prehistoricos, mas sim n‘estes últimos quatro seculos) que
sustente a asserção historica de ser a Virgem Maria ―padroeira‖
d‘esta região. [...] Que os defensores das tradições amazônicas
sejam tão sérios como são as sete perguntas, e o mundo há de
lucrar muito. Assim, repillo a acusação de falta de seriedade
nas minhas discussões jornalísticas.

O que Justus Nelson deixa claro é que ele não estava ―vilipendiando‖ a fé
católica, ou Maria, mais sim, especificamente, as imagens que eram feitas e que a
representavam. Para sua defesa, Justus Nelson fazia questão de separar a Virgem
Maria descrita nos evangelhos das imagens de Maria que eram instrumento de
devoção do catolicismo paraense, e que para ele não correspondiam àquela que
seria a ―verdadeira Maria‖.
Nesse compilado de trechos dá para entender que Justus Nelson continua a
se utilizar de um elemento retórico usado diversas vezes para trazer à tona
aparentes contradições da religião católica. Ele não desmente as afirmações
contrárias à religiosidade que condena, mas apresenta as possíveis contradições
entre o artigo citado e sua mensagem, mostrando que em nenhum momento feriu a
fé católica em sua base, mas os erros que condenava no catolicismo local, e que,
segundo ele, eram condenados até mesmo pela própria religião católica. Há aqui um
choque de conceitos. As noções estrangeiras de catolicismo não estavam
correspondendo às particularidades das dinâmicas religiosas do catolicismo local
com o qual o pastor se deparava. Justus Nelson era um estrangeiro em terra
estranha. Um protestante norte-americano com valores próprios de sua região, que
combatia um catolicismo de um fervoroso marianismo representado pela Virgem de
Nazaré, um catolicismo com características próprias, com simbolismos específicos
que ele procurava decifrar e combater na medida do possível.
209

Outra questão interessante desse caso foi a mobilização que gerou, as


testemunhas que foram arroladas, como exemplo o jurista Samuel Wallace
MacDowell, que além de jurista e advogado era conselheiro de estado na época do
Império, e que foi chamado como testemunha para a segunda audiência do
processo, ocasião em que declara que:

Desde o regime antigo na monarchia em que, apesar da


religião oficial do Estado, houve sempre no império a mais
plena liberdade para todos os cultos dissidentes, a lei garantia
as analyses razoáveis dos princípios e usos religiosos; com
maioria de razão no regime actual que o de verdadeira
separação da Igreja e do Estado; mas entre essa garantia e a
que se arroga o acusado para ultrajar o culto aliáis da maioria
dos cidadãos brasileiros há um abysmo que não lhe é lícito
affrontar.323

Samuel Wallace MacDowell, no período imperial, mesmo com as outras


religiões não católicas não sendo amparadas legalmente pelo Código Penal para
atuarem sem restrições jurídicas, entendia que havia uma certa razoabilidade
dessas religiões praticarem seus cultos sem grandes opressões do Estado. Porém,
mesmo diante da separação entre Igreja e Estado realizada no período republicano,
ainda existe um ―abismo que não é lícito afrontar‖, abismo que foi afrontado por
Justus Nelson. É como se o jurista argumentasse haver um limite, e estabelecesse
uma ―linha moral‖ entre a liberdade religiosa concedida aos não católicos e o
discurso realizado por eles que caracterizaria o ultraje à religião católica, e que
deveria receber punição. Para além disso, Samuel Wallace é categórico em agravar
mais ainda a situação de Justus Nelson, reiterando que a religião ultrajada é a da
―maioria dos cidadãos brasileiros.‖
Com isso, se evidencia um debate que vai além de ―católicos x
protestantes‖, mas acerca de até que ponto se poderia tolerar a liberdade religiosa e
o ultraje à religião alheia. Essa profundidade do assunto foi, inclusive, percebida pelo
advogado de defesa de Justus Nelson, Diogo Holanda, que demonstrou em seu
parecer a tentativa de achar um ―limite‖ entre o ultraje ilegal e a liberdade de
pensamento. Caso Justus Nelson viesse a ser condenado pela interpretação do
Artigo 185, poderia haver um ferimento desse princípio, destacado pelo advogado
como um ―libérrimo dogma‖ consagrado por ―todos os povos cultos‖. Era um tipo de

323
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
210

valor que, para o jurista, ia além do religioso e poderia ferir o valor moral da
liberdade de expressão:

Está envolvido n‘este processo o princípio da livre


manifestação do pensamento, principio tanto mais respeitável,
quando se trata de matéria religiosa, devemos, portanto, ser
cautelosos na interpretação do artigo 185 de nosso código, que
deve ser tão restrita quanto seja necessário para não padecer
duvida de que não foi offendido esse libérrimo dogma
consagrado pela legislação de todos os povos cultos [...] Creio
estar suficientemente provado que o presente processo só é
movido por um espírito mal entendido de seita religiosa e não
tem nenhum fundamento jurídico.324

Vale ressaltar um adendo de Alex Seabra dos Santos, em que afirma, que
diversos advogados se ofereceram para serem defensores de Justus Nelson. O que
podemos notar era que o pastor metodista também tinha simpatizantes de sua
causa, mesmo entre não protestantes e entre pessoas de certo renome social, a
ponto de ser procurado por juristas. Provavelmente, os temas separação Igreja –
Estado e liberdade de expressão já eram debatidos não apenas entre religiosos,
mas entre intelectuais e juristas do período. Justus Nelson era um sujeito que estava
inserido em uma conjuntura maior de debate político, que envolvia questões
delicadas a serem discutidas em uma sociedade que estava iniciando seu período
republicano e o papel da religião nesse novo estado, as liberdades de expressão e
matrimônio, os novos papéis da Igreja e do Estado na sociedade.325
Não é à toa que a ideia de liberdade de pensamento era um dos principais
argumentos dos defensores assim como dos acusadores de Justus Nelson, como
notamos nas palavras do segundo promotor público, Américo Chaves:

Não procuramos, denunciando Justus H. Nelson, tolher a quem


quer que seja o direito de livre manifestação do pensamento,
não, o nosso fim como órgão do Ministério Público é fazer
respeitar a lei punindo áquelles que, buscando de tão nobre

324
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
325
Alex Seabra dos Santos e Heliane da Costa detalham um pouco melhor as questões da prisão,
reiterando que diversos advogados juristas não protestantes se interessaram em ser defensores de
Justus Nelson, mas nem eles e nem as fontes nos dão indícios do critério que Justus Nelson usou
para escolher Diogo Holanda como seu defensor. SANTOS, Alex Seabra. O protestantismo
metodista em Belém: buscando determinações de sua efetivação (1880-1896). Monografia
(Graduação em História), UFPA, Belém - PA, 2000. COSTA, Heliane Monteiro da. Tensões entre
metodistas e Igreja Católica, Belém (1890-1925). Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião),
UEPA, Belém, 2013.
211

quanto sagrado direito, tornam-se criminosos em face do


Código penal da república.326

Há aqui um temor do promotor de acusação e uma ênfase do advogado de


defesa em pautar a questão da liberdade de expressão como um dos principais
temas a serem discutidos no julgamento. A discussão sai do campo teológico e entra
numa seara jurídica onde acusação e defesa procuram entender o limiar entre
liberdade de manifestação de pensamento e ultraje ao culto alheio. A liberdade
religiosa era algo novo na Constituição, mas a liberdade de pensamento já estava
presente desde a Constituição de 1824, do período monárquico, como um direito já
consolidado havia tempo no corpo jurídico brasileiro e um valor caro à tradição
liberal, conceito que acompanhou o período monárquico e influenciou fortemente o
regime democrático.
O apelo à liberdade de pensamento também nos remete à aliança entre
liberais e protestantes, construída de forma histórica. A discussão para o início da
ideia de ―liberdade religiosa‖ é o período da Reforma Protestante, no qual o
movimento restaura dogmas cristãos a partir da valorização de uma ideia presente
desde o cristianismo primitivo, onde o homem era tido como imago dei (a imagem de
Deus), e por isso teria uma relação direta com Deus como individuo, de forma que o
discurso do empoderamento do indivíduo, seja clérigo ou leigo, trazia dependurada a
ideia de liberdade de consciência e liberdade religiosa que o liberalismo acataria um
século mais tarde, modelo no qual a vida humana deveria ser valorizada e o Homem
deveria ser livre para crer naquilo que acreditasse, independentemente do que o
pensamento majoritário determinasse. Tais conceitos seriam essenciais, e a partir
deles os ideais ocidentais de laicidade viriam a ser embasados. Com liberdade de
consciência e de crença, o Homem teria o direito de discordar da religiosidade
vigente sem receber punição do Estado, e assim teria autonomia de livre-pensar.327
O debate desse conceito prossegue sendo discutido pelos iluministas no
século XVII. Desta maneira conseguimos perceber diversos estados ocidentais
procurando aplicar esse princípio das mais diferentes formas, especialmente através
do liberalismo, ideal nascido para ser combatido diante dos abusos de poder dos
monarcas absolutistas, Assim, o liberalismo procurava garantir os direitos do

326
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
327
CHEHOUD, Heloísa Sanches Querino. Liberdade religiosa e laicidade: evolução histórica e
análise constitucional. Dissertação (Mestrado em Direito), PUC-SP, São Paulo, 2010, p.35.
212

indivíduo diante de um Estado soberano, e possuía uma moral racionalizada e


terrena, na qual o êxito do indivíduo se daria no próprio mundo vigente e seria
alcançado por meio de um espírito empreendedor na busca por lucro e sucesso
econômico.
Eis uma proposta terrena de felicidade se comparada à felicidade eterna do
reino metafísico celestial proposta pelo cristianismo, seja católico ou protestante.
Apesar das ideias secularizadas, o liberalismo é retratado como ―filho de um
movimento religioso‖, e que ―sem a libertação espiritual advinda da Reforma, o
pensamento liberal não teria se desenvolvido‖328. Notamos a absolvição das ideias
de liberdade de consciência do liberalismo sendo retiradas diretamente do
movimento da Reforma, o que revertia inclusive a proposta que o liberalismo tinha
para a relação entre religião e estado.

Nosso proposito é sublinhar a importância que revestiu para o


liberalismo a separação entre a religião e a moral social. Essa
ruptura, que é incontestavelmente obra do racionalismo, levou
o pensamento liberal a considerar que a religião é uma questão
privada entre o individuo e o seu Deus ou a sua Igreja.
Naturalmente, o homem pode subordinar a sua conduta social
à sua consciência religiosa, mas trata-se duma atitude que só a
ele diz respeito. Inversamente, desde que a moral social se
encontra separada da religião, as Igrejas devem abster-se de
intervir no plano temporal na organização das relações sociais:
O seu domínio é a salvação individual, e não é tarefa sua
construir ou reformar a sociedade. As luzes da fé e as da razão
não iluminam o mesmo mundo.329

Aqui, o racionalismo presente no pensamento liberal não condena a


religiosidade, mas condena a relação da religião com a esfera pública e a mantém
apenas na esfera privada, ou restringida ao foro íntimo, garantindo a liberdade de
consciência de cada fiel. Ao pôr a religião como um problema exclusivamente
privado, o liberalismo tenta apresentar o poder público como sendo uma esfera
indiferente à religiosidade.330 A aliança entre Justus Nelson e grupos políticos
liberais republicanos envolvia sua identificação com os valores que esses grupos
carregavam, incluindo a ideia de liberdade de pensamento, ideia cerne do
protestantismo e que a defesa de Justus Nelson se apropriava dela constantemente.

328
CHEHOUD, Heloísa Sanches Querino. Liberdade religiosa e laicidade: evolução histórica e
análise constitucional. Dissertação (Mestrado em Direito), PUC-SP, São Paulo, 2010, p.36
329
Burdeau, 1979, p.101. Apud: Ibidem, p.36.
330
Ibidem.
213

De início, o juiz de primeira instância absolveu Justus Nelson, e utilizou


como argumentação o conflito histórico entre católicos e protestantes e a ideia da
proteção à liberdade de manifestação de pensamento.

[...] como já sabemos, Justus Nelson, de início, foi inocentado,


mas, em segunda instancia foi condenado para cumprir uma
pena média de 4 meses e 3 dias de prisão, como o próprio
Justus Nelson relata em sua última publicação. Que já entre
essas duas religiões o mesmo fundo de religiosidade,
aceitando ambas como um dogma a divindade de Jesus e
autenticidade dos textos Evangelicos, como pensa o edurido
Eduardo Hartmann em sua obra ―A religião do futuro‖ onde
classifica aquella como heterônoma e esta como autônoma;
mas que, comtudo, diferem as mesmas religiões entre si sobre
o modo de interpretar o Evangelho e d‘ahi a continua e
interminável controvérsia da veracidade e autenticidade
d‘aqueles textos evangélicos que o Catholicismo confere á
Igreja o poder infalível e absoluto de interpretar, legislando em
matéria de crenças, e o protestantismo admite-os como
verídicos recusando á Igreja aquelle poder e autoridade de
interpretal-as, permitindo o direito de Analyse á liberdade
(individual) da consciência, que tendo o Christianismo como
principio ethico fundamental- a obediência á vontade divina é
esse principio também seguido pelo protestantismo; mas Que,
comtudo é ainda a diferença entre as duas religiões
profundíssima, como affirma Julio de Mattos, porquanto, ao
dizer de Hartmann – ―no Catholicismo, a Igreja interpõe a sua
mediação entre Deus e o homem e por meio do Papa e do
confessor fornece a solução divida dos problemas Moraes, e o
principio protestante supprime a instancia intermdiaria e coloca
em presença um do outro, o homem e Deus, manifestando na
Escriptura a sua vontade‖ […] Que a condenação do accusado
seria por motivo de religião, porquanto é como Ministro da
Igreja Evangelica, propagador dos princípios methodistas
protestantes, que elle foi denunciado, o que ao que parece
seria uma lesão do pacto fundamental da Republica, e ao
Decreto No 119 A. de 7 de Janeiro de 1890 que concedeu a
todas as confissões religiosas igual faculdade de exercerem o
seu culto e regerem-se segundo a sua fe e que prohibe a
qualquer autoridade vedar qualquer religião, importando, por
isso, a condemnação do denunciado em um óbice oposto ao
culto protestante e lesão ao direito […]331

O juiz se utiliza do ideal da liberdade de pensamento como determinante


para inocentar Justus Nelson. Em sua decisão, pesou o momento político. O juiz
ressalta que condenar Justus Nelson por expressar seu pensamento seria ―uma
lesão ao pacto fundamental da república‖, relembrando o decreto que permitia

331
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 01/07/1892.
214

religiões acatólicas de se apropriarem dos mesmos direitos do catolicismo vigente. O


momento político, aqui, era marcado pelo início do período republicano, e seu corpo
jurídico conseguia dar ferramentas aos protestantes para que pudessem proferir sua
fé de forma legal, sem sofrer sanções. Defender a manifestação de pensamento e a
liberdade religiosa protestante, era, para o juiz, consolidar o pacto jurídico que o
período republicano trazia consigo: a liberdade religiosa e a liberdade de
pensamento individual.
Apesar disso, vemos que o promotor recorre, e no continuar do processo o
pastor metodista é condenado pela Procuradoria Geral da República.

[...] considerando que o denunciado villipendiou acto e objecto


do culto da religião catholica e desacatou os seus symbolos
como se evidencia dos períodos acima transcriptos; [...]
Considerando que o denunciado não póde prevalecer-se da
disposição do art. 179 do cit. Cod, para, á pretexto de
propaganda religiosa, lançar o ridículo sobre a imagem da
Virgem Maria e sobre as cerimonias do culto especial de
veneração (hyperdulia e não idolatria) que lhe tributam os
catholicos, pois a propaganda permitida pela lei (mesmo no
tempo em que a religião catholica era official) é a que se faz
por meio da analyse razoável dos princípios e usos religiosos,
o que de nenhum modo se pode confundir com a linguagem
usada pelo denunciado no aludido periodico; Considerando que
a disposição do art. 185 do Cod. Pen, seria inexquivel se
podesse ser interpretada como interpretou o juiz a quo:
Considerando que essa disposição é uma garantia para toda e
qualquer confissão religiosa, e de sua confrontação com o art.
179 resulta que apenas é prohibido o ultraje e não a analyse
razoável dos princípios e usos religiosos, a qual nunca abala e
menos prejudica a verdade […].

Na acusação e condenação em segunda instância, a ideia de liberdade de


pensamento e a questão da República são as principais pautas da ação
condenatória. Uma decisão judicial que se difere da anterior. Mas há aqui uma
tentativa do procurador em, mesmo não expondo de forma direta no debate a ideia
da liberdade religiosa, procurar contrariar o juiz ao dizer que ele não está
favorecendo a Igreja Católica, mas sim aplicando a lei que protegeria, não apenas o
catolicismo, mas todas as religiões. Ao mesmo tempo, ele refere que Justus Nelson
―lança ao ridículo a imagem da Virgem Maria‖, mostrando que, em seu
entendimento, questionar sobre a veracidade da devoção mariana à Virgem de
Nazaré era ridicularizar a simbologia católica da Virgem Maria. O procurador
215

entende e aplica a pena em grau médio, como Justus Nelson registra em seu jornal
―O Apologista Christão Brazileiro‖, em 1925:

Resultou a minha condenação em gráo médio, com pena de 4


meses, 3 dias e 12 horas de prisão em cadeia pública, São
José. Foi a primeira, a única e a derradeira vez que teve ou
terá a aparição [...] No Pará, e em todo o Brazil como também
no extrangeiro encontrou uma severa repreensão a noticia de
repressão Jesuítica a liberdade de pensamento.332

Justus Nelson ao dizer que houve uma repercussão nacional e até


internacional em torno do caso, reflete uma ação que fez ao relatar o caso de sua
condenação ao consul americano, que enviou uma nota de volta, na qual, entre
outras argumentações, dizia:

Peço que me releveis eu dizer-vos que eu pessoalmente não


tenho paciência com o fanatismo de pessoa alguma, que na
propaganda dos princípios de fé de qualquer seita se torna
odioso aos membros de uma seita contraria por meio das suas
expressões vis, e descommedidas (quer sejam da tribuna quer
pela imprensa); comtudo me compete dizer que embora taes
couzas me sejam muito abhorrecidas, não sou capaz de
imaginar como é, que n‘uma República livre, ‗na qual, por meio
de uma disposição Constitucional, a igreja se acha completa e
absolutamente separada do Estado, e na qual a mais plena
liberdade de manifestação de opinião é garantida a todos os
homens sem distincção de raça, seita, estado social ou
condição previa de servidão, - como é que as expressões feitas
pelos membros de uma seita, contra a fé religiosa de outra
possam ser consideradas legalmente como uma offensa tal
contra o Estado que venha a ser assumpto de inquérito perante
o tribunal criminal do Estado.333

As palavras do consul americano revelam uma indignação que mostra uma


aparente contradição do regime republicano brasileiro. Em uma República onde a
Igreja era juridicamente separada do Estado, há inquéritos denunciando pessoas de
ofenderem a Igreja Católica. Contudo, analisando o caso como um todo, podemos
fazer mais alguns acréscimos. Há pessoas nesse período sendo condenadas pelo
tribunal criminal do Estado, por ofensas à Igreja Católica e sendo denunciadas não
pelo clero, mas por autoridades jurídicas da região. A república brasileira imaginada
pelo consul era um regime em que a liberdade de manifestação de pensamento

332
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 1925.
333
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. Belém, 1892.
216

fosse plena, e que raças e religiosidades fossem tratadas como iguais perante a lei.
De certa forma, a república brasileira trazia consigo, como analisamos nesse
capítulo, um código penal que apontava para isso, mas a aplicabilidade desse
código pelos aplicadores da lei parecia estar privilegiando a religião majoritária, o
catolicismo vigente.
Com isso, precisamos apontar uma reflexão mais profunda, entender como
que a separação entre Igreja e Estado ocorrida no período republicano, em muitos
casos da vivência cotidiana, não era aplicada na prática, sendo o catolicismo uma
religião que mantinha privilégios.
Apesar das políticas de separação entre Igreja e Estado no Brasil, nas
primeiras décadas da República, aproximadamente 95% da população era
católica.334 Esses ideais nacionalistas, republicanos e laicos não modificaram a
estrutura religiosa de forma abrupta. Na verdade, não apenas o Brasil, mas o
ocidente continuou hegemonicamente cristão, seja de linha católica ou protestante,
mesmo nos países considerados ―laicos‖. Até mesmo a França manteve a maior
parte da população católica, ainda que aplicando uma laicidade conflituosa com a
religiosidade vigente. O Brasil, no decorrer do século XX, é considerado um dos
países mais religiosos do ocidente. O que notamos aqui são ideais secularizados
circulando em uma sociedade ainda profundamente religiosa. Especialmente o
Brasil, onde a maioria esmagadora da população era católica.
Ao analisarmos o processo de implantação da separação entre Igreja e
Estado no Brasil, notamos que ela se diferencia de outros modelos de implantação
de separação ocorridos no ocidente. Se tomarmos o estado francês como exemplo,
onde após as tentativas de separação entre Igreja e Estado serem feitas a partir de
diversas tensões após a Revolução Francesa, com políticas que expressavam uma
agressiva rejeição à religião vigente, mesmo a república brasileira buscando
inspiração francesa, o fenômeno da relação Igreja e Estado no Brasil se difere.
Notamos que o modelo civil de separação entre Igreja e Estado tem similaridades
com o modelo norte-americano, um modelo laico de um país hegemonicamente
protestante, onde não se valorizava não uma ―descristianização‖335 como ocorreu na

334
O primeiro censo brasileiro no período republicano a quantificar o número de religiosos no Brasil
foi em 1940, onde este apurou que 95,2% eram católicos.
335
O termo ―descristianização‖ é utilizado por Fernando Catroga em seu livro ―Entre deuses de
césares: Secularização, laicidade e religião civil‖, no qual, ao analisar o processo de laicidade
francês, mostra que os intelectuais franceses iniciaram uma campanha de separação entre Igreja e
217

França, mas de uma religião que permanecia na mentalidade de seu povo e era
importante para o desenvolvimento da nação. Mesmo os norte-americanos não
possuindo uma nação oficial, a crença majoritária protestante interferia diretamente
nas decisões do Estado.
Diferentemente de países como a França, os norte-americanos EUA
procuraram conciliar a sua sociedade, em que predominava a religiosidade
protestante, com um estado formado por ideais iluministas e deístas. 336
A primeira emenda constitucional relacionada à separação entre Igreja e
Estado foi realizada pelos Estados Unidos, país predominantemente protestante.
Menos de uma década depois de sua separação oficial com o Reino Unido, eles
registram na construção da constituição americana que ―a liberdade religiosa foi
garantida na primeira emenda, em duas cláusulas, a do livre exercício da religião e a
da separação entre Igreja e Estado e confissão religiosa‖ 337. Mas aqui,
diferentemente da França, há uma contínua predominância cristã, especialmente a
protestante, na qual ―o cristianismo reina pois sem obstáculos, segundo o
testemunho de todos‖338. Na obra ―A democracia da América‖, Alexis de Tocqueville
nos mostra que a ideia de separação entre Igreja e Estado era uma unanimidade
entre as autoridades religiosas339, e que ―a religião nunca se envolve diretamente no
governo da sociedade‖340. Todavia, o próprio prestígio que o cristianismo tem diante
da sociedade norte-americana faz com que essa exerça influência direta no Estado,
como registrado pelo próprio Toqueville:

Nos Estados Unidos, quando um homem político ataca uma


seita, não é uma razão para que os partidários dessa seita não
o apoiem; mas se ele ataca todas as seitas juntas, todos o
evitam e ele fica só. Quando eu estava na América, uma
testemunha se apresentou ao tribunal do condado de Chester

Estado a partir da Revolução Francesa que perdurou no decorrer dos séculos, embuída de um forte
―anti-clericalismo‖ que, no desenvolver da ideia, o autor conta que após alguns anos os laicistas
franceses já estavam defendendo uma descristianização em que nenhum elemento simbólico ou ideal
que relevasse uma cosmovisão cristã é aceito entre instituições de Estado. Ele esmiúça essa ideia no
capítulo ―Anatemizações da modernidade‖ e em ―Clericalismo, anticlericalismo, descristianização‖,
nas páginas 286 e 304, respectivamente. CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Césares:
secularização, laicidade e religião civil. Coimbra, Portugal: Almedina, 2010.
336
Ibidem, p.157.
337
CHEHOUD, Heloísa Sanches Querino. Liberdade religiosa e laicidade: evolução histórica e
análise constitucional. Dissertação (Mestrado em Direito), PUC-SP, São Paulo, 2010, p.39.
338
TOQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e opiniões. São Paulo: Martins
Fontes, 2014, p.343.
339
Ibidem, p.146.
340
Ibidem, p.144.
218

(Estado de Nova York) e declarou que não acreditava em Deus


e na imortalidade da alma. O presidente do júri recusou-se a
receber seu juramento, considerando-se que, disse ele, a
testemunha destruíra previamente toda a fé que se podia dar
em suas palavras. Os jornais relataram o fato sem
comentário.341

Seja na forma da construção política do estado norte-americano, desde a


sua organização republicana, na eleição de seus representantes políticos e
autoridades estatais ou até mesmo na aplicabilidade de suas leis, ela sempre era
baseada em um ethos cristão protestante, no qual liberdade religiosa e
protestantismo caminham juntos e são indissociáveis entre si. A religiosidade é tão
importante na escolha de suas autoridades políticas que há grande impossibilidade
de um candidato agnóstico ou ateu se tornar uma autoridade política de autograu
como um presidente da república, por exemplo. Isso é fato se analisarmos os
próprios rituais e juramentos que um candidato precisa exercer (o compromisso de
governar uma nação abençoada por Deus), assim como pela própria população que
parte da premissa que seu modelo republicano é ―abençoado por Deus‖ e, portanto,
precisa ser gerido por um líder que comungue a mesma fé da nação.
A diferença é que, enquanto os Estados Unidos eram majoritariamente
protestantes, no Brasil o protestantismo era minoritário, sendo a nação brasileira
hegemonicamente católica. Mas notamos um fenômeno semelhante aqui: uma
democracia que estava sendo construída sobre um país majoritariamente católico,
no qual a maior parte da sociedade, incluindo autoridades de estado, tinham o
catolicismo como seu principal dogma de fé. Um catolicismo, como já dissemos,
sincrético, polissêmico e que atingia as diferentes classes populares e influenciava
diretamente na democracia e na própria aplicabilidade das leis que surgiram após a
Constituição.
Esse fenômeno político e religioso era algo reconhecido até pelos
legisladores constitucionalistas. Rui Barbosa procurava, ao trabalhar a constituição
republicana em princípios religiosos, se assemelhar mais à constituição norte-
americana que ao princípio constitucional francês.

341
TOQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: sentimentos e opiniões. São Paulo: Martins
Fontes, 2014, p.345.
219

[...] o constitucionalismo americano repele essa uniformidade


ateia, cuja superstição professa a República no Brasil, e que
não estava decerto nos intuitos dos seus fundadores. Desde
1876 que eu escrevia e pregava contra o consórcio da Igreja
com o Estado; mas nunca o fiz em nome da irreligião: sempre,
em nome da liberdade. […] Foi sob esse pensamento que
adotamos a Constituição de 1891. Tínhamos, então, os olhos
fitos nos Estados Unidos; e o que os Estados Unidos nos
mostravam, era a liberdade religiosa, não a liberdade
materialista. Naquele país a incredulidade possui também o
seu grupo, que advoga a tributação dos cultos, a supressão
dos capelães, a abolição de todos os serviços religiosos
custeados pelo Tesouro, a extinção do juramento, a
substituição, nas leis, da moral cristã pela moral natural. Mas
esse programa, formulado ali há trinta anos, definha enquistado
na seita que o concebeu. "Nós somos um povo cristão", diz o
juiz Kent, um dos patriarcas da jurisprudência americana, "e a
nossa moralidade política está profundamente enxertada no
cristianismo". […] Na República norte-americana a superfície
moral do país estava mais ou menos igualmente dividida entre
uma variedade notável de confissões religiosas. No Brasil o
catolicismo era a religião geral; o protestantismo, o deísmo, o
positivismo, o ateísmo, exceções circunscritas. De modo que,
enquanto nos Estados Unidos a igualdade religiosa constituía
uma necessidade sentida, mais ou menos, no mesmo grau, por
todas as comunhões, entre nós ela representava tão somente
aspirações da minoria. A liberdade de cultos veio satisfazer, em
boa justiça, à condição opressiva dessas dissidências
maltratadas pela exclusão oficial, mas não invertê-la contra a
consciência da maioria. […]342

Rui Barbosa, como um dos constitucionalistas, procurou aplicar no Brasil


uma moralidade política atrelada ao cristianismo semelhante ao regime norte-
americano, menosprezando as correntes de pensamento que flertavam com o
ateísmo para fazerem parte da constituição republicana. O jurista reconhece uma
maioria da população de religiosidade católica, e a liberdade religiosa procura
minimizar os conflitos que grupos acatólicos minoritários tinham, mas reconhecia
que o regime continuaria respeitando a ―consciência da maioria‖.
O que podemos notar ao analisar essas discussões sobre a relação entre
Igreja e Estado, e analisando especialmente o caso de Justus Nelson, é que durante
a história ocidental, por mais o catolicismo fosse desvinculado do Estado, na prática
a religião continua exercendo poder através do Estado. A separação entre Igreja e
Estado não impedia a mistura entre religião e política. As sociedades ainda que
juridicamente tenham adotado para si a separação oficial entre as religiosidades
342
Apud: LEITE, Fábio Carvalho. O laicismo e outros exageros sobre a Primeira República no Brasil.
Religião & Sociedade. Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, 2011.
220

presentes e o Estado, na prática notamos um Estado ainda fortemente influenciado


pela religiosidade local, e isso se explica na própria ideia do que seria um ―Estado‖,
como uma instituição que tem como função a fixação de regras e sua execução. 343
Essas ―regras‖ se tornam um modelo jurídico que se constrói a partir dos próprios
valores presentes naquela sociedade. Se a mentalidade social e os valores morais
constituídos são influenciados pela religiosidade hegemônica, tanto o corpo jurídico
como a aplicabilidade do Estado para essas leis terá intervenção religiosa, e casos
como o de Justus Nelson explicitam claramente esse fenômeno. ―O Estado não tem
religião, mas o povo que é a razão para a existência de um Estado, tem‖344.

A relação entre religião e Estado no Brasil, apesar do


rompimento formal e constitucional desde 1891, ainda
permanece na memória e na cultura do país. A continuidade
dessa relação não pode ser vista, necessariamente, como
irregular, porque o ser humano é, em sua essência, um ser
religioso, que acredita em Deus tanto por causa de mistérios
encobertos como por causa de mistérios descobertos. Nesse
contexto, é impossível separar total e absolutamente o poder
político do poder religioso. A teoria da separação entre Religião
e Estado é, portanto, uma utopia.345

A própria ideia de separação entre Igreja e Estado, como vimos, é fruto de


países ocidentais hegemonicamente cristãos; porém, o que notamos é que, como no
caso de Justus Nelson, o próprio cristianismo vigente em cada região declarada
―separada do Estado‖ acaba ultrapassando a barreira jurídica e obtendo vantagens
diante do Estado laico e republicano. Ainda notamos a mesma relação entre religião
e Estado presente nas sociedades modernas do final do século XIX e início do XX,
especialmente no Brasil com sua predominância religiosa, mas também em várias
das demais sociedades hegemonicamente religiosas no decorrer da história.
Compactuamos, com isso, que a separação entre religião e Estado se
mostra utópica, como nos apresenta Jacintho Sousa. Para entender melhor o porquê
a separação de Igreja e Estado diversas vezes falha na prática cotidiana, e por que
essa teoria é utópica, vale citar Bourdieu novamente: ―Assim, quando as relações de
força são favoráveis à Igreja, a consolidação dessa depende da supressão do
profeta (ou da seita) por meio da violência física ou simbólica‖, justamente o que
343
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007.
344
SOUZA, Jacintho de. Separação entre religião e Estado no Brasil: utopia constitucional? Tese
(Doutorado em Direito, Estado e Sociedade), PUC-SP, São Paulo, 2009, p.318.
345
Ibidem, p.289.
221

vimos no embate entre católicos e protestantes e católicos e pentecostais. No


julgamento de Justus Nelson, notamos novamente a supressão do profeta contrário
à religião hegemônica, como aponta Bourdieu, mas nesse caso Justus Nelson
atacou diretamente um símbolo do catolicismo local, ferindo um valor social presente
não apenas ao clero, mas as autoridades de estado que pertenciam a essa religião.
Eis o porquê a questão do símbolo é discutida nesse julgamento.
A ideia de Símbolo está bastante presente na pesquisa, e também é um
conceito discutido no próprio julgamento. Há uma variedade de discussões
envolvendo diversos autores sobre o conceito de ―Símbolo‖, e, por isso, poucas são
as conclusões sobre o assunto. Rodrigo Franklin nos mostra as visões de alguns
autores que discutem o tema. O autor apresenta as ideias de ―Lótman‖, que retrata o
símbolo como um objeto que aponta para outro objeto, em que o ―conteúdo para
qual o símbolo aponta seria algo que, em dada cultura, teria um valor maior do que o
símbolo em si. O símbolo aponta para algo maior que si mesmo‖346.
Verena Kast, levanta algo semelhante. Segundo a autora, o símbolo é como
um sinal de reconhecimento, um sinal materializável de uma ideia invisível e
idealizada. Pode ser um anel que simboliza uma aliança de casamento ou a cor azul
representando a paz. O símbolo se manifesta através de iconografias, sinais, e
pessoas atribuem a ele significado. Os autores aqui convergem na ideia de que o
símbolo representa um significado que permeia um objeto. Por trás de determinados
artefatos, há um poderoso significado social.
A partir dessa análise, podemos contextualizar, para a nossa pesquisa, em
que símbolos aparecem constantemente para mostrar significados diante de um
grupo de pessoas, que são eles também os nomes de ruas e o próprio Monumento à
República construído no centro da praça, em Belém, indicando um novo tempo
advindo do regime republicano. Assim como a basílica de Nazaré, construída em um
período semelhante, que traz a grandiosidade da Igreja Católica frente ao
Monumento à República; e a própria Virgem de Nazaré, a figura mais importante do
imaginário católico paraense que dá força simbólica à basílica, ao Círio e a outros
elementos da religiosidade católica. A imagem da Virgem de Nazaré possui um

346
SOUSA, Rodrigo Franklin de. Símbolos, memória e a semiótica da cultura: a religião entre a
estrutura e o texto. Estudos de Religião. São Bernardo do Campo - SP, v. 29, n. 1, 2015, p.73.
KAST, Verena. A dinâmica dos símbolos. São Paulo: Loyola, 1997.
222

significado em certa medida oculto que remete à própria reencarnação de Maria,


mãe de Jesus.
As sociedades registradas pela história sempre tiveram uma religiosidade
que as norteava, muitas distintas entre si, mas que influenciavam a dinâmica social
de cada grupo. ―Segundo Franklin, esses fenômenos religiosos se concretizarão por
meio de símbolos, textos e da interação dinâmica entre expressões simbólicas
religiosas e todos os discursos que circulam na cultura‖
Para Pierre Bourdieu, a religião atua com um princípio de estrutura simbólica
que constrói a experiência do fiel a partir da imposição de verdades indiscutíveis e
legitimadas pelo ―efeito de consagração‖, em que se consagra um discurso e um
grupo de pessoas que são os porta vozes desse discurso, transpassando uma
narrativa de verdades, normas e comportamentos retratados como absolutos, em
que o fiel precisa exercê-los para alcançar a ética ideal que aquela religião defende.
Toda essa estrutura de significados presentes na religião dá mais força aos
símbolos, especialmente com as práticas e representações que consagram os
elementos religiosos. Os símbolos religiosos, para Bourdieu, estão dialogando
constantemente com o discurso religioso, sendo que o discurso carrega de
significado o símbolo.347
Vale acrescentar aqui outra perspectiva de Bourdieu que nos faz entender
melhor a diferença de valorização das simbologias religiosas: a diferença do sistema
de consagração das religiões dominantes. Enquanto majoritária, determinada
religião detém um poder de consagração mais amplo por permear diferentes classes
sociais, e a sua legitimação, enquanto religião verdadeira, ―não pode realizar-se sem
que antes esteja especificada em função dos interesses religiosos ligados às
diferentes posições na estrutura social‖348.
A força que um símbolo vinculado a uma divindade possuí também é
retratado pelo autor Mário Ferreira dos Santos na sua obra ―Tratado de Simbólica‖,
que mostra a relação entre símbolo e religião.

A inteligência humana participa de uma inteligência superior


divina, que está em estado absoluto. O símbolo, portanto,
indica com a sua formalidade em estado limitado, a referência
a uma forma de estado superior ou absoluto. Por isso, o
símbolo é hierarquicamente inferior ao simbolizado.
347
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.46.
348
Ibidem, p.48.
223

Exemplifiquemos: o touro revela força e potência. A divindade é


força, é potência, e, desse modo, o touro poderá simbolizar a
divindade, como vemos em diversas religiões, como o culto a
Mitra, por exemplo. Por sua vez, o touro pode simbolizar o sol,
e este à divindade. Há assim uma ascenção hierárquica do
símbolo para o simbolizado, que, por sua vez, é símbolo do
simbolizado superior.349

Pelas análises de Bourdieu e Mário Ferreira dos Santos, estamos apontando


os símbolos religiosos como ícones que representam algo superior a eles mesmos.
Ao analisar as simbologias religiosas, estamos lidando com iconografias que
representam seres metafísicos, superiores e divinos, dando assim um significado
muito mais poderoso àquele símbolo. Quando notamos a interpretação dos
paraenses à imagem da Virgem de Nazaré, percebemos o quanto a ela é atribuído
um significado de divindade, representando Maria, a mãe de Jesus Cristo. Macular
esse símbolo equivale a profanar essa divindade metafísica, superior à
materialidade visível e tão iconizada pelos paraenses.
Acreditamos que isso pode ser um diferencial se compararmos dois artefatos
simbólicos importantes para católicos e protestantes no Pará, a imagem da Virgem
de Nazaré e a Bíblia. A Bíblia, por mais que seja um livro sagrado também para o
catolicismo, não tem para estes uma historicidade dogmática a ponto do catolicismo
construir em torno dela um efeito de consagração como ocorreu com a imagem da
Virgem de Nazaré no Pará, que era constantemente associada à ideia de divindade;
o catolicismo, além de ser uma religião hegemônica da sociedade paraense, do
iletrado ao intelectual, do pobre ao abastado, traz uma crença une a Virgem de
Nazaré como um ser divino. A Bíblia, por mais que fosse um elemento do
catolicismo paraense, não é um artefato protagonista para uma sociedade de
maioria católica como a imagem de santos. Ferir a Bíblia como um artefato simbólico
não causa um efeito social na região, como macular a imagem da Virgem. A
maculação de um símbolo religioso tão significativo para a religião dominante no
Pará leva toda uma estrutura social, influenciada por essa religiosidade, a uma
reação de revolta e desejo de punição ao seu maculador.
O caso de Justus Nelson (assim como o caso de Gunnar Vingren e Daniel
Berg, e suas respectivas violências e prisões) nos mostra que essas tensões entre
católicos e protestantes no período republicano vão além de uma briga puramente

349
SANTOS, Mário Ferreira. Tratado de Simbólica. São Paulo: É Realizações, 2007, p.68.
224

religiosa, mas de um protestantismo minoritário contra um catolicismo ainda


fortemente presente na sociedade. Mesmo com a separação oficial da Igreja
Católica com o estado no Brasil República, o posicionamento do Estado em diversos
momentos convergia com a cosmovisão hegemônica católica ainda fortemente
presente na cidade, principalmente por meio da devoção mariana representada pela
figura da Virgem de Nazaré.
Percebemos que os embates entre católicos e protestantes, presentes no
país desde o período imperial, no período republicano em Belém ganhavam novos
atores, posicionamentos e diferenciações, onde notamos ineditismos, como
periódicos protestantes locais, novos movimentos que surgiam, que provocavam
embates de um catolicismo particularizado da cidade, além de fortemente presente
na mentalidade local e ainda fortemente atrelado ao Estado através de sua
hegemonia em Belém. E do outro, um protestantismo que procura se expandir e
consolidar como religiosidade, como um grupo contra-hegemônico, continuando os
seus proselitismos religiosos, suas novas dinâmicas e discursos religiosos em
jornais locais; uma fé mais mística que dialogava melhor com o católico popular
paraense, promovendo não apenas sua expansão, como uma resistência dos
católicos mais intensa e diferenciada.
Acreditamos que a maior diferenciação desses embates se dava pelo
momento político que o país vivia, em que as ideias de um Estado separado de uma
religião oficial, trazida desde o Império e concretizadas no período republicano,
trazem questões ainda mais profundas que querelas religiosas isoladas, como a
liberdade de pensamento, os direitos civis, o papel do Estado diante da expressão
de fé de cada indivíduo. São questões que a República carrega e que se mesclam
ao posicionamento religioso de católicos e protestantes. O protestantismo, como
grupo minoritário, agora tinha uma liberdade religiosa e direitos civis que
juridicamente lhe eram negados no Império, e que procuram se valer desses direitos
para reforçar seu próprio proselitismo religioso, e eis o motivo do posicionamento
deles ser tão favorável à República.
Por outro lado, vimos que, por mais que não houvesse um atrelamento
oficial da Igreja Católica com o Estado, essa mescla entre ambos continuava a
ocorrer em diversos casos, pois esse fenômeno estava além da questão
institucional, visto que muitas das autoridades políticas ainda eram católicas e se
identificavam com o catolicismo se apropriando de seus símbolos, e, assim, se
225

utilizavam de muitas instituições estatais como um aparelho político para coibir


certas práticas e discursos protestantes que ferissem suas crenças, mostrando que
o poder da Igreja Católica ia muito além de leis oficiais, mas se atrelava fortemente a
toda uma hegemonia de pensamento do catolicismo que ainda perdurava no país,
especialmente no Pará. Como nos afirma Chantal: ――Falar de separação entre Igreja
e Estado, portanto, é uma coisa; outra é falar de separação entre religião e política‖.
E tanto este quanto o próximo capítulo nos evidenciarão claramente essa fala.
226

CAPÍTULO V – CRISTIANISMO E REPÚBLICA:


A DISPUTA PELA “RELIGIÃO NACIONAL”

O Estado deve impor-se a si mesmo, sem precisar para o seu


prestígio, de religião alguma, senão de uma lei justa e boa que
olhe para todo o cidadão, sem distinção, sem parcialidade,
como filho do mesmo torrão estremecido como um rebento da
mesma pátria abençoada, esperando de cada um o
cumprimento de seus deveres cívicos [...] De igual modo a
igreja, seja ela católica romana ou evangélica, ou mesmo
qualquer outro crédo, deverá impor-se pelo seu valor moral
sem precisar do prestígio oficial, tendo deante de si um terreno
franco, em uma atmosfera livre, para manifestar ao povo os
seus princípios e agir de acordo que não ofenda a moral
pública e as leis do paiz. ―Dae a cezar o que é de cezar e a
Deus o que é de Deus‖. [...]350

Até então, nós abordamos as principais vertentes cristãs que se


estruturaram no país presentes desde o período colonial, e que seguiram durante o
período imperial republicano. Detalhamos um pouco sobre a consolidação de
católicos e protestantes na sociedade paraense, enfocando a cidade de Belém do
Pará.
Vimos um catolicismo europeu que se instaurava na Amazônia como a
religião oficial da sociedade. Um fenômeno que ocorreu no país inteiro, mas, ainda
assim, no Pará teve certas particularidades, em especial seu misticismo aflorado e a
forte devoção mariana, tendo como principal símbolo a Virgem de Nazaré e toda a
religiosidade presente em torno dela, desde devoções a festividades.
Também falamos de um protestantismo que procurava crescer no país como
grupo minoritário, buscando se associar a elites imperiais da corte no período
imperial, grupos políticos e pessoas poderosas para tentar consolidar e expandir sua
religião em um estado onde a religião oficial era o catolicismo. Atuava sempre como
um grupo contra-hegemônico, procurando professar o protestantismo como a
verdadeira religião e o catolicismo como uma religião apostata. No Pará, figuras
como Justus Nelson, Eurico Nelson, Antônio Teixeira Gueiros, Gunnar Vingren e
Daniel Berg foram, através de suas respectivas denominações, fortemente
expressivas para consolidar o minoritário movimento protestante na cidade.

350
NORTE EVANGÉLICO. Garanhus, 1925.
227

Retratamos as constantes tensões entre essas duas vertentes religiosas. No


campo religioso, havia embates que ocupavam as páginas dos periódicos
confessionais, e também os periódicos da chamada grande imprensa. Notamos
embates que iam da violência simbólica à física, envolvendo desde uma
desconstrução de seus principais simbolismos religiosos até agressões físicas e
prisões.
No decorrer da pesquisa, notamos a associação do catolicismo e
protestantismo ao Estado, especialmente ao novo estado republicano agora
consolidado. Com uma nova constituição, trazendo um Código Penal que busca
promover a liberdade religiosa, fazendo com que protestantes se valessem dessa lei
para se consolidar como religiosidade; notamos que o catolicismo ainda possuía
uma poderosa influência em meio a autoridades de estado locais, ainda que não
fosse mais a religião oficial do país.
Nesse capítulo, mostraremos como nesse novo momento político do país,
em um estado republicano e sem uma igreja oficial, católicos e protestantes com
seus discursos de hegemonia procuravam mostrar quais seriam seus papéis sociais
se estivessem atrelados ao Estado, como cada uma traria benefícios a nação, desde
a preservação na unidade nacional até sua prosperidade econômica, levando o país
a níveis de países desenvolvidos. Notamos, assim, que essas duas religiosidades
travavam uma disputa pelo título de religiões nacionais, construindo projetos de
hegemonia em seus veículos de imprensa, mostrando uma disputa que já se
encaminhava para além das questões religiosas, mas alicerçadas em projetos de
poder. Por mais que houvesse uma separação entre Igreja e Estado, ainda havia um
constante discurso conectivo entre religião e política.

5.1 ―A RAINHA DAS NAÇÕES‖: O CATOLICISMO E A REPRESENTAÇÃO DA


IGREJA COMO REDENTORA SOCIAL DA EUROPA

No decorrer dos capítulos, vimos o quanto a Igreja Católica se


autorrepresentava como uma instituição que detinha e propagava a verdadeira
religião, o canal de salvação espiritual para a humanidade. Ao analisarmos o
decorrer das matérias do jornal ―A Palavra‖, também percebemos o catolicismo se
autoproclamando como uma religiosidade que promove a prosperidade econômica e
social para as nações, e avisando que o inverso pode ocorre quando a fé católica é
228

abandonada, crises econômicas e regimes totalitários surgem. Como exemplo temos


a matéria ―A Europa está sofrendo o castigo de sua apostasia‖, na qual o autor
aborda a Europa como sendo ―A parte do mundo mais beneficiada pelo
Cristianismo‖, mostrando supostas qualidades e benefícios que o catolicismo
instituiu no continente:

A quem muito se dá a quem pede, disse Jesus Christo. A


Europa foi a parte do mundo mais beneficiada pelo
Christianismo e por isso deveria ser a primeira a zelar a honra
e glória de Deus. A defender o interesse da Egreja e a
salvação eterna dessas almas. S. Pedro assentou em Roma a
sua carreira pontifícia, fazendo desta cidade o centro da
christandade e ali se veneram suas sagradas relíquias. Foi dali
que a Egreja mandou os primeiros pregoeiros do evangelho,
levar a luz de Christo e com ela a civilização aos povos
mergulhados nas trevas do paganismo, corroídos de vícios,
sentados nas sombras da morte. Foi a egreja que fundou as
escolas, os asylos, academias, onde a par das sciencias, das
artes, da agricultura, se cultivava a virtude, regenerando os
costumes, ensinando os homens a amarem-se. Foi da Europa
que sahiram os grandes sábios, os intemeratos navegadores,
os grandes heroes e os grandes santos. Os bárbaros do norte
invadem cheios de furor, o império romano, mas a Egreja
chama-os para junto de si e senta-os a mesa da civilização
Christã. Foi da Europa, que partiram os seminários para o
mundo, á conquista do mundo para Christo. Levando a luz
brilhante do evangelho para os confins da terra e fazendo-a a
rainha das nações. Porém, vieram os tempos modernos e
homens exaltados, já aborrecidos como os hebreus no deserto,
do maná celeste, apeteceram de novo as cebolas do Egypto,
principiaram a mormurar contra Moyses, isto é, contra Christo e
sua egreja.351

Quando avaliamos os elogios feitos a essa Europa cristianizada e sua


missão cumprida de levar o cristianismo aos povos bárbaros, não notamos apenas
que havia referências a uma missão salvífica no âmbito espiritual feita pelos
católicos aos povos pagãos, mas eles também levavam a ―civilização‖ a esses
povos, aqui taxados como incivilizados. Assim, o catolicismo é posto como a própria
instituição que transformou a Europa em um continente ―civilizado‖, atribuindo à
Igreja méritos como fundar escolas, asilos, academias e grandes instituições.
No decorrer da matéria, o jornal vai narrando a forma de apostasia que
surgiu com os ―tempos modernos‖, falando sobre a Revolução Francesa, o

351
A PALAVRA. ―A Europa está sofrendo o castigo de sua apostasia‖. Belém, 03/02/1938.
229

patriotismo e a instituição do divórcio. Sendo que o início dessa apostasia teria sido
a adesão de parte da Europa ao protestantismo:

E que faz Deus? Mandou-lhes cordonizes e serpentes


venenosas, contra as quaes estão luctando sem resultado. Ahi
está a serpente de bronze, a Cruz do salvador, mas elles a não
querem fitar. Revoltados contra a egreja, onde se conserva
o maná celeste, inventaram o protestantismo, veio a
revolução franceza de 1789 e foram queimadas as egrejas,
os conventos e massacrados sacerdotes, religiosos,
profanados os sacrários e em Paris, em logar da virgem foi
adorada uma prostituta. As nações da Europa divorciaram-
se da Egreja e de Christo, (grifo nosso) roubaram os bens
destinados aos pobres, ás missões, ao culto divino; fecharam
os seminários, profanaram a família, com o chamado
casamento civil, instituíram o divorcio, expulsaram Christo das
escolas e prohibiram de falar as creanças o nome de Deus,
materializaram o militarismo, collocaram a frente das nações
homens descrentes sem consciência, sem dignidade, sem
honra, sem patriotismo e sem vergonha, os quaes continuam
sendo os parasitas e o flagelo dos povos. Assim
corresponderam quase todas as nações da Europa aos
benefícios recebidos do céu. A russia e a Hespania são dois
mares de sangue derramados com inaudito furor, uma
crueldade como não há outra na história. O que succederá? O
futuro só a Deus pertence, mas a Europa está a beira de um
vulcão, minada nos seus alicerces, anarchisada, enraivecida
contra Deus e o seu Christo. Bem póde de um momento para o
outro, uma faísca, pegar o fogo a esse montão de palha, e os
homens devorarem-se como feras no circo. E não haverá
remédio para tão grandes males? Há, é voltarem as nações a
Christo, de quem se divorciaram. Estarão dispostos a faze-lo?
Ou continuarão na sua apostasia? E‘ certo que muitos homens
perante a catrastophe imminente estão abrindo os olhos,
porém outros continuam na sua cegueira. Ai da Europa, ai do
mundo, se Deus abre a sua divina mão e entrega os homens
ao furor de suas paixões. ―Jesus é o caminho, a verdade e a
vida‖ fora dElle não há felicidade, porque não há amor.352

Pouco é dito sobre o protestantismo nessa matéria, mas daí já notamos ele
sendo responsabilizado como o iniciador da derrocada, pois ―inventaram o
protestantismo, veio a revolução francesa...‖. O protestantismo é retratado como um
marco histórico inicial, não apenas para um abalo do catolicismo europeu, mas
consequentemente como o início do decorrer de outros males que a Europa sofreu
em seus períodos posteriores.

352
A PALAVRA. Belém, 03/02/1938.
230

A Igreja Católica se mostra como a representante da manutenção do bem


comum da Europa, aquela que criou e sustenta a ordem e a prosperidade Europeia.
O texto é construído em forma de alerta, um chamado ao arrependimento, a Europa
precisaria se arrepender de sua ―apostasia‖ representada pela religião protestante,
pelos ideais da Revolução Francesa e das autoridades políticas não cristãs. Se o
catolicismo era a ordem e a prosperidade, os ideais acatólicos eram o caos e a
morte. Incorporá-los ao continente era correr o risco de sofrer a ira de Deus e perder
toda a prosperidade conquistada até o presente momento.
Essa representação da Igreja Católica como a redentora e salvadora da
Europa é uma representação recorrente no decorrer das matérias do jornal católico
―A Palavra‖. O texto desenha a igreja como um verdadeiro baluarte da civilização
ocidental, a propagadora do cristianismo que levava as pessoas à ―luz do mundo‖
remetendo a salvação espiritual e civilizacional desses povos.
A matéria “O compadrio dos protestantes, atheus e jacobinos” nos revela um
pouco mais sobre a associação que o jornal fazia ao catolicismo na Europa, assim
como a representação que fazia ao protestantismo:

Repararam alguma vez a sympathia dos jacobinos pelo


protestantismo? Um exemplo entre mil: na obra da laicisação o
finado Combes feriu as escolas catholicas, nunca as
protestantes. Bem ao contrário, teve como auxiliares certos
huguenotes como Pécaut, Fernando Buísson, Révillau, Monod,
e outros próceres da Bíblia. Outro exemplo: A Communa de
Paris, nascida em 1870 do papae Atheismo, fuzilou o
Arcebispo com uma dúzia de padres, mas não perturbou a
digestão de nenhum predicante. Essa atitude tiveram os buiças
de Lisboa em 1910 e tem actualmente os extremistas de
Hespanha: enquanto os convenctos são vitimas de saques e
incendios as casas do culto bíblico permanecem inclumes.
Mais um exemplo para findarmos essa enumeração: O
kulturkampf de Bismark que aprisionou os bispos e padres,
numa hora de desvario, jamais mexeu com os clericais
Lutheranos.353

Percebe-se claramente a construção do protestantismo feita pelo jornal


como sendo uma ―seita‖ associada a grupos sociais que perseguem o catolicismo,
não só moralmente como fisicamente, destruindo suas instituições e matando
clérigos em alguns períodos da história. Um discurso que procura mostrar a
periculosidade do protestantismo, um tipo de ―inimigo‖ que se associa a outros

353
A PALAVRA. Belém, 25/10/1931.
231

inimigos que perseguem violentamente a Igreja Católica. Atrelando assim o


protestantismo a um discurso belicista, no qual os protestantes são inimigos da fé,
historicamente violentos, perseguindo os cristãos fisicamente. Este era um
argumento retórico que vimos constantemente no terceiro capítulo, mas agora o
jornal se utiliza de fatos históricos ocorridos na França para mostrar como os
protestantes são danosos não apenas à Igreja, mas que se utiliza da França como
um terreno de estudos e testes para lançar novo ataque: que o protestantismo é
uma fé violenta, que se alia a revolucionários e grupos sociais danosos à sociedade
em geral.
No mais, o texto continua:

[...] A pseudo-reforma matou a fé golpes de facão no dogma


chistão, matou a moral com a dispensa das boas obras; matou
a disciplina e a jerarchia com a pullulação das seitas; matou o
culto com o local dos oratórios em salas de clubs; e matou a
sciencia e o livre exame, que nivela o nescio com o sabio. O
protestantismo morreu com a parte religiosa, pelo menos o
protestantismo impingido aos brasileiros. E‘ foco de
anticlericalismo, onde ensinam a debicar padres, a insultar
cacholicos, a baixar ritos e a impugnar pontos de fé. ―Em
Belém vemos a maçonaria, a espiritança e a theosophistaria às
ordens do biblioclerical Teixeira Gueiros, na campanha que
visa expulsar das escolas e do Corcovado o Chisto.‖ [...]

Ainda seguindo a representação do catolicismo que o jornal ―A Palavra‖


retrata, há aqui uma construção de antagonismo. Se a Igreja Católica gera ―vida‖
entre as nações, o protestantismo gera ―morte‖. Mata a disciplina, o culto, a ciência,
a religiosidade e a fé. Vários predicados que o catolicismo revoga para si, como
seus atributos para alavancar a Europa, mostra o quanto o protestantismo seria uma
religião que a mortificaria.
Não era apenas a aliança de ateus e protestantes que a matéria
apresentava, mas a obra de ―laicização‖ que ocorreu na França. Mostrava a
laicidade francesa, especialmente na terceira república, encabeçada por Combes,
como um momento político de grande agressão ao catolicismo, essa constante
associação de revolucionários jacobinos ateus e protestantes como grupos
expressivos no processo de laicidade no país e no ataque direto ao catolicismo.
Se analisarmos até os últimos anos de publicação do jornal, notaremos que
há uma continuidade na representação do catolicismo como uma religião verdadeira
232

e baluarte das nações ocidentais, enquanto o protestantismo seria o inverso. A


matéria ―Luthero, Kant, Nietzche, Hitler: Egocentrismo em matéria de religião, de
filosofia, de ética e de política‖ continua nessa ideia de como o protestantismo é uma
religião que prejudica a Europa enquanto continente. Dessa vez, a matéria procura
fazer uma linha histórica de como a Alemanha, nação berço do protestantismo,
fazendo uma progressão histórica à luz das ideias que predominaram por lá a partir
da reforma protestante, comparando com filósofos como Kant e Nietzche e, por fim,
o estadista totalitário alemão, Hitler.

Não sei se alguém fez um paralelismo entre os quatro grupos


germânicos cujos nomes encimam esse artigo. O certo é que
vigora entre eles uma certa afinidade espiritual, oriunda duma
mórbida hipertrofia do eu.
1º Luthero - proclama o princípio do ―livre exame‖ em matéria
de religião: o que eu julgo divinamente revelado, o que eu julgo
revelado, isso é para mim, fonte e norma de fé. Fora com a
norma objeticva do magistério eclesiástico! A norma da minha
fé sou eu mesmo, é a minha inspiração individual. Com a
introdução desse subjetivismo religioso no organismo cristão,
estava inoculado no corpo no protestantismo o germen da
dissolução dogmática. E a história de cinco séculos provou o
perigoso e funesto de semelhante egocentricidade em matéria
de dogma e moral: centenas de seitas protestantes
independentes, cada qual com seu credo particular.
2º Aparece Kant e aplica o princípio do subjetivismo de Luthero
a partir de sua subjetivação científica; a norma da verdade sou
eu; o que eu tenho por verdadeiro, isto é verdadeiro. O mundo
externo não passa de uma produção do eu pensante, e
ninguém é verdadeiro nesse sentido. Ninguém sabe se esse
mundo existe independente da minha atividade intelectual. [...]
3º Aparece Nietzche, estuda o subjetivismo dogmático de
Luthero, e o individualismo filosófico de Kant, e aplica ao
principio da ética — e eis que surge a moral egocentrica, a
moral autônoma, a ética independente! Licito é aquilo que me
convem. A bitola da moral sou eu mesmo. O legislador do bem
e do mal está dentro de mim, e não fora ou acima de mim. Viva
a independência da ética.
4º Hitler não é o homem de teorias, é o homem da ação. Não
lhe sobram lazeres para especular sobre problemas religiosos,
filosóficos ou éticos. Para êle, viver é lutar, E talvez sem saber
ou querer, aplicou o principio subjetivista dos ilustres patrícios
ao terreno da política nacional e internacional e Triunphou o
direito da força, sobre a força do direito...O estado é tudo - a
pessoa não passa duma peça num grande organismo estatal.
A roda ou alavanca imprestável ou gasta ou é eliminada e
substituída por outra melhor. A peça não tem direitos próprios.
Só tem uma obrigação de funcionar direito. Não vale como
parte de si, apenas como parte do todo, o estado é tudo - e a
personificação do Estado chama-se Adolf Hitler. As fronteiras
233

geográficas dos países são barreiras imaginárias. A única


fronteira real é determinada pelo sangue. Onde quer que
circule sangue ariano, alí estará a Alemanha. E se alguém a
exemplo do Nazareno perguntasse ao Fueher ―onde está o
reino (reich)? ―Poderia responder: ―O reino está dentro de vós.
Circula nos nossos glóbulos vermelhos e brancos do nosso
sangue ariano‖. Neste racismo individualista, chegou a
culminar o egocentrismo germânico de todos os séculos, traço
característico que vai como um fio vermelho através de toda a
história espiritual da Alemanha. Luthero, Kant, Nietzsche,
estendem seus túmulos as mãos descanardas, e executando o
clássico gesto, exclamam: ―Heil Hitler‖.354

Semelhantemente as outras matérias, talvez apresentando maiores


evidências, notamos novamente a construção da imagem do protestantismo como
uma religião que, quando absolvida por países europeus, leva a males sociais
graves a ponto de gerar regimes totalitários. Seria esta uma religião que gera males
não só para o cristianismo, mas para toda a humanidade. Na matéria, notamos que
o autor procura trabalhar um paralelo entre Lutero, Kant, Nietzsche e Hitler,
associando-os, defendendo a teoria de que, a partir do protestantismo, se
desencadearam correntes de pensamentos que perpetuaram, séculos mais tarde,
em regimes totalitários como o nazismo.
A começar pelo ―livre exame‖ que o jornal diz ser proposto pelo
protestantismo, não analisaremos de forma pormenorizada a coerência ou
incoerência dessa lógica, ou a veracidade de suas hipóteses, mas procuraremos ver
aqui como a matéria procura se utilizar de uma retórica bem embasada, se utilizando
de elementos históricos para mostrar que o protestantismo foi o primeiro causador
da quebra de uma cosmovisão católica na Alemanha, e a partir de doutrinas como o
livre exame, teria base sólida para construir ideais subjetivistas, de moral relativa,
onde Hitler foi o derradeiro monstro, a materialização do mal, o homem que pôs
essas ideias em prática. O protestantismo é, portanto, uma ―seita‖ que segundo o
articulista produziu um dos maiores males humanos dos últimos séculos, o
nazismo.355

354
A PALAVRA. Belém, 10/09/1938.
355
Apesar disso, vale ressaltar que a matéria é de 1938, um ano antes do início da II Guerra Mundial.
Apesar da crítica ao nazismo feita pelo jornal na época, esse regime político, apesar de já ter suas
críticas e apontamentos de seu autoritarismo desde 1933, ainda não é conhecido de forma tão
negativa como viria a ser mundialmente após 1945 com o fim da II Guerra e a revelação para o
mundo dos campos de concentração e do genocídio que marcaria o séc. XX.
234

Há uma tendência do jornal de sempre relacionar a religião com o bem-estar


social de uma nação, em matérias nas quais o catolicismo seria sempre um
elemento fundamental para a concretização do bem comum, e as religiões e
doutrinas que se contrapõem a ele, e são absolvidas por nações, causadoras do
caos social, a ponto de, no limite, produzir figuras como o próprio Hitler. O
protestantismo para o jornal era representado como essa religião culpada da maioria
dos males gerados na Europa que ocorria no período em que o jornal circulou.
Os ataques do jornal aos protestantes continuam, mas nas diversas matérias
presentes na imprensa havia uma similaridade de discursos relacionados, uma
construção social que quer desenhar o protestantismo como uma religião aliada de
inimigos do catolicismo, verdadeiro berço para o surgimento de filosofias
anticatólicas e regimes totalitários. O protestantismo seria, assim, o bode expiatório
sobre o qual eram depositados todos os males, o iniciador das desordens e
calamidades sociais surgidas após seu aparecimento.
Em contraponto, há um outro tipo de representação social que o jornal
estava construindo a partir da análise da Europa, atribuindo ao catolicismo uma
função que ia além da religiosa, que o elevava ao status de uma religião responsável
por manter a ordem social. Uma fusão entre religião e sociedade na qual o
catolicismo se legitimava como a verdadeira religião. Um dos indícios se dava na
demonstração de como a Europa seria influenciada positivamente por absorver a fé
católica, diferentemente do que ocorre com o protestantismo, onde, segundo esse
discurso, das vezes em que a Europa optou por abandonar os católicos e aderir a fé
protestante, filosofias errôneas, regimes totalitários, fome e miséria assolaram (e
assolariam) ainda mais o continente católico. Nota-se um discurso que mescla
religião e sociedade, na qual a primeira definiria a prosperidade ou derrocada social
de um povo.
A Europa é utilizada pelo jornal como um elemento para a sua
argumentação retórica, onde o catolicismo como igreja verdadeira era o baluarte de
sua sustentação e prosperidade. A Europa católica é um argumento retórico utilizado
para mostrar como a sociedade e o Estado, atrelados ao catolicismo, conseguem
uma redenção não apenas no plano celestial, mas ainda aqui, neste mundo, vivendo
em reinos terrenos prósperos e de paz como os países Europeus que se mantinham
fiéis ao catolicismo.
235

5.2 ―OS PROTESTANTES DO BRASIL SÃO ANTIPATRIOTAS‖: A


REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO CATOLICISMO COMO REDENTOR NACIONAL

No período republicano, notamos a mudança de representação do jornal


católico ―A Palavra‖ diante do novo cenário nacional. Havia agora a ideia da
nacionalidade presente em diversas matérias do periódico; constantemente se
discutia sobre o Brasil enquanto nação e como o catolicismo se encaixava nessa
construção de nação brasileira. Eram constantes as matérias em que o jornal
mostrava os católicos como o ―elo‖ que segurava a unidade nacional. Contudo, o
mais interessante dessas matérias era que a maior parte delas mostravam o
protestantismo a partir de uma ótica negativa.
Antes de entrarmos nesses questionamos, vamos refletir como o periódico
―A Palavra‖ retratava parte do discurso católico que circulava em Belém sobre o
momento político que a Igreja vivia, especialmente pela forma como descrevia o
período republicano e a separação entre Igreja e Estado no Brasil.
Na matéria ―A República‖, podemos ter uma ideia do posicionamento do
jornal no período. Publicada por Andrade Pinheiro, percebe-se que a matéria
ocupava uma posição de destaque no jornal, o maior texto da terceira página, com
uma diagramação semelhante a do editorial, o que demonstra o objetivo do jornal
em eleger essa matéria como a mais relevante e chamar a atenção do leitor.
A matéria começa fazendo uma análise epistemológica da própria palavra
―república‖. Mostra o estadista romano Cícero, tratando a ―Res pública‖ como o
melhor governo que o Império poderia ter. Uma afirmação que posteriormente vem
acompanhada de um parecer negativo, dizendo que ―houve este grande pensador a
dita de não assistir ás crueldade dos Cezares que, no império, com requintada
desumanidade, trucidaram os christãos‖356.
Há uma narrativa, utilizada pelo articulista, elogiando em uns momentos e
criticando em outros, ou pondo em dúvida a eficácia do regime republicano.
Diferentemente do regime monarquista brasileiro, em que o mesmo articulista tece
elogios, dizendo que ―os impérios de D Pedro I e D Pedro II, cheios de grandes
feitos, dentre os quaes avulta a unidade nacional‖, tinham os ―aplausos da nação
inteira‖. Tal representação sempre positiva do regime imperial contrasta com o seu

356
A PALAVRA. Belém, 16/11/1922.
236

posicionamento relacionado ao regime republicano, em que dúvidas e


questionamentos de sua origem procuram provocar no leitor um questionamento
diante de aprovações a esse novo regime político.

Agora, porém o Brasil é república, e da república brasileira é


que nos cumpre occupar, neste grande e festivo dia. Como se
fez a república do Brasil? O que de facto ninguém discute e
todos aplaudem, que todos engrandecem e ninguém pergunta
como foi que se originou? Como foi que se fez?357

Todavia, mesmo mostrando o regime republicano com essas constantes


incógnitas e dubiedades, por fim a matéria termina com um elogio à República no
Brasil, especialmente na forma como a Igreja Católica recebe reconhecimento.

No ponto de vista religioso, a fé catholica dos brasileiros tem


imensamente progredido, sem a maior coação das instituições
vigentes. O grande, o esthupendo facto do Congresso
eucarístico, e sobretudo na procissão do Chisto-Hostia, que
marcará uma data tão estupenda e memorável na religião dos
brasileiros, nos dizem com uma inteligência irretoquivel, que a
nação brasileira é essencialmente religiosa e catholica, e que
sobre a forma que nos governa, a mesma nação brasileira tem
a mais plena liberdade de praticar a sua religião, e o que mais
nos consola é que os mesmos governos estadual e federal,
sem as preocupações descabidas se, agindo assim, ferem ou
não o estado constitucional. Bem haja a república crendo em
Deus e em Jesus Christo, e acatando a liberdade dos que
também creem em Christo e professam a sua admirável
doutrina. Não precisamos fazer aqui praça de fé republicana:
Mas podemos afrontamente dizer, A Pátria antes de tudo, pela
democracia, na fé, na paz, na ordem, na justiça. Viva, portanto,
o dia 16 de novembro.358

Nessa mescla entre elogios e ressalvas, o interessante na matéria é que o


mais longo elogio feito à República foi justamente o que registramos no trecho
acima, no qual o apoio e validação do articulista ao regime republicano se dá
justamente graças à liberdade concedida à Igreja Católica de continuar suas práticas
religiosas conforme desejar, com autonomia para realizar grandes congressos e
reconhecimento de autoridades políticas constituídas de que o país é
majoritariamente católico, incluindo até mesmo alguns representantes de Estado.

357
A PALAVRA. Belém, 16/11/1922.
358
Ibidem.
237

Há nas entrelinhas da matéria elementos que revelam outras nuances do


momento político vivido no início da República. A separação entre Igreja Católica e
Estado surgida com o regime republicano não agradou a Igreja Católica de início, e
este se tornou um dos principais temas de embate entre católicos e protestantes no
final do Império e início do período republicano. Após algumas décadas da
República já estabelecida, a aceitação, ainda que com ressalvas, se deveu ao fato
da Igreja Católica não ter perdido seus privilégios. A matéria revela que autoridades
representantes do estado republicano reconhecem a importância do catolicismo,
sendo que muitas dessas autoridades fazem suas declarações de fé como católicas,
ou reconhecem que estão em um país de maioria católica. Assim, na mudança do
Império para a República, o novo regime não se tornou um freio, mas um elemento
colaborativo para a manutenção dos privilégios do catolicismo. Há um tom de
concordância com uma sutil ameaça. Enquanto o regime republicano continuar
reconhecendo e mantendo os privilégios da Igreja, sem ―coagi-la‖, terá seu apoio e
também comemorará o ―15 de novembro‖; do contrário, o apoio será quebrado.
A recorrente afirmação do periódico é que a nação é essencialmente
católica, e as autoridades republicanas precisavam reconhecer isso para
executarem uma boa gestão.
Esse discurso católico de apoio ao catolicismo após um período anterior de
rejeição reflete uma conjuntura histórica que percebemos ainda na transição do final
do Império para o início da República. De início, ainda no período imperial, havia um
importante embate entre grande parte das lideranças católicas e os republicanos. A
Igreja Católica era vista por liberais e positivistas como ―atrasada‖, uma aliada da
monarquia que não representava o ―progresso‖. Porém, após a proclamação da
República, a Igreja procurou se aproximar do novo regime que surgia. O Vaticano
reconheceu o regime republicano em 1890, e, no ano de 1891, entre as diversas leis
presentes no código civil que garantiam a separação oficial da Igreja Católica do
Estado, os seus bens não foram confiscados e as ordens e congregações puderam
continuar funcionando normalmente.359
O discurso da Igreja Católica após o período republicano variou entre uma
―distância respeitosa‖ e combativa para manter os princípios católicos nas leis, o que
mostra a tentativa de, ainda no período republicano, se fazer presente no Estado.

359
OLIVEIRA, Lucia Lippi. A questão nacional na Primeira República. Brasília: Brasiliense, 1990,
p.162-163.
238

Mas a maior característica da Igreja Católica foi potencializar um discurso que dizia
que ela ―colaborava com a ordem diante dos movimentos de contestação que
começavam a questionar o status quo reinante‖360.
Lucia Lippi, ao estudar a ideia de nacionalismo nas primeiras décadas da
República, diz que a Igreja passa a adotar um discurso conciliador entre Igreja e
República, mostrando-se dona de uma religiosidade que seria o principal pilar da
unidade política que o nacionalismo exigia. Para isso, Lippi analisa os discursos de
Julio Maria nas imprensas católicas circulantes, no qual ele afirmava que

A descoberta do Brasil e sua ocupação pelo rei de Portugal não


ocorreram por acaso, e sim foram frutos da vontade divina.
Assim, o ―ideal da pátria brasileira sem a fé católica é um
absurdo histórico‖, a crença e a fé constituem o ―princípio de
vida‖, a ―alma da nação‖. Foi a unidade religiosa que produziu a
unidade política.361

A autora também destaca que:

Em relação a questão da nação estamos ainda dentro da visão


de Julio Maria. Nossa pátria, nossas tradições caracterizam o
Brasil como ―terra de Santa Cruz‖. Catolicismo e nacionalismo
são aqui sinônimos. Todas as esferas de ação humana estão
subordinadas à nacionalidade que está plantada sobre o
catolicismo.362

Temos aqui uma tentativa de discurso entre duas correntes de pensamento,


uma que revela um discurso simbiótico entre catolicismo e nacionalismo.
Então, tanto por essa quanto pela análise de outras matérias do jornal, não
notamos apenas uma aceitação do catolicismo com relação ao regime republicano,
também há uma renovação da construção social do catolicismo, que procura se
colocar, mesmo em um regime político onde a Igreja Católica deixa de ser atrelada
ao Estado no ponto de vista jurídico, como necessitada ainda do reconhecimento
pelo regime como a principal religião brasileira, e, no decorrer das matérias, o
catolicismo ainda se mostra como uma religião essencial para a nação. Assim,
entendemos o porquê a ideia de ―patriotismo‖ e ―catolicismo‖ passam a ser dois
elementos discursivos que serão constantemente conectados pelo jornal. ―A nação

360
OLIVEIRA, Lucia Lippi. A questão nacional na Primeira República. Brasília: Brasiliense, 1990.
361
Ibidem, p.165.
362
Ibidem, p.172.
239

brasileira é católica‖, essa será a tônica-chave das matérias do periódico a partir de


então.
No decorrer de nossas análises, percebemos que as matérias onde mais
notamos o discurso da Igreja Católica mostrando-se como sendo essencial ao
Estado, ao regime republicano ou a nação, ocorre justamente a partir de um
contraponto ao protestantismo. Como exemplo da matéria ―Desnacionalização‖:

E‘ ingente as atividades dos biblistas americanos, em alguns


Estados. Seus intuitos são claros: Desnacionalizar o Brazil,
quebrando o mais forte elo que o faz a maior nação sul-
americana- A unidade religiosa. E‘ Obra pois de patriotismo
combater a infiltração americana pela bíblia.363

A partir de matérias como essa, notamos uma representação de católicos e


protestantes que passa a ser recorrente no jornal. Há constantes acusações dos
protestantes ―desnacionalizarem‖ o Brasil. O protestantismo será, no jornal,
constantemente associado a uma religião norte-americanizada, e os missionários
protestantes como agentes infiltrados dos Estados Unidos com o objetivo de destruir
a nação brasileira. Aqui, a ―unidade religiosa‖, representada pelo catolicismo, é
descrita como um grande ―elo‖ da nação. Destruir o catolicismo é tido como uma
estratégia norte-americana de dominação, e o protestantismo seria uma ―infiltração
americana pela Bíblia‖, que deveria ser combatida. Há no periódico uma mensagem
de instrução, incentivando o seu leitor ao combate do protestantismo, e construindo
essa ação com um reforço positivo, afirmando que esse combate era um dever
patriótico.
A matéria ―Os protestantes do Brasil são Anti-Patriotas‖, nos dá um melhor
entendimento dessas acusações.

Os intuitos muito claros do protestantismo norte-americano não


permitem mais dúvidas a respeito. A religião é nas mãos dos
imperialistas yankees um meio de conquista da América Latina.
Hontem, elles começavam a ―proteger‖ Haiti, Panamá, e o
próprio México. Depois os caribenhos norte-americanos
estavam nos terrirórios extrangeiros como na própria pátria
para garantir o desejo dos patriotas. No Brasil as cousas
seguem na mesma marcha. Aliais, somos um país próprio para
attrair a ―amizade‖ de ambiciosos... Temos, porém, na unidade
nacional um poderoso elemento de resistência. Mas essa

363
A PALAVRA. ―Desnacionalização‖. Belém, 24/02/1921.
240

unidade nacional é, de si, fortalecida, garantida, pela unidade


da fé. Ora, não dá para quebrar a unidade da fé ou diminuir, ou
anular a unidade nacional. Isto já foi precisamente
compreendido pelos nossos ―amigos‖ que querem a America
para os americanos... As intenções segundo o proseytanismo
protestante americano entre nós estão muito claras. Há na
America do Norte milhões de pagãos, de racionalistas, de
Atheus, e 20 milhões de catholicos: Os pasthores protestantes
abrazados de zelo pela salvação dos brasileiros não cuidam
dos seus irmãos e vêm cuidar de nós, porque? Porque
encaminhar para o Brasil milhares e milhares de dollars, fundar
collegios, distribuir bíblias falsas, tantos folhetos insultuosos ao
Brasil, aos brasileiros, ao clero e aos catholicos, gastar aqui
tantos dinheiros, quando lá os templos estão vazios, os vícios
grassando e a moral decaindo, será interesse? Quem não vê
as intenções que movem o ―zelo‖ dos missionários, do dollar e
do imperialismo?364

Para além dessa questão, é interessante notarmos como o jornal constrói a


ideia de catolicismo nessa situação, representando-o como a fé que promove a
unidade nacional, essencial para a própria manutenção da pátria.
Essa era uma forma de mostrar que se o regime republicano não reconhecer
o catolicismo como a principal fé da nação haveria desunião, quebrando a
resistência para o imperialismo norte-americano enfim dominar o país. O catolicismo
fortaleceria a nação contra essa ―invasão yankee‖. Um discurso messiânico, no qual
o catolicismo seria a única fé que conseguiria fazer com que os país resistisse diante
do mal imperialista que estava por trás da fé protestante no país.
Notamos algumas questões, primeiramente o catolicismo tinha consciência
do seu alcance e hegemonia. Republicanos, liberais, positivistas, protestantes,
espíritas ou qualquer outro grupo social acatólico não tinha o alcance que o
catolicismo possuía. Era a única corrente de pensamento que alcançava o país
inteiro, nas mais diferentes regiões, e nas mais diversas classes sociais. O discurso
católico legitimava a Igreja como a única a conseguir promover essa unidade, por
entender que era a principal instituição religiosa a estar presente no imaginário
religioso dos brasileiros. A partir daí, agregava para sí o discurso nacionalista
republicano. O catolicismo é acoplado ao conceito de nação para transmitir um
convincente discurso de legitimação e para ser reconhecido como uma religião
nacional.

364
A PALAVRA. ―Os protestantes do Brasil são Anti-Patriotas‖. Belém, 08/11/1931.
241

No continuar dessa linha de raciocínio, temos a matéria ―Combate ao


protestantismo‖:

O combate que todo o brasileiro deve mover incansavelmente


a seita dos mensageiros do dollar não é um dever imposto pela
fé: é um dever do patriotismo. O ministro protestante é um
dever dissolvente, deletério, anti-patriótico. Dividindo a fé
catholica de nosso povo, quer acima de tudo, enfraquecer a
unidade nacional. O resto é fácil... Ahi está o exemplo do
Mexico e da America Central! Bem haja, pois, todo aquele que
move guerra ao protestantismo Brasil, máxime no Brasil.
Merece, por isto, todo o nosso apoio o sr Cremilde Aguiar que
acaba de fundar no Rio. (Rua São José, 39, 2º andar) a Liga de
combate ao protestantismo cujos objeticvos já estão indicados
no próprio nome. Essa liga que terá um número ilimitado de
sócios está merecendo a adhesão de todos os bons catholicos,
e mesmo dos não-catholicos que amem a sua pátria. Para
pertencer a Liga de combate ao protestantismo, basta enviar o
nome, profissão e residência (com firma reconhecida), ao
presidente, dispondo-se a combater a praga Lutherana. Que os
catholicos saibam cumprir o seu dever diante de tão funesto
inimigo.365

Essa é uma matéria que, assim como outras, foi publicada em outro estado
e o conteúdo também circulou nos jornais católicos de Belém do Pará. A matéria
procura convocar não apenas os católicos devotos para esse combate, mas se
dirige também a ―todo o brasileiro‖, e que isso não é apenas uma questão de fé, mas
é ―dever do patriotismo‖. Mais uma vez a ideia de ―católico‖ e ―brasileiro‖ sendo
atreladas ao discurso, a proteção e defesa do catolicismo sendo postas como
interesse nacional, e que o catolicismo é essencial para o Brasil enquanto nação.
O protestantismo posto como um ―inimigo‖ do catolicismo, faz com que as
críticas feitas a ele não sejam apenas na questão religiosa (―uma seita‖), mas como
uma ameaça nacional, um perigo para todos os brasileiros. Essa ideia do catolicismo
brasileiro como uma fé necessária para a unidade nacional, e o protestantismo como
um uma religiosidade que objetivava destruí-la visando uma dominação norte-
americana, será um dos principais discursos do conflito entre essas duas vertentes
cristãs nos veículos de imprensa.
Aqui, semelhantemente à matéria ―a bíblia dos protestantes em penca‖,
mostrada no capítulo anterior, o jornal mais uma vez se posiciona como um agente
mobilizador diante de seus leitores, mas dessa vez a ideia não está em destruir a

365
A PALAVRA. ―Combate ao protestantismo‖. Belém, 25/10/1931.
242

bíblia protestante apenas, mas todo o protestantismo que se infiltra no país. Com um
composto narrativo a mais, onde o combate aos protestantes não é um problema
apenas dos católicos, mas de toda a nação.
Há algo muito claro nessas matérias analisadas, a apropriação da ideia de
nação pelo catolicismo, apesar de haver uma separação oficial entre Igreja Católica
e Estado. O catolicismo consegue mostrar-se como uma religião imprescindível para
o Brasil republicano que desponta, a religiosidade que promove uma união nacional,
como um pilar de sustentação da República. Ser contrário ao catolicismo, seria ir
contra toda a nação e o novo modelo republicano seria insustentável. Com essa
nova roupagem discursiva, a Igreja Católica mantém o seu discurso messiânico
atrelado ao novo momento político que vinha com o Brasil República. Mesmo que
separada juridicamente do Estado, era necessário estruturar seus discursos para
manter sua hegemonia diante de uma sociedade ainda majoritariamente católica.
O protestantismo, movimento religioso historicamente antagônico ao
católico, também ganha uma nova reconstrução social pela imprensa católica. Agora
ele não era apenas uma ―seita herética‖, mas uma religiosidade norte-americana,
utilizada pelos Estados Unidos como instrumento de dominação da nação brasileira.
Destruir a igreja católica seria uma forma de destruir a nação e o protestantismo
seria o agente dessa destruição; fosse por meio de exemplos europeus ou do
próprio cotidiano brasileiro, a imprensa católica se utilizava de suas construções
sociais para vender a ideia do catolicismo como a religiosidade que sustenta a
nação a protege de seus inimigos, e mesmo separada do Estado precisa ser
reconhecida por ele e pela sociedade como a principal religião nacional.

5.3 ―A REPÚBLICA CHRISTA‖: PROTESTANTISMO E POLÍTICA

Se entre os católicos, a República era absorvida com ressalvas apesar da


nítida aceitação; para os protestantes, o republicanismo era exaltado e tido como o
regime político ideal. Nos veículos de imprensa como o jornal ―O Apologista Christão
Brazileiro‖, por exemplo, notamos uma articulação de seu dono, o pastor metodista
Justus Nelson, com o próprio partido republicano local. Apesar de uma declaração
de isenção do jornal, havia constantes parabenizações ao partido republicano
criado.
243

Em nosso programa estampado no primeiro número do


Apologista, declaramos a nossa independência de todos os
partidos e bem assim, as convicções que nos tornam
republicano. Esta nossa independência não nos priva de sentir
o mais vivo interesse nos movimentos de partido cujo
programma encerra mais ou menos aproximadamente as
nossas ideas politicas. Exeussado é dizer que as suas idèas
theologicas ou antes anti-theologicas, se acham o mais longe
possível das nossas convicções. Não obstante esta
divergência, ao partido republicano d‘este estado, que
effectuou a sua organização definitiva no dia 20 do corrente,
desejamos um futuro cheio de trabalhos, de sacriphicios, de
triumphos, ao bem do nosso povo. Ao publico o partido já deu
mais um valiosíssimo penhor do seu futuro, elegendo ao Dr
José Paes de Carvalho para presidente do seu directório. E‘
com pesar que notamos a recusa do dr Henrique Americo de
Santa Rosa de fazer parte do directorio. Esperamos a reforma
dessa sua decisão. Outro tanto não podemos dizer da retirada
de alguns nomes do partido, cuja presença contribuía a
fraqueza e não à força das lutas philanthopicas.366

Justus Nelson ressalta que, desde o primeiro jornal publicado, ele já tinha
tomado um posicionamento político. Mesmo não possuindo uma vinculação direta
com os partidos, o jornal se posicionava como republicano e muitas ideias do partido
sincronizavam com os ideais do jornal. Havia um apoio de Justus Nelson ao partido
que se formava no estado, a ponto do pastor ter até a preocupação de informar os
pormenores do partido, mostrando quem fora eleito como presidente dos
republicanos: o doutor José Paes de Carvalho. Há uma comemoração tanto por
essa eleição quanto pela retirada de outros nomes, mostrando que o jornal
acompanhava e se posicionava diante dos trâmites internos do partido, instruindo
aos seus leitores qual a melhor posição do partido nos interesses dos protestantes.
Apesar dos acompanhamentos minuciosos e críticas de Justus Nelson a
alguns membros do partido, no geral havia uma clara aprovação ao regime
republicano e uma intenção de declarar essa aprovação aos seus leitores. Informar
a eles o que acontecia no partido era tão importante para o jornal quanto tratar de
assuntos religiosos da fé protestante, como estudos bíblicos e discussões de
doutrinas internas do protestantismo. Nesse jornal, a política ocupava um espaço
considerável, revelando o elevado grau de importância que o líder metodista
destinava ao assunto.

366
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―O partido republicano‖. Belém, 25/01/1890.
244

Já vimos, no segundo capítulo, que Justus Nelson também tinha espaços de


divulgação de seus cultos e casamentos acatólicos no jornal ―O Democrata‖,
periódico republicano de conteúdo político, o que mais uma vez corrobora o que
dizemos. Justus Nelson procurava ter relações próximas com políticos republicanos
e utilizava da imprensa para a propagação de suas preferências políticas.
Contudo, além de opinar sobre a política republicana local, Justus Nelson
costumava discutir ideias políticas que estavam sendo debatidas a nível nacional e
mundial. Ao analisar a matéria ―Separação do estado e da igreja‖, notamos um
melhor detalhamento do posicionamento político do jornal. Após prestigiar a ideia de
que a Igreja e o Estado se separaram, a matéria ressalta que a Igreja Católica ―ficará
gozando da mais plena liberdade de ação‖367, e terão, junto com outros cultos
religiosos, iguais direitos relacionados à liberdade de culto. Com isso, Justus Nelson
desafia a Igreja Católica a não ser contrária a medida tomada pelo regime e, nas
entrelinhas, vai construíndo a sua ideia de República.
A matéria retrata que ―cada religião deve manter-se às custas de seus
próprios fieis‖ e que estes ―não queiram que os cofres do estado que contêm só o
suor dos que trabalham, satisfaçam essa despeza vaidosa e inteiramente
desnecessária‖. Essa ação é apresentada pela matéria como uma ―tyrannia que a
república não deve de modo nenhum tolerar por mais tempo”. Ao mostrar tal
contribuição financeira do Estado e essa ação da Igreja como uma tirania, o jornal se
posiciona como uma forma de cobrança para o regime republicano não tolerar mais
essa prática. O autor da matéria se mostra confiante para cobrar do estado
republicano essa atitude com relação ao catolicismo, mostrando a própria confiança
do jornal com a República.
No decorrer a matéria segue comparando este caso com outras repúblicas:

Se no Brazil o culto de estado fosse também sustentado por


um imposto diretamente para este fim, Já há muito tempo teria
havido séria resistência ao pagamento; mas como a despeza
do culto saho da receita geral da nação, não tem apparecido
ainda esta dificuldade entre nós. Os Catholicos brazileiros
devem agora mostrar os seus sentimentos de justiça e
fraternidade para com os seus concidadãos que não participam
das mesmas idéias religiosas; não devem oppor-se a que lhes
conceda iguaes prerrogativas, para haver em sua pátria

367
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Separação do estado e da igreja‖. Belém,
01/02/1890.
245

verdadeira igualdade de direitos; não devem exigir que eles


contribuam constrangidos para o sustento de um culto em que
não crêem para haver verdadeira fraternidade; não devem
violentar-lhes a consciência para haver liberdade. [...] Os
catholicos patriotas devem ser os primeiros a contribuir
largamente para a manutenção de seu culto, não só para
alliviarem o estado de um ônus tão pesado, mas também para
mostrarem que teem fé em sua religião. [...] Nos Estados
Unidos, a republica não gasta nem um real com a religião.
[...] La existem igrejas catholicas; la existem muitos outros
cultos que teem bonitos templos e sumptuosas
cathedeaes, mas todas essas crenças são sustentadas
pelos fieis que d’elles participam, todos tem os mesmos
direitos perante a lei. (grifo nosso) [...] E porque não deverá
haver, a mesma justiça no Brazil? Acaso queremos ficar
neste ponto inferiores à grande republica da América do
Norte? De nenhum modo! Já que soubemos fazer uma
revolução tão admirável que espantará até os povos mais
civilisados, não deixemos essa gloriosa reforma imperfeita
ou defeituosa. (grifo nosso) Apresentemos essa obra completa
aos olhos do Universo, desligando a igreja do estado, e dando
a todos os cultos religiosos as mesmas garantias da lei, e
então haverá no Brasil verdadeira, liberdade, igualdade e
fraternidade.368

Há nessa matéria um direcionamento ao público católico, dessa vez não


com tanta jocosidade como é natural de outros textos de Justus Nelson já
observados, mas agora de forma mais pedagógica, procurando falar diretamente a
um público mais abrangente, direcionando a mensagem principalmente aos
―católicos brasileiros‖, que deveriam colaborar para haver em ―sua pátria‖ a
―verdadeira igualdade de direitos‖. A ideia era fazê-los refletir como a separação total
entre Igreja e Estado seria boa para a nação brasileira, e os católicos, como bons
patriotas, deveriam apoiar essa política.
Para falar com esse público mais abrangente, o pastor metodista elege uma
chave conectiva que serve como ponte de linguagem para esse público amplo, o
patriotismo, que aqui é mostrado metodista como positivo, como um ideal moral a
ser seguido. A separação entre Igreja e Estado era uma característica do estado
republicano, e, portanto, da pátria brasileira. Desaprovar tal medida seria ir contra a
própria nação brasileira e um retrocesso para o país.
As comparações são referentes a repúblicas ocidentais específicas de
países desenvolvidos, como a Inglaterra e os Estados Unidos, nações republicanas

368
O APOLOGISTA CHRISTÃO BRAZILEIRO. ―Separação do estado e da igreja‖. Belém,
01/02/1890.
246

de hegemonia protestante, países apresentados pela matéria como bons exemplos


de prática republicana, especialmente na questão da separação entre Igreja e
Estado, desde a resistência dos ―quakers‖ com relação ao imposto que a Igreja
Anglicana cobrava na Inglaterra, ou mesmo os Estados Unidos que não cobravam
―Um real com a religião‖. Há na matéria a construção dessas repúblicas como
modelo republicano ideal, e o Brasil seguindo esse modelo de laicidade do Estado
faria a nação brasileira tão grande quanto elas. O autor exorta que o Brasil não pode
ser, nesse aspecto, inferior à ―grande república da América do Norte‖, e se
apequenará se não praticar uma efetiva separação entre Igreja e Estado.
Há nessa separação um elemento de luta do protestantismo brasileiro,
incluindo os líderes protestantes que estavam em Belém do Pará. Contudo, tanto o
modelo de laicidade quanto o de república eram sempre comparados aos de países
desenvolvidos, especialmente os de viés protestante, como Inglaterra e Estados
Unidos. Quando algo sobre o Brasil é apresentado, sempre há a comparação com
esses países como parâmetros para como a república brasileira deveria se espelhar.
No Jornal Batista, jornal de circulação nacional distribuído em Belém pelas
lideranças batistas, vemos uma representação semelhante da República referente
ao protestantismo. Alguns colunistas retratavam recorrentemente sobre o período
republicano e os acontecimentos envolvendo religião e República diante da sua
própria conjuntura, como na matéria ―Christã, jamais ultramontana‖, publicada pelo
―O Jornal Batista‖ por Virgilio de Lemos:

Numa de suas conferencias catholicas, realizada na Cathedral,


depois de dissertar largamente sobre a necessidade da crença
em Deus, perorou o sr. Dr. Julio Maria com esse dilemma: ―OU
A REPUBLICA COM JESUS CHRISTO, OU JESUS CHRISTO
SEM ELA‖ [...] Jamais, Jamais! Cristã, sim, é e quer ser a
República. Ultramontana... isso nunca. Se o Jesus de quem
falaes, é o doce e mansueto nazareno que, com o poder do
exemplo, levado ao supremo sacrifício, arrancou a humanidade
do ―polo do ódio‖, para transporta-la para o ―polo do amor‖; se o
Jesus de que nos falaes é o grande, incomparável e sublime
moralista, cuja doutrina sempiterna apezar das maculas do
dogmatismo medieval, lançou definitivamente as bases Moraes
da civilização moderna [...] Se o vosso Jesus é esse que não
carece de estatuas de mármore de bronze ou de ouro – essa
fortaleza dos fracos – porque tem a sua imagem gravada em
todas as retinas e em todos os corações, sim, se é esse o
vosso Jesus, nós somos christãos, chistã é a república, a quem
ameaçaes inutilmente. Christã é a república do Brazil, [...] O
nosso caminho é o caminho estrellado por S. Paulo, o grande
247

apóstolo; nunca, porém, o caminho subterrâneo de


Torquemada, o réprobo. O nosso caminho é o caminho da livre
América, nunca jamais o torvo caminho de Isabel...a catholica
das Hespanhas. Christã sim; jamais ultramontana!369

O autor da matéria concorda em querer uma república cristã, mas ―não


Ultramontana‖. O jornal também deseja uma República na qual o cristianismo
prevaleça, mas o reconhecimento do que seria uma ―república cristã‖ passa pelo
critério da introdução de um cristianismo protestante – e não católico.
A comparação de mostrar que o caminho que o autor prefere seguir é de
uma ―Livre América‖, em vez de um caminho ―turvo‖ como a Espanha comandada
pela rainha católica Isabel, vale como um comparativo semelhante ao de Justus
Nelson, em que há a sugestão da ―Livre América‖ como o melhor ―caminho‖,
mostrando o modelo norte-americano como um modelo republicano ideal para o
Brasil.
Essa opinião se torna ainda mais nítida em outra matéria publicada pelo
chamada ―Carta aberta ao padre Julio Maria‖:

Mas, perguntamos a vós, dr Julio Maria, porque os povos


protestantes incontestavelmente, visivelmente progridem em
quaisquer dos ramos da actividade humana, tocando á méta da
grandeza material e moral, e os catholicos, apathicos, frouxos,
inertes, conservam-se, dormindo o somno da fraqueza, no
deleitar embriagante e saudoso do passado? [...] Nos Estados
Unidos, dizei-nos o que é a população catholica, em verdade,
porque só podereis affirmar a opinião valorosa de Tocqueville.
São os Catholicos que ocupam plano superior e digno nas
artes, indústria e commercio, letras no Canará? Não. Portugal,
estacional e a Hespanha, meia-morta, embevecidos,
contemplam as florias de outr‘ora. A França, do seu thono
glorioso ouve a gritaria da população e, mais do que estes
assomos, tem o escalar das grimpas do poder pelo
ultramontanismo. Confrontae o que ella foi em 1700 e o que é
hoje [...] Lançae as vistas sobre estes paizes catholicos e
depois nos dizei se o nosso caro e extremoso Brazil pode ser
feliz e prospero, avassalado, como o é, pelo romanismo? Não o
é, não poderá ser, porque a religião de formulas e ritos já
passou da época, não contem os ímpetos, não domina os
homens. O povo precisa urgentemente de outro instrucção
religiosa, segundo um escritor, além do nada: procissões
grotestas, santos coloridos, velas accesas, ramos, agua benta,
jejuns. Essas práticas não edificam. Nada conseguem e por

369
O JORNAL BAPTISTA. ―Christã, jamais ultramontana‖. Manaus, 10/09/1901.
248

isso abandonemol-as unicamente pela moral – a palavra divina


– o Christianismo puro.370

Aqui o autor é direto, procura mostrar o protestantismo como a melhor


religião a ser abraçada pelo país. A matéria mostra que o Brasil não será um país
próspero se a sua principal religião for o catolicismo. Para a nação prosperar, faz-se
necessário que ela abrace o ―christianismo puro‖, o protestantismo. O jornal mostra
que um catolicismo majoritário em uma nação é a causa de atraso social,
diferentemente do protestantismo que, quando se torna majoritário, leva a nação ao
progresso.
A ideia era justamente essa, uma mudança. Por mais que os protestantes
lutassem por uma separação da Igreja católica do Estado, tanto católicos quanto
protestantes não brigavam por um estado ateu, ou mesmo neutro, o estado deveria
continuar a se inclinar para o lado do cristianismo. As discussões eram em torno de
sobre qual cristianismo o estado se debruçaria: o catolicismo ou o protestantismo.
Então, assim como vimos nos outros tópicos sobre o catolicismo, também o
percebemos em discursos protestantes, representações da sua religiosidade como
um instrumento redentivo não apenas para o indivíduo, mas para toda a sociedade
brasileira. Se o discurso do catolicismo era que ele seria a religião que traria para a
nação brasileira republicana a unidade nacional necessária para preservar a nação,
inclusive para não ser dominada por imperialistas, como os norte-americanos, na
representação protestante o catolicismo brasileiro significaria o atraso e o
protestantismo seria a religião que faria a nação prosperar, assim como eram
prósperas as nações de maioria protestante pertencentes a essa conjuntura,
exemplo de Inglaterra, e, principalmente, os Estados Unidos. O protestantismo seria
a religião do progresso.
Notamos que esse discurso continuou no decorrer da república, pois quase
20 anos depois disso ainda havia representações semelhantes desse jornal com
relação a católicos e protestantes. Na matéria ―A unidade nacional‖, escrita n‘O
Jornal Batista, vemos esse tipo de ideia:

Os mentores da egreja de Roma não se cansam de proclamar


a todos os ventos que impedir a invasão das corporações
evangélicas é fazer obra de patriotismo porque é defender o

370
O JORNAL BAPTISTA. ―Carta aberta ao padre Julio Maria‖. Manaus, 10/09/1901.
249

catolicismo, é defender a unidade nacional! A verdade, porém,


é que não há maior inimigo de todas as nacionalidades do que
seja o catolicismo que por séculos manteve a Italia retalhada.
Foi elle o maior inimigo da sua unificação, e continua sendo o
maior estorvo do seu progresso. No decorrer da guerra, pro um
tris, elle não a fez desaparecer do mappa da Europa. O
desastre de Caporetto foi obra sua, auxiliada apenas pelos
socialistas visionários.371

Outra semelhança dos protestantes com relação aos católicos em sua


retórica é a desqualificação do outro a partir de exemplos europeus. Há uma
tentativa de desconstrução da opinião católica com relação a sua argumentação de
ser a detentora da unidade nacional brasileira, ou de sua religiosidade fazer
prosperar nações ocidentais, mostrando, através de exemplos como a Itália, que o
catolicismo é uma religião que ao invés de unir separa nações, dando a ele a culpa
de haver uma Itália ―retalhada‖, e que foi o maior ―inimigo‖ da sua ―reunificação‖ e o
―estorvo do seu progresso‖. O catolicismo é assim mostrado como uma religiosidade
que divide países e os impede de progredir nos aspectos econômicos e sociais. Se
há entre os católicos uma dicotomia de se mostrarem como salvadores nacionais de
uma nação republicana que precisa se manter unida, pondo os protestantes como
invasores e dominadores de território, há entre os protestantes um discurso de
representantes do progresso, capazes de impulsionar a nação a ponto de fazê-la tão
próspera quanto os Estados Unidos.
Nesse aspecto, as discussões entre católicos e protestantes que circulavam
em Belém nos veículos de imprensa ganham um viés político, que por parte do
protestantismo defendia o regime republicano, em que a principal pauta era a
separação da Igreja Católica do Estado, sempre tomando como exemplo países
republicanos desenvolvidos de hegemonia protestante. Esse é um tipo de laicidade
a partir da qual não se briga por um estado neutro, mas sim por um estado cristão,
visionando um possível país protestante como sendo o modelo ideal de república a
ser seguido.
Nessas tentativas do protestantismo arvorar-se como sendo a religião
nacional ideal, há também a apropriação de símbolos significativos do período
republicano que são vinculados a esse discurso. No jornal presbiteriano ―Norte
Evangélico‖ notamos essa abordagem diferenciada, em que o jornal procura mostrar

371
O JORNAL BAPTISTA. ―A unidade nacional‖. 01/01/1920.
250

positivamente o período republicano a partir de seus ícones, especialmente através


de pessoas, datas e monumentos. Um exemplo é a matéria ―Ruy Barbosa‖, a seguir.

É morto Ruy Barbosa! O expoente máximo da raça latina, o


―orgulho da espécie humana‖, o homem astro é morto. Nunca
houve quem fosse tão aphoteseado em vida e tão glorificado
na morte como a este ser humano que acaba de demandar as
regiões eternas. Jurista incomparável, orador inimitável,
patriota, sem igual, defensor dos fracos, sem competidor,
inimigo de tyranias sem igual, apostolo de direito, gigante e
águia, eram os títulos com quem os mimoseavam. Durante
quase coenquenta anos a luz do seu saber envolveu não só a
grande Patria Brasileira, como se projectou em mil recantos de
regiões longincuas. Dos sábios conceitos que se jorraram de
seu cérebro predestinado abeberou-se meia humanidade.[...]
Quando a o nosso caro Brasil o nosso monstro Jesuistico
extendeu as suas garras e a Egreja dos papas empolgou o
nosso rei, invadiu todas as repartições, subjulgou todos os
poderes, devassou todas as attribuições, e pouco a pouco, ia
asphixiando todas as energias pátrias, como soe acontecer
com a hydra tem a sua toca. Foi Ruy quem decepou-lhe os
tentáculos, espefaçou-lhe as garras e esmigalhou-lhe os
dentes escrevendo essa obra monumental ―O Papa e o
Concilio‖, o maior libello jamais visto ou escripto contra a
Egreja Romana. Nella, o grande mestre poe as claras os
planos sinistros da Grande Apostata, e depois de chama-la de
―Religião Athea‖ denuncia-a como ―a mais nefanda e a mais
funesta de todas as políticas‖ Foi Ruy Barbosa o batalhador
incansável da lucta da separação entre Egreja e Estado, o
carmatelo endrado da monarchia ultramontana, o paladino
indômito do ideal republicano. Foi Ruy o autor da mais libérrima
das constituições, onde para orgulho de um povo livre e
grande, ressalta a liberdade de culto e de consciência.372

Dentre os diversos elogios a sua trajetória política e intelectual, há o foco


para os embates dele com o catolicismo vigente. Ruy Barbosa é apresentado como
um homem perseguido pela Igreja Católica, e também mostra seus ataques a ela,
onde, segundo a matéria, ele chegava até mesmo a usar termos como ―religião
ateia‖ para definir a Igreja. Pela matéria, notamos que há uma representação do Ruy
Barbosa como um intelectual perseguido pelo catolicismo e avesso a ele. Vale
lembrar que Ruy Barbosa era um intelectual católico, mesmo que no decorrer de

372
NORTE EVANGÉLICO. ―Ruy Barbosa‖. Garanhuns, 22/03/1923.
251

algumas de suas obras ele demonstrasse apreço ao protestantismo. Ele se manteve


católico até o fim de sua vida.373
Mas a matéria constrói uma narrativa em que Ruy Barbosa é mostrado com
antagonismos ao catolicismo vigente bem semelhantes àqueles dos protestantes,
como um Ruy Barbosa ―protestantizado‖. A matéria também ressalta suas pautas
políticas, expondo-o como um lutador pela separação da Igreja Católica e do Estado
e um defensor do regime republicano, sendo crítico à monarquia ―ultramontana‖, de
grande influência católica.
A biografia de Ruy Barbosa é utilizada como um elemento discursivo, por ser
ele um dos percursores da república brasileira, a ponto de ser aquele que, como
visto no capítulo anterior, foi um dos formadores da constituição republicana e o
autor de um dos projetos de lei que legitimava a separação oficial da Igreja Católica
do Estado Republicano brasileiro. De fato, essa valorização do jornal à figura desse
intelectual brasileiro tinha sua razão de ser. Revelava tanto um apoio ao regime
republicano, como uma tentativa de legitimar suas principais figuras como pessoas
bem vistas e até aliadas ao protestantismo, ainda que fossem de diferentes
religiosidades.
Na matéria ―Liberdade religiosa‖, o jornal Norte Evangélico afirma que:

[...] Este facto vem mais uma vez reafirmar eloquentemente o


conceito já emitido por estadistas ilustres [...] homens da
envergadura de Ruy Barbosa, Wilson, Herriot, Benjamin
Constant, Saldanha, Marinho, entre outros que taes, de ser
prejudicial tanto ao Estado quanto a religião seja ela qual for,
em manter a relação oficial.374

Daí notamos que há, pelo jornal Norte Evangélico, não apenas um apoio à
República, mas também ao catolicismo, e há uma tentativa de associação de
elementos discursivos da República com o protestantismo, onde se procura associar
pessoas, datas e ideais republicanos à religiosidade protestante, construindo não
apenas uma defesa ao regime republicano, mas procurando atrelar o republicanismo
ao imaginário protestante e vice-versa, absorvendo seus símbolos e ideais, para
fazer a leitura da República a partir de uma cosmovisão protestante.

373
Há algumas citações de Ruy Barbosa elogiando o protestantismo em suas obras. Todas elas
estão disponíveis em: FUNDAÇÃO CASA RUI BARBOSA. Disponível em: <http://www.
casaruibarbosa.gov.br>.
374
NORTE EVANGÉLICO. ―Liberdade religiosa‖. Garanhuns, 1925.
252

Como outro exemplo, temos algumas das matérias que já analisamos


trechos em capítulos anteriores, como as matérias ―Da Amazônia‖ e a matéria ―De
Belém‖ publicada no mesmo ano.

[...] Quinze de agosto


O anno passado, celebrando o centenário da Independência
Nacional, realizaram as egrejas evangélicas desta capital
um culto ao ar livre, ao pé da estatua da República, que foi
um dos dias de glória da egreja do evangelho do Pará.(grifo
nosso) Este anno, ao festejar todo o estado, a 15 de agosto, a
adhesão do Pará a independência nacional, celebrou a egreja
Presbyteriana um culto em sua séde, perante elevada
assistência, que desdobrou para as galerias do edifício.
Occupou a tribuna da pregação o illustre missionário da
Chistian Aliance Missionary Society, revd Clark que, excellente
doutrinador e theologo proficiente transmittiu a egreja e aos
incrédulos, forte e poderosa mensagem do evangelho. [...] A
sete de setembro, realizaremos um culto especial,
levantando nova collecta, para os mesmos fins acima
referidos. E, assim, nos grandes dias de festa nacional,
fraternizaremos com a alegria cívica de todos os
brasileiros, pregando-lhes a velha história do Christo
crucificado.375 (grifo nosso)

―De Belém 1923‖


No dia 7 realizou se na sede da egreja o culto festivo com que
a mesma solemnizou a passagem da data da independência. O
culto desse dia foi animador, com uma assistência compacta e
numerosíssima que fez transportar o nosso vasto salão da
Avenida da Independência.
A sessão as egreja deliberou solemnizar com cultos
especiaes, doravante, todas as grandes datas nacionais
(grifo nosso) no fim das quaes realizará collectas
extraordinárias destinadas a aquizição do nosso futuro templo.
A collecta do dia 7, comquanto que seja do dia 15 de agosto,
rendeu 90.000.376

Na matéria ―Da Amazônia‖, como vimos no segundo capítulo, é apresentada


uma linguagem semelhante a uma ata, na qual os missionários descrevem o
cotidiano da Igreja do Norte, nos apresentando uma descrição da rotina da igreja
presbiteriana implantada em Belém do Pará. O que chama a atenção nesse trecho
destacado são os cultos feitos pelos presbiterianos na cidade. Em datas de ―festas
nacionais‖ havia cultos especiais, fosse dentro de templos ou mesmo ao ―ar livre‖.
No centenário da independência nacional, não apenas a igreja presbiteriana, mas

375
NORTE EVANGÉLICO. ―Da Amazônia‖. Garanhuns, 10/10/1923.
376
NORTE EVANGÉLICO. ―De Belém‖. Garanhuns, 1923.
253

outras ―igrejas evangélicas‖ realizaram um culto protestante a céu aberto, na Praça


da República. Fazer atividades específicas nessas datas eram entendidos como
momentos especiais, quando se mesclava a ―alegria cívica de todos os brasileiros‖
com a pregação do ―Cristo crucificado‖.
Uma outra constatação na análise da matéria mencionada era o local
escolhido para se fazer um culto ao ar livre, A ―estátua da República‖. Falamos do
Monumento à República, analisado do primeiro capítulo como uma forte simbologia
do regime republicano na cidade. Se para a Igreja Católica o Monumento à
República, nas primeiras décadas do século XX, pôde simbolizar uma possível
concorrência com a mentalidade católica, para os protestantes, o monumento, assim
como as datas cívicas, eram tratadas não apenas com aprovação, mas incluídos
como elemento de culto, como uma incorporação da religiosidade protestante, um
elemento discursivo da sua fé. A ―alegria cívica‖ é celebrada pelo protestantismo e
faz parte de sua ritualística cultural.
Vale ressaltar uma característica da igreja presbiteriana nesse período. Seus
líderes já eram uma geração de presbiterianos brasileiros que estavam vivendo em
uma pátria republicana. Embora muitos desses fossem frutos de uma geração
anterior de missionários norte-americanos, notamos que, desde o fim do Império, há
essa aprovação dos protestantes pela República, como uma incorporação da
república brasileira pelos protestantes que já estavam no Brasil. Encontramos entre
as lideranças protestantes locais da primeira república tanto a legitimação desta,
pela articulação política, como fazia Justus Nelson, como a incorporação de seus
elementos simbólicos, como os presbiterianos faziam a partir de seus cultos e de
suas representações sociais pelo jornal Norte Evangélico.
Por fim, a matéria ―Liberdade religiosa‖ anuncia a oficialidade da separação
entre a Igreja Católica do Estado em países como o Chile. Ao citar este país como
exemplo a matéria diz que

O Estado deve impor-se a si mesmo, sem precisar para o seu


prestígio, de religião alguma, senão de uma lei justa e boa que
olhe para todo o cidadão, sem distinção, sem parcialidade,
como filho do mesmo torrão estremecido como um rebento da
mesma pátria abençoada, esperando de cada um o
cumprimento de seus deveres cívicos[...] De igual modo a
igreja, seja ela católica romana ou evangélica, ou mesmo
qualquer outro crédo, deverá impor-se pelo seu valor moral
sem precisar do prestígio oficial, tendo deante de si um terreno
254

franco, em uma atmosfera livre, para manifestar ao povo os


seus princípios e agir de acordo que não ofenda a moral
pública e as leis do paiz. ―Dae a cezar o que é de cezar e a
Deus o que é de Deus‖. [...] Que vemos nessa declaração
imorredoura de Jesus Christo, o fundador do cristianismo? Não
será por ventura que a Igreja e o Estado deverão ter os seus
próprios lugares bem distintos? O Brazil, que possui uma
constituição modelo, tem a primazia de ser um dos países mais
liberaes da américa, e isto decorre certamente do fato de haver
plena liberdade de consciência e o direito que todos gozam
igualmente perante a lei. Seja protestante, católico, espírita,
teosofista, ateu, positivista ou judeu. [...]377

Aqui notamos o que vimos percebendo nas matérias anteriores,


especialmente as do jornal ―Norte Evangélico‖: a constante defesa do jornal pela
separação entre a Igreja e Estado. Mas o interessante dessa matéria é entender
como a denominação presbiteriana retrata a forma com que a religiosidade deve se
destacar na nação. Primeiramente, de forma autônoma do Estado, defendendo
direitos igualitários a todas as religiosidades ou ideais, incluindo até mesmo ateus e
positivistas. Também notamos o respeito às diversas religiões e ideais, caminhando
distante do discurso protestante, que rezava que o protestantismo deveria se
destacar diante de outras religiões ou ideais, não por uma imposição do Estado, mas
por ―impor-se pelo seu valor moral sem precisar do prestígio oficial‖. O papel do
Estado, para o protestantismo, e em especial para os presbiterianos, era que o
Estado garantisse a sua liberdade religiosa ―em uma atmosfera livre, para manifestar
ao povo os seus princípios e agir de acordo que não ofenda a moral pública e as leis
do paiz‖.
A interesse pela separação de Igreja e Estado é praticamente unânime nos
discursos dos protestantes que circulavam em Belém do Pará, seja pelos jornais que
tinham circulação nacional, como o ―Jornal Batista‖, ou aqueles de circulação mais
localizada, como o jornal ―O Apologista Christão Brazileiro‖ e o ―Norte Evangélico‖.
Sobre este último, entendemos tratar-se de um jornal diferenciado com relação ao
de Justus Nelson, não necessariamente por serem de denominações diferentes
(embora a diferença entre metodistas e presbiterianos precise ser levada em conta),
mas sim porque havia no jornal Norte Evangélico uma maior participação de
brasileiros se comparado aos outros dois jornais citados e pelo fato de o Norte
Evangélico ter nascido em uma temporalidade em que a República já estava

377
NORTE EVANGÉLICO. ―Liberdade religiosa‖. Garanhuns, 1925.
255

consolidada. Assim, notamos maiores elogios ao Brasil e à sua valorização como


pátria, uma defesa maior da república brasileira já consolidada em comparação a
países latino-americanos no que tange os exemplos políticos e religiosos, além da
adição de pensadores brasileiros que defenderam a República, como os vários
teóricos citados nessa matéria, e na matéria sobre Ruy Barbosa, que analisamos
anteriormente.
Os jornais ―Norte Evangélico‖, o ―Jornal ―Batista‖ e ―O Apologista Christão
Brazileiro‖ procurava mostrar o catolicismo como o aposto do protestantismo, muitas
vezes respondendo às acusações dos católicos que os acusavam de ser uma
religião invasora norte-americana que objetivava dominar a nação brasileira. Vemos
que havia embates nacionais com relação a esses temas, e que veículos de
imprensa protestantes que circulavam no norte do país, como o jornal ―Norte
Evangélico‖, absolviam essas temáticas e procuravam expô-las ao seu público; no
caso, os protestantes das regiões do Norte e Nordeste.
Um exemplo é a matéria ―Falso nacionalismo‖, retirada do jornal ―D‘O
Combate‖, assinada pelo ―dr. Lauresto‖, o pseudônimo do médico missionário da
Igreja Presbiteriana Independente, Nícolas Soares do Couto.378

Esse nacionalismo que por ahi corre mundo contra as


instituições de origem norte-americana- a Fundação Rockffeler,
e Makenzie College e a Associação Chistã de moços e outras,
não representa realmente o receio de um suposto imperialismo
norte-americano: ele representa apenas um disfarce do
clericalismo, que é um grande inimigo de tudo o que significa
progresso, independente de caráter da liberdade de
pensamento. Essa corrente de manifestações pseudo-
nacionalistas, que são, no fundo, clericaes, [...] Ella vem de
longe; Ella representa a luta do clericalismo contra o
protestantismo, que ella considera a luta do clericalismo contra
o protestantismo, que elle considera em seu grande e principal
inimigo; e secundariamente, contra todas as doutrinas e
crenças liberaes e acatholicas como a maçonaria, o

378
Não sabemos se essa matéria foi retirada do jornal Anarquista ―O combate‖ que circulava em São
Paulo nas primeiras décadas do séc XX, ou se havia um outro jornal chamado ―D‘O combate‖, a
respeito do qual não achamos documentação histórica ou material historiográfico que o analisasse.
Independentemente disso, o próprio jornal ―Norte Evangélico‖ diz que a matéria foi retirada desse
veículo e que, aparentemente, era um veículo de comunicação não confessional, não vinculado a
nenhuma instituição religiosa. ―O dr. Lauresto‖ era o protestante Nicolas Soares do Couto, um médico
missionário presbiteriano que teve um forte posicionamento contra a maçonaria e a favor da cisão da
Igreja Presbiteriana, sendo, após o cisma, membro da Igreja Presbiteriana Independente que
constantemente publicava matérias no jornal presbiteriano ―O Estandarte‖. NORTE EVANGÉLICO.
―Falso nacionalismo‖. Garanhuns, 20/01/1923.
256

positivismo, o espiritismo, e etc. Em assumptos scientíficos,


sociaes ou políticos, que nada tem com a religião, em vez de
se limitarem ao debate de ideias e factos, como seria natural,
aproveitam a menor oportunidade- e até sem motivo- para
revelarem as segundas intenções, e fim occulto da supposta
campanha nacionalista- e ahi vem logo as taes ―infiltrações
espirituais‖, ―infiltração religiosa‖, o ―terrível imperialismo‖, o
―poder do dollar americano sobre as consciências brasileiras‖,
e outras queijandas tolices de fundo clerical. Que a imprensa
clerical e os titulares papaes, de batina e sem batina, assim
procedam se comprehende, estão no seu papel, pois a
mentalidade catholica não compreehende um nacionalismo,
que não seja nacionalismo catholico romano. Más, nós, que
somos liberaes, que nos gabamos de ser acatholicos, que nos
dizemos isentos de sectarismo odiento, que queremos ser
justos e imparciaes, que, afinal, somos republicanos, de acção,
e de palavra, enxergamos o nacionalismo por esse prisma
estreito e odioso, é extranhavel, é odioso, é incrível!
Nacionalismo, que em vez de procurar unir e irmanar todos os
brasileiros no mesmo amor e devotamento a Pátria, sem
distincção de crenças e de côres – procura desunir, procura
separae irmãos, procura atirar uns contra os outros, por causa
de religião ou de côr- é um falso nacionalismo e os seus
pregoeiros devem ser condenados pela opinião publica. O
nacionalismo verdadeiro não é privilégio de religião alguma, o
patriotismo é de todas as religiões. [...] Não julgamos os outros
que divergem de nossas opiniões religiosas por um prisma de
um falso nacionalismo.379

Pela própria presença de um articulista da Igreja Presbiteriana


Independente, uma vertente que surgiu diante do ―racha‖ da Igreja Presbiteriana do
Brasil por esta não aceitar o vínculo entre presbiterianos e maçons, notamos que o
jornal desconsidera essas diferenças e constantemente abre espaço para as
matérias do ―dr. Lauresto‖, grande defensor do racha entre da Igreja Presbiteriana,
mas que, na imprensa ligada à Igreja Presbiteriana do Brasil, que circulava na região
norte do país, tinha espaço para propagar as suas matérias sobre política e religião,
especialmente as com a tônica de confronto com o catolicismo.
A mensagem que a matéria nos passa é que se o catolicismo promove um
falso nacionalismo, a sugestão que o jornal passa é que há um ―nacionalismo
verdadeiro‖ ao qual o protestantismo é favorável. Um nacionalismo que melhor
integra as pessoas, promove liberdade para que as diversas religiões e ideais
políticos possam propagar suas ideias no país. Um nacionalismo diferenciado, que
consegue integrar os diferentes pensamentos não católicos e consegue ser tolerante

379
NORTE EVANGÉLICO. ―Falso nacionalismo‖. Garanhuns, 20/01/1923.
257

com o próprio catolicismo. Um nacionalismo que ―não julga os outros pelas


diferenças religiosas‖.
O interessante na matéria é o fraco viés estritamente religioso protestante, e
o expressivo viés político do texto associado ao religioso. Há uma defesa da
liberdade religiosa ao mostrar que o verdadeiro nacionalismo se refere a uma ideia
que privilegia ―todas as religiões‖ e não apenas o catolicismo. Segundo a matéria, o
nacionalismo católico é separatista, e não une os vários brasileiros pertencentes à
pátria. Há aqui um discurso agregador, que defende um modelo nacionalista que
não exclua outras religiões e ideais como o ―liberalismo, o positivismo e o
espiritismo‖
Não há uma proposta de adesão religiosa na matéria, há aqui uma disputa
religiosa por um conceito de nação, e o jornal procura por intermédio desse texto
propor que o conceito protestante de nacionalismo é melhor que o do catolicismo.
Para criar pontes de linguagem com o seu interlocutor, o autor se coloca como um
brasileiro, que sente atingidos aqueles pertencentes à mesma pátria que ele, sejam
católicos, protestantes ou qualquer outra religiosidade ou ideal político. Há um
projeto de nação sendo proposto e um outro projeto nacional sendo criticado. E
notamos no jornal ―Norte Evangélico‖ a preocupação de selecionar matérias com
esse conteúdo, matérias que promovessem um sentimento nacionalista que atrairia
o protestantismo para se unir a ele.
Vemos isso em outra matéria do mesmo articulista, ―A infiltração americana‖.
Nela o jornal procura atentar seu público para uma ―campanha de
desnacionalização‖ que ocorria no país; segundo o autor, era feita por líderes
católicos para deslegitimar o protestantismo. Como argumento, a matéria chama a
atenção para mostrar que ―ninguem observou qualquer alarma ou qualquer
campanha contra a infiltração franceza que mais que qualquer, desnacionaliza a
nossa mocidade, dos collegios, dos quarteis‖380. Há, segundo o jornal, uma
indignação seletiva entre os jornais por influência católica, na qual países europeus
de maioria católica intervêm em instituições brasileiras e pouco é dito sobre essa
intervenção, mostrando a ―campanha de desnacionalização‖ como uma influêencia
católica que apontava apenas os países protestantes do exterior como sendo os
difusores da chamada ―desnacionalização‖, e ignorando os países católicos.

380
NORTE EVANGÉLICO. ―A infiltração americana‖. Garanhuns, 11/05/1923.
258

Diante dessa possível incoerência apontada na matéria, o jornal continua a


discorrer sobre o assunto:

Previnam-se os nossos compatriotas, aqui, e os nossos irmãos


de além-mar. Contra essas ciladas a sua boa fé; não se deixem
levar por essas accusações, injustas e mentirosas. Patriotas
sinceros e verdadeiros nacionalistas são os protestantes: elles
os são, por patriotismo innato e por obrigação de sua fé
religiosa. Elles não tem chefe espiritual extrangeiro e residindo
do extrangeiro ao qual devam submissão cega, obediência e
adoração, elles sim, adoram a pátria, a família e a Deus. E só
querem a salvação da pátria, acima de tudo, como poderiam
ser desnacionalizadores?!... Aqui e no extrangeiro, no Brasil e
em Portugal, são os cidadãos mais respeitadores as
autoridades constituídas. Deixem, pois, os que não estão a par
das circumstancias, de mal julgar os que são victimas apenas
do zelo religioso clerical; e fiquem prevenidos de que, quando
surgirem novamente accusações do mesmo calibre, o que está
em jogo não é nada mais, nada menos, do que o clericalismo
na guerra surda e constante que move contra o seu grande
inimigo. É pois, uma questão religiosa, não é uma questão de
nacionalismo.
Dr. Lauresto381

Dizer que as acusações como injustas e mentirosas é uma tentativa do autor


de mostrar o nacionalismo como uma característica inata do protestantismo, como
se já estivesse incluído na própria religiosidade protestante as sustentações de um
ideal nacionalista brasileiro, além de pôr os protestantes como um grupo que almeja
verdadeiramente a salvação da pátria. O protestantismo se vende como um agente
messiânico não apenas da salvação do fiel, mas da pátria como um todo.
Construíndo o protestantismo como uma religião verdadeiramente patriótica, seja no
Brasil ou no estrangeiro. Patriotismo, segundo o jornal, é algo inato ao
protestantismo, caminha junto aos seus dogmas. Semelhantemente ao discurso
católico, há uma mescla entre a ideia de ―pátria‖, ―nação‖ e ―protestantismo‖. Um
patriotismo que estaria no DNA da religiosidade protestante.
Ainda assim, notamos que, diferentemente dos católicos, a ideia de pátria e
nação tinha um exemplo externo como um modelo ideal para os protestantes: países
como Estados Unidos e Inglaterra. Os protestantes não se configuravam como uma
religiosidade que traria a ―unidade nacional‖, como faziam os católicos. O seu
modelo salvacionista se construía na declaração de ser o protestantismo uma

381
NORTE EVANGÉLICO. ―A infiltração americana‖. Garanhuns, 11/05/1923..
259

religião do progresso, o Brasil era um país atrasado que precisava progredir, e


apenas o protestantismo alavancaria o país, trazendo a prosperidade necessária
para chegar ao nível de países de maioria protestante, como os Norte-americanos.
O próprio jornal ―Norte Evangélico‖ em seu editorial chamado ―nova época‖,
publicado em 1925, diz que a ―alta missão‖ do jornal seria ―disseminar a doutrina de
Cristo [...], a luz do conhecimento das sagradas escripturas, a educação da família e
do verdadeiro patriotismo‖. Alardear essa representação social do ―verdadeiro
patriotismo‖ era uma missão tão importante para o jornal quanto falar de Jesus
Cristo e das sagradas escrituras, uma missão que fazia parte da ―Nova época‖, uma
época na qual, para além do aspecto religioso, havia uma nova ideia de nação e que
o protestantismo procurava se mesclar a ela, mostrado constantemente como uma
religião para a nação, que, se incorporada, seria a redentora do país.

5.4 ―O CRISTO REDENTOR E O ENSINO LEIGO‖: CATOLICISMO,


PROTESTANTISMO E ESTADO REPUBLICANO

Dentre as representações de católicos e protestantes em sua disputa para


serem reconhecidas como religiões nacionais, é interessante notar como algumas
discussões mais pontuais de fatos ocorridos no país, como a construção da imagem
do Cristo Redentor ou as instituições de ensino no país, foram algumas temáticas
que surgiram no meio de tais discussões e que são interessantes de serem
retratadas para analisarmos como católicos e protestantes viam na prática seu
projeto de poder, entendendo as particularidades dessa discussão no Brasil e como
esses discursos circulavam em Belém do Pará.
Para o catolicismo a sua consolidação como religião nacional tinha como um
dos legitimadores o uso das imagens, já para o protestantismo as questões eram
mais abstratas; as áreas mais debatidas para eles eram a liberdade de consciência,
e, tangenciando esse tema, havia uma temática que constantemente ressurgia nas
matérias do jornal ―Norte Evangélico‖, uma forma de ensino defendida pelo
protestantismo, o chamado ―ensino leigo‖. Esse assunto nos jornais se encaixava a
partir do tema mais abrangente que seria a ideia da separação entre Igreja e Estado.
Esse será o primeiro jornal que se utilizará do termo ―laicidade‖ para se referir a essa
separação.
260

Essa é uma das questões que achamos interessante analisarmos e que se


ligam a toda essa conjuntura e defesa da liberdade religiosa, de consciência e da
separação entre a Igreja e o Estado, ou mesmo uma das formas de entender melhor
a dinâmica política e religiosa do protestantismo.
Com relação aos debates que o jornal ―Norte Evangélico‖ trazia, muito
importante era a questão do ensino. A matéria ―Collegios protestantes‖ começa
criticando um jornal ―clerical‖; o periódico intitulado ―A Tribuna‖ dizia que os colégios
protestantes eram ―um grande mal social‖, e, segundo a matéria, a denuncia teria
sido feita porque alguns colégios estavam ensinando as doutrinas de Lutero e
Calvino.

Nada menos justificado do que [...] mor contra


estabelecimentos de instrucção no Brasil, país que ainda há
uma porcentagem tão elevada de analfabetos que ainda causa
vergonha ao brasileiro menos sensível, depois de quatro
séculos sobre o domínio da instrucção catholico-romana.
Opinar contra estabelecimentos de instrucção no nosso paiz é
declarar-se adepto da ignorância, amigo das trevas e
propugnador do analphabetismo seja qual for o pretexto
pregado para manter tão odiosa [...] Quem ignora que são os
países protestantes que primam pelo amadurecimento de todos
os ramos do amadurecimento humano, e que [...] é a instrução
se acha adiantada oferecendo a menor contagem de
analphabetos. Na Suíça, na Allemanha, nos [...] e nos Estados
Unidos que aprendem os melhores métodos de ensino e é por
isso que a pedagogia tem feito admiráveis avanços. Entretanto,
é nesses países que a chamada doutrina de Luthero
prevalecem. Ainda há quem quer ter seu filho bem instruído
envia-o a Allemanha, Estados Unidos, etc, mas os
escrevedores (sic) do ―A tribuna‖ descobriram que não se deve
deixar que alguém se matricule em um collegio protestante‖ [...]
pode a inveja e a hipocrysia [...] A inveja porque tem os
methodos de ensino protestante [...] grande vantagem aos dos
collegios dirigidos por padres e freiras. Nos primeiros, os
alumnos aprendem as matérias ensinadas com o mais
admirável proveito; nos últimos porém a inferioridade é tão
patente que os paes de alunos preferem os primeiros.382

Os críticos ao sistema de ensino protestante, que a matéria define como


sendo os católicos, são descritos como ―adepto da ignorância, amigo das trevas e
propugnador do analfabetismo‖. O antagonismo promovido pelo jornal se dá quando
os críticos do ensino protestante são vistos como os ignorantes e que jogam o Brasil
em um ―período de trevas‖, e o ensino protestante seria o método pedagógico que
382
NORTE EVANGÉLICO. ―Collegios protestantes‖. Garanhuns, 29/04/1925.
261

faria seus alunos a se instruírem, e, caso seu método de ensino fosse incorporado
no país, seria a alavanca para o próprio país se desenvolver como os países de
elevado nível econômico e de maioria protestante, como os citados pela matéria. O
catolicismo é descrito como a religião que traz um ensino atrasado e ineficaz,
enquanto o protestantismo tem a melhor metodologia de ensino, e que traz a
prosperidade.
No segundo capítulo, discutimos um pouco sobre a cosmovisão protestante
no país, sobre o Destino Manifesto e como missionários protestantes do final do
século XIX vinham ao Brasil com a mentalidade de redenção, não apenas no âmbito
religioso, mas também econômico e social, possuindo os Estados Unidos como
modelo ideal de nação. Matérias como essas nos fazem entender como essa visão
foi se estruturando no período republicano, como se discutia isso no dia a dia em um
modelo republicano já instaurado e como os protestantes articulavam seus discursos
para construir um projeto de nação na república brasileira já consolidada,
especialmente em um ramo tão caro para eles como a educação.
Na matéria ―O estado leigo e o ensino religioso‖, havia uma resposta à
queixa de parte da Igreja Católica com relação ao ensino laico nas escolas públicas,
onde elas não poderiam mais ter uma forma de ensino com uma cosmovisão
católica, mas sim ―neutra‖. A Igreja Católica supostamente estava se queixando de
que o Estado estava cedendo à pressão de uma minoria de pessoas pertencentes a
diversos grupos minoritários, entre os quais os protestantes. A argumentação
católica se utilizava de ideais republicanos para validar a ocupação de seus
espaços, trazendo para si a ideia de ―liberdade de consciência‖, argumentando que
os católicos estavam perdendo terreno para a manifestação da sua fé nos espaços
públicos, e que isso era contrário aos princípios da própria laicidade do Estado, além
de atingir a fé da maioria da população, que era católica. Com isso, no Paraná, se
discutiu uma emenda constitucional para declarar nas escolas que, ainda que
houvesse liberdade para outras religiões, que fosse lembrado nas aulas que a
principal religião era a católica. Um dos trechos da emenda reza que há no ensino
laico ―um sectarismo violento‖ e que ―constituem programma mínimo reivindicações
consciência catholica. Nação está a exigir como justa reparação todo o passado
histórico‖. Essas discussões no Paraná provocaram uma reação do jornal ―Norte
Evangélico‖, e a matéria ―O estado leigo e o ensino religioso‖ foi feita como uma
262

pequena coluna do jornal, produzindo alguns artigos para discutir essas questões e
responder esses questionamentos da Igreja.

[...] Evidentes os intuitos ultramontanos da emenda oriunda do


Estado onde os brasileiros ilustres foram condenados a prisão
e multa, por haverem protestado contra o que lhe afigurou
como o artigo 12 da constituição, não podiam os evangélicos
deixar de unir suas voses aos brados dos que pedem a
igualdade de culto perante a lei, a laicidade do ensino das
escolas públicas e rebatem, como ameaça sorrateira á
neutralidade religiosa da república, a impertinente declaração
constitucional de que a religião catholica é da quase totalidade
dos brasileiros [...] Num regimen democrata de liberdade,
igualdade e fraternidade; numa comunhão fraternal de todos
por um e um por todos; num governo do povo pelo e para o
povo, onde todos os homens são irmãos e todos os cultos são
eguaes perante a lei, não se admittem privilégios sob o rude
pretexto da grandeza numérica dos indivíduos. [...] As religiões
tem suas casas de ensino a quem devem sustentar com seus
próprios recursos, e nellas que seus respectivos adeptos
devem receber o seu pão espiritual de que tenham fome.
Invadir a casa neutra do Estado leigo para ahi instalar recursos
sectários, é que se não compadecem com a verdadeira
liberdade assegurada por um pacto legal fomentador da ordem
social que, por certo, será alterada no dia em que vigorarem as
emendas do porta voz do Paraná. [...] De facto, venha a
declaração pedida, e a permissão tão declaradamente
pleiteada e iremos assistir as scenas mais degradantes de
intolerância as escolas públicas. A minoria acatholica será
impiedosamente desbancada pela maioria intolerante que dirá:
―Sou a religião dos brasileiros, reconhecida como tal pela
constituição; para fora daqui quem não se submeter ao meu
ensino‖.383

A polêmica envolvendo o ensino religioso facultativo nas escolas públicas


parece ter envolvido diversos setores da sociedade no período, muitos grupos
sociais eram contrários a essa medida, e, segundo o jornal, os protestantes estavam
se juntando a eles. Não havia uma definição de quais os grupos que estavam sendo
contrários ao ensino religioso, mas a matéria nos dá indicativos como sendo grupos
que ―bradam‖ a favor da ―igualdade de culto‖, da ―laicidade do ensino das escolas
públicas‖ e contra a uma declaração constitucional em que afirma que ―a religião
católica é a religião da quase totalidade dos brasileiros‖. Ou seja, eram pessoas que
defendiam um modelo de laicidade de estado mostrando que a luta pela laicidade
era abrangente, indo além do protestantismo.

383
NORTE EVANGÉLICO. ―O estado leigo e o ensino religioso‖. Garanhuns, 16/09/1925.
263

Mas é interessante a queixa retratada na matéria. Há uma acusação em que


se afirma que os católicos se aproveitavam da sua maior posição numérica para ter
privilégios do Estado. Há a tentativa dos católicos de terem o ensino religioso
facultativo nos colégios públicos, que, pelo que podemos entender na matéria,
seriam conteúdos com uma cosmovisão católica de ensino. Uma das alegações era
justamente pelo fato dos católicos serem uma religião maioritária na nação, e, assim,
de acordo com a própria dinâmica democrática que privilegia a maioria da
população, teriam o direito de obter espaço nas instituições públicas de ensino, pois
isso seria de interesse da maioria da população que partilhava da mesma fé.
A briga dos protestantes era pela autonomia religiosa, em que cada religião
pudesse construir suas próprias instituições de ensino, com seus próprios recursos.
As instituições estatais deveriam permanecer laicas, sem nenhuma vinculação a
nenhuma religiosidade. Abrir esse espaço para a religião católica, segundo a
matéria, faria com que se assistisse ―as scenas mais degradantes de intolerância as
escolas públicas‖, nas quais uma ―minoria acatholica será impiedosamente
desbancada pela maioria intolerante‖. Para os protestantes, a República deve ser
um estado onde ―todos os homens são irmãos e todos os cultos são iguais perante a
lei, não se admitem privilégios sob o rude pretexto da grandeza numérica dos
indivíduos‖.384
Para desconstruir o discurso do direito do catolicismo ter seus privilégios
assegurados pelo estado por ser maioria, o protestantismo evoca o discurso da
igualdade que o regime republicano traz por assegurar igualdade religiosa na própria
constituição republicana.
Se a República assegura a vontade do povo como soberana, o catolicismo
usaria tal brecha jurídica para manter seus privilégios como religião oficial da nação
e usar de sua hegemonia para continuar tendo privilégios do Estado. Assim como os
protestantes, se utilizando da jurisdição republicana que assegura igualdade
religiosa entre todas as religiões, os católicos se utilizariam dessa nova jurisdição
para recorrer quando o catolicismo procurasse manter seus privilégios de estado.
Notamos que os discursos polarizadores nesses casos se modificam. Enquanto o
catolicismo evocava para si privilégios de estado através da ideia de ter a maioria da

384
NORTE EVANGÉLICO. ―O estado leigo e o ensino religioso‖. Garanhuns, 16/09/1925.
264

população como católica, o protestantismo trazia para o debate para a igualdade de


direitos religiosos garantida pela constituição republicana.
Posteriormente, a matéria faz a comparação entre a situação que acontece
aqui, com o que ocorre nos Estados Unidos:

[...] Nos Estados Unidos, onde, como se sabe, o povo é


libérrimo, os catholicos deixam em alguns logares de mandar
seus filhos ás escolas públicas, alegando que os pastores
protestantes vão a essas escolas e ah (sic) leem e commentam
perante os alumnos trechos da bíblia. Não convindo aos
catholicos receber o ensino protestante, nem a seus paes, em
sensível minoria, manda para seus filhos um professor de seu
credo, desertam os catholicos das escolas públicas. Deante
disso, os catholicos estão pedindo a rigorosa observância da
laicidade do ensino, o que importa na retirada dos pastores
protestantes nas escolas officiaes: E a maioria protestante tem
acolhido com sympathia o pedido da minoria catholica e já
nalgumas escolas publicas não é mais facultativo o ensino
religioso. Lá na livre américa protestante, pedem os catholicos
a proibição do ensino religioso facultativo nas escolas leigas –
em nome da liberdade de consciência e da igualdade de cultos
perante a lei, porque já são minoria. Cá no Brasil catholico,
onde se derribam templos e se matam pastores protestantes,
em nome da mesma liberdade, da mesma egualdade, pedem o
ensino religioso facultativo das escolas públicas, porque são a
quase totalitade dos brasileiros... [...]385

Mais uma vez há a prática de mostrar os Estados Unidos como um modelo


ideal de nação. Nessa matéria, ela é descrita como uma nação que respeita os
grupos religiosos minoritários, representados pelo próprio catolicismo norte-
americano, que traz respeito com relação à ―liberdade de consciência e a igualdade
de cultos perante a lei‖ mesmo diante do público católico minoritário. O termo
utilizado para descrever a nação como ―Lá na livre América protestante‖, já procura
mostrar o diferencial de uma nação majoritariamente protestante, com relação a
outra de maioria católica. ―No Brasil catholico, se dirribam templos e matam pastores
protestantes‖ e é essa mesma religiosidade que está pedindo o ensino religioso
facultativo nas escolas públicas em nome da ―maioria‖. Os Estados Unidos se diziam
a ―América protestante‖, uma nação de verdadeira liberdade e tolerância, por outro
lado o ―Brasil católico‖ é descrito como uma nação de intolerância, perseguição e
caos.

385
NORTE EVANGÉLICO. ―O estado leigo e o ensino religioso‖. Garanhuns, 16/09/1925.
265

Na segunda matéria, ―O estado leigo e o ensino religioso II‖, publicada na


edição posterior do jornal, temos:

E‘ a constituição órgão sectário das proclamações religiosas?


Não por certo! Em seu caracter neutro, perante as livres
manifestações da fé religiosa, a constituição, como pacto legal
da communhão brasileira, na imparcialidade de seus dictames,
assegura a todos os brasileiros o direito de livremente
proclamar, dentro da própria ordem, a sua fé religiosa. Mas a
própria constituição- que não é propriedade ou porta voz de um
credo particular de maioria ou minoria – Não faz, não deve
fazer nenhuma proclamação de fé parcial, mas acatar e
garantir o direito de quem quiser proclamar tão alto quanto lhe
aprouver a sua fé religiosa. E‘ assim na Inglaterra, onde a
Egreja Anglicana, elevada nas pompas reaes do culto
officializado e meio romanizado, não tem a vida expansiva e
espiritual das egrejas evangélicas que repelem os valores do
legalismo secular. Foi assim na egreja dos primeiros séculos,
quando ella apertou na mão sanguentada do imperador
Constantino. Cresceu no século, mas definhou na fé. A torrente
caudalosa e turva do mundo paganizado começou a toldar a
limpidez da verdade apostólica, até que, no século XVI rompeu,
dentro dela, o movimento restaurador que foi a reforma. [...] O
papismo, entretanto, como encarnação viva dessa evolução
multi-secular para a dominação política não compreende o
Estado senão subordinado da Egreja. Examinemos a questão.
Quaes as relações naturaes e licitas que devem existir entre
egreja e estado, antes da prometida volta de Christo ao
mundo? Que e Estado? Que é Egreja? O estado, no conceito
de luminares no saber jurídico ―é a organização do poder
público constituído ou a colectividade abstracta de uma nação
politicamente organizada. Na escructura a comunidade ela é o
principio de unidade e de ordem.‖ [...] No conceito
ultramontano, esse princípio de ordem e unidade, essa
colectividade ab-tracta deve subordinar-se a orientação da
egreja romana e, mesmo sem alma imortal, deve prestar culto a
divindade como o entende o poder espiritual superior que o
papado diz perpetuar. Dahi a tentativa ultramontana de
proclamar constitucionalmente, como religião, da quase
totalidade dos brasileiros a catholica romana, e a permissão do
ensino religioso nas escolas do Estado.386

Nessa matéria o autor já trabalha questões um pouco mais amplas, nela ele
vai discutir sobre o conceito de Igreja, de Estado, conta um pouco da história da
Igreja e discute a sua relação com o Estado em alguns momentos específicos.
Ao longo do argumentos, constrói um eixo argumentativo para demonstrar
que o ideal é a Igreja separada do Estado, mostra que a igreja oficial da Inglaterra, A

386
NORTE EVANGÉLICO. ―O estado leigo e o ensino religioso II‖. Garanhuns, 23/09/1925.
266

anglicana, definida pelo autor como ―meio romanizada‖, por ser oficializada como a
principal religião inglesa perdeu sua ―vida expansiva e espiritual‖ e se secularizou,
despertando apenas no século XVI com a Reforma Protestante que libertou a Igreja
do paganismo. Assim como no período da igreja primitiva, onde a Igreja ao se aliar
ao Estado Romano no período de Constantino ―definhou na fé‖.
A relação entre Igreja e Estado é uma das preocupações da matéria, o autor
mostra as relações lícitas e ilícitas entre Igreja e Estado, situação na qual o Estado
―é a organização do poder público constituído ou a colectividade abstracta de uma
nação politicamente organizada‖. A Igreja Católica procura adquirir uma função
social de uma instituição que deve estar acima desse estado, e que essa
―coletividade abstracta‖ deve obedecer às orientações da Igreja por esta ser
espiritualmente superior àquela, e toda a sua defesa ao ensino religioso no Estado e
o reconhecimento constitucional do catolicismo como religião majoritária era devido
a essa mentalidade católica.
O protestantismo defende o Estado como uma instituição que representa
essa ―colectividade abstracta‖, mas como uma coletividade mortal, e que, por isso,
não deve necessariamente obedecer à Igreja, que deveria ser representante de
almas imortais. Para a matéria, o Estado deve apenas garantir a ordem social e a
Igreja deve, com autonomia, ser a propagadora da parte espiritual sem que o Estado
se submeta a ela. No discurso protestante, o Estado ganha uma autonomia maior do
que teria na perspectiva católica.
Na última matéria sobre esse tema, para além dos assuntos já recorrentes,
há, novamente, o retrato do catolicismo como um agente de caos social.
Essa discussão continua na matéria ―O Estado Leigo e o ensino religioso III‖:

Advogasse a intromissão do ensino catholico nas escolas


leigas, alegando-se a necessidade de sancar pela educação
moral o ambiente da pátria, onde além do jogo, a impureza, o
alcoolismo, putrefazem o ambiente nacional- a hypocrisia, a
deslealdade, a subserviência, a mentira pública e particular, o
cangaceirismo e mil crimes e vícios que estão matando em
suas fontes, as energias moças da Pátria ―fadadas para as
grandezas‖. [...] Por outro lado, esquecem os que pretendem
salvar o caracter nacional como catecismo das escolas
públicas o facto histórico e irrefutável da decadência moral a
que chegou a sociedade brasileira sob o regimem do ensino
catholico nas escolas públicas no tempo do império.387

387
NORTE EVANGÉLICO. ―O estado leigo e o ensino religioso II‖. Garanhuns, 30/09/1925.
267

Para além da alegação do catolicismo ser a religião maioritária do país, uma


outra questão que os católicos trazem, segundo a matéria, é que os valores
propagados pelo ensino religioso nas escolas públicas seriam importantes para
sanar os vícios existentes no Brasil. A moralidade católica precisaria ser passada
através da educação para moralizar o país, e sem ela a sociedade brasileira se
entregaria aos vícios ilícitos.
Como questionamento desses argumentos, os protestantes atestam que
historicamente a sociedade brasileira vivia uma decadência moral no período do
Império, época em que o catolicismo era o responsável pela educação nas escolas
públicas. Mais uma vez, a relação do catolicismo, por ser uma religião ―apóstata‖,
era responsável pela decadência da nação. As causas defendidas pelo
protestantismo, como escolas públicas sem a intervenção do Estado, o regime
republicano, já eram melhores políticas públicas para o desenvolvimento da nação.
Deixar a educação nas mãos do catolicismo novamente representava um atraso que
traria novamente uma decadência moral para a nação, como supostamente era no
período imperial.
A educação e as instituições educacionais se mostram como um espaço de
disputa nesse período republicano, área na qual o protestantismo procura ser
exemplo por meio de suas instituições de ensino próprias. Havia uma visão de
redenção aí; se o Brasil adotasse o modelo educacional protestante seria uma
nação próspera como a norte-americana, a partir da representação social de suas
instituições como as que tinham os melhores métodos de ensino. E na defesa de um
ensino público laico, no qual não deveria ser permitido uma intervenção católica no
saber, havia uma tentativa de se diminuir os espaços do catolicismo e procurar
alargar os espaços da minoria protestante que procurava trabalhar não apenas em
seu proselitismo religioso, mas em um projeto de nação em que a educação
pudesse ser um instrumento para uma mudança na mentalidade econômica e social
do Brasil.
Já citamos o termo ―laico‖ em outros momentos da pesquisa, geralmente
vinculamos esse termo ao tema da separação entre Igreja e Estado. Entretanto,
como notamos na matéria, esse termo passou a surgir nas matérias com maior
frequência algumas décadas após a consolidação do período republicano e no
momento em que se falava sobre educação, então nos parece importante
268

entendermos melhor a historicidade do termo e a etimologia da palavra, para


aplicarmos à conjuntura que estamos analisando.
O termo laico começa a ser utilizado em países como França e Inglaterra no
final do século XVIII e se populariza apenas posteriormente em outras regiões da
Europa. Apesar disso, a etimologia da palavra é antiga, remonta à ideia de ―laos‖
dos gregos, simbolizando um outro significado de ―povo‖ (diferente do ―pólis‖) e que
na Idade Média se tornou o termo usado pelos leigos para diferenciar as pessoas
que não estavam ligadas à Igreja como liderança, o ―clero‖.388
Após o século XVIII, o uso da palavra ―laico‖ e suas derivações foram
apropriadas como alusão às ideias de democracia e progresso presentes na época,
e variavam à medida que esses processos políticos se perpetuavam em cada nação,
especialmente no início do século XX. O conceito de laicidade variava de nação para
nação, sendo utilizado como a tentativa de promover um estado neutro com relação
às crenças religiosas vigentes na nação (como ocorre em alguns países europeus e
nos Estados Unidos), assim como também era um termo utilizado para propor um
modelo anticlerical católico, como o ocorrido na França.389
Como já vimos, desde a Revolução Francesa muitos regimes republicanos
ocidentais procuraram substituir a religião católica por outros simbolismos, como as
festas cívicas para substituir os festejos católicos e os ícones dos santos por
monumentos de revolucionários. Nessa tentativa de substituição, vemos na
Revolução Francesa, por exemplo, a própria educação, antes controlada pelo
catolicismo, se tornando inteiramente estatal. E foi a partir dessas tentativas de
substituição de símbolos católicos por ideais secularizados, especialmente no ramo
da educação, que o termo ―laico‖ começou a ser utilizado, principalmente nos
assuntos que tratavam da substituição dos estudos confessionais católicos pela
educação estatal.
No Brasil, as discussões sobre a educação laica permearam a primeira
república, como as próprias fontes nos mostram e a historiografia corrobora. A
educação laica é discutida desde a fundação da República com a separação entre
Igreja e Estado, mas especialmente em 1920 vemos um debate em que há uma
polarização entre educadores. Surgiram como atores privilegiados os educadores

388
CATROGA, Fernando. Entre Deuses e Césares: secularização, laicidade e religião civil. Coimbra,
Portugal: Almedina, 2010, p.285.
389
Ibidem, p.297.
269

comumente identificados pela historiografia como ―escolanovistas‖ – ou ainda como


―renovadores‖ ou ―liberais‖ que defendiam uma educação laica, religiosamente
neutra, conflitando com os interesses dos chamados ―educadores católicos‖.
O artigo ―Educação escolar na Primeira República: memória, história e
perspectivas de pesquisa‖ mostra que o ensino religioso foi defendido como um
elemento central a ser restabelecido na escola pública projetada pelos educadores
católicos, e o ensino religioso era, por outro lado, combatido pela maioria dos
educadores identificados como escolanovistas, propositores, ao contrário, de uma
escola pública laica, ―religiosamente neutra‖.390
O trabalho de César Romero Amaral Vieira fala das exaltações da elite
republicana ao ensino protestante norte-americano. O autor utiliza-se de falas
icônicas como as de Tavares Bastos dizendo para ―imitarmos a América‖, pois é
uma ―escola moderna, a escola sem espírito de seita, a escola comum, a escola
mista, a escola livre, é a obra original da democracia do novo mundo‖.391 Embora o
autor parafraseie Mendonça, lembrando que essa elite republicana ―em grande parte
liberal, não estavam interessadas na ―religião‖ protestante, mas na educação que os
missionários ofereciam‖, era uma elite republicana que admirava e defendia a fé
protestante, mas não seguia seus dogmas e preceitos.
Há uma convergência de ideias entre parte da elite republicana com os
protestantes sobre a questão da educação, visto que os protestantes também eram
contrários a diversos métodos de ensinos feitos pela tradição católica, como o
princípio da ―liberdade de religião nas escolas e contra a obrigatoriedade do ensino
religioso nas escolas públicas‖392.
A educação era o local onde católicos, protestantes, republicanos,
positivistas, liberais e outros grupos religiosos e políticos acreditavam ser o principal
campo para a formação da mentalidade de uma sociedade. A disputa para conseguir
espaços na área educacional no período republicano visava procurar o melhor
método de ―formar as almas‖ dos cidadãos de determinada sociedade. Pelo o que se
pôde extrair do discurso protestante (muito semelhante ao discurso republicano da

390
SCHUELER, Alessandra Frota Martinez; MAGALDI, Maria Bandeira de Mello. Educação escolar
na Primeira República: memória, história e perspectivas. Tempo. Rio de Janeiro, v. 13, n. 26, 2009,
p.48.
391
VIEIRA, César Romeiro Amaral. Contribuição protestante à reforma da educação pública paulista.
Comunicações. Piracicaba - SP, v. 9, n. 1, 2002, p.08.
392
Ibidem, p.11.
270

laicidade), ele procura tirar dos católicos mais essa esfera de poder, além do
objetivo missionário evidente de promover uma educação protestante no país.
Para além da pauta educacional, nos diversos assuntos onde o
protestantismo evoca a laicidade do Estado, há aqui a tentativa de promover dois
valores que servem para a sua própria proteção enquanto movimento religioso:
―liberdade‖ e ―igualdade‖. A relação dos protestantes com o Estado se dá na medida
em que eles cobram sua liberdade de culto, e a questão da igualdade era uma luta
dos protestantes por disporem de mesmos privilégios e proteções estatais que o
catolicismo – ainda que os protestantes nesse período representassem entre 1 a 2%
da população nacional, diante da esmagadora maioria católica.
É interessante analisar as pautas que católicos e protestantes trazem para o
debate no período republicano. O protestantismo entendia que embora houvesse a
constituição que igualava os direitos das religiosidades, existiam privilégios que o
estado fornecia apenas aos católicos. Privilégios esses que os próprios católicos
consideravam como legítimos, por serem membros da religião majoritária,
escondendo-se, assim, atrás do valor republicano da soberania popular. Há uma
disputa de poder, onde os protestantes constantemente perdem, mesmo estando em
um regime que, juridicamente, os privilegia comparado ao regime anterior. Ainda
assim, são esmagados pela maioria católica, embora após o período republicano
tenham entrado numa reta de crescimento constante que avançou no decorrer do
século XX.
A ideia da laicidade do Estado era um tema discutido no ocidente dos
séculos XIX e XX. Cada país interpretou a laicidade a partir de sua conjuntura social
e assim tivemos diferentes modelos de estado laico pelo mundo. No Brasil, notamos
que a Igreja Católica, mesmo separada do Estado, manteve muitos de seus
privilégios como religião majoritária, e buscava constantemente angariar outros, se
encaixando na nova política apresentada pelo regime republicano. Ainda que a
constituição garantisse a liberdade religiosa e a separação da Igreja Católica do
Estado, na prática, a mentalidade social ainda era católica e isso se refletia nas
atuações do Estado, além de ser aceita pela grande maioria dos indivíduos na
nação, devido à continuidade da hegemonia católica presente nas sociedades. Eis
os motivos de constantemente a Igreja Católica associar, através dos discursos da
imprensa, a ideia do catolicismo vinculada à unidade nacional, por ser ela a única
religiosidade que consegue estar presente no Norte e no Sul do país, sendo
271

inclusive mais incorporada pelos brasileiros que os próprios ideais republicanos. Daí
o discurso católico constantemente reiterado: a República, por mais que fosse laica,
deveria continuar a tratar os católicos como principal religião. Caso não fizesse,
poderia ser o fim da nação.
Entre os protestantes, havia a contínua tentativa de desqualificação do
catolicismo, a educação católica do Brasil era mais uma temática para legitimar o
discurso protestante do catolicismo majoritário brasileiro ser o responsável por todos
os males e atrasos da nação no aspecto econômico e social. O catolicismo seria o
responsável pelo atraso enquanto o protestantismo seria o progresso certo,
conforme o modelo norte-americano, o exemplo máximo do sucesso dessa
religiosidade. Se o Brasil fosse majoritariamente protestante, não haveria não
apenas uma salvação ―espiritual‖ diante de uma religião apóstata, mas uma
redenção nos campos econômico, social, educacional e político. O Brasil seria, ao
fim e ao cabo, uma nação próspera em todos esses aspectos, partícipes da
salvação terrena, chegando ao patamar nacional estadounidense.
Não notamos necessariamente que as tensões entre católicos e protestantes
se davam por um total reconhecimento jurídico, pela aparente ambição de ambas
em se tornar a religião oficial da nação. Porém, fica claro que havia uma disputa
para a conquista desse posto. Essas principais vertentes religiosas amoldaram seus
discursos e suas dinâmicas religiosas para se vincularem ao novo regime. Nota-se
que no Brasil, mesmo em um estado juridicamente laico, havia uma nação que
continuava profundamente religiosa e majoritariamente cristã. Suas principais
vertentes do cristianismo procuravam permanecer na estrutura estatal e adquirir o
reconhecimento do Estado para assim obter privilégios diante das demais. A adesão
da sociedade a elas causaria não apenas uma redenção espiritual, mas também
terrena, conferindo a nação prosperidade e progresso. Tais discussões chegavam
na sociedade e no Estado e tinham efeito na estrutura jurídica, mostrando que um
estado de fato religiosamente neutro, como se prometia como ideal ocidental de
estado laico, nunca ocorreu. Por detrás da ideia de laicidade havia uma sociedade
predominantemente religiosa e que influenciava nas decisões do Estado, nem que
fosse para brigar pela sua própria laicidade em vista de promover maior liberdade
religiosa.
O cristianismo, em especial, nas suas mais variadas vertentes, possui seu
diferencial quando se relaciona com a política, pois traz em sua base um caráter
272

salvacionista e missionário. Quando incorporada por uma sociedade, o cristianismo,


seja qual for, sempre procura promover esse salvacionismo que ultrapassa a
barreira da espiritualidade e emerge na materialidade do cotidiano, procurando, a
partir de seus projetos de hegemonia, ser salvífico também nos aspectos
econômicos, sociais e educacionais – todos bastante terrenos. Assim, uma república
vinculada ao cristianismo tem prosperidades terrenas, por isso essa deve ser a
religião majoritária em todos os país em que está
Bertrand Clercq corrobora com a ideia de que no cristianismo a salvação
não é oferecida pela política, há a diferenciação retratada por outros autores já
citados, sobre a ―Cidade de Deus‖ e a ―Cidade dos Homens‖, mas apesar desse
fenômeno próprio do cristianismo ele não é uma religião apolítica, e a salvação não
está desvinculada do aspecto político:

Noutras palavras, o crente não pode descuidar a política por


saber que ―a figura deste mundo passa‖, visto que a felicidade
definitiva que ele espera é a salvação desse mundo, pelo qual
também é responsável. A promessa de salvação reveste-se
assim duma importância fundamental. É um imperativo de
alcance crítico e libertador em relação à situação política
existente; é um convite traduzir esta salvação as condições
históricas atuais. Se os cristãos vivem realmente das
promessas de Cristo, vivem permanentemente em discórdia
com tudo aquilo que contradiz essas promessas. Neste
sentido, eles são ―estrangeiros‖ e estão sempre ―noutro lado‖.
Nunca se identificam com nenhuma situação. Não que eles
fujam do mundo ou dele se desinteressem, mas a sua tarefa é
transformá-lo [...] no sentido das promessas de Cristo que
devem conservar vivo na consciência do mundo.393

Católicos e protestantes são grupos religiosos politicamente ativos em seus


discursos. Promovem uma política salvacionista onde é necessária uma mudança
primária na mentalidade social, que pede que o mundo tenha a consciência de que o
cristianismo é a principal religião a ser reconhecida pela sociedade. Assim, o
discurso dessas vertentes é que o modelo político republicano tenha a religião cristã
como base e que os novos modelos políticos as favoreçam. Católicos e protestantes
vendem suas crenças como agentes transformadores de nações, e a disputa
religiosa entre católicos e protestantes a nível político segue sempre essa lógica em
ambas as vertentes, que sempre se apresentam como as soluções salvíficas para a

393
CLERQ, Bertrand J. de. Religion, ideologia y politica. Salamanca: Sigueme, 1971.
273

prosperidade do país, e assim devem ser reconhecidas como as verdadeiras


religiões nacionais. Em A cidade dos homens, católicos e protestantes mostram-se
como partícipes das religiões transformadoras da nação brasileira, nos mostrando
uma disputa religiosa que põe em jogo qual realmente deve ser reconhecida como a
salvadora da pátria.
O artigo ―A modernidade do Cristo Redentor‖, escrito por Emerson Giumbelli,
conta que o monumento ao Cristo Redentor foi proposto exatamente para expressar
que o Brasil era essencialmente um país católico. Ainda que o regime republicano,
como já ressaltamos, não proclamasse uma religião em específica como oficial, as
lideranças católicas argumentavam a seu favor como religião majoritária, e que isso
legitimaria o reconhecimento social do Brasil como país católico. Um exemplo é a
Pastoral de 1890, que já reclamava direitos para o catolicismo em virtude do
―princípio, tão proclamado pelo liberalismo moderno, da soberania do número‖. A
construção do Cristo Redentor já era um debate que ocorria desde o fim do Império
nos tempos da princesa Isabel, e que se alongou durante a primeira república até
chegar a data de sua inauguração, em 1931.394
O anúncio do Cristo Redentor e as opiniões a seu respeito ganhavam
espaço na grande imprensa paraense. Algumas matérias sobre o assunto circularam
no jornal ―Folha do Norte‖, informando as etapas do planejamento para a construção
da estátua do Cristo, escritas por articulistas que em geral possuíam uma visão
positiva sobre o tema, normalmente em sintonia com a opinião dos intelectuais
católicos. Como exemplo, temos a matéria ―Ad lucem‖ publicada pelo jornal em
1931, escrita por Jeremias Paraense.

Evoca-se esse assumpto de tamanha magnitude á vista da


imperceptível quão grandiosa recordação do Redemtor, erigida
no cume do Corcovado, tendo aos seus pés a alma christã do
Brasil. Acontecimento social de tão excelente importância,
traduz que a nossa pátria querida afronta a Egreja Catholica, e
tanto assim, que a vossa santidade Pio XI nomeara, pela
primeira vez na américa, um legado <a latere>, personificado
no eminente cardeal D. Leme para representar a sua
majestade de Summo Pontíficie Romano, nas imponentes
homenagens prestadas pelo povo brasileiro a Christo-rei. E
hoje, o dia de perenes alegrias para a alma paraense, o dia de
seu mais indomável e mais heroico sentimento religioso,
exteriorizado em sinceros e piedosos louvores a Virgem

394
GIUMBELLI, Emmerson. A modernidade do Cristo Redentor. Revista de Ciências Sociais. Rio
de Janeiro, v. 51, n. 1, p.75-105, 2008, p.84.
274

Nazarena, Mãe de Jesus, é de crer-se que as graças do divino


filho se distendam do cimo do corcovado. Um raio de luz
vivificadora até este céo equatorial. Gasalhador deste rincão
amado, onde reina a Excelsa Virgem de Nazareth, divina
progenitora do redemptor. Ali, por entre as nuvens diáfanas [...]
Christo Salvador livrará o Brasil de todos os males, aqui, por
entre um côro de anjos, Maria de Nazareh, embalada pelo
murmúrio das preces piedosas de seus súditos, protegerá o
Pará contra todos os infortúnios. [...] Effectivamente,
enquanto milhares de brasileiros rendiam o seu tributo de
piedade ao redemptor, entronizado no coração da pátria,
não se arreleçaram os falsos profetas de vestir a pelle de
ovelha [...] a máxima cautela a ao entrestar-se o
proselitismo protestante, e, especialmente o Lutheranismo
e o Calvinismo. (grifo nosso)395

Jeremias Paraense exalta a iniciativa como sendo de ―tamanha magnitude‖,


um grandioso feito, um legado da Igreja deixado aos brasileiros, idealizando a Igreja
Católica como uma instituição piedosa, ainda que a pátria diversas vezes tenha feito
―Afronta a igreja‖, o Papa Pio XI, mesmo assim, escolhe o Brasil para ser a nação
eleita a receber a estátua do Cristo.
O articulista procura dialogar e comparar o acontecimento da construção do
Cristo Redentor, com a própria religiosidade paraense. A inauguração da imagem do
Cristo Redentor acontecia em momento semelhante ao da romaria da Virgem de
Nazaré, e assim como o Cristo redentor traria a proteção ao Brasil o ―livrando de
todos os males‖, a Virgem de Nazaré ―livraria o Pará de todos os seus infortúnios‖.
Aí estava sugerida e quase forçada uma conexão entre esses dois simbolismos do
catolicismo, e a pena do escritor prossegue poetizando que ―um raio de luz
vivificador‖ saiu do Rio de Janeiro, do Cristo, e chegou até o céu protegido pela
Virgem de Nazaré.
Não sabemos discernir até que ponto o autor vai entre a metáfora e a
realidade de sua mentalidade religiosa, mas o texto deixa clara a conexão que ele se
esforça para criar entre a religiosidade católica simbolizada pelo Redentor e pelo
potente simbolismo da Virgem de Nazaré no Pará.
O Corcovado é representado pelo jornal como simbologia da ―Alma Cristã do
Brasil‖. Ter esse grande monumento como representação mostra o quanto o jornal
quer passar a mensagem de que, apesar de alguns grupos serem contrários ao
catolicismo, e a República ter a Igreja Católica oficialmente separada do Estado, a

395
FOLHA DO NORTE. ―Ad lucem‖. Belém, 1931.
275

sociedade brasileira tinha uma ―alma católica‖, seja pelo reconhecimento e devoção
à figura de Cristo no Corcovado ou pela da Virgem de Nazaré no Pará.
E assim como o autor exalta a construção do Cristo Redentor, há a
costumeira crítica negativa ao protestantismo, os ―falsos profetas‖ que se mostraram
contrários à construção da estátua no Corcovado. O texto sugere que os leitores
tenham ―cautela‖ com relação aos protestantes, especialmente os de linha Luterana
e Calvinista – e aqui leia-se cautela como um prudente afastamento dos perigosos
protestantes.
Notamos o quanto a construção da imagem do Cristo Redentor é
significativa e ganhava espaço na grande imprensa local, sempre com um parecer
favorável a seu respeito. Ao mesmo tempo, os posicionamentos contrários à
construção da estátua do Cristo eram desqualificados, especialmente os vindos de
protestantes, mostrando ser esse mais um motivo de conflito entre as duas vertentes
religiosas.
Na matéria publicada no jornal ―Folha do Norte‖, padre Dubois responde a
uma suposta crítica do presbiteriano Antônio Teixeira Gueiros com relação à estátua
do Cristo redentor que seria construída no Rio de Janeiro. Notemos que essa
matéria saiu em um jornal de grande imprensa em que o padre tinha bastante
espaço. Como já comentado no capítulo anterior, era costume desse jornal abrir
espaço para a crítica de Dubois aos protestantes. A matéria ―O Chisto no Corcovado
- explicações a um pastor‖ se divide em duas respostas de Dubois a Gueiros,
apresentadas a seguir.

O Chisto no corcovado commeteu uma falta de caridade, com o


pertubar o gnomio do reverendo Teixeira Gueiros. O primeiro
pesadelo do clérigo biblista veiu dos quatrocentos contos que,
nos governos idos, o parlamento brasileiro votou para o
monumento. Injustificados são os subsídios officiaes quando
rumam para a Egreja catholica. Outro galo canta, toda a vez
que beneficiou a A. C. M.396, o hospital evangélico, ou o
collegio Mackenzie, até em belo horizonte os methodistas
possuem um vasto terreno que, de mão beijada, lhes foi dado,
pelo saudoso doutor João Pinheiro, no tempo em que, se
usarmos a phase do senhor evangélico, ―a votação de verbas
para qualquer fim era feira com a maior desenvoltura e sem
discernimento nenhum‖. Como não vive de dollars, a egreja
não recusa alguns mil reis que, vez por outra, o governo lhe
ofereça, para construcções religiosas ou casas de caridade. A

396
Associação Cristã de Moços.
276

ser menos nervoso, o senhor Gueiros não caberia na insomnia


por tão vulgar motivo.397

O padre responde a uma suposta queixa do pastor referente à construção do


Cristo Redentor. Embora o parlamento brasileiro tenha aprovado a construção do
monumento e o financiado, esse financiamento de quatrocentos contos, como diz a
matéria, era considerado por Teixeira Gueiros como ―infundado‖. O padre procura
lembrar que as instituições protestantes também têm suas fontes de financiamento,
mesmo que aparentemente não sejam financiamentos estatais, mas que vinham de
pessoas vinculadas a países norte-americanos, e aproveita para fortalecer o
discurso de desqualificação do protestantismo, dizendo que os protestantes eram
financiados pelos ―dollares‖ norte-americanos, já os católicos, por não terem tão
poderosos financiadores, não podiam recusar ―alguns mil reis que vez ou outra eram
oferecidos pelo governo‖ e destinados a construções e casas de caridade.
O que o pastor aparentemente se queixa (e o padre admite e legitima) é a
ligação entre Igreja e Estado ainda existir no período republicano, que financia a
Igreja Católica sendo que ela não está mais vinculada oficialmente ao Estado como
no período imperial. O fato é que a verba destinada à construção da estátua do
Cristo Redentor no Rio de Janeiro era um exemplo do forte vínculo da Igreja Católica
com o Estado, que se mantinha na República, denunciado agora pelo pastor.
Essa matéria nos ajuda a sintetizar muito do que já foi discutido até aqui. Há
um estado republicano que continua hegemonicamente católico, no qual grande
parte das decisões do Estado favoreciam a Igreja. O catolicismo tinha poder estatal
e grande espaço também na própria imprensa não confessional, que propagava
seus feitos de forma positiva. Ainda assim, havia uma tentativa de readaptação do
catolicismo ao novo regime republicano que se consolidava nas primeiras décadas
do século XX, em que este, por meio de novos discursos e dinâmicas religiosas, se
ressignificava; e a construção da estátua do Cristo Redentor era uma dessas
ressignificações. A imagem é a expressão iconográfica da religiosidade católica,
mas para além disso ela era aliada a um elemento discursivo validador oriundo da
imprensa: a construção do Cristo Redentor como sendo um símbolo de redenção da
nação; uma nação católica protegida por seu Cristo.

397
FOLHA DO NORTE. ―O Chisto no Corcovado - explicações a um pastor‖. Belém, 1931.
277

A imprensa fazia o papel de validadora e legitimadora desse discurso. Se,


como tratamos no primeiro capítulo, havia uma ―formação das almas‖, na qual o
monumento era um instrumento para a formação de mentalidades, o Cristo Redentor
era, no discurso católico paraense, ao lado da Virgem de Nazaré, o redentor da
sociedade.
Jascintho Sousa, chegou a tratar em sua tese sobre a reação nacional dos
protestantes diante da construção do Corcovado, que era descrito como idolatria, já
que o monumento era uma imagem. O autor percebe o posicionamento protestante
ao analisar uma matéria publicada no Jornal Batista, em 1923, intitulada ―O Ídolo do
Corcovado‖:

Os que tiveram a infeliz ideia de erigir o monumento a Cristo


Redentor, não tiveram a intenção de honrar a Cristo, mas sim a
de engrandecer o catolicismo romano. Se tivesse querido
honrar a Cristo, procurariam erigir-lhe um monumento não no
corcovado, mas em cada coração. No coração é que Cristo
quer reinar. Eles, porém, pretendem honrar a Cristo,
desonrando-o, fazendo aquilo que ele terminantemente proibiu-
fazendo-lhe uma imagem. Finalmente este monumento a
Christo redentor, veio a por a prova o catholicismo do nosso
povo. Consta que o monumento está orçado em 1.500 contos.
[…] Pois quinze milhões de catholicos, entre os quaes há
muitos ricos e até archimillionários, não podem, voluntaria,
espontaneamente, levantar 1500 contos[?] […] Sem passar por
cima da Constituição para forçar as portas do thesouro
nacional e dos thesouros municipaes.398

Mas não era apenas o discurso religioso a ser evocado pelos protestantes,
havia também o apelo ao princípio da separação da Igreja e do Estado devido à
subvenção do Estado para a construção do monumento. O jornal acusa os católicos
de conseguirem privilégios do Estado na esfera municipal e federal para a
construção do monumento. Há um inconformismo com uma prática de benefícios do
Estado para o catolicismo vigente que os protestantes acusam de inconstitucional.
O protestantismo continuava a se posicionar em contraposição total ao
discurso católico. O financiamento do estado brasileiro era, para Dubois, normal e
natural, e até mesmo necessário. Um discurso que se alinha ao que vem sendo
mostrado até aqui. Uma Igreja Católica que construía uma representação social de
si como a (ainda) igreja oficial, e que, por isso, era legítimo que tivesse o

398
O JORNAL BAPTISTA. ―O Ídolo do Corcovado‖. 13/09/1923.
278

financiamento do Estado. Uma naturalização no discurso e na prática de um


atrelamento do catolicismo com o estado brasileiro.
O maior e mais duradouro jornal da primeira república no Norte do país, a
―Folha do Norte‖, tinha forte apreço pela Igreja Católica, dando espaço para os seus
líderes e defendendo também a vinculação desta com o estado. Há nesse discurso
um relevante exemplo de embate local entre católicos e protestantes, e era por meio
da simbologia das imagens, reconhecidas pela maior parte dos brasileiros e
paraenses locais, que o catolicismo procurava cada vez mais se legitimar como a
principal religião da nação.
Questões como o ensino religioso e a construção do Redentor,
semelhantemente a outras discussões feitas nos capítulos anteriores, nos fazem
refletir como a separação entre igreja e Estado no Brasil, na prática, continuou
debaixo de um guarda-chuva católico, visto que a mentalidade católica majoritária
ainda influenciava o Estado nas leis e em sua aplicabilidade. O protestantismo,
ainda possuindo parte da elite republicana ao seu lado e um código penal brasileiro
que garantia os mesmos direitos do catolicismo, na verdade se limitava a travar
batalhas pontuais acerca de temas como a liberdade religiosa, o ensino laico e as
denúncias de ajuda do Estado em empreendimentos vinculados ao catolicismo,
contendas que pouquíssimas vezes vencia.
Durante a primeira república, católicos e protestantes discutiam sobre
diversas pautas políticas, mas ficou claro, analisando os temas, que protestantes se
apegavam a travar batalhas menores, se aliando a outros grupos minoritários e
lutando por causas pontuais, para assim de certa forma resistir à grande vantagem
que o catolicismo ainda possuía com o Estado.
Com isso, reiteramos aquilo que já discutimos e que nos afirma Chantal
Mouffe: ―Falar de separação entre Igreja e Estado, portanto, é uma coisa; outra é
falar de separação entre religião e política‖.399 Fica claro, nessa fala, que o poder da
Igreja Católica ia muito além das leis, o fato é que havia uma hegemonia de
pensamento católico que ainda perdurava no país e especialmente no Pará.
O cristianismo, desde a antiguidade até o período em que adotamos como
recorte temporal, traz em seu dogma primário a separação entre Igreja e Estado.

399
MOUFFE, Chantal. Religião, democracia liberal e cidadania. In: BURITY, Joanildo; MACHADO,
Maria das Dores (Orgs.). Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições. Recife: Massangana,
2006, p.25.
279

―Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus‖, disse o próprio Cristo
segundo a Bíblia – seja a católica ou a protestante.
Há, na lógica cristã, como descreve Agostinho de Hipona, duas cidades que
mostram um significado religioso inédito: ―a história mundial é o velho afrontamento
entre as civitas. A cidade celeste e a cidade terrena, entre o reino celestial de Cristo
e o reino do mal‖, este último representado pelos reinos terrenos. Esses novos
dogmas trazidos pelo cristianismo com relação ao reino terreno e reino celestial são
retratados por René Rémond como ―o germe da laicidade‖400, e que continuará
presente na história do ocidente que vai se tornando hegemonicamente cristão, e é
a partir daí que ideais que visam a ideia de separação entre Igreja e Estado
começaram a germinar e se desenvolver no decorrer da história da sociedade
ocidental.
Rousseau, seguindo esse entendimento da natureza do cristianismo, retrata
que os homens da antiguidade tinham reis que também eram deuses, sendo comum
reinos teológicos. Segundo ele, ―Jesus chegou para estabelecer na terra um reino
espiritual, que separando o sistema teológico do sistema político fez com que o
Estado deixasse de ser uno e causasse as divisões internas que jamais deixaram de
agitar os cristãos‖401. O cristianismo, diferente das outras religiosidades, diferencia
claramente a cidade ―temporal‖ e a ―celestial‖. Para o filósofo, essas cidades, mesmo
dialogando algumas vezes, em geral possuem sistemas diferentes e em grande
parte antagônicos. Essa distinção entre dois reinos já nos revela dogmas
separatistas da religião com a noção de estado terreno vigente, incluídos na religião
cristã em sua base primitiva e em sua teologia posterior.
Ainda segundo Rousseau, mesmo que os reis de países majoritariamente
cristãos tentassem unificar novamente o controle do Estado à religiosidade, em
contraponto ―O espírito do cristianismo sempre venceu. O culto sagrado sempre […]
se tornou independente do Soberano e sem ligação necessária com o corpo do
Estado‖.402
Já Bernard afirma que os cristãos são os estrangeiros na ―cidade dos
homens‖. São embaixadores do reino celestial e necessários para conservar no
mundo a consciência de transformá-lo ao deixar as pessoas conscientes da

400
RÉMOND, René (Org.). As grandes descobertas do cristianismo. Rio de Janeiro: Loyola, 2005,
p.96.
401
ROUSSEAU, Jean Jaques. O contrato social. São Paulo: Skala, 2008, p.172.
402
Ibidem, p.173.
280

perspectiva cristã de mundo. Se há políticas públicas efetuadas pelo Soberano


contrárias a essa ―consciência cristã‖, deve haver, por parte desses cristãos, uma
ação interventória para que o Soberano possa adequar sua política à consciência do
cristianismo.
A disputa religiosa que ocorria no Norte do país, protestantes brigando com
os católicos para serem reconhecidos como a verdadeira religião nacional, reflete
um fenômeno que ocorria semelhantemente no restante do Brasil e que perpassa a
história do cristianismo no ocidente: a batalha para saber quem é afinal o
cristianismo verdadeiro e genuíno, que ocuparia o lugar de soberania legitimada pelo
Estado.
O fenômeno que ocorre no país, e mais precisamente na região Norte, é o
fato de um grupo cristão minoritário, representado pelo protestantismo, procurar
travar uma disputa religiosa em um país republicano laico, mas com um Estado
fortemente influenciado pela religião majoritária representada pelo catolicismo, que
tinha seu posto de soberania garantida por estar em um país de ―alma católica‖.
281

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Notamos que o cristianismo, mesmo com a efetiva separação entre Igreja e


Estado, na prática não sofreu separação entre religião e política. Os discursos
proselitistas das vertentes cristãs abordadas constantemente evocam também um
discurso político, expresso especialmente por uma disputa religiosa entre católicos e
protestantes para serem reconhecidos como religiões nacionais. A ideia de laicidade
e de República não aplacou essas vertentes religiosas de procurarem seu espaço
dentro das instituições estatais, de alargarem o seu campo de influência entre a
sociedade e de disputarem também entre si um campo de influência política.
Talvez a realidade das discussões sobre religião e política, tanto em Belém
do Pará como no restante do Brasil (e no ocidente como um todo), deve partir
também desse questionamento. Por mais que não houvesse mais uma relação entre
Igreja e Estado, ainda assim se mantinha uma relação entre religião e política.
Católicos e protestantes ao batalharem entre si para serem reconhecidas como a
principal religião nacional, não lutavam apenas por um reconhecimento do Estado,
mas por um reconhecimento da sociedade. Ambas as religiões percebiam que a
sociedade era profundamente religiosa, mesmo estando em um regime político que
procurava separar a religião do Estado, e a partir daí tratavam de tecer seu
proselitismo para atingir essa sociedade.
A separação entre Igreja e Estado no ocidente sempre foi obrigada a se
deparar com esse cenário: tentar instituir um estado religiosamente neutro e
secularizado, em uma sociedade de indivíduos predominantemente cristãos. Por
isso, na prática, esse ideal nunca se concretizou como proposto. A religião sempre
influenciou fortemente a política nas esferas macro e micro, especialmente
considerando que a maior parte dos indivíduos que influenciam na estrutura do
Estado são profundamente religiosos.
Ao nos depararmos com esse fenômeno religioso da separação entre Igreja
e Estado também nos deparamos com outras questões tão complexas quanto, como
o secularismo ocidental, a ideia de laicidade e as nuances de interpretação de cada
país acerca da ―separação entre Igreja e Estado‖. Em relação a esta última questão,
há uma diferença clara de como esse fenômeno religioso e político ocorreu nos
diferentes países ocidentais, seja nos Estados Unidos, França, Itália, Chile ou Brasil.
Assim como outros ideais importados, cada país incorpora esse ideal de forma
282

particularizada, se adequando as suas próprias dinâmicas sociais. No Brasil não foi


diferente. Neste trabalho, tentamos fomentar o debate de como essa separação se
dá na prática em um país como o Brasil, em que, no período em que a medida foi
efetivada, a grande maioria da população era católica. Notamos que, assim como no
restante do ocidente, muito do que se pensou do ideal de laicidade não se
concretizava na prática por aqui. A religião majoritária continuou sendo privilegiada e
procurava se adequar no novo cenário político para manter o poder que já usufruia
anteriormente enquanto ainda era religião oficial.
Apesar disso, esse novo momento político ajudou na rearticulação de outros
grupos religiosos acatólicos minoritários. Nesta pesquisa resolvemos enfatizar os
protestantes, que no início do período republicano representavam pouco mais de 1%
da população, mas que ainda assim conseguiam se articular melhor enquanto
movimento religioso, trazendo também para si um proselitismo político que mostrava
os benefícios sociais de ter uma sociedade predominantemente protestante. Sua
luta política maior não era por uma sociedade laica, mas por uma sociedade
predominantemente protestante que andasse lado a lado com as políticas de
Estado.
Aqui é interessante destacar o diferencial deste trabalho. Abrimos mão da
habitual escolha da Academia pela análise do campo político e religioso a partir de
uma perspectiva ―Centro-Sul‖, e optamos por analisar esse fenômeno à luz de fontes
documentais que circulavam na região Norte do Brasil, de forma que pudemos
debater essas questões a partir de acontecimentos e discussões que ocorriam
nessa localidade. No período avaliado, temos a construção de monumentos que
expressavam a religiosidade predominante, jornais das mais diversas vertentes
cristãs em circulação, construção de templos católicos e protestantes, reformas de
eventos e construção de catedrais para consolidar ainda mais a forte devoção
mariana existente em Belém do Pára pela Virgem de Nazaré; líderes expressivos
surgindo, fossem católicos ou protestantes. Fosse padre Dubois, Antônio Gueiros ou
Justus Nelson. Lideranças religiosas que procuravam se colocar como sujeitos
sociais ativos na cidade, se informando de acontecimentos locais e nacionais, e
utilizando seus veículos de imprensa para passar às massas suas opiniões sobre
religião e política. Daí temos um embate entre católicos e protestantes que envolvia
violências físicas e simbólicas, gerando difamações, agressões físicas e prisões,
reflexo do que acontecia no restante do país, com particularidades locais, fazendo
283

com que a pesquisa contribua para a historiografia local e nacional, e para o


entendimento pleno desse fenômeno.
Retratamos o surgimento do movimento pentecostal, como ele rapidamente
cresceu na região e, posteriormente, no resto do território brasileiro, mostrando sua
relevância na história das religiões no Brasil, considerando que foi e é o movimento
religioso acatólico que mais cresceu na história do país. Procuramos ser
contributivos no debate para estimular a reflexão sobre como o pentecostalismo
cresceu, especialmente por sua dinâmica religiosa dialogar com o católico leigo
popular. Vimos que esse tema era muito rico, e poderíamos aprofundá-lo ainda
mais, porém preferimos limitá-lo às discussões aqui apresentadas para que o tema
específico do pentecostalismo não ocupasse um espaço que ofuscasse o nosso
objeto de estudo. Já lemos obras sobre o pentecostalismo em suas primeiras
décadas no Brasil, entretanto, desde a década de 1990, não vemos trabalhos sobre
a relação do pentecostalismo com a cidade de Belém do Pará em seus primeiros
anos. Acredito que os pesquisadores que se interessarem em pesquisar sobre esse
tema, poderão elaborar uma pesquisa contributiva tanto para a historiografia
paraense, quanto para um movimento tão relevante no Brasil nos dias de hoje.
Das denominações que pesquisei, vimos um número considerável de fontes
e pouco material historiográfico para trabalharmos, foi a presbiteriana. Acredito que
o motivo disso é que o jornal que circulava na região Norte e Nordeste do país, o
―Norte Evangélico‖, não estar disponível no arquivo público do estado, e tampouco
foi digitalizado, como ocorreu com o ―Jornal Batista‖. Assim, por mais que lideranças
como Antônio Teixeira Gueiros tenham sido expressivas entre os protestantes, não
encontramos trabalhos sobre elas, visto que grande parte das documentações sobre
essas personalidades estejam presentes apenas no arquivo presbiteriano em São
Paulo. Teixeira Gueiros também teve espaço na grande imprensa, mas nesses
quatro anos de pesquisa não conseguimos encontrar suas matérias, apenas as de
seus adversários falando sobre ele, como padre Dubois. Incentivo a futuros
pesquisadores que se interessem pelo tema do protestantismo que pesquisem sobre
esse pastor presbiteriano, especialmente porque em um período posterior ao que
abordei, ele começa a se envolver diretamente no campo político, fazendo com que
a sua família se tornasse politicamente influente na região até os dias de hoje.
284

Discussões sobre a separação entre Igreja e Estado, laicidade e


secularização são temas que tocamos na pesquisa, com a consciência clara de que
passamos longe de esgotá-los. Muito se debate sobre essas temáticas em outras
áreas do conhecimento, mas são poucos os historiadores que sobre elas se
debruçam para uma análise histórica aprofundada.
Discussões sobre a separação entre Igreja e Estado, Laicidade,
secularização, são temas que tocamos na pesquisa, com a consciência clara de que
passamos longe de esgotá-los. Muito se debate sobre essas temáticas em outras
áreas do conhecimento, mas são poucos os historiadores que se debruçam em
retratar uma análise histórica sobre esses temas. Sobre como a separação entre
igreja e Estado foi sendo debatida no Brasil no decorrer de sua história. Procuramos
dar uma pequena contribuição ao tema ―Religião e política‖, com a consciência de
que um tema tão abrangente, complexo e atual não se encerra por aqui, e por isso,
incentivamos a nós mesmos e a outros pesquisadores da área de história a também
se debruçarem nesse tema e contribuírem para a historiografia brasileira nessa área.
Hoje temos um quadro político e religioso consideravelmente distinto da
primeira república. Um aumento expressivo das chamadas igrejas evangélicas: um
termo que designa as denominações protestantes e pentecostais. O pentecostalismo
continuou a se expandir desde o período que abordamos e hoje corresponde a 85%
das denominações evangélicas atuais, sendo a maior denominação o
pentecostalismo assembleiano surgido no Norte do país no período em que
abordamos. A expansão das igrejas evangélicas chegou ao ponto de ganhar força
política, elegendo uma bancada que ocupa hoje cerca de 15% do congresso
republicano nacional. Com isso, concluímos que a fé racionalizada e letrada do
protestantismo histórico não conseguiu fazer frente ao catolicismo enraizado da
população, e que o pentecostalismo, com seu convite a experiência sobrenatural,
conseguiu ser a maior frente contrária a hegemonia católica presente por aqui desde
o período colonial, ganhando uma força política e um atrelamento ao Estado que o
protestantismo histórico nunca conseguiu alcançar.
Refletir sobre os caminhos tomados por protestantes e pentecostais do
período em que estudamos até o presente momento poderá contribuir para
entendermos melhor sobre a religiosidade brasileira e os movimentos políticos e
religiosos de nossa sociedade atual.
285

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