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22/05/2020 13:46
Atualizado em 23/05/2020 às 14:27
Sobre a primeira iniciativa, qual seja a suspensão de pagamento das dívidas, o art.
2º do PLP prevê que, de 1º de março a 31 de dezembro deste ano, a União cará
impossibilitada de executar as garantias contratuais.
Assim, um primeiro ponto a ser observado é que não haverá ampliação do prazo de
pagamento, o que evita mais uma postergação do endividamento entre entes
federativos.
Por certo, evitar a perpetuação dos vínculos de dívida caminha tanto na direção da
autonomia das unidades federadas, como da própria Lei de Responsabilidade
Fiscal (LC nº 101/2000), que, em seu art. 35, veda operações de crédito entre entes
federativos.
Outro ponto substancial do PLP está no seu art. 3º, que excepciona, durante o
estado de calamidade pública decretado para o enfrentamento da pandemia, o
atendimento às condições e vedações para renúncia de receita de que trata o art. 14
e para a criação ou aumento de despesa obrigatória de caráter continuado previstas
no art. 17, ambos da LRF.
Esse é, desde já, um ponto que carecerá de certa cautela interpretativa caso venha a
ser sancionado, sobretudo no que toca à abrangência da expressão “execução de
garantias” por parte da União, notadamente em contratos externos avalizados pelo
ente central.
Isso porque, da forma como redigido o dispositivo, poderá haver dúvidas se, com o
inadimplemento dos entes subnacionais, estaria ou não a União, por força de lei
interna, dispensada de cumprir compromissos pactuados com entidades externas,
como a honra de aval.
Por sua vez, representando a terceira iniciativa legal, o artigo 5º do PLP disciplina o
auxílio nanceiro direto aos estados, Distrito Federal e municípios, prevendo o
repasse de recursos, em quatro parcelas mensais e iguais em 2020, da ordem de R$
60 bilhões para aplicação em ações de combate à Covid-19 e mitigação de seus
efeitos econômicos, sendo que R$ 10 bilhões serão destinados exclusivamente à
saúde e à assistência social, dos quais R$ 7 bilhões carão a cargo dos estados –
usando-se a taxa de incidência divulgada pelo Ministério da Saúde e os dados
populacionais como parâmetros de distribuição – e R$ 3 bilhões dos municípios,
cujo rateio cará por conta apenas do tamanho de suas populações.
Por outro lado, o art. 7º do PLP nº 39/2020 propõe alterar, de modo permanente, o
art. 21 da LRF, para restringir a prática de atos que resultem em aumento de
despesa com pessoal e que prevejam parcelas a serem implementadas em períodos
posteriores ao nal do mandato do titular de Poder ou órgão[4], e o art. 65 da mesma
lei, que trata da decretação do estado de calamidade pública, gerando maiores
exibilizações de seu regime jurídico, para, por exemplo, dispensar limites, condições
e demais restrições aplicáveis aos entes federados, bem como sua veri cação, na
contratação e aditamento de operações de crédito; concessão de garantias;
contratação entre entes da Federação; e recebimento de transferências voluntárias.
Por m, o art. 8º, objeto de debates mais intensos nos últimos dias, estabelece uma
série de vedações relacionadas ao aumento de despesas obrigatórias até 31 de
dezembro de 2021.
Entre as principais, citam-se a impossibilidade de aumentos ou reajustes a
membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos, à exceção de
algumas categorias; as vedações à criação de cargos e alteração de estrutura de
carreira que impliquem aumento de despesa; à contratação de pessoal, ressalvadas
as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios; à criação de
despesa obrigatória de caráter continuado sem medida de prévia compensação e ao
reajuste de despesa obrigatória acima da in ação (IPCA), entre outros.
Dessa forma, com o Projeto de Lei Complementar nº 39, de 2020, motivado pela
crise econômica e sanitária decorrente da atual pandemia, está-se diante novamente
de socorro federal às contas públicas estaduais e municipais.
A nal, nas palavras de Stephen Holmes e Cass R. Sunstein, “a con ança numa
estabilidade de longo prazo é em parte um produto da imposição con ável das leis, ou
seja, de uma ação estatal vigorosa e decisiva”[5]. Que, nesse estado de
excepcionalidades, possa ter sido a melhor saída. Aguardemos a sanção (ou os
vetos).
[2] Interessante notar que o § 5º do art. 2º do PLP nº 39/2020 indica a necessidade dos entes
[3] Sobre a judicialização das crises scais dos Estados brasileiros e o papel do Supremo
Tribunal Federal, ver: ECHEVERRIA, Andrea de Quadros Dantas; RIBEIRO, Gustavo Ferreira. O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO ÁRBITRO OU JOGADOR? AS CRISES FISCAIS DOS
ESTADOS BRASILEIROS E O JOGO DO RESGATE. REI – REVISTA ESTUDOS INSTITUCIONAIS,
[S.l.], v. 4, n. 2, p. 642-671, dez. 2018. ISSN 2447-5467. Disponível em:
<https://www.estudosinstitucionais.com/REI/article/view/249>. Acesso em: 09 de maio de
2020. doi:https://doi.org/10.21783/rei.v4i2.249.
[4] Foi o caso, por exemplo, da Lei nº 13.464/2017 no âmbito do funcionalismo público federal.
[5] HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R.. O custo dos direitos: por que a liberdade depende dos
impostos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2019. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. ePub.
LEANDRO PEIXOTO MEDEIROS – Advogado da União, com atuação perante o Supremo Tribunal Federal.
Coordenador-Geral de Ações Originárias da Secretaria-Geral de Contencioso da AGU. Graduado em Direito
(Magna Cum Laude) pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Processual Civil pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
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