ARTIGO
Abstract: We treat here the essential features of borderline states, such as the
uniqueness of its management. From the contribution of some authors like René
Roussillon and André Green we show that the relation self / other is at the heart
of their problem. The inability to internalize the object sets the subject in a state
of extreme dependence on the other, paradoxically experienced as intrusive.
This kind of relation is repeated in the transference and the analyst, with her
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Psicóloga; Mestre em Teoria
Psicanalítica pela Universi-
interventions should not be experienced as intrusive, or as missing. We explore
dade Federal do Rio de the dimension of countertransference and the concepts of “implication” and
Janeiro ; ex-bolsista da “reserve” of the analyst, as well as the, so important in these cases’ therapy.
CAPES (Mestrado).
raquelgiudice@gmail.com
Keywords: Borderline states, Object, Psychoanalytic technique,
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Psicanalista; Doutora em Countertransference.
Psicopatologia Fundamental
e Psicanálise - Universidade
de Paris Diderot- Paris 7
(França), Professora Associa- Na clínica psicanalítica contemporânea observa-se significativo aumento de
da da UFRJ (Prog. de Pós- pacientes anoréxicos, bulímicos, psicossomáticos, drogadictos, dentre outros, nos
Graduação em Teoria quais se percebe, de maneira significativa, a convocação do corpo e do ato.
Psicanalítica); Membro da
Associação Universitária de
Diversos psicanalistas têm reunido esses quadros clínicos, respeitada a
Pesquisa em Psicopatologia
Fundamental. Pesquisadora peculiaridade de cada um, sob a designação de “estados limites”. Não obstante,
do CNPq (bolsa de produti- ao percorrermos diversas considerações teóricas relativas a estas patologias, cons-
vidade em pesquisa).
rezendecardoso@gmail.com
tatamos que tal denominação não é empregada de modo uniforme no meio
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SIG revista de psicanálise
psicanalítico, e que inúmeros termos distintos são utilizados para tentar circuns- ARTIGO
crever a problemática psíquica desses estados clínicos. Vale destacar que esses
diferentes termos não significam apenas variações terminológicas, mas que cada
um deles diz respeito a diferentes pontos de vista implicando, inclusive, diferen-
tes estratégias de tratamento.
Contudo, Figueiredo (2003, op. cit.) sublinha que, apesar das diferentes
concepções a respeito das patologias limites, uma de suas características
marcantes, reconhecida por todos os autores que ao longo dos anos vêm se
dedicando a esse tema, sem exceção e, para ele, é das que melhor definem a
dinâmica própria ao funcionamento psíquico nessas patologias. Refere-se:
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No entanto, essa última característica nos leva a uma questão sobre a qual
gostaríamos de refletir, brevemente: a própria denominação “estados limites”
nos remete à questão das margens, das fronteiras, isto é, da definição dos limites
internos e externos do aparelho psíquico, que consideramos estar associada à
da relação com o outro (interno e externo), fundamental na configuração das
fronteiras psíquicas.
Segundo Villa e Cardoso (2004, op. cit.), no que tange aos estados limites,
não se trata de supormos apenas a presença de fragilidade nas fronteiras entre o
eu e o outro interno e externo, já que isto poderia significar a redução destas a
simples linhas divisórias. Nestas patologias, as autoras consideram que uma das
principais marcas “é a presença no sujeito de uma dificuldade na capacidade de
transitar entre os diversos espaços fronteiriços que compõem o universo psíqui-
co” (Ibid., p. 67), o que decorre do fato de a relação com o outro apresentar-se
afetada por uma dimensão intensamente ameaçadora.
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junto das operações psíquicas, tais como o recalque, a negação, o desmentido e ARTIGO
a forclusão, que se estendem ao conjunto das instâncias que compõem o
psiquismo.
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No que concerne aos estados traumáticos primários, este autor, nos diz
que eles
Diante dessa ameaça, o ego, como uma das defesas extremas possíveis,
pode vir a se “retirar” da experiência traumática inicial, cortando-a de seu espa-
ço psíquico, isto é, pode efetuar uma clivagem dos elementos traumáticos. A
clivagem seria, então, uma das formas de defesa que o ego utilizaria para lidar
com o que é excessivamente intolerável, o que a torna fortemente correlacionada
com as experiências traumáticas.
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SIG revista de psicanálise
“No caso das neuroses, entretanto, uma dessas atitudes pertence ao ego e a
contrária, que é reprimida, pertence ao id. A diferença entre ambos os
casos é essencialmente uma diferença topográfica ou estrutural, e nem
sempre é fácil decidir, num caso individual, com qual das duas possibili-
dades se está lidando.” (FREUD, 1938b/1996, op. cit., p. 217)
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ARTIGO ego diz respeito à ruptura que ocorre na subjetividade frente ao traumatismo
primário. O sujeito “corta” sua vida psíquica subjetiva, “retira” de si a impressão
traumática. A subjetividade passa a estar dividida em uma parte representada e
uma parte não representada.
No entanto, como Freud havia sublinhado que qualquer que seja o esforço
de defesa que o ego faça, mesmo que recorra a uma defesa extrema como a
clivagem, “o seu sucesso nunca é completo e irrestrito” (FREUD, 1938b/1996, op.
cit., p. 217). No caso das patologias limites, isto tende a ocorrer porque a defesa
está sob o domínio do princípio de prazer, mas o conteúdo clivado, não represen-
tado, estaria “além do princípio de prazer”, submetido à compulsão à repetição.
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operação da clivagem não é, portanto, suficiente; será necessário repeti-la ou or- ARTIGO
ganizar as defesas contra o retorno do estado traumático. Para tentar “ligar” e
interromper o retorno do clivado, o ego põe em ação as defesas complementares.
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ARTIGO notável entre esses dois processos. Tudo parece se passar como se o psiquismo,
confrontado aos fracassos de suas tentativas para integrar a experiência traumáti-
ca, viesse a colocá-la de lado esperando que um objeto venha, em nome do amor
ou em virtude de uma forma de contrato narcísico extremo, reencontrar e vivificar
ou reaquecer a parte da qual o ego teve que se “separar”, mediante a clivagem.
Diz ele, por exemplo, que: “O médico deve ser opaco aos seus pacientes e,
como um espelho, não mostrar-lhes nada, exceto o que lhe é mostrado” (FREUD,
1912/1996, p. 130). Desta forma, Freud considera a contratransferência como
uma espécie de “resistência” cuja manifestação se dá no psicanalista em relação
a seu paciente, que pode vir, com o conteúdo de sua fala, vir a nele mobilizar
conflitos inconscientes.
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SIG revista de psicanálise
Assim, o analista coloca seu próprio aparelho mental em ação, fazendo uso
de sua elaboração imaginativa, o que visa auxiliar o aparelho mental do pacien-
te a construir a sua própria elaboração da experiência traumática. Mas, para tal,
o manejo da contratransferência revela-se fundamental. Acrescenta Aisenstein
(2002) que, diante dos elementos clivados, submetidos à compulsão à repeti-
ção, o analista necessita realizar um trabalho psíquico através do que é atuado
na relação transferencial para, assim, poder vir a apreender tais conteúdos.
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ARTIGO sejam vivenciadas como intrusivas. Mas o analista deverá também ficar atento à
necessidade de ser percebido como presente, pois a sua ausência pode remeter
o analisando a um insuportável sentimento de desamparo. Qual a singularidade
do manejo da transferência na análise dos estados limites?
Para isto, uma boa “sintonia afetiva” entre analista e analisando revela-se
igualmente essencial para que o analista consiga avaliar a justa medida de suas
intervenções. Por um lado, elas devem permitir que o paciente se sinta “vivo” e,
por outro, não devem ser sentidas como intrusivas. No que concerne à posição
do analista no processo analítico dos pacientes limites, Figueiredo (2003, op.
cit.) pontua que o que deve caracterizá-la é a sustentação de uma presença, ao
mesmo tempo, implicada e reservada, isto é, uma forma de estar presente por
meio da qual se constitui um “espaço potencial”. Nesse espaço potencial po-
dem emergir recursos da simbolização, sendo esta fundamental para que as trans-
formações psíquicas aconteçam. Assim o lugar do analista se constitui como
Para isto, o analista deverá ocupar uma posição reservada, mas implicada,
isto é, trata-se de uma presença que contenha em si uma certa ausência, sendo
esta uma ausência convidativa, acolhedora, que se constitui como disponibili-
dade do analista de uma “reserva de si para o outro” (Id., ibid., p. 25).
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do outro para sentir-se vivo. Ao se colocar numa posição mais passiva, confor- ARTIGO
me indicamos acima, o analista tende a remeter o paciente a uma vivência de
ausência do outro, devido à sua dependência em relação a este como forma de
manter reunidas as partes do eu desintegradas. Este sentimento de ausência po-
derá remetê-lo à angústia de aniquilamento e de perda de si, circunstância que
viria inviabilizar o tratamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AISENSTEIN, M. Construire, inventer, élaborer. In: Inventer en psychanalyse construire
et interpreter
interpreter. Paris: PUF, p. 67-77, 2002.
scritos
FERENCZI, S. (1928) Elasticidade da técnica psicanalítica. In: Sàndor Ferenczi, Escritos
Psicanalíticos. Rio de Janeiro: Tavares e Tristão Ed, 1984, p. 301-312.
Psicanalíticos
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Completas
Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol. XII, p.123-133.
VILLA, F. C. & CARDOSO, M. R. A questão das fronteiras nos estados limites In: CAR-
DOSO, M. R. (Org. ) Limites
Limites. São Paulo: Escuta, p. 59-70, 2004.
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