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ECLEA BOSI MEMORIA E SOCIEDADE LEMBRANCAS ‘DE VELHOS ex Aparecida do Norte, perto de Guar estava aqui em Sao Paulo. Meus a sonheci minhas duas avés, materna ¢ paterna. 2 meus pais até teés anos, depois eles se separaram, fiquet jatscha mae. Minha mac era empregada, trabalhava na casa de advogados, naquela €poca, do estado de S40 Paulo: ‘eu, Eu era tratada como tado... Ficamos um bom .&c. Ciryllo¢ d, Maria Amélia Ciryllo, na rua Martim Francis: eu era pequenina. Depois, eles mudaram para a alameda Dessa casa, Iembro de muita fartura: tinha cozinheita, pa: zs, principes encantados... eu era muito pequena, “== pouco, nao lembro, sei que ficava muito tempo & noi historias dela. ecb uma casa grande, a da familia Ferreira Alves, 08 pais de ta, Ficava na avenida Tiradentes, esquina com a rua Ro- Sva: hoje € um. quartel. Lembro de leié, das mogas da casa = muito a janela, eram bonitas, uma porcelana, como sc dizia or tinha 0s cabelos brancos e sufcas. D. Messias, a me, an- bata branca — naquele tempo 0 nome era matinée — entre: rendas valencianas, preguinhas. Trazia sempre as chaves da inte despensa no 6s da saia. E na hora de fazer 0 almogo # cozinheira ia ‘chamar a dona da casa, com uma bacia na mao. Ela abria a despensa fe media as xicaras de arroz, de feijio, a cebola, e dava tudo para a coz nheira, era hébito, ‘Minha mie eta carinhosa comigo, ‘a vida era muito sofrida, tra- balhar com uma crianca de trés anos, ou mesmo maiorzi € dificil Lembro que minha mie trabalhou numa casa onde os meninos cram q levados, me beliscavam, puxavam o cabelo, Endo inha mae me tran- cava na despensa € levava minha comida para Id, Ela fazia por mim 0 ‘que podia, mas nio podia fazer muito, ‘A pessoa sendo simples, mas tendo sua casa, tendo pai Eu ni tive pai, nem irmdos: a vida era de muito sacrificio. Pagivamos er mit téis por um quartinho de telha-v, Uma noite uma vizinha pr cisou dormir conosco ¢ chovia forte. Ouvimos bat Gue comia no escuro ¢ minha mae perguntou: “O que voc? esté co ‘mendo, Mariazinha?”. “Estou chupando as pedrinhas de gclo que caem na minha cama”, ela respondeu. Depois fomos moras na rua Conselheiro Nébias, que naquele tem po era residencial como, hoj o Jardim América; fm palacetes. Eu ndo morava numa casa, morava num quart nha mde, numa ‘A rua Conselheiro Nébias era uma maravilha por nha, pegador, de lengo-at ficar até as 0 ‘para encher 0 caniarinbo ‘Rolam lirios pelos montes, jas pelos montes, bai @ fonte e vem sozinba Linda fior desconbecida, linda lor desconbecida que 0 sol beija ao nascer. Deixa-te estar escondida, detxa-te estar escondida nessa paz de teu viver. ‘Quira, que eu cantava para minhas netas, quando eram peque- Vestidinbo branco vai mutto bem ‘mas a menina Yoonne nao quer ninguém. bi Yai de ramo em ramo, vai deflor em flor, Vai de brago dado com seu lindo amor. Aquele bairro ficou horrivel; quando passo por li, naqueles Cam- dé uma dor no coracio. Aquilo era maravithoso, aque- g Poss quietas, aqueles jardins, aquela coisa... O quarto em que morei mais, vou fazer setenta e quatro anos, aquilo com | Eu sou pobre, pobre, mas minha mae era muito carinhosa c ‘muito carinhosa mesmo. Quando era pequena nao tive as coisas, gueria, mas eu tinha catinho, Minha mae, nao lembro nem de serme batido. Morei sempre com ela, quando ela trabalhava, fica- {gm minha avo. Ela era meio bravinha, queria que cada um fizesse iG coisas mas nunca vi bater em ninguém, A gente ajudava, sempre ato, como se diz, mas da- também trabalha- inha mae. Nao dei preocupacdo para minha mae, nunca doente, s6 catapora... Nessa época minha mae trabalhava no _ Quando a gente se confessa tem que falar toda a verdade. Entio, pe estou falando toda a verdade pra vocé, eu nao tive Natal na mi- 38a, Minha av6 punha uma toalha na mesa com um bolo de fuba, ele era o Natal, Eu trabalhava, minha mae trabalhava, meu aniver- passava desapercebido. mbro de uns vizinhos: d. Maricota, portuguesa, casad senor — posso falar? — de cor, mas era uma familia muito dis- Fazia ligdes com o filho deles, da minha idade. Almogava la, de ir para a escola ela me preparava um lanche. Essa familia sito boa para mim, como sabia que eu... Um dia, seu Eugenio dois vestidos e um par de sapatos do Ao Bon Mar- como se diz. agora. Mais tarde, ainda ‘Quero cantar uma cangio que d. Maricota cantava para a menina 1a Strambi (0 dur de i = Irene, quando cla era de colo: 4 Brame Straml Frederic.) Maria tavava, José estendia, ‘@.0 menino chorava que ainda existe. Minha tia traby a Todas as pessoas daquela ruazis nto eee el a, fica Eu ficava com minha av6, que era cega, Depois de lavar a lou nao chores, filbinbo, j -do almogo ia brincar com uma meniaa de min! tam- ‘ndo chores, minba flor. 106 mi ide, que somava conta de seus irmZozinhos, enquanto a mie trabalhava, Eu gostava tanto dessa cangdo que mais tarde cantet também para sae sala ali no campo, catava uma flor... Um dia, em cas ‘minhas netas, # eu falei assim: “Olha C: Si pé, o bom era se tivess $ que bobagem, isso af ndo ¢ problema... A gente sai por af, no cam. Aprendi a ler no Grupo Escolar do Triunfo, na alameda Cleveland, | z cheio de vacas, eu sei tirar leite. Voce tem uma cord: depois da ponte do Bom Ri je nao sci se tem outro nome, ‘que voces esto falando?” ‘mas o grupo existe. Entrei com sete anos, estudei até 0 terceiro ano, tada, n6s vamos dar uma volta’ ‘nha uns nove anos. $6 lembro da minha professora do primei correndo atris das vacas ¢ a crianga- : Quando a mamma vier eu vou con- usava culos. Lembro também da minha - F eu, correndo também, com caneca para ajudar a tirar 0 leite depois escrevi uma cartinha para ela, ela me respondeu. 4 | Sm: ela conseguiu segurar 0 rabo de uma vaca que arrastou ela um ‘Nao lembro dos coleguinhas, mas lembro das aulas de abuada, geo- Pedago. NOs ficamos sem Ieite, © remédio foi grafia e eu gostava muito de hist6ria, como até hoje; nio tenho estudo nenhum, como eu disse pra voce, guardo as 16s safmos, eta falou: “Vocé quer saber como cu vou coisas mas gosto de ler. Tinha notas boas em tudo, mas minhas melho- Eu montol...”. “Mas como vocé vai montar a cavalo, res notas eram sempre de hist6ria. Quando nao passci para o quarto chorei tanto quando soube que pre- Naaula de composicdo me lem- bro que a professora contava uma hist6ria, eeu, que gosto de escrever, | Es acompanhava nas ‘ela mandava recompor no quadro. As professoras eram muito boas, no Sc: amolando muito, cla fechou todos no armério. Fla era muito cantigavans pica, €u no era tanto, mas era levada, No sci mais dela, No meu Lembro de uma poesia que decorei na escola Sento ela foi me cumprimentar, foi a ultima vez que a vi. Talvez = cla exista ‘Um dia fiquei com tanta raiva, vieram em todas as casas dois funcio- s, escreveram o nome de todas as pessoas € marcaram 0 dia para seo de Santa Maria. Tinha um cheito horrfvel, nao deu paca fugir, Hei: “Posso tomar ali atris da porta?”. Disseram: “Olha, menina, voce mar, nunca vi ; aquele cheiro parece ‘nem o primério completo. | ai mais. Foi geral, todos em Sto Bernardo tiveram que tomar. $6 lembro bem da época da Conseiheiro Nébias para cf... com se me lembro se essa campanba foi antes ou depois da gripe es te, oito anos. Com menos idade, minha vida foi sempre assim, andar | a. Tenho uma vaga lembranca que a gripe espanhola foi depois. | Vai-se a primeira pomba despertada, vai-se ouira, mais outra, enfim derenas de pombas vio-se, apenas raia a madrugada. Hoje, gosto de ler, mas nao lembro de livros, jomnais, quando era crianga, nem radio, No terceiro ano precisei sair do grupo, nao tenho 100 i i ‘Todos se conheciam naquele pedago e de repente vinha alguém e di, lomena morreu ¢ o filho dela morreu també abe, as duas mocas que moravam Ia? Morreram”". Eu v assustada mas no se tomava nenhuma providencia. ‘eve casas em que ara mim 6 ta, minba Carabs. morreram todos, Em outras casas, ficava uma, duas pessoas. Meu tic, minha tia e minha av6 ficaram doentes: eu precisava dar um caldints E a cabeca enquanto rolava A inbo ainda murmurava. sminba Carabéooo preciso subir a escala, porque é muito alto) e acerca de arame, na frente, havia um pogo, 110 mi quele tempo, ums noite... a corrente do pogo era mui om arames. As familias cstendiam suas roupas na cerca. vam duras de geada, parcciam um fantasma. Até hoje me A casa branca da serra igua de nossa tina estava uma pedra de gelo. Como podia la nde ou passava horas inteiras roupa no gelo? Tirar 4gua naquele frio era dificil também. Fiquei in: » as esbeltas palmeiras cisa, mas acabei quebrando 0 gelo da tina e puxando gua do po Quem estava aqui em Sto Paulo, ouvi falar, nao sei se é certo, que levavam a gente que morria até ei caminhao. Em Sao Bernardo morreu muita gente, Quando meus ti Jevantaram eu loente. $6 tomei ché ¢ caldinho; naquela épe no davam gua para a gente. Bu tinha sede ¢ pe ‘mas tinham medo que me fizesse mal. Todos, todos 0s de Sao Bernardo, todos. Com oito anos, uma mocinha mais velha que eu me ensinow ‘modinha que ndo tem mais ninguém que lembre. Foi a primeira Go que escutei depois das cantigas de roda: iva também de ouvir “A casinha pequenina” e: 2 assim espantad es pra eles ¢ ndo travia para Aqui em S2o Paul familia de d. Maricota passcar de caleche no Carnar Jembranga desse passeio, fiquei toda Numa lenda do Norte, contam com singeleza =o tinha um pierrd azul, Ele me emp: (9 amor de um guerreiro, que amava uma princesa, que para usar o plerr6 eu precisava dobrar a © pobre namorado, andava apaixonado uing2 porque cle cra mais alto que cu. Dava umas ‘elas florestas negras sem fim, ndo ele voltava desmanchava as bainhas depressa para ele 6 minha Carab0, dowste 0 meu coracao, Ssbealiaahictentty a2 dez anos comecei a trabalhar numa oficina de costura, na rua bedalitonaespogpienraysaneey jer De na Santa Cecflia. Ganhava cinco mil-ré gs. As meninas varciam a sala, juntavam os alfinetes do chao, ar- tm daft pedi a m0 ss as linhas nas caixas, O nome da proprictéria era La Battaglia fen ee doze anos, comecei a trabalhar na oficina de costura na rua jos is wager > Caxias. Voct veja que naquele tempo era calmo, porque eu uidtiae tan eee foo us José Paulino ¢ ia até li, a pé. Eu jé chuleava, fazia uma bai- 6 condenado a morte. ‘ec certeza eu tinha jé uma tendéncia pra isso. Naquele tempo Ea Carabo, pobre infeliz, “a tantas maquinas de ponto a-fours. A senhora, talvex jéfalec- 2 rolos de nanzuque, cambraia, para vender a metro; ¢ eu, depois Poor Teal ‘que as mogas saiam, ficava para ajudar minha mae, fazendo gregas ponto a-jours ou ponto a-jours corrido. Ganhava assim um pouquinho mais, uns quinhentos ris, fazig ro. Ganhava uns dez mil-réis por més, para trabalhar desde as oite ras até as scte horas da noite. Era pouquissimo, Quando as mogas sais ‘como eu precisava ganhar mais um pouco, ficava fazendo ponto afc Mas, gracas a Deus, fui uma pessoa de muita sorte neste mundo poss ‘onde eu andei fui estimada. A senhora, dona da oficina, dizia ents “Voce, vena jantar. Por que vai ficar até que horas sem jantar? ‘eu jantava, aceitava a janta. Ficava com pena ¢ arrumava a cozinha Sa amie dela, que cra uma senhora de muita idade, Assim, a noite ev & ponto d-jours ¢ arrumava a cozinha. ‘Talvez quem va ler essas linhas diga: "Mas esta senbora, mdo cla foi bom, parece que em tudo teve muita sorte!”. Mas eu precis lar 0 que €. ; Fiz minha primeira comunhdo com treze anos na Igreja de Antonio, na Barta Funda, Nos cantavamos: Com minba Mae estarei na santa gidria wm dia, Junto a Virgem Maria no céu triunfarei No céu, no céu com minba Mae estarei Com minba Mae estarei ‘mas jéi que bei ofendido 20 meu Jesus querido as culpas chorarei Gostava muito de “Queremos Deus, homens ingratos” ¢ “Gi ragdo Santo, Tu reinards”. Quando estava em Sio Bernardo, v muito tirar esmola para a festa do Divino, com a bandeira do Dis no e gente tocando atrds. Eu era aspirante a Filha de Maria. Nac quem pés uma bandeja na minha mao e outra na mio de minha 2 ma ¢ fomos, nds duas, na frente da procissio, tirando esmi ‘Ainda nao falei nas serenatas... Em S40 Bernardo, alguém fez uma serenata linda de morrer, com violio, cavaquinho, b lim. Mas nao sei quem foi, eu nao apareci... Deus me livre! Nic. nem vi. As m&es achavam ruim, minha avé achava ruim aquela toria que nao tem mais fim. As screnatas, era lindo, cles iam andi do, andando ¢ cantando pela rua... Lembro das serenatas da pPicro, é no Bom Retiro. Era muito bonito aquele tempo. Hé fiz uma excursio ¢ em Uberlandia ouvi passar uma sere o, abri a janela para ver. -apaz namorava, naquela época, conversava mais com os sm a menina. Se ia-visitar 2 namorada ficava conversando ‘os pais ¢ ela ficava Id pra dentro. j =e contava de uma prima que foi pedida em casamento e fundo da casa ¢ receberam 0 rapaz na sala, aquele acanha sio 0 pai resolveu pedir um café e comegou a chamar: “Ma jgai..". (Ble ia dizer pra ela trazer um café.) Mas ela nem dei- ferco meninota, meu tio tinha um gramofone e uma vez por se- amigos € a gente dancava, brincava ld na casa de minha |e dizia “era ensaio", “amanha é dia de ensaio” € a gente fe c= pouco. gs sus, primos, moravam perto, ¢ minha prima Mina, que se ha; eu me apeguci a cla como a uma irma, foros a escola 2 amizade continuou sempre. Morei em tantas ruas 1 no ‘na rua Anhaia, na José Paulino, que era uma rua calma com quitandas, uma casa de couro muito antiga... Era uma rua teansito... que esperanga! Esse meu tio, das festinhas do gra- ze levava para dancar no grémio recteativo do Bom Retiro, i idade. Todos eram amigos, as festas eram agra- (ca, ragtime, Babanera, shots ¢ valsa stas como a dos Patinadores. Faziam quatro, cinco buqués 0 salao € 0s pares que arrematavam as flores dancavam, Quan je 3S um buqué, quem arrematasse dangava sozinho. ci meu marido numa sociedace musical do Bom Retiro. Eu anos, ele vinte ¢ dots; fol meu primeito namorado. Ele em casa, Bom, eu vou dizet para voce, era um quarto, no nada: era minha mie, ele € eu. Mas pouco tempo achou que nfo valia a pena. Um dia cle disse para minha 2. d. Maria, cu vou me retirar porque a Alice € muito nova, je ajudar minha familia; por enquanto € melhor a gente se se mais tarde for destino, a gente casa..." E foi embora 105 Com quinze anos trabalhei na rua General Os6rio com madame ‘Vasques... quem sabe se haverd algum descendente que vai lembrar xr sobre ela, que me estimou muito. Ai eu ji ganhava um | Depois essa oficina mudou para a rua Marques de Itu. Eu if0, Subia a José Paulino, passava na estacao... sem: pre a pé. Ou vinha pela alameda Cleveland, atravessava 0 Coracio a , passava ali no largo General Osério, rua Marque Nessa oficina, entrava de manhi c nao safa até sete e meia, 1as, Ai, amadame dizia: Meninas, podem guardar seu trabalh tar o avental, guardar seu trabalho bem dobradinho. Vi prea pé. Até que eu chegasse em casa, eta noite, nove horas... € ee munca almogava, Bu morava na rua dos Italianos, num quarto junto com, minha mie, diziam contigo. Comia um pedago de pio com q banana, tomava um café com leite, As outras mogas tinham pai, irmaos, cra outro conforto ¢ eu ea a modo de dizer, a mais simples de todas. Quando faltava na chegava, minha madame perguntava diante das companheiras: “O Ali- ce, por que voce faltou ontem?”’, “Eu nao vim ontem, chovia, mothou meu sapato, meu vestido, meu casaco estava pingando, no tinha con- digdo de vir, nem you mentir para a senhiora. Ndo tenho mais do que a senhora me vé na oficina; € a roupa que eu cuido no domingo.” Co- mo chegava tarde durante a semana, eu guardava domingo para lavar minha roupa, cuidar de meu quarto. ‘Quando eu saf da oficina estava ganhando 75 mil-éis; era 0 orde- nado de uma ajudante boa. Nao recebia nada pelos serdes. Minha mie | ‘ganhava 45 mil-rés: tinhamos que pagar o quarto, tinhamos que viver, se vestir com 105 mil-téis. No nosso quarto no costurava & noite, acendia lampiao, vela, lamparina Eu conto tudo pra voce, pois o que a gente é, é... S40 coisas que” ¢ tinha que dar! Ea gente sempre fazendo | serio na costura, mas sem ganthar nada nunea por iss0. Mas no acho nunca. Sébado eta o dia que mais se trabalhava, ficava ‘onze horas, e nao ganhava extra, A madame servia um chi, um pedaco de pio, a gente ficava com aquilo. Nao tinha, assim... dizet que eu ia no cinema, no dava, porque aquele domingo pra mim, eu tinha que pér minha roupa em ordem para 106 5a segunda-feira, Lia alguns romances quando podia: 4 rosa ‘A escrava Isaura, Tracema... As festinhas de Itapetininga com as lojas finas, a rua Direita com a Sloper, ges Alem’, 2 gente vinha, ai, aquele sossego! Eu tomava o Onibus, 20 largo da Sé... veja quanto que eu andaval Do largo da Sé, to- rsa Direita, atravessava o Pattiarca, do Patriarca entrava na Ba- i ‘apetininga, da Baro de Ttapetininga safa na praga da Repl ‘pe era ld onde eu tomava o dnibus, ‘prima Mina, que se tinha casado. Gi (> mcu rosto, cu andando bem devagarinho, todo 0 viaduto fazia 0 bem curtinho... tomando aquela garoa, achava uma delicia , era bonito sim! As mulheres anda- io. A praga do Pa- no é nem 4 som- st que foi naquele tempo. Se voce entrava acenciosas com a gente! Eu adorava a cidade, depois foi mudan- 0. Eu no entendo a cidade, mas quem vai para lé diz. que agora ‘vocé lembra ou ouviu falar das balas em saquinhos de recortes, rendados, cor-de-tosa, azul, branco?... Os baleitos vendiam essa no largo, em bandejas. Vou contar uma passagem q ra essas alas, 0 Fulano mandou”. Fall -sonheco ninguém, nunca conversei com ninguém aqui’. Nao aceitet A madame Vasques um dia me convidou para ver 0 mar, num pi- .que do Mappin, em Santos. Nos fomos 14, arrumei um chapéu de adi para poder ir para Santos, fot a primeira ver. que F “sabe?! ¢ fiquei de longe. | Madame Vasques me quis muito bem. Planejou uma viagem para = S:tados Unidos; um dia ela me chamou e disse: “Voce quer fazer ‘viagem comigo?”. Fiquet toda contente, minha mae era uma pes- auito simples, coitada, e disse: “Esti bom, dona Angela”. A mada- searou uma professora le inglés, quando estava tudo arrumado, Hum- 107 berto soube que eu ia viajar. O barbeiro onde ele ia, casa, deve ter contado para ele; ele nfio me via mais. na oficina, cu jd tinha dezessete anos, podia Ficar noiv: sua mie, € marcar 0 casamento”. naquele tempo nao é assim como agora, que a gente analisa mais. Gosiel dele, no posso dizer por que, gostei. Meu casa- mento nil foi um casamento de 1uxo, mas foi muito bo: juele tempo, uma confeitaria com salio de baile em cima, chamado Palace Club. A festa foi nesse salao. Casei na Igreja de Nossa Sra. Auxi- liadora, ld do Bom Retiro, perto da avenida Tiradentes, no sei se voot jd ouviu falar. A igrcja ainda esté 14. ‘Uma colega muito amiga, da oficina, que € falecida ji hd muito tem | ‘po, fez meu vestido de noiva, de presente. Ela se chamava Ida Malavo- se comigo, quando parti em viagem de lua-de-mel. F ela... atendeu « meu pedido; ja se tinha casado, estava gravida, ¢ ela e 0 marido foram Quando chovia muito, a baixada do brasileira. A enchente tomava conta de passeavam nas ‘¢lo nas barcas, cantando ¢ fazendo serenata, Para nés, 05 mocos, aqui Jo era uma alegria, quando o Tieté transbordava, Depois que casei ful morar com minha sogra na rua Correa dos Sat ali perto do Colégio Santa Inés, no Bom Retiro. Ndo é muitos anos a casa ainda existe, Era uma casa simples, fiquei nz, sala da frente, que era bem grande, minha sogra ficou com a parte Ge rds. Depois de casada fui muito, muito feliz, Quando pus 0 pé naquels, casa, cles me receberam com todo amor. Me apresentaram, lembro até alguns {4 eram casados, quando eles me viam beijavam minha mao. oR Sumulia Razo, onde cu entrei,.. cu choro... foi uma familia ma fis: Todos, todos, minha sogra, meu sogro, meus sobrinhos, as a= que eu tinha, uma falecida s6 hd dois anos, eram como se g cinhas irmas, Recebi muito carinho, muito amor dessa familia, nfo trabalhava mas cozinhava, € - sara a5 familias mais antigas de Sio Paulo; eu ajudava minha sogra pears. Suas duas filhas seguiram a profissio: foram contramestres Aibrica da alameda Nothmann. Ia sempre com minha sogra ‘suas costuras na rua Formosa, que la por 1922-1923, era uma ta, de casas baixinhas. ss marido trabalhava Ge a fundagao da of ica, Meu matido foi um homem muito bom, sivo: quando casei tive roupas, passeios, conforto na med ue ele pode me dar. Toda a semana famos a um cinema que so Bom Retiro, o Marconi, ver os filmes da Pola Negri, Teda Ba- sci Swanson. O primeiro filme falado que assist foi no Cine Ro- g. a2 nua Sio Bento. Gostavamos da Mary Pickford e do casal q\ te: Janette MacDonald e Nelson Eddie. A Gloria Swanson est com ainda em forma, como vejo nos filmes da tv. Gostei muito fe ¢ areia, com Rodolfo Valentino, ¢ da Greta Garbo na das camélias, Ninotchka mos a piqueniques na Cantareira, no Parque Antarctica, com pias amigas. Aos domingos, depois do almogo, famos passear sdim da Luz, que era uma beleza; as familias podiam passear, ‘suuito bem tratado, agradavel. A gente dizia: "Vamos dar uma no jardim?”, & ia no Jardim da Luz, 4enda fui com meu marido nos bailes de Carnaval da praca da ica, Faziamos corso na avenida Paulista, que era linda naquele po. Levavamos sacos de confete dentro do carro e as serpenti- veio trabalhar aqui em Sao Paulo, na indtistria Matarazzo, € eoava fazer a merenda para ele levar na fibrica. Nunca a Yvon- ia de fazer um pacotinho de jornal c entregar para tio do que cra a merendae ele fazia questio de levar também, An- spietar dois anos cla ficou com crupe. Chamamos um médi- 2 que quis operar a menina cm casa, na sala, Alguns dias de- morreu com uremia, 13 Foram tempos de muita afligio. Tivemos que entregat 2 casi c que morivamos ¢ mudar, eu me sentia mal, um garfo repuxando meus sins. Estava com pielite € no fim da gravidez. Ful para a casa de ume ‘unhada, a Natalina, muther de um farmacéutico no Bom Re (Por causa da opereta A casa das trés m iquela alegria ¢ cla: ‘Mcu marido, mais tarde, construiu uma casa num terreno que ti nha na rua Jerénimo de Albuquerque. Essa casa tinha dois dorm! ‘um bom banheiro; meu marido desenhow a mobilia" do gosto dele. escolheu desde o tronco da arvore, a madeira. As das: na parede da sala de jantar havia painéis formando quadros, uni frango, um qucijo, macas, uma jarra de Vinho. A sala em cima tinha ums barra de rosas amarelas, mais claras, mais escuras de um colega de fabrica, chamado Alfredo Volpi. Meu mar cé nao sabe como aquele rapaz pinta! Fle pinta as rosas & mio livre!” ‘minha filha passou por li e ficou namorando a casa, calgada, Pintaram as paredes com litex, passaram tinta por cima e des mancharam as rosas do Alfredo Volpi, o que € uma grande pena. de sua primeira comunhic tu... Tinha um pequeno uma trepadeira de jasmim brilhante e & noite, quem passava, sentia uct ‘do meu quatto. Pegado & parede eu tinha o jasmim-de-barcel inho, toda vez que safa, colhia um para por na la. No qui ‘A minha rua era calma, os vizinhos punham as cadeiras na calcada de tarde para conversar. As casas tinham quintal, Quando mudei pac# a chs Wve oportunidade de ver as peras que restaram dessa mobili, com medal ‘vais nas ports, numm contorno de folas. lat fe tempo, a praca da Repablica cra o jardim mais bonito do .gente passeava sossegado debaixo das érvores, aquela calma = da Aclimacdo nds levavamos as criangas para tomar leite por- ite das vacas na hora, para quem quisesse. O as, ¢ Scaram mocinhas, para os bailes da madame Pocas Leitdo. , nem se dizia nome nenhum ta a ligaot". Nao, nunca na ¢é hoje, se falou assim, Meu marido deu para os filhos o ma- cle pode 1ecoua trabalhar mais ccdo que cu: com sete anos engraxa- wes, ajudava a descarregar os barris de azcitona, aliche, que che- t de fora para os armazéns da rua José Paulino. A vida de meu ma- uito sactificada: ele gostava de pintura e nunca pode estudar gundo ano primario, No tempo da Grande Guerra pintou 2 de Cristo agonizante e ofereceu para o leilio Pr6-Pétria, para A balhava horas extras para dar mais con- amos muito amor um pelo outro. ‘yezes, quando chegava em casa ¢ punha a mao na maganeta pa- 2 porta, ouvia uma das meninas dizer, as vezes, no andar de como eu gostaria de comer tal coisa!” Ele voltava em silén- 2 rua € quando entrava em casa trazia na mao o que a filha ido, Todos os aniversarios dos filhos eram festejado: com tio pouco estudo que ele teve, a Wanda é secreta- todos os filhos com doze, treze anos na fébrica para trabalhar. 3e todo trabalho, seja qual for, dignifica a pessoa. Mas ele pen- [ema condicio melhor para os filhos. eando a Yvonne ficou doente, meu marido teve muito gasto: era > todos os dias, era enfermeira que passava a noite li em casa. tinha condi¢do pra isso, mas precisava, nao é? Depois que ela ficamos pagando um ano, um pouquinho por més, 2 divida ‘ia, Entdo a vida atrapalhou, Meu marido hipotecou a casa por ‘contos, ele pagava 08 juros mas no conseguia nunca diminuir geteca. Quantos anos ele ficou pagando juros! ‘Quando a Wanda era moga ¢ estava trabalhando (naquele tempo sieigdes para o governo), ela conseguiu um serviga de distintivos peropaganda ¢ deu para o pai fazer. Foi com esse dinheiro que ele su (2 Fabrica tomou s6 uma parte) que pudemos saldar a hipoteca a casa ficou pra gente. Ele devia vinte e ptecisou pagar quarenta con. tos de réis de juros. Até diz que o homem do tabeligo ficou admirado quando cle foi, e a pessoa que tina emprestado o dinheiro estava cer to que a casa ia ficar pra ele, porque o Humberto nao conseguia nunca agar, no € tinha, di nem escrever! a ler para nao receber bilhete de namorado. i Minha mae me ajudou demais na criago dos fihos. Para o Hum- berto, tudo estava bom: se cle chegava € 0 almo ele esperava. Fazia compras para mim, 0 po, 0 leite, 3s vezes ia Afeira | do trabalho. As criangas me ajudavam um pouguinho, mas iam para aesco! fa rzer e pular na calgada, brincar de toda ‘Aos sébados e domingos sempre famos fazer piquenique na Canta rcira, com as familias amigas, vizinhos... A comadre Bianca ia sempre. | conosco. Essa vizinha querida tomou parte nas doengas, aniversirios, em tudo. | para dat uma maozinha pra gente e se preocupava com 0s. cestudos das criancas. Nas brincadeiras de So Joao, derretiamos chumbos ¢ despe} ‘mos na fgua para ver formar os castelinhos, igrejas, véus de noivas, E 0 Ronald fazia balio, ¢ o balio subia € ele ficava correndo aris com pena de ver o balio subir, querendo pegar 0 baldo de novo, ‘Na primeira comunbao das eriangas, a comadire Bianca aparecia, pre com um prato especial feito com mel, 0 orestole, que era uma delicia. ‘A Wanda estudou no Externato S2o José, das Irmas Vicentinas, 2 | y das Senhoras -as ¢ depois foi para a Escola Norm. © Ronald estudou ali nos Irmdos Maristas, perto do Cambuci. ‘A Daisy era levada. Estavam pondo os encanamentos em nossa cla corria em cima dos canos. Levou um tombo que tiniu a cabes dela, Foram me chamar, safa sangue da cabeca ¢ do nariz, mas gra a Deus nao foi nada Lembro, um dia, dos moleques correndo na esquina de minba rua: “Th, d. Alice, a senhora no sabe o que aconteceu!”. O Ronald tinha quebrado a perna no colegio. Quando eu soubs Be inha ido para o colégio ¢ estavam enges- ale Spina. Ele me tratou isipcla que tive no rosto, quando as criangas eram pequenas, jorada para curat. ‘Fda sempre foi uma luta. Quando a Daisy tinha dez anos, eu de notei que ela estava ficando doente; quando ia comer derruba- era uma fraqueza nas mios, detrubava tudo. O médico re- ‘mas no deu resultado. Levei a meni- Ido, capela milagrosa ss sera de Fatma, Qua sloce aca eu cots gecia, nZo abria a boca para falar porque no dava, s6 as Depois pedi um vidro de agua benta, pus na mao dela e disse: Daisy, vocé vai levar esse vidro até em casa. Nossa Senhora vai 1". Nesse tempo ela derrubava tudo. Tomamos 0 20s no Anhangabas e fomos até a praca da Sé tomar a conducio Cambuci ¢ o vidro chegou até em casa, gracas a Deus. Depois, wa os pulsos 1m aquela 4gua e a Da ‘uma pedra na cay gravel o nome da menina. Foi uma B muito grande que cu recebi, Mais tarde o dr. Paiva Ramos, ho- confismou a cura. io tenho lembranga dos fatos dessa época, cra aquela luta de ca- seaida, escola. Infelizmente, nao lembro nem da revoluco de 32; sca nunca falhou um dia de trabalho, Na tltima guerra, ‘mas sci que todo mundo ficou quando 05 pracinhas chegaram, Quantos anos faz quc isso {Saar de greves em que o pessoal ficava na porta e no entrar, isso eu ouvia falar muito no bairro. {Nao lembro do jornal que chegava em casa, mas lia as revistas Eu tudo, A Cigarra; as ctiangas liam O Tico-Tico. Nao lia jornal, mas ad? lembro do crime da mala, O marido matou a moga ¢ queria embarcar com ela dentro da mala para jogar em alto-mar. No navio, a mala pinga- va sangue. Abriram a mala, descobriram ¢ ele teve que confessar, Ele tinha cortado a moga em pedagos para caber tudo lé. Nunca pode acon- tecer una cola assim sem que vena 0 esclarecimento de Deus. Sse crime foi muito comentado em Sé0 Paulo. : Nesse tempo, a gente ouvia falar sempre do Meneghetti: “O Me- neghetti fez mais um roubo ¢ conseguit fugit!” Ele era um danado mes- | mo. Fle nll matava, s6 roubava. utra coisa que marcou muito S40 Paulo foi o desastre da corre: dora francesa, Ouvi pelo ridio esse desastte horrivel, a cabega, as per | ras da corredora voaram, voaram pedacos dela na pista de corrida. Lembro do navio que nauftagou chamado Marsighia, no sei'a €po- cca; naquela luta nao dava para ler o jornal e sentar, mas 0 Humberto, contou. No largo Coragio de Jesus tem uma estitua do bispo que este” va no navio que afundou, q (© Ronald desde pequeno tinha loucura por avio, ¢ a0 mesmo ten: po tinha medo. Quando cresceu, montava avidozinho de taquara e p= pel celofane. 3 Mais tarde tirou o brevé de piloto na Escola de Aviagao. Af um ds ele me fez subir no avio. Quando sentei atris dele, parecia que tints | engolido um bambu, fiquei dura, no me mexia de lado nenhum, quei apavorada. Ble diva: "Mamae, est gostando?”. # eu: “Estd lind) mas que beleza... a, 6 matavilhoso mesmo!”. Quando ele passou et ‘cima de nossa casa, falou: “Mame, olha 0 nosso jardim, ole a nos casal”. Eu, que nada, nem olhei para baixo, Depois ele passou na Haddock Lobo ¢ dizia: 7 Ah, no, cu sexs pre ali, dura. Foi esse 0 meu primeiro passeio de avito, ‘Quando foi numa Pascoa ele foi de aviic, com um amigo dele, ve a. irma que estava em So Sebastio, A noite, nos avisaram que acontecido um desastre. Uma viatura trouxe ele para cé, muito ame drontado, rasgado. Foi na volta, no alto da serra, 0 avido ficou press numa érvore. Quando deu aquele choque o colega dele ja morzeu. Eig ccaiu na mata fechada, quando se agarrava nos barrancos timidos, ei tha pra baixo. Foram os anjos protetores dele que tiraram ele daqus- Je lugar. Quando conseguiu sair de Ié ficou na estrada, mas quem "38 pegar uma pessoa nessas condigbes? sada ¢ o marido ouviram no radioamador, em Sio Sebastigo, havido um desastre, Minhas filhas sdo que nem mies dele, ‘sarinho por esse irmdo, as vezes fico pensando... ser que tan- 3s vezes machuca muito, hein?! A Wanda veio embora sozi- ela viu o irmao, caiu de joethos nos pés dele ‘u quero saber do meu amigo, preciso buscar imento era tanto que fo fique nesse Foi uma coisa muito triste, viu? Depois meu filho fez. ou teens, era o trabalho dele, cada aviio que passava em cima de -exsa eu fazia uma oracio. filhas tiveram um casamento muito bonito, veio toda a pa para a festa, o enxoval fol feito com muito carinho, A Wanda je2m um advogado, vivern em $20 Paulo, nao tem fills; jf estao dos, vivem muito bem, A Daisy, assim que se formou de pro- 3804 com um funcionario piblico que jf esté aposentado. Tem es: 0 meu primeiro neto, que jf esté casado e & engenheiro da . > Humberto que também estuda engenharia, ¢ a Beatriz. que ¢s- ‘ando em bioquimica. Tivemos essa alegria: meu filho cacula pos também, Casou mocinho ¢ tem cinco filhos. A mais velha S105 ¢ estd estudando arquitetura, A Daisy, quando casou, fi sezando comigo. Os meus netinhos foram criados em casa. | Fanda, que morava na Lapa, vinha todos os domingos em casa -marido. Os meus genros eram amorosos comigo c com meu ve- casa era sempre aquele movimento de criangas. A vida ativa 4 casa ava muito trabalho. Minha viai #comadre Bianca, ali do lado, tomava parte em tudo, No Ano- ‘Natal, Pascoa, os meus filhos se reuniam comigo. Minha casa fi 4s bodas de prata foram festejadas nessa casa: eu mesma costurei Hpestido cor de cinza, fiz. os doces. Foi uma festa linda, linda, com Bi. A familia veio em peso; 56 mais tarde & que fomos nos afastan- y jenda essa casa, 0 senhor ja fez sacrificio, vé agora aproveitar. O senhor tem tanta vontade de er a Itilia!”. Vendemos a casa, 119 | I © Humberto tinha muita vontade de conhecer a terra dos pats. Dezessete anos sto passados desde que embarcamos. Ficamos trés mé ses na Itélia, fui de Genova a Catania, vi Bolonha, Firenze, Veneza, terra dos pais dele... atravessei a Itdlia de trem, Fui visitar as pinture com o Humberto, 0 Museu degli Uffizi em Firenze... fico emociona ‘quando lembro. Fomos em Pisa ver a torte que penide mas no cai. Fo-! mos visitar o Simone, companheito de fabrica do Humberto. Quande aparecemos li ¢ ele veio abrir a porta... nao sabia se chorava ou sen Ful reccbida com o maior carinho, a minha tristeza era ter que me des. pedir dessa gente. 4 Depois que vendemos a casa, minha vida continuou, ‘0 Humberto ¢ eu fomos morar num apartamento na rua Oscar Freire. | Minha filha, quando vivia no interior, se converteu ao cristianismo es: pitita. Depois, o Humberto acompanhou, Nao sei se posso contar aqui, | ‘mas ela é médium, Nao vou dizer que ainda nio seja catdlica, porque | gosto de entrar numa igreja, todas as religides vio a Deus... Naquele tempo, entlo, costurévamos roupas com meu geno € me nha filha, para as casas de caridade. A noite, viamos um pouco de tele ‘visio. Mas minha mae estranhou demais o apartamento, sentia falta 60, bairro e ndo se acostumava. Até que um dia ela saiu para visita a Dais tinha quase oitenta anos; acompanhei minha mae até a conducao. 10. ‘mei a béngao dela. Hoje de manha ela foi, ¢ quando foi amanha ced recebi a noticia que cla estava morta, ‘Acho que nesse apartamento morei quase uns cinco anos. Meu Iho continuava viajando, nds estavamos acostumados, ele tinha ido pe ra 05 Estados Unidos. Seu tiltimo filho, que estd hoje com treze anos, tinha um ano ¢ pouco. Nos querfamos esperar o Ronald no aeropores.} © Humberto estava aposentado ¢ era muito amigo da minba nora, rma; quiseram ir juntos. Todos os dias ele ia na casa dela, eram mutts companheiros. ‘De manha o Humberto foi embora para esperar o filho. Foi a i ma vez que vi ele vivo, Na metade do caminho, caia uma chuvinha £4 tinha 6leo na estrada; 0 carro ficou derrapando, gitando ea Marina pee deu 0 controle. A porta se abriu, 0 Humberto foi atirado do carro. recolhido mas quando estava entrando nas Clinicas, estava morren Eu queria ter morrido antes dele Depots que 0 Humberto morreu, eu fazia arranjos de flores vender e vendia muito. Sabe quanto eu recebo de aposentactoria? ee ‘me acalmava, tinha uma sensa- deixar minha casa, a pessoa de idade € ~gada Is suas lembrangas; mas acharam que era bobagem ficar o dia que decidiram que eu ia morar com a fi invadiu um desgosto muito grande mes. ‘era minima, era e é. Mas eu adorava minhas j= i desmanchar minha casa secla noite, vou contar para voce, nem no confessiondrio a gen. een tanta franqueza assim, eu chorei a noite inteirinha sem pa- yo sentimento de que era minha ltima morada, Quando sai }20 Cambuci, sal com meu companheiro e com minha mie. Mas Pe, sai sozinha, (Mieco com minha filha Daisy. Fico aqui neste quarto vendo fotogra- io arrumo as gavetas e mexo nas minhas coisas, estou sempre #0 € me encanto. Soho, as vezes, com a casa do Cambuci rumberto antes dele morter. Faco uns trabalhinhos de cro: sas flores de papel que oferego de presente, assisto televisao. ado vejo noticias do Hitler, noticias de guerra, trégicas, subo =: quarto. Sei que houve muitas coisas, 2 bomba atOmica, crian- = Perderam as mos, a Guerra do Vietna sei que foi hocrivel. Quan- no jomnal, dou uma vista por cima, mas quando vejo um de- 240 leio. Gosto de jornal, revistas, livros sobre o cristianismo B. Os romances estdo muito diferentes ce quando era moca, tém fe muito fortes. Tenho certeza que se for ver os filmes de agora gostar. =a vez assist na Tv um repérter — nao sei o nome dele — falan- americanos no Vietnd... hé quantos anos foi? Acho que foi mais antiga hoeem ouvi uma noticia sobre a greve dos estudantes. Serd verda- pace 0 delegado disse? Nao acredito, ‘us parcntes me visitam, nZo tanto como antigamente por- = que cu estou boa, Me telefonam quando ¢ alguma data. De- -muitos anos sem contato, recebi hé pouco tempo a visita da gére Bianca. A vida vai ficando... no tem uma coisa para lembrar, feerosc igual... vocé compreendeu, meu bem, voce entencleu, no €? CO tempo de crianca, no gosto de contar para meus netos, +10 que eles achem que cles tém muito ¢ eu nio tive nada. Se vou ca tar algum coisa antiga pras minhas netas, do meu tempo, digo: “Foi guele tempo que Jesus andava no mundo” Sabe de uma coisa? Parece que tem muita gente do lado de 12 i oficinas onde passei, desde peque- is pessoas, Mas que recebam onde elas ‘esse amor de pessoas que nao me conheciam, por onde cu ‘av6s, minhas cunhadas que eu adorava tanto. Eu vou ficar contents partir, 3s vezes dé uma saudade da turma que foi embora. Esta na as: “No dia em ‘Nao fala iss0, vov6, pelo | ta que um dia eu ia abrir 0 livro de minha vida e contar for fazer companhia para euicco por isso: € bom a gente lembrar. Deus te abencoe. indo quet o vio dar risada mas tém que pensar assim: semos a compa tas vezes a gente conversava com el ‘Zo sou to antiga como muitas que ndo compreendem a co os mogos. Faco o possivel para acompanhar um pot clas, queestio me ouvindo: “Tem um: respeito dos mocos pelos velhos’ ‘maior, mais didlogo: mudot comprido, os vestidos m sapatos... enfim tudo muda, Mas aquele respeito nao deve muda Falar: Voce 6 quadrada, voce & uma velba, vocd estd por # € saudaivel isso, ndo ofende ninguém nem desmerece nao... M muitas pessoas idosas que ficam sentidas quando im: Naquele tenspo, ab, naquele tempo! E a pess recordar Vocés ja pensaram quando tiverem ci voces vao ter seus netos, af vooes nao vio cstar tio pra fre dizem agora, Af a €poca mui acham que hoje € muito antigo. Quem viver até Ii vai saber. Te se dar aos velhos o amor que eles nos dao quando a gente € Rezo na oragdo da manhii Senbor, no silencio dessa prece venbo pedirTe a paz, a sabedoria e a forca Quero sempre olbar 0 mundo ios de amor. quero ser paciente, compreensiva e prudente. Nos tempos de pobreza, quando eu estava enfastiada, mi dizia: “Voce no vai comer? Come que te dou um tostai 492 SR, AMADEU Nasci no Bras, rua Carlos Garcia, 26, no 1906, Meus pais vieram da veneta, Meu pai era alfaiate ¢ minha mae costureira. Viers da emigragdo mas nao eram emigrantes, vieram para tentar a vida no Brasil, j4 casados na © primeiro morou cingiienta anos na casa onde nasci, na rua Carlos Garcia rua Carlos Garcia é nas imediagdes do comércio de cereais, no B perto da Santa Rosa, Benjamim de i ‘Meu pai, quando chegou em Sio P: tha profissao ¢ foi ta bbalhar como alfatate. Naquele tempo 0 di era pouco € a0 pouco, Naquele tempo os homens as vam 0 terno completo: meu pai fazia o palet6 € o colete, minha faria a calga. Mu pai trabalhava catorze, quinze horas por dia f ‘em 1925 de uma tilcera no estomago. Minha mie era franzina, mitida, clara, cabelos pr thos hos. Era muito calma, tinha muito sentimento. Fazia questo g pano quente quando os imaos se zangavam um com 0 outro. mie gostava muito de ir ao cinema. Toda segunda-feira a familig junto para assistir um filme. Minha mae contava umas hist6rias =i bonitas para cu dormir. Lembro ainda uma que ela contava sempz=4 Arvore de ouro”. Era a historia de um pai que era cego ¢ o filhe A procura de uma arvore de ouro, de folhas que curavam a vista ‘muito sactificio, precisava atravessar um lago enorme com uma dade de perigos. Mas como era para 0 thas que tinham um liquido: ele passou nos olhos do pai que nese momento me escapa a Depois da morte de meu pai, ela ndo trabalhou mais para fo ‘asa, Bla fazia todo 0 servico da casa. Cozinhou até 2 mont. eu no finzinho da vida. Morreu com 76 anos, mas nao ficou ‘Ficou doente de despaste, muitos filhos, muito trabalho, lzmos eram muito bons: 0 orientador da familia sempre foi & mais velho, 0 Alfredo Bovi, Das criangas que eu conheci, os = todos gente boa. Mas naquele tempo bebiam muito: 0 vinho réis o litro. F, naturalmente, quando uma crian- porzva mal, os pais castigavam, Na vizinhanga, os casais se que- fo bem, a familia cra mais unida, as criangas tinham mais amor le tempo, a8 esposas tinham pouca vez, nio é como hoje, ram mais severos e quem mandava mesmo era o pai. Meu se rurma, gostava mais do vinhovinho, mas minha mae era sa também, os lampiées eram pendurados na sala, no quin- szinha, $6 quando eu tinha dez anos € que veio a luz elétrica, de uns sessenta anos atras. lembro da sala, dos dor- ge Na frente da casa passavam 0s vendedores de castanha, can- E 0 pizzaiolo com latas enormes, que era muito engragado produto dele cantando, As criangas iam atrés. A rua nao ea. Elas ficavam & vontade naquelas ruas antigas. Bram ruas ‘que ndo tinham movimento, ¢ ctiangas tinha demais. Em -n08 terrenos baldios grandes, sempre se faziam parques pa Meus irmos jogavam juntos futebol na rua. Tinhamos Sormado por nés, chamado Carlos Ga meu cunhado, 0 Vi Sasdmetro, a Santa Rosa, a Assunglo, imediacdes da igreja. gat ealanques para um concurso de bandas que vinham do inte- =Eicio eram uma coisa extraordinéria. No fim da festa tinha 125 tum bombardeio que estremecia todas as vidracas do centro da cidade. Essas bombas, chantadas mortciros, cram enterradas e soltas debaixo, da terra, Alcancavam uma altitude de trezentos metros, era to forte. quando explodia que quebrava os vidros dos prédios. Comia-se ghi carne de camneito tostada, ¢ pizza bem Era uma festa de bareses, puglianeses, nay ‘A imagem de sto Vito ficava na igreja na rua do Lucas, que ainda | existe. Depois 2 imagem dava a volta no bairto, carregada por oito pes. § soas. Pra carregar, leloavam a preferéncia, cada um pagava uma cota | Uma vez 0 conde Francisco Mataraz20 carregou a imagem ¢ cont com uma nota grande. Hoje, aind festejam sao no, com umas barraquinhas perto da igreja. Mas terminow quando co megaram asfaltar as ruas, asfaltaram a Santa Rosa, a Benjamim de Ol | veita, veio esse progresso, entao © povo ocupava todas mosquitos”, fardados de amarelo ¢ com bas extintoras matar mosquitos nos qui aguele bairro era quase todo mato anos, ¢ fomos dormir tés dias numa casa de amigos, n0 Alto do Ci Duci, A dgua estava ja um metro e vinte do chao, Me lembrto que de cinqienta vezes saimos de manha e voltamos s6 de noite. No C: bbuci, a enchente era uma brincadeira, davam conhaque e caipirinha pi bombeiros, as familias ficavam amigas dos bombeiros. O dia que meus pais mais estimavam era o Natal, que se festejz tradigio de todos os anos. 4 cela cra na véspera ¢ 0 almogo no dia, Ainda comemoramos, minha € posa, minhas filhas, meus netos, como quando eu era menino, no tal de meus pais. Minha esposa faz 0s doces da tradigo: a pezza dort ‘ou “pega doce”, que é um panetone. -ainice, mocidade, na velhice a minha religiao sempre foi urna Fiz a primeira comunhao com os padres beneditinos na | Sao Bento. Os padres fizeram uma festa numa chacara que ti- ‘Santana, Essa igreja protegia os vendedores de jornal que ti- ede no Anhangabad, Quando cles faziam a primeira comunhao s convidados também para essa festa no Alto de Santana, que edaqui, Chora Menino, Era uma fazenda enorme: a festa era ‘aha de tudo, 0s padres eram muito bons. ‘muito feliz na infincia, porque, j4 a0s nove anos, tinha muito fbcia aquilo que achava certo. Meu irmao Alfredo Bovi me aju- 0, iSs0 para mim foi uma Gtima felicidade, O orientador da mupre foi o irmio mais velho. Com onze, doze anos, jogava paguc toda noite num clube perto de casa: Id militou 0 meni- Morales, campeao brasileiro, internacional, Se pequeno gostava de teatros, operetas, 0 teatro sempre foi jesaior paixio. Era 0 Teatro Cassino Antartica, o Boa Vista, 0 San- ycirco. O circo hoje tem mais Iuxo, mas 0 circo daquele tempo dadeito circo onde existia Chicharrio, Piolim, Immdos Queito- 9 maior espeticulo que tinha aqui fe Paulo, Fra um circo extraordindrio: os Irmaos Queitolo, era 0 iete0 citco dos que trabalhavam pra comer, Serravam as mulhe- ‘meio, fariam Agua virar vinho, desaparecer as carteiras dos E50 a primeira vez que vi o mar, com doze anos. Meu irmo Al ovi tinha um Jazz Band, 0 Grupo Excéntrico, com oito ou dez i Eles promoviam passeios, piqueniques em Santos, no Parque E=cs, onde hoje o Palmeiras joga. Convidavam todos os vizinhos, % Sem, 120 pessoas. L4 em Santos alugévamos um salto; depois no de mar, eles tocavam, comegava a brincadeira, famos num foc safa da Estagio da Luz ¢ levava de trés a quatro horas para yar. Penso que ninguém mais est vivo, isso foi ha mais de cin- do furido est eserito: Salve anos, no tenho lembrancas se existe alguém ainda, tia a-Brat feel Beando eu tinha oito anos veio a guerra, que comecou no 14 € pce no 18." Com a guerra veto muita miséria, n6s passamos mu i/aqui em Sao Paulo, Lembro, na rua Américo Brasiliense, da Com. ffi Mecdnica Importadora, que ajuclou muitos desses que nao ti- gras expresides de tempo "no 14, no 18" slo italanismos que cortespondem a usadas no Bus dost. Amadeu. 129 o: um porque o pal foi pra guerra, oF | fe ca Primeira Guerra... nao, dey . nao, depois da tos porque tinham dificuldade de encontrar tal hora do feo beteaio Municipal. © povo em bistisraapabngaont ee ora yora da ana ela Cava tra sopa para famias do Brés, > povo em geal. es saquearam Modca, do Pati da classe menos favorecicla pela sorte. Com meus de na Mosca. No Met- donve anos, a iséria era muito grande aqui cm Sao Paulo. Meus irmacs Nees ievaan-ew'es _ 7 . ram sacos d d yam um pao, Em 1917, no finalzinho da guerra, veio uma misér J Assaltaram,saquearam, fizeram de tudo, Fo! ge extrema, teiro, € durou quatro ou cinco di : “ . as, O roubo ek Lembro muito da gripe espanhola porque fiquei bem ruim. T fio, cles emencliam que era uma coisa da fome, nd conside menos o Alfredo, pegaram a gripe na minha casa, Foi dado esse no: Eine, constieravan uma neceandade. porque nesse tempo vinham muitos espanhis para cd ¢ 1ox0 velo a gripe. Bra tanta gente que morria que nfo havia possi lic atercier a todos. Quem tinha caminhao sc prontificava a carregar: se ponies aimee * , a maior parte das Casa. Sio Paulo nao tinhao p p ciangas nha pouco paro de hoje, nao davam conta de fazer remédios. $6 limo. também og limdes em SZ0 Paulo. Eu comia multo pouco, s6 to gua com liao. Eu cheguei a ver meu caixao. © médico disse qos4 isc. Leocda: no fk Bac. ; Mo fiquei com recei 0 vi ripe inna trés tempos: fraco, forte, mata, Eu tinba pegado a fore ‘3 ae cecaiinanan € concen cee ses de est20 fazendo o metrd, era a avenida Rangel Pestana, perto da praca Cl6vis. O edifi vippassar no céu uma c a ‘Ainda encontzo algum colega da valos, todos brancos. Se fosse uma coisa natural, Vie cha oid cia oor dae eed ‘minina mie ¢ disse: gue carro de morto bonito est pass drio era como 0 de ho} : fe, mas mais puxad tho céu com seis cavalos!”. EntZo uma vizinha que estava ld me deus Bro segundo ano. eis pierce ds eee ‘mun- pofetada, e chamaram 0 médico. Me lembro, como se fosse hoe. 4 fe seis pass themes cones eat Ouamao lata! calécla. Tinha doze anos e estava perto da morte 4 eae eects me esperavam na rua para brigar Bidisicil a aquisicio de livros ¢ as vezes a pri $ tima lembranga que nunca tne sai do pensamento € a Revol eee ee de 1924, do lsidoro Dias Lopes e do general Klinger. Essa revo ee mareou época, precisamos fugit porque as Dalas jd estavarm chess Breceva atito da escoln x maior pete doe mention esam fm minh casa. Fomos para Itaici, um pequeno lugar de Campina nos eram ficamos um més até terminar a revolugao, que foi vencida pelos lee iden- tas, Nese tempo, quem estava brigando eram os legalistas € 0& - ae dos do governo, Tinha dezessete anos. A familia de minha esposs Minha cram nossos vizinhos, também precisaram fugir. sses parentes de Itaici vinham sempre se hospedar em casa poo : escola, er comendar roupas para o pessoal da fazenda deles; chamavarn-se ista ¢ ele conseguiu . bs preisschip nabés, Fram amigos, se tornaram da familia pela grande amiza “Was ado tinha vocagio para a mtisica € een Ganhei um prémio certa vez na cortida do circuito do Bras, que era corrida anual que se fazia antes da Sao Silvestre. Corti seis mil me: {ros do Bras 4 Mosca ¢ vice-versa. Nesse tempo 0 campeio era 0 Altre do Biasi, que depois foi campedo da Sio Silvestre. (Os sizinhos daquele tempo |é mudaram todos de li: havia una bod parte de italianos, portugueses, espanhdis. Chegou 0 progresso © as f= | mnillas mudaram, Nossa casa fol derrubada para dar passagem 0s Oni: ‘bus da Agua Rasa que vio para o largo do Paicand, Com essa abertur ‘4 ruazinha ficou pela metade, toda de armazéns de cereais ¢ casas negécios, ‘Quando eu era pequeno 86 havia sobrados na cidade. Para ir at ‘centro era preciso atravessar um matagal, que hoje ¢ 0 Parque D. P dro, onde esta o Palicio 9 de Julho; e atravessar o rio Tamanduatet, e28 tum lugar lamacento, perigoso. Eu via inauguracio do palécio; estavana presentes 0s maiores industriais: Matarazzo, Penteado, Crespi, Gamba que colocaram num poco valores: ouro, prata, dinheiro. Cada indus trial colocou ouro e prata no pogo, € dinheiro também, Usavam fazee| sso como incentivo para a grande obra, O governador também, na sei se Carlos de Campos. Cad um pés uma pazinha de cimento, Agoss € Palacio 9 de Julho, naqucla época era o Palacio das Exposicdes. A p3 ‘meira pega que mostraram ali foi uma geladeira importada, isso quiz do cu tinha uns doze anos, depois da gripe espanhola. Antes, 0 ues era 0 nosso campo de futebol, de um cube chamado Torino. Meu 2 vinha me buscar com o cinto porque nao queria que eu jogasse bol. Eu era pequeno ¢ 0 quad era de adultos. Existia 0 Aniagens, exist © Torino. Bram molecotes. ‘Na minba infincia 0 bairro fino mesmo era a avenida Paul rida Angélica ¢ imediagdes. Higiendpolis nesse tempo ainda nao Pra esse lado do Bris, Cambuci, Belenzinho, Mo6ca, Parl, aqui a do era uma pobreza, ruas sem calcadas, casas antigns, bairros pots bem pobres, A iluminagio era a lampiao de querosenc. Lembro qe ‘do em minha casa puseram tm bico de luz, foi o primciro bico oi puseram naquela rua, nao lembro exatamente 0 tempo, faz uns cing: taanos, Era mocinho, Punham um bico sé porque a luz era muito mais de duzentos réis por més. Com o tempo punha-se un bico na zinha, no quarto, no quintal e assim por diante. Mas era usada uma iuz bem econdmica porque no dava para pagar no fim do Bonde a burro lembro pouco, lembro apenas de alguns. Ler mais do bonde aberto, tipo jardincira, & eletricidade. Tinha o _“caradura” que levava 08 operitios. Nao Iembro quando co- onde elétrico, faz uns 45 anos ygecla época, houve o crime da mala: um marido esquartejou a ;¢ fechou na mala, Quando ele foi viajar revistaram a mala ¢ en fies 2 mulher esquartejada, Isso eu lino jornal, nao vi. birvia o ladra0 mais famoso do Brasil, o Meneghett,talvez inter- 2. Lembro 0 primeito roubo dele, quando ele escalou diversas em Sao Paulo: a especialidade dele era j6ias. Mas nao era cri- <. depois a histéria modificou a vida dele, pelo que nés lemos era até um lado muito bonzinho, diz que ajudava os senco entrei na fabrica ganhava quinhentos réis por dia, entio 50 e ndo eta responsivel pela casa, $6 fiquei responsivel quan- Antes de casar eu ganhava e entregava tudo lf em casa e dava ger. Meus irmaos trabalhavam e, infelizmente, quando nds éra- quatro itmaos, um morreu muito cedo, com 26 anos. Fiquei “is irmios ¢ duas irmas, bas irmés eram costureiras, ganhavam pouco; o dinheito, na- 0, era muito curto. A Anita trabalhava na oficina ded. Tere- iz trabalhava um pouco em casa, mas casou cedo € nio traba- gs para fora. Um irmdo era gravador, outro, 0 Atilio, era litégrafo. Shu mie tinha mais interesse pelo Arturo, ela sempre pendeu mais, Jado dele porque ele sofia do coracao. © Arturo ficou muito cama, Era tipégrafo, lidava com tintas ¢ com o tempo ficou p do coracio. Ficou um par de anos na cama, com poucos re- = morreu muito cedo. enecei a trabalhar com nove anos numa oficina de gravura que siste: Masucci, Petracco € Nicoli, Hoje quem ditige a fabrica € Iho de um dos scios que ndo existe mais. Meu imo que jf trabalhava M4, me encaminhou: era estamparia, gravu- o de placa de bronze... Nessa fabrica foi a minha infancia, cic © uma boa parte da velhice, Saf de lé com 55 anos de traba- pesentado. Quando entre, ganhava quinhentos réis por dia, quinze ‘por més; trabalhava das sete da manha até as cinco horas. Qui- es eis por dia ja dava para comprar leite e pio. Nessa época, essa “Gnha quarenta operirios, hoje tem uns duzentos. érias da escola, eu ia levar almogo pro meu mano ¢ ficava apre- | turma que trabalhava, as méquinas de estampar placas de au- ss, carrocas, bicicletas, Gostei muito ¢ pedi para aprender. Nes- fs de férias aprendi e me convidaram pata trabalhar nesse setor; depois passei para a secio de gravuras. Nessa segio, faziamos_ placas de metal, de bronze, datadores, carimbos; a maior parte dos tra balhos era feita a mao. A gente faz. um desenho na placa (por exemplo: DR FULANO DE Tal), depols cortivamos o metal de acordo com o dese: | rho, preparavamos 0 metal ¢ fazfamos uma composicao de goma-laca, | breu e cera virgem. Essa composigo era espalhada numa placa onde desenhavamos por cima, Com um bisturi recortévamos as letras. De ols protegiamos a placa com papelao pintado de cera virgem e brew ‘onde colocivamos uma solugio de Acido nftrico misturado com 4gua | Porque era muito poderoso, muito agressivo: ele ficava trabalhando oito._ ou dez horas para aprofundar as letras que tinhamos cortado com bisturi, Removendo a camada de cera as letras ficavam gravadas. O bordo | da placa, que chamavamos de chanfio, era feito a mo com buril. De- pois Faziamos outra solucdo, que seria um esmalte de goma-laca, tercben: tina, pé leve, Mofamos tudo num moinho (como os de café) ¢ formava ‘um p6 que ia preencher as letras que foram gravadas. Com pedra-pomes, lixa, davamos 0 acabamento na placa. No fim, 0 bordo ia pata a pol ttiz, af jé eraa maquina que dava aquele brilho em volta. Poliamos com Kaol até o término da placa, Essas placas iam para médicos, advogados, firmas comerciais. Nessa época eram muito usadas as fichas de metal nos bancos, Pre- cisévamos fazer 0 estampo: 0 estampo € um bloco de ago que era tor neado, aplainado e depois trabalhado. Formava-se um estampo, che: ‘mado macho. Depois formava'se uma outra peca zonde esse macho s conclufa, fazendo a fémea, A ficha ali era estampada em metal grosso forme o pedido. Quase todos os bancos tinham fichas de metal execu- tadas por nés. A oficina tinha segdes com muito barutho, mau ch Noutra oficina se fazia a fundicdo de placas de bronze, separada. A nossa era um pouco mais sossegada quanto ao barulho, mas _ tinha o mau odor do dcido que prejudicava. Chegamos a trabalhar até de miscaras nese tempo. Na seco de esmalte, o ferro passava por uma limpeza num tanque de Acido tirico, Ali era uma poluigdo de acido! Trabalhava-se com méscaras. Quanto ao barulho, a seco de estamparia era a mais barulhenta; havia If muitas méquinas pesadas. fae! de escritério, de desenho, eram muito sossegadas. As ou: barulho, mau cheiro ¢ acidentes. Mietar0s um laminador. Laminador € aquele cilindro de ago on gs= poe 0 material de um lado bem grosso ¢ ele sai fino do outro & na maquina perigosa. Uma ocasido, um senhor fol laminar umas “ena corteia, uma polia, pegou 0 brago dele. Quebrou o brago, aru a cabeca; enfim, o homem ficou inutilizado. Esse € um essises que lembro, dos que foram mais perigosos. Mas na es- cortavam todo més um dedo, dois dedos, cada operitio, ‘fa ver, uma bombona de Acido nitrico explodiu, quando era -cada, Felizmente no atingiu os operdrios que estavam perto, ‘Atinglu nas maos, na roupa ¢ nfo foi um acidente muito grave 2 a felicidade de nao acertar nos ols, se fosse nos olhos cega- fe: icxlo niftrico € um Acido perigoso. tudo por atacado ou no fim da feira. Fazem economia, no ano poem dinheiro a juro e depois de cinco a oito anos com- = terreno li no Nofdeste, em lugares muito afastados onde niio ase nada, Trabalham em fabrica, sio choferes de lotagao. Eles © gastam uns 20% do que ganham. $6 tém a despesa da oficio como o de gravador pra se aperfeigoar leva cinco a seis s no querem ficar em $40 Paulo, Nas méquinas, eles apren- Sacilidade. A maquina é mais simples, foi feita para trabalhar. 0 de um ano ele fica pratico de laminador, de estampador, B sso cle pode ganhar 0 dobro de um salério minimo, Scio precisa comecar pelo comeco, € 0 comego é 0 desenho, ‘auito demorada para aprender. geihzo da Coluna Prestes no Rio de Janeiro, Diversos generals se raram em Copacabana, num lugar que ndo me lembro. Era Parece-me, que lutava pela Constituigdo. Luis Carlos Pres- «fe do comunismo; ouvi nos palanques muita palestra dele mE que © comunismo cra permitido no Brasil, que alias foi mu I=> tempo. Nesse pouco tempo cle se pronuncizva nos palangues, =3 Laboriosas. Houve uma época que todo mundo falava dele. ‘is que vinham vindo, os empresérios, gente que tinha muita 145 propriedade, pensava que ele ia se juntar com o Getdlio, Mas no foi | bem assim, © Getilio fez leis que se executam hoje ¢ para o movime to operirio ele foi um dos melhores presidentes que teve 0 Brasil de muito tempo que no se votava mals, Foi uma dificuldade conse- guir o titulo. As filas eram to enormes que era preciso pular a parede. : { a dng Datta. Em 50, votel no Getdlio, Em 55, votei no Juscelino. | Em 60, votei no Janio, O Janio esteve na oficina. Eu estive com ele rn” cstamparia, Ble veio encomendar 0 tostaozinho com o slogan: “O Tos, tio contra 0 Milhao”. Mandou fazer um pedido de 200 mil distintivos:_ Foi quando ele ganhou do Adnemar. A oficina toda votou no Janio. Pa: rece que nés votamos também no Jango: cra oy. Para o Carvalho Pi to nds fizemos 2 milhdes de pintinhos. 4 (0 Janio era um tipo atlético, quando novo. Depois entrou na pols, tica, Nessa época ele vei com 0 general Porfirio da Paz, candidato & wice-prefeito dele. Conseguit entrar. Depois fez a campanha pare 82 vernador, conseguiu entrar ¢ apontou 0 Carvalho Pinto para seu suces sot no governo. Ai voltou na oficina com ele ¢ teve a 6 distintivo do pintinho, propaganda que fol uma consagracio. Fle veio até nds porque teve aquela idéia da campanha do “Tosti contra o Milhdo”. E teve a satisfagao de estampar a primeira moeda: maquina de estampo, De um lado estava escrito Tosido, do outro c tra o Milbdo. Ele falou: “Este tostiozinho aqui é voces. 0 milhlo € sociedace que nés devemos fazer reconhecer a necessidade daquele G3 precisa, do operitio, do trabalhador ‘Quando 0 Janio vinha na oficina ele se sentava numa cadeira © & ‘volta dele ficavam 0s operérios perguntando: se ele ia ser presidenteg co que faria no governo... Ele respondeu que a primeira coisa que ia set era trabalhar pela gente mais necessitada, Ia ajudar os cobradors de dnibus, motorneizos, condutores... ia favorecer essa classe. Q ido o Janio mandou os operérios falar, eu falei: “Escute, st. Janio, © $9 hor estd protegendo muito os cobradores de Onibus, por que pergunta: eles sio trabalhadores como voces. Eles ganham um sal ide fome. E essa gente af € responsavel. So como voces. N6s temos ge olhar por todos.” Ele fez uma exposicio daquilo que cle ia fazer operirios. Depois, cle trouxe 0 Carvalho Pinto: “Voces tém que rnhecer os candidatos”. O pessoal em geral votava nele. “Voces tém se sindicalizar. Voces tem que ajudar 0 sindicato 2 ajudar vocés. Qua sobe 4 em cima tem muito o que fazer.” Ble ensinava 0 operitics > grupo &x Theresa Bosh.) 1466. Quando ele era presidente, foi chamado pelos lordes da inglaterca ‘enem deu confiang2. Quando ele voltou para 0 Brasil, ele explicou que, ‘nosso produto, o café, eta vendido por intermediérios ingleses ¢ ame 6 Janio condecorou o Guevara, parece que a razio foi essa, Natural mente foram os militares que fizcram essa coisa, Nas reunides, na por da fébrica, a gente comentava. Em 64 foi aquele negocio de Lar-Patria-Familia. Foi quando fize ram a Revoluglo, a revolucao de mentira, feita na secretaria. B conse guiram por uma lel diferente. 4 ividas no fiz, mas no tempo do noivado fiz forga para juntar cines contos, juntei, Quando casei usei-no casamento ainda sobrou um & nheiro pra volta da lua-de-mel. © ano em que me casei, 1937, foi um dos anos de maior mix em Sio Paulo, Nao sei se foi porque era 0 comego da guerra, foi x ano muito sacrificado, nao tinha servigo, era muita miséria, Casei a 1 de abril de 1937. Vai para 41 anos. Foi na Igreja do Bris € depois ten aquela festinha na minha casa, que fol a consagrago do casamento, To turma da rua velo; vieram todos, eram todos meus amigos. Vieram suns coleges da fabrica : Meu irmao, que tocava violino, tinha conhecimento com um maa to que ensinava a tocar violino e que se chamava Gigin Gagliera. encarregou-se de arrumar oito ou dez pessoas que tocavam violing & «que na minha despedida ficaram tocando na porta. Depois de um 2 € pouco, em 38, nasceu mina primeira filha, em fevereito, Minha pposa foi muito bem acompanhada por médico porque eu era sécio Classes Laboriosas. ‘Isabel jf ndo tinha mac para ajudar; cu, quando case, jé ndo ‘nha sogra. Veio uma prima ajuda. Minha mde ¢ minhas iemas ajudaz ‘muito minha esposa, que nessa época tinha que ajudar sua familia. inmos dela tinham muita necessidace ¢ ela pre das pessoas da familia dela, Meu cunhado esteve doemte e depois f eu. Sempre fizemos tudo por ele. Por minha ima vidva tamt dedique-me quanto pude a minha familia, Quando casei, mudamos para um quarto, sala¢ cozinha, na rua jamim de Oliveira, na casa de uma familia do Brés. O primeiro aluas que paguei depois de casado foi de 120 mil-réis, O aluguel da rua Gl Jos Garcia parece-me que era de vinte milréis, Depois mudei dem 14R fet sacazronaca, braciola, massas, comidas mais pesadas, jose de minha mie, onde eu pagava uma mesada. 14 fiquei um Scio somente ¢ mudei para o Cambuci, perto da fabrica, Vim mi perto da d, Alice e do Humberto, ¢ af paguei duzentos mil Seis passei pra Luis Gama, eram 450 mil-réis. Na rua Stefano to de téis. Morei sempre em casa alugada e depois consegui em terreno na Vila Ré, mas isso € recente. = 145 nasceu minha segunda filha; tem a diferenga de uns qua ‘entre uma ¢ outra. Eduquel de modo diferente de meus pais, diver me I ava 1a maior ambigio era dat -sstudo para as criangas. Uma delas estudou de dezessete a de- 3, a outea de doze a catorze, mais ou menos. Felizmen dou. porque ndo tive estudo em minha mocidade. altos, nao tinhamos condigdes. senda sempre fol como hoje: a1t0z € feij0; os outros manti carne, peixe eram mais baratos que hoje; entao havia essa co: mresa, mas 0 principal mesmo era o atroz € feijao. Minha mie ec2< fazia bastante sopa, bastante caldo, polenta e outros pratos ® Depois que casei, minha esposa € descendente da Baixa Iti ‘mas m . sm na venda da esquina e ficavam 4 até meta-noite, sem- e=do, discutindo, Bebiam pinga, 0 vinho para 0 operdrio era arato que fosse, nao era p i¢do do operatio. No meu pai o vinho que vinha cm cartolas, em barris, da Ii B barato. Depois de casado tomavamos um vinhozinho no a |e vinhozinho na janta, mas em casa, 56 um copo. Os que iam =n de li embriagados. No Bris eram muito procuradas as can ssecviam queijos, azeltonas, atum estrangeiros, mas eu nao ti gbo de freqilentar essas cantinas j= sibado ou domingo ia com minha esposa 20 cinema na rua Eois tinha o Cinema Mafalda, hoje € aquele Cine Olimpi Jio existe mais: hoje é uma fabrica de mOveis. E tinha o Cinc- 50, depois 0 Colombo virou teatro, era no largo da Concér- + vieram os malores misicos e os maiores artistas do mundo. is. famos ao teatro também. inhas filhas cresceram minha maior satisfagao era levar mis passearem, Durante a semana trabalhava mas no domingo | i sempre conseguia poder levar a cuas passeat. Quando ficaram com mais idade famos toda semana ao cinema Consegui que minha filha freqiientasse a Escola Alvares Penteado: outra filha que freqientasse a Escola Nossa Senhora da Gl6ria e depois a Alvares Penteado ¢ aos poucos, com sactificio, consegui dar um estu- do mais ou menos bom. ‘Nao obriguel, mas sempre fiz ver a elas que a religido da Igrcja ere | muito boa ¢ que a gente devia ter uma crenga em Deus; parece-me que / las seguitam, Vou missa todo domingo. Hoje, a fgreja dé uma certz liberdade para o catdtico, que no tem obrigacio nenhuma. Ele vai 2 igreja, rea, toma comunho, faz aquilo que acha que tem que faze.” sempre pensando em Deus, naturalmente. A lgreja nao obriga a nada Parece que tudo aquilo que peco a Deus eu recebo, ¢ quando tenhe {qualquer problema rezo a Deus e, parece, sempre fui ouvido. Tembro como se fosse hoje que na gripe espanhola vi no céu carro com 0s cavalos brancos na frente ¢ 0 meu caixo. Vi mesmo, ni {que foi um milagre, mas vi e lembro como se fosse hofe. Nunca fui a sess2o espirita mas fago colcta para 0 André Luiz po: que me lovaram visita as criancas ¢fiquei muito penalizado vendo aque: | Ie sofrimento, e entdo prometi a Deus que ia colaborat de alguma m: neira, $40 dezoito anos, Na Péscoa ¢ Natal entrego listas ¢ tudo que 35 listas derem € para as criangas da Casa de André Luiz, Sao criancas aban’ donadas no manicémio, entre 0s leprosos, nao as que tem pai € las vive do que dio essas pessoas que gostam de ajudar, que ¢ amor pelas criangas, O hospital abriga quase 2 mil criangas com 0 nnheiro que 0 povo df, Todo Natal e Péscoa vou llevar contribuig= angario s6cios; este ano angarici uns cinqlenta sécios que pagam ques Te eruzeios por mes. Levci o pessoal da fabrica, ha uns doze ou trea ‘nos, visitar 4 Casa de André Luiz; cles também ficaram muito penlizé dos ¢ me pediram para angariar donativos. # continuam ajudando. | Hoje moro com a Isabel, minha filha solteira, e minha f € 0s dois netos. Um dos netos que gosta de um bonito tracado de & tras, estou levando no Instituto de Caligratia De Franco. Sou aposenti: ‘do mas ainda fago alguma coisa daquilo que eu sabia fazer, afinal responsével pela casa. 3 Morei muitos anos numa casa-prémio do to de réis de aluguel quem tinha os quesitos necessarios. Lembro seis desses quesitos: 12) ser brasileiro; 2@) set casado; 32) ter dois . is Sthos menores; 4°) tet pago o primeito recibo do tar; 52) se 280; 6°) ter ordenado correspondente. A gente ficava inquilino que quisesse. Aconteceu depois que 0 cruzeito desvalorizou } ei nos obrigou a comprar as casas. Fizeram um prego facilitado, ‘um alto negécio para os que compraram. Eu comprei, depois fc. or causa das enchentes. Uma tarde meu neto nao voltou para porque ji tinha um metro e meio de 4a. O chofer do Colegio Latino nfo pode entrar com a pera e ficou com 0 menino até Ai, minha filha disse que n30 morava mais 14. Uma ocasio, trés dias ¢ trés noites sem poder sair do apartamento, scm luz, yma e sem gis. Vinham os bombeiros de barco, ali era Venezia. pambeiros vinham buscar a gente em casa pra levar a gente onde — ial = al ou 71. Foi quando veio aquela chuva tremenda geadou Sto Paulo todo. nu : pees se ‘Agora diminuiu muito com a retifiacao sentadora ndo é nada e preciso pegar servis de gravacio, aluguel desta casa porque tem um quintal gostoso para os ne- fy vores, Esta ua do Cambuci€ sossegada Sirso-me contentissimo com a vida, agora. Ainda vou ao cinema, ‘todo lugar em que haja alguma coisa para aprender eu vou, Des. sania mde leceu Yoo domingo ist Promicici namie toda semana, i es hts oy oe a os eee | Poss famflia cst no cemitério: meu pal Adolfo Bovl, meu itmao /mde. Quando ela faleccu fiz de tudo para fazer um tiimulo ¢ con- /srat minba mie ¢ meu irmio dos ossos, que era cinco anos que enterradios, Mas ndo consegui reunir meu pai e meu irmdo Ar 2 pai € meu irmdo perdi. Fles estavam enterrados numa rua do do Aracd onde iam abrir uma avenida. Sempre perguntava desenterrar ¢ me respondiam: “Olha, o tempo normal € @ 205 mas acontece que vai haver uma reforma, vao abrir uma ave- iG, quando se der iss0, n6s avisamos”’. Essa teforma levou mais de = Cavando cegouagbuca ao newb Eo pe wmeu irmao Arturo. opacines Besor0 mais das coisas recentes, do momento, O tempo que pos- Em>rar ¢ 0 de 25, trinta anos atras; tudo era muito diferente 151 aqui em Sio Paulo porque a gente ganhava pouco. A mao-de-obra & muito barata mas a vida também era barata, o salario era pequeno #2 valia mais, Nao tinha essa correria de hoje, esses aumentos de seis meses. © aumento do custo de vida era cada ano € era x inuo s6cio remi lade 0 s6cio tem direitos na doenga, na desgraca. Os met gicos so um exemplo. ‘Quando encontro 0s amigos da oficina que trabalharam trinta, ¢ renta anos comigo uma satisfagio enorme, lembrando o que f ‘mos; as amizades 14 eram boss. Porém, 0 mais importante em mink ‘meu casamento, o nascimento das filhas, o casamento da ‘© nascimento dos filhos da minha filha. Aquilo que cu fiz na vida ndo foi ld grande coisa, Sc estivesse minha competéncia eu daria um conselho 20s jovens para levar us ida honesta, uma vida com amor. E se portar inda que existe é quando um homem tem a responsabilidade da ia, uma boa esposa. Lembro da infincia, sim, de quanto gostava do esporte, de bol, pingue-pongue. Uma coisa que nao esquego foi a chegada do Ts ino da i recebé-los no Aeroporto de Congonhas e abracei & jogadores. A Gazeta tirow uma fotografia em que eu sai na primeira gina junto com 0s jogadores, isso eu nao esque¢o. Nao fico lembr: sempre, $6 quando passa no pensamento, Se preciso, forco-a mé € lembro 0 que quero ‘Tem uma passagem que vou conta, da, Entéo comecamos a sentir um ardor nos olhos, um ardor que i icando cada vez mais forte até a gente lacrimejar, Muitos operirios # reciam chorando € nao suportavam mais, Entdo nos avisaram qu Forgas Aéreas € que estavam atirando um Acido nos lugares de rev! do povo e era para a gente voltar pra casa. As autoridades nao qu que ninguém se reunisse. Foi o dia da morte do Get "as vezes, que estou trabalhando na oficina porque fiquet gess2 oficina, sempre, desde menino, na infancia, na mocida- parte da velhice. Essa oficina nfo me sai do pensamento, 0s de hoje foram os mogos de ontem, Devem procurar ainda Se um velho fosse doente, abandonado, deve- onde pudesse passar os titimos anos com fartura, indo s Se tem familia, embora tenha feito al ie na mocidade, acho que devia ser perdoado ¢ tratado mui- jue particam para o jogo € a bebida c ficaram por “bas eu acho que deveriamos olhar até por esses velhos. Eles fe <2balharam. _ 2 capataz era um preto bem retinto mas no era um preto mau, de ser 6 fiscal, 0 chefe. Quando havia al as sempre com cordura. Lembro que SR. ANTONIO B =0 meio do cafezal e meu pai matava. Herdei dele o fato de que obra que encontrava matava também. ie gostava muito de jogar a tombola, 0 baralho e um jogo muito * O jogo era assim: uma pee de dcz, quinze pessoas se Feuinia, cada um estendia alguns de- omavam os dedos € escolhiam um patrio, a partir de um certo iecro. Por cxcmplo, 32, contavam ¢ aquele qué Outro toque escolhia 0 sotto: *”. Mandavam vit a bebida; naquele tempo importavam vinho da cidades ov bel gos alambiques de 1d. O garrafio era dividido em garrafas ¢ 0 pa: ‘Nasci em Santa Rita do Passa Quatro em 23 de agosto de 1904; fi | tho de Giovanni e Ripalda, que chegaram ao Brasil em 1900 como im. grants. Foram trabathar nas fazendas de Santa Rita, rogando e apanhan- do cafe, Dos seus fithos, cinco vieram da Tella e quatro nasceram aqut O mais vel Mateus, ¢ depois vei depois cu, ainda meu tar um médico. O médico disse que do sabia 0 que ia acontecer; eu era brago. Um vizinho nosso aconsethot ara santo Ant6nio. Eu nao tinha ainda sido batizado, nem nome eu mie, de susto, deixou-me cait no solo. Esse foi o milagre, por isso qué | me chamo Antdnio, Jo Domingos ¢ finalmente a ultima, ‘Nasci com 0 braco direito pregado no corpo, esse brago nao ab: Estaya com poucos dias € como nasci numa fazenda em Santa Rita do Passa Quatro, em Monte Alegre, meu pai me levow a Santa Rita consul nao p pera dono daquilo; podia beber tudo sem dar satisfagao a ninguém sec ele era opatrio, Se ele quisesse pociadvidir com seus apanigua sotto que era secret © patrio quer dar bebida p que dar para 0 meus também”. E sc ajustava assim. Se o dat para quem o sotto queria, bebia toda a pinga ¢ acabou-se, mando comecava 0 porte, nJo, 0 {og0, 0 pattio ¢ sotto enchiam 0p05, btiam os copos um no outro e bebiam,Afiam cuidar do res- fs tomé-la toda, se ele quisesse, nfo daria nem para 0 sotto, Geral- : ‘havia sempre um que ficava allurmo, era um termo italiano que gee dizer quc nem uma gota dava praquele, era castigado entre 0s com- todos que jogavam, e no podia reclamar porque jogo € jogo. Meus pais vieram de Ortanuova, provincia de Foggia. ‘Nessa fazenda de café davam uma certa parte para 0s colonos pk tarem algo que pudesse servir pra eles e ctiar um porquinho, uma va a... A fazenda de Monte Alegre tinha um mangucirio coletivo, todos § 08 trabalhadores da fazenda tinham seus porcos Id. AS casas no cram | de taipa, eram de tijolos ¢ muito bem feitas pelos italianos. Nossa tinha, na frente, uma escada de pedra com uns trinta degeaus; a varan- da ¢a sala muito grandes, de chdo batido, € nos quartos dormiam 10 a cinco pessoas em colchées de palha... © fogio era de lenha ianos no pegaram os hibitos do cabloco; pelo contratio, et tos dos italfanos, -nto nos castigos. Quando meus s brigavam ele corria atras deles ¢ alcancava alguns. Um s6, 0 $a- ele nunca alcangou; eu estava sempre 2 mao. Sotto quer dizer 0 sub, © que esti abalxo co pats, 222 oe A respeito de meu pai tenho que contar que ele viu o saci. 0 i brasileiro tem uma perna 86, imas 0 sacf italidtiotem “duds pes Chamava-se, pelo dialeto que falavamos em casa, scazzamuria Parece-me que quer dizer aquele que salta muros. Eta pequeno, Da sho, arteiro, sabia onde estavam os tesouros ¢ os dava para quem Bes se com 0 chapéu dele. Minha mae dizia: “Voce € to bobo que dei o ‘0 saci fugir com 0 boné”. (Intervencio de d. Rosa, mulher do st : i que roubou 0 boné de seu Meu irmo mais if | Iho viu 0 lobisomem 14 cm Santa Rita, que era chamado por nés: | Jup 'unnaro* ¢ que aparecia sexta-feira 1 meia-noite, O lobisomem: liano era diferente, grita, gritos intensos que todo mundo ouve, | 4s bruxas que voavam nos cabos de vassoura. Essas historias cram oi tadas antes de dormir. Um dia caminhava com minha itma Antonieta, me distanci ‘entrei num brejo. Estava jf sendo tragado pelo brejo quando ela cx ‘2 com muito cuidado e me d4 uma mao e val puxando, vai puxaal até que me salvou, Fiquei tio apavorado que me lembro desse Fito. mo se tivesse acontecido ontem Uma vez. puseram fogo num pasto dividido por cercas onde ca tum puna sua vaca, tinha seu gado. Eu tinha medo que o fogo ates sasse 0 rio e viesse queimar minha casa, entio chorava. 4 Lembro quando engitinhava com um ano ¢ meio, ¢, 3s vezes, ria engatinhando sobre pedregulhos pequenos, pontudos, que se 2 : i vam nas minhas coxas, nddegas. Lembro que eu arrastava meu cot ‘ i Sy } todo no pedregulho. Af entéo minha mae me socorria ae ze soe | Minha mae tinha uma grande frigideira que chamava de sari G zx ee | palavra que s¢ fala cantando. Mais tarde procurei um equivalente & diciondrio de portugués € encontrei “sarta’’. A noite oravamos todos em latim, Meu pai ndo cra muito religioss minha mie era mais, mas ele € que entoava quando os vizinhos vink lem casa para cantar a ladainha de Nossa Senhora. Fle ent3o pontific: € todos respondiam. Outras reunides eram presididas por meu pai, no jogo do bar: Minha mae no gostava daquilo, uma ocasido cla pegou o lume ¢ ations ‘no meio da rua, para que cles ficassem no escuro ¢ foram todos embeais ceennee naa: ‘Uma lembranga triste daquele tempo que eu presenciava com moi nassdaeres amargura: cu via meu pai bater em minha mie, Aquilo me mortificava para mim era morte, imigrantes. Poram trabalbar wand ¢ apan caf (*) Lobo oagro. ial ‘Quando ele contava como participou na guerra da Abissinia, ser: pre exagerava, entio minha mae corrigla; “Outrora cle dizia que era dez. Agora sio vinte” Bra essa a desavenga entre os dois. ‘Meu pai ganhavs por tarefa na lavoura; quem economizava, queT era 0 tesoureito da casa era minha vie mesmo, Meu pai pagav: 4 multas por brigas, que eram multadas na fazenda. Ele brigava geralmen para defender um amigo, um compadre ¢ sempre era multado. ASsi mesmo minha mae economizou naquele tempo uma soma important A tarde fé estavam limpos (eles se lavavam, mas ba- aaa nel Quando viemos pata Sa Paulo, Be mesmo s6 tomavam nas vésperas de Natal e Péscoa) ¢ almocados. um armazém de sociedade com um compadre dele, um francés, ch 9 Fanfulla ¢ comentavam 0s acontecimentos, Eram muito peque- ‘mado Paulo, Ia de Santa Rita, Era um armazém grande na rua do Sen: pec usavam brinco de ouro numa orelha 6, Se reuniam na frente de nario ¢ vendia tudo como no interior: desde banana até ferragens © Punham cadciras na ‘iho. O armazém custou dczesseis contos. Minha mie deu 0s olto co tos de réis e meu pai pdde entrar como sécio. Um belo dia meu cchega Vie encontra um outro dono: o francés tinha vendido o ae vem edo pata a Franca. Meu pai foi i com o fuzil para mata o francés eram dez anos de trabalho . m ba ; at ‘Meu pai foi trabalhar como encaixotador da Casa Leon, na rus ta d’acqua e sto bentssimo,” Que Quitanda. Ele fazia os calxotes de fazendas © mAquinas para lavoura 4 ‘copo d'sgua, quase “aspirei, sorvi". Para cles era iam para o interior. Trabalhon sempre no mesmo ramo e depois de Wpewzcr cxtraordinério tomar esse pouco de agua fresca Gar tes ou quatro vezes de emprego, no fim da vida dele estava na 1OFFO dos Ingleses se aistava toda S40 ‘st Odeon. Morreu com 69 anos, em 1935. Minba a, Quando houve uma epidemia de anos antes, com 63 anos. a Bexiga, sio as bexigas da variola, Muda- un sanduiche. Quer dizer: “faga com que chegue a voce um Biuiche”. O portugués dos italianos era muito deteriorado. Na Bela Vista, os carroceitos calabreses se recolhiam as seis, sete ho- B Quando chegavam, guardavam 0s animais nas cocheiras, na rua Treze Malo, rua Rui Barbosa, rua Pereira Barreto, que antigameente se cha- NOs vemos para Sao Pa AntGnio, Nossa casa era pecto da avenid, tans Guiwee estalou a guerra italo-turca, lana Li . frente, por sessenta de fund, quintal grande Meu pai plantava {rmao mais velho fossem convocados. Ficamos em Sto Paulo, na 8 ‘20 quintal. Os meninos brincavam de futel my ‘Vista, rua Fortaleza, niimero 14, Essa casa, que era térzea, Com dois Jtios, onde dormiamos todos, ainda existe, Tinha quintal, onde ; vamos galinhas, ¢ porio. q Saeed aaa on ee aa gta ta : aes cee heterogénea, italianos, negros; snos um terco da popu tae ‘era de negros, Aqui na Bela Vista havia festas de italianos: a de Nossa ae ee hora Aqueropita, dos clabreses, ¢ outra de Nossa Senora Ripa beer dae ao ace regio dos meus parentes, padroeira da grande provincia de Fo; oe lavam todos quase 0 mesmo dialeto: os bareses, 0s “foggianos”, oF } Seen eee ignolanos”, 0s “ortanuovenses”, mas nao entendiam o dialeto labreses, Meu pai tinha dificuldade em dizer Santos, cle dizia S Minha mae, quando dizia ‘compra um sanduiche ¢ coma” Acredite minba gente que uma noite nao é nada, se ndo dormir & noite, dormirei de madrugada 226 cH Na minha casa se comia um prato s6 nas refeigdes: um prato grat | dee substancial. Naquele tempo 8 itaianos comiam em prato funds 1ndo tinha prato raso, Era macarronacla, oarroz era pouco utilizado, fe § #0 com sopa, frango, nabo. O mais usual era o caldo de feijao co rmacartio ¢ as braciola,” Isso, de vez em quando. Apesar da carne b juele tempo, ganhava-se pouco € no era todo dia que se c mia, Os quitutes para o Natal minha mae preparava dois ou tés antes; usava muito mel, faia uma espécie de biscoito com mel der omemorados condignamente, Nesses das era a malo facta poss Mas quase se esquecia 0 dia do aniversirio de cada um. ‘A Semana Santa era muito mais observada que hoje. Jé na qui feira comecava um silencio. Sexta-feira era um silencio que ndo se via uma voz. Hoje, nao ligam, Havia a procissao do Encontro, cm q3€) falavam os oradores daquele tempo. As trés horas também, ¢ nas hors que antecederam a morte de Cristo na cruz, frei Luis Santana fais sermio das Trés Horas da Agonia. Ele ¢ 0 monsenhor Manfredo Le ‘eram os grandes oradores. E o padre Jodo Gualberto, que foi o mais orador sacro no Brasil a [A festa de sio Vito Mértir dos bareses aqui no Brés reunia vinte be das. Bersaglieri, Pietro Mascagni, Ettore Fieramosca, todas essas ban vinham tocar nas imediagdes do GasOmetro. Nos atredores, tocava Util ultra acold; era uma festa extraordindria, Nunca mais se calabrescs tinham sua festa na Bela Vista, no Bexiga: a de Nossa Senb Aqueropita, que tinha procissio, tinha tudo, mas ndo tinha a impor cia da festa de sao Vito. Depois tinh também a festa de Cerignola, com os “cerignolanos feita na Igreja de Nossa Senhora Aqueropita, 0s calabreses empresta aigreja deles, Ainda existe na sua Treze de Maio a igreja com a imagem dda Aqueropita. Lé foi batizada a primeira fiha nossa. A festa do Divi era de devogao brasileira e faziam aqui na rua do Glicério, A bands § mosa da festa do Divino era regida pelo maestro Verissimo Gléria, 4 ‘mulatao alto que tinha os seus cantores, 0 coro do maestro Veriss “Antes do dia, a bandeira do Divino percorria as ruas. ‘As cerimonias religiosas mudaram muito do meu tempo dc med ;no pra hoje. Acho mais imponente a missa em latim, acho exteaording# (*) Cazne enrolada ¢ cozida no molho de tomate 228 E © povo participa, esti dentro dela ea Igrcja€ isso, € povo reunido somo do sacrificio da missa. Apesar da imponéncia da outra, acho rito de hoje é muito mais humano, esti dentro da gente, é palpé- °O outro era mais solene, 'm argentino clegante, bem falante, passava pelas ruas do centro ade, facendo propaganda de cigarros: “Pierrot 64 bair- passava um foggiano que vendia der latanjas por um tostio: Freqientemente ¢ dificil iranscrever os pregoes segundo a no- 0 musical tradicional, porque neles os perfis das melodias to- mis (ou modais) misturam-se com as entonacoes da fala; os cha- punios sons musicais so cortados as vezes por um suibito parlato, mesmo a métrica musical, com seus recortes regulares, deixa-se sadir por uma prosédia muito Hire e incisiva. Varios deles sao dos ritmadamente, explorando menos 4 melodia que as posst: Esades do timbre da voz. We lembrar a situagdo em que se reproduzem. Temas curios fhamativos, sempre contendo wm imprevisto sonoro, infinitamente idos no tempo como uma idéia fixa, mas ambulantes em seu inuo deslocamento pelo espaco das ruas, ora parecendo ale- flauteadas, ora dolorosos lamentos, ox pregdes expéem a mer- iedoria mas cantam também o mercador, o trabathador solitario vaga pela cidade, sem paradeiro. O pregdo leva essa aura: al- canta, esse canto de trabalho esta longe e perto, e, talvez por ss fale diretamente a nossa meméria, José Miguel Wisnile (© pasteleiro vendia assim dois pastéis quentes por um tostio: pth) ny cam ro paste a cam tis pastes © pipoqueiro mulat indo da construgio da Alta Sorocaba- 1a (diziam que levavam, © calabrés vendia pimenta: “O pimenta Um sorveteiro de Foggia ‘Tinha um que era sargento da Forca, também 0 pedago! Melanzia barai 'a a cara” ho: "Zzzzzzurviete! chinelo, tudo, ¢ apre- mulatos para li porque as ongas preferiam ( vassoureiro era célebre em S40 Paulo com seu pregio em fran- Iembro mais.* pai do Salerno, colega meu do grupo escolar: === eee tual torre <¢ diziam que virava lobisomem: Cada baitro tinha seus aprey 10 da cidade de Sao Paulo s6 tinha dois viad _ gue a Sto Paulo que conheci, Era pequeno quando vi a primeira "zacio cléttica Os autom6veis corriam no méximo a quarenta, cingtienta quilé- _=:ctr0s por hora, eram automéveis franceses, tinha um Fiat 56, que era _ > filho do conde Penteado, ele era um playboy, corria muito, Diziam “= que as italianas estavam esperando ele passar a toda a brida pata jo- = 0s filhos delas embaixo do automével para cle pagar. O filho do : atropelava muita gente, Lembro do Zeppelin; eu estava no via- so do Ch4, quando ele passou. Fiz 0 curso primtio no Grupo Escolar Maria José € no Grupo Es- “colar Bela Vista. Passei do segundo para o terceito ano € quando fui [Be matricular, me disseram que eu tinha sido expulso, Era confusio sm outro menino que tinha o mesmo nome, Eles saram, Fui entdo para o Grupo da Bela Vista. O dltimo professor eu tive no grupo se chamava dr. José Salles. Dava aula de casaca. _Ezsinavam bem naquele tempo: fracdes e decimais davam ja no segun- Fraternits, Vassourt! Esse pregio, baixo ¢ soturno, tavez impressionasse as crangas,justiicando a de lobisomem do apregoador. Cdvida vern de caltda, em italano, 231 quele tempo devia ter uns 25 anos, dai pra mais. Era uma mulher de s dew um livro de prémio. Bla escreveu o nome dos planetas no quadro- Palesra lala, Ruggeroni fo! um dos fundadores do Paleons ta. negro e ofereceu um prémio para quem lembrasse tudo em se Palestra fot fundado em 1915. dee reer ee Eu ful o Ginico que acertou. Bla disse muito solenemente: “Muito bem! | Dificilmente alguém seria capaz de fazer 0 que voce fez”. E me deu um prémio. N3o havia palmatéria nem castigos comporais, 0 castigo era 2 aad oe tive uns dias numa escolinha italiana para fazer tracos a tinta. Me lem- : cidade, famos no famoso bonde bro de alguns colegas, o Viggiani, depois cOnego Viggiani, que ficow No largo do Paigandu, ou numa esquina da avenida $3 ‘na Caria. Ful procurd-lo na Ci 0s Queiroloarmavam ocitcoeNeavam anos e anosld. Atego tro de vez em quando algum, pelos tragos consigo reconhecer, mas 50s tam o palhaco Chicharrio, o Aicebiades, o Piolim, wee, no lembro 0 nome. Lembro que havia festas das eriangas no Parque Fechciro, que tinha um leio, lembro de um cantador sno tee Antarctica, com lanches. Brincivamos de barta-mantelga, 5 te do Camisa Preta”, que era um valentio do bas fonds i do tio Estudei religido com os padres capuchinhos, Guardo até a mort i ‘40 do bas-fonds la do Rio: ‘4 migoa de frei Luis Santana, que me preparou para a primeira coms. | nnbio. Ble era frade do Convento da Imaculada Conceicio na aveni Brigadeiro Luis AntOnio, depois foi bispo de Botucatu. Uma ocastio ex que estavam dando a thima der No dia catorze de outubro muna rubra madrugada, ‘mataram 0 Camisa Preta @ beira de uma caleada, At, ai, foi un tiro tao certetro vibrado por um covarde com um reudtver tratcoeivo coisa que ndo devia fazer, Chegou o professor € meu deu um tapa, ea frei Luis Santana, um dos maiores oradores sacros que conheci. Ni 2 Es ao da época disse nada, nem choret, mas guardei até hoje. Fol a primeira vez qi Sas coisas sto da época de 1920. Lembro perfeitamente o Centenario da Independéncia de S40 Pau- Be veio 0 rei da Belgica em visita 40 Brasil nessa ocasiao ¢ formou-se B esplanaca do Teatro Municipal um coro de quatrocentas vozes ¢ can. eos 0 hino belga, “La brabanconne”’, Eles convidaram todas as esco- Prepararam © coro muito antes do rei chegar. A rainha era muito pus com uma turba de gente que quetia agredi-lo. Ble me impediu gas reagisse contra aqueles que queriam bater nele. Foi ele que imped ‘que eu 0 defendesse. Com tudo isso, ainda guardo até a morte a mags dele. ‘Nunca guardei também raiva de meu pai, apesar dele as vezes a ‘05 legisladores brasileiros, de $40 Paulo ¢ os municipais, ndo 1m se nenhuma do futuro de S20 Paulo. Se tivessem no estaria ass Ge que odeia os paulistanos. Cidade odienta que no trata com be. fencia 0s seus filhos. No tempo anterior a Primeira Guerra, a cida. md intengio com ele por causa disso. Eu gostava mesmo € de ‘mie, mais que de meu pai. Mas também nunca odiei meu pal. Uma silo ele me bateu tanto que quase me matou. Apesar disso no gu i 7 = diferente, Cada vez mais Sio Paulo cresce: 0 que rancor : ol 0 que era uma “SSpana eh Slo Paulo quand aos Dunont fis expen rum novo ato Ras eum autora cet. ap See ee eee Eero. Até Penha é centro. Entre o centro e Pinheiros havi dele, Li no morro dos Ingleses desceu um avilo, nilo, ndo s . sde terra, com chicaras na marge sera com c -m, portugueses plantando. A Vila 232 Mariana era toda de chécaras de portugueses plantando suas hortalicas. Os bairros de habitagao mais densa eram 0 Brés, Bclenzinho, Moéck. Depois a Mosca foi avancando, o Bris foi se estendendo e formoue esses gigantes, gigantes como Saturo que come seus filhos 1Ld moravam os italianos, os espanhdis, A classe alta morava em He ‘giendpolis, Vila Buarque, Campos Elisios. Depois se estendeu para © Jardim América, }4 em 34, 35. Quando se abriu a avenida Paulista, chacaras de frutas, 0s moleques iam roubar fruta Hi, Os Matarazzo ravam Id, foram os primeiros. Por falar em Matarazzo posso dar um t temunho, foi o maior trabalhador que o Brasil conheceu. Ble foi a se mente de tudo isso que So Paulo é agora. Eu era menino, jf via ele, quando chegava no escrit6rio, If no largo da Misericérdia, Percorts a cavalo esse interior comprando porcos e comegou vendendo banks ‘Talvez foi 0 maior trabalhador que o Brasil teve : Parase ir do centro Aavenida Paulista, era o bonde que se toma Ele fazia um circulo: pela Consolagio entrava na avenida Paulista, de ciaa avenida Brigadeiro Luis Antonio, entrava no centro € refazia 0 c culo. Os bondes puxados a burro foram até 1906; eu conheci 56 os tricos. Viemos para $20 Paulo em 1910. n 1918 caimos todos com a gripe, os tinicos que nio ficaram. ram meu pai € minha mie, para tratar dos outros. As noticias que ham do Rio diziam que as pessoas cafam mortas na rua, De ato. bbe que no Rio morreram mais gente que aqui. Em Sio Paulo a g matou mais gente que a guerra de 14 2 18, No Cemitério do Aracs ziam valas grandes para enterrat 08 cadaveres que enrolavam num i ole cobriam de cal, Passava 0 caminhao recolhendo cadaveres na ri Tratavam a gripe com acido benzéico, remédio que um farmacéutisie} muito em voga iaventou, tirando do estomago de animais. A gripe d mou, metade dos que tiveram a gripe morreram. Na época eu tina catorze anos, eta aprendiz de ouriv to da cidade, Comecei a trabalhar com dez anos. Trabalhei como 2s ccensorista da Casa Michel, na rua Quinze de Novembro, esquina da 5 da Quitanda; era 0 prédio mais alto de Sao Paulo naquele tempo, ts ‘quatro andares. Ainda continua Ii, esse prédio. Depois € que fui ta thar como aprendiz de ourives. A urivesaria era de bolonheses, mut boa gente os Andrea, Comecel aprender no cobie, soldava, seca metal, fazia pequenos consertos. Nao gostava da profissio, mas mink quis. As mulheres da Bela Vista achavam que um filho ourives que ‘medalhas, correntes, anéis, era uma béncio do céu. | €as os operdrios mesmo eram explorados. As casas de j6ia eram jgemnitas que pagavam uma miséria para Os artistas e ganhavam mu Exgavam dez tost6es por hors, ou dois mil-réis. Em duas horas 0 gic fazia um anel. O dono da oficina cobrava dex milréis por esse ‘A loja ganhava cem a duzentos mil-réis, enquanto 0 artista que va quatro mil-téis. Por i80 desist, achei que estava sendo ex 0. O ourives bolonhés, da oficina, trabalhava para as Iojas, no ea diretamente. A maioria dos ourives eram italianos, grandes ar Antonino La Mota, Amatucci, napolitano, Arrigo Andreani, os ir ss Sandi, Esses cram os artistas daqucle tempo. Depois fui para a = de Antonio Travaglia,inmao do dono da famosa Confeitaria Fa- ‘s2 rua Direita, célebre confeitaria © conheci Angelo Vial, anarquista, em oltentae tantos anos. Foi ele fez a greve de 18. Era tecelio. Mas s6 conheci depois. Era muito geigcntc, c depois que sc pilhou com o dinheiro... C'est argent qui “i guerre, dizia Napoledo. Ele tinha uma sabedoria: a retaguarda me ser sempre bem fornecida. Ndo era comunista ainda em 18. Dos companheiros de trabalho, lembro um que dizia: Ci bo un fi- » dottore, dottore. Conheco também Oddone Carlet, ele vinha na oficina, era amigo do Andreoni. O Oddone ¢ um monumento, ne é um signore. Diz.0 Oddone que o velho gravador Nicoli era vel, um artista. Até 1930 0s ourives passaram mal. Depois a si- ‘melhorou. As les brasleras ficaram as melhores do mundo. Nem candinivia Um aprendiz de ourives comegava a trabalhar com cobre, o metal gs pobre. A limalha de cobre nio tinha valor, custava tostio o qui. ‘© ouro, s6 depois de adquitida 2 pratica de serrar, desenhar uma a j6ia, antes da execugzo da obra. O trabalho devia ser feito de odo que a limalha resultante disso devia cair dentro de uma gave- bem fechada, de onde nao pudesse escapar. Depois a gente recolhia Jtmalhas das gavetas dos aprendizes, para se fundir em bartinhas de Eu comecei a serrar, a embutir, Comecei a fazer bolinhas de ouro eram cortadas em curva e embutidas dentro de um embutidor. Fi eam duas meias bolas, limava-se uma parte, limava-se 2 outra, -vam-se as cas meias bolas ¢ formavam uma bolinha que era a conta vom tergo. Eram dez ave-matias, um padre-nosso e depois a medalha ‘erucifixo. A maioria dos bons oficiais ourives eram italianos e filhos alianos, Hoje o aprendizado de ourivesatia € estatal, no ses! ou s85¢. 235, Liase muito no Brasil Gabriele D'Annunzio, Giovanni Papini. Li tase todos os livros do Papini, eu me irmanava com cle, achava que Bina Escola de Comércio, a Alvares Penteado, mas eu no podie } do nele estava certo, Muito agressivo, diaia sem rebucos o que devia, conciliar © hordtio de ourives com a escola. Precisava lavat as macs do pé de ouro que ficava entranhado nas maos, € nao dava tempo. cea tinha vergonta de chegar com as nvdos sujas. Depois fui para a esco- | ta do Basileu. Quando ele percebeu que eu nao podia pagar, veio ate | minha casa para falar comigo. Nos éramos pobres e eu nao queria mos: | {car minha casa nem meus amigos 20 Basileu Garcia. Quando ele vei, cu estava na esquina, mas longe deles, fazendo de conta que nao co | nhecia aquela gente, eu reneguei meus amigos. Como naquele dia ee vvestia uma calca branca, eles comecaram a gritar e a me chamar: “Os sorveteiro! sorvetciro!”. Eu nem olhava ¢ ia caminhando depressa com} ] © Basileu, que era homem de uma elegancia extrema. E eles: “Oi, catéi | ‘Nao € com vocé?"”, E eu dizts ‘Mas é com voce mesmo. Nao sai ca quel pouco tempo na escola dele, nunca tive os 25 mil-réis po | més que cle teria de cobrat. Estivamos em 1925 ¢ eu nunca aheiro. Fu jf era meio-ot ‘plorado pelo judaismo inte= nacional. Ganhava otto mil-réis por dia, ndo chegava a 200 mil. A ques: tao € que ndo sc trabalhava dez horas por diz, s6 quatro ou cinco. gente ganhava oltocentos réis por hora, mas se nao tinha servigo, Hs nenhuma garantia ordenado fixo no fim do més. E qualquer coisa, iam: Ti mando via. 'hs leis 6 vieram depois de 30. Foi um farmacéutico gaticho, = indolfo Collor, que fez. as leis trabalhistas, Era» (0 inteligente, autodidata, era poeta, era tudo, formado nada, Até 30 eu no gostava do Getilio, Mas em 32 eu jf era a farce © Getilio era um homem bom. Depois da promulgagio das leis, Jon ‘Chateaubriand me disse que, quando o Lindolfo Color jeu durante us Getilio dormiu, mas, quando 2° tes, 4 Gnica esperanga era Getilio. © Washington Luis era burréo, atrasado: “A questio social se resolve a patas de cav: Minhas primeiras leituras foram em italiano. O primeiro livro g Ii foi I paladini di Francia, que meus itmaos também leram em Contava a histéria de Rinaldo de Montalbano, de Rolando, d pares de Franca no tempo de Carlos Magno, Na juventude li em i no Quo vadis, do polones. Nunca li uma traducgo melhor romance. 33, Havia uns livreicos, os Fittipaldi, que comegaram a editar livros portugues. Lia Historia universal de Cesare Cant em portugues, sada por cles. Mesmo 0s italianos analfabetos conheciam a Divina enédia, Declamavam certos trechos transmitidos dle pai para filho xiga se reuniam pessoas pata declamar a Divina comédia, aquilo era sradigio, /__As pecas de Pirandello foram levadas aqui em Sao Paulo em ital gE 2s de D’Annunzio. Todo ano vinha uma companhia italiana, 1a 25-26 até 38-39, quando comegou a guerra. Hoje ndo seria possi os netos daqueles italianos, sao netos 86 no nome, no sabem un ‘ae- 4¢ italiano ("om aga de italiano’ Em 1928 comecei a ler em portugués: achei extraordinério Alexandre culano, Camilo Castelo Branco. Minhas posses eram muito pequenas joteca, emprestavadealguém, Por causa do integralismoco- ecei a me interessar pelos enciclopedistas, Revolucao Francesa, Ii al- ganz coisa sobre o marxismo, O Estado totalitério de Hobbes, me in- 80, de Plinio Salgado. Plinio Salgado recomendava a leitura de 5, na Acdo Integralista Brasileira fundada por ele. Por ter um cunho eronalista, que ndo era usual naquele tempo, é que fez com que eu easse. Acho até hoje que o integralismo de Plinio Salgado, no Mani- i¢ de Outubro, era superior a0 nazismo e ao fascismo. Nao era c6- iaha um sentido muito mais alto. Saquele tempo se cantava muito na rua uma cangao de Beniamino Mimosa, da autoria de Leopoldo Frées, que era médico ¢ o maior 22 época. Depois cle formou um dos melhores conjuntos do mun- [som 0 ator portugués Chaby Pinheiro. Representavam as pecas de ge=. Shakespeare. Dos italianos, lembro de Ermete Zaccone. Repre- pera Ibsen, Shakespcarc. Pirandello € mais dificil; nao bh chance pa- f ator representar Pirandello, s6 ele, sendo 0s outros todos secun- E um autor cOmico, di chance para todos os atores sobressai, espetéculo, nao como ator em particular. Shakespeare dava oc: 2 Que 0 ator mostrasse toda sua capacidade: nunca houve um Unies perfeito que ele. H Zaccone enti, até 84 anos, fazia o Otelo efezante que se viu no palco. 4 tinha até as bochechas caidas, mas asformava no palco. Veio a Sdo Paulo duas vezes, em 1924 € 1926. 237 Apprimeira vez que veio tinha 74 anos. Ele chamava um café un caffe”, ¢ 0 som batia contra a parede € voltava muito mais Fle dava um suspiro, se ouvia até na geral do Municipal que era tro sem actistica. No Otello, quando ele esté sofrendo ¢ Jago cima dele ¢ diz: “Ecco il leone\”, nessa ocasifo ele dava aquele +o... que coisa fantisticat : Dos atores brasilciros Procépio foi o mais famoso. Eu trabalheis bém em Deus Ibe pague, com 2 Companhia Sousa Ferraz; eu cx ramatico, gostava muito de representar. Fiz.o papel de milion papel que mais sobressai na pega. Uma ocasiao, em que Clara della dia, grande atriz italiana, estava em Sao Paulo, antes de ir para 2 3 quis dat para o pablico paulistano uma representacdo em cada t dc bairro, No Teatro S20 Paulo, aqui na rua da Gloria, ela fez La ca, A inimiga, ¢ eu fiz 0 papel de bispo. Ela reuniu os ss numa pega all, noutea pega aqui e assim Clara della Guardia des se de $40 Paulo, 5 Continuci no Litico a dar espeticulos por volta de 1938. Sexi ‘que vinham companhias aqui, contratavam a gente, Eu era 0 secret do Grupo Coral Litico ¢ todos tinham que falar comigo para cont tanto 0 coro masculino, como o feminino, Os italianos exam prog em oferecer: “Quanto? Cinquanta mil-réis un giorno? La notte Ma come! Cosa gli date? Non st fa niente 1 a6 centol Bles prometiam $6, mas nfo davam nem cento nem cinguasal Bram caloteiros. f como tratar com advogados: eles tém a palavra dae ce, adocicada, mas depois te roubam até as calgas. Os italianos (0s maiozes caloteiros, mas era gostoso tratar com eles. Eu tfabalhei em todas as Operas. A tiltima foi Nabucodonosor @ Verdi; lembro que se cantava 0 canto dos escravos judeus Va pensiero sull'ale dorate Vat posa sut clvi, sui coli, ‘Ah mia patria, si bella e perduta! tempo de Teatro Municipal, quando muito seria nosso engra- oie cle € 0 maior cantor brasileiro. 1a Vox extraordindria, Estava cant 1¢ vem depois de Mi chiamo Mim que termina com * que € um dé final que o tenor tem que dar, ¢ a soprano tem er 0 ré, uma nota acima, Nesse instante 0 sapateiro apurou 0 ow “O tenor esti desafinado, Fst trés notas acima”. E Desci as escadas do Municipal, sio 84 degraus, para saber 0 que acontecendo. Embaixo ficava 0 coro, quatro ou cinco iilemaes ge =savam descansando. Notei que estavain tensos, tremendo, quan- ye senor deu a Gitima nota eles ficaram satisfeitos, deram um suspiro io. Perguntel: “‘Stonato #f tenor?” ‘Sk, stonato, perd bélo.” ‘Quante note?” “Tre, una terza.”” inteira, para eles miisica € matemdti- ‘Que ouvido tremendo o de scu Cicillo! Desde menino cu freqiientava a pera: ia a0 Teatto Sio José, loca- lola Sao Paulo. Depois dele era 0 Colombo, 14 do Bris, ambos demolid ja hd muito tempo. Ia com meus amigos, entrévamos como figurantes, ‘como comparsas: no Guara uma festa da tribo dos aimorés 16s entrévamos como pirralhos, 0s filhos dos indios, acompanhan3 05 bailados. Nao pagavam nada, era s6 para entretenimento, a gente go tava, Quando nao trabalhavamos como compatsas famos bater palms nas gerais com a claque. Naquele tempo nao tinha rest um entrava, Assim, assisti de graga, 1é em cima na gei de Verdi. 12 como claque, ou como comparsa no palco. 1918-19 jé assistia, dentro do teatro, companhias o' a as de segunda ordem no Teatro Sao José, onde esta a do Boito. Bu, particularmente, gostava mais da Ai amelhor do mundo € 0 Otello, de Verdi. Seguz: Otto Maria Carpeaux as duas melhores éperas do mundo sio Triss ¢ Isolda de Wagner ¢ Oiello de Verdi ‘Também houve época da Opera francesa, com bons artistas. O vo aplaudia mas também vaiava. Di Lorenzo foi vaiado em Sao Pa jraram ovos podres nele. Na Carmen, no Mu que’ de figu te. Eraa melhor Garmen do mundo com o contralto Elvira Besanze Fiquei como assistente do citco de touros. ‘Quando me tornei corista, o presidente de Sto Paulo era Catia de Campos, que era também compositor. Levou duas Operas: 4 be adormecida ¢ O caso singular. Nbriu uma escola de canto no Mu pal, cm 22, Os ensaios eram feitos no conservatorio da avenida Sao Joss dezenove anos era um homem bonissimo, dificilmente se encontraria pessoa mel Ele resistiu até morrer como presidente. Sacrificou a carrcira dele, Lopes. Isidoro era um militar gaticho. Sao Paulo ¢ que mantinha o 38 der; por isso cle queria depor Artur Bernardes, Ele contava com 0 #8 soal da Forga Publica de S40 Paulo ¢ os tenentes de 22. Eu morava no Bexiga. Foi assentacio um canhio 75 no morro Inglescs; csse canhio era visado pela Forga Federal. Alguns 10s do Minas Gerais vieram para apoiar 0 govemno federal ¢ foram sacrados. O trabalho cessou e foram abertos os armazéns de todo Paulo. Os revoltosos ndo saquearam. Os chefes eram taxativos; eles 1m os seus subordinados mas os soldados ndo saquearam, Os rel a belo dia, fugiram pela Sorocabana; af o general Sdcrates ¢ 0 ral Potiguara, que perdeu um brago, muito resoluto governou $6 B esxado de sitio, pressionando os adversicios. jo Pessoa. Um dos >> & Copacabana est vivo, 0 brigadeito Eduardo Joo Alberto Li © governo era » Mas $6 locais, nao havia oposi¢ao S6 havia o pap (Partido Republicano Paulista}. Eram 8 s¢ faziam de véspera, a bico-de-pena, A pr foi em Jal te no apoiou 32. Mas se eles chegas- © Rio, pegariam 0 Gevilio com as calgas na mao, Mas pararam =zcito. Bu estive em Itapetininga, prestando servigo. Bra funcio- + fi mobilizado. Nao apoiava, mas ft ‘9s modernistas foram vaiados, Nessa época eu freqdentava ola de comércio e escrevia composigdes a0 modo da nova or- 2 professor, Basileu Garcia, me louvava por isso. Me lembro edagdo que comecava assim: “Rua Direita, Trim Ele achou 2 0s euros, Era do Partido Demoerdtco, que comeou orn © conselheito Antonio Prado. eu conheci 0 Mario de Andrade? O Métio de Andrade is, em Itararé, Ble €: , © 0 Mario ficava separado num canto, Quando eu cle me perguntou: "Vocé tem publicacdo?”’ e disse: “f uma droga’ “hos eno excreva e pode me esculhambat Sit Bele escreveu mesmo, no Htararé, reduzindo osoneto apo aque. Nunca mais escrevi poesia. He fot um sufito canal, 180 fo} 1927, eu tinha 23 anos. Ble ja era famoso, Mario de An tado, alto, usava dculos. \do havia vi 24 eu era mocinho, de vez em quanc Pa nana bala vinham perdidas quando estévamos na Entrem ali’ homem pac: yacional, Dava impressao de um : Uo trabalho, tomava seu banho e ficava sentado na pee oe a vyindo misica. Ele tinha uma colegio extraordinatia de frente a rua S40 Doming Vista, na rua AboligZo, quase em D escape desafiou 2 policia; Quando roubava Geta rica, no int wl Contando o que tinha . mainte escrevia para o jornal con a eto, Se 0 Stan do arparea pil cia usm osha jaenta contos, Meneghetti desmentia: “Sao jas falsas, da Ca por Quando muito valem dos, t2és contos, Cinqienta contos Es tom patie! Os ricos usam joias flsas também. Eu fa enganado™ Ca ‘produto das joi ele uiliava uma fami, os pobres, Mores com nos. a Me a noite, entdo,estévamos noma festa na rua jaceguai, 2 raps da, quando soubemos que a policia aha ego e Meneghett 8 ci lado a janela da casa delé; ir tha caido em cima do telhac lo ne Se mocionados. Para fugir pulava de casa em casa. § is; cle, de cansago, s¢ entregou, Chamava-se cag cacom ele, como s¢ ele fosse um trabalhador que voltasse can: em 1924 ou 1926, Carlos Prestes fez a maior marcha da A do Sul, com a Coluna Prestes de comandados dele, Luis cares exa de porte meto; nlo era 6, porque est vivo ainda © 9 ‘num auromével, A Coluna era de remanescentes dos 24. alguns tenentes de 22. Prestes era o comandante. Uma ver, en- Becscado por um jornal aqui de S40 Paulo, perguntaram a ele qual a onalidade mais importante que ele tinha na coluna. Entao ele _~O tenente Siqueisa Campos (aqucle que morreu num avido), além Ser uma inteligencia fulgurante, € de uma modéstia, de uma bonda- gsc no se encontra no mundo pessoa melhor”. “Eo mais valente de seus oficiais?” ‘O mais valente mesmo € Jodo Alberto Lins de Barros.” = assim ele fol numerando o mérito de cada um até que pergunta- Eo mais covarde dos seus?” | “Capitdo Juarez Tavora. __Prestes ainda nao tinha se tornado comunista. Para 0 comando con- He Prestes foi designado o tenente-coronel Gois Monteiro. Depois seit entre um e outro o Prestes dissolveu a Coluna, Alguns foram gs Suenos Aires, alguns para outros centros 5 , voltavam para 0 Brasil 2s escondidas, Revolucio de 30, Prestes foi convidado pelas autoridades gat za comandat a revolucao, Parece que deram 2 mil contos para ele E ssc dinheiro, dizem, eu nao posso afirmar, que com esse dinhel- # 2¢ a Russia cli, entio, ele se tornou comunista. E mandou as fa. ig Kevolugdo de 30 que depois veio, chefiada pelo general Gois Mon- Esse Gois Monteiro foi mandado pelo Washington Luis no Rio sabendo-se no Rio que havia qualquer coisa no Rio Grande. En- que 0 governo ficasse sabedor do que havia, mandou um dele- Gs pessoa de Gois Monteiro, ¢ Géis Monteiro, quando voltou, vol fis frente das tropas revoluciondtias que depuseram Washington Luis. gsci em Sio Paulo até 1926, depois andei pelo interior como fun: =e do Servico Sanitério. Era guatda sanitario, vacinava. Em Salto = coheci minha mulher e nos casamos, depois de um ano de em 4 de dezembro de 1930. O padre veio nos casar na casa smd dela. Em Salto Grande conheci o dr. Carvalho Franco, meu meu padrinho de casamento. Era muito boa pessoa. Aprendi salhando ¢ lendo livros franceses. Eu sabia um tiquinho assim, Peguei o Laffont, Précis de laboratoire, e aprendi francés len- Sauei mestfe na arte. Carvalho Franco me cnsinou a fisiologia Bree humano ¢ até hipnotismo, Ele, em tudo que se meta, fazia igo. Cercou o sitio com as suas mios, plantava orquideas, HRizho-da-seda, Acabou chefe do Servico da Malitia. Eea muito Uma vez chegou a Salto Grande um homem atacado de malaria. Acctlagao de meus Velo num carrinho, em peticao de miséria, Nos o pusemos em uma mesa » Preponderante, aqui em casa, foi o de minha mulher, de exame €, enquanto foi examinado, morreu. Af o dr. Carvalho Fran- ou eles todos. Fu trabalhava sibado ¢ domingo, quase nio se faz com um cadaver. Primeiro fechar os othos. casa, trabalhava no Jockey, durante as corridas. Quando nao tra cruzat as mAos, esticar as pernas. E eu tive que passar a noite com 0 v2 A noite c ‘morto, Pelo exame de sangue, fazia o crosc6pio. Era dificil diferenciar a febre amarela silvestre da mal ‘os estrangciros (poloneses) morriam todos; 0 caipira continuay balhar, defecava pedacos de figado, mas nao mottia, o figado ficavacm frangalhos. O nosso caipira continuava a viver ¢ 0 figado se recompu> nha depois. © adimero de filhos era grande, uma vez tive seis empregos pata _facr frente a stuagio; aqui em Sio Paulo nada € fel de adquirie se de minha vida, porave | eaneizo sonante. Eu precisava me mulipicer para tases hese Me sou um tanto boemio € estava s {G05 Se osaltio era escaso tors, dena eave conte eae Nao gosto de grandes esforcos apes: 7 _fearca com minha mulher, De uta calca mioha ela fala um tale firo 0 sossego, a meditagio. Se nao fosse 0 ca “ 3 la, roupas para as criancas. illeur Eajostndboahiieanineoanen A vida sempre fo! muito sactificada. Eu sempre precisava de a modificasse completamente. Vivia na boetnia, cu nao pense : niceties Fecaea dt sar, foi Deus que fez.com que cu a conhecesse para que eu tivess : opeissita se quince nce futuro diferente do que teria sem ela reaper eae spor dia, la deitar 3s duas, duas ¢ meia ¢ levantav {to de Previdéncia para adquitir uma cas. Isso fo failtado pelo | i consegui 0 dinhein io par. ic com tal denodo para enfrentar a. vida Fai ourives, analista de laborat6rio e uma ver subs Sieecot de andlises do las mente Fetteica, de tube! sa, em todos os sentidos. A coragem ela mostrava todo dia. Tex Ué quatro anos. ervigo era muito perigos veaes gémcos, dava de mamat pros dois ava a casa, Podia contaminar meus flhos. Mas meus ios eresceratn fortes, ogo, nio tinha empregadas, Bra coragem, notur ___Levava um pequeno lanche que tomava depots do servigo no Cle ‘gem exposta a todos os riscos. Nao preciso destacar este o gente Ferreira, razido de casa, depois demonstrando : 0 trabalho dela era sup Se | perimentos de pessoas que entrassem com pedidos 3s repartigo percalgos na vida, cvidas, ava que is ics, federalseestaduais,dava entrada e culdava do processamen- coragem também, de it pra feente, tinha : ; esses requerimentos até 2 solucdo. Depols voltava para esa, anta fem valor nenhum, © maior valor do homem € 2 pressas ¢ fa ser cacifeiro do Cispl Puacns'e fazer com que 0s fihos ¢ a sua mulher tenbam uma vida muito supe: io baimmo, de classe média, onde tive amigos e companheiros d rior a dele, €criar uma vida menos allitiva para esses filhos, Meus de bocce edo carteado, Lise comega a jogat is quatro horas da thos: Yolanda, Fivio, Pinio, Carlos, André, Joao, Licia, Pedro e Paulo. Re c A notte, das nove ts dus dca monger tome JAA Boe * ¢ domingos trabalhava no Jockey Club para ganhar an i i ee dis laeta ear inne "pededor de ples, aposis ae ineressante, Nos exfeamesfeuntdos em nossa Sede, um slo ae a slivio € os outros meninos daqui de casa jam ouvie radio na c2- wa dele cen tOS & eventos integrlisas 3 espera da conferén- sa dos vizinhos, Nunca tive ridio. Quem me deu o primeiro radio fo- Na praca bohacimpuipieii piney com alto-falantes para a praca tam duas mogas que iam comprar um rédio novo ¢ sshendo que e nena go aes foram eta: ‘cami- nao tinha, falaram com o pai ¢ me deram. Chamava-se Piloto aquel [un dog msiones ovties connate eat is, porque radio, Entéo, quando foi o dia da estréta do ridio usado fot uma alegria Naan erence tos Comunistas do pas era Sorocaba, Els queriam td.em casa, O Flavio era sequioso por ouvir noticias, avido por saber SIS Goble mtoseameats que Rea ine Por eras ve 3 cei ferencia de Rosa: As vezs 0 AntOniochegava do trabalho “mmo as comunis p ils com ls. soeeepe, meio baratinado, meio zangado, ele vinha triste, cansado. Um dia que Pp ese wm excates soxino ia sozinho, nenhum a acompanhé-lo xtava chovendo, um dia triste, falei paraascriangas: "Seu pai mando alo pres stenco quando ele dei ier iso, Preset tenn Gizer que val trazer um duque para jantar conosco”, Todo mundo se _fesdome ctamsan: "Aen. Boal ce minha ler uc _pOsa trabalhar, a casa ficou um brinco. Tomaram banho direitinho, pu- fy "Namost e me indeava que nés deviamos segue 0 ier. Eu nao Seram a melhor roupa, eu fiz um jantar bom, dentro de nossa possibilt dio, send aceitar. E fomos. Ai ele enftentou a masa dade, Foram buscar umas flores para enfeitar a mesa. De noite pergun- taram: “Onde est o duque?”. Af chegou o pai.) Quando eu chegava do trabalho, © Flavio com: de casa a dar um viva para mim: "Viva 0 Zé Papi Papi! que repet _ sf ndo querem que eu fale? Voeés tém medo da minha inteligenci, aa ain _focés t&m medo do fulgor dos meus olhos?™. Nao se falou mals naca, ae <5 pequeno didlogo entre ele ¢ os comunistas foi o bastante, A confe. ncia dele af terminou e acabou. 6 primeico discurso do Dopolavora, em 1934, 0 ptimeiro discur- Li acontecimento que ev no esqueco foi od noite na paga da so integralista quem fez fui eu: Foi em Sorocaba, sobre o conceito de $¢-Era uma grande parada integralista, Viemios de madeugada, n0 auto- 9 eS GUE en cB, | ‘Bove do AntOnlo Salem, aluno da Faculdade de Direito, ¢ com Aime omunistas mataram Nicola Rosicca, o autor do segundo discurso inte- Salles, grande orador. E também 0 Armando Pannuszio, o Willen gralista. Bu ful designado para matar 0 assassino. Quem marou esse Ro sen € eu. O automével cra um Buick grande. O Pannunzio, ao che. Sieea fol um médico. Eu co capitio Ribeiro fomos designados para ma: B= 4 Consolacio, matou um burro. Ento fomos a praca da Sé'e houve tar esse homem. NOs o fomos seguindo até a rua Apa. Quando cle per AIG desfile desde a Brigadeiro a6 a Paulista: o Pinio ia passar em revi ‘ceben, se encostou na porta ¢ fez um gesto para pedir misericérdia, Ex FB legides. O dr, Stella cra 0 chefe de Sto Paulo. Eu formava na Se- cee Se encostou na port fer Boe Pc vor nao sou?” sca legido, Tudo era legido. O pessoal estava esperando na praca da Sat ee ewe, pr echo a0” Vor, = 0 ftinerdrio devia ser: Brigadeiro, largo Sio Francisco, rua de Si0 C oficial, ndo quis atirar. Nem eu.” O nome do médico era Jeronimo #20, praga AntOnio Prado, Quinze de Novembro e 8. Mas o Ribeiro, € oil lo quar: Ne ° i fe comandava a Segunda lego, percebendo o horitioatrasado, cor. © nucleo comunista de Sorocaba era forte, O niicleo integralista @ caminho ¢ do latgo Sao Francisco passou 2 Benjamim Constant até nao era muito forte aqui em Si6 Paulo. Eri RISEira0 Preto, sim, cra for 2 da Sé, No tridngulo, os comunistas jf estavam escondidos cor fe. Bu tinha 39 células comunistas fichadas por mim em 1935. Quando thadora ¢teriam matado de quintientas a mil pessoas. Os coma, Bu nfo dei eceme que Armando Salles er di snais importantes personalidades do integralismo, aconteccu Um cp ‘multo amigo dele, E também © Montesano, SN oe Cs integralistas mais cultos cram: Pini Salgado, Miguel Reale, Gus- © pio, o lete, o agécar eram racionados, el tavo Barroso, 0 Joto do Norte, Luis da Camara Cascudo, Santiago Dan acordo com 0 nimero de pessoas da fama, 1 tas festava com ele na praca da S6), Helder Camara (estava no Cea) 3s familias grandes, frou muita colsa ¢ Gofredo da Silva Telles fintervcars aca - : ‘© movimento era nacional, nfo tinha apoio monetétio da Tela eeu ta deee © Manifesto de Outubro fol uma coisa fora do comum. Dizem que quem No tempo da gusta, 0 Catlins estar Cesereveu foi 0 Jodo Carlos Fairbanks, um dos homens mats inteligen casa Ros esta setada auma cade Com asents sles Bat tee que conheei Foi em outubro de 33, A Acio Integralista promovia 21 com asscnto sobreposto. En- : ‘quanto ela sc levantou para 2 estudos socials. Estudava-se. Propunha-se a representacao pelas clas- _Sesoaclin sbsena guenesey sas oo : fem observar o que aconteceu, ela sentou no vazio ses, Os sindicatos mandatiam os scus representantes para a Comuna, BF escus jocthos bateram no ve 7 facia ¢ a Unio. Os sindicatos de um municipio mandariam seus ; am no ventre dela e houve um deslocamento. Dols aro __ dias depois comer comegou a melhores representantes: 0 melhor barbeiro, o melhor sapateiro... e& SAS epols comesow a hemorragia e 2 Rosa quase morteu, Teve um ndo provocado e perdeu litros de sangue. Depois da hemorra 0 racionavam de ndo se importavam com colheriam o governo. Governa quem trabalha 0 pr ‘Em 37 uma ala do integralismo, chefiada por um médico, Belmiro +212, que ndo cessava, ela cada vez mais fraca, me pediu: Vaiverde, quis, com alguns oficais do Exércto, matar 0 Geto com zanjasse um pouguinho de café com leite e um pedago de pa0, ex ear ahadors Encontraram d. Darcy, que gitou: "Nao me mate!” sobrevivo", Passou 1a rua um padelzoe eu pedi pats comprar om aa ns eu un eajada embaixo da cara, quase matou o Getdlio. O le me negou. Bram duas horas emia de madrugada, Nisso, possou Dutra fuzilou 38 integralistas que jé se haviam rendido, agitando ban- “ex amigo meu, fago questo de regsrar seu nome, lsidoro Pls, ele deiras brancas. 4 | @ passando € eu chamei: “Isidoro! See Tu desliguetme porque a situaglo me perseguia, Por doze vezes precisa me arranjar uma taca de café con 7 ful actende elo Pardo Constituionalista "Mras © Armando Salles via ia de café com leite © um pao”. Bra a coisa Sais dificil do mundo, Ble desapareceu ¢ voltou d 10s depois : pareceu ¢ voltou der, mini ana coat _ Bzendo 0 Ieite € 0 pao. Nao sei aonde foi buscar. F ela sobreviveu sa verde, antes de 37. Na ocasifo, antes da fentativa contra 0 governo, sho absoluta certeza, por cau se the pensou que ia ser ministro da Educagao e levou os interalistas par ket grricas Depocl uti ns onasiart sma eon © Rio, Eu nao fui. E disse & minha mulher no dia do golpe do Estado [pests se dessem anestea ct morta 0 cotaraom Conan Novo, 10 de novembro de 1937; “Netta, o integralismo acabou", Dito SO saiosngeed eee a ree feito, Mas o Plinio nao tinha eavergadura varonil, era um intelectual, Mas quando fizem am flho,a gente cnccinanenn bem d gen- io era um politico. p ees , fi ate grato, mes- Logo depois, 0 Geeilio queria a cabega do Pinio, vivo ou morte , ieee cosa equating, arcamos até 0 fm da vida, Nos {Quem homiziou 0 Plinio aqui em So Paul fol o Adhemar de Barros, oases, bia tote mundo, menos pra exes, 4 tinham dado faterventor em 38, Depois de 38, 0 Plinio foi para Portugal lé fico Fess ta eiige oe caer lesan ae amigo do Salazar, mas ele cra superior a Salazar, : ilhos pra cat, preciso viver" ’4o posso mor- Na titima guerra, como 0s italianos estavam mais radicados aqui. Uma vez, com o Carlinhos no colo, procurei o agougueito Vilares nfo fol io violento 0 combate a esses stiditos do Eixo, Nao se justficara 02 da Gloria. © menino estava com um abcesso na coxa e cu fui tanta repressio. Bastava falar italiano para ser preso. Um irmao meu fo: “ Gis para ele para comprar algodao e ataduras. Mostrei o preso por causa disso. Ele estava falando com um amigo dele na rvs S0 e expliquei que ndo tinha um tosto em casa. Ele, como S40 Bento, nisso chegaram uns agentes ¢ o prenderam, $6 0 soltaras sacudiu a faca no meu rosto. Respon : ne depois de tempo, ninguém sabia onde cle estava. Pres0 por falar ital: tho. Fles eram mais realistas que o rei. A repressto sempre fot absurda. “No queto seu diahei- | cio, canalha. Ainda vou te ver pedindo esmota na rua”. Seis anos Bevis 0 enconttet pedindo esmola com a mulher no viaduto do Cha, Saal Meus anatemas sempre pegam. Certa vez um barbeiro bateu no Fl- vio e rasgou a bola do menino. Minha mulher no me contou, $6 de- pois que ele morrcu. Lé no empério vendiam ovos coziclos ¢ esse bar- beito apostou que comia 48, Mas depois que comeu pouco mais de uma Quando era sanitarista, a plor das docncas contagiosas que naque- Je tempo exigiam notificagio compulséria era o tifo. Com a pritica, 0 ddr. Sacramento s6 olhava ¢ jd sabia se era caso de tifo, malaria. Eu com fo tempo adquiti a mesma prética, Olhava para a pessoa ¢ sabia fazer | 0 diagndstico antes de fazer a8 reacOes de sangue, que confirmavam — ou nto 0 ] (Os bacilos circulam pelo sangue ¢ de semana a semana se instalam nos érgios internos, no intestino. A cultura desses bacilos s¢ faz no san- ‘gue mesmo, a teagio de Vidal vé a presenga dos anticorpos em nosse organismo. Os sintais mais evicentes do tifo no doente eram 2 Kingus ‘de papagaio, saburzosa ¢ grossa, ¢ gargarejo da fossa iaca, que se perc: be apalpando o flanco. Se tornavam palidos, anemiados porque pet | diam sangue. Ha um caso interessante: tsabalhei com dr. Avelino Lemos, mult amigo meu, muito distinta pessoa. Ele contava que, quando era dante, nas férias foi convidado por uns amigos pata conhecer 0, de Regatas da Ponte Grande. Os outros comecaram a nadar porque era \666i68 € €le ficoW ha Deira do rio csperando, Afinal, conseguiu com jguarda do clube ¢ entrou na agua. Ble nadava cachorrinho porque = sabia nadar. Pouco antes haviam tirado um poste que era porta-bandes do clube e ficou Ii um redemoinho no rio Tieté. Todos sabiam ¢ : nao conhecendo, entrou no redemoinho ¢ fot afun do, estava pra se afogar. Estava quase morrendo quando numa das zes que ele emergiy, viram cle i e 0 retiraram e salvaram a vida Mas ele disse que viv a Morte ¢ que a Morte era amarela, E eu via esse amarelo aqui na fronte dos doentes, tinha dade de ver se a pessoa ia morter ou ndo. E podia estar certo qos tiro e queda, Aparecendo aquete halo amarelado na testa 0 doente ma mesmo. ‘ Em 45 trabalhava no Centro de Satide, em Santo Amaro, no Brés, como técnico de laborat6rlo, Trabalhava-se com muito f2t0, 0s efeitos também cessam. Os integralistas juravam fide -chefe; desde que nao existia mais nem o chefe, nem a acio ‘ipso facto o juramento estava nulo. Eu no quis mais saber de com Ietamente das lides diretas. inio e para vice no Jango. D. ios, fo cand agovenaor de Sto Pal; ea Pre Mal, Adhemar ganfou, De- imeira eleicao em que o Adhemar ele, Quem venceu foi presidente da Republica mandou que se apu- \dhemar de Barros e no Borghi; quem ganhou roubada, Ultimamente tenho votado nos can- tuagio, nik ‘230 houve mais eleigio. Na 3 foi porque o Part mapeipee estudaram, Os irmios ficam zangados, mas 3 que o Fvio esteve sempre na frente presenga dele sempre foi mais marcada, Ble tinh trés ou quatro anos, gosta- dc uma freira, a madre Stokler, que era professora dele no ~infancia do Colégio das Beneditinas, em Sorocaba. A madi Fi com clncer,afastada das aulas. Bo Flavio disse: “Vou tezar € bastante a Deus pela senhora, até a senhora ficar boa” Landa nunca foi muito religiosa, até agora nao é, mas ele, ajoc- 4 Landa ajocthar também ¢ rezava os trés tergos para a ma: +r sarat. E no € que @ madre sarou mesmo, voltou bos get a causa cra cle, Entdo cle fol 2 missa durante seis meses, 3s cinco da manhd, ¢a mie, esperando 0 Toninho, ¢ lf tinha que ir mis- | 0s que lidam com ele conhecem seu valor; sa com 0 Flavio e ajoelhar, porque a madre Stokler tinha sarado | Sscreve nada. Quando tinha doze anos esereveu uma carta pa le chamava a atenclo da Landa porque a Landa no rezava dite _ £0 portador era um diretor do ses, que conhecia portugues de cor c to: “Sea macie Stokler ndo sarar voce vai ser culpada, Precisa ficar ajoe- altexdo, Curloso, a0 ver como o menino escrevia ehie ene lnadat F vamos rezat!". Acho que foi aquela f€ que curou a madre ipidamente, pedi 0 fol despedirse dela, ela falou: "Hoje voc’ be ele esereve bem, mas no jar a sua mao”. Sabe o que ela quis, | Obispo nao quis que cle fosse c ue ele fosse padre, ele ficou triste. Veto pra Sa zer com isso? Que ele seria padre. [Prulo ed, Beda disse: "E,€ melhor esperar” le espetoa en men Com cinco anos ele ecitava 0 “:Juca Pirama” inteiro € “0 caga- [£00 ma laculdae da i ¢ Bes eee epee ne ora dor de esmeraldas”. Ble chegou a fazer 0 seminério, Saiu porque ficow Cursando a Faculdade de Dirt : Ic Direito no pri santo demais, Nao podia ver certas figuras. Ele arrancou todas as figu- | Sreito romano escrito. Depois tna q ree aan ee - de a : lue fazer oral com Alexandre Cor- ras da Divina comédia, daquelas almas sem roupa, no inferno. Ele cor- | _ 2, Ble estudava até as quatro da manha, ia dormir e quetia ki ia levantar _ aS scte horas para estar Id as 6 - : S vito. Precisava faz (© conego Castanho ea reltor no Semindrio de Sorocaba, onde o ido uma ala Mas perdeu ena ane doe ose se Flavio estudou até uns dezesseis, dezessete anos, Quando Altino Aran- acordou. Passou um tempo, ele fol a sectetara da Renin cae tes foi visitar Sorocaba, quis conhecer o cOnego Castanho, Antes de it, ideram que ele nto estava mais no primelte any mn ee {oi fazer uma visita ao senhor bispo, d. José Carlos de Aquino, que dis- [Sezundo. 0 Alexandre Comets pela prineits ver me anne Paet® ee aeees te Bo erp ae Et ea Yr vids dee, ha sou com 0 conego Castanho e voltou para o bispo: “De fato, ele € ums | be aor quar com ok a arm quatro, Nenhum auno aunca che caipira, mas além de ser um dos homens mais doutos que conheci, € j- _Uma casio, quando ele davaaulaaum coleg sean am dos mais Pe impossive aa ] wv colégio, entrow : 7 & dos alun at ‘Quando o Flavio tinha uns onze, doze anos o cénego me disse = es unos me conto iso: chegou I 0 Flévio com a eamisa de “Bu conhego vocé muito bem € ndo acredito que 0 menino tenha pu- pou a dar aula, cles Gas Saspscciraanaan ante dos alunos, Co- voce. Dev x : =: , ram boqulabertos. a xado voce. Deve ter uma outra pessoa que ele puxou. Ble raduziy Si, todos se ornare eguaberts. Quando a aula acabou e ave-maria do latim para o grego. Flavio, recita a ave-maria em grego! seiggmalale is dele: “Professor, professor, “f verdade, no foi a mim que ele puxou, foi ao pai da Rosa que era, Wo sera de adlemos nada da sua aula”. “Mas por qué?” *'Nds so- uum genio." ’ do segundo ano.” “Entdo vou volar!” Bie voto e deu aula pros (© conego Castanho sofieu de umas trés ou quatro moléstias de ums Pe que nunca mals deisaram de ser admiradores dele, vex 36, tifo, uma porcio de doengas. Quem fazia as injegdes nele eri | _© Professor de matematica dele me contou o seguinte: estava gh eu. Estava desenganado por todos 05 médicos, em 1938. Os médicas B20 uma equagao algébrica, com um giz numa mao e a outta mao todos morreram, ele esti vivo até hoje, com 85 anos. 4 Eado sinais: “Flavio, fica quieto”, Quando ele tirava o giz da lousa, (0 Flivio nao podia ser padre, era muito meticuloso, ele se julgnd | vio dava a resposta, ndo com os cAnones legais da Algebra, mas culpado se ouvisse um palavrao de alguém. Ia se confessar por ter 6: BE = cabeca dele, Estragava a aula do padi : ip pal Pm 7 padre, vido aquele palavsdo ¢ a confissio ndo valia, tinha gue fazer outra. © xadrez, ele também jogava excepcionalmente, Formow se em le- Fra escriipulo demais, Se fosse padre e alguém fosse se confessar c¢ Fe

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