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AS POSSIBILIDADES FRENTE À ANSIEDADE:

Do tratamento do sofrimento à aceitação da Vida


A ansiedade é uma palavra que se forma a partir da palavra grega anshein, que
significa estrangular, sufocar, oprimir. Tendo na pró pria raiz etimoló gica da
palavra um significado de estrangulamento e sufocaçã o, a ansiedade pode ser
entendida como uma vivência literal ou simbó lica de falta de ar.
E é literal pela freqü ência de relatos de pessoas com vivências de ansiedade que
relatam problemas de faltar o ar, respiraçã o curta, ou de pessoas que falam até
esgotar o ar do pulmã o, precisando interromper a fala para um novo suspiro; e é
simbó lica quando consideramos outros aspectos do ato de respirar, por exemplo;
falando da respiraçã o de uma maneira descritiva, o ar só chega a fazer parte do
nosso organismo pela respiraçã o, ou seja, pelo deixar-se expandir através da
inspiraçã o pelo que vêm de fora, soltando antes aquilo que precisa sair, para que
um novo suspiro venha, para que a conversa prossiga, e, em ultima aná lise a vida
continue.
Mas nã o é só na raiz etimoló gica que se abriga a opressã o, ou na sensaçã o de peito
apertado relatado por muitas pessoas ansiosas; na vida destas pessoas é muito
comum o medo de muitas modalidades de expansã o. É um optar pela contraçã o
nas mais variadas formas, vivendo um medo do incerto que nã o raro leva a uma
escolha pela segurança no já conhecido e a uma evitaçã o do ato de lançar-se para a
vida, ir adiante para.
Nas pessoas ansiosas observa-se também uma escolha por ocupar o tempo com
pré-ocupaçõ es, uma tentativa sempre em algum momento frustrada de manter o
controle de si e/ou do mundo, mas, é bom frisar, só tenta controlar quem perdeu a
confiança em-si e no mundo circundante, quem acredita que, se relaxar, acreditar,
se soltar... Algo “terrível” pode acontecer num amanhã imaginariamente sombrio.
Esta é uma característica do “solo” onde a ansiedade costuma brotar, uma tã o
íntima relaçã o com o futuro, uma ênfase naquilo que pode sair errado, uma
preocupaçã o excessiva com os riscos, sempre na tentativa de impedir que o “pior”
venha. E o dito pior, sã o riscos em sua maioria transfigurados, redimensionados
pela fantasia da pessoa que teme. O temor faz a pessoa perceber de uma maneira
pró pria a indiscutível possibilidade de acontecer acidentes de percurso na vida de
qualquer um, a possibilidade remota passa a ser perigo iminente, a pessoa passa a
sintonizar-se mais com possíveis riscos deixando de atentar-se para outras faces
da realidade circundante.
Se a ansiedade fosse uma casa, seu tijolo seria a emoçã o medo. O medo aponta para
um futuro indefinido, e,em assim sendo, o medo convoca a pessoa descrente a mais
controlar; uma vida com necessidade de controle contínuo pois o risco pode vir de
qualquer parte, é uma vida sem liberdade, uma vida em tensã o. Na verdade pode
ser entendido isso como um ciclo vicioso, quanto mais desconfiança mais medo,
quanto maior o medo aumenta a necessidade de controle, sempre em alerta a
pessoa se cansa, entra em quadros de stress que a fazem ainda mais alheia à
realidade circundante, com pouco contato consigo mesmo enquanto corpo e com
um contato com o mundo feito de uma maneira superficial porque enviesado por
aquilo que se quer proteger, passam a nã o perceber/receber as possibilidades
daquilo que vem ao seu encontro na vida e que poderiam re-significar o medo,
desvelar potenciais, revelar outras possibilidades de ser.

Tendo como foco a ansiedade, enfatizarei aqui duas vias de entendimento e


conseqü entemente de açã o ante a ansiedade, nenhuma delas é certa ou errada,
cada uma tem sua moral, sua ética, sua ló gica, cada via conduz a um â mbito de
mundo diferente, nã o é proibido, nem tampouco contra-indicado de antemã o
seguir pelas duas vias, a escolha é de cada um. Porém, para poder escolher é
preciso saber que existe possibilidades e em que consistem elas.
A primeira via é tentar “desvendá -la”, ou seja, tirar a venda que esconde o que
originou a ansiedade, quem toma esta via acredita que, uma vez sabendo
exatamente qual substancia prescrever, ou qual conteú do do passado que explica a
eclosã o da crise, o sofrimento deixará de existir; dentro desta maneira de abordar
a ansiedade, dissipar os sintomas que causam transtornos na vida da pessoa é o
grande objetivo/desejo.
Dentro deste objetivo torna-se prudente e importante que a pessoa em ansiedade
por exemplo tenha um novo aprendizado sobre como respirar corretamente, visto
que a ansiedade corporificada nã o raro produz dificuldades com o processo
respirató rio - como dito acima-; bem como orientar a pessoa a fazer exercícios
físicos para colocar em açã o motora o pensamento falante, para, em cansando o
físico silenciar o “ me falta...para estar seguro”, calar o “será ?”, fazer esperar o
“quando?”, arriscar-se diante do “e -se...” ; enfim, o principal a dizer dentro do
paradigma que norteia esta via de compreensã o é expressa nos ideais : “vamos
acabar, diminuir, saber lidar com a ansiedade”, existe aqui um desejo de ajudar a
pessoa a “se livrar “ da ansiedade, o que vai gerar condutas terapêuticas diversas,
cada uma coerente com um referencial teó rico-filosó fico específico.
Para tentar abrandar os efeitos da ansiedade existem muitas técnicas: tome
ansiolíticos e antidepressivos para regular os níveis de serotonina e noradrenalina;
bata no boneco para “descarregar” suas tensõ es; descarregue suas palavras presas
em terapia; esteja aqui-agora sempre e pare de ocupar-se com o futuro; descubra
de onde veio isso; respire fundo; sopre num saco plá stico para restabelecer o fluxo
de dió xido de carbono no cérebro que ficou com seu níveis rebaixados depois de
uma má respiraçã o; relaxe soltando os mú sculos; pense em outra coisa; bata os pés
para você sentir seu corpo e principalmente colocá -lo em contato com o chã o e
tirá -lo do mundo das idéias; enfim, cada teoria uma crença; cada crença uma
sentença embutida, um você deve fazer isso ou aquilo.
Tal ordem pode transformar-se em sentido íntimo na vida, ou perder-se num ato
passivo de cumprir a ordem daquele que pretensamente “detém” o saber/poder.
Muitas vezes este desdém pode ser uma maneira de fugir à responsabilidade “ eu
faço porque me mandam fazer, se faz bem ou mal; nã o sei, acho que sim, se o
doutor disse que faz bem deve fazer” , enfim, a pessoa pode de maneira obediente e
irrefletida seguir as prescriçõ es sem auto-entrega no processo.
Mas, acima de tudo, nesta forma de entender e tratar a ansiedade existe um desejo
por parte tanto do terapeuta e idealmente também da pessoa com ansiedade em
acabar-diminuir-superar o estado indesejado, e, este desejo é produtor de técnicas,
caminhos para chegar à eliminaçã o da ansiedade, produz pesquisas nas mais
variadas á reas e, por fim, é responsá vel pelo avanço do saber sobre aspectos
importantes da ansiedade ajudando muitas pessoas a melhorar a qualidade de
vida.
A outra possibilidade de compreensã o da ansiedade nã o tem a intençã o de “tratar”
da ansiedade, na verdade para ser mais preciso se busca compreender a existência
humana num modo de ser que se ocupa em estar numa constante antecipaçã o, isso
é, sempre além daquilo que está sendo. A pessoa assim sendo freqü entemente
vivencia com uma dor tensa, imagens do “pior possível “.
É preciso ressaltar que esta outra possibilidade nã o é um tratamento da ansiedade
porque se trata de outra maneira de encarar-compreender- dar significados à vida,
que pode por conseqü ência diminuir bastante a ansiedade sim, mas nã o se busca
aqui eliminar a ansiedade e sim re-significar a vida, dar tempo ao tempo e deixar-
se fluir no tempo ao invés de continuar tentando influir sobre ele.
A existência em ansiedade lida com o tempo como algo passível de controlar, na
verdade escolhemos entre as muitas possibilidades que se apresentam em
variados â mbitos do existir algumas que serã o vivenciadas e outras que serã o
abandonadas, em outras palavras temos vontades diversas e um tempo indefinido
para buscar realizá -las, visto que a qualquer hora nosso tempo pode acabar.
Esta consciência da finitude da existência lança-nos à responsabilidade pelas
nossas escolhas, pois sã o elas que nos fazem e sã o elas que nos dã o possibilidade
de fazer, realizar. Mas, escolher nã o é ter o controle total sobre a vida, nada nos
livra do desabrigo, visto que por mais forte que seja os alicerces da casa que
sustenta uma existência, um vento forte, terremoto, Tsunami, lava de vulcã o pode
por abaixo em segundo aquilo que me abarcava há tempos.
E o desabrigo em questã o nã o é na maioria das vezes nem ausência de teto -se
trata sim de tirar de um chã o e um teto conhecido e ser lançado num outro
chã o,num outro teto que, nã o raro pela nã o familiaridade inicialmente nã o é
reconhecido como teto- nem tampouco é ficar sem lar. O conhecimento da
possibilidade iminente deste desabrigo e a sucessiva tentativa de evitar este estado
novo que se mostra mesmo que como possibilidade é uma maneira de entender a
vivência da ansiedade numa pessoa.
Em outras palavras, tentamos evitar o inevitá vel quando perdemos a confiança de
que aquilo que aparece como algo negativo, carregado de sofrimento e pré-
ocupaçõ es, que naquele instante parece que “vai ficar para sempre”, pode se
revelar com o passar do tempo como algo que fica por um tempo mas vai; pode
também nã o ficar; pode trazer coisas boas; possibilitar re-significaçõ es e talvez
amadurecimento como resultado do enfrentamento do sofrimento; revelar novos
horizonte; novas possibilidades; enfim, por mais que se tente controlar, a vida
segue, as coisas vã o acontecendo e deixando de acontecer , horas com elas e horas
apesar delas seguimos perseguindo algo.
Quando existe aceitaçã o desta marcha do tempo que transforma tudo o que é,
quando se tira as fantasias de congelamento do tempo, quando se para de querer
controlar aquilo que em-si já é excesso de controle, neste momento, talvez a
ansiedade deixe de fazer sentido e novos sentidos sejam acrescidos à vida.
Porém, dizer que a ansiedade deixa de fazer sentido nã o quer dizer que entã o se
alcançara um estado idealizado de vida sem sofrimento. O há bito de criar certezas
bem incertas sobre o futuro, de querer ficar quando tudo aponta para o ir, de
querer saber antes da hora que a resposta está pronta, criar explicaçõ es forçadas
para nã o ficar com o vazio, com a espera, sã o atitudes perante a vida que
favorecem a emergência da ansiedade.
Mas, nã o se supera a vontade de continuar existindo tã o facilmente -se é que isso é
algo que se supera algum dia-, pois, por mais que aceitemos a marcha do tempo e
por mais que isso ajude a enfrentar estados de ansiedade, nã o quer dizer em
absoluto que a ansiedade estará eliminada da vida de uma pessoa que quer viver e
continuar sendo na vida com os outros e sabe que para isso precisa de cuidados e
atençõ es especiais
Nã o será eliminada e nem é bom que o seja, apenas para lembrar os aspectos
positivos da ansiedade, o orgasmo só é prazeroso na medida em que alivia a
ansiedade das preliminares; além de ser a ansiedade o tempero indispensá vel
numa espera por algo bom, sem ansiedade nenhuma tornamo-nos facilmente
desatentos, descuidados, enfim, ela também pode ser algo importante, prazeroso,
esperado; suas negras paisagens que decidi me ocupar mais neste texto nã o dizem
tudo sobre a ansiedade, existe a possibilidade de ver ela sob outras perspectivas.
Nesta outra via de entendimento a ansiedade deixa de ser uma doença e passa a
ser algo que o simples ato de viver nos convida a vivenciar, e que, mesmo que nos
vejamos livres de uma fonte de pré-ocupaçã o o desejo de manter-se vivo e
perpetuar trará novas preocupaçõ es, em outras palavras: ninguém se livra do fato
de que o futuro é incerto e o é para todas as circunstâ ncias, o tempo muda as
coisas, as pessoas, os sentimentos, as crenças. O tempo nã o é controlá vel, nele
perdemos e ganhamos, sorrimos e choramos, nascemos e morremos; este tempo
que aqui me refiro nã o mora no reló gio mais avisa a toda hora, seja com toques
suaves ou bem barulhentos, que nossa hora chegará , e que, justamente por isso é
agora a hora de fazer da melhor maneira possível aquilo que foi escolhido fazer.
Aceitar isso é encarar a vida sob outra perspectiva, é afastar-se da ilusã o do “tempo
ou vida controlá vel”; é aproximar-se de outra maneira de viver, de entender a vida,
a si mesmo, à s certezas. Estas duas vias propostas neste texto co-existem,
completam-se, à s vezes podem ser trilhadas isoladamente, mas ambas podem ser
entendidas como alternativas, um novo respiro possível num mundo quase sem ar,
perdido de tanto apressar o tempo das coisas, de tanto querer chegar por chegar,
ou ainda, num mundo que vive a evitar toda e qualquer espécie de dor, neste
mundo somos convocados a ir além, e, isso requer coragem.
A coragem é uma atitude frente à vida que pode ser entendida como um
enfrentamento, um ir contra a maneira de ser ansiosa, ela nã o é ausência de medo
e sim ir além dele, continuar apesar dele, entendida assim a coragem nos leva
sempre além daquilo que pede para fixar-se, enquanto a ansiedade, pelo medo do
que vai encontrar neste além fica aquém da efetivaçã o do desejo de ir. A coragem é
a alternativa ao desespero (TILLICH, 1976).
Enfim, por mais que à s vezes a trama da vida de cada um de nó s nos induza a
pensar nã o ser possível, existe quase sempre a possibilidade de fazer o possível no
momento e deixar acontecer, vir o que vier na seqü ência, pois, venha o que vier
virá como tudo na vida sob vá rios aspectos, nã o estamos fadados a nada além da
morte e, mesmo neste exemplo radical, nã o estamos fadados a encarar a morte
assim ou assado, pois, tudo acaba se desdobrando com o tempo num espectro de
possibilidades, a perda e o ganho andam lado a lado,no fundo sã o a mesma coisa
olhadas de diferentes ó ticas.
Ou, podemos ainda viver tal qual leã o na jaula controlando tudo, num espaço tã o
pequeno e num tempo tã o grande; tal qual um prisioneiro de uma prisã o sem
guardas e cuja chave da cela que o detém se encontra jogada do lado de dentro da
cela; a cela humana sã o as certezas, as certezas eliminam o medo, mas, as certezas
nã o existem num mundo que em si é incerto, absurdo, e, portanto, as certezas sã o
ilusõ es que nos servem por algum tempo, elas tem validade curta mas sã o tidas
como eternas, elas criam o lado de cá e o lado de lá do muro, fundam o medo do
que há do lado de lá ; do lado de lá da pele, do lado de lá da fronteira; do lado de lá
da vida.

Referências:
1- ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto (org). As várias faces da psicologia
fenomenológico-existencial. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
2- TILLICH, PAUL. A coragem de ser. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976

Denis Rosolen

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