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A IGREJA DO FUTURO
Creio que a Igreja do Futuro deve aprender a ouvir o coração do mundo, isto é, se
compadecer e discernir os anseios da alma humana, buscando correspondê-los.
Mas para discerni-los, temos que estar atentos, não apenas àquilo que seus lábios e
atitudes dizem, mas também à sua produção cultural. Muito daquilo que o ser humano não
consegue exprimir através de palavras, é comunicado através da arte e da cultura de um
modo geral.
A igreja contemporânea se afastou da realidade. Parece que a forte ênfase nos carismas
fez com que nos especializássemos na língua dos anjos, e desaprendêssemos a língua
dos homens. Precisamos de uma espécie de tecla SAP, para discernirmos o que se passa
na alma humana.
Jamais foi intenção de Jesus impressionar a quem quer que fosse com Seus discursos.
Suas parábolas visavam facilitar a compreensão, trazer a realidade celestial para dentro
da linguagem humana. Embora nossas Bíblias usem linguagem rebuscada, os textos mais
próximos dos originais foram escritos no grego koiné, isto é, na linguagem das ruas.
Hoje, a igreja cristã peca por querer impressionar o mundo com uma linguagem pra lá de
espiritual.
Tornamo-nos um gueto com nossos próprios jargões e clichês. Achamos que nos
aproximamos do coração de Deus, mas ao mesmo tempo nos distanciamos do coração do
mundo.
Para sermos, de fato, igreja do futuro, temos que ter um coração no compasso do coração
de Deus, ao mesmo tempo sensível aos anseios do coração dos homens.
Como profetas, trazemos a Palavra de Deus na linguagem dos homens. Como sacerdotes,
apresentamos a Deus os anseios humanos na linguagem do céu. Comunicação é isso:
uma via de mão-dupla. Se quisermos ser ouvidos, temos que aprender a ouvir.
Filipe estava desfrutando daquilo que hoje seria considerado o maior sucesso que um
ministério poderia alcançar. Uma cidade inteira, antes contrário a qualquer coisa que
viesse dos judeus, rendera-se ao amor de Cristo através da pregação de Filipe. De
repente, o Espírito Santo o envia a um lugar deserto. “No caminho viu um etíope, eunuco e
alto funcionário de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todos os
seus tesouros, e tinha ido a Jerusalém para adorar. Regressava, e assentado no seu
carro, lia o profeta Isaías. Disse o Espírito a Filipe: Chega-te, e ajunta-te a esse carro.
Correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías, e perguntou: Entendes tu o que lês?” (Atos
8:27-30).
Filipe teve que deixar seu gueto, seu nicho, e ir para um lugar inóspito, deserto, para
encontrar-se com um estrangeiro, negro e efeminado. Seus preconceitos foram postos à
prova. Ao avistar o carro do Eunuco, o Espírito ordenou que se aparelhasse a ele. Pelo
que tudo indica, o carro estava em movimento, e Filipe teve que correr para alcançá-lo.
Estaríamos dispostos a deixar nosso gueto religioso, nosso mundinho gospel, para ir ao
encontro de gente totalmente diferente de nós?
Ao se aproximar, a primeira coisa que Filipe notou é que aquele homem estava lendo. O
que nossa sociedade tem lido ultimamente? Que filmes tem assistido? Que música tem
ouvido? Ora, se não prestarmos atenção, jamais saberemos.
Precisamos ser leitores vorazes. Ler de tudo, e não apenas literatura cristã. Ainda que não
sejamos cinéfilos, devemos acompanhar o lançamento de filmes, bem como os programas
televisivos, as peças teatrais, etc.
A cultura é uma das principais maneiras do homem expressar o que há em seu coração. E
não temos que temer nos expor a ela. Lembre-se da admoestação de Paulo: “Examinai
tudo. Retende o bem” (1 Tess.5:21). Você vai se impressionar quando se der conta de que
a graça comum tem habilitado homens comuns a produzirem coisas maravilhosas.
Particularmente, tenho encontrado verdadeiras pérolas em músicas seculares, que
expressam não apenas o que está no coração dos homens, mas também o que está no
coração de Deus.
Quando Filipe viu que o Eunuco lia Isaías, perguntou: “Entendes tu o que lês? Ele
respondeu: Como poderei entender, se alguém não me ensinar? E rogou a Filipe que
subisse, e com ele se assentasse” (vv.30-31).
Não basta correr para alcançar o carro, é necessário entrar nele. Não adianta brincar de
apostar corrida com a cultura, temos que nos inserir nela.
De que adianta distribuirmos Bíblias e literatura cristã, se não houver quem explique? E
para lograrmos êxito nessa empreitada, temos que reaprender a língua dos seres
humanos.
“Assim também vós. Se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como
se entenderá o que se diz? Estareis como que falando ao ar. Há, por exemplo, tantas
espécies de vozes no mundo, e nenhuma delas sem significação. Mas, se eu ignorar o
sentido da voz, serei estrangeiro para aquele a quem falo, e o que fala será estrangeiro
para mim” (1 Coríntios 14:9-11).
Ninguém falava mais em línguas angelicais do que os cristãos coríntios. Paulo teve que
tratar com isso, pois transformaram o dom de línguas numa espécie de aferidor de
espiritualidade. Apesar de ser tão abundante nos dons, a igreja de Corinto era também
considerada a mais carnal. O que nos torna espirituais não é a abundância de dons, e sim
a abundância de amor.
Paulo arremata: “Dou graças ao meu Deus, porque falo em outras línguas mais do que
todos vós. Todavia, eu antes quero falar na igreja cinco palavras com o meu entendimento,
para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em línguas” (1 Col.
14:18-19).
A língua falada pelos cristãos no cenáculo não era de anjos, mas de homens. Repare no
relato de Lucas:
“Todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme
o Espírito Santo lhes concedia que falassem. Em Jerusalém estavam habitando judeus,
homens religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu. Correndo aquela voz,
ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria
língua” (Atos 2:4-6).
Portanto, falar a língua dos homens é mais importante do que falar a língua dos anjos.
Paulo diz ainda que quando profetizamos, isto é, falamos das coisas de cima mas na
linguagem aqui de baixo, os segredos do coração dos homens “ficarão manifestos, e
assim, lançando-se sobre o seu rosto”, adorarão a Deus, “declarando que Deus está
verdadeiramente entre vós” (1 Co. 14: 25).
Gente como Daniel, que embora transite pelos corredores dos palácios da Babilônia, não
come dos seus manjares, não negocie seus princípios, mas é capaz de discernir segredos
do coração do rei, que nem mesmo ele discerne.
Nas palavras de Paulo, o espiritual não é aquele que se isola da cultura, que vive a falar
em línguas angelicais, mas sim aquele que “discerne bem a tudo” (1 Co.2:15). O espiritual
de Paulo equivale ao cristão maduro de Hebreus, “que pela prática, têm as faculdades
exercitadas para discernir tanto o bem como o mal” (Hb. 5:14). O instrumento que ele usa
para tal alcançar tal discernimento é a Palavra de Deus, “viva e eficaz (…) apta para
discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hebreus 4:12).
Que tenhamos um coração reinista, que consiga, ao mesmo tempo, bater no compasso do
coração de Deus, e estar atendo e sensível aos anseios do coração das pessoas.