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E.E Borba
Elieser E. Borba. Direitos autorais do texto original © 2019
Elieser E. Borba
Todos os direitos reservados.
AGRADECIMENTOS:
COLABORADORES:
PATRÍCIA – Eu moro com os meus pais e com uma irmã mais nova. Ela
é a minha cara. Se você vê pensa até que tá falando comigo...Nosso
corpo é igualzinho, nossa voz é a mesma. Ela também gosta de praia e
tal. Nós somos muito parecidas, só que ela não faz programa que nem
eu, ainda bem.
PATRÍCIA – Ahh, porque viver nessa vida foda é foda né!! Tu sai de
casa e nunca sabe o que vai acontecer.
PATRÍCIA – Não, a minha famílía não sabe. Pra eles eu saio pra
trabalhar numa loja no Centro do Rio. Volto pra casa todo dia à noitinha
como se estivesse voltando da loja no final do expediente. Daí vou pra
academia...porque eu gosto de cuidar do meu corpo, sabe? O meu
corpo é o meu ganha-pão, se eu não me cuidar, não ficar com uma
marquinha de biquíni legal, eu não chamo atenção.
PATRÍCIA – Olha, eu tenho sim, mas tem que ser pra ter um salário
bom sabe? Sair dessa vida pra ganhar um salário mínimo e não ser
valorizada eu prefiro continuar. O negócio é que eu até trabalharia por
um pouco mais de um salário, mas eu não tenho muita força pra sair...É
um lugar onde eu me encontrei. Ali eu sou alguém, tenho cliente que
me procura porque sabe que eu vou fazer bem o meu trabalho. Bem ou
mal eu sou reconhecida pelo que eu faço lá na Zona.[7] E trabalhando
noutro lugar? Sendo humilhada por patrão, por cliente pra ganhar um
salário de fome?
PATRÍCIA – Tenho sim!! Quero ter uma casa bem legal um dia, com um
banheiro bem grande e um chuveirinho desse tipo ducha, sabe? Só pra
poder botar na minha boceta e ficar me masturbando com o jato da
água! Eu acho isso muito gostoso!
FANTINE – Foi bom, pra mim sempre é, mas aqui no Rio é muito
melhor, não tem nem como comparar. Tem a questão da praia, as
pessoas parecem que ficam mais à flor da pele aqui sabe?
VOCÊ QUER DIZER “AS PESSOAS FICAM MAIS EXCITADAS” NÃO
É?
FANTINE – Isso!! Aqui tenho muito mais clientes. Eles vêm uma vez,
voltam, continuam vindo, têm ciúme, querem exclusividade. Contando
assim é até difícil de acreditar, são homens de tudo que é tipo: casados,
noivos, solteiros, políticos, atores, jogadores de futebol, uns ricos,
outros que não são ricos e conhecidos na mídia mas que trabalham e
separam sempre que podem um dinheiro para estar uma noite inteira
comigo pelo menos uma vez por mês.
FANTINE – Normal!! Pra mim é muito claro que eu não sou uma mulher,
muito embora eu seja muito feminina. E eu não penso em operar,
jamais!
E PORQUE NÃO?
FANTINE – Aqui na Prado Junior tem essa tradição né, de ser uma rua
comum de Copacabana que abriga muita prostituição, principalmente à
noite. Muitas mulheres e travestis moram nos prédios e algumas fazem
programas nos apartamentos que moram. Mas a maioria dos
moradores são pessoas que residem aqui faz tanto tempo que já estão
acostumados com a rotina do lugar. A maioria não fala nada e nem fica
achincalhando a gente!!
FANTINE – Eu pretendo ficar aqui no Rio por pelo menos mais uns
sete meses. Depois eu vou visitar a minha família e vou para São Paulo
passar um tempo trabalhando por lá. Dá pra ganhar bem mais grana
por lá, é a cidade onde o dinheiro circula mais.
Enquanto conversava com ele, ela passou por nós e Lourival fez
uma brincadeira com os chinelos que ela carregava nas mãos.
Permanecemos os três conversando por cinco minutos
aproximadamente, e quando ela se foi, Aurival me disse:
Ela é puta!!
Eu disse:
E ele:
Inocente com certeza não sou, mas não é de meu caráter atribuir
julgamento de valores a pessoas, e quando em geral atento para o fato
de que estou realizando tal feito tento logo me policiar. Contudo, quase
uma semana após a situação acima relatada avistei novamente a
protagonista da próxima entrevista saindo da boate Barbarella em
Copacabana numa manhã de sábado com dois clientes. De fato ela
fazia programas.
TAMIRES – Moro com a minha filha que tem cinco anos e com uma
amiga que me ajuda a cuidar dela quando eu estou trabalhando e pela
manhã enquanto durmo depois de chegar do trabalho.
TAMIRES – Olha, não faz muito tempo não!! Coisa de uns quatro anos
pra cá, desde que cheguei aqui no Rio.
E DE ONDE VOCÊ É?
TAMIRES – É muita inveja, umas meninas que te olham torto por tudo.
Olham pra tua roupa, pro teu corpo, pro teu cabelo. Elas estão ali mas
não gostam de competição, sabe? Elas acham que vão perder cliente,
que vão ganhar menos dinheiro e tudo é motivo pra te olhar de cara
feia. Puteiro pra mim é um ambiente muito pesado.
TAMIRES – Olha, eu não sei não. Ele foi embora muito triste e eu sei
que ele continua muito ferido pra chegar e voltar pra mim numa boa.
Mas vamos ver né, a vida sempre surpreende a gente com alguma
coisa, quem sabe!
ALINE, 32 ANOS – BOATE BALCONY
Foi num domingo pela manhã que conheci Aline no referido bar.
Tinha ido ao mercado comprar alguns gêneros e parei no local para
tomar um gole de café e depois fumar um cigarro. Ali estava Aline com
mais duas moças que, como ela, viviam de fazer programas na Boate
Balcony, em Copacabana. À princípio ela se insinuou para mim no
intuito de me ter como cliente, algo que logo descartei. No entanto,
convidei–a para realizar uma entrevista para um livro que estava
escrevendo e que tinha como objetivo levar aos leitores os relatos de
vida de algumas prostitutas e transexuais cariocas.
ALINE – Não.
ALINE – Não tem muito tempo não. Deve ser há uns três anos só. Eu
antes trabalhava como enfermeira.
ALINE – Sim, moramos juntas: eu, ela e minha filha. Eu tenho uma filha
de 16 anos.
ALINE – Não, Deus me livre! Minha mãe não pode saber disso nem
fodendo! Ela me mata!
ALINE – Sim, como eu trabalho à noite fica mais fácil passar a perna
nela. Eu digo que faço plantão noturno vez ou outra e venho pra cá. Ela
nem desconfia.
ALINE – Eu saio de casa dizendo que vou trabalhar e vou pra praia, ou
então faço algum programa com algum cliente do anúncio de jornal em
algum motel. Eu até prefiro porque ganho bem mais com os programas
de jornal.
E O QUE É “GRILO”?
ALINE – A gente costuma dizer que grilo são os caras que ficam
andando na noite procurando programa na rua ou usando droga. Tem
um monte por aí, quando eu não caço eles aqui por Copacabana vou lá
pra praça Mauá. Eles ficam aos montes em frente ao Flórida e o
Scandinavia.[9]
COMO ASSIM?
ALINE – Tu sabe que eu acho que minha filha já não é mais virgem?
ALINE – Com certeza! Eu não quero que ela fique por aí dando a
boceta dela pra todo mundo e pior, sem ganhar nada pra isso! Só vai
ficar mal falada na boca dos garotos! Eu não tô dizendo que vou achar
bacana ela fazer programa que nem eu e ganhar dinheiro com isso, eu
só não desejo essa vida pra ela, sabe? Mas eu tenho certeza que ela
está dando a boceta dela por aí, eu tenho certeza!!
ALINE – Ai, eu sei lá! Eu queria mesmo era poder voltar a ser
enfermeira, ganhando um bom salário, mas tem que ser pra ganhar
bem mesmo. Senão fico nessa rotina que eu tô levando. Mas o que
mais eu queria mesmo era um dia ficar famosa, sendo puta ou não.
Falando nisso, as pessoas vão ler sobre mim nesse livro, né? Tu acha
que dá pra ficar famosa?
KARINE – Não, nunca! E isso vale muito? Vale mais que o nosso
dinheiro daqui, né?
KARINE – Nossa, tem isso tudo aí? Olha que eu nem acho que eu sou
lá essas coisas pra ele ter me pagado tão bem, sabia?
KARINE – Não acho não. Eu me acho uma puta muito requengela! Tem
menina muita mais bonita aqui pela orla do que eu. Mas se ele me
pagou isso é porque deve ter gostado.
KARINE – Olha, pra mim não é muito difícil não. Eu fumo maconha, e
quando fumo eu fico com muito tesão. Sempre gosto de trepar depois
que eu fico na onda e isso acaba facilitando as coisa pra mim. Depois
que eu fumo eu sempre gosto de foder um pouquinho!
MAS ISSO FUNCIONA SEMPRE ASSIM PARA VOCÊ? FUMA E
QUER TRANSAR?
KARINE – Sim, sempre foi, desde que eu comecei a fumar. Teve um dia
desses que até aconteceu uma coisa que nunca tinha acontecido na
minha vida por causa disso.
KARINE – Não fiquei não. Eu achei uma coisa diferente, mas não fiquei
com medo não! Na verdade foi até bom depois que fui embora e ainda
estava sentindo aquela dorzinha entre as pernas, sabe? Mas é uma dor
gostosa, de que me foderam bem!
VALESCA – Nem sempre, mas eu saio todos os dias e vou pra rua à
noite. Muito mais porque eu gosto de sexo e, trabalhando ou não, eu
sempre consigo sexo com alguém que cato pela rua.
VALESCA – Acho sim, sabe por quê? Eu vou te fazer uma pergunta.
Você acha o meu corpo bonito?
SIM, MUITO!
VALESCA – Sim, sim. Se você reparar, eu fiz o nariz! Não faz muito
tempo atrás. Ainda tá cicatrizando. Eu quero ficar legal, parecendo cada
vez mais uma mulher porque quero ir pra Itália. Conheço muita travesti
que fez a vida lá!
MAÍRA, 23 ANOS – VILA MIMOSA
Ele deu uma olhada pra mim com um sorriso maroto nos lábios:
MAÍRA – Que bom que você gostou! Precisa vir aqui mais vezes pra
assistir!
MAÍRA – Ahhh, tu parece esse garotos nerds que gosta de assistir filme
e ler livro dentro de casa! Desculpa, tá? (Disse isso e soltou uma sonora
gargalhada).
E O QUE HOUVE?
MAÍRA – Sim, sim. Eu fiquei com muita raiva, mas consegui sim. Que
ódio! Mas eu não fiquei quieta, eu não avancei pra cimas delas, mas
olhei bem na cara de uma delas, que era feia de doer, e disse “Que é
que essa mulher horrorosa, com esse dente todo separado tá olhando
pra minha cara e tá rindo? Não deve estar achando engraçado que eu
sou muito mais bonita que você né meu bem porque tu é muito feia!”
MAÍRA – Eu só não vou dia de segunda e terça, mas nos outros dias eu
tô sempre lá. Durmo e como por lá mesmo.
MAÍRA – Eu moro com a minha mãe, mas ela não sabe. Ela acha que
eu trabalho como doméstica na zona sul. Pra ela, eu durmo no trabalho
e folgo na segunda e terça.
MAÍRA – Olha, eu não vou te dizer que acho normal, mas é o que eu
tenho feito e tô conseguindo sobreviver, sabe?
E PORQUE NÃO É NORMAL PRA TI?
MAÍRA – Não uso muita coisa não, só maconha e loló[13]!! Mas noutro
dia desses mesmo eu tava voltando pra casa e os canas me pararam
na rua.
E DAÍ?
MAÍRA – Tentei nada, cara! Eu achei que dava pra passar batida! Tava
bem no fundo da bolsa mas aí quando um deles abriu o cheiro da
maconha subiu! Aí ele disse pro outro “Ihhh olha só o cheiro, é cheiro
de droga, hein!!” Eles jogaram tudo no chão e acharam a minha
maconha! Me colocaram o maior terror, disseram que iam me levar
presa e o caralho!
E O QUE ACONTECEU?
MAÍRA – Eles falaram que eu tinha três opção: ir presa, foder com os
dois e ficar com a maconha ou perder um dinheiro pra eles e ficar com a
maconha.
MAÍRA – Eu disse que não ia trepar com eles porra nenhuma, comecei
a ficar alterada e acabou que eu fiquei sem meu dinheiro, sem a minha
maconha e fui pra casa revoltada! Eu odeio polícia cara, são tudo um
bando de filho da puta!!
E QUANTO VOCÊ ELES LEVARAM DE TI?
MAÍRA – Eu tava com uns três mil reais na bolsa, só me deixaram com
cem reais na mão!
MAÍRA – Até que não rola muito não, mas é o tipo de vida que eu levo,
né? Por isso que eu disse que não acho normal. A polícia não faz isso
com as patricinhas lá da zona sul. Eu duvido que eles ficam pedindo pra
elas abrir as bolsas, que eles parem todo mundo que tá com um
baseado na boca curtindo a praia. Mas eu, preta, no subúrbio e
andando de madrugada...
INDIARA – Não tem problema não, pode ficar tranquilo. O cliente pagou
quatro horas de programa e ainda tem bastante tempo.
COMO É QUE É? ELE PAGOU QUATRO HORAS E SAIU NAQUELE
ESTADO?
INDIARA – Porra, isso acontece direto! Tu tem que ver quando eles
cheiram pó! E esse aí que saiu não tava puro não, ele matou uma
garrafa de uísque e saiu daqui com muita cocaína no bolso.
INDIARA – Olha, ele sabe, mas acaba que não fala nada porque ele
enche tanto a cara de cachaça que o mais importante pra ele é o
dinheiro que eu levo pra dentro de casa.
INDIARA – Teve uma época no início que sim. Ele falava pra cacete e a
gente chegou até a se separar. Nós ficamos uns quatro meses
separados, mas ele me procurou e acabamos voltando.
E POR QUÊ?
INDIARA – Ahhh com certeza! E tu acha que eles vão colocar a cara
sem vergonha deles pra fora? O que tu viu saindo daqui tava a pé
porque já tava muito louco, mas no geral eles param a gente de carro
na pista lá embaixo e nem sai de dentro do carro não!
E A MAIORIA CONSEGUE?
INDIARA – É como eu te falei, muito cara não entende. Uns pedem pra
ir embora, outros ficam preocupado, em como é que vão limpar tudo
depois. Eu digo “usa a toalha, porra!!” Não sei porque mas eu só
consigo sentir tesão pra gozar quando sinto aquela coisa quente me
molhando toda. Eu gosto do cheiro, gosto de olhar o cara com o pau pra
fora. Eu amo urina de homem!
LILIE, 24 ANOS – COPACABANA
LILIE – Ahhh muita coisa! Antes eu trabalhava pra uma sapatão, que
era minha cafetina, agora eu trabalho pra mim mesma já faz um tempo.
Outra coisa que mudou foi eu mesma, o meu corpo que não é mais o
mesmo, como tu pode ver. Pô tu me conhece aqui da área, né? Eu
agora tô muito mais feminina, eu tô até “castrada” (Disse isso e explodiu
numa gargalhada).
LILIE – Fiz. Uma cirurgia não, eu fiz algumas! Já faz uns meses que eu
fiz a última. É até por isso que eu tinha dado uma sumida aqui da área.
Mas agora eu tô de volta mais poderosa do que nunca.
E POR QUÊ?
LILIE – Olha, tem muita gente que pensa que quem é puta, quem faz
programa é idiota. Hoje em dia não dá mais pra confiar em ninguém. É
fazer tudo “com um olho no padre e outro na missa”. Tu nunca sabe se
o cara que tá contigo é polícia ou bandido, se tá armado ou na mão.
Tem vezes que o cliente é casado mas gosta de travesti, ou de puta e a
mulher dele vem atrás porque já está de campana e pronto...Aí tu já viu
né? É que nem aquele ditado, “cachorro que já foi mordido por cobra
tem que ter medo de linguiça”.
LILIE – Tem de tudo meu, filho! Playboy de tudo que é canto, gente de
escritório, militar, gente da praia, gente casada, solteira, casais, até
mulher me procura pra fazer programa. E isso não é só comigo não!
Tem muita mulher que procura puta e até travesti pra fazer programa!
Tem coisa que é do arco-da-velha, menino. Se eu te contar tu nem
acredita.
LILIE – Você sabe quem é o segurança que ficava aqui nessa rua, né?
Aquele que uma época até deu uns tiros pra cima de uma travesti na
Prado Junior. Tu sabe que ele arruma confusão com tudo que é travesti,
diz que não gosta de viado! Então, uma vez eu fui visitar uma amiga
que também é travesti e mora lá no Duzentão[17] e ela mora com mais
duas travesti. Cheguei lá e a gente estava na sala conversando e as
duas estavam fazendo programa com um cara que gemia e gritava que
eu acho que dava até pra ouvir do lado de fora. Quando o programa
terminou, quem saiu do quarto com elas? Ele, esse segurança! Tá bom
pra você? Vê se tu “dorme com um barulho desses”.
LILIE – Tem tanta coisa nessa vida loka que nem dá mais pra ficar
abismada com nada que a gente vê! Mas pra quem conhece as atitude
desse cara, quem sabe a maneira que ela trata os gay, as lésbica e as
travesti se liga que ele é preconceituoso. Daí você vai e pega o cara
numa parada dessa? Mas o que tem mais é homem que é assim. Eles
param o carro, pegam a gente, tem uns que só querem dá o cu e
chupar rola e quando estão com os amigo, no trabalho e o cacete têm
esse discurso de ódio, posam de pai de família e tudo.
LILIE – É, tá bom, tem muito problema que é pra todo mundo e tá todo
mundo fodido. Isso é verdade, mas cara, eu sou trans, trabalho na pista
aí noite a dentro, é frio, calor, é chuva na cabeça, é cliente que não te
respeita, tem pessoas que não respeitam. Tem gente que passa e taca
ovo em cima. Aqui na pista, na madruga, quem manda no nosso corpo
é a polícia, sabia? Os polícia são donos de mim!! E aí?
LILIE – Eu quero poder trabalhar pra mim, mas só pra mim, entende?
Sem esse negócio de pertubação com polícia, com segurança de rua,
sem disputar ponto pra fazer programa. Porque é como eu te disse
ainda há pouco, os polícia são meus donos. Às vezes eu tenho que
pagar pra trabalhar pra eles. Igual os mototáxi de morro, que quando
não paga pra eles, paga pro tráfico. Se tô sem dinheiro, o pagamento é
com sexo, com boquete e por aí vai. Tem vezes que tenho que dar é
pra três, quatro polícia de uma vez só! Dentro de viatura, dentro das
cabine. O bagulho é tenso escritor...Vem pro meu mundo!
CAROLINA – Olha, eu vô te dizer que tem até dia que é ruim...É ruim
porque o movimento é fraco, sabe? Mas no geral pra mim é bom,
porque eu consigo muito cliente. Eu sei que eu sou bonitinha, sou
pequena, sou novinha, com um corpo legal e tem homem que gosta
disso!
CAROLINA – Não, não. Não deu pra continuar porque ele foi preso. Ele
era bandido e eu nem sabia. Eu nem sei o que ele fazia, se matou
alguém ou não, mas ele era uma cara muito bom pra mim. O tempo em
que ficamos juntos foi o tempo mais feliz que passei com algum
homem.
CAROLINA – Sim, depois que ele foi preso eu até ia visitar. Mas
chegou um tempo que ele não queria mais que eu fosse lá ver ele,
sabe? Ele dizia que era muita humilhação pra mim ter que passar por
revista, ficar o maior tempão na fila, embaixo de sol e de chuva. Já faz
mais de um ano que a gente não se vê.
Ela se pôs entre meu corpo no chão e os dois agentes e disse que
o que estava acontecendo ali era um equívoco. Essa é a famosa hora
do “deixa disso”, em que muita gente intervém a favor ou contra, e a
confusão só não foi formada pela diplomacia da travesti que ainda disse
ser minha amiga e que eu era uma pessoa séria, um escritor e um
artista plástico bastante conhecido no bairro. Saímos da agência e
caminhamos alguns metros conversando. Ela dizia o quanto estava
preocupada com os rumos que a cidade e o Brasil estavam tomando e
sinceramente, nem sei se os dois sabíamos naquele momento o que
ainda estaria por vir nos anos seguintes. No fim das contas, me
perguntou sobre como andava os trabalhos com os livro e se sua
entrevista a mim fornecida, e que segue abaixo, estava a contento.
SANDRA – Sim, sim! Quero dizer, eu vivi esse mundo louco aí né, mas
a diferença é que foi num outro tempo e minha vida acabou tomando
um rumo diferente. Muito embora pra mim, mesmo que tenha sido num
outro tempo, a situação da prostituição ela não muda. A forma como ela
se dá, as motivações, os riscos e tudo mais.
SANDRA – Olha, isso faz tanto tempo, menino!! (Deu uma gargalhada).
Eu era bem mais jovem mas nem tão jovem assim. Tinha 22 anos.
E ONDE VOCÊ TRABALHAVA?
E VOCÊ É OPERADA?
SANDRA – Tem umas duas que ainda continuam nessa vida. Até
porque tem muito homem que a preferência é por travestis que sejam
mais velhas. Existe mercado pra isso. Assim como tem homens que
gostam de mulheres mais velhas existem aqueles que curtem travestis
mais velhas. Mas a febre de hoje são as CDzinhas[28]!! Os homens
gostam mais delas hoje em dia.
SANDRA – Olha, isso vai até soar meio estranho, mas o meu futuro
está aqui, no presente. Quando eu era mais jovem, pensava muito em
como seria a vida hoje, com a idade que tenho e no tempo em que a
gente tá vivendo. Eu nem achava que sobreviveria. Morar no subúrbio,
principalmente, é algo muito pesado para as pessoas que moram ali e
eu morava no subúrbio, sendo travesti, transitando nas madrugadas. Eu
sou um milagre...É um milagre a gente estar aqui levando esse papo.
Na noite de hoje mesmo vão ter travestis e mulheres que são prostitutas
morrendo na rua ou em alguma quebrada por aí. Porque essa é a
realidade dessa vida. Elas saem montadas[30] pra trabalhar à noite e
não sabem se voltam.
Ela disse isso com um orgulho notável, que só as mães tem pelos
filhos quando as famílias se relacionam bem.
ELOÁ – Mais ou menos. Na época que o pai deles era vivo era meio
complicado. Ele tinha um problema sério com bebida. Às vezes, ele
saía e só voltava depois de dois, três dias. Era uma merda. A pior fase
foi quando a gente morava lá no “duzentão”. Ali eu só faltava morrer de
aflição porque eu tava grávida da menina e o meu mais velho ainda era
pequenininho, e o duzentão tu sabe como é, né? Era gente entrando e
saindo pra comprar droga, briga, batida policial quase todo dia! Naquela
época eu comi o pão que o diabo amassou.
ELOÁ – Ahhh, isso foi coisa da minha irmã na época. Ela já fazia
programa, sabe? Ela parece pra caramba comigo, mas é mais bonitona
que eu, é mais cavalona[31], é toda grandona ela. E ela falava pra mim
que seria legal ir com ela, que eu ia arrumar grana e tal, e um dia
acabou que eu fui, e fui ficando, ficando até que ela mesma saiu dessa
vida aquela filha da puta e eu continuei (Risos).
ELOÁ – Ele não me julga não, sabe? Ele é um filho muito bom, o meu
filho! E eu sei que ele ora muito por mim. Ele faz muito propósito por
mim na igreja e isso pra mim já basta. Mas eu acho complicado porque
sei que tem os outros meninos da escola e da favela onde a gente
morava que zoa com a cara dele, fala que “a mãe dele é piranha” e eu
não sei como a cabeça dele fica com isso, né. Ele é só um adolescente!
TETÊ – Sabe que é tanta foto que depende de qual você esteja falando,
mas assim, tem foto minha ali na Holanda, na Inglaterra, na França e na
Alemanha.
TETÊ – Sim, praticamente todos. Passei mais tempo num lugar, menos
tempo em outro. Às vezes sozinha, outras vezes acompanhada, mas
tive a oportunidade de conhecer todos esses lugares e até mais um
pouco, graças a Deus.
E QUAL A TUA HISTÓRIA COM ESSES PAÍSES?
TETÊ – Porque a gente acabou ficando muito afim um do outro. Ele foi
até conhecer a minha família na zona norte. Almoçou três domingos
direto com a gente. Comeu feijoada, arrumadinho[38] e peixe na brasa.
A minha família se amarrou na dele.
TETÊ – Porque ele era uma pessoa muito difícil. A cama com ele era
boa, ele me deixava comer ele direto, e eu gosto de foder cu de
homem, me dá tesão mesmo, e ele gostava mais de dar do que de
comer. Mas o negócio é que ele sumia. Eu ficava sozinha em casa e
não sabia por onde ele andava. Ele chegava bêbado direto em casa, e
daí, quando era inverno então que piorava tudo. Se tu já foi na Europa
ou em lugar que tem neve deve saber como é. É muito frio, tudo vazio
na rua. Eu passei uns três invernos com ele antes de a gente se
separar, mas sabe, eu sentia muita falta do verão, do sol. Eu gosto de
suar, gosto de ficar peguenta, de ir pra praia e me bronzear. Eu fiquei
até meio deprimida lá, ele me pagou psicólogo e tudo. Ele gostava de
mim, do jeito dele, mas gostava!
TETÊ – Olha, vou te dizer que nunca mais vi ele. Não sei como ele
levou isso não, mas eu fui embora. Eu fui embora num dia em que ele
saiu pra trabalhar. Quando ele voltou, eu já não estava mais lá fazia
tempo. Até porque ele foi fazer uma viagem de trabalho, e nessa eu não
aguentei e puxei meu carro. Eu acho que nem na Alemanha eu estava
mais quando ele voltou pra casa.
TETÊ – Não, não! Olha, menino, foi um rolo tão louco que eu me meti!
O QUE ACONTECEU?
TETÊ – Eu saí de casa com um dinheiro bom que eu guardava. E como
eu andava muito com ele pela cidade lá...A gente morava em Berlim,
né, e eu sabia onde ficavam as casas de massagem, casa de
prostituição. Daí, depois de pouco mais de um mês, eu fui numa pra ver
como era. Acabei ficando! O dinheiro que eu tava foi minguando e eu já
tinha colocado na cabeça que não voltava pra casa dele. Como eu tinha
alugado um apartamento perto do centro da cidade, eu fiquei fazendo
programa no lugar, mas um dia teve uma batida da polícia lá e eu me
ferrei.
POR QUE?
TETÊ – Olha, eu vou te dizer que não. Eu vivo com alegria, mesmo que
tenha que rebolar muito pra viver, mas eu não acho que eu “vivo dos
programas” como você falou, porque isso só me dá a grana pra poder
comer, beber e vestir. O bom é que eu passei a gostar disso, sabe? Eu
gosto de sentar numa rola e eu já te disse que gosto de comer cu de
homem. Eu sinto um prazer que eu nem sei te dizer como é que é!
LUDMILA – Que nada, pra mim será um prazer ajudar com o teu
trabalho, mas vou querer um livro quando ele sair, hein! Eu moro em
Realengo.
LUDMILA – Com certeza que não gosto, mas saí da escola no primeiro
ano do ensino médio e quando ele foi embora as gêmeas estavam com
três aninhos.
LUDMILA – Sim, elas são lindas, as minhas filhas (mostrou a foto das
filhas que leva na bolsa).
LUDMILA – Sim, eu acho que nem consigo dormir ali não. Além do
barulho que não para, tem muita menina invejosa lá, sem contar que
também tem muita ladra. Não dá pra dar mole com nada ali. Eu já
troquei de casa umas quatro vezes lá na Vila.
E COMO É TUA VIDA FORA DO AMBIENTE DA ZONA?
E VOCÊ NAMORA?
POR QUE?
LUDMILA – Sim, é bem por aí. Porque tem cliente que é bom, que eu
acho bonito, interessante.
LUDMILA – Que nem ele não, até porque as pessoas são diferentes,
né, mas tem outros que são bom de foda também e que sempre
aparece.
E VOCÊ CHEGA A SENTIR FALTA DE ALGUNS DELES QUANDO
DEMORA MUITO TEMPO PARA ELES APARECEREM?
LUDMILA – Eu penso mais pelas minhas meninas, mas não tem como
encaixar estudo nessa vida louca que eu levo. Talvez um dia, quem
sabe, eu volto a estudar. Eu gosto do clima da escola, de conhecer
gente nova...E eu também gosto de estudar! Eu gosto demais de ler e,
olha, vou falar de novo pra você: eu vou esperar meu livro quando tiver
pronto, hein!
KAREN – Não, não...Mas isso pra mim é normal. Não existe noite fácil
lá dentro e quem leva esse tipo de vida e acha que é tranquilo tem que
procurar tratamento urgente.
KAREN – Você não sabe como é um saco ter que vestir isso aqui e
ficar me fazendo de interessante pros olhos dos caras. Mesmo antes de
ser lésbica eu nunca gostei de ficar fazendo fetiche. Eu acho isso
ridículo!
KAREN – Sim, já faz uns doze anos que não me relaciono com
homens. Quero dizer, é óbvio que lá na zona eu trepo com eles e tal,
mas pra mim é só trabalho. Isso é igual dar beijo técnico de novela.
Você tá ali, mas é como se não estivesse. Eu nunca gozei com um cara
de zona, não sinto prazer nenhum. E nem me atraio por homens, lá
dentro ou aqui fora. Eu sou casada com outra mulher!
KAREN – Olha, ela é enciumada, mas é mais enciumada por achar que
talvez eu conheça outra mulher e largue ela do que em relação aos
homens que eu faço programa. Ela me conhece bem e sabe que eu não
tenho estímulo com eles.
KAREN – Parar de fazer programa eu acho que todo mundo que faz
quer. Seja mulher ou homem, porque tu sabe, né? Tem muito cara que
é gigolô, garoto de programa, e isso praticamente não é falado. Se fala
muito da puta, da prostituta e que mulher da vida não vale nada, mas e
os caras que também vendem o corpo? O que mais tem lá na zona sul
é isso. Uns garoto novinho que é tudo garoto de programa. Você até me
desculpa falar assim, mas então...Eu acho que quem tá nessa vida só
pensa em continuar se for louco mesmo! Pra mim, essa vida tem mais
coisa ruim do que boa.
KAREN – Com certeza é você sair sem saber se vai voltar pra casa. E
olha que eu nem filho tenho em casa. Mas vejo as meninas que
trabalham lá e elas têm tudo filho. A maioria delas, pelo menos. E tem
umas que têm até mais de um. Porque tu vê só, a vida nessa cidade já
é uma loucura. Se tu tem um trabalho comum, desses que sai de
manhã pra voltar no fim da tarde, tu já corre risco de tomar uma bala
perdida, de ser assaltado e tudo mais, agora imagina juntar tudo isso e
ter que trabalhar na madrugada com o tipo de gente que frequenta
puteiro? O risco de acontecer alguma coisa ruim é dobrado, tu entende?
LAILA – Ahh sei lá...Uma vida em família, por exemplo. Eu não tive
uma estrutura de família bacana. Meu pai eu nunca conheci, minha mãe
se matou e tive que ser criada por uma tia que era o demônio em
pessoa. Eu queria mesmo era sair fora dessa vida e, sei lá, ter alguém,
sabe? Encontrar um cara legal pra viver comigo, jantar junto, viajar de
férias juntos, fazer coisa de casalzinho, sabe?
LAILA – Não, claro que não acho, mas só tô dizendo que homem é
foda, difícil de lidar. Tu sai com um e ele é casado, sai com outro e ele
depois de um tempo fala que tem namorada. Mentem em tudo, poxa, o
último que eu saí eu conheci na internet. Um cara lindo e tal, mas
caralho...Maior decepção!
POR QUE?
LAILA – Cara, ele era anão! E sabe, eu nem fico triste com isso não,
porque ele é anão, mas é bonitão. O problema pra mim é que ele
poderia ter me falado antes, né?
LAILA – A gente até se fala e tal, mas não encontrei com ele mais não.
Ele me bota a maior pressão pra sair comigo de novo, mas eu não
quero. Porque eu até encontrei com ele uma vez mais depois que nos
conhecemos no shopping. A gente até transou, mas foi muito chato o
que ele fez comigo.
LAILA – Ele me convidou pra ir na casa dele pra jantar um dia. Eu tava
carente e tal e fui, até na intenção de transar com ele mesmo. Não é
porque a gente é puta que se satisfaz com uma porrada de homem
diferente. E eu fui pra dar pra ele mesmo. Mas minha primeira decepção
foi a casa. Ele mora em Santa Cruz, num barraco de telha de zinco e
nem piso tem. O chão é de terra batida, sabe? Ele colocou um tapete
depois que eu cheguei, mas foi o vizinho que emprestou o tapete pra
ele. A comida foi um estrogonofe que tava até gostoso pra caramba, ele
mesmo que fez na minha frente, mas nem cama tinha, eu acho que ele
dorme num sofá velho que tinha na sala. Daí a cereja do bolo você nem
sabe. A gente ficou lá no maior rala e rola e na hora de começar a foder
ele não tinha camisinha e perguntou se eu tinha. Eu também não tinha,
e o que ele fez? Ele saiu na rua embaixo da maior chuva e foi no posto
de saúde...Sabe essas clínica da família? Então, ele foi lá e pegou um
monte de camisinha de graça e voltou todo bobo, me mostrando
aquelas camisinha da embalagem roxa que a prefeitura distribui em
época de carnaval no postinho[47]. Porra, cara, tinha uma farmácia do
lado e o cara não tinha dinheiro nem pra comprar uma camisinha pra
me comer!
FLÁVIA – Tava sim, mas eu tô cheia pra caramba. Tá vindo tudo aqui
na goela!
FLÁVIA – Pra mim é normal comer isso aí. Claro que não como isso
tudo todo dia. Tem vez que eu largo um pouco de comida, sabe? Eu
nem gosto de largar comida porque acho que é pecado, mas quando
tem algum programa pra fazer é chato pra caralho ter que foder com a
barriga cheia.
FLÁVIA – Eu tinha uma amiga que trabalhava lá. Eu sempre soube que
ela fazia programa e num tempo que eu passei desempregada achei
que seria bom ir lá e ver como é que era, se dava pra arrumar algum
dinheiro...Daí fui ficando.
FLÁVIA – Todo tipo de homem vai lá, né, eu acho que tu sabe disso.
Então, pra mim, é tudo só número. Eu não nego programa...Quero
dizer, se eu tiver com um caixa maneiro já eu dispenso cliente, mas no
geral eu vô fazendo e paro só quando tô cansada ou quando quero
fumar um baseado.
POR QUE?
FLÁVIA – Porque o ambiente fica mais leve, mais agradável. Tudo fica
mais agradável com um baseadinho, né?
FLÁVIA – Eu não sei como é com outras meninas, mas o que ele gosta
é de não me comer. Eu acho que ele sente prazer em ver outros
homens me fodendo e fica lá cheirando cocaína, tocando punheta e
tomando champanhe.
E DAÍ?
FLÁVIA – Daí que eu fodi com o cara, peguei a garrafa e voltei pro
quarto. Tinha até câmera no carro gravando a gente fodendo!!
FLÁVIA – Eu voltei foi muito puta da vida! Disse pra ele que estava lá
pra fazer programa com ele e não com outro cara e que ele tinha que
me pagar mais!
FLÁVIA – Eu quero comprar uma casa pra mim porque eu ainda moro
de aluguel, e morar de aluguel é foda! Quero ver se compro uma
caxanga perto da praia. Nem precisa ser aqui pelo Rio não, pode ser
em Saquarema, eu gosto de lá!
Você é escritor?
Você não está interessada por não ser interessante para você
ou por que te incomoda o fato de nós sermos iguais?
PORQUE A RISADA?
MALU – Ahhh sim, eu tô bem! Só tô puta pra caralho com esse filho da
puta que eu tava falando no telefone agora. Tu se ligou que era uma
discussão, né?
MALU – Com certeza! Ele não gosta que eu faço programa, sabe? Ele
não gosta mesmo, mas a gente leva. E hoje ele sabe que eu tenho um
cliente que sempre às sextas foder comigo e ele tem ciúme do cara.
Onde já se viu, menino? Namorado de puta ter ciúme?
MALU – Eu moro sozinha, então pra mim até que é tranquilo! Mesmo
que eu more na sul consigo bancar tudo o que eu gosto. O chato é que
tive que refazer meu silicone e acabo gastando uma porrada de dinheiro
com o cabelo, que sempre tem que tá feito, mas eu vivo bem.
MALU – Ahhh, essa parada com o trabalho. Pra mim, cada um tem que
tá na sua com o seu trabalho e com a sua vida particular. Não é porque
eu faço o que faço que não tenho que ter minha vida pessoal. E isso pra
mim também é uma merda com ele, porque, como eu te disse, ele vem
aqui, a gente passa um tempo legal juntos, mas pra eu ir pra praia
tomar meu sol o cara me cobra, não vai comigo a lugar nenhum. Eu te
disse que a gente assiste filme, mas no cinema ele não me leva, e se
eu for sozinha, me liga perguntando se eu já estou dando o meu cu pra
alguém. Porra, quer comer a travesti mas não quer assumir?
POR QUE?
MALU – Vou te contar um negócio muito doido, menino! Eu sou travesti,
faço programa e foda-se, pelo menos não roubo ninguém, mas tu
acredita que eu sou envergonhada pra caralho? E pra mim é melhor
fazer programa na minha casa porque aqui eu me solto.
MALU – Não tem uma medida pra isso não! Depende muito do cara,
mas eu gosto mais é de dar. Se o cliente quiser que eu coma ele eu
como, mas não é todo cliente me deixa de pau duro não!
Eu não tive resposta imediata, mas disse que não poderia fazer o
mesmo que o rapaz visivelmente constrangido, estava a fazer, e que
poderia retornar noutro momento. Samara me pediu para ficar e o rapaz
acabou por se retirar. Ela colocou um short jeans, enquanto juntamente
a outra mulher, riam muito. A segunda parecia enviar a foto feita com o
“sensual modelo” para alguém. Elas disseram que a foto era para um
amigo gay que morava na Suíça e queria ver o pênis de algum homem
brasileiro. Ele fez o pedido e as amigas estavam atendendo. Elas ainda
permaneceram alguns minutos numa conversa via aplicativo com o
homem, que parecia não estar tão satisfeito com a foto enviada. Ele
tinha pago pelo material.
O QUE ACONTECEU?
E VOCÊ É OU NÃO?
SAMARA – Pra mim o mais difícil era a saudade dos meus filhos. Ainda
é, né, porque eles moram lá. Minha filha é modelo, linda! O meu filho é
atleta e a vida deles tá boa, mas eu sinto muita saudade deles. E em
relação aos programas, foi difícil, porque o ritmo era frenético. Eu queria
manter mais ou menos o padrão de vida que levava aqui antes, e pra
isso tinha que fazer muito programa. O bom é que pelo menos eu
sempre fiz mais programa com gringo do que com brasileiro. Eu já saio
na intenção dos gringos porque muita menina não fala outra língua e
não consegue desenrolar o programa, e eu só fisgo eles. Pagam muito
melhor e tem vezes que, num programa só, a grana já é boa e volto pra
casa cedo pra assistir um filme, comer uma pipoca, fazer cachorro-
quente!
SAMARA – Pra mim é normal, até porque, mesmo que ele quisesse
que eu ficasse, a gente se separou até numa boa. E ele manda grana
porque sabe como tudo é mais difícil no Brasil. Eu acabei ficando velha
pra trabalhar com o que eu trabalhava há uns anos atrás. Hoje os
chefão gosta mais das novinhas. É triste, mas eu entendo que o tempo
passa e muitos desses caras poderosos com cargo de chefia contratam
esse padrão de meninas já pensando na foda que vão dar com elas lá
na frente, mas isso é trepada que custa caro. E ele, o meu ex–marido,
depois que as crianças foram ficando mais velhas e sempre
perguntando por mim, me ajuda muito por elas, sabe? Porque ele sabe
que eles vão ficar felizes sabendo que eu tô bem.
SAMARA – Sim, sim, logo que eu vim pra cá, morar aqui. Essa casa é
minha, foi ele quem me deu, com documentação e tudo. Ele queria que
aqui no morro eu fosse dele e de mais ninguém. Me dava dinheiro pra
caramba. Chegava aqui e colocava aqueles malote de dinheiro em cima
da mesa. Me falava que eu podia pegar o quanto quisesse. Era dinheiro
do tráfico, né, mas ele me ajudava e eu aceitava. Ele era um cara muito
maneiro o negão. Chegava aqui a gente transava e ficava namorando.
Era muito bom, mas também era como se fosse programa.
SAMARA – Mataram ele lá no Vidigal. Ele saiu daqui fugido por causa
da guerra de facção e ficou lá. Só que parece que armaram uma casa
de caboclo[58] pra ele lá. Chamaram ele pra conversar e os próprios
comparsas dele mataram ele. Eu até passei um bom tempo vivendo
bem com uma grana que ele me deixou, mas agora tá meio complicado.
Por isso que vez ou outra eu tô tendo que ir pra pista.
SAMARA – Não eu moro sozinha mesmo, mas é que sempre tem umas
meninas que vêm aqui. Passam a tarde aqui. Elas são tudo puta,
tirando umas três, o restante é tudo mulher da vida, mas tudo gente
boa. São minhas amigas! Essa mesma que estava aqui quando você
chegou também fala um monte de idioma. Morou na Inglaterra, na
Espanha, e chegou até a ser casada com um gringo também.
NOTA:
Respondi que não, mas que o problema para mim poderia vir após
ela sentar. Até mesmo porque não sabia se ela tinha namorado ou
marido, que talvez a estivesse seguindo e parasse ali para resolver as
diferenças comigo, quando eu nem lhe conhecia. A mulher disse que
era sozinha e que eu não precisava me preocupar com nada nesse
sentido. Puxou pra si uma cadeira, sentou-se e foi direto ao ponto:
Eu tô querendo é maconha!
CHRISTIANE – Bem menos do que muita menina que tá por aqui pela
pista, mas consigo fazer mais dinheiro às vezes numa noite que
juntando três delas.
E QUAL É O TEU SEGREDO, NA TUA OPINIÃO?
ENTENDI.
DE ONDE VOCÊ É?
CHRISTIANE – Sabe, ela sabe sim, mas leva de boa! Ela sempre me
apoiou em tudo, é amiga mesmo. Ela não faz programa e leva uma vida
totalmente diferente da minha. Ela administra uns patrimônios que os
pais dela têm aqui no Rio. Mas pra ela é meu trabalho e é só isso. Ela
não me julga não, tu acredita? Ela sabe que eu nunca fui boa pra
estudo e que se não for isso de fazer programa pelo menos agora no
início eu não vou ter como me sustentar.
ENTÃO PARECE QUE VOCÊS SE DÃO BEM, NÉ?
VOCÊ LÊ BASTANTE?
POR QUE?
CHRISTIANE – Sim, mas tem que ter, ué! É como eu te falei, minha
amiga faz de tudo por mim, mas meu dinheiro eu tenho que conseguir
por minha conta. E na real, eu não vou fazer programa a vida toda. Vou
parar e sei lá num momento vou ter que encontrar um outro rumo, nem
que tenha que voltar a estudar. Mas enquanto eu faço o que eu tenho
feito pra me sustentar, tenho que ter meu caminho pra trabalhar, senão
eu fico pra trás e a pista tá cada vesz mais salgada. Todo dia quase
aparece uma menina nova na área. É foda, cara!
COMO ASSIM?
BÁRBARA – Com certeza foi isso, mas tem várias outras coisas
também.
POR EXEMPLO?
BÁRBARA – O que aconteceu ali foi que eu e outra travesti saímos pra
fazer um programa com dois gringos, cada uma com um. Chegamos lá
no hotel onde eles estavam e foi uma putaria só, teve troca-troca e tudo,
e a travesti que tava comigo roubou eles.
SÉRIO?
BÁRBARA – Olha, pra mim, tem sido porque eu fazia muito dinheiro ali
no Clasablanca. Também tinha muita amizade com as meninas, com os
seguranças, os taxistas, e isso é meio chato, né? Eu não tenho ido mais
lá. Agora tô indo trabalhar na Balcony, mas ainda bem que tô
conseguindo levantar quase a mesma grana de sempre, mas a gente,
apesar de ser puta e travesti tem a nossa dignidade! Meus pais me
ensinaram desde cedo a não pegar nada que é dos outros e eu sei da
minha índole. Mas, de certa maneira, é bom porque a gente aprende a
ficar mais ligada nas paradas, sabe? Eu já tinha ouvido que ela não era
tão “flor que se cheire” assim! No fundo eu que dei bobeira, porque é
como minha avó sempre disse: “Quem se mistura com porcos farelo
come!!”
Acredito ser muito difícil que você, leitor, nesse momento lendo
este livro nunca tenha ouvido na vida os ditados “tal pai, tal filho”, “filho
de peixe, peixinho é” ou “casa de ferreiro, espeto de pau”. Ditos
populares que têm tradições de décadas, mas que, ao menos na minha
opinião, têm legitimidade nula frente ao que o destino de fato reserva a
cada ser humano ao longo de suas passagens por esse plano.
No livro “O Dezoito Brumário de Luiz XVI”, Karl Marx diz que “os
homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem,
não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim, sob aquelas com
que se defrontam“. Isso posto, é bem clara a compreensão de que em
nossas vidas somos um simples produto do acaso mediante as
escolhas que fazemos pelo livre-arbítrio que nos é dado, escolhas
essas que podem nos levar para uma infinidade de caminhos que
podem ser mais alegres ou mais tristes.
De certo que todo o tradicionalismo e verticalização de valores
que nos são passados pela família, amigos, parentes e pessoas em
geral desde que nascemos têm um papel predominante no que fazemos
em relação aos gostos, preferências e escolhas. Contudo, as influências
do meio socio ambiental são muito ínfimas para determinar
definitivamente o que faremos no futuro, por exemplo. Se isso fosse
fruto de um viés determinista, os filhos de criminosos já seriam
delinquentes na tenra idade e o mesmo aconteceria com filhos e filhas
de profissionais do sexo, filhos e filhas de caminhoneiros, de
dançarinos, de professores, etc, e bem sabemos que isso não é algo
que se suceda com frequência no mundo real.
Pode soar de forma cliché, mas exceto raríssimas exceções, a
vida é e sempre será feita de escolhas pessoais. No entanto, temos
casos excepcionais onde a exceção se torna regra em vias de fato, e o
anteriormente dito “meio socio–ambiental” consegue se sobrepor a
outras possibilidades colocadas. A entrevistada da vez é uma
conhecida minha de longa data. Exatamente dos tempos em que eu
tinha 18 anos e ela ainda era uma criança. Alana é filha adotiva de um
falecido vizinho que há anos se apaixonou por uma garota de programa
da Vila Mimosa. Quando a trouxe para morar com ele, numa vila onde
toda sua família morava em Madureira, foi um verdadeiro escândalo. Eu
me lembro que algumas pessoas mudaram-se do local o mais
rápidamente que foi possível e além dos familiares que estavam
resignados, outros vizinhos passaram a torcer o nariz para ele e para a
mulher. Quando ela foi viver com ele, Alana que não era filha biológica
dele, tinha menos de um ano de idade, e não muito tempo depois a
mulher engravidou e tiveram um menino. O que me lembro é que pouco
antes de o menino completar dois anos, ela retomou à rotina de
programas na Vila Mimosa, muito mais motivada pela falta de dinheiro
para alimentar duas crianças do que pela saudade que tinha de fazer
sexo com todo tipo de homem.
Nós conversávamos muito e ela dizia ter vontade de parar de vez
um dia e se mudar para o interior. O tempo passou e meu vizinho foi
assassinado na esquina de casa. Até hoje um crime não solucionado,
mas o lado bom dessa história triste foi que os criminosos pouparam a
vida do menino que ainda bebê estava no colo do pai quando este foi
alvejado por seis tiros enquanto telefonava num orelhão. O resumo da
história é óbvio: sem a ajuda do marido morto, a mãe teve que
aumentar a intensidade dos programas e protelar o plano de parar de
vez com esse tipo de trabalho, e Alana passou a cuidar do irmão em
casa. As duas crianças cresceram praticamente sozinhas, a contar
apenas com a ajuda de uma tia de segundo grau que já era bastante
idosa e não podia dar a atenção devida a ponto de a menina, já
adolescente, começar a andar em companhias cada vez mais
estranhas.
Com o passar do tempo e me mudei do local, e numa tarde de
quarta-feira em que decidi ir até a Vila Mimosa para buscar alguma
possibilidade de entrevista, me deparo com a menina-mulher num dos
becos do puteiro, dançando funk até o chão. Calcinha enterrada na
bunda, decote fatal, cinta-liga vermelha e tudo mais. Não a via muito,
mas estava bonita demais apesar da maquiagem excessiva. Bastante
parecida com a mãe em tudo, inclusive no corpo muito bem formado.
Sua primeira impressão ao me ver foi de ficar envergonhada, e eu bem
sabia o porquê. Ela que estava com 18 anos, tinha voltado a viver na
casa onde cresceu após o pai ser assassinado e eu a via
esporadicamente por lá quando visitava meus pais, e pelo jeito ela não
queria que as pessoas soubessem que ela era garota de programa.
Perguntei se ela queria comer ou beber alguma coisa comigo fora dali e
conversamos na mesa de um restaurante. Ela comia muito rápido e
parecia o tempo todo estar assustada, como se alguém a espreitasse
na saída do estabelecimento, mas aceitou fazer a entrevista.
NÃO, NÃO MORO. MAS UMA VEZ POR SEMANA VISITO MEUS
PAIS LÁ. VOCÊ ESTÁ MORANDO ALI NESSE MOMENTO?
ALANA – Tô sim, na mesma avenida. Não gosto não, mas fazer o que,
né?
ALANA – Ah, cara, é muito fofoqueiro que não tem o que fazer e ficam
tomando conta da vida dos outros. Eu não gosto disso não! Vizinho
fofoqueiro é a uó[68]!! Nem fala pra ninguém que tu me viu lá na Vila
não, hein! Porra, Pelamor de Deus!
ALANA – Não, ele continua lá. Quase morreu no ano passado. Quase
morreu de tiro ele.
ALANA – Não faz muito tempo não. A minha mãe casou de novo e foi
embora pra Cachoeira de Macacu, daí eu fiquei morando lá na casa
com o meu irmão. Aí ele foi preso, ele tá lá no Padre Severino, eu acho,
cumprindo pena porque ainda é de menor[71], e o pai do meu filho tá
jurado de morte e me mandou ir pra lá pra Madureira, que tava muito
perigoso lá.
ALANA – Eu acho que ela ainda não sabe não! A gente não se fala já
tem um bom tempo.
ALANA – Não, eu e ela a gente não tem problema nenhum não. Mas a
situação é que eu não gosto do marido dela e ele também tem
problema comigo. Ele tentou abusar de mim também quando eu era
pequena e é melhor ficar cada um no seu quadrado.
E ESTUDOS?
ALANA – Ela eu acho que sabe. Eu falei pra ela que tô trabalhando de
camareira num motel, mas eu acho que ela sabe que eu tô fazendo
programa. Mas como ela é uma pessoa que não me perturba – mais
ajuda do que pertuba ela – eu nem fico bolada de ela dizer alguma
coisa pra alguém. Até porque eu acho que ela não vai falar isso pra
ninguém.
ALANA – Viver numa boa não, mas dá pra eu e pro meu filho ficar bem.
De vez em quando o pai dele me manda dinheiro. De vez em quando
alguém de moto vai lá e leva um dinheiro pra nós e isso também ajuda.
Tomara que não matem ele tão cedo. Ele me ajuda muito. É um cara
vida loka[73], mas tem responsabilidade de pai na moral!
O odor era horrível e era perceptível que todo o lixo ali era uma
mistura de material orgânico com não orgânico, e o homem usava as
mãos desprovidas de luvas e só tinha sua própria camisa amarrada ao
rosto para poder aliviar ao menos um pouco todo o mau cheiro que
exalava da montanha de lixo.
PAULISTINHA – Tá bom.
PAULISTINHA – Não. Só escolhi seguir essa vida pra ter um lugar pra
dormir porque tava tomando chuva na rua às vezes. Quase fui
estuprada e teve até uma vez que um pedaço da marquise caiu e
machucou minha cabeça. Caiu enquanto eu tava dormindo.
PAULISTINHA – Até que agora não. Eu fico mais lá dentro mesmo. Vez
ou outra vou pra praia sozinha ou com alguma das menina. Tem umas
amiga lá que são umas garota muito sangue bom. Mas tenho ficado
mais lá dentro da Vila mesmo. Eu acho chato, mas como fumo muita
maconha nem percebo o tempo passar e acaba sendo até divertido às
vezes.
PAULISTINHA – Pra mim não tem coisa melhor. Não é que eu não faça
sem maconha, mas é que é muito melhor foder quando tá no brilho[75].
Tudo é melhor quando a gente fuma unzinho.[76] Eu só não tô fumando
aqui agora porque tu deu o teu papo em mim, senão eu já tava com um
beck[77] aqui fumando.
E QUAL É A DIFERENÇA DE FAZER SEXO COM OU SEM
MACONHA PRA TI?
PAULISTINHA – Não. Até porque eu não tenho mais ninguém lá. Não
tenho família, não tenho irmãos. Tenho uns conhecido lá, uns amigo,
mas nada pra me fazer ter vontade de voltar lá pra morar. O Rio de
Janeiro é legal. Cheio de problema, mas não tem lugar no Brasil que eu
acho que não tem problema.