Custos da intervenção ergonômica em uma indústria de manufatura de eletrônicos

Márnia Gonzaga Soares

José Ronaldo Veronesi Júnior
Cristiane Veronesi

marniags@gmail.com

IEDUV – Centro Educacional Veronesi

PALAVRAS-CHAVE: Ergonomia – Redução de Custos – Investimentos – Manufatura de

Eletrônicos.

Este artigo demonstra uma tentativa em conciliar os objetivos da ergonomia e da empresa

através do trabalho conjunto de vários departamentos e o impacto dessas ações na redução de
custos gerais da empresa. Esta tentativa de conciliar os interesses é exemplificada em um
estudo de caso em uma indústria de manufatura de eletrônicos. Ao final foram apresentados
elementos de que a intervenção ergonômica fornece benefícios diversos como redução de
custos, o que reflete em aumento da competitividade e sobrevida da empresa a longo prazo.

1. Introdução discussão a respeito do pouco investimento

Ergonomia é o conjunto dos
conhecimentos científicos relacionados ao
homem e necessários à concepção de
instrumentos, máquinas e dispositivos que
possam ser utilizados com o máximo de
conforto, segurança e eficiência 1 . Para
atingir estes objetivos ergonomistas2,3
indicam a importância da Análise
Ergonômica do Trabalho (AET) para o
desenvolvimento dos projetos industriais.
A AET tem por finalidade aplicar os
conhecimentos da ergonomia para analisar,
diagnosticar e corrigir uma situação real de
trabalho2 , o que gera também benefícios
econômicos.
A Ergonomia apresenta também uma
proposta de melhoria contínua dos
processos produtivos tais como:
produtividade, qualidade da produção,
redução de erros, moral dos trabalhadores,
entre outros, e que, em todos os casos,
podem ser traduzidos em resultados
financeiros.4 Para Budnick5 (1998) “a
aplicação dos princípios ergonômicos deve
e pode ser apresentada como uma boa
estratégia de negócios”. Em 1997 o
ergonomista Hal W. Hendrick 6 iniciou a
em ergonomia, por parte das empresas,
apesar de oferecer benefícios reais ao
negócio. Um obstáculo para a implantação
de melhorias ergonômicas é a dificuldade
em prever a eficácia da intervenção em
relação ao custo benefício. Como avaliar e
quantificar o retorno econômico desta
intervenção?
A imprecisão ou mesmo a inexistência de
dados sobre quando será o retorno deste
investimento, pode ser fator decisivo para
inviabilizar a implantação de projetos
ergonômicos, pois os administradores
necessitam de informações precisas sobre o
retorno de qualquer investimento, no lugar
de argumentos vagos sobre futuros
benefícios aos trabalhadores.4
Na tentativa de compreender e conciliar os
objetivos da ergonomia e homens de
negócio, este artigo demonstra o trabalho
conjunto do setor de RH, setor financeiro,
engenharia industrial e ergonomia e o
impacto positivo dessas ações na redução
do Fator Acidentário de Prevenção (FAP),
processos trabalhistas e custos gerais da
empresa.

1
As decisões na empresa geralmente
costumam ser tomadas com base em dados
objetivos, muitas vezes baseadas na análise
custo e benefício. Isto significa dizer que
qualquer tipo de investimento somente será
realizado se os benefícios previstos forem
maiores que os seus custos.7
6
Para Hendrick (1997) existem indicadores
administrativos na organização que
funcionam como sinalizadores de atenção
gerencial, além de sensíveis à ação da
intervenção ergonômica. Por serem
indicadores utilizados para fins de relatório
gerencial, sua quantificação para efeitos de
cálculo em termos de benefícios
financeiros é facilitada:8
 Redução de queixas de desconforto no
ambulatório médico: as intervenções
ergonômicas contribuem para reduzir
ou até eliminar riscos. Dessa forma
podemos esperar uma redução no nível
de ocorrência de distúrbios músculo-
esqueléticos, e a consequente redução
nos custos administrativos associados.
 Redução de Absenteísmo: com a
melhoria das condições de trabalho, a
ergonomia pode contribuir para a
redução de absenteísmo, devido à
melhoria nas condições ambientais -
psicossociais associadas à melhoria
dos postos e ambiente de trabalho.
 Redução no custo de litígios judiciais:
Em consequência da redução em
acidentes e lesões provocadas pelo
mau design ergonômico, o número de
ações contra o empregador
envolvendo responsabilização civil por
acidentes vinculados às rotinas de
trabalho pode ser diminuído, e a
possibilidade de responsabilização por
essas ações também pode ser bem
reduzida.
 Redução de custos com pagamento de
impostos: está em vigor uma lei de
incentivo às empresas que investirem
em melhoria das condições da
segurança e saúde do trabalhador, a
terem redução de pagamento de
impostos (FAP) que incide sobre a
folha de pagamento da empresa. A
ergonomia constitui papel importante
para melhoria de postos inadequados.
2. Empresa de Manufatura de
Eletrônicos
Na indústria de manufatura de eletrônicos,
que é o foco desta pesquisa, existe a
predominância de um modelo
organizacional em que as empresas
detentoras da marca, denominadas OEM
(Original Equipment Manufacturing),
terceirizam a produção para as empresas
que prestam serviços de manufatura,
denominadas EMS (Electronic
Manufacturing Services). As OEM`s
portanto, são responsáveis pelo marketing,
vendas e desenvolvimento de produtos. As
EMS`s são responsáveis pela produção e
distribuição dos produtos. Por isso,
chamadas de empresa de manufatura
contratada.9
O mercado de manufatura contratada
eletrônica é caracterizado por um cenário
de grande variabilidade de demanda e
competitividade, produtos com ciclo de
vida decrescente, além de constantes
inovações tecnológicas10. Com a
competitividade do mercado global, a
indústria de manufatura contratada
eletrônica, por questões de sobrevivência
está sempre em busca de reduzir os custos
com a produção e aumentar a qualidade de
seus produtos.11
Porque as empresas com necessidade de
reduzir despesas e aumentar a
produtividade, não estão utilizando a
prática da ergonomia?12 Neste cenário,
como justificar o investimento em
ergonomia como proposta de melhoria
contínua dos processos produtivos, em
uma empresa de manufatura de eletrônicos,
refletindo em benefícios econômicos para a
empresa?
Esta pesquisa tem como objetivo verificar
se a aplicação de melhorias ergonômicas
2
nos postos de trabalho, em uma empresa de
manufatura de eletrônicos, auxilia na
redução de custos da empresa como
pagamentos de impostos, custos com
afastamento e processos trabalhistas.
3. Materiais e Métodos
O presente estudo foi realizado em uma
empresa multinacional que atua no
mercado de produtos eletrônicos.
Foi utilizada a metodologia da Análise
Ergonômica do Trabalho para análise
qualitativa e aplicada ferramentas
ergonômicas para auxiliar na quantificação
do risco ergonômico. Quanto aos objetivos
é exploratória e descritiva e por fim,
quanto à técnica de pesquisa trata-se de um
estudo de caso.
Com o consentimento da administração da
empresa, foi autorizado realizar o
levantamento das informações para o
estudo de caso com base: nos relatórios de
análise ergonômica do trabalho, nas
queixas registrados no ambulatório
médico, nas ações trabalhistas movidas por
doença ocupacional, e no pagamento da
taxa de FAP. Após coleta dessas
informações foi possível elaborar um
diagnóstico ergonômico e propor ações de
melhoria. A área selecionada para a ação
da ergonomia, foi a área industrial (chão de
fábrica), que é o maior cliente interno da
empresa. O estudo teve início no ano de
2011 com a coleta de dados e implantação
das melhorias no ano de 2012.
3.1 Estrutura e Organização da
Empresa
No início do estudo, a empresa contava
com 1033 funcionários, sendo a maioria
mulheres. A área de manufatura (chão de
fábrica) está dividida em dois turnos no
qual: o primeiro turno inicia as atividades
às 06:09h e finaliza às 14:20h e o segundo
turno inicia às 14:20h e finaliza às 22:35h,
havendo expediente normal aos sábados.
Há intervalo de 15 (quinze) minutos para o
café em cada turno, além de 8 minutos de
pausa total da produção. Estes intervalos
são realizados de maneira intercalada a
cada, aproximadamente, uma hora e meia
de trabalho.
A empresa possui grau de risco 3 o que do
ponto de vista previdenciário, sua
contribuição situa-se na faixa de 3%. Esse
grau de risco determina a alíquota de
contribuição de cada empresa para o
financiamento dos gastos com benefícios
decorrentes de acidentes do trabalho.
3.2 Identificação dos Problemas
Foi realizada uma investigação preliminar
para sintetizar informações relevantes
sobre os aspectos ergonômicos e de que
maneira as melhorias estavam presentes na
fábrica. Com essas informações foi
possível identificar pontos falhos no
processo de implantação da ergonomia e
levantar os custos relacionados a este
processo.
A) Processos Trabalhistas
No ano de 2011 foram registrados 44
processos trabalhistas movidos contra a
empresa, destes 15 por doença
ocupacional. Neste ano a empresa teve um
custo total de R$ 70.700,61 com processos
trabalhistas por doença ocupacional
(Quadro 1).
Quadro 1. Custos com Processos
Trabalhistas no ano de 2011
Processos 44
Processos por Doença
15
Ocupacional
Valor atribuído às
R$ 1.216.372,34
causas
Valor pago pela
R$ 40.640,61
empresa
Custos com perito /
R$ 30.060,00
assistente
Total gasto R$ 70.700,61
Fonte: Dados do RH da empresa
3
B) Controle do Ambulatório Médico
No ambulatório médico foi possível coletar
dados sobre o número de afastamentos de
até 15 dias, pois o custo com este
profissional ficaria a cargo da empresa. Foi
observado que a tendência destes
afastamentos era aumentar a cada ano, caso
não fosse tomada nenhuma medida
Gráfico 1. Tendência da porcentagem de trabalhadores com atestados
Fonte: Dados estatísticos do Ambulatório da Empresa
C) Fator Acidentário de Prevenção
A empresa deste estudo, está classificada
com grau de risco 3. Foi considerado o
valor de R$ 1.723.894,00 de folha de
pagamento, considerando o fator
multiplicativo encontrado que foi de 4,21%,
no qual, a empresa depositou mensalmente,
no ano de 2012, o valor de R$ 72.575,94
para Previdência Social.
D) Análise Ergonômica do Trabalho
A análise ergonômica do trabalho, pela
própria característica do método, apresenta
uma abordagem qualitativa da situação, o
que dificulta de certo modo, a quantificação
do risco e a priorização das ações de
melhoria pela engenharia industrial.
4. Resultados e Discussão
Após a identificação dos pontos falhos da
implantação da ergonomia na empresa, foi
possível traçar um plano de ação, na
tentativa de minimizar/eliminar os itens
preventiva (Gráfico 1). No ano de 2011
existiam 1033 funcionários efetivos, destes
2,5% ou seja, 26 funcionários
apresentaram atestados por um período
inferior a 15 dias.
negativos que foram identificados e seus
impactos nos custos da empresa. Os
resultados apontam melhorias significativas
conforme poderá ser observado a seguir.
As queixas osteomusculares identificadas
pelo médico do trabalho, passaram a ser
encaminhadas ao setor de ergonomia, para
que fosse realizada a análise ergonômica do
posto de trabalho, desta forma, era possível
analisar se a queixa poderia ter relação com
o posto de ter trabalho. Com esta ação foi
possível reduzir o número de trabalhadores
que apresentavam atestados por até 15 dias,
devido causa osteomuscular e
consequentemente reduzir os custos da
empresa com o absenteísmo do trabalho
(Gráfico 2). Vale ressaltar que em 2012 a
empresa contava com 1.170 funcionários,
tendo aumento no seu quadro de
trabalhadores e apresentou uma redução no
número de atestados apresentados
anualmente.
4
 Gráfico 2. Porcentagem de trabalhadores com atestados por ano
Fonte: Dados estatísticos do Ambulatório da Empresa
Portanto, o objetivo da gestão dos
atestados/afastamentos, é ter um controle
eficaz do absenteísmo por doença
ocupacional, com o auxílio de recursos
informatizados, para que sejam planejadas,
implementadas e avaliadas na sua eficácia,
melhorias que forem necessárias para
minimizar a causa dos afastamentos, bem
como as ações de promoção da saúde13 .
Ainda com relação às ações voltadas para o
ambulatório médico, mudou-se a tratativa
no retorno de afastamento do trabalhador.
Foi elaborado um formulário de
acompanhamento do funcionário onde é
descrito o posto de trabalho anterior ao
afastamento, o posto de trabalho atual de
acordo com a recomendação médica, a
biomecânica da atividade atual, fotografado
o novo posto de trabalho e coletada as
assinaturas dos envolvidos no processo:
médico do trabalho, ergonomista,
supervisor da área e o trabalhador. Dessa
forma ficou garantida a responsabilidade de
readaptação do trabalhador facilitando o
acompanhamento e evolução do funcionário
durante este processo14 .
De acordo com o Manual de Procedimentos
para os Serviços de Saúde Ministério da
Saúde14, “O acompanhamento do retorno do
trabalhador ao trabalho, seja na mesma
atividade com modificações ou restrições,
seja para outra atividade, é importante para
garantir que não haja progressão,
agravamento do quadro”.
Após a identificação dos postos críticos,
sinalizados no ambulatório, foi tratada a
situação de melhoria da análise ergonômica
do trabalho com foco em facilitar para a
engenharia industrial, a prioridade das
ações de melhoria que estavam sendo
solicitadas. Utilizando ferramentas
ergonômicas que são conhecidas e
validadas internacionalmente, para auxiliar
na avaliação do posto de trabalho, foi
possível classificar o risco ergonômico em:
risco máximo, risco moderado, risco baixo
e risco mínimo. Com isso a engenharia
industrial começou a compreender as
solicitações de mudanças dos postos com
uma lógica mais técnica e agilizar, na
medida do possível, as demandas assim que
apontadas no plano de ação. Para facilitar
esta comunicação entre engenharia e
ergonomia foi desenvolvida uma planilha
com o histórico do problema, definição de
prazos e responsáveis além do status de
melhoria que foi solicitado.
Segundo Veronesi15 (2009) “as ferramentas
de análise dos postos de trabalho são
instrumentos quantitativos e/ou qualitativos
fundamentais para a análise ergonômica do
trabalho. Por meio da análise do risco
ergonômico é possível, não somente
categorizar e quantificar as atividades
laborais, como verificar as fases de maiores
riscos biomecânicos, e verificar os
segmentos que estão em riscos dentro da
atividade”.
5
Com a implantação das ações de melhoria
no ambulatório médico e na qualidade da
análise ergonômica do trabalho, foi possível
avaliar os impactos refletidos em custos
com ações trabalhistas e pagamentos de
impostos. Quanto às reclamações
Quadro 2. Custos com Processos Trabalhistas no ano de 2011/2012
Processos Trabalhistas em 2011
Quantidade 44
Doença Ocupacional 15
Valor das Causas R$ 1.216.372,34
Valor pago pela empresa R$ 40.640,61
Custos com perito / assistente R$ 30.060,00
Custo Total R$ 70.700,61
Fonte: Dados do RH da empresa
Houve uma queda na quantidade total de
processos trabalhistas movidos contra a
empresa, e também redução das
reclamatórias por doença ocupacional. Com
isso os custos diretos e indiretos para a
empresa também caíram, sendo que no ano
de 2011 houve um gasto total de R$
70.700,61 e em 2012 os gastos foram de R$
25.499,06.
Na medida em que foram implantadas as
melhorias ergonômicas, proporcionando
cada vez mais postos de trabalhos
adequados, a quantidade de afastamentos
por doença ocupacional também apresentou
uma redução. Estas melhorias dos processos
impactaram de forma positiva no que diz
respeito à redução do FAP, pois a empresa
houve uma diminuição do fator
multiplicativo. Enquanto que em 2012 o
fator multiplicativo que incidiu sobre a
folha de pagamento foi de 4,21% o que
significa que R$ 72.575,94 forma
depositados mensalmente para a
Previdência Social naquele ano; em 2013 o
FAP foi de 1,25 que multiplicado pelo grau
de risco da empresa que é 3 apresentou um
fator multiplicativo de 3,7% sobre a folha
de pagamento, o que corresponde a R$ R$
63.784,08. Pode-se observar que a redução
no imposto recolhido foi de R$ 8.761,86
mensal e R$ 105.502,34 anual de economia
para a empresa.
trabalhistas houve uma queda significativa
das queixas por doença ocupacional e
consequentemente nos custos para a
empresa, conforme podemos observar no
quadro 2 abaixo:
Processos Trabalhistas em 2012
Quantidade 21
Doença Ocupacional 8
Valor das Causas R$599.857,29
Valor pago pela empresa R$ 3.071,06
Custos com perito / assistente R$ 22.428,00
Custo Total R$ 25.499,06
O Fator Acidentário de Prevenção (FAP**)
afere o desempenho da empresa, dentro da
respectiva atividade econômica,
relativamente aos acidentes de trabalho
ocorridos num determinado período. É um
multiplicador sobre a alíquota de 1%, 2%
ou 3% correspondente ao enquadramento
da empresa na classe do Código Nacional
de Atividade Econômica – CNAE, que
incide sobre a folha de pagamento da
empresa. Este fator determinará se a
empresa terá redução ou majoração da
alíquota, a depender do seu desempenho
(mais ou menos acidentes) com relação às
demais empresas da mesma atividade
econômica. O valor calculado é depositado
mensalmente para a Previdência Social. O
FAP varia de 0,50 (redução de 50%), para
as empresas cujos trabalhadores foram
expostos a menos riscos, a 2,00 (majoração
de 100%), para empresas cujos
trabalhadores foram expostos a mais riscos.
**
O FAP é calculado anualmente por empresa
com base no histórico de acidentalidade dos
dois últimos anos. Assim, o FAP divulgado em
30/09/2012, aplicável no ano 2013, leva em
conta os registros de Acidentalidade de
2010/2011 e obedece ao padrão metodológico
definido na Resolução MPS/CNPS 1.316/2010.
6
5. Conclusão
O estudo de caso demostra como os
problemas ergonômicos acabam
impactando nos negócios, numa expressão
econômica, caracterizada pelas questões de
saúde e qualidade de vida no trabalho. As
intervenções descritas neste artigo são
apenas uma amostra da variedade de
intervenções ergonômicas que podem ser
realizadas na empresa para melhorar não
apenas a condição humana, mas também
reduzir perdas e melhorar os lucros das
empresas.
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