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A História da Humanidade
à Luz da Doutrina Espírita
Allan Kardec
(1804–1869)
2
NOTA DA EDITORA
3
História do Espiritismo
EMENTA
O EVANGELHO SEGUNDO
DATA AULA TEMA
O ESPIRITISMO (ESE)
MÓDULO I — O Despertar para Evolução Humana
1 O Universo e o desenvolvimento da civilização Cap. III, it. 9
2 Hinduísmo e Egito Antigo: religião e civilização Cap. II, it. 5
3 Judaísmo: A história do povo judeu Cap. I, it. 9: 1o ao 3o §
MÓDULO II — Precursores do Cristianismo
4 A civilização grega e o nascimento da Filosofia Intr. IV: 1o ao 3o §
MÓDULO III — Formação da Mentalidade Cristã
5 Jesus: Guia e Modelo da Humanidade Cap. I: 3o e 4o §
6 A vida, a missão e os ensinamentos do Apóstolo Paulo Cap. XV, it. 6
7 A Igreja de Antioquia e as origens do Cristianismo Cap. XVIII, it. 16
8 A Igreja Católica na Idade Média Cap. XV, it. 8
9 A Reforma Protestante Cap. XXIV, it. 15
MÓDULO IV — Nascimento do Mundo Moderno
10 Renascença no mundo: tempos de ruptura Cap. XVIII, it. 10
11 Iluminismo: a razão a serviço do progresso Cap. VII, it. 13
12 Liberdade, Igualdade e Fraternidade: uma nova etapa Cap. I, it. 10
da evolução humana.
MÓDULO V — A Doutrina Espírita: o Consolador Prometido
13 O Advento da Doutrina Espírita Cap. I, it. 5
14 Allan Kardec: o missionário da Terceira Revelação Cap. XVII, it. 7
15 A vida e a missão de Léon Denis Cap. XVII, it. 4
16 Os fatos espíritas sob a óptica dos cientistas e dos Cap. I, it. 8
intelectuais
MÓDULO VI — História do Espiritismo no Brasil
17 A Doutrina Espírita no Brasil Cap. XX, it. 5
18 Bezerra de Menezes e a Unificação do Movimento Cap. XVII, it. 8
Espírita
19 A obra missionária de Eurípedes Barsanulfo Cap. XVII, it. 3
20 Chico Xavier: o Apóstolo da Mediunidade Cap. XXVI, it. 7
21 Divaldo Franco: uma vida a serviço do próximo Cap. XXVI, it. 2
MÓDULO VII — Tempos de Renovação
22 Divulgação e a Evangelização Espírita Infantojuvenil: Cap. VIII, it. 19
novas gerações no caminho do bem
23 A importância do Centro Espírita para o alvorecer de uma Cap. I, it. 9: 4o e 5o §
Nova Era
4
SUMÁRIO pág.
Apresentação..................................................................................................................................................06
MÓDULO I / O despertar da evolução humana..................................................................................07
CAPÍTULO 1 – O Universo e o desenvolvimento da civilização
Aula 1 - E.S.E. – CAP. III: 9................................................................................................................................08
CAPÍTULO 2 – Hinduísmo e Egito Antigo: religião e civilização
Aula 2 - E.S.E. – CAP. II: 5....................................................................................................................................15
CAPÍTULO 3 – A História do Povo Judeu
Aula 3 - E.S.E. – CAP. I: 9; 1º ao 3º §.................................................................................................................20
MÓDULO II / Precursores do Cristianismo .............................................................................................26
CAPÍTULO 4 – A Civilização Grega e o Nascimento da Filosofia
Aula 4 - E.S.E. - Introdução IV: 1º ao 3º §............................................................................................................27
MÓDULO III / Formação da Mentalidade Cristã........................................................................................33
CAPÍTULO 5 – Jesus: Guia e Modelo da Humanidade
Aula 5 - E.S.E. – CAP. I: 3º e 4º§............................................................................................................................34
CAPÍTULO 6 – A vida, a missão e os ensinamentos do Apóstolo Paulo
Aula 6 - E.S.E. – CAP. XV: 6...................................................................................................................................43
CAPÍTULO 7 – A Igreja de Antioquia e as Origens do Cristianismo
Aula 7 - E.S.E. – CAP. XVIII: 16.............................................................................................................................52
CAPÍTULO 8 – A Igreja Católica na Idade Média
Aula 8 - E.S.E. – CAP. XV: 8..................................................................................................................................60
CAPÍTULO 9 – A Reforma Protestante
Aula 9 - E.S.E. – CAP. XVIII: 10..............................................................................................................................70
MÓDULO IV / O Consolador Prometido...................................................................................................75
CAPÍTULO 10 – Renascença do mundo: tempos de ruptura
Aula 10 - E.S.E. – CAP. XVIII: 10.............................................................................................................................76
CAPÍTULO 11 – Iluminismo: a razão a serviço do progresso
Aula 11 - E.S.E. - CAP .VII : 13................................................................................................................................81
CAPÍTULO 12 – Liberdade, Igualdade e Fraternidade: Uma Nova Etapa da Evolução Humana
Aula 12 - E.S.E. – CAP. I: 10..................................................................................................................................84
MÓDULO V / O Nascimento do Mundo Moderno....................................................................................92
CAPÍTULO 13 – O Advento da Doutrina
Aula 13 - E.S.E. – Cap.I : 5 ................................................................................................................... 93
CAPÍTULO 14 – Allan Kardec: O Missionário da Terceira Revelação
Aula 14 - E.S.E. – Cap. XVII: 7.................................................................................................................99
CAPÍTULO 15 – A vida e a missão de Léon Denis
Aula 15 - E.S.E. – Cap. XVII: 4................................................................................................................108
CAPÍTULO 16 – Os fatos espíritas sob a ótica dos cientistas e dos intelectuais
Aula 16 - E.S.E. – Cap.I : 8......................................................................................................................113
MÓDULO VI / A História do Espiritismo do Brasil.................................................................................118
CAPÍTULO 17 – A Doutrina Espírita no Brasil
Aula 17 - E.S.E. – Cap.XX: 5..................................................................................................................119
CAPÍTULO 18 – Bezerra de Menezes e a unificação do Movimento Espírita
Aula 18 - E.S.E. – Cap.XVII: 8.................................................................................................................133
CAPÍTULO 19 – A obra missionária de Eurípedes Barsanulfo
Aula 19 - E.S.E. – Cap.XVII : 3................................................................................................................139
CAPÍTULO 20 – Chico Xavier: O Apóstolo da mediunidade
Aula 20 - E.S.E. – Cap.XXVI: 7.................................................................................................................146
CAPÍTULO 21 – Divaldo Franco: Uma vida a serviço do próximo
Aula 21 - E.S.E. – Cap.XXVI: 2................................................................................................................154
MÓDULO VII / Tempo de Renovação.........................................................................................................162
CAPÍTULO 22 – Divulgação e Evangelização Infanto-juvenil: novas gerações no caminho do bem.
Aula 22 - E.S.E. – Cap. VIII: 19................................................................................................................ 163
CAPÍTULO 23 – A importância do Centro Espírita para o alvorecer de uma Nova Era
Aula 23 - E.S.E. – Cap.I: 9; 4º e 5.......................................................................................................................171
Anexo Aula 23 – Altivo Panphiro – Yvone Pereira – Adelaide Câmara – Anália Franco...................176
Conclusão –.......................................................................................................................................178
5
APRESENTAÇÃO
A Doutrina Espírita não é apenas um agrupamento formado por pessoas com um objetivo comum.
Sendo a consolidação dos ensinamentos dos Espíritos superiores, é tão ampla a sua importância que é
possível designá-la como um sol que veio clarear as consciências, esclarecendo a Humanidade sobre a vida
terrena e a realidade da Vida Espiritual.
[...] A verdadeira Doutrina Espírita encontra-se no ensino dado pelos espíritos e os conhecimentos que
este ensino comporta são graves demais para serem adquiridos de outra forma, que não por um estudo
sério e contínuo, feito no silêncio e no recolhimento; pois, apenas nessa condição, pode-se observar um
número infinito de fatos e de particularidades que escapam ao observador superficial e permitem firmar
uma opinião. [...]1
Se é inequívoco que a Doutrina Espírita precisa ser estudada com seriedade, também não resta
dúvida de que ela precisa ser refletida, meditada e sentida, uma vez que não basta apenas estar convencido
intelectualmente: é necessário, acima de tudo, que a verdade nos liberte das ilusões e nos coloque no
caminho da autoiluminação.
A este respeito, Allan Kardec afirma:
A Doutrina Espírita é, assim, o mais poderoso elemento moralizador, por se dirigir ao mesmo
tempo ao coração, à inteligência e ao interesse pessoal bem compreendido.2
O codificador ao apontar o elemento moralizador da Doutrina Espírita demonstra que a nossa posição
espiritual na vida futura é definida por nossa condição moral. Ora, não há condição moral sustentável sem o
amor e a sabedoria! A este respeito, o Espírito de Verdade em O Evangelho Segundo o Espiritismo, assim
proclamou aos espíritas: amai-vos, eis o primeiro mandamento; instruí-vos, eis o segundo!
Conseguir a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer: “eu creio”, mas afirmar: “eu sei”, com
todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento. [...]3
***
1
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Introdução, it.
XVII.
2
_______. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 2, cap. Credo espírita –
Preâmbulo.
3
XAVIER, Francisco C. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Q. 354.
6
GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO I
"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução,
mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por
escrito da Instituição."
7
CAPÍTULO 1
O UNIVERSO E O DESENVOLVIMENTO DA
CIVILIZAÇÃO
Objetivos
Ideias principais
O universo compreende a infinidade dos mundos que vemos e dos que não vemos, todos os seres
animados e inanimados, todos os astros que se movem no Espaço, assim como os fluídos que o
preenchem. 4
Quanto podemos conhecer do mundo? É possível conhecer tudo ou será que há limites para o nosso
entendimento? Estas perguntas surgem naturalmente quando buscamos compreender a formação dos
mundos, isto é, o “princípio” de tudo.
Há um ponto de partida no qual os cientistas, filósofos e religiosos estão de acordo: o que os nossos
olhos enxergam do mundo e o nosso conhecimento acerca de seu mecanismo, é uma pequena fração do que
realmente existe. Nossa percepção é bastante limitada diante de tamanha grandiosidade! Mesmo quando
aumentamos nossa percepção através de telescópios, microscópios e outros instrumentos de análise, temos
ainda um limite considerável a transpor.
O desenvolvimento tecnológico, fruto do progresso material, nos possibilita uma variedade de
ferramentas capazes de facilitar a nossa percepção do mundo. Entretanto, sem o amparo intelecto-moral, a
Ciência persistirá na direção do materialismo. Contra esta tendência limitadora, a Doutrina Espírita apresenta
explicações racionais, transmitindo para a Humanidade, por meio dos ensinos dos Espíritos superiores, um
novo paradigma:5 a ideia de um Deus cósmico, cuja ação está pautada em leis harmoniosas!
Para crer em Deus, basta lançar os olhos sobre as obras da Criação. O Universo existe, tem,
portanto, uma causa. Duvidar da existência de Deus seria negar que todo efeito tem uma causa e
afirmar que o nada pôde fazer alguma coisa. 6
Vejamos agora apenas algumas definições sobre o Universo apresentada pela Doutrina Espírita.
Chegaremos à conclusão de que “Deus está em toda parte, tudo vê ea tudo preside, mesmo às mais pequenas
coisas. [...]”7
4
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução de Maria Lúcia Alcantara de Carvalho. 2.ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011, trecho que
antecede a questão 37, p. 79.
5
Paradigma: modelo ou padrão a ser seguido.
6
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário de
Kardec à q. 4.
8
“Certamente, ele não se pôde [o Universo]fazer sozinho e, se existisse de toda a eternidade, como
Deus, não poderia ser obra de Deus.”8
“O Universo é a projeção da Mente divina [...]”9
“[...] O Universo é, pois, a soma de todas as perfeições reunidas e combinadas e o sinal
representativo da perfeição suprema.”10
Sendo Deus a causa primária de todas as coisas, a pluralidade dos mundos habitados se torna uma
realidade mais do que aceitável, perfeitamente natural. Esta teoria, aliás, é aceita pela maioria dos cientistas,
embora não confirmada categoricamente pelo fato das investigações estarem ainda a passos lentos.
[...] mundos incontáveis são, como disse Jesus, as muitas moradas da Casa do Eterno Pai. É neles
que nascem, crescem, vivem e se aperfeiçoam os filhos do Criador, a grande família universal...
São eles as grandes escolas das almas, as grandes oficinas dos Espíritos, as grandes universidades
e os grandes laboratórios do Infinito... E são também — Deus seja louvado! — os berços da
Vida.11
A Doutrina Espírita nasceu no momento histórico mais adequado para preencher as lacunas
existentes no pensamento religioso e científico, abrindo novos horizontes para o conhecimento humano.
Allan Kardec desenvolve essa reflexão de maneira mais específica em O Evangelho Segundo o
Espiritismo, quando afirma:
A Ciência e a Religião até hoje não puderam se entender porque, cada uma encarando as coisas do
seu ponto de vista exclusivo, se repeliam mutualmente. Era preciso alguma coisa para preencher o
vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse; esse traço de união está no
conhecimento das leis que regem o mundo espiritual e suas relações com o mundo corporal, leis
também tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres.[...]12
Ora, para que possamos entender a relevância da visão espírita neste tema em particular, é necessário
analisar antes o que as religiões e as tendências científicas têm nos apresentado a este respeito.
1. Criacionismo e Evolucionismo
De modo geral, a teoria criacionista, baseada no relato bíblico do Gênesis, considera que tudo vem à
existência por ordem de Deus e tudo é criado segundo um sentido crescente de evolução. Neste sentido, Deus
é anterior à criação e todos os seres dele receberam o dom da vida.
No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o
abismo, e um sopro de Deus agitava a superfície das águas. Deus disse: “Haja luz”, e houve luz.
Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz e as trevas (Gênesis, 1:1 a 4).13
O livro Gênesis inaugura o Antigo Testamento, tendo sido escrito há mais de três mil anos. É
importante destacar que este livro é uma literatura poética, um retrato da vida de camponeses desejosos de
ter uma experiência real com o Deus único. Essa experiência atingiu um grau de religiosidade tão elevado,
que resolveram expressar poeticamente essa vivência de fé.
Essas informações, à primeira vista, podem parecer secundárias; entretanto, ressaltar essas
questões nos ajuda a refletir melhor sobre o quanto os criacionistas e os cientistas até hoje, cada qual a seu
modo, se apegam a uma interpretação fundamentalista daquilo que deveria ser visto de uma forma literária.
7
_______. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. II, it. 20.
8
_______. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Q. 37.
9
XAVIER, Francisco C. Nos Domínios da Mediunidade. Pelo Espírito André Luiz. 36. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 13 —
Pensamento e mediunidade, p. 121.
10
MARCHAL, V. (Padre). O Espírito Consolador, ou os nossos destinos. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005.
11
SANT’ANNA, Hernani T. Universo e Vida. Pelo Espírito Áureo. 6. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. II — Ante a grandeza da vida.
12
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. I, it. 8.
13
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coordenada por Gilberto da Silva G.; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. 3. ed. São Paulo: PAULUS, 2004.
Nota da Editora: todas as citações bíblicas inseridas neste capítulo foram retiradas da fonte citada. Assim, para uma melhor fluidez
do texto, não iremos repetir essa referência.
9
[...] A formação do globo está escrita em caracteres imprescritíveis no mundo fóssil e está
provado que os seis dias da criação correspondem a tantos períodos, cada um, talvez, de
várias centenas de milhares de anos. Isto não é um sistema, uma doutrina, uma opinião
isolada, é um fato tão consistente quanto o do movimento da Terra e que a Teologia não pode
recusar-se a admitir, prova evidente do erro que se pode cometer, tomando ao pé da letra as
expressões de uma linguagem, frequentemente, figurada. Poder-se-ia daí concluir que a Bíblia é
um erro? Não; porém, que os homens se enganaram ao interpretá-la.14
O aspecto essencial do Gênesis não é aquele em que Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo
descansou. Em realidade, este texto é uma literatura que visa demonstrar que tudo foi criado por Deus, e os
seres humanos são a sua imagem e semelhança. Para a época, nada mais revolucionário e original que isso!
Em tudo na evolução há um espírito de sequência: sem este ponto de partida concebido pelo povo
judeu e desenvolvido posteriormente por Moisés, o seu legislador, seria impraticável a mensagem divina do
Cristo tempos depois.
Isso evidencia o quanto a nossa percepção de Deus, do Universo e de nós mesmos, está condicionada
ao nosso grau de evolução espiritual alcançado. Ao subirmos degraus na jornada evolutiva, alcançamos um
novo patamar de compreensão!
Esclarecido este ponto, podemos caminhar agora na direção do entendimento da ciência sobre este
tema instigante. Evidentemente, há várias concepções que poderiam ser mencionadas. No entanto, como o
nosso objetivo é conhecer aspectos gerais, iremos nos limitar ao estudo introdutório do pensamento
evolucionista, cuja divisão pode ser definida pelo evolucionismo científico e o evolucionismo teísta.
O evolucionismo científico considera que o surgimento do Universo e dos seres vivos aconteceu de
maneira espontânea, a partir da gradual transformação dos seus elementos ao longo de bilhões de anos. Há
um consenso entre os pesquisadores dessa corrente de pensamento de que o Universo teria sido originado de
uma grande explosão ocorrida há cerca de 13,798 bilhões de anos.
A partir de então foram criadas as dimensões tempo, espaço e matéria. Repare que não há nenhuma
referência a dimensão espírito. Os defensores dessa teoria avaliam ainda que a origem do Universo se deu
em condições naturais e a sua evolução independe de uma intervenção inteligente.
No sentido inverso há o evolucionismo teísta, que busca conciliar as ideias do criacionismo e do
evolucionismo. De acordo com esta concepção, Deus não criou o Universo pronto e acabado, mas fundou as
bases e deu o início, estabelecendo as leis pelas quais se daria o processo evolutivo de sua criação.
Não podemos deixar de considerar que a Ciência evoluiu bastante no entendimento da natureza da
matéria. Contudo, já não há mais razão para elegê-la como fonte exclusiva de explicação de todos os
fenômenos. É importante insistir neste aspecto: a Ciência ao se prender exclusivamente à matéria,
estabelece muros em vez de pontes para as suas investigações. O elemento espiritual, assim como Deus,
infelizmente ainda são vistos de modo geral como misticismos religiosos pelos cientistas. Cedo ou tarde,
porém, a Ciência, vendo o quão limitado é o seu campo de investigação, buscará novos princípios, sem
descartar, é claro, os seus avanços inquestionáveis alcançados.
[...] O Espiritismo e o materialismo são como dois viajantes que caminham juntos, partindo de um
mesmo ponto; chegados a certa distância, um diz: “Não posso ir mais longe.” O outro prossegue e
descobre um novo mundo. Por que, então, o primeiro diz que o segundo é louco? só porque,
entrevendo novos horizontes, o segundo se decide a transpor os limites que o outro julga por bem
não avançar? [...]15
14
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcântara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Cap. III, it. 59.
15
KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. Cap.X, it. 30.
10
Certos sábios censuram, é verdade, que as leis universais são cegas. Mas como leis cegas poderiam
dirigir a marcha dos mundos no Espaço, regular todos os fenômenos, todas as manifestações da
vida, e isso com uma precisão admirável? Se as leis são cegas, diremos, evidentemente devem agir
ao acaso. Mas o acaso é a falta de direção, a ausência de qualquer inteligência atuante. Ele é
inconciliável com a noção de ordem e de harmonia.16
A Doutrina Espírita parte do princípio de que para todo efeito inteligente há uma causa
necessariamente inteligente. A este respeito, Allan Kardec em A Gênese, nos oferece uma reflexão profunda,
com a lucidez que lhe era peculiar:
Já que mencionamos a respeito da evolução espiritual, a seguir iremos nos debruçar um pouco mais a
respeito desse longo percurso humano na Terra. Essa busca revela que acima de tudo somos os construtores
do nosso próprio destino, nas múltiplas experiências evolutivas vivenciadas.
16
DENIS, Léon. O Grande Enigma: Deus e o Universo. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt.
1, cap. VI – As Leis Universais.
17
Incomensurável: alguma coisa que não se pode nem se consegue medir.
18
KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XVIII, it. 4.
19
DENIS, Léon. Cristianismo e Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2012. Cap. VIII — Decadência
do Cristianismo, p. 163.
20
XAVIER, Francisco C. Nos Domínios da Mediunidade. Pelo Espírito André Luiz. 36. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 1 —
Estudando a mediunidade, p. 13.
21
KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XI, it. 28.
11
No entanto, desde o primeiro momento, buscaram também algo além da sua própria vida e de suas
circunstâncias particulares. Passaram assim a contemplar o mais alto, ansiosos por um significado maior para
as suas existências.
Foi desta maneira que as primeiras civilizações se organizaram. Todavia, mesmo com os seus
conhecimentos limitados, uma sensível contradição atormentava os seres primitivos: o Universo que eles
podiam contemplar olhando para o alto, parecia seguir uma ordem natural, ao passo que as suas vidas, a todo
o momento, estavam vulneráveis a toda ordem de perturbações.
É por isso que vamos encontrar em todas as civilizações do planeta, registros de cálculos do
movimento dos corpos celestes, bem como a catalogação do tempo. Essas invenções não constituíam meras
ações fruto da curiosidade: era, na verdade, uma questão de sobrevivência, ou em outras palavras, uma
tentativa de se anteciparem aos ciclos da Natureza.
Em O Livro dos Espíritos, compreendemos melhor essa necessidade de buscar a todo custo à
sobrevivência:
O instinto de conservação é uma lei da Natureza?
“Sem dúvida; é dado a todos os seres vivos, qualquer que seja o grau de sua inteligência; em uns,
ele é puramente maquinal, em outros, ele é raciocinado.”22
Foi assim que os homens primitivos, com enorme espanto, constataram que muitos dos ciclos dos
corpos celestes estavam associados aos ciclos da Natureza. Por essa razão, compreenderam também que o
plantio e a colheita, o nascimento e desenvolvimento das plantas, eram regidos pelo ciclo lunar.
Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso.
Ele progride fisicamente, pela transformação dos elementos que o compõem, e moralmente pela
depuração dos espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Esses dois tipos de progresso
seguem um ao outro e marcham paralelamente, uma vez que a perfeição da habitação está
relacionada com a do habitante. [...]23
O processo evolutivo pode ocorrer lentamente, de acordo com os efeitos da Natureza (a Terra, aliás,
passou por inúmeras transformações físicas em todas as épocas), como também pela interferência de fatores
externos ao globo terrestre. Em determinado momento de sua trajetória evolutiva, há 30 mil anos a.C.,
aproximadamente, espíritos que não tinham relação direta com a Terra renasceram aqui, entrando em contato
com os habitantes que aqui já estavam presentes.
Esse processo espiritual que interferiu de modo decisivo na organização planetária, contribuiu para o
desenvolvimento de conhecimentos e habilidades até então rudimentares entre os habitantes originais da
Terra. Houve, portanto, um impulso fundamental, inclusive no que diz respeito à mudança dos corpos.
A seguir, iremos analisar essa influência definidora do processo evolutivo da Terra.
Há muitos milênios, um dos orbes da Capela, que guarda muitas afinidades com o globo terrestre,
atingira a culminância de um dos seus extraordinários ciclos evolutivos.
[...]
Alguns milhões de Espíritos rebeldes lá existiam, no caminho da evolução geral, dificultando a
consolidação das penosas conquistas daqueles povos cheios de piedade e virtudes, mas uma ação
de saneamento geral os alijaria24 daquela humanidade, que fizera jus à concórdia perpétua, para a
edificação dos seus elevados trabalhos.25
No livro A Gênese, Allan Kardec apresenta um princípio importante para compreendermos o papel
dos exilados de Capela no Planeta Terra:
22
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Q. 702.
23
KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XVIII, it. 2.
24
Alijar: desvencilhar, excluir.
25
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 3 — As raças adâmicas,
it. Um mundo em transições.
12
[...] Os que, apesar da sua inteligência e do seu saber, perseveram no mal, em sua revolta contra
Deus e contra suas Leis, se tornariam daí em diante um embaraço ao ulterior 26 progresso moral,
uma causa permanente de perturbação para a tranquilidade e a felicidade dos bons, pelo que são
excluídos da Humanidade a que até então pertenceram e enviados a mundos menos adiantados,
onde aplicarão a inteligência e a intuição dos conhecimentos que adquiriram ao progresso daqueles
entre os quais são chamados a viver, expiando, ao mesmo tempo, por uma série de existências
penosas e por meio de árduo trabalho, suas faltas passadas e seu voluntário endurecimento.27
No mundo de regeneração não há espaço para aqueles que sentem prazer em praticar o mal.
Contudo, o exílio não é uma regra e sim uma exceção. Os exilados de Capela tiveram que passar pela
expiação de ter que habitar um mundo primitivo como era a Terra por estarem persistentes no crime e na
revolta, desprezando todos os apelos de renovação pelo bem que a Providência Divina oferece
permanentemente.
Alcançado um determinado nível evolutivo, qualquer humanidade planetária é impulsionada a
progredir de maneira ainda mais efetiva. Os exilados de Capela foram aqueles que estavam obstinados em
retardar este progresso. Renasceriam, deste modo, em um ambiente muito mais hostil ao que estavam
acostumados, com o objetivo de alcançarem o progresso moral.
E qual a maneira mais apropriada de progredir moralmente? Uma delas, talvez a principal, seja
contribuindo para o progresso de nossos semelhantes, não é mesmo? Foi exatamente assim que aconteceu
com os exilados de Capela: na Terra deveriam educar as massas primitivas aqui abrigadas.
O espírito sofre a pena das suas imperfeições, seja no mundo espiritual, seja no mundo corporal.
Todas as misérias, todas as vicissitudes que se sofrem na vida corporal são o resultado das nossas
imperfeições, expiações de faltas cometidas, seja na existência presente, seja nas precedentes.28
Pela natureza dos sofrimentos e das vicissitudes que se suportam na vida corporal, pode-se fazer
uma ideia da natureza das faltas cometidas em uma existência precedente, e das imperfeições que
são a sua causa.29
No livro A Gênese, Allan Kardec faz uma extensa abordagem sobre os capelinos, simbolizando o
conjunto destes espíritos como raça adâmica:
Segundo o ensino dos espíritos, foi uma dessas grandes imigrações, ou, se quiserem, uma dessas
colônias de espíritos vindas de uma outra esfera, que deu origem à raça simbolizada na figura de
Adão, e, por essa razão, chamada de raça adâmica. Quando ela chegou aqui, a Terra já estava
povoada desde tempos imemoriais, assim como a América, quando os europeus chegaram lá.
A raça adâmica, mais adiantada do que aquelas que a haviam precedido na Terra, é, com efeito, a mais
inteligente, é ela que impele todas as outras ao progresso. A Gênese nos mostra essa raça, desde os seus
primórdios, habilidosa, apta às artes e às ciências, sem haver passado pela infância intelectual, o que não
é próprio das raças primitivas, mas que concorda com a opinião de que ela se compunha de espíritos
que já tinham progredido. [...]30
Talvez você possa estar se perguntando neste exato momento: até aqui eu compreendi a urgência dos
exilados de desenvolverem o senso moral. Também compreendi que para não retardarem o progresso do seu
mundo, eles tiveram que habitar a Terra para colaborar no desenvolvimento da cultura e dos costumes dos
povos primitivos.
Mas, se em seu paraíso longínquo, em condições favoráveis, eles estavam tão desconectados de
Deus, imagine agora em um planeta todo voltado para a realidade material, em que as sensações físicas são
predominantes? A possibilidade de buscar um novo caminho equivocado não seria ainda maior? E se eles
não aceitarem se envolver plenamente com os habitantes daqui?
Para responder a esta questão, recorremos ao benfeitor espiritual Emmanuel:
26
Ulterior: posterior, seguinte, subsequente.
27
KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2.ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. Cap. XI, it. 43.
28
Precedentes: anteriores.
29
KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 1, cap. VIII, 7º Código
penal da vida futura.
30
KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XI, it. 36.
13
Grande percentagem daqueles Espíritos rebeldes, com muitas exceções, só puderam voltar ao país
da luz e da verdade depois de muitos séculos de sofrimentos expiatórios; outros, porém, infelizes e
retrógrados, permanecem ainda na Terra, nos dias que correm, contrariando a regra geral, em
virtude do seu elevado passivo de débitos clamorosos.31,32
A partir desta noção geral apresentada, iremos refletir sobre as particularidades destes povos
exilados: seus valores, costumes e escolhas coletivas. Examinar essas civilizações antigas, aumentará o nosso
repertório de conhecimento, e, quem sabe, poderá ser uma viagem ao nosso passado mais remoto!
31
Clamorosos: choroso; lamentoso
32
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 3 — As raças adâmicas, it.
Origem das raças brancas.
14
CAPÍTULO 2
HINDUÍSMO E EGITO ANTIGO: RELIGIÃO E
CIVILIZAÇÃO
Objetivos
Ideias principais
1. Hinduísmo
[...] os hindus eram um dos ramos da massa de proscritos 33 da Capela, exilados no planeta. Deles
descendem todos os povos arianos, que floresceram na Europa e hoje atingem um dos mais agudos
períodos de transição na sua marcha evolutiva. O pensamento moderno é o descendente legítimo
daquela grande raça34 de pensadores [...].35
O Hinduísmo, termo que significa o conjunto da cultura indiana, se desenvolveu como religião na
Índia,cerca de quatro mil anos a.C. Em outras localidades, como em Bangladesh e no Siri Lanka, o
Hinduísmo também tem uma expressiva representatividade.
Curioso notar que no Hinduísmo não há um personagem fundador da religião. Este é um traço
incomum na História, já que praticamente todas as religiões de influência no mundo possuem, direta ou
indiretamente, um responsável pela origem ou um grande inspirador.
O Hinduísmo é uma religião que ao longo da história tem adaptado para o seu sistema de
pensamentos outras expressões religiosas, demonstrando ser, neste aspecto, uma religião aberta à
diversidade.
No Hinduísmo podemos encontrar pelo menos três crenças principais: o politeísmo, o panteísmo e o
animismo. A seguir, será elaborada uma definição geral do que vem a ser essas três crenças e em seguida a
visão espírita a este respeito.
Politeísmo: literalmente significa a crença em vários deuses. Ocorre que no Hinduísmo havia uma
hierarquia das divindades, isto é, um deus mais poderoso comandava os outros deuses inferiores em poder e
inteligência.
Visão espírita:
[...] a palavra deus possuía, entre os antigos, acepção muito ampla; não era, como
atualmente, uma personificação do Senhor da Natureza. Era uma qualificação genérica,
dada a qualquer ser existente fora das condições da Humanidade36
33
Proscritos: emigrado, exilado.
34
Nota da Editora: O livro A Caminho da Luz, foi ditado em 1938. Nessa época, o termo “raça” era amplamente aceito. Atualmente,
porém, o termo raça não é mais empregado. Hoje, utiliza-se o termo etnia.
35
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 5 — A Índia, it. Os arianos
puros.
36
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário de
Kardec à q. 668.
15
Panteísmo: crença de que todas as coisas e seres são uma partícula de Deus. Como decorrência, não
há uma divindade que esteja além da vida e da natureza.
Visão espírita:
[...] Não sabemos tudo o que Ele é, mas sabemos o que Ele não pode deixar de ser e este sistema
está em contradição com suas propriedades mais essenciais; ele confunde o Criador com a criatura,
exatamente como se quisesse que uma máquina engenhosa fosse parte integrante do mecânico que
a criou.37
Animismo: crença de que os elementos da Natureza são animados por espíritos que devam ser
cultuados.
Visão espírita:
Para maior brevidade possível, proponho designar pela palavra animismo todos os fenômenos
intelectuais e físicos que deixam supor uma atividade extracorpórea ou a distância do organismo
humano, e mais especialmente todos os fenômenos mediúnicos que podem ser explicados por uma
ação que o homem vivo exerce além dos limites do corpo.38
A religiosidade hinduísta possui uma infinidade de cultos e rituais. No entanto, há pelo menos três
concepções fundamentais, sem as quais não será possível entender o hinduísmo; são elas: as castas, o carma
(ou karma), e a adoração da vaca como símbolo sagrado.
Castas: Desde os tempos antigos sempre houve na Índia estas classes sociais: sacerdotes, guerreiros,
agricultores, comerciantes, artesãos e servos. Mas, com o desenvolvimento da sociedade indiana, as pessoas
foram sendo divididas em novas castas, chegando ao número inimaginável de três mil, no início do século
XX. Para o Hinduísmo a noção de pureza e impureza é bastante destacada. Dependendo da “superioridade”
da casta, determinadas tarefas não são realizadas pelos seus membros, ficando a cargo de castas “inferiores”
a execução. A organização social e religiosa não limitava a ascensão social.
Visão espírita:
[...] o povo hindu, não obstante as suas tradições de espiritualidade, deixou crescer no coração o
espinho do orgulho que, aliás, dera motivo ao seu exílio na Terra.
Em breve, a organização das castas separava as suas coletividades para sempre. Essas castas não se
constituíam num sentido apenas hierárquico, mas com a significação de uma superioridade
orgulhosa e absoluta. [...]39
Carma ou Karma: No Hinduísmo se acredita que, depois da morte de um ser humano sua alma
renasce num novo ser vivo. Pode renascer numa casta mais alta ou baixa, ou pode até mesmo passar a habitar
um corpo de animal. De acordo com a visão hinduísta, todas as ações de uma vida determinarão os aspectos
essenciais da vida seguinte. Por essa razão, as sucessivas vidas não correspondem à punição ou recompensa,
mas simplesmente a uma ação da lei natural. O resultado disso é a não aceitação de uma Providência divina,
uma vez que para o hinduísta, a responsabilidade pela vida atual e pelas seguintes é exclusivamente
individual.
Visão espírita:
— Sim, o “carma”, expressão vulgarizada entre os hindus, que em sânscrito quer dizer “ação”, a
rigor, designa “causa e efeito”, uma vez que toda ação ou movimento deriva de causa ou impulsos
anteriores. Para nós expressará a conta de cada um, englobando os créditos e os débitos que, em
particular, nos digam respeito. Por isso mesmo, há conta dessa natureza, não apenas catalogando
e definindo individualidades, mas também povos e raças, estados e instituições.40
37
_______. _______. Q. 16.
38
AKSAKOF, Alexander. Animismo e Espiritismo. v. 2. Trad. Dr. C.S. 6.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Cap. IV — A hipótese dos
Espíritos.
39
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 5 — A Índia, it. As castas.
40
______. Ação e Reação. Pelo Espírito André Luiz. 30. ed. 7. imp. Brasília: FEB, 2017. Cap. 7 — Conversação preciosa.
16
A Vaca Sagrada: A vaca é um animal sagrado na Índia e é adorada durante festejos religiosos. A vaca
é considerada um ser puro e pelo ritual seguido, a pessoa que toca a vaca está limpa. Outros animais são
considerados sagrados, como o macaco, o crocodilo e a cobra. Em virtude disso, criou-se na Índia uma
cultura contrária a matança de animais como forma de alimentação, contribuindo para a adoção da
alimentação vegetariana e, por assim dizer, por uma prática da não violência, que ficou marcada no mundo
por meio de Gandhi, cuja vitória pela independência da Índia contra a opressão do império britânico ocorreu
por meio da coexistência pacífica, e não por uma revolução armada, tão comum naquele momento.
Visão espírita:
Pode-se considerar a adoração como tendo sua origem na lei natural?
“Ela está na lei natural, já que é o resultado de um sentimento inato no homem; é por isso que a
encontramos em todos os povos, embora sob formas diferentes.”41
Os hinduístas também têm o seu livro sagrado. A base religiosa está fundamentada no Veda, ou
Vedas. A palavra “Veda” significa saber ou conhecimento. As tradições védicas estão escritas em livros,
sendo o mais antigo, conhecido como Rig Veda.
As almas exiladas naquela parte do Oriente muito haviam recebido da misericórdia do Cristo, de
cuja palavra de amor e de cuja figura luminosa guardaram as mais comovedoras recordações,
traduzidas na beleza dos Vedas e dos Upanishads. [...]42
Os Upanishads são os livros hinduístas mais populares na Índia e estão organizados sob a forma de
diálogos entre mestre e discípulo, sendo o mestre Brama, considerado o Deus supremo. O conceito central
destes livros é a noção de carma, que como já vimos, considera ser o homem imortal, podendo renascer ora
numa casta elevada, ora em outra mais rebaixada, ou até mesmo, dependendo de seus atos, reviver no corpo
de um animal.
É importante ressaltar que Allan Kardec não utilizou a palavra carma na codificação, optando por
denominar lei de causa e efeito, o processo em que:
[...] por meio da pluralidade das existências, que os males e aflições da vida são muitas vezes
expiações do passado, bem como que sofremos na vida presente as consequências das faltas que
cometemos em existência anterior, até que tenhamos pago a dívida de nossas imperfeições, pois
que as existências são solidárias umas com as outras. 43
No período entre 1000 e 500 a.C., ocorreu na Índia uma reforma religiosa conhecida com o nome de
Bramanismo. Essa religião reformada, era exercida por iniciados em práticas védicas, denominados
brâmanes, os “sacerdotes mágicos”.
Há muitos séculos, floresceu na Índia uma religião, que ainda hoje se mantém com o nome de
bramanismo. [...] O bramanismo [...] ensina a reencarnação. Sua filosofia sobre a existência
assenta na peregrinação das almas através das vidas sucessivas, onde elas colhem o fruto de suas
ações, se depuram, se elevam, se divinizam. 44
Todavia, por volta do século VI a.C., um novo movimento religioso conhecido como Budismo se
contrapôs aos ideais religiosos do Bramanismo. O Budismo, que se alastrou pela Ásia, não aceitava o regime
de castas, além de não reconhecer as tradições védicas como superiores.
41
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010.Q. 652.
42
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 5 — A Índia, it. A
organização hindu.
43
KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2.ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. Cap. XV, it. 15.
44
IMBASSAHY, Carlos. Religião. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1981.
17
2. Egito Antigo
Dentre os Espíritos degredados na Terra, os que constituíram a civilização egípcia foram os que
mais se destacavam na prática do bem e no culto da verdade.
Aliás, importa considerar que eram eles os que menos débitos possuíam perante o tribunal da
Justiça Divina. [...]45
Há milênios o Egito Antigo desperta o interesse do mundo com a grandiosidade de seus monumentos
e os mistérios de sua religião. De fato, a religião alcançou um patamar sem precedentes na civilização
egípcia, razão pela qual desenvolveu uma cultura rica e profunda, cujos reflexos são percebidos até hoje.
Na arquitetura, construíram templos religiosos e especialmente as tumbas, túmulos com construção
de pedras. Para os egípcios, a morte era apenas um caminho de ascensão rumo à total divindade. Por essa
razão, aqueles que possuíam vastos recursos econômicos reservavam parte de suas riquezas para os
preparativos de sua morte, afinal, para eles, era necessário assegurar as melhores condições para a transição
para o outro mundo.
Alguns aspectos eram cuidadosamente observados pelos habitantes do vale do rio Nilo. Em especial,
vale destacar o processo de mumificação como forma de preservação do corpo. O desenvolvimento dessa
prática permitiu um considerável avanço na compreensão da anatomia humana, o que refletiu em progresso
para a Medicina da época.
Outro cuidado especial era o de colocar o corpo embalsamado numa tumba segura, feita de um
material durável como a pedra, tendo em volta vários alimentos para “fortalecer” o espírito do morto. Essas
medidas eram justificáveis na crença vigente, pois os egípcios entendiam que repousariam ali por toda
eternidade.
Para alcançar esses resultados, os egípcios empenharam-se nas construções das tumbas e das
pirâmides, mobilizando todos os meios para protegê-las dos ladrões. Havia motivos para essa preocupação:
nos túmulos, as múmias dos faraós ficavam cercadas de objetos de valor, despertando a cobiça de muitos. Os
túmulos dos reis eram ainda mais suntuosos, e em decorrência disso, para melhor protegê-los, passaram a ser
construídos dentro de enormes pirâmides.
[...] Impulsionados pelas forças do Alto, os círculos iniciáticos sugerem a construção das grandes
pirâmides, que ficariam como a sua mensagem eterna para as futuras civilizações do orbe. Esses
grandiosos monumentos teriam duas finalidades simultâneas: representariam os mais sagrados
templos de estudo e iniciação, ao mesmo tempo que constituiriam, para os pósteros,46 um livro do
passado, com as mais singulares profecias em face das obscuridades do porvir. 47
Quando analisamos esta civilização singular sob a ótica espiritual oferecida por Emmanuel,
passamos a refletir melhor sobre a real motivação do culto à morte entre os egípcios:
[...] Em nenhuma civilização da Terra o culto da morte foi tão altamente desenvolvido. Em todos
os corações morava a ansiedade de voltar ao orbe distante, ao qual se sentiam presos pelos mais
santos afetos. [...]48
Na sociedade egípcia, predominava o trabalho servil. O Estado, na figura do faraó, era o grande
detentor das terras. Para explorá-las, a população camponesa pagava impostos ao rei e para os templos, seja
por meio do trabalho, seja com produtos agrícolas.
Como já vimos, a religião desempenhava um papel significativo na sociedade, e em função disso a
sua influência se estendia para as questões econômicas. A título de exemplo dessa realidade, todo o
excedente agrícola era armazenado nos templos, sendo os sacerdotes os responsáveis por sua proteção e
distribuição.
45
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 4 — A civilização egípcia,
it. Os egípcios.
46
Pósteros: o que acontecerá; o que ainda não aconteceu, mas vai acontecer; porvindouro.
47
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 4 — A civilização egípcia,
it. As pirâmides.
48
______. ______. It. Os egípcios.
18
O culto aos animais era uma outra característica da religião egípcia. Para a cultura da época, o
verdadeiro animal sagrado é o próprio deus vivo, cuja existência era restrita apenas ao templo. O sacerdote
era o responsável pela escolha do animal de acordo com determinadas características comuns. No momento
em que o animal morria, outro era procurado. No entanto, não era qualquer animal, mas exatamente aquele
em que o “deus” havia “reencarnado”.
A crença na reencarnação já existia entre os egípcios. No papiro do escriba Anana, escrito há 1320
anos a.C., fica evidente esta realidade:
Os homens não vivem somente uma vez [...] eles vivem numerosas vezes e em numerosos lugares,
embora não seja sempre neste mundo. Entre duas vidas há um véu de obscuridade [...]. As almas
de uma vida podem encontrar-se outra vez, em outra encarnação.49
Emmanuel, no livro A Caminho da Luz, focaliza este aspecto fundamental da civilização egípcia:
O destino e a comunicação dos mortos e a pluralidade das existências e dos mundos eram, para
eles, problemas solucionados e conhecidos. O estudo de suas artes pictóricas 50positivam a
veracidade destas nossas afirmações. [...] Os papiros nos falam de suas avançadas ciências nesse
sentido, e, através deles, podem os egiptólogos modernos reconhecer que os iniciados sabiam da
existência do corpo espiritual preexistente, que organiza o mundo das coisas e das formas. [...]51
A religião politeísta, com muitas divindades, esteve presente em praticamente todas as manifestações
da sociedade. As cerimônias de nascimento, casamento, festas das comunidades e, sobretudo, as mortes, eram
sempre acompanhadas por ritos religiosos. Além disso, é necessário ressaltar apreciáveis descobertas feitas por
esta civilização no campo da medicina (ex.: teste de gravidez por meio da urina), da engenharia (ex.: construção
de um canal ligando o Mar Vermelho ao Mediterrâneo em 2500 anos a.C.), bem como na elaboração de um
calendário solar com 365 dias e 12 meses.
Por todas essas questões apresentadas, conclui-se que, dos exilados de Capela, esses espíritos
construtores desta civilização, eram os menos comprometidos espiritualmente com a lei de causa e efeito.
Sem dúvida alguma, isso contribuiu para que tivessem um entendimento mais fidedigno das questões
espirituais, o que resultou em um retorno mais rápido para a pátria espiritual de origem.
Em algumas centenas de ano, reuniram-se de novo, nos planos espirituais, os antigos degredados,
com a sagrada bênção do Cristo, seu patrono e salvador. A maioria regressa, então, ao sistema da
Capela, onde os corações se reconfortam nos sagrados reencontros das suas afeições mais santas e
mais puras, mas grande número desses Espíritos, estudiosos e abnegados, conservaram-se nas
hostes de Jesus, obedecendo a sagrados imperativos do sentimento e, ao seu influxo divino, muitas
vezes têm reencarnado na Terra, para desempenho de generosas e abençoadas missões. 52
49
CAMPOS, Sônia; PALHA, Graça. A História à Luz do Espiritismo: antiga e medieval. v. 1. 1. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2013. Cap. Um
Rio, um Povo, um Rei-Deus: O Egito, it. Religião.
50
Pictóricas: diz respeito à pintura.
51
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 4 — A civilização egípcia,
it. Os egípcios e as ciências psíquicas.
52
______. ______. it. Redenção.
19
CAPÍTULO 3
A HISTÓRIA DO POVO JUDEU
Objetivos
Ideias principais
Que vantagem há em ser judeu? Muita e de todos os pontos de vista. Em primeiro lugar, porque foi
a eles que foram confiados os oráculos 53 de Deus. – Paulo (Romanos, 3:1-2)
O Senhor disse a Abraão: “Sai da tua terra, da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que te
mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei o teu nome; sê uma
benção. (Gênesis, 12:1 a 2.)
O território no qual Abraão foi viver recebeu o nome de Canaã ou Terra Prometida. Com a morte do
patriarca, seu poder passou para o seu filho Isaque e deste para Jacó, que depois o passou para seus doze
filhos.
Interessante notar que para o entendimento da época, a cada geração Deus renovava o
relacionamento especial com o principal membro da família escolhida.
Foi exatamente o que aconteceu com Isaque quando enfrentou na terra de Canaã o problema da
fome. Na linguagem muito peculiar do livro Gênesis, Deus lhe apareceu e disse:
Não desças ao Egito; fica na terra que e te disser. Habita nesta terra, eu estarei contigo e te
abençoarei. Porque é a ti e à tua raça que eu darei todas estas terras e manterei o juramento que fiz
a teu pai Abraão. Eu farei a tua posteridade numerosa como as estrelas do céu, eu lhe darei todas
estas terras, e por tua posteridade serão abençoadas todas as nações da terra, porque Abraão me
obedeceu, guardou meus preceitos, meus mandamentos, minhas regras e minhas leis. (Gênesis,
26:2 a 5.)
53
Oráculos: profetas, reveladores.
20
A história de Jacó também apresenta um discurso divino contendo promessas direcionadas a ele de
modo especial:
Tua descendência se tornará numerosa como a poeira do solo; estender-te-ás para o Ocidente e o
Oriente, para o norte e o sul, e todos os clãs da terra serão abençoados por ti e por tua
descendência. (Gênesis, 28:14.)
Os dozes filhos de Jacó, considerados os legítimos descendentes de Abraão, formaram as doze tribos
judaicas. Um destes filhos, chamado José, foi vendido como escravo ao Faraó. No entanto, José não
permaneceu nesta condição por muito tempo, uma vez que o prestígio por ele alcançado fez com que se
tornasse administrador54 do Egito.
2. Israel no Egito
Por volta do ano 1700 a.C., o povo judeu migrou para o Egito em decorrência da fome. Em pouco
tempo, porém, tornaram-se tão numerosos no território estrangeiro que os faraós, preocupados com este
crescimento vertiginoso, submeteram os judeus a um período de dura escravidão que durou cerca de 400
anos.
No relato bíblico a seguir, é possível ter acesso a uma parte de tudo aquilo que os judeus foram
submetidos no Egito:
Mas, quanto mais os oprimiam, tanto mais se multiplicavam e cresciam, o que fez temer os
israelitas. Os egípcios obrigavam os israelitas ao trabalho, e tornavam-lhes amarga a vida com
duros trabalhos: a preparação da argila, a fabricação de tijolos, vários trabalhos nos campos, e toda
espécie de trabalhos aos quais os obrigavam. (Êxodo, 1:12 a 14.)
Para impedir o crescimento dos judeus no Egito, o Faraó ordenou que as parteiras matassem todos os
meninos que nascessem a partir de então. Todavia, elas não fizeram o que o soberano lhes havia ordenado e
este por sua vez decretou a todo o seu povo que jogassem no rio Nilo todo menino judeu que nascesse a
partir daquele instante.
3. Moisés
Moisés, um desses meninos jogado nas águas do Nilo, foi salvo curiosamente pela própria filha do
Faraó, sendo educado na corte. Mais tarde, Moisés se tornaria o libertador do povo judeu e o seu legislador.
Eis que a filha de Faraó desceu para se lavar no rio, enquanto as suas criadas andavam à beira do
rio. Ela viu o cesto entre os juncos e mandou uma de suas servas apanhá-lo. Abrindo-o, viu a
criança: era um menino que chorava. Compadecida, disse: “É uma criança dos hebreus!”. Então a
sua irmã disse à filha do Faraó: “Queres que eu vá e te chame uma mulher dos hebreus que possa
criar esta criança?”. A filha de Faraó respondeu: “Vai!”. Partiu, pois, a moça e chamou a mãe da
criança. A filha do Faraó lhe disse: “Leva esta criança e cria-a e eu te darei a tua paga.”. A mulher
recebeu a criança e a criou. Quando o menino cresceu, ela o entregou à filha de Faraó, a qual o
adotou e lhe pôs o nome de Moisés, dizendo: “Eu o tirei das águas.” (Êxodo, 2:5 a 10.)
Por volta de 1300 a.C., sob o comando de Moisés, cerca de 600 mil judeus foram libertados. Em
busca da Terra Prometida,atravessaram o Mar Vermelho e viveram cerca de 40 anos no deserto,
experimentando todas as dificuldades de uma vida peregrina.
Durante essa travessia pelo deserto, Moisés recebe as Tábuas da Lei, também conhecida como
Decálogo ou Dez Mandamentos, no Monte Sinai:
I. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei do Egito, da casa da servidão. Não tereis, diante de
mim, outros deuses estrangeiros. Não fareis imagem esculpida, nem figura alguma do que está
54
Gênesis, 41:40.
21
em cima do céu, nem embaixo da Terra, nem do que quer que esteja nas águas sob a terra. Não
os adorareis e não lhes prestareis culto soberano.
II. Não pronunciareis em vão o nome do Senhor, vosso Deus.
III. Lembrai-vos de santificar o dia do sábado.
IV. Honrai a vosso pai e a vossa mãe, a fim de viverdes longo tempo na terra que o Senhor vosso
Deus vos dará.
V. Não mateis.
VI. Não cometais adultério.
VII. Não roubeis.
VIII. Não presteis testemunho falso contra o vosso próximo.
IX. Não desejeis a mulher do vosso próximo.
X. Não cobiceis a casa do vosso próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o
seu asno, nem qualquer das coisas que lhe pertençam.
Os Dez Mandamentos permaneceram com os judeus durante toda a travessia do deserto. Antes de
morrer, Moisés nomeou Josué, filho de Num, como seu sucessor direto, a partir da “decisão de Deus”.
Ordenou, então, a Josué, filho de Num: “Sê forte e corajoso, pois tu introduzirás os israelitas na terra que eu
lhes havia prometido; quanto a mim, eu estarei contigo!” (Deuteronômio, 31:23.)
No relato bíblico, a fidelidade à Lei é a condição essencial para a ajuda divina a Josué:
Sê firme e corajoso, porque farás este povo herdar a terra que a seus pais jurei dar-lhes. Tão
somente sê de fato firme e corajoso, para teres o cuidado de agir segundo toda a Lei que te
ordenou Moisés, meu servo. Não te apartes dela, nem para a direita nem para a esquerda, para que
triunfes em todas as suas realizações. (Josué, 1:6 a 7.)
Em torno do século XIII a.C., Josué recebeu a ordem para atravessar o rio Jordão, levando o povo de
Israel para a Terra Prometida por Deus. No entanto, outros povos habitavam este território, e constantes
combates ocorreram.
Sob o comando de Josué, Israel derrotou os inimigos instalados em Canaã. A primeira medida após
este triunfo, foi distribuir as terras conquistadas entre as doze tribos.
Após a morte de Josué, houve um período em que as doze tribos de Israel foram governadas por
Juízes, em decorrência do abandono dos judeus ao culto do Deus único.
[...] Eu vos fiz subir do Egito e vos trouxe a esta terra que eu tinha prometido por juramento a
vossos pais. Eu dissera: Jamais quebrarei a minha aliança convosco. Quanto a vós, não fareis
aliança com os habitantes desta terra; ao contrário, destruireis os seus altares. No entanto, não
escutastes a minha voz. Por que fizestes isso? Por isso eu digo: não expulsarei estes povos de
diante de vós. Serão para vós adversários e os seus deuses serão uma cilada para vós. Assim que o
anjo do Senhor pronunciou essas palavras para todos os israelitas, o povo começou a clamar e a
chorar. (Juízes, 2:1 a 4.)
Nesse período de transição, destacou-se o último dos Juízes, Samuel, que introduziu uma nova forma
de governo e instituiu a monarquia. Assim sendo, Saul foi nomeado como o primeiro rei. Na realidade, esta
tinha sido a vontade do povo cuja adoração a outros deuses havia naquele momento substituído o culto ao
Deus único, contrariando a postura de seus antepassados.
Morto Saul, tendo sob seu reinado obtido vitórias e derrotas, foi Davi o escolhido para ser o rei de
Israel, iniciando assim um período de glórias para a nação. Mas o auge do poder em Israel foi no reinado de
seu filho Salomão, responsável, por exemplo, pela construção do primeiro templo de Jerusalém, entre os
anos de 970 e 931 a.C.
22
Tal foi a importância de seu reinado, que até mesmo Jesus, muito tempo depois, fez menção a
Salomão em uma de suas mensagens mais belas contidas no Novo Testamento:
E com relação à veste, por que vos inquietais? Examinai os lírios do campo como crescem! Não
labutam nem fiam. Eu, porém, vos digo que nem Salomão, em toda sua glória, vestiu-se como um
deles. Se a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao forno, Deus assim as veste, muito
mais a vós, homens de pouca fé. (Mateus, 6:28 a 30.)
Salomão reinou por quarenta anos em Jerusalém, tendo Israel unificada. No entanto, após a sua
morte, o reino foi dividido entre Roboão, seu filho, e Jeroboão, seu adversário; o primeiro contava com duas
tribos e o segundo com dez, tendo havido entre eles uma disputa permanente.
As tribos se organizaram, deste modo, em dois reinos distintos: o reino de Judá e o de Israel. O
reinado de Roboão deixou muito a desejar se compararmos com o de seu pai, Salomão. As nações
estrangeiras aproveitaram-se deste período de divisão e conflito e iniciaram um processo de expansão contra
as tribos de Israel.
Em virtude disso, depois de poucos anos de reinado, Roboão foi vencido pelo faraó Sisac, que
conquistou Jerusalém e se apropriou do templo e dos tesouros reais. Mais tarde, em 586 a.C.,
Nabucodonosor, rei da Babilônia, também conquistou Jerusalém e destruiu o templo de Salomão, deportando
como cativo a maioria do povo de Judá.
Após os anos de cativeiro na Babilônia, os judeus retornam à Palestina no ano de 538 a.C. Este
período inicial foi marcado por relativa estabilidade, o que possibilitou, por exemplo, a reconstrução do
templo de Salomão.
Nos séculos II e IV a.C., ocorreu a propagação da religião e cultura judaicas no Oriente Médio, em
decorrência da saída de vários judeus de sua terra natal por livre iniciativa.
Mas esse período de estabilidade sofreu um grande revés quando no ano 63 a.C., Jerusalém foi
conquistada pelo Império Romano. Por sua vez, no ano 6 d.C., toda a Judeia foi transformada em uma
província diretamente governada por Roma. Jerusalém que até aquele momento era semi-independente,
passaria agora a pertencer totalmente a Roma.
Em decorrência deste domínio de fato, ocorreu uma rebelião judaica no ano de 66 d.C. contra Roma.
Por um curto espaço de tempo, os judeus tiveram êxito e conseguiram libertar a Terra Santa da ocupação
romana. Entretanto, a partir dos anos 70 d.C., a reconquista do território pelo Império Romano foi absoluta,
culminando, inclusive, na destruição completa de Jerusalém.
Em última análise, este período foi marcado pela perda do que de mais sagrado havia para a religião
judaica. Vimos até aqui que o território para os judeus era revestido de uma singularidade religiosa, afinal,
era a Terra Prometida pelo Deus único desde o início com o patriarca Abraão.
Com todas as disputas, sejam elas de ordem interna — entre o próprio povo —, ou contra um
inimigo estrangeiro, o povo judeu já não tinha mais a força que havia sido alcançada no reinado de Davi, e,
sobretudo, no de Salomão. A dominação romana foi o estopim, e no ano 135 d.C. houve uma dispersão do
povo judeu para todos os continentes, circunstância histórica conhecida como Diáspora.
Embora o povo judeu tenha se espalhado pelo mundo, curiosamente foi mantida a coesão cultural e
religiosa. Dito de outra maneira, os judeus continuavam a ser uma nação mesmo sem ter um Estado.
Com a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), houve o maior genocídio da História: cerca de seis
milhões de judeus foram exterminados de maneira bárbara na Europa pelo Nazismo.
Este acontecimento que beirou a selvageria, justamente no século do “esplendor da civilização”,
como muitos consideravam ser o século XX, contribuiu decisivamente para que muitos judeus se tornassem
ateus, pois partiram da premissa de que se Deus existisse não permitiria que o holocausto acontecesse.
A partir de 1945, com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, o mundo pôde ter mais
detalhes das perversidades cometidas pelo Nazismo. A natural comoção ante as atrocidades contra os judeus
colaborou para o início de um novo debate em torno da urgência da nação judaica voltar a ter um território
próprio.
Neste contexto, em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU), aprovou um plano de partilha
da Palestina, a Canaã de outros tempos, e decretou a criação do Estado de Israel.
Contudo, havia um problema: existia ali uma população residente que em nenhum momento foi
consultada para saber se aceitava essa nova partilha. A decisão, porém, era irrevogável e muitos palestinos
perderam tudo que tinham para que o Estado de Israel fosse criado e novos moradores pudessem habitar.
Atualmente, estima-se que exista cerca de 13 milhões de judeus em todo o mundo, dentre os quais 4,5
milhões em Israel.
23
O Estado de Israel e a Palestina, de maioria muçulmana, estão permanentemente em estado de
conflito, tendo alguns períodos de relativa estabilidade e outros de profunda tensão que pode acarretar a
qualquer momento em uma guerra.
Somente o diálogo fraterno e o desejo de superar o passado será capaz de superar este desafio da
atualidade.
4. A visão espírita
A lei do Antigo Testamento está personificada em Moisés, a do Novo Testamento está no Cristo; o
Espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus, mas não está personificada em nenhum
indivíduo, porque é o produto do ensinamento dado, não por um homem, mas pelos espíritos, que
são as vozes do céu, sobre todos os pontos da Terra, e por uma multidão inumerável de
intermediários. [...]55
Os Dez Mandamentos são o alicerce da religião judaica. Por essa razão, o Judaísmo foi a primeira
religião monoteísta da Humanidade, pois no primeiro mandamento está explícita a obrigação de adorar e
obedecer a um único Deus. Em outras passagens, podemos notar que a crença no Deus único não é uma
escolha, mas uma questão de fidelidade absoluta a Deus:
Ouve, ó Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor! Portanto, amarás ao Senhor teu Deus com
todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força. Que estas palavras que hoje te
ordeno estejam em teu coração. Tu as inculcarás aos teus filhos, e delas falarás sentado em tua
casa e andando em teu caminho, deitado e de pé. Tu as atarás também à tua mão como um sinal, e
serão como um frontal entre os teus olhos; tu a escreverás nos umbrais da tua casa, e nas tuas
portas. (Deuteronômio, 6:4 a 9.)
Hoje em dia, apesar das inúmeras concepções divergentes, a crença no Deus único é seguida pelas
principais religiões do mundo. Entretanto, há três mil anos esta prática era revolucionária para os costumes
da época.
Allan Kardec a este respeito teve a ocasião de afirmar:
Todos os outros povos da Antiguidade, até então, acreditavam em deuses e os retratavam por meio
de imagens, estátuas, pinturas e gravuras. Neste contexto, a ideia primitiva da divindade era de natureza
antropomórfica. Em outras palavras, Deus é imaginado e descrito sob a forma humana e com atributos
humanos.
Emmanuel, no livro A Caminho da Luz, esclarece:
[...] Moisés, com a expressão rude da sua palavra primitiva, recebe do mundo espiritual as Leis
básicas do Sinai, construindo desse modo o grande alicerce do aperfeiçoamento moral do mundo;
e Jesus, no Tabor, ensina a Humanidade a desferir, das sombras da Terra, o seu voo divino para as
luzes do Céu.57
Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, no comentário da questão 668, faz uma análise geral de
como a crença em vários deuses estava condicionado ao patamar evolutivo da época:
A palavra deus possuía, entre os antigos, uma acepção muito ampla; não era, como atualmente,
uma personificação do Senhor da Natureza. Era uma qualificação genérica, dada a qualquer ser
existente fora das condições da Humanidade; ora, as manifestações espíritas tendo-lhes revelado a
existência de seres incorpóreos que agiam como potência da Natureza, chamaram-nos deuses,
como os chamamos espíritos. É uma simples questão de palavras, com a diferença de que, na sua
55
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. I, it. 6.
56
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XVIII,
it. 2.
57
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 7 — O povo de Israel, it.
O Judaísmo e o Cristianismo.
24
ignorância, intencionalmente mantida por aqueles que nisso tinham interesse, eles lhes ergueram
templos e altares muito lucrativos. Entretanto, para nós, trata-se de simples criaturas como nós,
mais ou menos perfeitas e despojadas dos seus envoltórios terrestres. [...]58
Os israelitas deveriam, pois, ser o exemplo de como se deve viver em harmonia com Deus e com os
outros povos. Mas o autointitulado “Povo Escolhido de Deus”, convicto de sua “superioridade espiritual”,
optou por não se relacionar com os outros povos por considerá-los “inferiores”.
[...] somos naturalmente levados a perguntar o porquê da preferência de Jesus pela árvore de Davi,
para levar a efeito as suas divinas lições à Humanidade; mas a própria lógica nos faz reconhecer
que, de todos os povos de então, sendo Israel o mais crente, era também o mais necessitado, dada a
sua vaidade exclusivista e pretensiosa. [...]59
O povo de Israel sempre teve a esperança da vinda de um messias, um missionário responsável por
estabelecer no mundo um reino de paz e de justiça. Este é um dos temas centrais do Antigo Testamento e até
hoje constitui um dos fundamentos da fé do povo judeu.
Léon Denis, no livro Depois da Morte, apresenta uma noção geral do povo judeu que ratifica o papel
importante de sua missão, bem como os desafios que devem ser superados ainda hoje:
O papel do povo de Israel é considerável. Sua história é como o traço de união que religa o Oriente
ao Ocidente, a ciência secreta dos templos à religião vulgarizada. Apesar de suas desordens e de
suas máculas, a despeito do sombrio exclusivismo que é um dos lados do seu caráter, ele mereceu
ter adotado, até encarnar ele próprio, esse dogma da unidade de Deus, cujas consequências
ultrapassarão suas vistas e prepararão a fusão dos povos em uma família universal, sob um mesmo
Pai, sob uma única Lei.60
A Doutrina Espírita nos esclarece que há um espírito de sequência da revelação da Lei de Deus.
Compreender a história dos judeus não é importante apenas para nos oferecer informações históricas, mas
para nos esclarecer que, considerando a Doutrina Espírita como a Terceira Revelação da Lei de Deus, é
necessário compreender as duas revelações anteriores.
Emmanuel, na sua capacidade única de sintetizar ideias complexas, demonstra que entre o Judaísmo,
o Cristianismo e a Doutrina Espírita, há um espírito de sequência, sob os desígnios da Providência Divina:
Até agora, a Humanidade da Era Cristã recebeu a grande Revelação em três aspectos essenciais:
Moisés trouxe a missão da Justiça; o Evangelho, a revelação insuperável do Amor, e o Espiritismo,
em sua feição de Cristianismo Redivivo, traz, por sua vez, a sublime tarefa da Verdade. No centro
das três revelações encontra-se Jesus Cristo, como o fundamento de toda a luz e de toda a
sabedoria. É que, com o Amor, a Lei manifestou-se na Terra no seu esplendor máximo; a Justiça e
a Verdade nada mais são que os instrumentos divinos de sua exteriorização, com aquele Cordeiro
de Deus, alma da redenção de toda a Humanidade. A Justiça, portanto, lhe aplainou os caminhos, e
a Verdade, conseguintemente, esclarece os seus divinos ensinamentos. Eis por que, com o
Espiritismo simbolizando a Terceira Revelação da Lei, o homem terreno se prepara, aguardando as
sublimadas realizações do seu futuro espiritual, nos milênios porvindouros. 61
58
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário de
Kardec à q. 668.
59
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 7 — O povo de Israel, it.
— A escolha de Israel.
60
DENIS, Léon. Depois da Morte. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho.3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 1, cap.VI — O
Cristianismo.
61
XAVIER, Francisco C. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016.Cap. 3 — Religião, Q.271.
25
GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO II
PRECURSORES DO CRISTIANISMO
"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução,
mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por
escrito da Instituição."
26
CAPÍTULO 4
A CIVILIZAÇÃO GREGA E O NASCIMENTO DA
FILOSOFIA
Objetivos
Ideias principais
Sócrates, personagem central da filosofia, nos adverte que uma vida impensada, não examinada por
quem a vive, não vale a pena ser vivida. Esta é uma declaração realmente forte, mas que merece ser
mencionada para demonstrar que o ponto de partida da filosofia foi este.
Vamos agora definir a Filosofia: (do grego, philos = amante e shopia = saber). Isto sugere a
Filosofia como amor pela sabedoria, condição experimentada apenas pelo ser humano:
[...] o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e outros animais que vivem
juntos. A natureza, que nada faz em vão, concedeu apenas a ele o dom da palavra [logos], que não
devemos confundir com o dom da voz. [...] A natureza deu-lhes um órgão limitado a este único
efeito; nós, porém, temos a mais, senão o conhecimento desenvolvido, pelo menos o sentimento
obscuro do bem e do mal, do útil e do nocivo, do justo e do injusto, objetos para a manifestação
dos quais nos foi principalmente dado órgão da fala. [...]63
Há um consenso entre os estudiosos de que a palavra Filosofia foi criada pelo filósofo grego
Pitágoras (570–495 a.C.).
Léon Denis observa que o “[...] Saber é o bem supremo, e todos os males provêm da ignorância”.65
O verdadeiro sábio tem a humildade de reconhecer a sua ignorância com relação a infinidade de
conhecimentos que ainda não tem domínio. A sabedoria é uma poderosa aquisição que aos poucos, nas
sucessivas vidas, dependendo de nossas escolhas existenciais, poderemos alcançar.
A felicidade suprema é a consequência da conquista da sabedoria infinita, realidade ainda inexistente
em nosso planeta de provas e expiações. Mas, se é caminhando que se faz o caminho, não podemos deixar
de trilhá-lo, eis porque não há um tempo definido para refletir sobre a vida e o seu significado
maior:
Que nenhum jovem adie o estudo da filosofia, e que nenhum velho se canse dela; pois nunca é
demasiado cedo nem demasiado tarde para cuidar do bem-estar da alma. O homem que diz que o
tempo para este estudo ainda não chegou ou já passou é como o homem que diz que é demasiado
cedo ou demasiado tarde para a felicidade. Logo, tanto o jovem como o velho devem estudar
filosofia, o primeiro para que à medida que envelhece possa mesmo assim manter a felicidade da
juventude nas suas memórias agradáveis do passado, o último para que apesar de ser velho possa
ao mesmo tempo ser jovem em virtude da sua intrepidez perante o futuro. (EPICURO. Carta a
Meneceu.)66
62
BARBOSA, Pedro F. Espiritismo básico. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. O Espiritismo Filosófico.
63
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
64
XAVIER, Francisco C. Pensamento e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 4 — Instrução.
65
DENIS, Léon. No Invisível: espiritismo e mediunidade. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011.
Cap. XXII — Prática e Perigos da Mediunidade, p. 359.
66
Disponível em: http://criticanarede.com/html/meneceu.html
28
3. Sócrates (469-399 a.C.)
Sócrates, da mesma forma que o Cristo, nada escreveu, ou, pelo menos, não deixou nenhum
escrito. Como o Cristo, teve a morte dos criminosos, vítima do fanatismo, por haver atacado as
crenças existentes e posto a virtude real acima da hipocrisia e da aparência das formas, em uma
palavra, por haver combatido os preconceitos religiosos. Como Jesus, foi acusado pelos fariseus de
corromper o povo com os seus ensinamentos. Sócrates também foi acusado pelos fariseus do seu
tempo — porque eles existiram em todas as épocas — de corromper a juventude, ao proclamar o
dogma da unidade de Deus, a imortalidade da alma e a vida futura. 67
Se há uma questão pela qual não podemos duvidar, é que a Filosofia nasceu na Grécia e adquiriu sua
forma clássica com Platão, sob a inspiração original de Sócrates. É importante considerarmos isso, pois em O
Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec é categórico ao afirmar que Sócrates e Platão são os
precursores da ideia cristã e do Espiritismo.
Além disso, a Doutrina Espírita além de ser uma Ciência e uma Religião, é também uma Filosofia.
Por esse motivo, nada mais natural conhecermos mais sobre os seus pais fundadores.
Sócrates nasceu em Atenas, na Grécia, por volta de 469 a.C. e morreu em 399 a.C.
Embora seja considerado um dos homens mais sábios que já existiram, só temos conhecimento de
suas ideias por intermédio dos seus alunos. Platão foi um deles e se tornou o seu principal divulgador.
Praticamente nada se conhece da primeira metade da vida de Sócrates. É somente com o início da
Guerra do Peloponeso, em 431 a.C., quando Sócrates já contava mais de 35 anos, que a sua vida começa a
surgir na cena histórica. Entretanto, o que está bem documentado é o processo que desencadeou a sua morte,
momento em que a grandeza de seus ideais se revela de modo especial.
Depois de perder a guerra do Peloponeso para Esparta, os atenienses, acostumados com as glórias do
passado, tiveram uma crise de identidade. A valorização do conhecimento e a busca pela sabedoria, cedeu
lugar para um novo estilo de vida; a beleza física, o bem-estar e a idealização do passado passaram a ter mais
importância. Como Sócrates era um crítico aberto desse estilo de vida, cultivou naturalmente em torno dele
uma quantidade razoável de adversários. Pensando bem, você já reparou que todos aqueles que vieram à
Terra, em todas as épocas da Humanidade, para colaborar para o progresso intelecto-moral, sofreram as mais
variadas perseguições e incompreensões?
Em 399 a.C., Sócrates foi preso e conduzido a julgamento, sob a acusação de não ser religioso e de
corromper os jovens da cidade.
Considerado culpado, foi sentenciado à pena de morte por envenenamento. Todavia, apesar de ter
tido a possibilidade de fugir do próprio cárcere, Sócrates preferiu, sem duvidar em nenhum instante, tomar o
copo de cicuta.69
67
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Introdução,
it. IV — Sócrates e Platão, precursores da ideia cristã e do Espiritismo.
68
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 10 — A Grécia e a missão
de Sócrates, it. Sócrates.
69
Cicuta: designa espécies de um gênero de plantas venenosas.
70
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 10 — A
Grécia e a missão de Sócrates, it. Sócrates.
29
4. Platão (429-347 a.C.)
“Sócrates reflete-se nas páginas dos discípulos que lhe comungavam a intimidade, e, ainda hoje,
consumimos os elevados pensamentos de que foi ele o portador.”71
Platão nasceu em Atenas, por volta de 429 a.C. em uma família da elite grega. Devido a sua classe
social ser privilegiada, foi educado por professores renomados. No entanto, nenhum pensador teve maior
impacto sobre ele como Sócrates, por causa de sua habilidade em debater e produzir diálogos que geravam
sempre uma reflexão profunda. Se sabemos algo a respeito de Sócrates, devemos isso a Platão, pois os seus
trabalhos escritos se tornaram a principal fonte de informações.
A família de Platão, como representante da aristocracia ateniense, esperava que ele seguisse carreira
política. Contudo, dois eventos políticos modificaram o curso dos acontecimentos: a Guerra do Peloponeso,
cuja vitória foi de Esparta sobre Atenas, trazendo como consequência o afastamento de muitos parentes de
Platão do governo vencido, acusados de corrupção, além da já mencionada execução de Sócrates em 399
a.C. pelo novo governo ateniense.
Diante deste novo cenário, Platão abandonou de vez qualquer pretensão política e se dedicou a tarefa
de escrever e viajar. Na Sicília, estudou com Pitágoras e, quando retornou a Atenas, fundou a chamada
Academia, uma escola onde ele e outros cidadãos ensinavam e debatiam sobre Filosofia e Matemática.
Como Sócrates, Platão também acreditava que a Filosofia era um processo de contínuo
questionamento e diálogo. Seus trabalhos foram concebidos de acordo com esta característica.
Vejamos um exemplo:
Sócrates — Por conseguinte, se alguém declara que a justiça significa restituir a cada um o que lhe
é devido, e se por isso entende que o homem justo deve prejudicar os inimigos e ajudar os amigos,
não é sábio quem expõe tais ideias. Pois a verdade é bem outra: que não é lícito fazer o mal a
ninguém e em nenhuma ocasião.
Polemarco — Estou de pleno acordo.
[...]
Sócrates — Porém, visto que nem a justiça nem o justo nos pareceram significar isso, como
poderemos defini-los? (PLATÃO. A república).
Em sua filosofia, Platão buscava por verdades imutáveis, as únicas capazes de levar à estabilidade e
à sabedoria. Platão sugere ainda que a verdade é proveniente de uma entidade abstrata ou imaterial:
O Universo para Platão é criação de uma entidade divina conhecida como Demiurgo. Platão estava
convencido de que o Universo não era uma obra do acaso; pelo contrário: o Universo tal como o
conhecemos, dizia ele, é fruto de um propósito próprio, ou mesmo reflete o propósito de seu Criador.
No livro A Caminho da Luz, Emmanuel faz uma análise psicológica da missão de Platão na Terra:
[...] A História louva os discursos de Platão, mas nem sempre compreendeu que ele misturou a
filosofia pura do mestre com a ganga das paixões terrestres, enveredando algumas vezes por
complicados caminhos políticos. Não soube, como também muitos dos seus companheiros,
conservar-se ao nível de alta superioridade espiritual, chegando mesmo a justificar o direito
tirânico dos senhores sobre os escravos, sem uma visão ampla da fraternidade humana e da família
universal.
71
_______. Pensamento e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 4 — Instrução, p. 20.
72
GLEISER, Marcelo. A ilha do conhecimento: os limites da ciência e a busca por sentido. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2014. In:
Platão.
30
Contudo, não deixou de cultivar alguns dos princípios cristãos legados pelo grande mentor,
antecipando-se ao apostolado do Evangelho, antes de entregar a sua tarefa doutrinária a
Aristóteles, que ia também trabalhar pelo advento do Cristianismo. 73
5. A Filosofia e a Moral
Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir ao
arrastamento do mal?
“Um sábio da Antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”74
O livre-arbítrio é definido como “a faculdade que tem o indivíduo de determinar a sua própria
conduta”, ou, em outras palavras, a possibilidade que ele tem de, “entre duas ou mais razões
suficientes de querer ou de agir, escolher uma delas e fazer que prevaleça sobre as outras”. 76
O livre-arbítrio aumenta à medida que o Espírito se adianta — não apenas em conhecimentos, mas
principalmente em moralidade. [...]77
73
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 10 — A Grécia e a missão
de Sócrates, it. Os discípulos.
74
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011.Q. 919.
75
XAVIER, Francisco C. Pensamento e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 10 — Entendimento.
76
CALLIGARIS, Rodolfo. As leis morais: segundo a filosofia espírita. 15. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 35 — O livre-arbítrio.
77
AMORIM, Deolindo. Análises espíritas. (Compilação de. Celso Martins). 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 16 — A liberdade
espiritual e as contenções corporais.
31
A Filosofia ensina que a moral é o pensamento livre sobre a vida. A Espiritualidade superior vai
além desta definição:
A moral é a regra para bem se conduzir, isto é, para a distinção entre o bem e o mal. Ela está
fundamentada na observância da lei de Deus. O homem procede bem, quando faz tudo
intencionalmente para o bem de todos, porque, então, cumpre a lei de Deus. 78
A coragem moral é a capacidade de superar as próprias fraquezas e fazer o que se sabe que é certo,
mesmo quando o preço a pagar seja a incompreensão. Moralidade é você agir corretamente mesmo quando
ninguém está lhe observando.
Por sua vez, moralismo e relativismo moral são coisas bem diversas.
O moralismo se utiliza da moral para pregar a intolerância e o preconceito. Jesus, em seu tempo, a
todo momento combateu àqueles que preconizavam ideias louváveis, sem, contudo, praticá-las em sua
própria vida:
Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo para que também o exterior se torne limpo. Ai de
vós, escribas e fariseus, hipócritas, que vos assemelhais a sepulcros caiados, os quais se mostram
vistosos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda a impureza. Assim,
também vós, por fora vos mostrais justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e
iniquidade. (Mateus, 23:25 a 28.)
O mundo atual também está mergulhado na cultura do relativismo moral. De acordo com esta
concepção, não existem mais certezas, nem valores pelos quais podemos seguir. O certo e o errado são
apenas conceitos vagos que variam de pessoa para pessoa.
Por outro lado, a moral espírita é a moral do Cristianismo. E nada melhor que deixar que a
mensagem insuperável do Cristo possa concluir o verdadeiro sentido da moral, na sua mais pura expressão:
Seja, porém, a vossa palavra sim, sim; não, não; o que excede disso é do mal. Ouvistes que foi
dito: “Olho por olho e dente por dente”. Eu, porém, vos digo para não se opor ao malvado. Pelo
contrário, ao que te bater na face direita, vira-lhe também a outra. E ao que deseja levar-te a juízo,
para tomar-te a túnica, deixa-lhe também o manto. E quem te compelir a caminhar uma milha, vai
com ele duas. Dá ao que te pede e não dês as costas ao que deseja tomar-te um empréstimo.
Ouvistes que foi dito: “Amarás o teu próximo” e “Odiarás o teu inimigo”. Eu, porém, vos digo:
Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai,
que está nos céus, já que seu sol desponta sobre maus e bons, e cai chuva sobre justos e injustos.
(Mateus, 5: 37 a 45.)
78
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Q. 629.
32
GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO III
"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução,
mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por
escrito da Instituição."
33
CAPÍTULO 5
JESUS: O GUIA E MODELO DA HUMANIDADE
Objetivos
Ideias principais
1. A missão de Jesus
Jesus é para o homem o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus
no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a mais pura expressão de
sua lei, porque ele era animado pelo espírito divino e o ser mais puro de todos os que apareceram
na Terra.79
A Espiritualidade superior é bastante clara quando o assunto diz respeito a missão de Jesus. Podemos
iniciar com a resposta célebre contida em O Livro dos Espíritos:
Qual é o tipo mais perfeito que Deus tenha oferecido ao homem, para lhe servir de guia e de
modelo?
“Vede Jesus.”80
Veremos a seguir com riqueza de detalhes, que com a Doutrina Espírita, a Humanidade tem a
possibilidade de compreender a figura inigualável de Jesus a partir de um aspecto mais complexo e
revelador.
Já não é mais aceitável considerá-lo apenas como um líder religioso, e afirmamos isso por uma
simples razão: a dimensão espiritual de Jesus e a sua missão insuperável de amor, representaram uma Nova
Era para a Humanidade.
79
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário de
Kardec à q. 625.
80
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Q. 625.
34
— Antes de tudo, precisamos compreender que Jesus não foi um filósofo e nem poderá ser
classificado entre os valores propriamente humanos, tendo-se em conta os valores divinos de sua
hierarquia espiritual, na direção das coletividades terrícolas.81, 82
Jesus, ao encarnar na Terra, foi o único homem integralmente feito à imagem e semelhança de Deus.
Em outras palavras, quando Allan Kardec afirma que Jesus era animado pelo Espírito Divino, significa dizer
que seus ensinamentos e ações estavam em absoluta sintonia com Deus.
“Tendo Jesus a missão de transmitir aos homens o pensamento de Deus, sua doutrina pura pode
sozinha ser a expressão desse pensamento. [...]”83
Sem dúvida alguma, a missão de Jesus tinha um caráter libertador. Não era propriamente a libertação
de um povo por meio de uma revolução, mas de toda a Humanidade por meio do amor e da paz,
estabelecendo os fundamentos espirituais da Nova Era: “Porque o filho do homem veio salvar o que está
perdido.” (Mateus, 18:11.)
A proposta renovadora de Jesus indica que o caminho a ser feito em direção a Deus se dá no interior
de cada um de nós, pelas transformações íntimas que alcançamos por meio da vivência plena de seus
ensinamentos.
O próprio Cristo afirmou: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por
mim.” (João, 14:6.)
A mensagem de Jesus, mesmo passados mais de dois mil anos, continua sendo a bússola
imprescindível para a nossa evolução espiritual:
Enquanto os reis terrestres têm um reino com períodos definidos pelas circunstâncias, ou pelo
próprio tempo de vida dos monarcas, o reinado de Jesus é perene, pois seu foco é o espírito
imortal.86
Na questão 11 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec faz a seguinte indagação à Espiritualidade:
“Quando seu espírito não for mais obscurecido pela matéria e, por sua perfeição, tiver se aproximado
dele, então, ele o verá e o compreenderá.”
Jesus chegou a este patamar de perfeita comunhão com Deus. Algumas tradições religiosas
consideram que Jesus seja Deus, apesar de em vários momentos o próprio Cristo estabelecer uma hierarquia
absoluta entre Ele e o Pai. É inegável, porém, que Jesus ao falar, curar e amar, concretizava Deus no
cotidiano humano.
81
Terrícola: que vive na terra.
82
XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 4. Imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 3 — Religião, q. 283.
83
KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XVII, it. 26.
84
Perquirições: pesquisas, investigações.
85
XAVIER, Francisco C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 1. Imp. Brasília: FEB, 2016. Interpretação dos textos
sagrados, p. 14.
86
22º Encontro Espírita sobre Jesus — trecho da mensagem psicográfica recebida pelo médium Mário Coelho, em 9 de novembro
de 2014, no Centro Espírita Léon Denis.
35
2. A vida e a época de Jesus
Jesus é o Governador Espiritual do Planeta, em cujas mãos estão os destinos de toda a humanidade
terrena. Tomando como referência este princípio, quando analisamos a vida e a época de Jesus, é
fundamental não nos limitarmos apenas à pesquisa histórica, embora ela seja uma importante fonte de
informações.
A revelação espiritual acerca da vida de Jesus e de sua missão contribui para que possamos
preencher algumas lacunas que a pesquisa histórica ainda não consegue solucionar. Neste sentido, para a
reconstituição do “Jesus real”, reestabelecendo a legítima compreensão da essência do Cristianismo,
buscaremos conciliar, na medida do possível, a pesquisa histórica e a revelação espiritual.
87
XAVIER, Francisco C. Crônicas de além-túmulo. Pelo Espírito Humberto de Campos. 17. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 15 – A
ordem do Mestre, p. 82.
88
“Nos tempos hebraicos, a locução Espírito Santo era uma expressão familiar aos hebreus, significando tanto a manifestação
pessoal de Deus por um ato qualquer, como a inspiração divina, o próprio sopro de Deus.”In: LIMA, Antônio. Vida de Jesus. 5. ed.
Rio de Janeiro: FEB, 2002.
89
DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Nota da Editora: todas as citações do Novo
testamento inseridas neste capítulo foram extraídas dessa fonte. Neste sentido, para uma melhor fluidez do texto, não iremos
repetir essa referência.
36
Começava a era definitiva da maioridade espiritual da humanidade terrestre, uma vez que Jesus,
com a sua exemplificação divina, entregaria o código da fraternidade e do amor a todos os
corações.90
Como já afirmamos anteriormente, certas passagens da vida de Jesus não são detalhadamente
apresentadas nos evangelhos. Em virtude disso, é necessário apresentar as passagens existentes,
complementando-a com o que a revelação espiritual tem nos oferecido até o momento:
Ora, seus genitores dirigiam-se a Jerusalém, anualmente, para a festa da Páscoa. Quando
completou doze anos, eles subiram {para Jerusalém}, segundo o costume da festa, porém,
terminados os dias, ao regressarem, permaneceu o menino Jesus em Jerusalém, sem que o
soubessem seus genitores. Todavia, supondo que ele estivesse na caravana dos viajores,
percorreram o caminho de um dia; e novamente o procuraram entre os parentes e os conhecidos.
Não o encontrando, regressaram a Jerusalém, procurando-o novamente. Decorridos três dias, eles
o encontraram no Templo, sentando em meio aos mestres, ouvindo-os e interrogando-os; e todos
os que o ouviam espantavam-se com a sua compreensão e com as suas respostas. Ao vê-lo,
surpreenderam-se, e sua mãe lhe perguntou: Filho, por que agiste assim conosco? Eis que teu pai e
eu, aflitos, te procurávamos. Ele lhes respondeu: Por que me procuravam? Não sabiam que eu
preciso estar nas coisas do meu Pai? Eles, porém, não compreenderam as palavras que ele lhes
dissera. Então, desceu com eles, indo para Nazaré e submetendo-se a eles. Sua mãe, porém,
guardava todas essas coisas em seu coração. Jesus progredia em sabedoria, em estatura e em graça,
junto a Deus e aos homens. (Lucas, 2:41 a 52.)
90
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 12 — A vinda de Jesus, it.
A manjedoura.
91
Nota da Editora: conhecido também como mar de Tiberíades e lago de Genesaré.
37
Por estarem proibidos de frequentar o Templo de Jerusalém, os samaritanos, sob o comando de um
sacerdote de Sião, construíram um santuário em cima do monte Garizim, no centro da Samaria, para rivalizar
com o da Judeia.
Foi neste local que Jesus esteve por alguns dias e estabeleceu um de seus diálogos mais notáveis:
[...] {ele} deixou a Judeia e partiu novamente para a Galileia. Era necessário ele passar pela
Samaria. Assim, dirigiu-se a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, próximo do lugar que Jacó
deu a José, seu filho. Estava ali a fonte de Jacó. Desse modo, Jesus, cansado da jornada, estava
sentado sobre a fonte; era quase a hora sexta. Vem uma mulher da Samaria tirar água. Jesus lhe
diz: Dá-me de beber. Pois os seus discípulos haviam ido à cidade, a fim de comprarem alimentos.
Assim, a mulher samaritana lhe diz: Como tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher
samaritana? — pois judeus não se associam com samaritanos. Em resposta, Jesus lhe disse: Se
conhecesses o dom de Deus, e quem é aquele que te diz “Dá-me de beber”, tu lhe pedirias e {ele}
te daria água viva. {Ela} lhe diz: Senhor, nem tens vasilha e o poço é profundo; portanto, donde
tens a água viva? Porventura, tu és maior do que nosso pai Jacó, que nos deu do poço, do qual ele
mesmo bebeu, como também seus filhos, e seu rebanho? Em resposta, disse-lhe Jesus: todo aquele
que bebe desta água terá sede novamente. Mas, quem beber da água que eu lhe der se tornará, nele,
uma fonte da água jorrando para a vida eterna. (João, 4:3 a 14.)
Esse diálogo contido no o livro Boa Nova, demonstra o quanto a mensagem de Jesus soava como um
absurdo para os poderosos da época. Podemos também notar que embora Jesus pudesse ter a capacidade de
ação ilimitada, diante da sua superioridade espiritual, em todos os momentos elegeu a cooperação como
princípio fundamental de sua missão gloriosa.
João Batista foi o seu precursor:
João, de fato, partiu primeiro, a fim de executar as operações iniciais para grandiosa conquista.
Vestido de peles e alimentando-se de mel selvagem, esclarecendo com energia e deixando-se
degolar em testemunho à Verdade, ele precedeu a lição da misericórdia e da bondade. O Mestre
dos mestres quis colocar a figura franca e áspera do seu profeta no limiar de seus gloriosos
ensinos e, por isso, encontramos em João Batista um dos mais belos de todos os símbolos imortais
do Cristianismo. [...]93
92
XAVIER, Francisco C. Boa Nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 37. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 3 — Primeiras
pregações, p. 24.
9393
XAVIER, Francisco C. Boa Nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 37. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 2 —
Jesus e o precursor, p. 21.
38
João Batista se notabilizou como um ardoroso pregador da vinda do Messias escolhido por Deus. A
sua pregação irritava os poderosos da época, dentre os quais, os sacerdotes acostumados com os privilégios
que a condição religiosa lhes proporcionava.
Podemos ter a dimensão do testemunho de João Batista na citação a seguir:
Este é o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram sacerdotes e levitas de Jerusalém,
para o interrogarem: Quem és tu? Ele confessou e não negou; confessou: Eu não sou o Cristo. E
interrogaram-no: Então, quem {és}? Tu és Elias? Ele diz: Não sou. Tu és o Profeta? Respondeu:
Não. Disseram-lhe, então: Quem és, para darmos uma resposta aos que nos enviaram? Que dizes a
respeito de ti mesmo? Disse: Eu sou Voz que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor,
como disse o profeta Isaías. E os que tinham sido enviados eram dos fariseus. Interrogaram-no, e
disseram-lhe: Então por que batizas, se não és o Cristo, nem Elias, nem o Profeta? Respondeu-lhes
João, dizendo: Eu mergulho na água. No meio de vós, está quem vós não conheceis, aquele que
vem depois de mim, do qual não sou digno de desatar a correia das sandálias. (João, 1:19 a 27.)
BEM-AVENTURANÇAS
E, levantando os olhos para os seus discípulos, dizia: Bem-aventurados os pobres, porque vosso é
o Reino de Deus. Bem-aventurados vós que tendes fome agora, porque sereis saciados. Bem-
aventurados vós que chorais agora, porque rireis. Bem-aventurados sois quando os homens vos
odiarem, e quando vos excluírem, vos injuriarem e repelirem o vosso nome como mau, por causa
do filho do homem. Alegrai-vos naquele dia e saltai {de alegria}, pois — eis que — {é} grande a
vossa recompensa no Céu: [...] Todavia, ai de vós, os ricos, porque estais recebendo a vossa
consolação. Ai de vós, os que estais fartos, porque tereis fome. Ai de vós, os que estão rindo agora,
porque estareis aflitos e chorareis. (Lucas, 6:20 a25.)
Quando Cristo disse: “Bem-aventurados os aflitos, o reino dos céus lhes pertence”, ele não se
referia aos sofredores em geral, pois todos os que estão na Terra sofrem, quer estejam sobre um
trono ou na miséria; porém, poucos sabem sofrer, poucos compreendem que só as provas bem
toleradas podem conduzi-los ao reino de Deus. O desânimo é um erro; Deus vos recusa
consolações se vos falta coragem. A prece é um sustentáculo para a alma, mas não é suficiente, é
preciso que ela seja apoiada sobre uma fé viva na vontade de Deus. Muitas vezes vos foi dito que
ele não envia um fardo pesado para ombros frágeis; o fardo é proporcional às forças, como a
recompensa é proporcional à resignação e à coragem. A recompensa será tanto mais grandiosa
quanto mais penosa for a aflição, mas é preciso merecer essa recompensa; é por isso que a vida é
cheia de adversidades.
O militar que não é enviado para a luta não fica contente, porque o repouso no campo não lhe
proporciona nenhuma promoção; sede, pois, como o militar e não procureis um repouso no qual
vosso corpo se enfraqueceria e vossa alma se embotaria. Ficai satisfeitos quando Deus vos envia à
luta. Essa luta não é o fogo da batalha, mas as aflições da vida onde, muitas vezes, é necessário ter
mais coragem que em um sangrento combate, porque aquele que permanece firme diante do
inimigo, cederá sob a pressão de um sofrimento moral.
O homem não tem recompensas por essa espécie de coragem, mas Deus lhe reserva os louros da
vitória e um lugar glorioso. Quando vos chegar um motivo de dor ou de contrariedade, esforçai-
vos para superá-lo, e quando chegardes a dominar os impulsos da impaciência, da cólera ou do
desespero, dizei com uma justa satisfação: “Eu fui o mais forte”.
“Bem-aventurados os aflitos” pode, portanto, ser assim traduzido: Bem-aventurados aqueles que
têm o ensejo de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão à vontade de Deus,
pois eles terão centuplicada a alegria que lhes falta na Terra, e, após o trabalho, virá o repouso. 94
94
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010.
39
PARÁBOLA DO TRIGO E DO JOIO
Outra parábola propôs-lhes, dizendo: O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou
boa semente no seu campo. Dormindo, porém, os homens, veio o seu inimigo e semeou joio no
meio do trigo e partiu. Quando germinou o ramo e produziu fruto, então apareceu também o joio.
Aproximando-se os servos do senhor da casa, disseram-lhe: Senhor, não semeaste boa semente no
teu campo? De onde, portanto, terá vindo o joio? E ele lhes disse: Um homem inimigo fez isso; os
servos lhe dizem: Sendo assim, queres que, após sair, o recolhamos? Ele, porém, diz: Não; para
que, ao recolher o joio, não desenraizeis junto com ele o trigo. Deixai crescer ambos juntos até a
ceifa e, no tempo da ceifa, direi aos celeiros: Recolhei primeiro o joio e atai-o em molhos para os
queimar; o trigo, porém, reuni no meu celeiro. (Mateus, 13:24 a 30.)
Quando Jesus recomendou o crescimento simultâneo do joio e do trigo, não quis senão demonstrar
a sublime tolerância celeste, no quadro das experiências da vida. O Mestre nunca subtraiu as
oportunidades de crescimento e santificação do homem e, nesse sentido, o próprio mal, oriundo
das paixões menos dignas, é pacientemente examinado por seu infinito amor, sem ser destruído de
pronto.
Importa considerar, portanto, que o joio não cresce por relaxamento do Lavrador divino, mas sim
porque o otimismo do celeste Semeador nunca perde a esperança na vitória final do bem.
O campo do Cristo é região de atividade incessante e intensa. Tarefas espantosas mobilizam
falanges heroicas; contudo, apesar da dedicação e da vigilância dos trabalhadores, o joio surge,
ameaçando o serviço.
Jesus, porém, manda aplicar processos defensivos com base na iluminação e na misericórdia. O
tempo e a bênção do Senhor agem devagarinho e os propósitos inferiores se transubstanciam.
O homem comum ainda não dispõe de visão adequada para identificar a obra renovadora. Muitas
plantas espinhosas ou estéreis são modificadas em sua natureza essencial pelos filtros amorosos do
Administrador da Seara, que usa afeições novas, situações diferentes, estímulos inesperados ou
responsabilidades ternas que falem ao coração; entretanto, se chega à época da ceifa, depois do
tempo de expectativa e observação, faz-se então necessária a eliminação do joio em molhos.
A colheita não é igual para todas as sementes da terra. Cada espécie tem o seu dia, a sua estação.
Eis por que, aparecendo o tempo justo, de cada homem e de cada coletividade exige-se a extinção
do joio, quando os processos transformadores de Jesus foram recebidos em vão. Nesse instante,
vemos a individualidade ou o povo a se agitarem em razão de aflições e hecatombes diversas, em
gritos de alarme e socorro, como se estivessem nas sombras de naufrágio inexorável. No entanto,
verifica-se apenas a destruição de nossas aquisições ruinosas ou inúteis. E, em vista do joio ser
atado, aos molhos, uma dor nunca vem sozinha. 95
Por isso, o Reino dos Céus é semelhante a um homem rei que quis ajustar contas com os seus
servos. Ao começar a ajustar {as contas}, foi trazido a ele um devedor de dez mil talentos. Não
tendo ele {com que} pagar, o senhor ordenou que fossem vendidos ele, a mulher, as crianças, e
tudo quanto tinha, para que fosse pago. Então, prosternando-se,96 o servo o reverenciava, dizendo:
Sê longânime97 para comigo, e tudo te pagarei. O senhor daquele servo, compadecendo-se,
liberou-o e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos,98
que lhe devia cem denários99 e, agarrando-o, o estrangulava, dizendo: Paga, se algo me deves.
Assim, prosternando-se, o seu conservo rogava-lhe, dizendo: Sê longânime para comigo, e te
pagarei. Ele, porém, não queria; mais saiu e lançou-o na prisão, até que pagasse o que estava
devendo. Vendo, pois, os seus conservos o que acontecera, entristeceram-se muito, e vieram
relatar ao seu senhor tudo o que acontecera. Então, o seu senhor, convocando-o, lhe disse: Servo
mau, perdoei-te toda aquela dívida, quando me rogaste. Não devias tu, igualmente, ter misericórdia
do teu conservo, como eu também tive misericórdia de ti? E, irando-se, o seu senhor o entregou
95
XAVIER, Francisco C. Vinha de Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 10. imp. Brasília: FEB, 2017.
96
Prosternar: curvar-se ao chão, em sinal de profundo respeito.
97
Longânime: ser paciente, clemente ou benigno.
98
Conservos: aquele que é servo justamente com alguém.
99
Denário: moeda de prata romana correspondente ao salário pago por um dia de trabalho no campo.
40
aos carcereiros até que pagasse tudo o que estava devendo. Assim vos fará meu Pai {que está} nos
céus, se não perdoardes, de coração, cada um ao seu irmão. (Mateus, 18:23 a 35.)
A criatura em si, não é apenas a soma das próprias realizações, mas também o produto de débitos
inumeráveis para com o grupo a que pertence.
Cada um deve incalculáveis tributos às almas com quem convive.
Não nos esqueçamos de que vivemos empenhados à boa vontade dos corações amigos…
A sabedoria dos mais experiente…
Ao carinho dos companheiros próximos…
Ao apoio e ao estimulo dos familiares…
Aos nobres impulsos das relações fraternais…
Portanto, pelo reconhecimento das nossas dívidas comuns, provamos a real inconsequência do
orgulho e da vaidade em qualquer coração e a impraticabilidade do insulamento em nosso passo
evolutivo.
A dívida importa em compromisso e compromisso significa resgate natural ou compulsório.
Todos somos devedores uns dos outros.
Se ainda alimentas algum laivo de superioridade egoística, à frente dos semelhantes, lembra-te das
dívidas numerosas, que ainda não saldaste, a começar pelo próprio instrumento físico que te foi
emprestado temporariamente.100
O MANDAMENTO MAIOR
Os fariseus, ouvindo que ele fizera calar os saduceus,101 reuniram-se em conselho, e um deles,
testando-o, o interrogou: Mestre, qual {é} o grande mandamento da lei? Ele lhe disse: Amarás {o}
Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, e com toda a tua mente. Este é o
primeiro e grande mandamento. O segundo, semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Nestes dois mandamentos está dependurada toda a lei e os profetas. (Mateus, 22:34 a 40.)
Caridade e humildade, este é o único caminho para a salvação; egoísmo e orgulho, este é o da
perdição. Tal princípio está formulado de maneira precisa nas seguintes palavras: “Amarás a Deus
de toda a tua alma e ao teu próximo como a ti mesmo, toda a lei e os profetas estão contidos
nesses dois mandamentos”. E para que não houvesse dúvidas na interpretação do amor a Deus e do
amor ao próximo, acrescentou: “E eis o segundo mandamento, que é semelhante ao primeiro”; isto
quer dizer que não se pode amar verdadeiramente a Deus sem amar o próximo, nem amar o
próximo sem amar a Deus; portanto, tudo o que se faz contra o próximo, é contra Deus que se faz.
Não se podendo amar a Deus sem praticar a caridade com o próximo, todos os deveres do homem
se acham resumidos nestas palavras: Fora da caridade não há salvação.102
100
XAVIER, Francisco C. Ideal espírita. Por diversos Espíritos. Uberaba: CEC, 1963. Cap. 86 — Dúvidas.
101
Saduceus: pertencentes à alta sociedade, membros de famílias sacerdotais.
102
KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010.
41
2.7 Cronologia resumida
42
CAPÍTULO 6
A VIDA, A MISSÃO E OS ENSINAMENTOS DO
APÓSTOLO PAULO
Objetivos
Ideias principais
[...] Os intelectuais do Templo estimavam nele uma personalidade vigorosa, um guia seguro,
tomando-o por mestre no racionalismo superior. Os mais antigos sacerdotes e doutores do Sinédrio
reconheciam-lhe a inteligência aguda e nele depositavam a esperança do porvir. Na época, sua
juventude dinâmica, votada quase inteiramente ao ministério da Lei, centralizava, por assim dizer,
todos os interesses da casuística. Com a argúcia psicológica que o caracterizava, o jovem tarsense
conhecia o papel que Jerusalém lhe destinava. [...]103
Saulo de Tarso, doutor da Lei, foi perseguidor implacável dos primeiros cristãos. O convertido
Paulo, tempos depois, na Carta aos Filipenses, recorda corajosamente o seu ímpeto intolerante:
Circuncidado ao oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamin, hebreu filho de hebreus;
quanto à Lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da Igreja; quanto à justiça que há na Lei,
irrepreensível. (Filipenses, 3:5 e 6.)
103
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 1, cap. VII — As primeiras
perseguições.
43
A mensagem do Cristo, totalmente voltada para a realidade espiritual, colidia com as expressões
religiosas defendidas de maneira implacável pelo jovem de Tarso. O momento crucial de sua fervorosa
idolatria às realidades transitórias aconteceu quando surgiu em sua vida a figura evangelizada de Estêvão.
Em Atos dos apóstolos, temos a dimensão da importância de Estêvão, um judeu helenista, nascido na
cidade de Corinto, região dominada pelos romanos.
Estêvão, cheio de graça e poder, realizava prodígios e grandes sinais entre o povo. Levantaram-se
alguns dos {que eram} da sinagoga chamada dos Libertos, dos cireneus, dos alexandrinos, dos
provenientes da Cilícia e da Ásia, e debatiam com Estêvão. E não podiam resistir à sabedoria e ao
espírito com que falava. Então subornaram varões que diziam: Temos ouvido este {homem}
falando palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus. Instigaram o povo, os anciãos e os
escribas e, aproximando-se, o arrebataram e o conduziram ao Sinédrio. Apresentaram testemunhas
falsas, que diziam: Este homem não cessa de falar palavras contra o lugar santo e contra a Lei.
Pois {nós} o ouvimos dizer que esse Jesus, o Nazareno, destruirá este lugar e mudará os costumes
que Moisés nos transmitiu. Todos os que estavam sentados no Sinédrio, fixando os olhos nele,
viram o rosto dele como {se fosse} rosto de anjo. (Atos, 6:8 a15.)104
No livro Paulo e Estêvão, Emmanuel demonstra a intensa participação de Saulo na prisão e morte de
Estêvão. Vejamos a seguir como Saulo, no intuito de defender a lei de Moisés, chegava ao limite da
violência extrema:
[...] O caso de Estêvão é muito diferente. Trata-se de um homem sem significação para nós outros,
que se arvorou em reformador sedicioso e insolente. Sua personalidade representa, de fato, a
continuidade do desrespeito e do insulto à Lei de Moisés, iniciados em movimento de vastas
proporções por um carpinteiro alucinado, de Nazaré. Achas, então, que se não deve punir o ladrão
que assalta uma residência? Não merecerão castigo os que blasfemam no santuário do Eterno?105
Estêvão enfrentou com absoluta coragem a provação inevitável, jamais perdendo a fé em Deus,
demonstrando ser um fiel seguidor de Cristo.
A defesa de Estêvão no Sinédrio, revelou de maneira inequívoca a sua grandeza espiritual. A seguir,
selecionaremos trechos de sua defesa contidos em Atos dos apóstolos e no livro Paulo e Estêvão, duas fontes
que, como você já pôde perceber, têm sido guias importantes para a elaboração inicial deste capítulo:
[...] como os vossos Pais, {sois} também vós. Qual dos Profetas vossos Pais não perseguiram?
Mataram os que haviam predito sobre a vida do Justo, do qual vos tornastes agora traidores e
assassinos, vós que recebestes a Lei em preceitos de anjos, e não guardastes. (Atos, 7:51 a 53.)
— Como vedes, sois acusado de blasfemo, caluniador e feiticeiro [...]
— Permito-me perguntar em que sentido — retrucou o interpelado, com desassombro.
— Blasfemo quando inculcais o carpinteiro de Nazaré como Salvador; caluniador quando
achincalhais a Lei de Moisés, renegando os princípios sagrados que nos regem os destinos.
Confirmais tudo isso? Aprovais essas acusações?
Estevão esclareceu sem titubear:
— Mantenho minha crença de que o Cristo é o Salvador prometido pelo Eterno, por meio dos
ensinos dos profetas de Israel, que choravam e sofreram no decurso de longos séculos, por
transmitir-nos os júbilos doces da Promessa. Quanto à segunda parte, suponho que a acusação
procede de interpretação errônea acerca de minhas palavras. Jamais deixei de venerar a Lei e as
Sagradas Escrituras, mas considero o Evangelho de Jesus o seu divino complemento. As primeiras
são o trabalho dos homens, o segundo é o salário de Deus aos trabalhadores fiéis.
— Sois então de parecer — disse Saulo sem dissimular irritação diante de tanta firmeza — que o
carpinteiro é maior que o grande legislador?
— Moisés é a justiça pela revelação, mas o Cristo é o amor vivo e permanente. 106
104
DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Nota da Editora: todas as citações do Novo
testamento inseridas neste capítulo foram extraídas dessa fonte. Neste sentido, para uma melhor fluidez do texto, não iremos
repetir essa referência.
105
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 1, cap. VIII – A morte de
Estêvão, p. 134 e 135.
106
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017.Pt. 1, cap. VI —
Ante o Sinédrio, p. 96 e 97.
44
Quando optamos por mencionar o trecho do Novo Testamento e em seguida uma obra espírita da
importância de Paulo e Estêvão, temos como objetivo demonstrar de maneira clara a íntima relação entre as
três revelações da Lei de Deus: o Antigo Testamento, o Novo Testamento e a Doutrina Espírita.
Feita essa consideração, importa assinalar que a morte de Estêvão mudaria definitivamente a vida de
Saulo de Tarso:
Lançando-o para fora da cidade, o apedrejaram. As testemunhas depuseram as suas vestes junto
aos pés de um jovem, chamado Saulo. E apedrejaram a Estêvão, que invocava dizendo: Senhor
Jesus, recebe o meu espírito. Pondo-se de joelhos, gritou com grande voz: Senhor, não lhes
imputes este pecado. E, tendo dito isto, adormeceu. (Atos, 7:58 a 60.)
[...] Vendo que Jesus contemplava, melancolicamente a figura do doutorde Tarso, como a lamentar
seus condenáveis desvios, o discípulo de Simão [Estêvão] experimentou pelo verdugo sincera
amizade no coração. Ele conhecia o Cristo e Saulo não. [...]107
Saulo encontraria Jesus e este momento sublime transformaria sua vida para sempre, e, por extensão,
o Cristianismo também iria ganhar um apóstolo da palavra e da ação. Agora no plano espiritual, Estêvão
auxiliaria Paulo, o convertido de Damasco, na sua missão redentora de divulgação da Boa-Nova.
“— Eu sou Jesus!...”108
Esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu. Havia em Damasco um discípulo de nome
Ananias, e o Senhor lhe disse em visão: Ananias! Ele disse: Vede-me {aqui}, Senhor! {Disse} o
Senhor para ele: Levanta-te, vai pela viela chamada “Direita”, e procura, na casa de Judas, pelo
nome Saulo de Tarso, pois eis que {ele} está orando, e viu um varão de nome Ananias entrando e
impondo-lhe as mãos, a fim de que recobre a visão. Ananias, porém, respondeu: Senhor, de muitos
tenho ouvido a respeito deste varão, quantos males fez aos teus santos em Jerusalém. Aqui, {ele}
tem a autoridade dos sumos sacerdotes para prender a todos que invocam o teu nome. O Senhor
disse para ele: Vai, porque este é para mim um vaso escolhido para carregar o meu nome diante
das nações, dos reis e dos filhos de Israel. (Atos, 9:9 a 16.)
[...] Banhado em pranto, como nunca lhe acontecera na vida, fez, ali mesmo, sob o olhar
assombrado dos companheiros e ao calor escaldante do meio-dia, a sua primeira profissão de fé.
— Senhor, que quereis que eu faça?
[...] Encontrando a revelação maior, em face do amor que Jesus lhe demonstrava solícito, Saulo de
Tarso não escolhe tarefas para servi-lo, na renovação de seus esforços de homem. Entregando-se-
107
______. ______. cap. VIII – A morte de Estêvão, p. 142 e 143.
108
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Cap. X — No caminho de
Damasco, p. 178.
45
lhe de alma e corpo como se fora ínfimo servo, interroga com humildade o que desejava o Mestre
da sua cooperação.
Foi aí que Jesus contemplando-o mais amorosamente e dando-lhe a entender a necessidade de os
homens se harmonizarem no trabalho comum da edificação de todos, no amor universal, em seu
nome, esclareceu generosamente:
— Levanta-te, Saulo! Entra na cidade e lá te será dito o que te convém fazer!... 109
Convertido no ano 36 da nossa era, Saulo passou a se chamar Paulo de Tarso. É bastante raro alguém
empreender uma transformação interior tão radical como ocorreu com Paulo, consagrando a partir deste
momento toda a sua vida em função do Evangelho do Cristo.
De perseguidor, passou a ser perseguido, além de ter se tornado o protetor de todos os cristãos. Do
esplêndido status social que possuía, passou a viver como um humilde tecelão. Iniciou a sua pregação não
exatamente para os judeus, mas para os gentios110 que, até aquele instante, não haviam tido contato real com
o Cristo.
Sou agradecido para com aquele que me deu força, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me julgou fiel,
tomando-me para o seu serviço, a mim que outrora era blasfemo, perseguidor e insolente. Mas
obtive misericórdia, porque agi por ignorância, na incredulidade. Superabundou, porém, para mim,
a graça de nosso Senhor, com a fé e o amor que há em Cristo Jesus. Fiel é esta palavra e digna de
toda a aceitação. Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro.
Se me foi feita misericórdia, foi para que em mim primeiro, Cristo Jesus demonstrasse toda a sua
longanimidade, como exemplo para quantos nele hão de crer para a vida eterna. (I Timóteo, 1:12 a
16.)
3. O Apóstolo Paulo
Ainda hoje, os ensinamentos de Paulo contêm aspectos de enorme relevância para a nossa evolução
espiritual. Paulo compreendia a urgência em propagar os ensinamentos do Cristo. No entanto, era
humanamente impossível estar presente em todos os lugares como ele gostaria. No instante de maior
angústia ante a impossibilidade de pregar a Boa-Nova com a extensão almejada, Emmanuel nos relata que o
próprio Cristo indicou a Paulo a melhor solução:
109
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 1, cap. X — A caminho de
Damasco, p. 180.
110
Gentios: eram todos os que não professavam a fé dos judeus.
111
Genuflexo: ajoelhado
112
Indizível: que não pode ser traduzido em palavras.
46
permanecerá mais conchegado a ti, transmitindo-te meus pensamentos, e o trabalho de
evangelização poderá ampliar-se em benefício dos sofrimentos e das necessidades do mundo.113
Seguindo o conselho amoroso do Cristo, Paulo inicia uma nova fase de sua missão, transmitindo aos
seus discípulos como a genuína fé em Jesus Cristo nos liberta e nos transforma!
As Cartas de Paulo nascem do desejo de instruir, aconselhar e por vezes até mesmo repreender erros
cometidos. Em muitos momentos, as cartas tinham como objetivo maior estimular o bom ânimo aos
discípulos.
Se você chegou até aqui e se encantou pela história do “vaso escolhido”114 pelo Cristo, saiba que
para conhecê-lo, duas fontes você já teve acesso: os Atos dos apóstolos e a obra-prima Paulo e Estêvão, do
benfeitor espiritual Emmanuel.
A partir de agora, recolheremos uma nova pérola: as Cartas de Paulo.
4. As Cartas de Paulo
[...] num colar de pérolas, cada qual tem valor específico e que, no imenso conjunto de
ensinamentos da Boa-Nova, cada conceito do Cristo ou de seus colaboradores diretos adapta-se a
determinada situação do Espírito, nas estradas da vida. [...]115
Das quatorze Cartas de Paulo contidas no Novo Testamento, iremos mencionar uma passagem
importante de cada uma delas, convidando, desde já ao amigo leitor a conhecer o conteúdo integral dessas
cartas:
Romano
Tendo sido, pois, justificados pela fé, estamos em paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo,
por quem tivemos acesso, pela fé, a esta graça, na qual estamos firmes e nos gloriamos na
esperança da glória de Deus. E não é só. Nós nos gloriamos também nas tribulações, sabendo que
a tribulação produz a perseverança, a perseverança a virtude comprovada, a virtude comprovada a
esperança. (Romanos, 5:1 a 4.)
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda
consolação. Ele nos consola em todas as nossas tribulações, para que possamos consolar os que
estão em qualquer tribulação, mediante a consolação que nós mesmos recebemos de Deus. Na
verdade, assim como os sofrimentos de Cristo são copiosos para nós, assim também por Cristo é
copiosa a nossa consolação. Se somos atribulados, é para a vossa consolação e salvação que o
somos. Se somos consolados, é para a vossa consolação que vos faz suportar os mesmos
sofrimentos que também nós padecemos. E a nossa esperança a vosso respeito é firme: sabemos
que, compartilhando os nossos sofrimentos, compartilhareis também a nossa consolação. (II
Coríntios, 1:3 a 7.)
Gálatas
Vós fostes chamados à liberdade, irmãos. Entretanto, que a liberdade não sirva de pretexto para a
carne, mas, pela caridade, colocai-os a serviço uns dos outros. Pois toda a Lei está contida numa só
palavra: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Mas se vos mordeis e vos devorais
reciprocamente, cuidado, não aconteça que vos elimineis uns aos outros. (Gálatas, 5:13 a 15.)
113
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. VII — As primeiras
perseguições, p. 377 e 378.
114
O Senhor disse para ele: Vai, porque este é para mim um vaso escolhido para carregar o meu nome diante das nações, dos reis e
dos filhos de Israel. (Atos, 9:15.)
115
XAVIER, Francisco C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2016.Interpretação dos
textos sagrados, p. 14.
47
Efésios
Vede, pois, cuidadosamente como andais: não como tolos, mas como sábios, tirando bom proveito
do período presente, porque os dias são maus. Por isso não sejais insensatos, mas procurai
conhecer a vontade do Senhor. E não vos embriagueis com vinho, que é a porta para a devassidão,
mas buscai a plenitude do Espírito. (Efésios, 5:15 a 18.)
Filipenses
Somente vivei vida digna do Evangelho de Cristo, para que eu, indo ver-vos ou estando longe,
ouça dizer de vós que estais firmes num só espírito, lutando juntos com uma só alma, pela fé do
Evangelho, e que em nada vos deixais atemorizar pelos vossos adversários, o que para eles é sinal
de ruína, mas, para vós, de salvação, e isso da parte de Deus. Pois vos foi concedida, em relação a
Cristo, a graça não só de crer nele, mas também de por ele sofrer, empenhados no mesmo combate
em que me vistes empenhados no mesmo combate em que me vistes empenhado e em que, como
sabeis, me empenho até agora. (Filipenses, 1:27 a 30.)
Colossenses
Tomais cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da “filosofia”,
segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo Cristo.
(Colossenses, 2:8.)
Quando estávamos entre vós, já vos demos esta regra: quem não quer trabalhar também não há de
comer. Ora, ouvimos dizer que alguns dentre vós levam vida à toa, muito atarefados sem nada
fazer. A estas pessoas ordenamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem na
tranquilidade, para ganhar o pão com o próprio esforço. Quanto a vós, irmãos, não vos canseis de
fazer o bem. Se alguém desobedecer ao que dizemos nesta carta, notai-o, e não tenhais nenhuma
comunicação com ele, para que fique envergonhado. Não o considereis, todavia, como inimigo,
mas procurai corrigi-lo como irmão. (II Tessalonicenses, 3:10 a 15.)
Foge das paixões da mocidade. Segue a justiça, a fé, a caridade, a paz com aqueles que, de coração
puro, invocam o Senhor. Repele as questões insensatas e não educativas. Tu sabes que elas geram
brigas. Ora, o servo do Senhor não deve brigar; deve ser manso para com todos, competente no
ensino, paciente na tribulação. (II Timóteo, 2:22 a 24.)
Tito
Evita controvérsias insensatas, genealogias, dissensões e debates sobre a Lei, porque para nada
adiantam, e são fúteis. Depois da primeira e da segunda admoestação,116 nada mais tens a fazer
com um homem faccioso,117 pois é sabido que o homem assim se perverteu e se entregou ao
pecado, condenando-se a si mesmo. (Tito, 3:9 a 11.)
Filemon
Dou sempre graças ao meu Deus, lembrando-me de ti em minhas orações, porque ouço falar do teu
amor e da fé que te anima em relação ao Senhor Jesus e para com todos os santos. Possa a tua
generosidade, inspirada pela fé tornar-se eficaz pelo conhecimento de todo bem que nos é dado
realizar por Cristo. De fato, tive grande alegria e consolação por causa do teu amor, pois, graças a
ti, irmão, foram reconfortados os corações dos santos. (Filemon, 1:4 a 7.)
116
Admoestação: advertência, corrigenda, conselho.
117
Faccioso: que exerce alguma ação contrária à Lei ou ao dogma.
48
Hebreus
Assim, meus santos irmãos e companheiros da vocação celeste, considerai atentamente Jesus, o
apóstolo e Sumo Sacerdote118 da nossa profissão de fé. É fiel a quem o constituiu, como também o
foi Moisés em toda a sua casa. Ele foi, de fato, considerado digno de maior honra do que Moisés.
Pois o arquiteto tem maior honra do que a própria casa. Toda casa, com efeito, tem o seu arquiteto;
mas o arquiteto de tudo é Deus. Ora, Moisés era fiel em toda a sua casa, como servo, para ser
testemunha das coisas que deveriam ser ditas. Cristo, porém, na qualidade de filho, está acima de
sua casa. Esta casa somos nós, se mantivermos a confiança e o motivo altaneiro 119 da esperança.
(Hebreus, 3:1 a 6.)
“Assim é que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram, eis que tudo se
fez novo.” — Paulo (II Coríntios, 5:17.)
INTERPRETAÇÃO ESPIRITUAL
É muito comum observarmos crentes inquietos, utilizando recursos sagrados da oração para que se
perpetuem situações injustificáveis tãosó porque envolvem certas vantagens imediatas para suas
preocupações egoísticas.
Semelhante atitude mental constitui resolução muito grave.
Cristo ensinou a paciência e a tolerância, mas nunca determinou que seus discípulos
estabelecessem acordo com os erros que infelicitam o mundo. Em face dessa decisão, foi à cruz e
legou o último testemunho de não violência, mas também de não acomodação com as trevas em
que se compraz a maioria das criaturas.
Não se engane o crente acerca do caminho que lhe compete.
Em Cristo tudo deve ser renovado. O passado delituoso estará morto, as situações de dúvida terão
chegado ao fim, as velhas cogitações do homem carnal darão lugar à vida nova em espírito, onde
tudo signifique sadia reconstrução para o futuro eterno.
É contrassenso valer-se do nome de Jesus para tentar a continuação de antigos erros.
Quando notarmos a presença de um crente de boa palavra, mas sem o íntimo renovado, dirigindo-
se ao Mestre como um prisioneiro carregado de cadeias, estejamos certos de que esse irmão pode
estar à porta do Cristo, pela sinceridade das intenções; no entanto, não conseguiu, ainda, a
penetração no santuário de seu amor.120
***
“Agora, pois, permanecem estas três, a fé, a esperança e a caridade; porém, a maior destas é a
caridade.” — Paulo (I Coríntios, 13:13.)
INTERPRETAÇÃO ESPIRITUAL
Na sustentação do progresso espiritual precisamos tanto da caridade quanto do ar que nos assegura
o equilíbrio orgânico.
118
Sumo Sacerdote: aquele que representa os homens junto a Deus.
119
Altaneiro: que se eleva muito; que voa muito alto.
120
XAVIER, Francisco C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2016.
49
*
Lembra-te de que a interdependência é o regime instituído por Deus para a estabilidade de todo o
Universo e não olvides a compreensão que devemos as todas as criaturas.
Compreensão que se exprima, por meio de tolerância e bondade incessantes, na sadia convicção de
que ajudando aos outros é que poderemos encontrar o auxílio indispensável à própria segurança.
*
À frente de qualquer problema complexo naqueles que te rodeiam, recorda que não seria justa a
imposição de teus pontos de vista para que se orientem na estrada que lhes é própria.
*
O Criador não dá cópias e cada coração obedece a sistema particular de impulsos evolutivos.
*
Só o amor é o clima adequado ao entrelaçamento de todos os seres da Criação e somente por meio
dele integrar-nos-emos na sintonia excelsa da vida.
*
Guarda, em todas as fases do caminho, a caridade que identifica a presença do Senhor nos
caminhos alheios, respeitando-lhes a configuração com que se apresentam.
*
Não te esqueças de que ninguém é ignorante porque o deseje e, estendendo fraternos braços aos
que respiram atribulados na sombra, diminuirás a penúria que se extinguirá, por fim, no mundo,
quando cada consciência ajustar-se à obrigação de servir sem mágoa e sem reclamar é que
permaneceremos felizes na ascensão para Deus. 121
***
“De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus.” — Paulo
(Filipenses, 2:5.)
Todos fazem alguma coisa na vida humana, mas raros não voltam à carne para desfazer quanto
fizeram.
Ainda mesmo a criatura ociosa, que passou o tempo entre a inutilidade e a preguiça, é constrangida
a tornar à luta, a fim de desintegrar a rede de inércia que teceu ao redor de si mesma.
Somente constrói, sem necessidade de reparação ou corrigenda, aquele que se inspira no padrão de
Jesus para criar o bem.
Fazer algo em Cristo é fazer sempre o melhor para todos:
Sem expectativa de remuneração.
Sem exigências.
Sem mostrar-se.
Sem exibir superioridade.
Sem tributos de reconhecimento.
Sem perturbações.
Em todos os passos do Divino Mestre, vemo-lo na ação incessante, em favor do indivíduo e da
coletividade, sem prender-se.
Da carpintaria de Nazaré à cruz de Jerusalém, passa fazendo o bem, sem outra paga além da
alegria de estar executando a vontade do Pai.
Exalta o vintém da viúva e louva a fortuna de Zaqueu, com a mesma serenidade.
Conversa amorosamente com algumas criancinhas e multiplica o pão para milhares de pessoas,
sem alterar-se.
Reergue Lázaro do sepulcro e caminha para o cárcere, com a atenção centralizada nos Desígnios
celestes.
Não te esqueças de agir para a felicidade comum, na linha infinita dos teus dias e das tuas horas.
Todavia, para que a ilusão te não imponha o fel do desencanto ou da soledade, ajuda a todos,
indistintamente, conservando, acima de tudo, a glória de ser útil, “de modo que haja em nós o
mesmo sentimento que vive em Jesus Cristo”.122
121
XAVIER, Francisco C. Ceifa de Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2014.
122
XAVIER, Francisco C. Fonte Viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1 ed. 9. imp. Brasília: FEB, 2015.
50
***
“E, sobre tudo isto, revesti-vos de caridade, que é o vínculo da perfeição.” — Paulo (Colossenses,
3:14.)
Todo discípulo do Evangelho precisará coragem para atacar os serviços da redenção de si mesmo.
Nenhum dispensará as armaduras da fé, a fim de marchar com desassombro sob tempestades.
O caminho de resgate e elevação permanece cheio de espinhos.
O trabalho constituir-se-á de lutas, de sofrimentos, de sacrifícios, de suor, de testemunhos.
Toda a preparação é necessária, no capítulo da resistência; entretanto, sobre tudo isto é
indispensável revestir-se nossa alma de caridade, que é amor sublime.
A nobreza de caráter, a confiança, a benevolência, a fé, a ciência, a penetração, os dons e as
possibilidades são fios preciosos, mas o amor é o tear divino que os entrelaçará, tecendo a túnica
da perfeição espiritual.
A disciplina e a educação, a escola e a cultura, o esforço e a obra, são flores e frutos na árvore da
vida, todavia, o amor é a raiz eterna.
Mas, como amaremos no serviço diário?
Renovemo-nos no espírito do Senhor e compreendamos os nossos semelhantes.
Auxiliemos em silêncio, entendendo a situação de cada um, temperando a bondade com a energia,
e a fraternidade com a justiça.
Ouçamos a sugestão do amor, a cada passo, na senda evolutiva.
Quem ama, compreende; e quem compreende, trabalha pelo mundo melhor. 123
***
“Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem
revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação. — Paulo (I Coríntios, 14:26.)
A igreja de Corinto lutava com certas dificuldades mais fortes, quando Paulo lhe escreveu a
observação aqui transcrita.
O conteúdo da carta apreciava diversos problemas espirituais dos companheiros do Peloponeso,
mas podemos insular o versículo e aplicá-lo a certas situações dos novos agrupamentos cristãos,
formados no ambiente do Espiritismo, na revivescência do Evangelho.
Quase sempre notamos intensa preocupação nos trabalhadores, por novidades em fenomenologia e
revelação.
Alguns núcleos costumam paralisar atividades quando não dispõem de médiuns adestrados.
Por quê?
Médium algum solucionará, em definitivo, o problema fundamental da iluminação dos
companheiros.
Nossa tarefa espiritual seria absurda se estivesse circunscrita à frequência mecânica de muitos, a
um centro qualquer, simplesmente para assinalarem o esforço de alguns poucos.
Convençam-se os discípulos de que o trabalho e a realização pertencem a todos e que é
imprescindível se movimente cada qual no serviço edificante que lhe compete. Ninguém alegue
ausência de novidades, quando vultosas concessões da esfera superior aguardam a firme decisão
do aprendiz de boa vontade, no sentido de conhecer a vida e elevar-se.
Quando vos reunirdes, lembrai a doutrina e a revelação, o poder de falar e de interpretar de que já
sois detentores e colocai mãos à obra do bem e da luz, no aperfeiçoamento indispensável. 124
123
XAVIER, Francisco C. Vinha de Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 10. imp. Brasília: FEB, 2017.
124
XAVIER, Francisco C. Pão Nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 10. imp. Brasília: FEB, 2016.
51
CAPÍTULO 7
A IGREJA DE ANTIOQUIA E AS ORIGENS DO
CRISTIANISMO
Objetivos
Ideias principais
1. A Igreja de Antioquia
A morte de Estêvão resultou em uma onda de perseguição aos discípulos do Cristo em Jerusalém. As
autoridades religiosas que já não viam com bons olhos a presença destes discípulos na Cidade Santa
passaram a não mais tolerá-los, principalmente, após as palavras de Estêvão, cuja verdade sublime estas
autoridades não podiam suportar. No capítulo anterior, vimos que uma dessas autoridades era Saulo de
Tarso, convertido em seguida, e responsável, junto com Estêvão no plano espiritual, pela propagação dos
ensinamentos do Cristo para a humanidade conhecida.
Então aqueles que foram dispersos desde a provação que sobreveio a Estêvão atravessaram {as
regiões} até a Fenícia, Chipre e Antioquia, não falando a ninguém a palavra, senão somente aos
judeus. (Atos, 11:19.)125
[...] A instituição fora iniciada por discípulos de Jerusalém, sob os alvitres generosos de Simão
Pedro. [...] Antioquia era dos maiores centros operários. Não faltavam contribuintes para o custeio
das obras [...], entretanto, escasseavam os legítimos trabalhadores do pensamento. [...]
[...]
A instituição de Antioquia era, então, muito mais sedutora que a própria Igreja de Jerusalém.
Vivia-se ali num ambiente de simplicidade pura [...]. Havia riqueza, porque não faltava trabalho.
Todos amavam as obrigações diuturnas, aguardando o repouso da noite nas reuniões da Igreja,
qual uma bênção de Deus. [...] A união de pensamentos em torno de um só objetivo dava ensejo a
formosas manifestações de espiritualidade. Em noites determinadas, havia fenômenos de “vozes
diretas”. [...]126
Três discípulos do Cristo merecem destaque quando buscamos entender a história da Igreja de
Antioquia: Simão Pedro, Barnabé e o já conhecido Paulo de Tarso.
Ao realizarmos uma combinação do relato bíblico com o livro Paulo e Estêvão, podemos ter com
segurança algumas informações deste período histórico. Em Atos dos apóstolos, é mencionado que Barnabé
partiu para Tarso, cidade natal de Paulo, para buscá-lo.
125
DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Nota da Editora: todas as citações do Novo
testamento inseridas neste capítulo foram extraídas dessa fonte. Neste sentido, para uma melhor fluidez do texto, não iremos
repetir essa referência.
126
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV — Primeiros
labores apostólicos, p. 278, 281.
52
Precisamos entender a razão disso.
A chegada de Paulo em Jerusalém ocorreu três anos após sua conversão em Damasco, ou seja, no
verão do ano 39 de nossa era. Sua permanência na Judeia foi bastante curta, pois se viu obrigado a fugir da
perseguição após ter feito uma pregação contra os religiosos apegados apenas ao poder. Em seguida,
aconselhado por Simão Pedro, o tecelão (esta foi a profissão que passou a exercer quando se converteu)
fixou residência em sua cidade natal, Tarso, pelo período de três anos.
Barnabé ao encontrar Paulo em Tarso, o conduziu para Antioquia no ano 42 de nossa era. De acordo
com Emmanuel, apesar da Igreja de Antioquia não carecer do elementar para a sua sobrevivência, faltava a
iluminação do pensamento, a intelectualidade a serviço da renovação espiritual.
E quem era o mais preparado para esta tarefa? Em teoria, Saulo, e foi por isso que Barnabé foi ao seu
encontro.
Barnabé exaltou a dedicação dos homens humildes que cooperavam com ele. A instituição,
todavia, reclamava irmãos dedicados que conhecessem profundamente a Lei de Moisés e o
Evangelho do Mestre, a fim de não ser prejudicada a tarefa da iluminação intelectual. 127
A Igreja de Antioquia representou para Paulo a primeira escola cristã a que ele teve acesso e que
pôde se dedicar.
Ora, Saulo não iria para a Antioquia para iluminar as consciências? Sim, mas esta tarefa não
dispensava a humildade de ter que começar com as tarefas mais simples para então exercer as mais
complexas. Ainda hoje, o trabalho com o Cristo requer espírito de sequência e amadurecimento para as
tarefas mais árduas.
[...] Nos Atos dos apóstolos, vemos-lhe o nome citado sempre por último, quando se referem aos
colaboradores de Barnabé. Saulo havia aprendido a esperar. Na comunidade, preferia os labores
mais simples. Sentia-se bem, atendendo aos doentes numerosos. Recordava Simão Pedro e
procurava cumprir os novos deveres na pauta da bondade despretensiosa, embora imprimisse em
tudo o traço da sua sinceridade e franqueza, quase ásperas. 130
Foi em Antioquia que os discípulos, pela primeira vez, foram aconselhados a se chamarem cristãos.
Um médico muito jovem chamado Lucas estava de passagem pela cidade. Imediatamente aproximou-se da
Igreja e sentiu uma imensa vontade de conhecê-la, desejoso de aprender algo a mais. Logo quando encontrou
Saulo, estabeleceu com ele uma sintonia incomum, e o ex-doutor da Lei logo demonstrou as verdades do
Evangelho, o que deixou Lucas sinceramente impressionado.
No livro Paulo e Estêvão, Emmanuel nos dá mais detalhes acerca deste evento importante:
Barnabé havia terminado os comentários da noite, quando o médico tomou a palavra para
despedir-se. Falava emocionado e, por fim, considerou acertadamente:
— Irmãos, afastando-me de vós, levo o propósito de trabalhar pelo Mestre, empregando nisso todo
o cabedal de minhas fracas forças. Não tenho dúvida alguma quanto à extensão deste movimento
espiritual. Para mim, ele transformará o mundo inteiro. Entretanto, pondero a necessidade de
imprimirmos a melhor expressão de unidade às suas manifestações. Quero referir-me aos títulos
que nos identificam a comunidade. Não vejo na palavra “caminho” uma designação perfeita, que
traduza o nosso esforço. Os discípulos do Cristo são chamados “viajores”, “peregrinos”,
“caminheiros”, mas há viandantes131 e estradas de todos os matizes.132 O mal tem, igualmente, os
127
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV — Primeiros
labores apostólicos, p. 279.
128
Pressuroso: apressado, impaciente, ansioso.
129
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV — Primeiros
labores apostólicos, p. 279.
130
______. ______.
131
Viandantes: caminheiro, viajante.
132
Matizes: pequenas diferenças entre coisas de um mesmo gênero.
53
seus caminhos. Não seria mais justo chamarmo-nos — cristãos — uns aos outros? Este título nos
recordará a presença do Mestre, nos dará energia em seu nome e caracterizará, de modo perfeito,
as nossas atividades em concordância com os seus ensinos. 133
Essa novidade se espalhou por Jerusalém e por toda a parte, afinal o termo “caminho” de fato não
designava com exatidão os propósitos e as atividades dos trabalhadores do Cristo, sendo substituído agora
por “cristão” e “cristianismo”.
2.1 Em Chipre
Eles, então, enviados pelo Espírito Santo, desceram para a Selêucia,134 e dali navegaram para
Chipre. Ao chegarem a Salamina, anunciaram a palavra de Deus nas sinagogas judaicas [...]. (Atos,
13:4 a 5.)
[...] cheios de confiança em Deus, Saulo e Barnabé, seguidos por João Marcos, despediam-se dos
irmãos, a caminho de Selêucia. A viagem para o litoral decorreu em ambiente de muita alegria. De
quando a quando, repousavam à margem do Orontes,135 para a merenda salutar. À sombra dos
carvalhos, na paz dos bosques enfeitados de flores, os missionários comentaram as primeiras
esperanças.
[...] Entusiasmados com o acolhimento dos irmãos da fé, Barnabé e Saulo embarcaram para
Chipre, sob a impressão de comovente e carinhosa despedida. 136
Eles, passando por Perge, chegaram a Antioquia da Pisídia; e, indo à sinagoga, num dia de sábado,
sentaram-se. Depois da leitura da Lei e dos Profetas, os chefes da sinagoga enviaram
{comunicado} para eles, dizendo: Varões, Irmãos, se há em vós alguma palavra de exortação para
o povo, dizei. Paulo, levantando-se e fazendo sinal com a mão, disse: Varões israelitas e os que
temem a Deus, ouvi. (Atos, 13:14 a 16.)
No dia imediato, Antioquia da Pisídia estava empolgada pelo assunto. A tenda de Ibrahim e a
olaria de Eustáquio foram locais de grandes discussões e entendimentos. Paulo falou, então, das
curas que se poderiam fazer em nome do Mestre. [...] Os dois emissários do Evangelho ganharam
logo muito conceito. A gente mais simples vinha solicitar-lhes orações, cópias dos ensinos de
Jesus, enquanto muitos enfermos se restabeleciam. Se o bem estava crescendo, a animosidade
contra eles também crescia, da parte dos mais altamente colocados na cidade. Iniciou-se o
movimento contrário ao Cristo. Não obstante a continuidade das pregações de Paulo, aumentava,
entre os israelitas poderosos, a perseguição, o apodo137 e a ironia. Os mensageiros da Boa-Nova,
entretanto, não desanimaram.138
133
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV – Primeiros
labores apostólicos, p. 282 e 283.
134
Selêucia: Importante cidade portuária do Mar Mediterrâneo
135
Orontes:rio bastante próximo da cidade portuária de Selêucia.
136
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV — Primeiros
labores apostólicos, p. 293.
137
Apodo: zombaria, comparação ridícula.
138
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV — Primeiros
labores apostólicos, p. 316.
54
2.3 Paulo e Barnabé em Icônio
E sucedeu que, em Icônio, eles entraram juntos na sinagoga dos judeus e falaram de tal modo que
creu grande multidão, tanto de judeus quanto de gregos. Porém os judeus que não se persuadiram,
excitaram e exasperaram a alma dos gentios contra os irmãos. Assim, {eles} permaneceram
bastante tempo, falando abertamente sobre o Senhor, que testemunhava a palavra da sua graça,
concedendo fossem realizados sinais e prodígios pelas mãos deles. Dividiu-se a multidão da
cidade: os que estavam com os judeus e os que {estavam} com os apóstolos. {Foi} quando ocorreu
um motim139 dos gentios e dos judeus, com as suas autoridades, para ultrajá-los140 e apedrejá-los.
Percebendo isso, fugiram para as cidades da Licaônia, Listra e Derbe, e circunvizinhança. Ali
permaneceram evangelizando. (Atos, 14:1 a 7.)
[...] Os orgulhosos filhos de Israel não podiam tolerar um Salvador que se entregara, sem
resistência, à cruz dos ladrões. A palavra do Apóstolo,entretanto, alcançara tão grande favor
público que os gentios de Icônio ofereceram-lhe um vasto salão para que lhes fosse ministrado o
ensinamento evangélico, todas as tardes. Queriam notícias do novo Messias, interessavam-se
pelos seus menores feitos e por suas máximas mais simples. O ex-rabino aceitou o encargo, cheio
de gratidão e simpatia. [...] Dominando a administração, os judeus não tardaram em reagir, mas foi
inútil a tentativa de intimidar o pregador com as mais fortes ameaças. [...]141
Os poucos judeus de Listra deliberaram consultar as autoridades de Icônio, relativamente aos dois
desconhecidos. E foi isso o bastante para que se turvassem os horizontes. Os comissários
regressaram com um acervo de notícias ingratas. [...] Paulo, principalmente, era apresentado como
revolucionário temível. O assunto, em Listra, foi discutido intramuros. [...] Desde a chegada
dos dois desconhecidos, que falavam em nome de um novo profeta, Listra vivia
sobressaltada por ideias diferentes. Era preciso coibir os abusos. A palavra de Paulo era
audaciosa e requeria corretivo eficaz. Finalmente, deliberaram que o fogoso pregador fosse
apedrejado na primeira ocasião que falasse em público.
Ignorando o que se tramava, o Apóstolo dos Gentios, deixando Barnabé acamado por excesso de
trabalho, fez-se acompanhar do pequeno Timóteo; no sábado imediato, ao entardecer, foi até a
praça pública onde, mais uma vez, anunciou as verdades e promessas do Evangelho do Reino. 142
No entanto, Paulo sofreria a incompreensão dos intolerantes que, matando o corpo imaginam que
eliminarão a força indestrutível das ideias renovadoras:
139
Motim: atos explícitos de desobediência.
140
Ultrajar: tratar com desrespeito; insultar.
141
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV – Primeiros
labores apostólicos, p. 318.
142
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV – Primeiros
labores apostólicos, p. 326 e 327.
55
Chegaram judeus de Antioquia e Icônio e, persuadindo as turbas, depois de apedrejarem Paulo, o
arrastaram para fora da cidade, supondo que ele estava morto. Após os discípulos o rodearem,
levantou-se e entrou na cidade. No{dia} seguinte, saiu com Barnabé em direção a Derbe. (Atos,
14:19 a 20.)
Depois de falarem a palavra em Perge, desceram para Atália, e dali navegaram para Antioquia {da
Síria}, onde foram entregues à graça de Deus para a obra que haviam cumprido. Ao chegarem e
reunirem a igreja, relataram quantas {coisas} fizera Deus com eles, e que abrira a porta da fé aos
gentios. E permaneceram não pouco tempo com os discípulos. (Atos, 14:25 a 28.)
Após muito tempo de labor, resolveram regressar ao núcleo original do seu esforço. Vencendo
etapas difíceis, visitaram e encorajaram todos os irmãos escalonados 143 nas diversas regiões da
Licaônia, Pisídia e Panfília.
De Perge, desceram para Atália, de onde embarcaram com destino a Selêucia e dali ganharam
Antioquia.
Ambos haviam experimentado a dificuldade dos serviços mais rudes. Muita vez se viram
perplexos com os problemas intricados da empresa: em troca de dedicação fraternal, haviam
recebido remoques,144 açoites e acusações pérfidas;145 contudo, não obstante o abatimento físico e
os gilvazes,146 irradiavam ondas invisíveis de intenso júbilo espiritual. É que, entre os espinhos da
estrada escabrosa, os dois companheiros desassombrados mantinham ereta a cruz divina e
consoladora, espalhando a mancheias147 as sementes benditas do Evangelho de Redenção.148
É importante deixar claro que o nosso objetivo neste capítulo não foi o de relatar todos os fatos
relativos ao Cristianismo daquele período, pois demandaria um guia de estudo à parte. Limitamo-nos a
analisar alguns acontecimentos relevantes do ponto de vista histórico e espiritual, dando a nossa reverência
àqueles que deram a vida em favor da propagação da mensagem do Cristo.
Ao utilizamos com bastante frequência os Atos dos apóstolos, almejamos comprovar que essas
passagens merecem de nossa parte um estudo mais aprofundado. Demonstramos ainda que a belíssima obra
Paulo e Estêvão é um monumento da literatura mundial, responsável por oferecer detalhes relevantes do
Cristianismo nascente.
143
Escalonados: disposto em forma de escada.
144
Remoque: dito malicioso ou picante cuja intenção é ofensiva
145
Pérfido: desleal, traidor, infiel.
146
Gilvazes: golpe ou cicatriz no rosto, produzido por instrumento cortante.
147
Macheias: a porção que uma mão pode segurar.
148
XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 45. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Pt. 2, cap. IV –
Primeiros labores apostólicos, p. 329 e 330.
56
Ano: 64
Acontecimento: Incêndio de Roma
Por volta de 64 da nossa era, alguns oficiais romanos começaram a perceber que o Cristianismo,
aceito com relativa normalidade até então, não era apenas uma sub-religião judaica. Aliás, os judeus eram
totalmente contrários ao Cristianismo. Quando o Cristianismo entrou em confronto com a crença politeísta
do Império Romano, aí resultou o início das perseguições. Em 19 de julho do ano 64, ocorreu um incêndio
de grandes proporções em uma região de trabalhadores de Roma. O incêndio se prolongou por sete dias, e de
um total de quatorze quarteirões, cerca de dez foram destruídos, e muitos morreram em função desta
catástrofe.
O imperador Nero, a princípio, não tomou qualquer atitude para diminuir os estragos resultantes do
incêndio. Logo em seguida verificou-se que o próprio imperador foi o mandante do terrível ato.
Curiosamente depois deste evento, Nero obteve grande extensão de terra, construindo ali os Palácios
Dourados, modificando, a partir de então, a área urbana de Roma.
Com o objetivo de desviar o foco das atenções, Nero passou a culpar os cristãos pelo incêndio
arquitetado. Como resultado, jurou perseguir e matar os cristãos.
Ano: 66
Acontecimento: Morte de Paulo e de Pedro em Roma
O enorme ímpeto de Nero por perseguir os cristãos, acarretou a crucificação e a queima de vários
cristãos. De acordo com a tradição, tanto Pedro quanto Paulo foram martirizados na perseguição de Nero:
Paulo foi decapitado, e Pedro foi crucificado de cabeça para baixo.
Ano: 70
Acontecimento: Destruição de Jerusalém
O domínio romano sobre Jerusalém ocorreu a partir de 63 a.C., quando o mestre estrategista de
Roma, Pompeu Magno, entrou com suas legiões e sitiou o Templo sagrado para os judeus. Jerusalém sob
domínio romano gozava de relativa liberdade. De maneira geral, os romanos aceitavam o culto judaico,
permitindo a realização de seus rituais e sacrifícios. Até mesmo a adoração direta ao imperador, que Roma
determinava a todos os seus outros territórios conquistados, não foi imposta aos judeus, desde que, é claro, os
imposto e tributos estivessem em dia.
Géssio Floro, procurador romano, governava a Judeia no ano 70 de nossa era e diferentemente dos
outros governantes romanos que aceitavam as características religiosas do povo judeu, desde que pagassem
fielmente os impostos, ele carregava consigo essa intolerância religiosa de modo mais exacerbado. A
situação piorava quando a entrada de impostos era baixa. Para contrabalançar, ele se apoderava da prata do
Templo, uma clara afronta aos judeus. Em 66, quando a tensão social aumentou e a oposição cresceu, Géssio
Floro enviou tropas a Jerusalém para crucificar e massacrar alguns judeus. A ação de Floro foi o estopim
para uma revolta que já estava em ebulição havia algum tempo.
Inspirados pelas atrocidades de Floro, alguns judeus revolucionários, conhecidos como
zelotes,decidiram atacar a fortaleza construída para defender o palácio estabelecido pelos romanos, no
governo de Herodes. A História nem sempre é vencida pelos opressores, e neste episódio,
surpreendentemente os judeus massacraram o exército romano que estava acampado ali.
Logo em seguida, em Jerusalém foi declarada abertamente uma rebelião contra Roma. Não demorou
muito para que toda Jerusalém estivesse envolvida nesta revolta. As tropas romanas ou foram expulsas ou
mortas. A Judeia também se revoltou, assim como a Galileia. Por um breve período de tempo, parecia que os
judeus estavam reconquistando a sua soberania.
Diante do contexto agora desfavorável, o imperador Nero enviou Vespasiano, general bastante
experiente e detentor de inúmeras condecorações, para sufocar a rebelião em marcha. Vespasiano foi
minando a força dos rebeldes, eliminando a oposição na Galileia e redondezas, até chegar e iniciar o cerco a
Jerusalém.
Entretanto, antes do golpe final, Vespasiano foi chamado a Roma, pois Nero havia morrido. O
próprio Vespasiano tornou-se o novo imperador e a primeira medida adotada foi a nomeação de seu filho
Tito para conduzir a guerra contra os judeus.
A situação se voltou contra Jerusalém, agora cercada e isolada do restante do país por um exército
romano muito mais fortalecido. Conforme o cerco se prolongava, as pessoas morriam de fome e novas
57
doenças surgiram. Para termos uma dimensão do quadro crítico, a esposa do sumo sacerdote, antes cercada
de luxo, passou a revirar as lixeiras da cidade em busca de alimento.
Enquanto isso, os romanos empregavam novas máquinas de guerra para arremessar pedras contra os
muros da cidade. Os defensores judeus lutavam durante todo o dia e tentavam reconstruir as muralhas
durante a noite. Por fim, os romanos irromperam pelo muro exterior, depois pelo segundo muro, chegando
finalmente ao terceiro muro. Os judeus, no entanto, continuaram lutando, pois correram para o Templo —
sua última linha de defesa.
Esse foi o fim para os bravos guerreiros judeus — e também para o Templo. Tito até havia pensado
em preservar o Templo, um verdadeiro símbolo da sociedade judaica, mas os soldados romanos estavam tão
enfurecidos com a resistência dos judeus que terminaram por queimá-lo.
A queda de Jerusalém, essencialmente, pôs fim à revolta. Os judeus foram dizimados ou capturados
e vendidos como escravos. O grupo dos zelotes que havia tomado a fortaleza romana permaneceu três anos
por lá. Quando os romanos, finalmente, construíram a rampa para cercar e invadir o local encontraram todos
os rebeldes mortos. Eles cometeram suicídio para que não fossem capturados pelos invasores.
A revolta dos judeus marcou o fim do Estado judeu, pelo menos até os tempos modernos com a
implantação do Estado de Israel, fato histórico mencionado no capítulo dedicado ao Judaísmo.
Ano: 312
Acontecimento: A conversão de Constantino ao Cristianismo
Constantino era um jovem general que comandava as tropas romanas da Bretanha e da Gália. No ano
de 312, suas tropas marcharam em direção a Roma para desafiar Maxêncio, outro postulante ao trono
imperial. De acordo com o relato histórico, o general Constantino olhou para o céu e viu um sinal: era uma
cruz brilhante, na qual era possível ler: “Com isto vencerás”. Naquele momento, o soldado já não adorava
mais as divindades romanas, como era comum, passando a considerar um único Deus, o que para um romano
era algo bastante incomum. Para se ter uma noção, seu pai adorava o supremo deus Sol.
Logo em seguida, Cristo teria aparecido a Constantino em um sonho, segurando o mesmo sinal (uma
cruz inclinada), lembrando as letras gregas chi e rho, as duas primeiras letras da palavra Christos. O general
foi instruído a colocar esse sinal nos escudos de seus soldados, o que fez prontamente, da forma exata como
fora ordenado.
Retirando-se para Salona, exausto da tarefa governativa, ocorre a rebelião militar que aclama
Augusto a Constantino, filho de Constâncio Cloro, contrariando as disposições dos dois Césares,
sucessores de Diocleciano e Maximiano. A luta se estabelece e Constantino vence Maxêncio às
portas de Roma, penetrando a cidade, vitorioso, para ser recebido em triunfo. Junto dele, o
Cristianismo ascende à tarefa do Estado, com o Edito de Milão.149
149
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 15 — A evolução do
Cristianismo, it. Constantino.
58
Ano: 325
Acontecimento: Concílio de Niceia
No início do século IV da nossa era, Ário, pastor de Alexandria, no Egito, considerava-se cristão,
mas também tinha influência da teologia grega, cuja ideia era de que Deus é um só e não pode ser conhecido.
De acordo com esse pensamento, Deus é tão supremo que não pode partilhar sua substância com qualquer
outra coisa. Em outras palavras, somente Deus pode ser Deus.
Na obra intitulada Thalia, Ário afirmou que Jesus poderia até ser divino, mas não era Deus. De
acordo com Ário somente Deus, o Pai, poderia ser imortal, de modo que o Filho era, necessariamente, um ser
criado. Ele era como o Pai, mas não era verdadeiramente Deus.
Por ser um bom comunicador, Ário sabia extrair o máximo de sua capacidade de persuasão e até
mesmo chegou a colocar algumas de suas ideias em canções populares, cantada pelo povo com naturalidade.
Constantino compreendeu que a questão não estava somente no âmbito religioso e convocou um
concilio para todo o império, a ser realizado na cidade de Niceia, na Ásia Menor. Constantino disse aos mais
de trezentos bispos que compareceram àquela reunião que deveriam resolver o impasse: afinal Deus era uno
como sustentava Ário, ou uma tríade?
O imperador defendia que a divisão da igreja era pior do que uma guerra. Neste instante, os bispos
começaram a debater sobre o assunto. Por sua vez, convocado diante dos bispos, Ário proclamou
abertamente que o Filho de Deus era um ser criado e, por ser diferente do Pai, passível de mudança. A partir
daí a assembleia dos bispos denunciou e condenou a afirmação de Ário. Todavia, era necessário elaborar um
dogma que expressasse de maneira fiel o pensamento da assembleia.
Proclamaram então que o Filho era “um em substância com o Pai” mediante o uso do termo grego
homoousios. Traduzindo: Homo quer dizer “igual”; ousios significa “substância”.
Com a influência do vencedor da ponte Mílvius, efetua-se o Concílio Ecumênico de Niceia para
combater o cisma de Ário, padre de Alexandria, que negara a divindade do Cristo. Os primeiros
dogmas católicos saem, com força de lei, desse Parlamento eclesiástico de 325. 150
Conclui-se, portanto, que o Concilio de Nicéia foi convocado tanto para estabelecer uma questão
teológica quanto para solidificar a íntima relação da igreja com o Estado.
150
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 16 — A
Igreja e a invasão dos bárbaros, it. Vitórias do Cristianismo.
59
CAPÍTULO 8
A IGREJA CATÓLICA NA IDADE MÉDIA
Objetivos
Ideias principais
O Cristianismo, porém, já não aparecia com aquela mesma humildade de outros tempos. Suas
cruzes e cálices deixavam entrever a cooperação do ouro e das pedrarias, mal lembrando a madeira
tosca, da época gloriosa das virtudes apostólicas.
[...] A união com o Estado era motivo para grandes espetáculos de riqueza e vaidade
orgulhosa, em contraposição com os ensinos daquele que não possuía uma pedra para
repousar a cabeça dolorida.152
151
Idade Média ou Idade das Trevas: período entre os séculos IV e XVI. O termo Idade Média ou Idade das Trevas, foi elaborado
pelos artistas e literatos do século XVI. Por considerarem que viviam em uma época de renascimento da civilização greco-romana
ou Antiguidade Clássica, tudo que estivesse contrário a estes valores nada mais era do que um período intermediário. Os
Iluministas no século XVIII popularizaram o conceito de Idade Média, com o objetivo de desqualificar este período. Nossa intenção,
neste capítulo, é o de abordar alguns acontecimentos e personagens relevantes. Com relação aos temas ainda hoje polêmicos,
como as Cruzadas e o Tribunal da Inquisição, apresentamos a visão espiritual e em linhas gerais a visão católica.
152
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 16 — A
Igreja e a invasão dos bárbaros, it. Primórdios do Catolicismo.
60
2. Raízes históricas do termo católico
Em meados do século III, começou a surgir a palavra católico associada aos cristãos. Desde então, o
termo catholica virou sinônimo de igreja cristã. O conceito fundamental do termo católico remonta a ideia de
universalidade da salvação e unidade da fé. Contudo, somente no ano de 381 com a criação do Concílio
Ecumênico de Constantinopla que o termo católico foi utilizado oficialmente.
Única — existe apenas uma e verdadeira Igreja, responsável por garantir a real vivência da
mensagem cristã.
Santa — ensina uma doutrina santa e verdadeira, oferecendo a todos os meios para a
santidade.
Católica — significa que é uma igreja mundial, de caráter universalista e para todos. Se
Jesus pediu aos apóstolos para que o evangelho fosse levado para todo o mundo, a Igreja
Católica também deve pregar o evangelho para o mundo.
Apostólica — de acordo com a Igreja, seus comandantes são pessoas que prosseguem a
missão dos apóstolos, permanecendo fieis à doutrina deles.
Para a Igreja Católica, o homem foi criado à imagem de Deus, tendo, por essa razão, uma alma
eterna e detentora de livre-arbítrio. Com o pecado original, o homem abusou do seu livre-arbítrio,
desobedecendo a Deus, trilhando, assim, o caminho equivocado. Além disso, compreendem que em
decorrência desse pecado, o livre-arbítrio foi reduzido, permanecendo no ser humano a capacidade de fazer
boas ações como uma pré-condição para obter a salvação. Todavia, isto não é o suficiente; pois somente pelo
Cristo que o homem pode ser salvo, seguindo os exemplos deixados por ele como: sua vida, sua expiação,
seu sacrifício e sua ressurreição. A salvação não é uma imposição divina e sim uma livre escolha a partir da
crença na Palavra de Deus difundida pela Igreja Católica.
Para a Igreja Católica, os santos são pessoas que dedicaram a vida a honrar a Deus de maneira
extraordinária. A morte como um mártir, isto é, quando uma pessoa é submetida a suplícios em função de
suas convicções, ou por meio dos “milagres”, segundo a crença, comprovados, o processo de canonização153
é iniciado.
4. Santo Agostinho
Agostinho nasceu em 354, na cidade de Tagaste. Filho de mãe cristã, Mônica, e de pai pagão,
Patrício, um oficial romano, logo perceberam o quão brilhante era o filho, colocando-o nas melhores escolas.
Estudou retórica em Cartago e foi estimulado a ler autores latinos como Cícero. Por meio dos
estudos, estava plenamente convencido de que a busca pela verdade era o seu objetivo de vida. Inicialmente,
Agostinho rejeitou o Cristianismo porque via nele uma religião para pessoas iletradas ou de conhecimento
reduzido.
153
Canonização: ato pelo qual a Igreja Católica declara que uma pessoa morta é um santo, inscrevendo-a no cânon, ou lista, dos
santos reconhecidos. O ato de canonização é exclusividade do Vaticano, ou seja, a coisa é decidida pelo mais alto escalão do clero e
ratificada pelo próprio papa.
154
TAVARES, Clovis. Mediunidade dos santos. 1. ed. Brasília: FEB; Araras: IDE, 2015. Cap. 1 — Mediunidade e Santidade, p. 24.
61
Buscando novas experiências intelectuais, mas nada foi capaz de superar a sua insatisfação,
Agostinho sai de Cartago em direção à Roma. Pouco tempo depois passou a residir em Milão. Neste local,
Agostinho se encontrou com o bispo Ambrósio e chegou a uma conclusão que seria o primeiro passo para a
sua transformação: aprendeu que, apesar do Cristianismo ser uma religião, cuja maioria vive na pobreza
material, haviam ensinamentos elevados e ele viu na prática essa realidade quando teve a certeza do
brilhantismo de Ambrósio.
Em 387, enquanto estava sentado em um jardim de Milão, Agostinho ouviu uma criança cantar uma
música que dizia: “Pegue-a e leia-a, pegue-a e leia-a”. Agostinho imediatamente leu a primeira coisa que
encontrou na sua frente: era exatamente a carta de Paulo aos Romanos. As palavras de Paulo tocaram
profundamente seu coração e Agostinho encontrou o que sua alma tanto buscava. Após esse encontro com a
essência cristã, Agostinho afirmou: “Foi como se a luz da fé inundasse meu coração e todas as trevas da
dúvida tivessem sido dissipadas.”.
Em 395, tornou-se bispo da cidade de Hipona, no norte da África.
Seus pensamentos se espalharam entre os teólogos católicos e mais tarde entre os protestantes.
Lutero e Calvino, por exemplo, citavam Santo Agostinho com bastante frequência, pois concordavam com a
sua ênfase na graça de Deus e na incapacidade do homem de salvar-se a si mesmo.
Já no plano espiritual, Santo Agostinho teve um papel de extrema relevância nas obras codificadas
por Allan Kardec.
Em O Livro dos Espíritos, nas questões 919 e 919a, temos um valioso ensinamento deste espírito:
Qual o meio prático mais eficaz para se melhorar nesta vida e resistir ao arrastamento do mal?
“Um sábio da Antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”
62
de maneira que não possa deixar dúvida alguma na vossa alma; foi por isso que, primeiramente,
chamamos a vossa atenção, através de fenômenos capazes de vos impressionar os sentidos; em
seguida, nós vos damos instruções, que cada um de vós está encarregado de difundir. Foi com este
155
objetivo que ditamos O Livro dos Espíritos. Santo Agostinho
5. A monarquia156 papal
No século VI o imperador Justiniano, responsável pela união das duas partes do Império, a do
Ocidente e a do Oriente, reclamou para si a superioridade de direito sobre a Igreja, confrontando diretamente
o bispo de Roma. No entanto, pelo fato de abrigar as sepulturas dos Apóstolos Pedro e Paulo, a Igreja
romana possuía um prestígio maior, e como consequência, o seu bispo detinha mais poder.
Com o papa Leão I (440–461), grande jurista e homem de Estado, houve uma mudança radical na
estrutura de poder da Igreja. Ele utilizou a forma romana de poder, ou seja, o absolutismo e o autoritarismo
do imperador. Para dar respaldo a esta nova estrutura monárquica, o papa Leão passou a interpretar trechos
do Novo Testamento de maneira a lhe conferir o poder absoluto.
[...] Os bispos de Roma, abusando do fácil entendimento com as autoridades políticas do Estado,
impunham suas inovações arbitrárias, contrariando as sublimes finalidades do ensinamento
daquele que preconizara a humildade e o amor como os grandes caminhos da redenção. 157
155
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011.
156
Monarquia: sistema de governo em que o monarca (rei) governa um país como Chefe de Estado. Não há eleições para a escolha
de um monarca. Este governo é de forma vitalícia, ou seja, o Chefe de Estado governa até morrer ou até que renuncie.
157
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 16 — A Igreja e a
invasão dos bárbaros, it. A Igreja de Roma.
158
Cisma: falta de acordo diante de um assunto que resulta na separação de uma pessoa ou grupo de pessoas de uma organização,
geralmente religiosa.
159
Excomungar: expulsar, um ou mais integrantes, do convívio na Igreja Católica.
63
7. A importância de Gregório VII
[...] Gregório VII, ouvindo as inspirações que lhe desciam ao coração, do plano invisível,
preparou-se para a missão que o esperava no Vaticano. Sua figura é das mais importantes do
século XI, pela fé e pela sinceridade que lhe caracterizaram as atitudes. Eleito papa, após a
desencarnação de Alexandre II, reconheceu que as primeiras providências que lhe competiam eram
as do combate ao simonismo160 no seio da instituição católica e as do restabelecimento da
autoridade da Igreja, que ele desejou sinceramente reconduzir ao seio do Cristianismo, embora as
lutas sustentadas contra Henrique IV façam parecer o contrário. Convocando um concílio em
Roma, no ano de 1074, procurou reprimir a enormidade de tantos abusos referentes ao mercado
dos sacramentos e às honras eclesiásticas. Filipe I e Henrique IV prometem amparo e auxílio às
decisões do pontífice, no sentido de regenerar a organização da Igreja. Henrique IV, porém,
prestigiado pelos bispos culpados de simonia, fugiu ao cumprimento da promessa e, depois de
exortado161 por Gregório VII, tenta depô-lo, reunindo em Worms um sínodo162 de sacerdotes
transviados. O papa excomunga o príncipe rebelado, ocorrendo então os célebres acontecimentos
de Canossa. A luta ainda não havia terminado, quando Gregório VII se desprende do mundo em
1085, deixando, porém, o caminho preparado para a Concordata de Worms, que se realizaria em
1122 com Henrique V, com a independência da Igreja e a regeneração aproximada de sua
disciplina.163
8. As Cruzadas
As Cruzadas foram expedições de caráter militar, embora tenham sido organizadas pela Igreja, com
o propósito de combater supostamente os “inimigos do Cristianismo”. Inicialmente, as cruzadas combateram
os muçulmanos, considerados infiéis. Não se limitando a esta guerra aos seguidores de Maomé, as Cruzadas
atingiram todos os povos não cristãos conhecidos da época.
A Primeira Cruzada foi iniciada em 1095, ao passo que a oitava e última foram realizadas no ano de
1270.
AS CRUZADAS
Ano Acontecimento
1095 Primeira Cruzada: O exército se encaminhou para o sul e para o leste, capturando as
cidades de Antioquia e Jerusalém. Depois da vitória na Terra Santa, houve um banho de
sangue.
1145 Segunda Cruzada: É proclamada pelo papa Eugênio II, sendo coordenada pelo rei da
França, Luís VII e pelo imperador alemão, Conrado III. Tiveram grandes dificuldades
nesta guerra, muito em função da força do chefe militar mulçumano chamado
Saladino.
1188 Terceira Cruzada: Organizada por Frederico I “Barba-Roxa”, imperador do Sacro
Império Romano-Germânico, Filipe Augusto, rei de França, e Ricardo Coração de Leão,
rei da Inglaterra, a pedido do papa Gregório VIII.
1198 Quarta Cruzada: Proclamada pelo papa Inocêncio III, sendo dirigida por Bonifácio I
de Montferrat e Balduíno IX de Flandres.
1215 Quinta Cruzada: Solicitada também por Inocêncio III por meio do IV Concílio de Latrão.
1225 Sexta Cruzada: Iniciada no papado de Gregório IX, sob o comando do imperador Frederico
II.
1248 Sétima Cruzada: Concebida no Concílio de Lyon, cujo comando foi do rei francês, Luís IX
(São Luís).
1270 Oitava Cruzada: Também foi comandada por Luís IX, mas o exército foi arrasado em três
meses devido a uma peste e depois por uma tempestade.
160
Simonismo: compra ou venda ilícita de coisas espirituais.
161
Exortar: aconselhar; fazer com que alguém pense ou se comporte de determinada maneira.
162
Sínodo: assembleia periódica de bispos de todo o mundo que, presidida pelo papa, se reúne para tratar de assuntos ou
problemas relacionados à Igreja.
163
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 18 — Os abusos do
poder religioso, it. Gregório VII.
64
Em muitos aspectos, as Cruzadas deixaram uma herança muito negativa. Sua ânsia de dominação
ameaçou ainda mais as relações entre as igrejas do Ocidente e do Oriente. Por sua vez, a brutalidade dos
cruzados em nome do Cristianismo somente contribuiu para manchar a mensagem do Cristo para os outros
povos.
9. Francisco de Assis
Na virada do século XII, ο futuro parecia promissor para o jovem Francisco Bernardone. Filho de um
rico comerciante da cidade de Assis, na Itália, Francisco podia olhar para o seu futuro e vislumbrar uma vida
de nobreza e de facilidades materiais.
A cidade de Assis estava em guerra contra Perúgia, cidade vizinha, e Francisco se encaminhou para
lá a fim de se tornar um dos combatentes. Ao ser capturado, foi mantido prisioneiro de guerra por um ano em
Perúgia. Pouco tempo depois de sua libertação, foi acometido de uma grave enfermidade.
Essas adversidades fizeram com que Francisco questionasse muitos aspectos de sua vida.
Reza a lenda que certa vez Francisco em sua cavalgada viu um leproso na estrada. Por sentir
verdadeira aversão, começou a galopar com rapidez a fim de deixar o enfermo para trás. Todavia, esse
homem parecia ter a face de Cristo. Diante da perplexidade, um senso de espiritualidade até então esquecido,
aflorou em Francisco. Imediatamente desceu de seu cavalo e foi ter com o enfermo. Deu dinheiro ao homem
e, colocando-o na garupa de seu cavalo, levou-o até seu destino.
A partir daí um desejo ardoroso de cuidar dos mais necessitados cresceu em Francisco, embora seu
pai não visse com bons olhos tamanha transformação moral. Em 1206, Francisco saiu de casa, renunciando à
riqueza do pai, que por fim terminou por deserdá-lo. O jovem de Assis passou a viver uma vida de absoluta
pobreza. Passou a dar comida e roupas a todos os que precisavam. Ele próprio passou a viver uma vida de
profunda simplicidade, pedindo aos ricos, sem qualquer vergonha, para partilhar com os aqueles que “nada
possuíam”.
164
Disponível em: http://cleofas.com.br/o-que-foram-as-cruzadas/
165
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 19 — As Cruzadas e o
fim da Idade Média, it. Fim das Cruzadas.
65
Francisco começou a pregar em capelas desertas próximas de Assis. Seu evangelho de amor e de
serviço ao próximo despertou a atenção de seguidores fiéis. Para os que estavam dispostos a se juntar a ele
na renúncia à riqueza, estabeleceu um conjunto de regras para a vida, o que ficou conhecido como as regras
básicas da ordem franciscana.
Na véspera do dia em que Francisco de Assis foi com os seus doze amigos pedir ao papa Inocêncio
III que fosse autorizada a pregação do Evangelho, o pontífice teve um sonho no qual a sua Catedral
balançava a ponto de estar prestes a cair. Em seguida a este abalo, surgia um monge enviado por Deus, que,
sozinho, apoiando-se contra as muralhas frágeis, impedia que a queda fosse consumada. Inocêncio III
compreendeu que Francisco era o missionário responsável por relembrar o verdadeiro sentido dos
ensinamentos do Cristo.
Em 1218, Francisco tinha cerca de três mil seguidores. Contudo, ele havia tocado em um ponto
crítico para a Igreja na época. A estrutura eclesiástica havia acumulado poder e riqueza. Francisco, no
entanto, ofereceu um novo caminho de humildade e muitos devotos seguiram seu exemplo. Outras pessoas,
que não estavam dispostas a fazer tais sacrifícios, admiravam essa postura genuinamente cristã e apoiavam
seu ministério com ofertas.
Séculos mais tarde, Martinho Lutero (1483–1546), precursor da Reforma Protestante, criticaria
severamente a tradição franciscana de dar ênfase às boas obras. Para Lutero, a salvação vem somente pela fé
e não pelas obras.
Francisco morreu no auge de seu reconhecimento público, em outubro de 1226. Foi canonizado dois
anos depois, tornando-se São Francisco de Assis. Em 1939, Pio XII proclamou que São Francisco de Assis
era o “mais italiano dos santos e mais santo dos italianos”, anunciando-o padroeiro principal da Itália.
[...] se a Inquisição preocupou longamente as autoridades da Igreja, antes da sua fundação, o negro
projeto preocupava igualmente o Espaço, onde se aprestaram providências e medidas de renovação
educativa. Por isso, um dos maiores apóstolos de Jesus desceu à carne com o nome de Francisco
de Assis. Seu grande e luminoso espírito resplandeceu próximo de Roma, nas regiões da Úmbria
desolada. Sua atividade reformista verificou-se sem os atritos próprios da palavra, porque o seu
sacerdócio foi o exemplo na pobreza e na mais absoluta humildade. [...]166
166
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 18 — Os abusos do
poder religioso, it. Francisco de Assis.
167
Herdeiro do trono francês.
66
No livro Joana d’Arc, médium, por Léon Denis, nos apresenta a personalidade de um espírito que
nenhum registro oficial informa: “um espírito de ordem superior de qualidades mediúnicas que desde cedo
estava sendo orientada para uma missão que mudaria os rumos da história”.
Suas características e sua maneira de ser já mostravam que era diferente, superior às pessoas de sua
época com um especial objetivo.
Desde cedo, vozes lhe diziam para ser boa e confiar no Senhor e frequentar a igreja. No seu tempo o
Catolicismo era a religião oficial e referência para as pessoas que tinham no Cristianismo as coisas de Deus.
Uma das vozes se identificou para Joana como arcanjo São Miguel, informando sobre a missão que
ela teria junto à França ao qual se sentiu incapaz, pois se tratava de uma pobre e jovem moça e sequer sabia
cavalgar, muito menos guerrear. Porém, os conselhos dos espíritos estavam cada vez mais frequentes,
afirma-nos Denis: “[...] conselhos dos Espíritos superiores são sempre breves, concisos,elevados e
luminosos”.
Registros oficiais informam que aos 17 anos Joana foi a Vaucouleurs, cidade vizinha a Domrèmy.
Recorreu a Robert de Baudricourt, capitão da guarnição armagnac estabelecida em Vaucouleurs para lhe
ceder uma escolta até Chinon, onde estava o delfim, já que teria que atravessar todo o território hostil
defendido pelos ingleses e bourguignons. Quase um ano depois, Baudricourt aceitou enviá-la escoltada até o
delfim. A escolta iniciou-se aproximadamente em 13 de fevereiro de 1429. Entre os seis homens que a
acompanharam estavam Poulengy e Jean Nouillonpont (conhecido como Jean de Metz). Jean esteve presente
em todas as batalhas posteriores à Joana d'Arc.
Um dado curioso para a aceitação de Joana na frente de batalha estava remetido a uma profecia de
Merlin, o bardo, de que uma missionária jovem virgem iria defender e libertar a França.
Sozinha na presença do rei, ela o convenceu a lhe entregar um exército com o intuito de libertar
Orléans. Porém, o rei ainda a fez passar por provas diante dos teólogos reais. As autoridades eclesiásticas em
Poitiers submeteram-na a um interrogatório, averiguaram ainda sua virgindade e suas intenções.
Convencido do discurso de Joana, o rei entrega-lhe em mãos uma espada e um estandarte,
autorizando-a a acompanhar as tropas francesas que seguiam rumo à libertação da cidade de Orléans, que
havia sido invadida e cercada pelos ingleses havia oito meses.
Somente uma grande capacidade mediúnica é capaz de explicar como uma jovem com pouco mais
de 18 anos pôde liderar um exército de homens cheios de maus hábitos e vícios de pilhagem. Viam nela uma
fada, uma bruxa como daquelas assombrações dos bosques;dessa forma Joana conquistou rapidamente uma
ascendência sobre todos.
Denis afirma ainda que os livros de história para as escolas da França falam da heroína Joana, de
como lutou pelo país, mas não explicam como ela, ainda adolescente e mulher, foi aceita por um exército de
homens brutos para comandá-los e de onde vinham seus méritos e poder de persuasão sobre os militares e a
sociedade. A história oficial e todos registros sobre ela eliminaram de Joana d’Arc tudo que fosse
espiritualista.
As vozes que orientavam Joana lhe diziam como agiria em cada batalha, o que a tornava consciente
da sua missão, ciente que não duraria mais de um ano e que todos deveriam aproveitá-la bem nas frentes de
batalha,, pois tinha certeza da curta duração da sua carreira militar e da sua vida.
Ainda segundo Denis, após lutar emvárias cidades da França sempre obtendo sucesso, Joana foi
recebida em Reims como uma Santa, por uma grande multidão que queria pelo menos tocar-lhe as mãos e
seu anel. Todos tinham a certeza que tinha sido enviada de Deus para libertar o reino.
Em outros registros históricos, cerca de um mês após sua vitória sobre os ingleses, em Orléans, ela
conduziu Carlos VII à cidade de Reims, onde foi coroado rei da França, em 17 de julho de 1429. A vitória de
Joana d'Arc e a coroação do rei acabaram por reacender as esperanças dos franceses para se libertarem do
domínio inglês,representando a virada da guerra.
Joana logo encorajou o rei Carlos a sitiar Paris, uma fortaleza inglesa, e o ataque foi consumado em
8 de setembro. Joana foi ferida na perna com uma balestra, mas continuou a lutar. Na manhã seguinte, no
entanto, recebeu uma ordem real para recuar.
67
Em 1456, Joana d'Arc foi considerada inocente pelo papa Calisto III e o processo que a condenou foi
considerado inválido. Quase cinco séculos após sua morte, a Igreja Católica autorizou sua beatificação, no
dia 18 de abril de 1909. Em 1920, foi canonizada pelo papa Bento XV. Nesse mesmo ano, se tornou santa
padroeira da França.
Segundo Denis:
Uma legião de espíritos elevados vieram confortá-la, seres a quem ela chamava de “irmãos do
paraíso”. Estes diziam que sofrer é engradecer-se, é elevar-se, ela receberia a libertação
conforme ensinada pelos druidas, seus antepassados: a morte pelos martírios, mas com grande
vitória espiritual.
Joana comunicou mediunicamente a Léon Denis que na fogueira ela recebia chuvas de fluidos
benéficos dos amigos espirituais que aliviavam sua dor.
Segundo Humberto de Campos, pela psicografia do médium Chico Xavier, a última reencarnação de
Judas Escariotes, na Terra, foi como Joana d'Arc, conforme mensagem apresentada no livro Crônicas de
Além-Túmulo.
Nessa última encarnação, o espírito Joana ou como queiram, Judas, já se encontrava bastante
adiantado e perdoado pelo Mestre Jesus e muito apto para nobre missão de luta pela libertação da França.
Léon Denis em um de seus vários trabalhos de pesquisas mediúnicas recebe de um de seus mentores,
junto ao trabalho de divulgação do Espiritismo, esse espírito se apresenta como Espírito Azul, auxiliando nas
tarefas, mais tarde se identifica como o espírito Joana d’Arc.
Muito pouco valeram as lições do bem, diante do mal triunfante, porque em 1231 o Tribunal da
Inquisição estava consolidado com Gregório IX. Esse instituto, ironicamente, nesse tempo não
condenava os supostos culpados diretamente à morte — pena benéfica e consoladora em face dos
martírios infligidos aos que lhe caíssem nos calabouços —,168 mas podia aplicar todos os suplícios
imagináveis.
A repressão das “heresias” foi o pretexto de sua consolidação na Europa, tornando-se o flagelo e a
desdita do mundo inteiro.
Longo período de sombras invadiu os departamentos da atividade humana. A penumbra dos
templos era teatro de cenas amargas e sacrílegas.169 Crimes tenebrosos foram perpetrados ao pé
dos altares, em nome daquele que é amor, perdão e misericórdia.
[...]
A Inquisição foi obra direta do papado, e cada personalidade, como cada instituição, tem o seu
processo de contas na Justiça divina. Eis por que não podemos justificar a existência desse tribunal
espantoso, cuja ação criminosa e perversa entravou a Humanidade por mais de seis longos
séculos.170
[...] O Tribunal da Inquisição, com poderes de vida e morte nos países católicos, fez milhares e
milhares de vítimas, ensombrando o caminho dos povos. Espetáculos sangrentos e detestáveis
verificaram-se em quase todas as grandes cidades da Europa, os autos de fé acenderam horrendas
fogueiras do Santo Ofício, por toda parte onde existissem cérebros que pensassem e corações que
sentissem.171
A título de registro histórico, em 1998,o Vaticano abriu os arquivos do Santo Ofício (o nome atual da
Inquisição), para uma equipe de 30 pesquisadores de todo o mundo, sem vinculação com a Igreja
Católica. Esses estudiosos fizeram uma análise extensa da documentação disponível e elaboraram um
relatório de 800 páginas. Em linhas gerais, concluíram que a tortura era uma atividade rara e somente um por
168
Calabouço: prisão subterrânea, fria e escura; masmorra.
169
Sacrílegas: provém do termo sacrilégio, um pecado grave contra as coisas sagradas.
170
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 18 — Os abusos do
poder religioso, its. A Inquisição; A obra do papado.
171
______. ______. Cap. 20 – Renascença do mundo, it. Companhia de Jesus.
68
cento das pessoas que se apresentaram perante a Inquisição Espanhola — a mais extensa e radical — foram
realmente executadas.
Curioso notar que muitos livros de História apontam para cerca de 20 milhões de mortes ou mais.
Partindo do pressuposto de que esta reavaliação esteja correta e a visão geral desse período equivocada,
ainda assim, quando Emmanuel afirma que milhares foram mortos, esta informação é perfeitamente factível,
até mesmo para os pesquisadores dos documentos do Vaticano.
Nada, todavia, justifica as atrocidades cometidas, mesmo em escala mais reduzida. Compreendendo
esta realidade, ao final do trabalho dos acadêmicos, o papa João Paulo II, responsável por solicitar esta
pesquisa, teve a grandeza de pedir perdão pelos excessos cometidos no período da Inquisição.
69
CAPÍTULO 9
A REFORMA PROTESTANTE
Objetivos
Ideias principais
1. Precursores da Reforma:
Segundo a história oficial, Martinho Lutero foi o principal nome associado à Reforma Protestante no
século XVI. Porém, a própria História também revela partes consideráveis de que suas ideias reformadoras
vieram da inspiração de outros homens que haviam criticado a Igreja Católica séculos antes do padre alemão.
172
A Indulgência é assim definida no Código de Direito Canónico (cf. cân. 992) e no Catecismo da Igreja Católica (n. 1471): “A
indulgência é a remissão, perante Deus, da pena temporal devida aos pecados cuja culpa já foi apagada; remissão que o fiel
devidamente disposto obtém em certas e determinadas condições pela ação da Igreja que, enquanto dispensadora da redenção,
distribui e aplica, por sua autoridade, o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos”.
70
2. Martinho Lutero: a fé como elemento único da salvação
— A Reforma e os movimentos que se lhe seguiram vieram ao mundo com a missão especial de
exumar a “letra” dos Evangelhos, enterrada até então nos arquivos da intolerância clerical, nos
seminários e nos conventos, a fim de que, depois da sua tarefa, pudesse o Consolador prometido,
pela voz do Espiritismo cristão, ensinar aos homens o espírito divino de todas as lições de Jesus.173
A Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero a partir de 1517, foi além da crítica aos dogmas
e práticas contestáveis da Igreja Católica.
Em linhas gerais, o Protestantismo privilegiou três doutrinas essenciais, contrárias aos dogmas da
Igreja Católica: a justificação pela fé, o sacerdócio universal, a infalibilidade174 apenas da Bíblia.
Com o apoio de segmentos sociais insatisfeitos com a enorme autoridade e poder do papa, a Reforma
contribuiu para modificar não apenas o aspecto religioso, mas foi responsável também por mudanças
políticas, sociais e econômicas.
[...] O plano invisível determina, assim, a vinda ao mundo de numerosos missionários com o
objetivo de levar a efeito a renascença da Religião, de maneira a regenerar os seus relaxados
centros de força. [...]175
É comum que se analise neste período que corresponde ao final do século XV e início do XVI os
muitos grupos considerados hereges176 pela Igreja Católica que denunciavam os abusos do clero e
propunham um retorno ao modo de vida dos primeiros cristãos.
De acordo com Jean Delumeau, é necessário relativizar essa visão:
A tese segundo a qual os Reformadores teriam deixado a Igreja romana, porque ela estava repleta
de devassidões e impurezas é insuficiente. No tempo de Gregório VII e de São Bernardo, existiam
tantos abusos na Igreja como na época da Reforma. Não resultou daí, contudo, nenhuma ruptura
comparável à do Protestantismo. Outro fato que deve nos esclarecer: Erasmo, tão duro no Elogio
da Loucura (1511)177 para os padres, monges, bispos e papas do seu tempo, não aderiu, entretanto,
à Reforma. Inversamente, quando, no século XVII, a Igreja Católica tinha corrigido a maior parte
das fraquezas disciplinares que podia-se legitimamente lhe censurar no século precedente, as
diferentes confissões reformadas não procuraram regressar à obediência de Roma. 178
A doutrina da justificação pela fé e não pela prática de boas obras contrariava a venda de
indulgências, prática comum na época e motivo de críticas de Lutero, expressas, sobretudo, quando elaborou
as suas 95 Teses.179
A seguir algumas teses de Lutero:
Tese 75: Considerar as indulgências do papa tão poderosas, a ponto de poderem absolver alguém
dos pecados, mesmo que (cousa impossível) tivesse desonrado a mãe de Deus, significa ser
demente.
Tese 86: Ainda: Por que o papa, cuja fortuna hoje é mais principesca do que a de qualquer Credo,
não prefere edificar a catedral de S. Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro
de fiéis pobres?
173
XAVIER, Francisco C. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Q. 295.
174
Infalibilidade: qualidade do que é infalível; infalível, por sua vez, é tudo aquilo que não comete erros, que nunca se engana ou
se confunde.
175
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença no
mundo, it. Renascença religiosa.
176
Hereges: é o nome dado ao indivíduo que professa uma heresia, ou seja, que questiona certas crenças estabelecidas por uma
determinada religião.
177
Elogio da Loucura: Uma das mais célebres obras filosóficas da Renascença, O elogio da loucura, foi escrito, originalmente, em
latim e publicada em Paris, no ano de 1511, pelo escritor, filósofo e teólogo Desiderius Erasmus (1469–1536), mais conhecido como
Erasmo de Rotterdam, em referência ao porto holandês onde nasceu.
178
DELUMEAU, Jean. Nascimento e a afirmação da Reforma. São Paulo: Pioneira, 1989. Livro II, cap. I.
179
Disponíveis em: http://www.monergismo.com/textos/credos/lutero_teses.htm
71
Tese 95: E assim esperem mais entrar no Reino dos céus através de muitas tribulações do que
facilitados diante de consolações infundadas.
Por ocasião dos primeiros protestos contra o fausto 180 desmedido dos príncipes da Igreja, ocupava
a cadeira pontifícia Leão X, cuja vida mundana impressionava desagradavel-mente os espíritos
sinceramente religiosos. Sob a sua direção criara-se, em 1518, o célebre Livro das taxas da
sagrada chancelaria e da sagrada penitenciária apostólica, onde se encontrava estipulado o preço
de absolvição para todos os pecados, para todos os adultérios, inclusive os crimes mais hediondos.
Tais rebaixamentos da dignidade eclesiástica ambientaram as pregações de Lutero e seus
companheiros de apostolado.181
O papa Leão X exigiu que Lutero voltasse atrás em suas afirmações. Lutero além de não responder
ao documento condenatório convocando-o a ir para Roma, simplesmente o queimou, provocando
imediatamente a sua excomunhão.182 Ao receber a proteção da nobreza alemã, Lutero manteve-se escondido,
pois nada poderia garantir que ele não tivesse o mesmo fim que Jan Hus,183 nesse momento de profunda
tensão.
Além do mais, Lutero tinha a expectativa de que a nobreza alemã adotasse a religião reformada a
partir de suas novas concepções. Entretanto, haviam outros setores vinculados à Reforma que tinham
posturas mais radicais. Eles ficaram conhecidos como os anabatistas e tinham como propostas mais
conhecidas, o retorno ao igualitarismo dos tempos apostólicos. Os anabatistas eram favoráveis a partilha de
riquezas, sobretudo a partir da divisão justa da terra.
Os anabatistas eram integrantes da pequena nobreza sem terras e prestígio social. Inspirados pelos
ideais de Lutero de crítica do enriquecimento da Igreja Católica, invadiram as propriedades do clero e
realizaram uma divisão com os camponeses. Ocorre que o próprio Lutero condenou essas ações mais
radicais, afirmando que as terras deveriam ficar sob o domínio da alta nobreza, isto é, os grandes senhores
detentores de poder político e econômico.
Thomas Munzer, líder dos anabatistas, percebendo que Lutero estava vinculado aos setores mais
aristocráticos,184 rompeu relações com o reformador, e estabeleceu a sua própria doutrina, cuja principal
bandeira era a extinção da propriedade privada.
Em 1530, Lutero sistematizou sua doutrina: a fé como a única fonte de salvação, a livre interpretação
da Bíblia e a sua tradução para as línguas nacionais, a existência de uma igreja nacional, sem o domínio do
papa e dos bispos e o fim do celibato dos padres, eram as suas principais concepções religiosas.
[...]Os postulados de Lutero constituíram, antes de tudo, modalidade de combate aos absurdos romanos,
sem representarem o caminho ideal para as verdades religiosas. Ao extremismo do abuso, respondia
com o extremismo da intolerância, prejudicando a sua própria Doutrina. Mas o seu esforço se
coroou de notável importância para os caminhos do porvir.185
180
Fausto: luxo, ostentação.
181
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença do
mundo, it. Renascença religiosa.
182
Excomunhão: penalidade da Igreja Católica que consiste em “excluir” alguém da totalidade ou de parte dos “bens espirituais”
comuns aos fiéis.
183
A vida de Jan Hus será analisada na segunda parte deste guia histórico-doutrinário.
184
Aristocracia: em sua acepção literal, significa: poder dos melhores (termo que provém do grego aristos, o melhor, e kratos,
poder. Em sentido mais amplo, significa basicamente uma organização sociopolítica baseada em privilégios de uma classe social
formada por nobres.
185
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença do
mundo, it. Renascença Religiosa.
72
A Reforma conseguiu arrancar a metade da Europa do jugo de Roma. O Protestantismo distingue-
se do Catolicismo pelo princípio em que repousa: o livre-exame. Sua moral é mais precisa. Ele tem
o mérito de se aproximar mais da simplicidade evangélica. Mas a ortodoxia protestante não
poderia ser considerada como a última palavra da renovação religiosa, em razão de seu apego
exclusivo à “letra que mata” e à bagagem dogmática que conservou, em parte. 186
[...] Ele não cria a todos em uma mesma condição e estado; mas ordena uns a vida eterna e a outros
a perpétua condenação. Portanto, segundo o fim a que o homem é criado, dizemos que está
predestinado ou à vida ou à morte.188
O calvinismo como um movimento religioso contribuiu para as grandes lutas políticas e culturais do
século XVI e XVII nos principais países capitalistas da Europa, especialmente na Inglaterra e na França.
Os princípios calvinistas tinham como fundamento uma rigorosa disciplina, além da valorização
moral do trabalho e a importância da poupança. De acordo com Calvino, determinados indivíduos eram
predestinados a salvação e outros não. Para Calvino, a salvação almejada por muitos não depende do mérito
pessoal: a determinação é uma decisão de Deus e cabe aos indivíduos apenas aceitar.
Mas qual era o critério para descobrir se alguém era predestinado ou não? O critério é relativamente
simples: se o indivíduo havia obtido em vida riqueza material, era um indício inquestionável de que Deus o
havia escolhido para ser salvo. Esse pensamento religioso deu sustentação ideológica ao capitalismo ainda
nascente, porque valoriza, social e espiritualmente, quem detém um poder aquisitivo maior.
Em conformidade, pois, com a clara doutrina das Escrituras asseveramos que Deus, por um
desígnio eterno e imutável, determinou de uma vez para sempre quais as criaturas que ele admitiria
à salvação e quais as que condenariam à destruição. Afirmamos que esse desígnio, no que diz
respeito ao escolhido, baseia-se em Sua bondade gratuita, totalmente independente do mérito
humano, mas que, para os que ele destina à condenação, o portão da vida encontra-se fechado por
uma decisão justa e irrepreensível, porém, incompreensível. 189
A partir de 1541, não apenas a religião, mas o próprio governo de Genebra já estava sob total
domínio de Calvino. Sua autoridade era praticamente ilimitada e por esse motivo exerceu um controle
permanente do cotidiano das pessoas, obrigando-as, inclusive, a participar dos cultos sob a sua orientação
teológica.
4. Caça às “bruxas”
De 1450 a 1750, longos três séculos, as mulheres que ousassem questionar os dogmas católicos e
mais tarde as ideias protestantes, eram classificadas como bruxas, sendo, em muitos casos, levadas à
fogueira. Católicos e protestantes eram unânimes em afirmar que todas os fenômenos “sobrenaturais” só
poderiam ser obra do “demônio”.
Essa doutrina era repetida em tom de ameaça nas hostes católicas e protestantes. Consideravam ainda
que a bruxaria constituía como uma calamidade tão perigosa quanto a peste, perigo constante naquele
período.
186
DENIS, Léon. Depois da Morte. Trad. Maria Lucia Alcantara Carvalho. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Cap. VI — O Cristianismo,
p. 93.
187
Jean Calvin Noyon (1509–1564), teólogo e reformador francês.
188
CALVINO. In: ARTOLA, Miguel. Textos fundamentales para la historia. Madri: Aliansa, 1995. [Nossa tradução].
189
CALVINO. In: DURANT, Will. A Reforma. Rio de Janeiro: Record, 1993.
73
Convém observar que ao estabelecer uma relação”da mulher com o pecado original e analisando ao
pé da letra essa passagem bíblica, os religiosos desse período impuseram um fardo muito pesado para a
mulher, realidade que se estendeu até o século XVII.
[...] Foi em plena Idade Moderna — a mesma que presenciou a descoberta de um novo mundo com as
grandes navegações, a ascensão da burguesia comercial, o fim do domínio feudal e a formação dos
primeiros Estados nacionais europeus — que o temor às forças do “mal” deixou o campo da crendice
popular para se tornar alvo de uma perseguição sistemática de tribunais leigos, religiosos e da
Inquisição — sob controle papal. Não que as fogueiras tenham sido estranhas à sociedade medieval. A
Idade Média também presenciou exibições do poder purificador das chamas, a mais notável delas, sem
dúvida, aquela que consumiu a vida da jovem Joana d’Arc, em 30 de maio de 1431, na cidade de
Rouen, então sob domínio inglês. Heroína nacional, Joana ficou famosa depois que conduziu o exército
francês à vitória sobre os ingleses em Orléans e deu início à revanche de seu país na Guerra dos Cem
Anos (1337–1453), até aquele momento vencida fragorosamente pelos britânicos.190
190
Disponível em:http://super.abril.com.br/historia/inquisicao-idade-moderna-e-as-bruxas-as-mulheres-em-chamas
74
GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO IV
"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução,
mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por
escrito da Instituição."
75
CAPÍTULO 10
RENASCENÇA DO MUNDO: TEMPO DE
RUPTURA
Objetivos
Ideias principais
1. O processo de renovação
191
Nos albores do século XV, quando a Idade Média estava prestes a extinguir-se, grandes assembleias
espirituais se reúnem nas proximidades do planeta, orientando os movimentos renovadores que, em virtude
192
das determinações do Cristo, deveriam encaminhar o mundo para uma nova era.
A palavra Renascença quer dizer “renascimento”, isto é, um novo nascimento. O que estava
renascendo era o humanismo da Antiguidade. A Idade Média foi um período de extrema religiosidade, no
qual Deus estava no centro de todas as preocupações. Agora, contudo, os humanistas da Renascença
voltavam a se aprofundar nas culturas gregae romana, anteriores ao Cristianismo. Na Era Moderna, a Idade
Média passou a ser percebida como uma época obscura, período intermediário entre duas épocas gloriosas: a
arte e a cultura da Antiguidade e o período atual, cujo propósito era retornar às origens.
William Shakespeare em sua obra Hamlet, preconizou as dádivas do ser humano, algo impensável na
Idade Média que, como já afirmamos, estava centrada em Deus.
[...] Que obra de arte é o homem: tão nobre no raciocínio, tão vário 193 na capacidade; em forma o
movimento, tão preciso e admirável; na ação é como um anjo; no entendimento é como um Deus;
a beleza do mundo, o exemplo dos animais. [...]194
A Renascença redescobriu o valor do ser humano. Assim puderam renovar a filosofia, a ciência e a
literatura. Até mesmo os fenômenos naturais, antes visto como castigo divino em muitas ocasiões na Idade
Média, agora eram vistos de maneira positiva, o que despertou um estudo mais aprofundado do mundo
natural.
191
Albores: início, começo, os primeiros.
192
XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2015. Cap. 20, item:
Movimentos regeneradores, p.159.
193
Vário: caracterizado pela diversidade, que abrange diversas manifestações.
194
SHAKESPEARE, William. Hamlet.
76
Deolindo Amorim avalia que a renovação é necessária para que o progresso seja uma realidade:
[...] Há renovação constante de ideias, costumes, conceitos, quadros sociais etc. etc., pois não
haveria progresso se não houvesse renovação. Mas renovação é enriquecimento e melhoramento,
não é destruição total de experiências acumuladas por gerações anteriores. 195
A partir do século XV a cultura renascentista saiu da Itália e se espalhou para outros países,
difundindo uma nova atitude para com a Humanidade, um novo método científico e uma nova imagem do
mundo.
2. Arte renascentista
“[...] Antigos mestres de Atenas reencarnaram na Itália, espalhando nos departamentos da pintura e
da escultura as mais belas joias do gênio e do sentimento. [...]”197
A arte renascentista possui como fonte de inspiração o modelo artístico grego, cujas características
consistem na valorização do homem e um alto grau de fidelidade à natureza.
O artista na Idade Média era considerado um instrumento da manifestação divina, não tendo,
portanto, méritos próprios. Na Renascença, por sua vez, o artista passa a ser valorizado, tendo a oportunidade
de realizar experiências e descobertas.
[...] Há mesmo, em todos os departamentos das atividades artísticas, um pronunciado sabor da vida
grega, anterior às disciplinas austeras do Catolicismo na idade medieval, cujas regras, aliás,
atingiam rigorosamente apenas quem não fosse parte integrante do quadro das autoridades
eclesiásticas.198
É nesse período que a arte passa a ter relativa autonomia, conquistando um espaço próprio,
diminuindo o impacto da religião. A seguir breves palavras sobre os dois principais expoentes das artes nesse
período.
Nasceu na Itália no dia 15 de abril de 1452. Foi um dos mais importantes pintores do Renascimento
Cultural. É considerado um gênio, pois demonstrava excelente habilidade como anatomista, engenheiro,
matemático, músico, arquiteto e, claro, pintor e escultor.
As pinturas de da Vinci revelam algumas características marcantes, tais como o uso de cores
próximas da realidade, figuras humanas perfeitas, temas religiosos, paisagens, figuras humanas com
expressões de sentimento, tudo isso com profunda minuciosidade artística. A sua obra mais famosa é a
enigmática Gioconda (Monalisa), ainda hoje considerada uma das pinturas mais importantes de todos os
tempos.
195
AMORIM, Deolindo. Análises espíritas. (Compilação de Celso Martins). 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 12 — Passado e
presente.
196
HELLER, Agnes. O homem do renascimento. Lisboa: Presença, 1982.
197
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença do
mundo, it. Movimentos regeneradores, p. 160.
198
______. ______. it. Apogeu da Renascença.
77
2.2 Michelangelo
Nasceu na Itália no dia 6 de março de 1475. Como grande parte dos pintores e escultores da época,
Michelangelo iniciou a sua carreira artística como aprendiz de um grande mestre das artes: Domenico
Ghirlandaio. Após observar o talento do jovem aprendiz, Ghirlandaio encaminhou-o para a cidade de
Florença, para aprender com Lorenzo de Médici. Na Escola de Lorenzo de Médici, Michelangelo
permaneceu por dois anos (1490 a 1492), recebendo influências artísticas de vários pintores, escultores e
intelectuais da época, já que a cidade era um grande centro de produção cultural.
Sua principal obra foram os afrescos do teto da Capela Sistina.
Henrique de Sagres, príncipe português nascido no Porto, foi considerado um dos grandes heróis da
história de Portugal por seu relevante papel na expansão ultramarina portuguesa, especialmente no que diz
respeito aos descobrimentos, sobretudo quando mudou-se para Sagres, em 1433, onde fez o seu próprio
quartel-general e fundou um Centro de Estudos de Náutica, Astronomia, Cosmografia e Ciências correlatas,
que com o decorrer do tempo, transformou-se na famosa Escola de Sagres.
Portugal, por ter alcançado a sua unificação, conseguiu um desenvolvimento náutico e de
instrumentos marítimos sem precedentes, tornando-se, assim, o país certo para a aventura das grandes
navegações.
Desde o início, o que motivou a expansão marítima, em Portugal, foi o equilíbrio entre os interesses
comerciais, militares e de evangelização. Todavia, anteriormente, entre os séculos XIV e XV, o que
impulsionou o espírito aventureiro na procura de novas rotas marítimas foi o mercado de especiarias do
Oriente. As “especiarias” eram produtos de origem vegetal, utilizados como temperos e conservação de
alimentos, já que naquela época não havia qualquer tipo de refrigeração.
Com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, em 29 de maio de 1453, os mercadores
portugueses e espanhóis ficaram impedidos de utilizarem esta rota tradicional, em virtude do domínio turco
estabelecido na região.
Em decorrência desses obstáculos, Portugal e Espanha passaram a organizar expedições de
exploração, com o objetivo de encontrar rotas alternativas tanto por terra quanto por mar.
Portugal buscou criar uma nova rota contornando o continente africano, instalando nessas viagens
entrepostos comerciais em algumas zonas costeiras da África. Por outro lado, o reino espanhol buscava uma
nova rota para o Oriente por meio do Ocidente.
Foi por meio desta estratégia e sob as ordens dos reis católicos da Espanha — Fernando e Isabel —
que o navegador genovês Cristóvão Colombo comandou a frota que primeiro alcançou o continente
americano em 12 de outubro de 1492.
Após a descoberta da América, grande esforço de seleção espiritual foi levado a efeito no seio das
201
lutas europeias, no intuito de criar no Novo Mundo um outro sentido de evolução.
Consolidado o Tratado de Tordesilhas entre Espanha e Portugal, objetivando a divisão das terras já
descobertas e por ainda descobrir, a expedição de Pedro Álvares Cabral, motivada inicialmente a encontrar
um novo caminho das Índias, se deparou com sinais de terra desconhecida pelo Ocidente até então.
Os navegadores perceberam de imediato um grande monte que chamaram de Pascoal, em alusão ao
período de páscoa daquela semana. O local passou a ser chamado de Terra de Vera Cruz e o encanto era
199
Península Ibérica: território onde estão localizados Portugal e Espanha, além do principado de Andorra e o território britânico
de Gibraltar.
200
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença do
mundo, it. Movimentos regeneradores.
201
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 — Renascença do mundo, it.
O plano invisível e a colonização do Novo Mundo.
78
patente entre os descobridores, mas, ao mesmo tempo, o território que mais tarde seria chamado de Brasil,
despertou também o interesse econômico e evangelizador.
A ciência legítima é a conquista gradual das forças e operações da Natureza, que se mantinham
ocultas à nossa acanhada apreensão. E como somos filhos do Deus Revelador, infinito em
grandeza, é de esperar tenhamos sempre à frente ilimitados campos de observação, cujas portas se
abrirão ao nosso desejo de conhecimento, à maneira que grandeçam nossos títulos
meritórios.[...]204
Com a transição da mentalidade medieval, profundamente submissa aos dogmas religiosos, e a visão
moderna de mundo, com o retorno da racionalidade para o entendimento dele, a Ciência moderna atingiu um
novo patamar no século XVII.
Conhecer algo a respeito da natureza não poderia mais se limitar ao exercício da reflexão: a Era
Moderna introduz o método de compreensão a partir da realidade observada.
Vê-se a Ciência no dever de investigar, de estudar, e, no seu afã incessante de saber, rolam por
terra ideias errôneas, mantidas até hoje como alicerces de todas as suas perquirições 205 [...]206
202
Proscritos: suprimido, eliminado, extinto.
203
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 20 —
Renascença do mundo, it. O plano invisível e a colonização do Novo Mundo.
204
______. No Mundo Maior. Pelo Espírito André Luiz. 28. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 9 — Mediunidade.
205
Perquirição: pesquisa, investigação.
206
XAVIER, Francisco C. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 13 — As
investigações da Ciência, it. 13.1 — O resultado das investigações.
79
4.2 Galileu Galilei (1564–1642)
Em sua observação sistemática do céu, aprofundou o modelo heliocêntrico do Universo, iniciado por
Copérnico. Em outras palavras, Galilei concluiu em seus estudos que a Terra estava em constante movimento
ao redor do Sol, assim como todos os planetas, o que o levou a considerar que o centro planetário do
Universo não era a Terra, mas sim o Sol, contrariando proposições da Igreja, como vimos com Copérnico,
que não tardou em considerá-lo um herege.
No tribunal, Galileu com receio da pena capital, se viu obrigado a negar todas as suas descobertas.
No entanto, apesar disso, foi condenado à pena de prisão domiciliar perpétua e a leitura semanal dos salmos
que respaldavam o dogma da Igreja. Somente em 1980, o papa João Paulo II determinou uma revisão do
processo contra Galileu, determinando a sua absolvição e eliminando os últimos resquícios de resistência da
Igreja Católica contra a revolução iniciada por Copérnico e aperfeiçoada por Galileu, uma das mudanças
mais radicais da História no que diz respeito à compreensão do funcionamento do Universo.
80
CAPÍTULO 11
ILUMINISMO: A RAZÃO A SERVIÇO DO
PROGRESSO
Objetivos
Ideias principais
1. Origens do Iluminismo
O Iluminismo foi um movimento de ideias que se desenvolveu no século XVIII a partir de uma
bandeira principal: o triunfo da razão. Os filósofos iluministas consideravam-se detentores da “luz” do
conhecimento verdadeiro, e por essa razão deveriam combater a tradição cultural que, apesar do
Renascimento do século XVI, ainda estava muito apegada à religiosidade da Idade Média, período que eles
consideravam as “trevas” da Humanidade.
O século XVIII iniciou-se entre lutas igualmente renovadoras, mas elevados Espíritos da Filosofia
e da Ciência, reencarnados particularmente na França, iam combater erros da sociedade e da
política, fazendo soçobrar207 os princípios do direito divino, em nome do qual se cometiam todas
as barbaridades.208
Os escritos mais importantes desse movimento intelectual eram unânimes em afirmar: somente pelo
uso da razão os indivíduos poderão atingir o verdadeiro progresso
Para os iluministas, qualquer ser humano é apto para pensar por si mesmo, sem a interferência da
religião ou de qualquer ideologia. Esses filósofos eram claramente anticlericais, isto é, contrários à
hegemonia da Igreja como um poder responsável por definir o que é certo ou errado.
Como Emmanuel afirmou em A Caminho da Luz, foi na França que o Iluminismo teve maior
destaque, tornando-se não apenas um movimento intelectual, mas uma doutrina política e social de
expressivas consequências. Os iluministas eram contrários à monarquia absolutista, modelo político no qual
o rei detinha poderes sem limites. Para eles, a sociedade deveria ser governada por um Estado constitucional.
Em outras palavras, defendiam a existência de uma autoridade nacional com poderes definidos e limitados
pela constituição.
Como não poderia deixar de ser, por todas essas transformações que esses filósofos buscavam
implementar, muitas pressões surgiram — sobretudo do governo e da Igreja —, os mais afetados por essa
nova fase da evolução humana.
Apesar das pressões, suas concepções prevaleceram e a Humanidade avançou. Um paralelo possível
de fazer desse período é com a própria Doutrina Espírita que no século seguinte iria descortinar a realidade
207
Soçobrar: arruinar; sofrer ou causar um fracasso.
208
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 21 — Época de
transição, it. Os enciclopedistas.
81
espiritual por meio da fé raciocinada. Assim como os iluministas, apesar das perseguições, sua revelação
prevaleceu.
2. A mentalidade iluminista
Vamos encontrar nessa plêiade209 de reformadores os vultos veneráveis de Voltaire, Montesquieu,
Rousseau, D’Alembert, Diderot, Quesnay. Suas lições generosas repercutem na América do Norte,
como em todo o mundo. Entre cintilações 210 do sentimento e do gênio, foram eles os instrumentos
ativos do mundo espiritual, para regeneração das coletividades terrestres. [...]211
[...] foi dos sacrifícios desses corações generosos que se fez a fagulha divina do pensamento e da
liberdade, substância de todas as conquistas sociais de que se orgulham os povos modernos. 212
Ao mesmo tempo em que as ideias iluministas se espalharam pelo mundo, novas descobertas
científicas contribuíram para o progresso da civilização.
Seguindo o caminho aberto por estudiosos da Renascença, como Copérnico, Kepler e Galileu, o
inglês Isaac Newton (1642–1727) elaborou um novo modelo para explicar o Universo. Tendo como
referência os estudos matemáticos de Blaise Pascal (1623–1662), Newton ultrapassou a simples descrição
209
Plêiade: reunião de pessoas ilustres.
210
Cintilação: brilho que produz deslumbramento.
211
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 21 — Época de
transição, it. Os enciclopedistas.
212
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 21 — Época de
transição, it. Os enciclopedistas.
82
do céu, chegando a analisar de maneira metódica a posição e a órbita de muitos corpos celestes. Além disso,
anunciou ao mundo a Lei da Gravitação Universal, que explicava desde o movimento de planetas longínquos
até a simples queda de uma fruta.
A Biologia progrediu também no estudo do ser humano com a identificação dos vasos capilares e da
circulação sanguínea. Descobriu-se também o princípio das vacinas — a introdução do agente causador da
moléstia no organismo para que este produza suas próprias defesas.
A Química deste período teve na figura de Antoine Lavoisier (1743–1794),o vulto mais expressivo.
Seus estudos provaram como a matéria pode mudar de estado por meio de uma série de reações químicas.
Atribuiu-se a ele a célebre frase: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”.
A descoberta da eletricidade e o surgimento de uma nova ciência — a Geologia — a partir da qual se
desenvolveu uma teoria que explicava a formação da Terra, foram inovações importantes deste período.
Convém observar que o Iluminismo trouxe consigo grandes avanços que abriram espaço para a
profunda mudança política determinada pela Revolução Francesa, processo histórico que será analisado a
seguir.
83
CAPÍTULO 12
LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE:
UMA NOVA ETAPA DA EVOLUÇÃO HUMANA
Objetivos
Ideias principais
1. A independência americana
As ideias nobilitantes213 dos autores da enciclopédia e das novas teorias sociais haviam encontrado
o mais franco acolhimento nas colônias inglesas da América do Norte, organizadas e educadas no
espírito de liberdade da pátria do parlamentarismo.
O mundo invisível aproveita, desse modo, a grande oportunidade, deliberando executar nas terras
novas os grandes princípios democráticos pregados pelos filósofos e pensadores do século XVIII.
E enquanto a Inglaterra desrespeita, para com as suas colônias, o grande princípio por ela própria
firmado, de que “ninguém deve pagar contribuições sem as ter votado”, os americanos resolvem
proclamar a sua independência política. Depois de alguns incidentes com a metrópole, celebram a
sua emancipação em 4 de julho de 1776, organizando-se, posteriormente, a Constituição de
Filadélfia, modelo dos códigos democráticos do porvir.214
A independência das treze colônias americanas foi influenciada por muitos autores do Iluminismo
que criticavam o poder dos reis, assim como a exploração das colônias por meio de monopólios. Dos
filósofos iluministas, o que influenciou de maneira mais efetiva os colonos foi John Locke (1632–1704).
Este filósofo desenvolveu a ideia de um Estado de base contratual. Este contrato entre o Estado e os
seus cidadãos teria por objetivo garantir os “direitos naturais do homem”. Estes direitos naturais eram a
liberdade, a felicidade e a prosperidade. Locke ia além ao afirmar que a maioria tem o direito de fazer valer
seu ponto de vista e, quando o Estado não cumpre seus objetivos e não assegura aos cidadãos a possibilidade
de defender seus direitos naturais, os cidadãos podem e devem fazer uma revolução neste Estado.
Na visão dos colonos americanos, a Inglaterra atentava contra os seus direitos fundamentais, tais
como a preservação da vida, a liberdade política e a busca pela propriedade.
Em virtude desses abusos da metrópole, as treze colônias se uniram contra a dominação inglesa,
apoiados nas ideias de Locke. Em meio ao aprofundamento das disputas armadas entre os colonos e ingleses,
em 1774, foi estabelecido o Congresso da Filadélfia.
Apesar dos congressistas terem opiniões diversas a respeito da ação que deveria ser tomada, o
folheto de Thomas Paine (1737–1809) intitulado Senso Comum: os direitos do homem pregava abertamente
a independência e atribuía ao rei da Inglaterra os males das colônias:
[...] Tudo o que é justo ou razoável advoga em favor da separação. O sangue dos que caíram e a
voz chorosa da natureza exclamam: Já é hora de separar-nos! Inclusive a distância que o todo-
213
Nobilitante: dignificante, enobrecedor.
214
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 21 — Época de
transição, it. A independência americana.
84
Poderoso colocou entre a Inglaterra e as colônias constitui uma prova firme e natural de que a
autoridade daquela sobre estas nunca entrou nos desígnios do Céu... 215
2. A Revolução Francesa
A independência americana acendera o mais vivo entusiasmo no ânimo dos franceses, humilhados
pelas mais prementes dificuldades, depois do extravagante reinado de Luís XV. 216
Em 1787, às vésperas da Revolução, esse padrão de injustiça começava a dar sinais de esgotamento.
Havia um grave problema financeiro e administrativo de complexa solução. Embora a crise exigisse uma
reforma profunda das instituições, a divisão social permaneceu intacta, mas não por muito tempo...
215
KARNAL, Leandro; [et al.]. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3 ed. São Paulo: Editora Contexto, 2011. Cap. O
processo de independência, it. Guerras e mais guerras.
216
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução
Francesa, it. A França no século XVIII.
217
Toga: vestimenta utilizada pelos juízes, advogados ou promotores no tribunal.
218
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A
Revolução Francesa, it. A França no século XVIII, p. 175.
85
De nada valera o esforço de Luís XVI convidando os espíritos mais práticos e eminentes para
colaborar na sua administração, como Turgot e Malesherbes. O bondoso monarca, que tudo fazia
para reerguer a realeza de sua queda lamentável, em virtude dos excessos do seu antecessor no
trono, mal sabia, na sua pouca experiência dos homens e da vida, que uma era nova começava para
o mundo político do Ocidente, com transformações dolorosas que lhe exigiram a própria vida. 219
O rei Luís XVI era um monarca absoluto, por muito tempo considerado um escolhido de Deus. Por
não estar submetido a uma Constituição, a sua vontade era a lei, razão pela qual seus ministros apenas
obedeciam a sua vontade, ao passo que os intendentes administravam as províncias em seu nome.
Ao se ver obrigado a convocar os Estados Gerais, uma espécie de consulta popular aos
representantes das três ordens sociais, os franceses tiveram a oportunidade de reivindicar profundas
transformações, levando esta tarefa até as últimas consequências.
O que ocorre em seguida é o aprofundamento do radicalismo, de ambas as partes: daqueles que
querem subverter a ordem e os que objetivam mantê-la como tal.
O historiador Michel Vovelle nos ajuda a compreender essa fase crucial da Revolução:
Derrubada a Bastilha em 14 de julho de 1789 e após a célebre Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, uma série de reformas se verifica em todos os departamentos da vida social e
política da França.224
219
______. ______. p. 175 e 176.
220
VOVELLE, Michel. A Revolução Francesa explicada à minha neta. Trad. Fernando Santos. São Paulo: Editora UNESP, 2007. Cap. 2,
p. 31.
221
Flagelo: tormento, aflição.
222
Esfacelar: destruir, estragar.
223
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 15 — A Revolução Francesa, p. 95.
224
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília, 2016. Cap. 22 — A
Revolução Francesa, it. Época de sombras.
86
Muitos direitos que hoje em dia consideramos como naturais só foram possíveis por meio de muito
empenho e lutas renovadoras. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi um avanço notável
em meio a efervescência revolucionária daquele período.
A seguir alguns dos artigos que demonstram o caráter renovador:
o
Art.1 Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem
fundamentar-se na utilidade comum.
o
Art. 4 A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício
dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros
membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados
pela lei.
o
Art. 6 A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer,
pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos,
seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente
admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem
outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.
o
Art. 10 Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que
sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
o
Art. 11 A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do
homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia,
pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.225
Dois sentimentos eram predominantes neste momento: esperança e medo. Esperança de uma
sociedade mais justa; medo, em função do radicalismo. O medo pode ser exemplificado pelos muitos
castelos incendiados em toda a França, e a destruição pelos camponeses de todos os documentos que
determinavam pagamentos abusivos de impostos. A esperança pode ser caracterizada pela abolição do
Antigo Regime a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Se a sociedade dividida em ordens havia sido abolida, uma nova divisão começava a surgir: a
distinção de classes de acordo com a riqueza. Recordemos que na França pré-revolucionária, a burguesia
embora tivesse acumulação de capital, era integrante de uma ordem marginalizada, uma vez que o critério
que definia o poder e a tomada de decisões não era a riqueza pessoal.
Todos eram considerados cidadãos, mas uns mais que os outros. Qual foi o critério estabelecido para
realizar essa distinção? A ideia era basicamente esta: para o cidadão poder votar nas eleições locais e
nacionais — e ser considerado por extensão um cidadão ativo —, era imprescindível pagar um imposto
referente a três dias de trabalho. De outro modo, para poder ter o direito não apenas de votar, mas de ser
eleito, era necessário ser bastante rico.
Curioso notar que o modo de eleição da França do final do século XVIII e início do XIX se
assemelha de modo peculiar a realidade brasileira atual, em que o poder do dinheiro define se o candidato é
eleito ou não, sendo as ideias e propostas para o bem comum apenas um mero detalhe retórico.
225
Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-
Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html
226
Morticínio: número expressivo de mortes.
227
Encarniçada: enfurecida, inflamada, sanguinária.
228
VOVELLE, Michel. A Revolução Francesa explicada à minha neta. Trad. Fernando Santos. São Paulo: Editora UNESP, 2007. Cap. 2,
p. 31.
87
4. Período de radicalismo pós-revolução
[...] Foi assim que se instalou o hediondo Tribunal Revolucionário e a chamada Junta de Salvação
Pública, com os mais sinistros espetáculos do patíbulo.231 A consciência da França viu-se
envolvida em trevas espessas. A tirania de Robespierre ordenou a matança de numerosos
companheiros e de muitos homens honestos e dignos. [...]232
Estima-se que cerca de 150 mil foram mortos nesse período de maior repressão. O relato a seguir
evidencia como a insensatez predominou quando foi criado um Tribunal Revolucionário em Paris:
[...] É preciso punir não apenas os traidores, mas até os indiferentes; punir quem quer que seja
passivo na República e não faça nada por ela; pois desde que o povo francês manifestou sua
vontade, tudo que se opõe a ele está fora da soberania. — (Saint-Jus — deputado jacobino)233
[...] O período do terror é a grande ameaça ao mundo inteiro. Esse período, porém, se encerra com
a morte de Maximiliano Robespierre, no cadafalso 234 para o qual os seus excessos de autoridade
haviam mandado inúmeras vítimas.235
229
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução
Francesa, it. Época de sombras, p. 176 e 177.
230
Guilhotina: máquina criada por um deputado chamado Guillotin com o propósito de decepar a cabeça do condenado com
rapidez, evitando, assim, um “sofrimento” demorado.
231
Patíbulo: lugar onde se aplica a execução de morte.
232
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução
Francesa, it. O período do terror, p. 178 e 179.
233
BRAICK, Patricia R; MOTA, Myriam B. História: das cavernas ao terceiro milênio. v. 1. 1. ed. São Paulo, 1997.
234
Cadafalso: estrutura provisória de madeira onde os condenados à morte eram executados.
88
Chega a ser paradoxal ponderar que nessa conjuntura hostil, Robespierre teve a ocasião de aprovar
na Convenção o reconhecimento da imortalidade da alma, atitude que desagradou muitos revolucionários
que pretendiam implantar o ateísmo na França, rejeitando, deste modo, não apenas a Igreja Católica —
símbolo do Antigo Regime —, mas todas as religiões.
O novo governo conhecido como Diretório elaborou uma nova Constituição que manteve a
sociedade livre da ameaça de um retorno aos padrões do Antigo Regime — monarquia absolutista — bem
como dos jacobinos —, movimento revolucionário mais radical.
Estabelece-se dessa forma uma trégua de paz, aproveitada na reconstrução de obras notáveis do
pensamento. Os centros militares lutavam contra os propósitos de invasão de outras potências
europeias, cujos tronos se sentiam ameaçados na sua estabilidade, em face do advento das novas
ideias do liberalismo, e os políticos se entregavam a uma vasta operosidade de edificação,
vingando nesse esforço as mais nobres realizações.237
Apesar disso, a burguesia republicana — a classe responsável por esse período constitucional —,
enfrentou em 1796 a reação dos jacobinos, inspirados por ideais igualitários. A revolta foi esmagada pelo
Diretório, mas a trégua duraria pouco.
[...] a França, depois dos seus desvarios de liberdade, estava ameaçada de invasão e
desmembramento. Povos existem, porém, que se fazem credores da assistência do Alto, no
cumprimento de suas elevadas obrigações junto de outras coletividades do planeta. Assim, com
atribuições de missionário, foi Napoleão Bonaparte, filho de obscura família corsa, chamado às
culminâncias do poder.238
6. Napoleão Bonaparte
O humilde soldado corso, destinado a uma grande tarefa na organização social do século XIX, não
soube compreender as finalidades da sua grandiosa missão. Bastaram as vitórias de Árcole e de
Rívoli, com a paz de Campoformio, em 1797, para que a vaidade e a ambição lhe ensombrassem o
pensamento.239
235
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34.ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 15 — A Revolução Francesa, p. 96.
236
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução
Francesa, it. A Constituição.
237
______. ______.
238
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução
Francesa, it. A Constituição, p. 179 e 180.
239
______. ______. it. Napoleão Bonaparte.
89
Sua rápida ascensão contribuiu para a estabilidade política, pondo fim aos distúrbios provocados
pelos movimentos igualitaristas e a reação monarquista. Como estadista, Napoleão reformou o sistema
tributário, realizou inúmeras obras públicas e deu à educação uma atenção especial, instalando escolas
públicas e centros de formação de professores.
[...] Sob a sua direção audaciosa, todas as conquistas militares se empreendem. A Europa inteira
apresta-se para a campanha, ao tinido 240 sinistro das armas. Pela estratégia dos generais franceses,
caem todas as praças de guerra e o imperador vai catalogando o número ascendente das suas
vitórias.241
O Código Civil napoleônico, concebido em 1804, foi o mais importante código do século XIX. Este
código francês pretendia edificar uma sociedade baseada nos princípios da igualdade e da liberdade dos
cidadãos.
O código foi a concretização de uma dupla expectativa do Iluminismo: fazer com que as leis
fossem submetidas a uma ordenação determinada pela razão — desejo de Montesquieu — e obra
de um déspota ilustrado –como esperava Voltaire.242
Entretanto, Emmanuel nos oferece uma visão mais abrangente acerca do Código Civil, apreendendo
as sutilezas que a visão materialista da História ainda não pode analisar em profundidade:
[...] No cumprimento da sua tarefa, organizava-se o Código civil, estabelecendo as mais belas
fórmulas do Direito, mas difundiam-se a pilhagem e o insulto à sagrada emancipação de outros,
com o movimento dos seus exércitos na absorção e anexação de vários povos.243
Um traço marcante do período de dominação napoleônica foi o uso do poderio militar francês como
estratégia para alcançar hegemonia econômica e política na Europa. Dito de outra forma, Napoleão não
queria apenas comandar a França, mas por meio dela dominar todo o continente. Foi neste contexto que
Napoleão decretou, em 1806, o Bloqueio Continental contra a Inglaterra, primeiro país a alcançar a
Revolução Industrial.
A superioridade militar era da França, mas a maior força econômica era a Inglaterra; Napoleão não
aceitava esta realidade. O Bloqueio Continental da França tinha como objetivo proibir a introdução de
produtos ingleses nos países europeus, visando, assim, asfixiar a economia britânica. Sendo assim, qualquer
país europeu que desobedecesse a essa determinação, seria invadido pelas tropas napoleônicas. O Império
Francês concentrou suas forças na eliminação de seu maior concorrente para assim alcançar predominância
nos mercados europeus.
[...] Assediado pelo sonho de domínio absoluto, Napoleão foi uma espécie de Maomé transviado
da França do liberalismo. Assim como o profeta do Islã pouco se aproximara do Evangelho, que a
sua ação deveria validar, também as atividades de Napoleão pouco se aproximaram das ideias
generosas que haviam conduzido o povo francês à revolução. [...]244
A Inglaterra, com a sua prudência, sugere à Casa de Bragança a retirada para o Brasil. D. João VI
hesita, antes de tomar semelhante resolução. O grande príncipe, tão generoso e tão infeliz, é
encontrado, nas vésperas da partida, a chorar convulsivamente em um dos aposentos privados do
240
Tinido: som agudo de metal ou de vidro.
241
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8, imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 15 — A Revolução Francesa, p. 96.
242
Disponível em: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/3317/conteudo+opera.shtml
243
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução
Francesa, it. Napoleão Bonaparte, p. 180 e 181.
244
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução
Francesa, it. Napoleão Bonaparte.
90
palácio, mas aquela decisão era necessária e inadiável. A frota real velejou do Tejo 245 a 29 de
novembro de 1807, a caminho da colônia e, mal havia desaparecido nas águas pesadas do
Atlântico, já os soldados de Junot246 se apoderavam de Lisboa e de suas fortalezas, com ordem de
riscar Portugal da carta geográfica europeia.247
O início do século XIX caracterizou-se pela luta das potências imperialistas, sobretudo França e
Inglaterra, pela hegemonia em toda a Europa. Essa disputa, que mais tarde contaria com outros países, iria
culminar com a explosão da Primeira Guerra Mundial deflagrada em 1914.
Sua fronte de soldado pode ficar laureada, para o mundo, de tradições gloriosas, e verdade é que
ele foi um missionário do Alto, embora traído em suas próprias forças; mas, no Além, seu coração
sentiu melhor a amplitude das suas obras, considerando providencial a pouca piedade da Inglaterra
que o exilou em Santa Helena após o seu pedido de amparo e proteção. Santa Helena representou
para o seu espírito o prólogo das mais dolorosas e mais tristes meditações, na vida do Infinito. 249
245
Tejo: maior rio da península Ibérica.
246
Nota da Editora: Jean Andoche Junot (1771–1813), militar francês.
247
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 15 — A Revolução Francesa, p. 99.
248
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 22 — A Revolução
Francesa, it. Allan Kardec.
249
______. ______. it. Napoleão Bonaparte, p. 181.
91
GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO V
"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução,
mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por
escrito da Instituição."
92
CAPÍTULO 13
O ADVENTO DA DOUTRINA ESPÍRITA
A finalidade da Doutrina é despertar na Humanidade as forças do bem, completar a obra de Jesus,
regenerando os homens, ligando o mundo visível ao invisível, preparar a Terra para o advento da
verdadeira era de fraternidade.250
Objetivo
Ideias principais
Essa era uma época sombria e cheia de ansiedades. Uma crise atravessava o Ocidente. A tensão se
instalara nas doutrinas religiosas [...]. A ciência se tornou uma aliada poderosa, investigando
fenômenos e lançando novas bases para pensar qualquer coisa. Muitos intelectuais viam nas
“convulsões do tempo” as primeiras dores de um novo parto. Os fenômenos vividos por
VALENTE, Aurélio A. Sessões práticas e doutrinárias do Espiritismo: organização de grupos, métodos de trabalho. 8. Ed. Rio
de Janeiro: FEB, 2002. Capítulo 4.
251
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 23 — O século XIX, it.
Allan Kardec e seus colaboradores.
93
“espíritos”, estes, sim, trariam renovação. Eles anunciavam um movimento espiritual, científico e
filosófico baseado na relação com a morte, no contato sistemático com os mortos, nas
manifestações dos espíritos e nos ensinamentos por eles transmitidos. 252
Inúmeros pensadores materialistas do século XIX combateram a ideia de haver uma vida que
transcende a material. O principal expoente desse pensamento é, sem dúvida alguma, Karl Marx (1818–
1883), idealizador do materialismo histórico, do socialismo científico e do comunismo.
Para Marx, tudo que se passa na consciência está diretamente relacionado as características da vida
material em que cada um vive. Em outras palavras, Marx estava convencido de que para compreender o que
as pessoas pensam, a verdadeira explicação está no processo de produção de bens materiais da sociedade em
que se está inserido, isto é, na economia da sociedade em que você vive. Fazendo uma abstração, se Marx
fosse um pensador de nosso tempo, certamente afirmaria que o consumismo atual determina o que pensamos
acerca da vida e como agimos diante dela.
Filósofos como Ludwig Feuerbach (1804–1872), Friedrich Nietzsche (1844–1900) e Marx, são
unânimes em afirmar que Deus é produto da imaginação humana que, incapaz de viver da maneira como
gostaria, idealiza um ser que possui características transcendentais, numa espécie de consolo ante as suas
impossibilidades humanas. Marx vai além e afirma que a Humanidade inventou Deus para as necessidades
materiais de uma vida em sociedade.
Abrindo um rápido parêntese, Clóvis de Barros Filho, filósofo da atualidade, em Devaneios sobre a
atualidade do Capital, faz uma análise acerca do consumismo desenfreado que merece uma reflexão menos
apressada:
O homem já desconfiou muito do prazer como meio para a felicidade. Veja como Sócrates define
o prazer no Fedro:254 “Quando o guarda relaxa a corrente do seu pé.”. Ele explica que todo prazer
pressupõe um desejo anterior e, portanto, uma insatisfação, uma dor. Portanto, acreditar que uma
somatória de satisfações vai dar um estado de satisfação plena é um erro de cálculo, porque a
satisfação só é satisfação à medida que resolve um problema de insatisfação anterior. O grande
problema do consumismo [...] é que a busca deste prazer requererá sempre uma dor anterior. A
cultura do consumo exige de você sempre um pouco mais de dor que de prazer. Porque ela quer
que você vá correndo atrás da satisfação desses desejos, que são como tapa-buracos dos seus
incômodos.255
Uma corrente de pensamento baseada na vida material como elemento único da vida, reduz a
complexidade do real que não se limita a transitoriedade da experiência física. Longe de querer menosprezar
a inquestionável contribuição do pensamento marxista, é inegável que o materialismo histórico de Marx foi
um desserviço à Humanidade.
Léon Denis, ao abordar essa questão de maneira mais ampla, compartilha desse entendimento
quando afirma:
Certamente podemos medir a extensão dos desastres causados pelas doutrinas negativis-tas. O
determinismo, o materialismo, negando a liberdade humana e a responsabilidade, minam as
252
DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo.1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 65 e 66.
253
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 23 — O século XIX,it. As
Ciências Sociais.
254
Fedro: obra do filósofo grego Platão.
255
BARROS FILHO, Clóvis de; DAINEZI, Gustavo F. Devaneios sobre a atualidade do capital. Porto Alegre: CDG, 2014. Primeiro
devaneio, it. Consumismo: materialismo histórico em ação, p. 22 e 23.
94
próprias bases da Ética universal. O mundo moral não é mais que um anexo da fisiologia, isto é, o
reino, a manifestação da força cega e irresponsável. [...]256
Em O Livro dos Espíritos a Espiritualidade superior é bastante taxativa no que diz respeito a
necessidade de superar o materialismo e suas consequências deletérias para a Humanidade:
O Positivismo de Auguste Comte também teve enorme impacto nos círculos intelectuais do século
XIX. Na bandeira brasileira está escrito: Ordem e Progresso! Pois bem, este é um lema do Positivismo. De
acordo com essa concepção, a evolução da Humanidade só seria possível mediante a superação do
pensamento religioso e metafísico. Somente por meio de um estado positivo, isto é, a razão e a ciência como
realidades absolutas, a Humanidade poderia atingir um novo patamar de evolução. Tais ideias conduzem aos
exageros do cientificismo, uma vez que a Ciência passa a ser praticamente uma religião dogmática. Aliás, foi
justamente isso que aconteceu: quando a esposa de Auguste Comte faleceu, pouco a pouco a Ciência foi
cedendo lugar para a religião. Tanto é verdade que em 11 de maio de 1881, foi fundada a Igreja Positivista
do Brasil.
[...] O que falta à religião neste século de positivismo, em que se quer compreender antes de crer, é
a sanção de suas doutrinas por fatos positivos; é também a concordância de certas doutrinas com
os dados positivos da Ciência. Se ela diz branco e os fatos dizem negro, é preciso optar entre a
evidência e a fé cega.
É nesse estado de coisas que o Espiritismo vem opor um obstáculo à invasão da incredulidade, não
somente pelo raciocínio, não somente pela perspectiva dos perigos que ela traz consigo, mas pelos
fatos materiais, fazendo tangíveis e visíveis a alma e a vida futura.258
Em Obras Póstumas, compreende-se a malefício do niilismo pela ênfase dada por Kardec no que se
refere aos prejuízos deste pensamento para a Humanidade:
256
DENIS, Léon. O Problema do Ser e do Destino. Trad. Homero Dias de Carvalho. 1. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Introdução, p.
16.
257
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Q. 799.
258
KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 1, cap. I, its. 3 e 4.
259
______. ______. it. 2.
95
nada mais espera, e não pode desembaraçar-se do lodaçal. Uma sociedade fundada sobre o nada,
traria em si o gérmen da sua próxima dissolução. 260
Para o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788–1860), o homem, por ser a forma de vida mais
complexa e bem-acabada da Natureza, tem a consciência da falta de sentido de sua existência. Seu
pessimismo chegou às últimas consequências quando afirmou que a vida é como um pêndulo que oscila
entre a dor e o tédio.
Por sua vez, o filósofo alemão Nietzsche, vai mais além dessa visão negativista da vida. Se por um
lado, Schopenhauer pregava a aceitação passiva da falta de sentido da vida, Nietzsche utilizava deste
princípio para estabelecer uma regra de conduta, cujo teor pode ser resumido a partir desta máxima: “já que a
vida realmente não tem sentido, cada indivíduo pode criar seus próprios valores”.
O relativismo moral da atualidade tem como fonte original este princípio equivocado de que não
existe verdade nenhuma e em lugar nenhum, sendo tudo apenas um ponto de vista. Léon Denis já intuía as
consequências desse pensamento obscurantista para o futuro da Humanidade:
[...] Deve-se atribuir a elas, em grande parte, este lento trabalho, obra obscura de ceticismo e de
desencorajamento, que permanece na alma contemporânea.
É tempo de reagir vigorosamente contra estas doutrinas funestas 261 e de procurar, fora das
bitolas262 oficiais e das velhas crenças, novos métodos de ensino que respondam às imperiosas
necessidades do presente momento. [...]263
Um famoso advogado de Nova York, George Templeton Strong, com certo ar de prepotência e
desconhecimento do alcance do processo que estava apenas em seu início, registrou assim a sua percepção
relativa ao contato dos vivos com os mortos, na metade do século XIX:
O que eu diria a quem predissesse que o século XIX, tão orgulhosos de suas luzes, terminaria com
centenas de milhares de pessoas neste país acreditando poder se comunicar com seus avós? 265
Na primavera de 1848, num pequeno vilarejo de Hydesville, região a oeste de Nova York, ocorreu
um fenômeno, no mínimo inusitado. Aqueles que vivenciaram os acontecimentos, não poderiam supor a
dimensão mundial que iria alcançar. As irmãs Margarethe Kate Fox, filhas adolescentes de um casal
vinculado a Igreja Metodista, passaram a se comunicar com um espírito por meio de batidas na parede.
Mas, afinal, quem era este espírito que buscou estabelecer contato? Era um ambulante que foi
assassinado pelos antigos moradores e enterrado no porão da casa. Cada pergunta feita pelas irmãs Fox era
respondida na forma de pancadas. Desde então, foi criado um alfabeto para traduzir as batidas em palavras
articuladas.
Compreende-se a relevância desse contato pela primeira frase proferida:
Caros amigos, deveis proclamar ao mundo estas verdades. É a aurora de uma nova era; e não
deveis tentar ocultá-la por mais tempo. Quando houverdes cumprido vosso dever, Deus vos
protegerá e os bons espíritos velarão por vós.266
260
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Pt. 2,Credo espírita –
Preâmbulo , p. 378.
261
Funestas: algo que é mortal ou que provoca a morte.
262
Bitolas: medida de largura de cordas e/ou fios.
263
DENIS, Léon. O Problema do Ser e do Destino. Trad. Homero Dias de Carvalho. 1 ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Introdução, p.
12.
264
XAVIER, Francisco C. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 24 — O Espiritismo e as
grandes transições, it. Restabelecendo a verdade.
265
DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 37.
266
WANTUIL, Zêus. As mesas girantes e o espiritismo. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 1, p. 6 e 7.
96
Mais tarde, Leahse juntou às irmãs e foi por meio de seu caráter empreendedor que as manifestações
passaram a ter expressiva repercussão. Os salões ficaram cada vez mais lotados e a notícia das manifestações
chegava a outras regiões do país. Finalmente, depois de submetidas a interrogatórios dos mais variados e a
constantes investigações, o fenômeno ganhou respeitabilidade.
Como consequência da popularização do fenômeno, pouco a pouco o que era novidade passou a ser
encarado com profissionalismo: a quantidade de médiuns cresceu e as atividades das irmãs Fox passaram a
ser remuneradas.
Antes mesmo das irmãs Fox, o deslocamento dos móveis e objetos já era um fato corriqueiro na
Europa. Embora não tivessem uma teoria ou hipótese que justificasse, compreendiam que aquele fenômeno
advinha de uma força sobrenatural. Para a mentalidade da época constituíam fenômenos misteriosos cuja
perplexidade ainda não havia motivado um estudo sério e sistematizado.
Voltando aos dias da tumultuosa França de meados de 1853, vemos que grupos e mais grupos de
experimentadores curiosos se haviam organizado num fechar de olhos. A maravilhosa loucura do
século XIX já se havia infiltrado no cérebro da Humanidade. [...]
267
Abolicionistas: contrários à escravidão.
268
DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 38.
269
DELANNE, Gabriel. O fenômeno espírita. Trad. Francisco Raymundo Ewerton Quadros. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Pt. 1,cap.
2 –Na américa, p. 24.
270
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011.
Introdução ao estudo da Doutrina Espírita, it. III.
97
E Paris inteira assistia, atônita271 e estarrecida, a este turbilhão feérico272 de fenômenos imprevistos
que, para a maioria, só alucinadas imaginações poderiam criar, mas que a realidade impunha aos
mais céticos e frívolos.273, 274
Há oito dias a nossa boa cidade se encontra numa agitação difícil de descrever. Está
completamente absorvida por uma maravilha que ninguém jamais sonharia antes da chegada do
vapor Washington. As pessoas se preocupam bem menos com o preço do tabaco ou o sucesso da
máquina Ericsson do que com a dança das mesas [...] Não se trata de uma brincadeira americana.
Um misterioso problema está sendo colocado à ciência; cabe a ela resolvê-lo.
Em verdade, coube à Doutrina Espírita, por meio do trabalho missionário de Allan Kardec resolvê-
lo.
271
Atônita: surpreendida, sem reação.
272
Feérico: deslumbrante, ofuscante.
273
Frívolos: inconsistente, superficial.
274
WANTUIL, Zêus. As mesas girantes e o espiritismo. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 9, p. 57.
98
CAPÍTULO 14
ALLAN KARDEC: O MISSIONÁRIO DA
TERCEIRA REVELAÇÃO
Allan Kardec é da estirpe daquelas Entidades que vieram trazer as respostas, só que necessitavam
do instrumento encarnado para as indagações. Daí, ele estava em perfeita sintonia com o mundo
espiritual. Eles, antes da encarnação de Allan Kardec, ou da sua reencarnação, dialogaram,
estabeleceram as bases, para que o próprio Codificador direcionasse as perguntas. Nos seus
desprendimentos pelo sono, ele voltava à equipe, era elucidado e trazia as interrogações.275
Objetivo
Ideias principais
1. Jan Huss
O precursor da Reforma Protestante, Jan Hus, ilustre pensador, sacerdote e reformador tcheco,
nasceu no ano de 1369, no reino da Boêmia (hoje República Tcheca), reino que, naquela época, era parte do
Sacro Império Romano-Germânico.
Filho de pais camponeses, Jan Hus completou o seu curso de Teologia na Universidade de Praga, no
ano de 1394. Também se formou em Artes e Filosofia, tornando-se bastante prestigiado nos meios
universitários. Como escritor, deu também sua grande contribuição para a reforma da língua literária tcheca.
Em 1400, foi ordenado sacerdote, e, no ano seguinte, ocupou o cargo de reitor da Universidade de
Praga, aproximando-se intelectualmente da obra do reformador inglês John Wycliffe, a ponto de considerá-lo
teologicamente seu mestre.
Em 1401, tornou-se pregador da capela de Belém, em Praga (capital do reino da Boêmia), tendo o
importante apoio do arcebispo.
Assim como Wycliffe, Jan Hus não aceitava o poder absoluto do papa. Sua convicção era de que
apenas a pessoa do Cristo deveria ser considerada como chefe e cabeça da Igreja. Concebia também o
Evangelho como a “única lei” a ser seguida. Seu pensamento sobre a Igreja era bastante influenciado pelas
ideias de Santo Agostinho.
À medida que suas críticas ao clero se intensificaram, mais claramente era perceptível a sua adesão à
doutrina de Wycliffe. Aliás, este por sua vez, traduziu a Bíblia para o seu idioma nacional, contribuindo para
que as Escrituras Sagradas estivessem ao alcance de todos.
Diante de todas essas atitudes, Jan Hus sofreria uma inflexível oposição. Sua excomunhão foi
concretizada em 1410. Como consequência deste ato extremo da Igreja,ocorreu uma mobilização popular em
Praga em favor dele. Ao receber o apoio do rei Venceslau (1361–1419) e da maioria da população, Jan Hus
foi festejado como um herói nacional. Por ser opositor ao tráfico das indulgências, à política guerreira do
papa e à sua infalibilidade, foi novamente excomungado e por precaução teve de se afastar de Praga.
Apesar de ter sido autorizado a comparecer ao Concílio de Constança, em 1414, Jan Hus foi
encarcerado de maneira arbitrária, permanecendo por vários meses numa prisão desumana. Pouco tempo
275
FRANCO, Divaldo P. Conversa fraterna: Divaldo Franco no Conselho Federativo Nacional. Organizado por Geraldo Campetti
Sobrinho. 2. Ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Questão 4.
99
depois foi condenado e queimado vivo nessa cidade, enfrentando a morte inevitável com enorme coragem.
Jan Hus ainda estava vivo quando os seus livros foram também queimados.
Os algozes de Jan Hus acreditavam que queimando o corpo e os livros, as ideias do nobre pensador
seriam eliminadas. Estavam, contudo, equivocados. Naqueles tempos de grande intolerância, Jan Hus foi
considerado o primeiro mártir da liberdade religiosa, dezesseis anos antes que a heroína francesa Joana d’Arc
fosse do mesmo modo queimada viva, e mais de cem anos antes que outro célebre reformador, o teólogo
alemão Martinho Lutero, apresentasse suas 95 Teses, em 1517.
Na revista Reformador de setembro de 1978, o Espírito Humberto de Campos, pela psicografia de
Chico Xavier, registrou o momento em que Jesus se dirigiu a Jan Hus no plano espiritual, confiando a ele,
tempos depois, uma nova missão na Terra. Este missionário retorna ao plano físico com o nome de Hippolyte
Léon Denizard Rivail, pseudônimo Allan Kardec, codificador da Doutrina Espírita:
Formado na escola do pedagogo Heinrich Pestalozzi, ele afirmava que a educação do povo,
fundada na tolerância e na fraternidade, era indispensável ao avanço da humanidade. O importante
era “aprender a aprender”. Lutou contra o castigo físico, que ainda era aplicado em crianças, e
convidava os alunos a desenvolver a inteligência pela reflexão e o questionamento. Visionário,
apostava no trabalho feminino, não como signo de inferioridade econômica, e sim como expressão
de independência pessoal.277
Concluídos seus estudos, voltou para a França, mas não poderia imaginar que em pouco tempo sua
vida mudaria radicalmente.
No dia 6 de fevereiro de 1832, Rivail que conciliava as atividades de educador e contador casou-se
com Amélie Gabrielle Boudet, professora de Letras e Belas-Artes.
Apesar de já ter estudado as teorias do médico alemão Franz Anton Mesmer a respeito de um fluído
invisível existente em todo o Universo e que agia sobre os seres humanos de maneira direta, Rivail ainda não
havia empenhado os seus esforços intelectuais para conhecer profundamente as causas dos fenômenos que
agitavam o círculo intelectual francês.
276
XAVIER, Francisco C. Lembrando Allan Kardec. Pelo Espírito Humberto de Campos. In: Reformador, ano 96, n. 1.794, set. 1978, p.
25(293)-26(294).
277
DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 44.
100
Aliás, Rivail era um intelectual de prestígio. Entre as suas numerosas obras de educação, destacamos
as seguintes:
Curso prático e teórico de Aritmética, segundo o método Pestalozzi, para uso dos professores e
das mães de família (1824);
Plano proposto para o melhoramento da instrução pública (1828);
Gramática francesa clássica (1831);
Catecismo gramatical da língua francesa (1848).
Em 1850, passou a trabalhar como contador de um teatro de Paris. Foi justamente neste teatro que se
apresentava um mágico conhecido como Lacaze, um dos mais conhecidos da época em toda França. Isso
despertou o interesse de Rivail para o estudo do magnetismo e dos fenômenos, ditos à época, de
sobrenaturais.
Rivail havia encontrado um campo de estudos e pesquisas ainda inexplorados. Era necessário
estabelecer as bases da observação lógica e racional de um fenômeno aparentemente ilógico e irracional.
Foi na casa da Sra. de Plainemaison que o professor Rivail foi apresentado a duas meninas: Caroline
e Julie Baudin, e este encontro seria decisivo para a compreensão de uma nova Ciência, Filosofia e Religião
que haveria de surgir.
[...] Numa das reuniões da Sra. de Plainemaison, conheci a família Baudin que morava, então, na
Rua Rochechouart. O Sr. Baudin convidou-me para assistir às sessões semanais que aconteciam
em sua casa, e às quais fui, desde este momento, muito assíduo.
[...] Os dois médiuns eram as Srtas. Baudin, que escreviam numa ardósia com a ajuda de uma
cesta, chamada pião, descrita em O Livro dos Médiuns. Este processo, que exige o concurso de
duas pessoas, exclui qualquer possibilidade de participação das ideias do médium. Aí, vi
comunicações contínuas, e respostas dadas a perguntas formuladas, algumas vezes até a perguntas
mentais, que acusavam, de uma maneira evidente, a intervenção de uma inteligência estranha.
[...]
Foi nessas reuniões que fiz meus primeiros estudos sérios em Espiritismo, menos ainda por meio
de revelações do que pelas observações. Apliquei a esta nova ciência, como o fizera até então, o
método experimental; nunca elaborei teorias preconcebidas; observava atentamente, comparava,
deduzia as consequências; dos efeitos eu procurava remontar às causas, pela dedução e o
encadeamento lógico dos fatos, só admitindo como válida uma explicação quando ela pudesse
resolver todas as dificuldades da questão. É assim que sempre procedi nos meus trabalhos
anteriores desde a idade de 15 a 16 anos. Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração
que ia empreender; entrevi nesses fenômenos a chave do problema tão obscuro e tão controvertido
do passado e do futuro da Humanidade, a solução do que procurara durante toda minha vida; era,
278
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2, Extratos, in
extenso, extraídos do livro das Previsões concernentes ao espiritismo, it. Minha primeira iniciação no Espiritismo.
279
______. ______. p. 266.
101
numa palavra, toda uma revolução nas ideias e nas crenças: era necessário, pois, agir com
circunspeção280,e não com leviandade; ser positivista e não idealista, para não se deixar levar pelas
ilusões.281
4. A grande missão
Em 12 de junho de 1856, o professor Rivail teve a oportunidade de obter informações mais
detalhadas acerca de sua missão. Estabeleceu-se, então, um diálogo cujo valor histórico é difícil definirem
palavras:
Pergunta: (à Verdade) — Bom espírito, desejaria saber o que pensais da missão que me foi
designada por alguns espíritos; quereis dizer-me, peço-vos, se é uma prova para meu amor-
próprio. Tenho, com certeza, como sabeis, o maior desejo de contribuir na propagação da verdade,
porém, do papel de simples trabalhador ao de missionário em chefe, a distância é grande, e não
compreenderia o que poderia justificar em mim tamanho favor, de preferência a tantos outros que
possuem talentos e qualidades que não tenho.
Resposta: — Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita discrição, se quiseres vencer.
Saberás mais tarde coisas que te explicarão o que hoje te surpreende. Não te esqueças de que
podes triunfar, como podes falir; neste último caso, um outro te substituirá, pois os desígnios de
Deus não se repousam sobre a cabeça de um homem. Não fala, pois, jamais de tua missão: seria o
meio de fazê-la fracassar. Ela apenas pode ser justificada através da obra efetuada, e não fizeste
nada ainda. Se a cumprires, os próprios homens saberão reconhecê-lo, cedo ou tarde, pois é pelos
frutos que se reconhece a qualidade da árvore.
Pergunta: — Certamente não tenho nenhum desejo de vangloriar-me de uma missão na qual creio,
eu mesmo, com dificuldade. Se estou destinado a servir de instrumento aos desígnios da
Providência, que ela disponha de mim; neste caso, reclamo vossa assistência e a dos bons espíritos
para ajudarem-me e sustentarem-me na minha tarefa.
Resposta: — Nossa assistência não te faltará, mas ela será inútil se, de teu lado, não fizeres o que é
necessário. Tens teu livre-arbítrio; cabe a ti usares como o entenderes; nenhum homem é
constrangido a fazer coisa alguma.
Pergunta: — Quais as causas que poderiam fazer-me fracassar? Seria a insuficiência das minhas
capacidades?
Resposta: — Não; mas a missão dos reformadores está cheia de escolhos e de perigos; a tua é rude,
previno-te, pois trata-se de abalar e transformar o mundo inteiro. Não penses que te bastará
publicar um livro, dois livros, dez livros, e ficares tranquilamente em casa; não, ser-te-á preciso
expor tua pessoa; suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados conjurarão tua perda;
estarás exposto à malevolência, à calúnia, à traição mesmo daqueles que te parecerão os mais
devotados; tuas melhores instruções serão desprezadas e deturpadas; sucumbirás,mais de uma vez,
sob o peso da fadiga; numa palavra, será uma luta quase constante que terás que sustentar, e o
sacrifício de teu repouso, de tua tranquilidade, de tua saúde, e até de tua vida,pois, sem isso,
viverias muito mais tempo. Pois bem! Não poucos recuam quando, ao invés de uma estrada
florida, encontram sob seus passos urzes,282 pedras pontiagudas e serpentes. Para tais missões,não
basta a inteligência. Primeiramente, para agradar a Deus,é preciso a humildade, a modéstia e o
desinteresse, pois ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os ambiciosos. Para lutar contra os
homens é preciso ter coragem, perseverança e uma firmeza inabalável; é preciso também
prudência e tato para conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes comprometer o êxito
através de medidas ou de palavras intempestivas; é preciso, por fim, ter devotamento, abnegação, e
estar pronto para todos os sacrifícios.
Vês que tua missão está subordinada a condições que dependem de ti. — Espírito Verdade283
280
Circunspecção: precaução no agir e no falar.
281
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2, Extratos, in
extenso, extraídos do livro das Previsões concernentes ao espiritismo, it. Minha primeira iniciação no Espiritismo, p. 268 e 269.
282
Urzes: designação dada a várias plantas arbustivas da família das ericáceas.
283
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2,
Extratos, in extenso, extraídos do livro das Previsões concernentes ao espiritismo, it. Minha missão.
102
5. Allan Kardec
Compreendendo a sua missão e decifrando com mais desenvoltura a lógica por trás do véu que se
erguia em torno das mesas girantes e mais adiante,analisando a comunicação direta com o mundo invisível
por meio de intermediários, as perguntas feitas pelo professor Rivail ficavam cada vez mais complexas.
Em 1856, os diálogos com o mundo invisível alcançaram um novo patamar de complexidade. E para
a surpresa do eminente observador, as mesmas respostas eram dadas em outras reuniões sérias.
Allan Kardec já estava plenamente convencido de que a ciência tradicional, ao excluir a dimensão
espiritual, limitando-se apenas a matéria tangível, reduzia de maneira drástica o seu campo de observação.
Assim, tornava-se essencial criar métodos próprios e desenvolver fundamentos para a compreensão da
ciência espírita.
Diante do volume de anotações e da consistência das respostas dadas pelos espíritos, era necessário
dar um corpo sistematizado a este conjunto de informações, além de definir um formato que pudesse ser
claro, objetivo e atraente para o grande público.
***
Com o aval dos espíritos, um livro deveria ser publicado. Esta nova obra, contudo, não era fruto das
convicções pessoais de Rivail. É preciso recordar, aliás, que o professor Rivail havia publicado inúmeras
obras de grande prestígio na França. Todavia, desta vez era algo completamente distinto.
Em meio a dúvida de assinar como Hippolyte Léon Denizard Rivail ou com um pseudônimo, prática
relativamente comum entre os autores da época, numa sessão na casa das irmãs Baudin, o eminente educador
teve a resposta.
O Espírito Zéfiro o informou que ambos teriam convivido como druidas,284 nas Gálias, sob o
domínio do imperador Júlio César. Naquela época, segundo Zéfiro, Rivail teria se chamado Allan Kardec.
Ao adotar o pseudônimo Allan Kardec, Rivail iniciaria uma nova fase de sua vida. Na manhã do dia
18 de abril de 1857, O Livro dos Espíritos começou a ser vendido em Paris e, para a surpresa do agora Allan
Kardec, os primeiros 1.550 exemplares foram vendidos muito rapidamente.
Em síntese O Livro dos Espíritos contém os princípios relativos à natureza dos espíritos, sua
manifestação e relação com os seres encarnados. São abordados ainda nesta obra inaugural as leis morais, a
vida presente, a vida futura e o futuro da Humanidade, sendo ditado e publicado por ordem dos Espíritos
superiores.
No diálogo a seguir é possível ter o real entendimento da coordenação e interferência direta dos
espíritos em todos os pormenores desta verdadeira pedra angular da Terceira Revelação:
Pergunta: (à Verdade) — Uma parte da obra foi revista, seríeis bastante bom para me dizer o que
pensais dela?
Resposta: — O que foi revisado está bem; mas quando tudo terminar, ser-te-á necessário revê-la
ainda, a fim de ampliá-la em certos pontos, e de abreviá-la em outros.
Pergunta: — Pensais que deva ser publicado antes que os acontecimentos preditos se tenham
cumprido?
Resposta: — Uma parte, sim; mas tudo, não; pois eu te asseguro de que teremos capítulos muito
espinhosos. Por mais importante que seja este primeiro trabalho, não é senão uma espécie de
introdução; ele tomará proporções que hoje, estás longe de suspeitar, e que tu mesmo
compreenderás que certas partes só poderão vir à luz muito mais tarde e gradualmente, à medida
que as novas ideias se desenvolverem e criarem raízes. Dar tudo de uma só vez, seria uma
imprudência; é preciso dar tempo para que a opinião se forme. Encontrarás com impacientes que te
empurrarão para adiante: não os ouças; vê, observa, sonda o terreno, saibas esperar, e faz como o
general prudente que só ataca quando chega o momento favorável.285
“Compreendeste bem o objetivo do teu trabalho; o plano está bem concebido; estamos contentes
contigo. Continua; mas, sobretudo, quando a obra estiver terminada, lembra-te de que te
recomendamos fazê-la imprimir e propagá-la: é de utilidade geral. Estamos satisfeitos, e não te
deixaremos nunca. Crê em Deus, e caminha.” — Vários espíritos286
284
Druidas: sacerdotes dos gauleses e dos celtas. Acreditavam nas existências progressivas da alma e na pluralidade dos mundos
habitados.
285
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2, cap. Extratos,
in extenso, extraídos do livro das Previsões concernentes ao espiritismo, it. O Livro dos Espíritos, p. 283 e 284.
286
______. ______. p. 285.
103
Em três anos, a monumental obra seria revista e ampliada de modo substantivo, tendo ao todo 1.019
questões, além de comentários e ensaios teóricos do codificador.
O trabalho da Codificação foi muito além da coleta, seleção e organização das mensagens recebidas
do mundo espiritual. Temos uma ideia mais clara a este respeito no livro Obras Póstumas, coletânea de
escritos e comunicações pessoais de Allan Kardec, publicado em 1890, 21 anos após a sua desencarnação.
Com o intuito de facilitar a compreensão do amigo leitor, eis algumas definições importantes:
A Doutrina dos Espíritos, pois, veio desvendar ao homem o panorama da sua evolução, e
esclarecê-lo no problema das suas responsabilidades, porque a vida não é privilégio da Terra
obscura, mas a manifestação do Criador em todos os recantos do Universo.287
Com a Doutrina Espírita tudo está definido, tudo está claro, tudo fala à razão; numa palavra, tudo
se explica, e os que se aprofundaram em sua essência encontram nela uma satisfação interior, à
qual não mais desejam renunciar.288
[...] A verdadeira Doutrina Espírita encontra-se no ensino dado pelos espíritos e os conhecimentos
que este ensino comporta são graves demais para serem adquiridos de outra forma, que não por um
estudo sério e contínuo, feito no silêncio e no recolhimento; pois, apenas nessa condição, pode-se
observar um número infinito de fatos e de particularidades que escapam ao observador superficial
e permitem firmar uma opinião. [...]289
287
XAVIER, Francisco C. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 26, it. 26.4 – Nós
viveremos eternamente.
288
KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). Brasília: FEB,
2015. Cap. 1, p. 11.
289
______. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Introdução
ao estudo espírita, it. – XVII.
290
LOMBROSO, Cesare. Hipnotismo e mediunidade. Trad. Almerindo Martins de Castro. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB,
1999.
104
7. O Auto da fé de Barcelona e o desafio atual da intolerância religiosa
A pedido do Sr. Lachâtre, então residente em Barcelona, eu lhe havia expedido certa quantidade de
O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, as coleções da Revista Espírita e diversas obras e
brochuras espíritas, formando um total de mais ou menos 300 volumes. A expedição havia sido
feita regularmente pelo seu correspondente de Paris, numa caixa que continha outras mercadorias,
e sem a menor infração à legalidade. Na chegada dos livros, fizeram pagar ao destinatário os
direitos de entrada, mas antes de liberá-los, teve-se que entregar uma relação das obras ao bispo,
pois nesse país, a polícia de livraria competia à autoridade eclesiástica. Este estava em Madrid; ao
regressar, baseando-se na relação que lhe fora feita, ordenou que as ditas obras fossem apreendidas
e queimadas em praça pública pela mão do carrasco. A execução da sentença foi fixada para 9 de
outubro de 1861.291
Se nos séculos XV e XVI a Inquisição levava à fogueira pessoas que ousavam questionar os dogmas
religiosos, o Auto da Fé de Barcelona de 1861, levou a fogueira os livros espíritas, um ato impositivo que
objetivava deter a marcha ascendente da Doutrina Espírita.
No entanto, diferente do que imaginaram os opositores, o ato em si gerou significativa notoriedade a
causa espírita, produzindo uma repercussão ainda maior. De fato, o mundo de então havia progredido, e tais
práticas, dignas da Idade Média, não foram capazes de retardar o avanço das ideias. Uma multidão
incalculável estivera presente na esplanada protestando aos gritos de: “Abaixo a Inquisição”.
No dia 19 de outubro de 1861, Allan Kardec recebe espontaneamente a seguinte comuni-cação
espiritual:
“Era preciso que alguma coisa chocasse com violência certos espíritos encarnados, para que se
decidissem a se ocuparem desta grande Doutrina que deve regenerar o mundo. Nada é feito
inutilmente na vossa Terra, por isso, nós que inspiramos o auto de fé de Barcelona, sabíamos bem,
que agindo assim, teríamos dado um passo imenso adiante. Este fato brutal, inaudito nos tempos
atuais, consumou-se, tendo por objetivo chamar a atenção dos jornalistas que permaneciam
indiferentes diante da agitação profunda que movimentava as cidades e os Centros Espíritas; eles
deixavam que se falasse e deixavam que se fizesse; mas obstinavam-se em se fazerem de surdos, e
respondiam com o mutismo ao desejo de propaganda dos adeptos do Espiritismo. De bom grado
ou de mau grado, é preciso que falem dele, hoje; uns constatando o histórico do fato de Barcelona,
os outros desmentindo-o, provocaram uma polêmica que dará a volta ao mundo, e da qual o
Espiritismo será o único a tirar proveito. Eis porque, hoje, a retaguarda da Inquisição fez seu
último auto de fé, porque nós assim o quisemos.” — Um Espírito292
291
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2, it. — Auto da
fé de Barcelona. Apreensão dos livros.
292
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcântara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 2, it. Auto da fé
de Barcelona, p. 299 e 300.
293
______. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap.
XXVIII, it. 51.
105
A Doutrina Espírita vem nos esclarecer que as criaturas estão em níveis de consciência distintos, de
acordo com o grau de evolução alcançado nas sucessivas existências. Portanto, diante deste fato, a
diversidade religiosa mais do que uma característica cultural de uma sociedade, como por exemplo, a do
Brasil, em realidade é uma decorrência natural das distintas visões de mundo e propósitos de vida de cada
um.
A tolerância é, portanto, uma das essências da caridade em seu sentido mais profundo.
8. Trabalhador incansável
Além dos livros já mencionados, Kardec publicou cerca de 260 artigos na Revista Espírita: Jornal de
Estudos Psicológicos. Fundada em 1857, a publicação funcionava como um canal direto de comunicação
com o público. Neste mesmo ano, também foi fundada a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, primeira
sociedade com essa característica a ser regulamentada na França.
Através da Revista Espírita e da Sociedade de Paris das quais era o presidente, constituíra-se, de
alguma forma, o centro onde tudo acontecia, o traço de união de todos os experimentadores. Há
alguns meses, sentindo próximo o seu fim, preparou as condições de vitalidade desses mesmos
estudos depois da sua morte, e estabeleceu a Comissão Central que lhe sucede. 294
Durante dez anos de sua admirável missão, cerca de quinhentas mil pessoas na França tornaram-se
espíritas. Hoje, são milhões em todo o mundo! Com certo laivo de arrogância ou desconhecimento, ou, quem
sabe, as duas coisas, muitos objetivam desmerecer o trabalho do codificador, justificando que não havia sido
a primeira vez na história que os vivos estabeleceram diálogo com os mortos. Em nenhum momento a
Doutrina Espírita advogou semelhante primazia. Não resta dúvida, contudo, que graças ao trabalho pioneiro
de Allan Kardec esse diálogo edificou o fundamento de uma moral, de uma religião, de uma filosofia e de
uma ciência de observação.
Ele atingiu o coração das preocupações da época, captou sensibilidades, disse alto o que se
murmurava e abriu as portas para o outro lado. Ele queria libertar a humanidade do obscurantismo
e dar esperanças aos desfavorecidos.295
[...] Quantos corações foram primeiramente consolados através dessa crença religiosa! Quantas
lágrimas foram secadas! Quantas consciências abertas para as luzes da beleza espiritual! Ninguém
é feliz aqui. Muitas afeições foram desfeitas! Muitas almas foram adormecidas pelo ceticismo.
Não significa nada ter conduzido ao espiritualismo tantos seres que flutuavam na dúvida, e que
não amavam mais a vida, nem física nem intelectual?
Allan Kardec foi homem de ciência, que, sem dúvida, não teria podido prestar esse primeiro
serviço, e espalhá-lo, assim, a distância como um convite a todos os corações. Mas era o que eu
chamaria simplesmente de “o bom senso encarnado”. [...]296
294
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 1,Discurso
pronunciado sobre o túmulo de Allan Kardec, p. 31.
295
DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1.ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 59.
296
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia Alcântara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Pt. 1,Discurso
pronunciado sobre o túmulo de Allan Kardec, p. 32.
106
9. Missão cumprida
[...] Allan Kardec, apagando a própria grandeza, na humildade de um mestre-escola, muita vez
atormentado e desiludido, como simples homem do povo, deu integral cumprimento à divina
missão que trazia à Terra, inaugurando a era espíritacristã, que, gradativamente, será considerada
em todos os quadrantes do orbe como a sublime renascença da luz para o mundo inteiro.297
297
XAVIER, Francisco C. Cartas e crônicas. Pelo Espírito Irmão X. 14. ed. 3. Imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 28 — Kardec e Napoleão.
107
CAPÍTULO 15
A VIDA E A MISSÃO DE LÉON DENIS
Lembre-se de que a vida é curta. Enquanto ela dura, esforce-se para adquirir o que veio procurar
nesse mundo: o verdadeiro aperfeiçoamento. Possa o seu ser espiritual daqui sair mais puro do que
quando aqui entrou! Acautele-se das armadilhas da carne; reflita que a Terra é um campo de
batalha, onde a matéria e os sentidos abandonam a alma num assalto perpétuo. Lute com coragem
contra as paixões vis; lute pelo espírito e pelo coração, corrija seus defeitos, adoce seu caráter,
fortifique sua vontade. Que seu pensamento se afaste das vulgaridades terrestres e escape para o
céu luminoso!298
Objetivo
Ideias principais
1. Infância e Juventude
Como transmitir informações da vida e da obra de Léon Denis sem cometer o equívoco de diminuir a
sua importância? Este questionamento se apresenta visto que a sua obra é de uma riqueza filosófica e
religiosa inigualável, ao passo que a sua vida exala ensinamentos oportunos para cada um de nós.
Todo aquele que pretende semear no coração do próximo os ensinamentos do Cristo, deve se
preparar para as dificuldades do caminho. Não seria diferente com o Apóstolo do Espiritismo.
***
Léon Denis nasceu em 1o de janeiro de 1846, em Foug, pequena localidade de Tours, na França.
Desde muito cedo nutria profunda admiração pela Natureza, pelos animais e por caminhar. Com 7 anos,
amparado pelo seu avô François, antigo soldado das tropas de Napoleão Bonaparte, já realizava caminhadas
longas em bosques.
A vida da família de Joseph Denis, pai de Léon Denis, não era fácil. Quando o pequeno Denis tinha
9 anos, seu pai Joseph foi obrigado procurar o sustento da família em outra localidade. Foi assim que toda a
família teve de se fixar em Strasbourg, local em que Joseph começou a trabalhar na Casa da Moeda. Neste
período, Léon iniciou seus primeiros estudos na escola particular do Sr. Haas. Nesta escola pouco aprendeu,
mas isso não o prejudicou tanto, pois já sabia alguns aspectos básicos do alfabeto, além de já ter domínio em
contas, aprendizado adquirido em virtude dos ensinamentos da mãe.
Quando foi aberta uma vaga na Casa da Moeda em Bordeaux, Joseph conseguiu transferência.
Apesar disso, o salário obtido era insuficiente para manter o lar com dignidade. Diante desse desafio, Léon
Denis interrompeu seus estudos para trabalhar no polimento das moedas. Esta ajuda ao pai lhe causava danos
físicos, uma vez que seus dedos sangravam para descolar as lâminas de cobre. Todavia, esse esforço
contribuía para melhorar a combalida condição financeira da família.
Em março de 1857, Joseph empregou-se na Companhia das Estradas de Ferro do Sul. Após um curto
estágio trabalhando como carteiro, Joseph foi nomeado como chefe da estação de Morcenx, em Landes.
298
DENIS, Léon. Depois da morte. Tradução de Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Conclusão, p.
417.
108
Desse modo, a família teve a chance de residir em um local menos precário. Além disso, a situação
financeira apesar de não ser satisfatória, a partir desta mudança, ao menos assegurava acesso às necessidades
mais essenciais Finalmente, Léon Denis recomeçou seus estudos, afinal já não era imprescindível que
trabalhasse para contribuir na renda familiar.
Ao receber as lições de um professor local, Léon Denis entregou-se de corpo e alma aos estudos. Na
bucólica solidão da nova localidade, cuja diversão única parecia ser o vaievem dos trens, o menino
esforçava-se no aprendizado. O professor de Morcenx levava os seus alunos com regularidade a passeios.
Sem dúvida alguma, essas lições em plena Natureza repercutiram de modo significativo na vida e, por
decorrência natural, na obra de Léon Denis. Entretanto, a fase de peregrinações não havia acabado. Joseph
Denis recebeu uma promoção e em virtude disso teve de deixar a chefia da estação de Morcenx para iniciar
uma nova etapa profissional na estação de Moux.
Inúmeras adversidades, além do sentimento de que aquela não era a sua vocação, fizeram com que
Joseph pedisse demissão do cargo, em outubro de 1862. Após essa decisão, a família de Joseph Denis se
fixou definitivamente na cidade de Tours. Léon Denis, voltou a trabalhar duro para ajudar a família. Como,
em hipótese alguma, pensava em abdicar dos estudos, realizava-os à noite, como relembrou na Revista
Espírita de 1924:
Obrigado a ganhar, durante o dia, meu pão e o de meus velhos pais, disse-lhe, consagrei muitas
noites ao estudo, a fim de completar meus conhecimentos, e daí data o enfraquecimento prematuro
de minha vista.299
Léon Denis trabalhava na Casa Pillet, uma das empresas de couro mais importantes da região central.
Suas tarefas eram voltadas para a área de correspondência e contabilidade. Todos na empresa percebiam em
Léon Denis uma viva inteligência, além de considerá-lo portador de excepcionais méritos pessoais.
As noites de estudos começaram a revelar suas características intelectuais. Desde então, o enigma da
vida começou a se apresentar com maior profundidade em suas meditações filosóficas.
Com seus 18 anos, deparou-se com um livrou que iria modificar radicalmente a sua vida. O próprio
Léon Denis, na Revista Espírita de janeiro de 1923, resumiu o que lhe aconteceu quando viu pela primeira
vez O Livro dos Espíritos:
Adquiri logo o livro, disse-lhe, e lhe assimilei o conteúdo. Encontrei nele uma solução clara,
completa, lógica do problema universal. Minha convicção se firmou. A teoria espírita dissipou
minha indiferença e minhas dúvidas.300
Com a sua pouca idade e falta de tempo, Léon Denis, no primeiro momento, não teve condições de
frequentar um Grupo Espírita. Contudo, isso não o impedia de estudar a Doutrina Espírita com apaixonante
curiosidade, chegando até mesmo a realizar experiências, juntamente com outros amigos interessados nas
questões espirituais. Nesta fase de pesquisas e trabalhos, um acontecimento importante ocorreu na vida de
Léon Denis. Allan Kardec iria passar alguns dias na pacata cidade de Tours, com seus amigos. Todos os
espíritas dessa região foram convidados a recebê-lo e a saudá-lo. Léon Denis ficou encarregado de guiar os
convidados para o local da reunião.
Por meio de suas próprias palavras, é possível ter a dimensão histórica daquela reunião:
Sob a claridade das estrelas, a voz suave e grave de Allan Kardec se elevava, e sua fisionomia
meditativa, iluminada por uma pequena lâmpada colocada sobre uma mesa, no centro do jardim,
produzia um aspecto fantástico.301
Para Léon Denis, as viagens eram uma fonte de alegria e de aprendizado. Interessavam-lhe as praças,
os monumentos, o povo, os hábitos, os costumes e a meditação entre os velhos caminhos das montanhas.
Estas longas horas de meditação solitária no seio da Natureza conduziu Léon Denis a uma profunda
compreensão de Deus.
299
LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed.
Rio de Janeiro: CELD, 2013. Em Tours, p. 33.
300
______. ______. p. 36.
301
LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed.
Rio de Janeiro: CELD, 2013. Em Tours, p. 38.
109
2. A laboriosa missão
Léon Denis, contemporâneo e um dos mais fiéis seguidores de Allan Kardec, é considerado pelo
Espírito Humberto de Campos aquele que faria o desdobramento filosófico da Codificação.
Apesar de ter lido pela primeira vez O Livro dos Espíritos em 1864, o ano que marca o início do seu
apostolado é 1882. Desde então, teve que enfrentar sucessivos obstáculos.
O materialismo e o positivismo haviam conquistado seguidores obstinados no meio intelectual e
científico. Assim sendo, toda proposta filosófica e científica contrária a estes postulados, eram
ridicularizadas. Por sua vez, a religião oficial somava todos os esforços para desacreditar tudo aquilo que
pudesse contrariar seus interesses consolidados ao longo dos séculos.
Allan Kardec teve a resiliência necessária para cumprir a sua missão, a despeito de todas essas forças
contrárias ao avanço que a Doutrina Espírita vinha trazer à Humanidade.
Não foi diferente com Léon Denis!
Os companheiros invisíveis, todavia,em nenhuma circunstância deixaram de encorajá-lo e estimulá-
lo a combater o bom combate:
É dia 2 de novembro, Dia dos Mortos do mesmo ano, quando um outro acontecimento de capital
importância se produz em sua vida.
Aquele que, durante meio século, deveria ser seu guia, seu melhor amigo, mais ainda, seu pai
espiritual, “Jerônimo de Praga”, comunica-se, pela primeira vez, em sessão espírita, no meio de
um grupo de operários, num subúrbio de Le Mans, onde Léon Denis estava de passagem. [...]
[...]
No mês de março seguinte, o ousado pioneiro espírita recebia de Jerônimo a garantia formal de
uma assistência que não deveria faltar um só dia. “Vai meu filho, no caminho aberto à tua frente;
marcharei atrás de ti, para te sustentar.”. E, como Léon Denis ainda pergunta se seu estado de
saúde lhe permitirá estar à altura da tarefa, recebe a seguinte mensagem: “Coragem, a recompensa
será mais bela!”302
3. O orador
Em 30 de março de 1884, no anfiteatro da Escola Profissional da cidade de Nantes, realizou uma
exposição intitulada “A Guerra dos 100 anos e Joana d’Arc”. No dia seguinte o Le Populaire fez uma análise
de Léon Denis:
O conferencista de domingo não é um homem comum. Além de ser uma capacidade, ele é,
principalmente, um pensador e um filósofo.
Léon Denis é uma dessas almas nobres que sentem o coração da Humanidade e que gostariam que
todos os homens se amassem uns aos outros, fizessem um esforço sobre si mesmos para se
libertarem das estreitezas do velho mundo e organizarem uma sociedade de fraternidade e de
amor.303
Em 12 de março de 1885, Léon Denis fez uma conferência sobre Joana d’Arc e suas vozes na cidade
de Mans. Victor Goutard exaltou os dons oratórios de Léon Denis da seguinte forma:
“O orador prendeu, durante uma hora e meia, o auditório às suas palavras; era belo ver aquela
multidão atenta, recolhendo, piedosamente, as frases do orador, palavras calorosas e enérgicas que
fazem vibrar as mais sensíveis fibras de nossos corações. Quando ele fala da pátria, sente-se um
coração de ouro bater nesse peito varonil e sabe-se que são suas próprias crenças que ele
manifesta, porque, apesar da facilidade de expressão de um conferencista, quando só pronuncia
frases feitas e apenas exprime ideias encomendadas, ele não encontra todos esses motivos que
tanto emocionam um público, mantendo-o em suspenso e realizando o milagre de fazê-lo abdicar
de suas crenças pessoais para adotar, momentaneamente pelo menos, as do orador. 304
302
LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed.
Rio de Janeiro: CELD, 2013. Na Liça, p. 93 a 95.
303
REGNAULT, Henri. A morte não existe: com base nas obras de Léon Denis. Rio de Janeiro: CELD, 1994. Cap. I — A vida de Léon
Denis.
304
REGNAULT, Henri. A morte não existe: com base nas obras de Léon Denis. Rio de Janeiro: CELD, 1994. Cap. I — A vida de Léon
Denis.
110
Além de seu trabalho profissional, dedicava tempo aos estudos pessoais, participava de reuniões
experimentais, preparava suas conferências e escrevia seus livros, tarefas múltiplas e árduas que exigiam
energia física e um comprometimento que poucos conseguem praticar. Apesar de sua delicada saúde, Léon
Denis em nenhum momento fugiu às suas diversas obrigações.
Fisicamente cansado por um trabalho sem descanso, vendo sua visão enfraquecer cada vez mais,
teve que conciliar suas ocupações diárias, seus trabalhos de escritor, realizar constantes viagens e
roteiros de propaganda, que exigem uma séria preparação.
Algumas vezes queixa-se disso a seus amigos invisíveis e solicita não uma substituição, mas um
descanso momentâneo. “Coragem, eles lhe respondem; cuide da saúde e prossiga; estaremos ao
seu lado”.305
4. Os escritos
No Congresso Espírita de 1889, ao ser nomeado Presidente da Comissão de Propaganda, Léon Denis
propôs a Henri Sausse a publicação de edição popular de uma obra de Allan Kardec ou outra que pudesse ser
uma síntese dos ensinamentos da Espiritualidade superior. Henri Sausse disse a Léon Denis que ele era a
pessoa mais adequada para realizar esse projeto. No primeiro momento, Léon Denis não respondeu, mas o
projeto ganhou consistência e em 25 de dezembro de 1890, é publicada a obra Depois da Morte, obtendo
expressiva venda nas livrarias. Léon Denis passou a ser considerado um escritor de primeira grandeza pela
crítica francesa.
A primeira grande obra de Léon Denis, aquela que iria ter uma repercussão tão duradoura,
apareceu no fim de 1890, com o título de Depois da Morte, tendo como subtítulo: Exposição da
Filosofia dos Espíritos, suas bases científicas e experimentais, suas consequências morais.306
Léon Denis escreveu obras que apareceram, umas em brochuras e outras em livros. Dentre suas
obras, destacam-se:
Cristianismo e Espiritismo
Depois da Morte
Espíritos e Médiuns
Joana D’Arc, Médium
No Invisível
O Além e a Sobrevivência do Ser
O Espiritismo e o Clero Católico
O Espiritismo na Arte
O Gênio Céltico e o Mundo Invisível
O Grande Enigma
O Mundo Invisível e a Guerra
O Porquê da Vida
O Problema do Ser e do Destino
O Progresso
Provas Experimentais da Sobrevivência
Socialismo e Espiritismo
Em 1892, foi convidado pela duquesa de Pomar a expor a respeito da Doutrina Espírita. Até então,
Léon Denis havia falado apenas para o grande público, sem ter acesso a uma elite social. Contudo, com o
sucesso de Depois da Morte, a alta sociedade, movida não necessariamente pela transformação moral, passou
a ter ainda mais curiosidade. Embora tenha ficado em dúvida, Léon Denis aceitou o desafio.
305
LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed.
Rio de Janeiro: CELD, 2013. Grandes Conferências, p. 131.
306
LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed.
Rio de Janeiro: CELD, 2013. Depois da Morte.
111
Uma dessas apresentações ganhou destaque no Le Journal, que assim expressou o encanto dos
ouvintes com as palavras de Léon Denis:
Reunião das mais elegantes foi realizada ontem, na residência da Duquesa de Pomar, para ouvir a
conferência de Léon Denis sobre a “Doutrina Espírita”. Com uma eloquência muito literária, o
orador soube encantar seu numeroso auditório, falando-lhe do destino da alma que pode, disse ele,
reencarnar neste mundo até conseguir a perfeição. “Ele tem a alma de um Bossuet!”, exclamou um
entusiasta espiritualista.307
Por muitos anos, Léon Denis realizou inúmeras e penosas excursões onde falou para públicos muitas
vezes hostis, tendo que manter a paz de espírito e responder com tolerância e bom senso as zombarias e
sarcasmos dos adversários da Doutrina Espírita.
Aos poucos, porém, a sua saúde começava a dar sinais de esgotamento. Perto de completar 60 anos
sua voz já não possuía a mesma potência, seus pulmões estavam cansados com mais facilidade e por esses
fatores sua resistência física diminuiu. Até 1910, prosseguiu no seu trabalho de orador espírita, levando a
semente majestosa da Terceira Revelação.
A partir de 1910, a visão de Léon Denis foi, pouco a pouco, diminuindo. A operação a qual foi
submetido, dois anos antes, não lhe proporcionou nenhuma melhora. Apesar disso, Léon Denis suportava
com serenidade e resignação este problema iniciado na juventude.
Este mal físico, porém, naturalmente trazia sérias dificuldades na escrita, seu instrumento elementar
para difundir seus pensamentos. Algumas assistentes ajudaram nesta tarefa, trans-crevendo suas ideias.
No entanto, Léon Denis tinha dificuldades em rever e corrigir as novas edições dos seus livros e dos
seus escritos. Todavia, seu planejamento e disciplina, aliada a uma memória prodigiosa, superavam os
obstáculos que a reduzida visão impunha.
Depois da morte da sua genitora, uma empregada passou a cuidar da sua pequena habitação. Ele só
exigia uma coisa: o absoluto respeito às suas numerosas notas manuscritas, as quais ele arrumava com
meticulosa precaução.
Desde o mês de maio de 1885, ele era vice-presidente da União Espírita Francesa, fundada em 24 de
dezembro de 1882. Foi designado membro honorário de múltiplas sociedades, dentre as quais, as Uniões
Espíritas da Catalunha e do Brasil; a Federação Algeriana e Tunisiana dos Espiritualistas Modernos, por ele
fundada, a Federação Espírita do Sudeste da França, dentre outras
Em 1911, após empreender considerável esforço no preparo da nova edição de sua obra O Problema
do Ser e do Destino, ficou gravemente enfermo em decorrência de uma pneumonia.
Três anos depois, uma circunstância histórica iria lhe causar enorme tristeza: em 1914 começa a
Primeira Guerra Mundial.
Até 1918, este conflito acarretou milhões de mortes, dentre os quais muitos dos amigos de Léon
Denis que tiveram de ir para a frente de batalha.
Léon Denis neste período sofria de uma doença intestinal além de estar parcialmente cego. Aos 62
anos, aprendeu a tocar piano e a ler o alfabeto braile.
Em 1915, elaborou uma nova série de artigos de profunda beleza poética, preconizando, sobretudo, o
retorno à Natureza. Nesta época, em virtude da repercussão que a metapsíquica passou a ter, a Doutrina
Espírita passou a ser vista com descrédito. Era recorrente afirmarem que à medida que a metapsíquica
avançasse, o Espiritismo iria, por extensão, perder importância.
Como o tempo é o senhor da razão, o que ocorreu foi justamente o contrário!
Léon Denis elaborou alguns artigos demonstrando a diferença entre as duas concepções. Mas não
apenas isso. Teve também de responder às críticas e ataques de altos membros da Igreja Católica.
Léon Denis trabalhou até o último segundo de sua existência. Havia acabado de escrever a obra O
Gênio Céltico e o Mundo Invisível e já pensava no livro seguinte que ainda almejava escrever, mas não havia
mais tempo. Em 12 de abril de 1927, às 21 horas, Praça das Artes,n.19, numa casa de Tours, com uma vista
maravilhosa para as margens do Loire, Léon Denis desencarna.
Por toda a sua existência e de todas as formas possíveis, Léon Denis foi útil à sociedade e a causa
espírita. Apesar das dificuldades de sua vida, Léon Denis deve ser visto hoje e permanentemente como um
fiel defensor e apóstolo da Doutrina Espírita. Sua obra foi um bálsamo de consolações e a sua vida foi uma
expressão viva daquilo que falava e escrevia.
307
LUCE, Gaston. Léon Denis: o apóstolo do espiritismo. Sua vida, sua obra. Trad. José Jorge. (Org. Albertina Escudeiro Sêco). 3. ed.
Rio de Janeiro: CELD, 2013. Grandes Conferências, p. 133.
112
CAPÍTULO 16
OS FATOS ESPÍRITAS SOB A ÓTICA DOS
CIENTISTAS E DOS INTELECTUAIS
A Ciência legítima é a conquista gradual das forças e operações da Natureza, que se mantinham
ocultas à nossa acanhada apreensão. E como somos filhos do Deus Revelador, infinito em grandeza,
é de esperar tenhamos sempre à frente ilimitados campos de observação, cujas portas se abrirão
ao nosso desejo de conhecimento, à maneira que engrandeçam nossos títulos meritórios.308
Objetivo
Ideias principais
1. Métodos científicos
O método científico é um conjunto de normas básicas para desenvolver uma determinada
experiência, com a finalidade de produzir um novo conhecimento, ou mesmo corrigir ou reinterpretar
conhecimentos já existentes. As principais disciplinas científicas trabalham no sentido de obter evidências
observáveis e baseadas apenas na experiência. Essas evidências devem ser mensuráveis e a sua análise deve
ser subordinada à lógica. Em outras palavras, para se desenvolver uma pesquisa ou experimento, faz-se
necessário, antes de tudo, um método, isto é, regras racionais que devem ser utilizadas para uma determinada
finalidade.
Como afirma Thomas S. Kuhn em A Estrutura das Revoluções Científicas,“o conhecimento
científico é cumulativo, vai construindo sobre prévias marcas de nível para escalar novos picos”.
2. Ciência Espírita
Desenvolvida, a ciência espírita, nada mais fez que formular, tirar do nevoeiro ideias já existentes
em seu foro íntimo; daí por diante o futuro se apresenta com objetivo claro, preciso, perfeitamente
definido; já não marcha ao sabor das ondas: vê o seu caminho. Não é mais esse futuro de
felicidade ou de desgraça que a razão não podia compreender e que, por isso mesmo, o repelia; é
um futuro racional, consequência das próprias Leis da Natureza, capaz de suportar o exame mais
severo.309
Se pudéssemos caracterizar em linhas gerais como se desenvolve o método científico, seria possível,
embora seja insuficiente, resumir assim: classificar, registrar e interpretar os fatos à luz da observação
racional. Allan Kardec não apenas realizava esses procedimentos em suas análises como também estava
absolutamente convencido de que a ciência materialista precisaria avançar para compreender plenamente
uma nova ordem de fenômenos que a Doutrina Espírita apresentava.
308
XAVIER, Francisco Cândido. No mundo maior. Pelo Espírito André Luiz. 24. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 9.
309
KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). Brasília: FEB, 2014. Cap. 7, p.
61.
113
Para muita gente, a oposição das corporações científicas é, senão uma prova, pelo menos
uma forte presunção contrária. Não somos daqueles que protestam contra os
pesquisadores, pois não queremos que digam que escoiceamos; temo-los, ao contrário,
em grande estima e ficaríamos muito honrados de nos contar entre eles; porém a opinião
deles não poderia representar um julgamento irrevogável em todas as circunstâncias.
Caso a Ciência saia da observação material dos fatos, quando se trata de apreciar e
explicar estes fatos, o campo fica aberto às conjecturas; cada um apresenta seu
sistemazinho que deseja fazer prevalecer e sustenta obstinadamente. Não vemos todos os
dias as opiniões mais divergentes alternadamente preconizadas e rejeitadas? Ora repelidas
como erros absurdos, depois proclamadas como verdades incontestáveis? Os fatos, eis o
verdadeiro critério de nossos julgamentos, o argumento sem-réplica; na ausência de fatos,
a dúvida é a opinião do homem sensato.310
Arthur Conan Doyle (1859–1930) — tornou-se famoso graças aos contos e romances policiais
que escreveu, particularmente um em especial, o detetive Sherlock Holmes, e seu inseparável
companheiro, o médico dr. Watson. O estilo direto da narrativa e a vivacidade dos diálogos
estimulou o desenvolvimento da criminologia, pregando o uso de métodos científicos na
pesquisa policial. Após a Primeira Guerra Mundial e suas trágicas consequências, Conan Doyle
tornou-se espírita. Rapidamente destacou-se como um lúcido escritor espírita, revelando uma
notável compreensão acerca da Doutrina Espírita como ciência, filosofia e religião. É de sua
autoria a obra História do Espiritismo, elogiada na época de sua publicação pela revista inglesa
Light, que destacou o equilíbrio e a imparcialidade com que o assunto foi abordado. Conan
Doyle ainda teria a oportunidade de escrever um livro intitulado A Nova Revelação, em que
descreve com riqueza de detalhes como se deu a sua adesão à Doutrina Espírita.
310
______. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Introdução ao estudo da
doutrina espírita, it. VII, p. 35 e 36.
114
na Sociedade Espírita de Paris. Seu importante discurso, em que chega a afirmar que Kardec era
o bom senso encarnado, foi publicado em diversos livros, inclusive em Obras Póstumas. As
obras de Flammarion foram traduzidas para vários idiomas e muitos artigos seus foram
publicados na Revista Espírita. Em 28 de janeiro de 1887 criou a Sociedade Astronômica da
França, com o objetivo de “difundir as Ciências do Universo e fazer os amadores participarem
do seu progresso”, projeto que continua vigente até os dias atuais. D. Pedro II é um dos
primeiros membros fundadores (no 85) dessa sociedade, bem como o “pai da Aviação” e
astrônomo amador, Alberto Santos Dumont. A sua contribuição para a Doutrina Espírita veio por
meio das seguintes obras: As Casas Mal-assombradas, O Desconhecido e os Fenômenos
Psíquicos — v. 1 e 2, Deus na Natureza, Estela, O Fim do Mundo, A Morte e o seu Mistério —
v. 1, 2 e 3, Narrações do Infinito e Urânia.
Charles Richet (1850–1935) — médico e fisiologista francês com prestígio internacional, tendo
conquistado, em 1913, o Prêmio Nobel de Medicina. Analisou com profundidade os fatos
espíritas, sobretudo a obsessão. Suas pesquisas com pacientes portadores de distúrbios mentais
colaboraram também para a elaboração de sua importante obra intitulada Tratado de
Metapsíquica.
A escola metapsíquica, no começo do século XX, teve repercussões inevitáveis no movimento
espírita, já prestígio do nome de Richet nos meios científicos, já pelas atividades do Instituto
Metapsíquico da França. [...] Mas o fato de haver Metapsíquica se imposto ao respeito pela sua
preocupação científica, não abalou as posições espíritas, não trouxe nenhum elemento capaz de
modificar os conceitos fundamentais do Espiritismo. 311
311
AMORIM, Deolindo. Análises espíritas. (Compilação de Celso Martins). 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 36 – A Doutrina
Espírita e as mudanças históricas, it. III – Movimentos de opinião.
115
importantes que foram publicadas na Sociedade Psíquica e que deram origem também a duas
obras: A Personalidade Humana e Os Fantasmas Vivem. O autor defendia a tese de que se o
mundo espiritual em algum momento se manifestasse aos seres humanos era imprescindível
realizar uma investigação séria para descobrir sinais inequívocos e reveladores dessa
manifestação.
Gabriel Delanne (1857–1926) — Dedicou-se desde cedo à pesquisa experimental dos fatos
presenciados dentro da sua própria casa. Sua mãe, portadora de mediunidade ostensiva,
colaborou nas obras de Kardec por meio de suas comunicações que traziam informações
relevantes e confiáveis. Seu pai, por sua vez, foi um dos fundadores da Liga Parisiense de Ensino
e grande amigo de Kardec, fazendo parte, inclusive, da direção da Sociedade Espírita de Paris,
fundada por ambos. Gabriel Delanne se tornou um defensor incansável do Espiritismo. Em 1883,
fundou a revista O Espiritismo, graças à generosidade de Elisabeth d’Esperance, que lhe doou o
dinheiro para as despesas. Passou então a realizar experiências com grandes médiuns. Em 1904,
juntamente com Charles Richet e outros estudiosos, presenciou os fenômenos de materialização
de Vila Carmem, em Argel. A produção literária de Delanne sempre se apoiou em fatos
investigados e confirmados por ele mesmo. Dedicou-se de maneira especial ao trabalho de
demonstrar que o Espiritismo está assentado em bases científica. Nessa tarefa, teve a ocasião de
afirmar:
“A luta é inflamada e provavelmente será longa, uma vez que os prejuízos religiosos e científicos
se mostram obstinados. Insensivelmente, porém, a evidência acaba impondo-se. Temos agora a
convicção de que a certeza da imortalidade se tornar uma verdade científica, cujas consequências
benfazejas, fazendo-se sentir no mundo inteiro, mudarão os destinos da Humanidade.312
Jean Meyer (1855–1931) — escritor, cientista e filósofo suíço, foi uma das mais destacadas
figuras espíritas no início do século XX. Ao se convencer da realidade que a Doutrina Espírita
apresentava, após ter lido as obras de Allan Kardec e Léon Denis, dedicou-se de corpo e alma à
grandiosa tarefa de divulgação dos ensinamentos dos espíritos. Em Paris, fundou o Instituto
Internacional de Metapsíquica, sendo considerado pelo governo francês um instituto de utilidade
pública, em função de seus relevantes trabalhos. Apesar de ter se dedicado com afinco ao estudo
dos aspectos filosófico e científico da Doutrina Espírita, amparou financeiramente várias
instituições assistenciais, dentre elas uma obra erguida em Lyon, pelas senhoras Stephen e Dayt.
Oliver Joseph Lodge (1851–1940) — físico e escritor inglês prestigiado por seus trabalhos
relacionados à telegrafia, ao éter, aos relâmpagos e à eletricidade. Além disso, este cientista
notabilizou-se pelos estudos sobre a vida para além da matéria e as manifestações dos espíritos e
as comunicações com os encarnados. No livro Raymond, a Vida e a Morte, aborda com fatos
comprobatórios a sobrevivência de seu filho, Raymond, que havia desencarnado na Primeira
Guerra Mundial (1914–1918). Suas pesquisas deram origem também a outras obras
fundamentais, tais como:
312
Disponível em: http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/06/Gabriel-Delanne.pdf
116
intermédio de T. P. Barkas que a médium apareceu em público pela primeira vez. Nessa época a
médium era praticamente uma adolescente, cuja educação formal era mediana. Entretanto,
quando em transe mediúnico, demonstrava bastante discernimento das coisas, revelando um grau
elevado de sabedoria, muito acima do padrão geral. Em sua investigação, Barkas elaborava
extensas listas de perguntas, abrangendo vários aspectos da Ciência. As respostas eram obtidas
com incrível rapidez, e geralmente em inglês, seu idioma; porém, algumas vezes escrevia em
alemão ou em latim, idiomas que a médium não tinha familiaridade.
A médium é autora do livro intitulado No País das Sombras, através do qual relata seus dons
mediúnicos. Diz ela que, em sua infância, brincava com Espíritos de crianças, como se estes
fossem crianças reais. Mais tarde lhe foi acrescentada a faculdade de materialização, pois ela
fornecia, em abundância, o fluido chamado “ectoplasma”, que serve para a produção desse
fenômeno. Seu guia espiritual era uma bela moça árabe, que dava o nome de Yolanda. Esse
Espírito se materializava constantemente, dada a perfeita afinidade que tinha com a médium.
Elisabeth d’Espérance desencarnou em 1918.313
William Crookes (1832–1919) — químico e físico inglês, desvendou o elemento químico Tálio,
além de ter sido o criador do radiômetro. Desenvolveu pesquisas importantes no campo da
espectrometria e estudou, por cerca de 5 anos, a materialização dos espíritos. Essas pesquisas
resultaram na elaboração do livro Fatos Espíritas, em que ele conclui que os fenômenos
mediúnicos de materialização não podiam ser explicados como prestidigitação.314 A partir do
respaldo das pesquisas de Crookes, muitos outros cientistas passaram a confirmar a veracidade
da comunicação com os espíritos.
Os diversos fenômenos que venho atestar são tão extraordinários e tão inteiramente opostos aos
mais enraizados pontos do credo científico [...] que mesmo agora, recordando-me dos detalhes de
que fui testemunha, há antagonismo em meu espírito entre minha razão, que diz ser isso
cientificamente impossível, e o testemunho de meus sentidos da vista e do tato, testemunho
corroborado pelos sentidos de todas as pessoas presentes [...].315
313
GODOY, Paulo A.; LUCENA, Antonio de S. Personagens do espiritismo. 1. ed. São Paulo: FEESP, 1982. In: Elizabeth d’Esperance, p.
68.
314
Prestidigitação: técnica ou habilidade de iludir com a ajuda das mãos.
315
CROOKES, William. Fatos espíritas. Trad. Oscar D’Argonnel. 10. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Fenômenos espíritas observados
por William Crookes.
117
GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO VI
118
CAPÍTULO 17
A DOUTRINA ESPÍRITA NO BRASIL
[...] O Brasil é realmente, por decreto divino, o país escolhido para ser o Grande Evangelizador do
planeta e esta Sublime Oficina é a feliz depositária deste legado crístico. [...]316
Objetivo
Ideias principais
316
SANT’ANNA, Hernani T. Correio entre dois mundos. Diversos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1990.
317
Pálio trinitário: pálio significa manto; trinitário provém de trindade, grupo de três pessoas ou coisas semelhantes.
318
Mensagem de Ismael, mentor espiritual do Brasil, ao Grupo Confúcio, da Federação Espírita Brasileira, em 1873.
119
No livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, ditado pelo Espírito Humberto de
Campos, temos a seguinte informação a respeito do Grupo Confúcio:
[...] Por esse grupo passaram, na época, todos os simpatizantes da Doutrina e, se efêmera foi a sua
existência como sociedade organizada, memoráveis foram os seus trabalhos, aos quais compareceu
pessoalmente o próprio Ismael, pela primeira vez, esclarecendo os grandes objetivos da sua
elevada missão no País do Cruzeiro.319
A 22 de janeiro de 1808, aporta na Bahia a maior parte das embarcações que constituíam a frota
real. O povo baiano recebe o príncipe regente e sua comitiva com as mais carinhosas
demonstrações de amizade. Clarins e bandeiras anunciam, sob um sol quente e amigo, a presença
da família real nas terras do Cruzeiro. A cidade de Salvador julga-se de novo nos seus grandes
dias, contando com a honra de ser outra vez a capital da colônia, mas os navios descem ao longo
da costa para o Rio de Janeiro.321
Já instalados na nova sede, a corte portuguesa reestruturou toda a máquina administrativa, afinal, era
a partir dali que seriam expedidas as ordens que deveriam chegar a todos os locais em que vigorava a
dominação portuguesa.
A partir da abertura dos portos, em 1808,322 e o tratado de 1810323 o Rio de Janeiro abriu as portas
para a chegada e envio de produtos:
Ainda na Bahia, graças às suas relações com o conde de Aguiar, ministro de D. João VI, José da
Silva Lisboa, mais tarde visconde de Cairu, consegue do soberano a abertura de todos os portos da
colônia ao comércio universal. E note-se que semelhante providência, a base primordial da
autonomia brasileira, teve seus ascendentes indiscutivelmente, na atuação das forças espirituais
que presidiam aos movimentos iniciais da emancipação, porque, na convenção secreta de Londres,
em 22 de outubro de 1807, um dos pontos essenciais que deveriam ser observados, em troca da
proteção de George III à Casa de Bragança, no sentido de sua fuga para a colônia distante, era o da
abertura dos portos do Brasil à livre concorrência da Inglaterra, reservando-se tal direito somente
aos interesses britânicos. O soberano e seus ministros conheciam essas estipulações [...] mas, com
o auxílio das influências salutares do plano invisível, reconsideraram a tempo o absurdo de
semelhantes exigências e cuidaram de realizar as primeiras aspirações dos patriotas brasileiros. 324
319
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 23 — A obra de Ismael, p. 143.
320
A propósito, mesmo a Espanha não tendo ligação com este contexto, também foi invadida e tomada pelas tropas francesas.
Como na época para chegar a Portugal era necessário antes passar pela Espanha, os franceses encontraram o ensejo e
estabeleceram domínio sobre esses dois países.
321
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 16 — D João VI, p. 102.
322
Abertura dos Portos (1808): o Decreto assinado pelo príncipe regente D. João VI,em 28 de janeiro de 1808, abria os portos
brasileiros às nações amigas. Na prática, isso significou o rompimento com o Pacto Colonial que garantia exclusividade aos
comerciantes portugueses nas transações dos produtos oriundos da colônia.
323
Tratado de 1810: esse acordo confirmou a liberação dos portos brasileiros para as demais nações do mundo, simbolizando a
vitória do liberalismo econômico.
324
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 16 – D. João VI, p. 102 e 103.
120
Com a abertura dos portos para as nações estrangeiras, chegaram da Inglaterra metais e gêneros
alimentícios; da Holanda, cerveja, vidros e linho; da Rússia e da Suécia, utensílios de ferro, cobre, couro e
alcatrão; e da França, artigos de luxo, móveis e gravuras, mas não apenas isso...
Com os franceses chegava o desejo de montar o aparato laico em relação às artes e a intenção de
impor uma “nova cultura artística”. Não que não existissem na colônia artistas e aprendizes —
muito pelo contrário —, porém não havia até então ensino sistematizado. [...] Os artistas seriam
responsáveis, ainda, por várias obras urbanísticas e grande monumentos, bem como criariam
arquiteturas efêmeras, onde se exibiam comemorações públicas associadas ao Estado. 325
A influência francesa na cultura era cada vez maior, principalmente a partir da queda de Napoleão
em 1815. Multiplicaram-se cursos, aulas particulares na língua francesa, e uma oferta considerável de obras
literárias.
Radicados ou não entre nós, e principalmente entre o Primeiro e o Segundo Reinado, os franceses
não se dedicaram apenas ao comércio de produtos de consumo de luxo, mas tiveram grande
participação no desenvolvimento das letras. A eles ficamos devendo não apenas a circulação de
livros e jornais em francês, mas as primeiras livrarias e bons encadernadores. Os livros eram
alugados ou comprados, encadernados e, depois, longa-mente discutidos.326
O teatro francês se fez presente também a partir da década de 1840, incorporando ao cotidiano da
elite inúmeras opções culturais. Mas o que de fato agitou o círculo intelectual da corte do Rio de Janeiro da
segunda metade do século XIX, foram os fenômenos ditos “sobrenaturais”, ou, as “soluções” transcendentais
constituídas a partir de bases filosóficas e científicas.
Retomaremos este assunto mais adiante. Antes, porém, merece consideração o papel valioso da
homeopatia como precursora de concepções que mais tarde viriam a ser desenvolvidas pela Doutrina
Espírita.
Interessante notar que Humberto de Campos informa que Homeopatia foi a precursora da Doutrina
Espírita no Brasil, antes mesmo das primeiras reuniões espíritas ocorridas no Rio de Janeiro, por volta de
1853. Sendo considerada por muitos de seus entusiastas uma nova ciência capaz de substituir a medicina
tradicional, a Homeopatia alcançou repercussão mundial no início do século XIX. Essa rápida propagação
contribuiu para a sua introdução e prática no Brasil a partir de 1818, mediante os esforços de Antônio
Ferreira França.
A consolidação da Homeopatia no Brasil ocorreu de maneira progressiva, embora tenha enfrentado
enormes desafios.
Por volta de 1840, ao influxo das falanges de Ismael, chegavam dois médicos humanitários ao
Brasil. Eram Bento Mure e Vicente Martins, que fariam da Medicina homeopática verdadeiro
apostolado. [...] Introduziram vários serviços de beneficência no Brasil e traziam por lema, dentro
da sua maravilhosa intuição, a mesma inscrição divina da bandeira de Ismael — “Deus, Cristo e
Caridade”. Indescritível foi o devotamento de ambos à coletividade brasileira, à qual se haviam
incorporado, sob os altos desígnios do mundo espiritual.328
325
SCHWARCZ, Lília M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Cap. 7, p. 192.
326
DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 61.
327
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 22 — Bezerra de Menezes, p. 136.
328
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 23 — A obra de Ismael.
121
O francês Benoît Jules Mure (1809–1858), considerado um dos mais destacados incentivadores da
Homeopatia no Brasil, desembarcou no Rio de Janeiro em novembro de 1840.
Três anos depois, em 1843, juntamente com o Dr. Vicente José Lisboa já haviam criado o Instituto-
Escola Homeopático no Rio de Janeiro. Em dezembro do mesmo ano fundaram o Instituto Homeopático do
Brasil, com o objetivo de propagar a Homeopatia nos setores mais pobres da sociedade.
Bento Mure, como era chamado no Brasil, era movido pelo propósito de alcançar no Brasil o mesmo
prestígio que a Homeopatia havia adquirido no Exterior. Em vista disso, divulgou amplamente a nova ciência
para em seguida criar uma escola de formação de médicos homeopatas,de acordo com os princípios de
Hahnemann.
Nesta boa terra de todos os santos, surgiria, num dia de 1847, vindo do Rio de Janeiro, o Dr. João
Vicente Martins, o maior propagandista da homeopatia no Brasil oitocentista. A 14 de outubro, em
companhia do Dr. Pereira Mesquita e outros médicos, ele instalava em Salvador a Sociedade
Homeopática Baiana. No dia seguinte, no Correio Mercantil, num artigo provocativo, o Dr.
Martins atacava rudemente a alopatia.329
Como já mencionado anteriormente, a Homeopatia praticada no Brasil do século XIX estava voltada
especialmente para o atendimento das camadas mais populares da sociedade imperial. Em grande medida,
isso é uma consequência do monopólio que os médicos alopatas desfrutavam no exercício da profissão,
impedindo que a atuação dos homeopatas se estendesse a todas as classes sociais. Ambicionando conservar
sua hegemonia, o corpo institucional dos médicos tradicionais, frequentemente, colocava em descrédito a
prática homeopática, objetivando, ao fim e ao cabo, mantê-la na ilegalidade.
Apesar de todas as pressões, a Homeopatia finalmente foi legalizada pelo imperador D. Pedro II em
1846.
Pela imprensa, durante o final de 1846 e início do ano seguinte, desencadeou-se uma assanhada
troca de ataques e contra-ataques entre alopatas e homeopatas. O episódio teve uma espécie de
grandfinale com a publicação do romance Gabriela envenenada ou a providência, no qual o Dr.
João Vicente Martins esmiuçava o caso, demonstrando a inconsistência dos ataques à
homeopatia.330
De acordo com Bento Mure, a Homeopatia representa uma revolução em termos do conhecimento
que se tinha até então em Medicina. Para ele, a Homeopatia é parte do todo e age sobre a complexidade dos
organismos, introduzindo uma abordagem holística dos seres e do mundo.
[...] Foram eles, os médicos homeopatas, que iniciaram aqui os passes magnéticos, como imediato
auxílio das curas. Hahnemann conhecia a fonte infinita de recursos do magnetismo espiritual e
recomendava esses processos psicoterápicos aos seus segui-dores.331
O conceito estabelecido por Hahnemann de princípio vital, presente em sua obra Organon da Arte de
Curar, é também abordado por Allan Kardec em A Gênese. O codificador afirma que o principal vital...
[...] dá origem à vida dos seres, perpetuando-a em cada mundo conforme a sua condição, princípio
em estado latente que dorme lá onde a voz de um ser não o chama. Cada criatura mineral, vegetal,
animal ou qualquer outra — uma vez que existem muitos outros reinos naturais, de cuja existência
sequer suspeitamos — sabe, em virtude desse princípio vital universal, adequar as condições de
sua existência e de sua duração.332
[...] O princípio vital é o agente entre o corpo espiritual, fonte da energia e da vontade, e a matéria
passiva, inerente às faculdades superiores do Espírito, que o adapta segundo as forças cósmicas
329
MACHADO, Ubiratan Paulo. Os intelectuais e o espiritismo. 2. ed. Niterói: Publicações Lachâtre, 1996. Cap. 3, p. 67.
330
______. ______.
331
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 23 — A obra de Ismael, p. 142.
332
KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 3. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. VI, it. 18.
122
que constituem as leis físicas de cada plano de existência, proporcionando essa adaptação às suas
necessidades intrínsecas.333
Este é um dos exemplos da convergência existente entre a Homeopatia e a Doutrina Espírita. Caso
queira se aprofundar mais neste relevante tema, a sugestão é a leitura do livro: Hahnemann, o Apóstolo da
Medicina Espiritual, de Hermínio C. Miranda.
Por meio dos imigrantes franceses, o magnetismo não tardou a chegar ao Brasil. No final da década
de 1840, muitos adeptos dessa nova atividade poderiam ser encontrados nas classes favorecidas da Corte.
Com a rápida popularidade, logo a imprensa carioca iria destacar em suas páginas matérias sobre o
magnetismo animal. A primeira menção ocorreu em dezembro de 1852. Nos anos seguintes, inúmeras
matérias, cartas e anúncios foram divulgados com regularidade nos três principais periódicos do Rio de
Janeiro: o Jornal do Commercio, o Correio Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro.
A seguir será possível ter uma noção mais apurada de como o magnetismo passou a figurar no
cotidiano carioca em meio as páginas de jornais.
“Temos por várias vezes assistido às sessões de magnetismo com que Dr. Albuquerque de Oliveira
tem obsequiado os seus amigos, e onde se tem achado muitas pessoas distintas, e das mais notáveis
da sociedade. Os fenômenos que sempre temos observado, operados pela influência magnética, são
realmente admiráveis e dignos dos mais sérios estudos; porém o que mais nos tem extasiado são
alguns pontos de lucidez que o sonâmbulo apresenta, em que descobre as coisas mais ocultas,
principalmente no exame das enfermidades, em que o sonâmbulo se tem tornado notável, e de que
o Dr. Albuquerque já tem colhido belos resultados [...] “Assinado por “W.”
“[...] Quem não sabe por aí que o Dr. Magalhães (hoje em Nápoles) foi o primeiro que aqui
praticou o magnetismo em maior escala, e que dessa prática ainda existem curas, para lhe servirem
de prova? Quem não sabe que o falecido Dr. Gamard praticou aqui o magnetismo, e até teve uma
espécie de Casa de Saúde? E além destes tantos outros senhores que têm apresentado o
magnetismo e o têm exercido, médicos ou não. [...]” Autor da Carta: Jácomo Ulysses.
“[...] O magnetismo está hoje muito propagado na Europa; por meio dele se tem feito maravilhosas
curas, graças àqueles grandes homens que não temendo o ridículo que a princípio acovardava os
que nele acreditavam, começaram a praticá-lo, a ensiná-lo e a escrever sobre ele essas obras de que
o Sr. Ulysses e talvez muito melhor gente não tenha ainda notícia, mas começa a ter depois que
nós temos procurado fazer curas e sessões magnéticas como meio de propagação. [...]” Seção
Correspondência – escrita por José Hilário Teixeira Coelho de Miranda.
Em 1860, os adeptos do magnetismo fundaram um jornal próprio intitulado Jesus e Mesmer. O nome
deste jornal evidencia a relação com o Cristianismo. Um ano depois foi criada a Sociedade de Propaganda do
333
XAVIER, Francisco C. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 24 — O corpo espiritual, it.
24.4 — O santuário da memória.
334
GURGEL, Luiz Carlos de M. O Passe Espírita. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Pt. 2, cap. 1, p. 61.
123
Magnetismo, além do Júri Magnético do Rio de Janeiro, responsáveis pela pesquisa e tratamento por meio do
magnetismo animal. Estas entidades foram autorizadas a funcionar desde que as práticas curativas fossem
conduzidas exclusivamente por médicos, o que contribuiu para a presença maciça de muitos doutores
vinculados à Escola de Medicina do Rio de Janeiro.
Berlim, 30 de abril. Não há neste momento uma reunião na Alemanha na qual não se fale na nova
importação americana — themovingtable — e não se experimente mais de uma vez o fenômeno;
parecendo-me que a sua descrição poderá interessar os seus leitores, passo a referir o que vi.
Importa pouco a madeira de que a mesa deve ser feita, basta que seja de forma oval e pouco
pesada, para tornar rápida a execução da experiência. Sentadas cinco pessoas pelo menos à roda da
mesa, põem as mãos sobre ela e formam uma cadeia, colocando o dedo mínimo da mão esquerda
da pessoa que lhe fica à direita; não deve haver anéis nos dedos. A atenção e a vontade dos que
fazem a experiência devem estar concentrados no seu resultado, que se deve verificar entre 35 e 70
minutos de tempo. Começa a notar-se na mesa um movimento de ondulação que se transforma em
movimento de rotação assaz rápido. Descobriu-se uma nova variante menos penosa, por isso que o
fenômeno se produz em cinco minutos. Em vez de se formar a cadeia sobre uma mesa, forma-se
com três pessoas sobre as abas de um chapéu. Agora, quanto à maneira porque este fenômeno se
pode explicar, nada sei. [...]
A novidade vinda da Europa estimulava de tal modo a curiosidade dos leitores que não demorou
muito para que os principais jornais do Brasil abordassem este fenômeno com bastante frequência.
Informação confirmada pelo Diário de Pernambuco, cujo correspondente em Paris afirmava que
era impossível entrar num salão sem que se visse uma mesa redonda, e os presentes, dedos
mínimos entrelaçados, esperando em silêncio a mesa voltear. A febre bateu nos trópicos, e o
articulista de o Folhetim relatava que nada mais importava: nem a alta dos juros, nem a oposição
parlamentar ou a passagem de novos cantores estran-geiros.336
Uma das responsabilidades gravíssimas que D. Pedro II teve de assumir foi a pressão pelo fim do
tráfico negreiro. Entre 1839 e 1842, houve um aumento significativo das apreensões de navios negreiros. Em
1850, sobretudo por pressão da Inglaterra, a situação tornou-se insustentável. Os tempos eram outros, e a
complacência do Estado imperial com o tráfico de escravos era uma prática considerada retrógrada pelos
335
MACHADO, Ubiratan Paulo. Os Intelectuais e o Espiritismo. 2. ed. Niterói: Publicações Lachâtre, 1996. Cap. 3, p. 71.
336
DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap. 2, p. 65 e 66.
337
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 24 — A Regência e o Segundo Império, p. 150.
124
outros países. Para se ter uma dimensão do comprometimento do país com a escravidão, entre os anos de
1841 e 1850, dos africanos transportados como escravos para a América, cerca de 83% desembarcavam aqui
no Brasil.
Com o fim do tráfico de escravos, em 1850, houve a possibilidade de se investir na infra-estrutura do
país, com destaque para a construção das primeiras linhas telegráficas e de navegação, além das primeiras
estradas de ferro. No que diz respeito à educação, cresceu o número de escolas e de estabelecimentos de
instrução.
A partir de 1860, o governo passou a financiar a vinda de imigrantes europeus e orientais para o
Brasil. Duas razões explicam este incentivo: o encarecimento do tráfico interno de escravos, já que não era
mais possível exportá-los da África, e a ideia de realizar o “branqueamento da população”, movimento
político em sintonia com as teorias científicas da época.
Nesse período de relativa estabilidade financeira e política, a capital do Império — o Rio de Janeiro
— passou por profundas transformações urbanísticas. O propósito era transformar a capital do Império numa
espécie de espelho da sociedade parisiense, o que revela o quão predominante era a influência francesa neste
período. Em virtude disso, muitos palácios, jardins públicos e amplas avenidas foram erguidos.
Agora era a vez da mística Rua do Ouvidor, onde se abriam a cada dia novas lojas de modistas
franceses, floristas, joalheiros, cabeleireiros, charuteiros e até sorveteiros. Por oposição ao
reduzido movimento de outrora, surgiam os passeios à tarde, os chás nas cafeteiras elegantes, as
indumentárias requintadas com tecidos ingleses e modelos vindos de Paris. Não por acaso, a Rua
do Ouvidor transformava-se no símbolo dileto dessa nova urbanidade, segundo a qual se pretendia
viver nos trópicos como nos bulevares euro-peus.338
Estas conquistas chegavam a um ambiente restrito de uma elite acostumada a todo tipo de privilégio.
Nesse período, não havia em qualquer parte do mundo a concentração de negros escravos em área urbana
como no Rio de Janeiro, contingente semelhante apenas ao período no qual do Império Romano estava
prestes a ruir.
O projeto civilizatório do Império brasileiro esbarrava em permanências contraditórias ao sentido de
civilização que pretendia dar a nova nação. A dinâmica dos acontecimentos colaborou para que,
progressivamente, essa realidade fosse transformada. De fato, o país não era mais o mesmo.
A atuação de D. Pedro II no sentido de promover um novo modelo de cultura nacional contribuiu
para o projeto modernizador do Império, cuja essência era se contrapor ao atraso que a escravidão relegava
ao Brasil no cenário mundial.
Foi considerado por muitos estudiosos do livro como o mais importante editor do século XIX.
Luiz Edmundo, referiu-se a Livraria Garnier, palco diário de encontros entre diversos escritores e
literatos, como a “sublime porta” e a relacionava à admiração que havia quanto ao espírito francês:
“persistimos franceses, pelo espírito e, mais do que nunca, a diminuir por esnobismo tudo que seja
nosso. [...] Bom, só o que vem de fora. E ótimo, só o que vem da França”.339
A Editora Garnier, foi a primeira a publicar O Livro dos Espíritos no Brasil. A tradução para o
português da obra foi uma iniciativa de Fortúnio, pseudônimo usado por Joaquim Carlos Travassos. Foi
notório o sucesso da publicação, razão pela qual a Garnier publicou posteriormente: Como e Por que me
Tornei Espírita, O Livro dos Médiuns e O Céu e o Inferno.
Entre os franceses radicados no Brasil, havia um grupo de leitores das obras de Allan Kardec e
adeptos da Doutrina Espírita.
338
SCHWARCZ, Lília M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Cap. 11, p. 277.
339
Disponível em: https://bndigital.bn.br/francebr/garnier.htm
125
Deste grupo, destacou-se Casimir Lieutaud, amigo pessoal do proprietário da Editora Garnier.
Prestigiado pedagogo, Casimir comandou à época o renomado Colégio Francês. Com todo o prestígio
alcançado como educador, seria um enorme risco para a sua reputação publicar um livro sobre um tema
ainda tão controverso. Contudo, sua coragem moral prevaleceu e, em 1860, Casimir Lieutaud publicou o
primeiro livro de divulgação espírita impresso no Brasil. A sua obra foi intitulada: Os Tempos são Chegados.
Na revista Reformador de novembro de 1989, em ocasião do centenário da morte de Casimir
Lieutaud, Zêus Wantuil destaca um trecho da histórica e relevante obra:
Destacados na cultura e em sua maioria detentores de uma boa situação financeira, muitos franceses
mantinham contato com o palácio imperial e por extensão com a alta sociedade da época. Isso permitiu que a
ideia espírita se propagasse com maior fluidez. Allan Kardec compreendeu que algo de importante estava
acontecendo no Brasil e não deixou de fazer um comentário a este respeito na Revista Espírita de julho de
1864:
Constatamos com satisfação que a ideia espírita faz sensíveis progressos no Rio de Janeiro, onde
conta expressivo número de representantes, fervorosos e devotados. A pequena brochura O
Espiritismo na sua expressão mais simples, publicada em português, muito contribuiu para ali
espalhar os verdadeiros princípios da Doutrina.341
Iniciou no estado da Bahia em Salvador em 1865 com Luiz Olympio Telles de Menezes os primeiros
trabalhos mediúnicos registrados como a psicografia.
Professor, estenógrafo foi um dos maiores jornalistas do Brasil. Correspondia-se com Kardec, falava
várias línguas e fundou a 17 de setembro de 1865 o Grupo Familiar do Espiritismo às 20:30. Foi a primeira
agremiação doutrinária do Brasil. Um espírito denominado "Anjo Brasil" (associam a Ismael) deu uma
mensagem psicografada (primeira psicografia do Brasil). Mensagem essa que estimulou Telles a dar
continuidade a sua missão. Considerado como o pioneiro do Espiritismo no Brasil, teve uma missão árdua e
até espinhosa, lutando muito pela propagação do Espiritismo no Brasil.
Para melhor defender e propagar o Espiritismo, duramente atacado pelo clero e a imprensa de
Salvador, criou o primeiro jornal espírita do Brasil "Écho D' Além-Túmulo, em julho de 1869. Telles foi o
primeiro presidente da Associação Espírita Brasileira, entidade que visava ao "desenvolvimento moral e
intelectual do homem nas largas bases que cria a filosofia espirítica, e a exemplificação do sublime e
celestial preceito da caridade cristã".
Telles faleceu em extrema pobreza, na sua residência na rua Barão de São Félix, sendo sepultado no
Cemitério São Francisco Xavier a expensas de colegas e amigos.
340
WANTUIL, Zêus. Casimir Lieutaud: centenário de desencarnação. In: Reformador, ano 107, n. 1928, nov. 1989, p. 31(347) -
35(351).
341
KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 7, n. 4, jul. 1864. Extrato do Jornal do Commercio do Rio de
Janeiro de 23 de setembro de 1863, it. Crônicas de Paris, p. 283. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2014.
126
9. Combate a Doutrina Espírita pela imprensa
Desde os seus primórdios até os dias atuais, a mídia — ou no caso específico de nossa análise, a
imprensa —, cria no imaginário social a realidade que ela se propõe a descrever. Em teoria, os critérios de
objetividade e imparcialidade devem nortear a ação midiática. Entretanto, convém observar que a
espetacularização e a construção de estereótipos ganham maior destaque à medida que tudo aquilo que choca
ou atiça à curiosidade, retém mais rapidamente a atenção do público-alvo a ser alcançado.
Esta reflexão parece demasiadamente abstrata, mas julgamos necessária abordá-la, pois a seguir
serão apresentadas verdadeiras caricaturas da imprensa da corte a respeito dos fenômenos mediúnicos e mais
especificamente da própria Doutrina Espírita. Este resgate histórico parece-nos relevante para que se perceba
hoje o quão desafiador foi o surgimento e a consolidação do ideal espírita na Pátria do Evangelho.
Em março de 1864, a Revista Ilustrada, em tom sarcástico, beirando ao ridículo aos olhos de hoje,
anunciava:
NOVIDADE! NOVIDADE! A época é dos espectros e por isso arregalem os olhos [...] Três
franceses, amigos de Satanás, chegaram ultimamente do Inferno e trarão um carregamento de
espectros, fantasmas e aparições para embasbacar os entusiastas do maravilhoso.! O espiritismo já
não é uma mentira. Diabos azuis, anjos amarelos, bruxas encarnadas, duendes verdes, espectros
roxos, fantasmas negros e almas do outro mundo sem cor.
Após desta coarctada em nome da moral, vem a propósito passar a um assunto grave e
tristonho: o da influência do Espiritismo, que vai-se generalizando de modo assustador. O
Espiritismo vem produzindo loucos. É uma epidemia mais perigosa do que febre amarela.
De tempos em tempos vem-nos a notícia de que mais uma vítima tombou no abismo. Uns
fetiches asiáticos e outros africanos exigiam sangue, Allan Kardec exige a razão.
Principiaram livreiros e ociosos propagando o veneno e esta natureza brasileira
exuberante de seiva e de curiosidade vai-se atirando ao tremedal com uma coragem que
faz tremer. [...]
Em 1875, chegaram ao Brasil a Revista Espírita, O Livro dos Espíritos, O Livro dos
Médiuns e O Céu e o Inferno, todos traduzidos para o português.A rápida expansão da Doutrina dos
Espíritos deixava os críticos claramente desconcertados. O jornal O Novo Mundo, em sua
publicação, de 23 de abril de 1875, não esconde a contrariedade ante a popularização das obras
ditadas pela Espiritualidade superior a Allan Kardec:
[...] Intuitivo é que quero falar do [...] Sr. B. L. Garnier, que, cedendo a instigações de
interessados, ou não pensando assaz no mal que com a sua condescendência poderia
fazer, tem dado à estampa os devaneios de Allan Kardec, famigerado apóstolo do
127
Espiritismo e responsável por tantos e tão lamentáveis desarranjos mentais. Sabido é que na
natureza humana, sempre houve, e infelizmente ainda há, extraordinária propensão para o
maravilhoso, que tem o atrativo do fruto proibido, prometendo nos descortinar novos horizontes e
revelar mistérios insondáveis. Até agora os livros desses funestos videntes eram escritos em
idiomas estranhos e por isso inacessíveis à grande maioria da população, mas agora que estão
vertendo na língua vernácula, ninguém haverá que não deseje travar conhecimento com eles e
instruir-se nas novas e facínoras teorias que aí se propagam, visto como dando diversa
interpretação ao dogma da imortalidade da alma buscam restaurar a velha doutrina dos filósofos
indianos, conhecido por metempsicose.
Esta visão equivocada merece um exame mais aprofundado. Ora, ou este crítico agiu de má fé ou
simplesmente não conhecia aspectos elementares da Doutrina que, com tanto ardor buscou se contrapor neste
artigo. Seja como for, Allan Kardec é absolutamente claro ao demonstrar em O Livro dos Espíritos a
distinção entre a metempsicose e a reencarnação:
O homem não pode permanecer perpetuamente na ignorância, porque deve atingir o objetivo
estabelecido pela Providência: ele se esclarece pela força das coisas. As revoluções morais, como
as revoluções sociais, se infiltram, pouco a pouco, nas ideias; estas germinam durante séculos;
depois, de repente, irrompem e fazem desmoronar o edifício corroído do passado, que não está
mais em harmonia com as necessidades novas nem com as novas aspirações. 343
A partir da década de 1870, a Doutrina Espírita chegou a todos os segmentos sociais. Apesar das
investidas dos detratores, era perceptível sua marcha ascendente, fincando bandeiras definitivas no Brasil.
Convidativa à experiência espírita era a própria casa urbana brasileira. A sala ampla e acolhedora
oferecia ambiência ideal para os contatos com o Além. Isso explica o caráter inicial doméstico,
familial, do espiritismo brasileiro, particularmente na Corte, onde durante o longo período da
década de 1860, ele sobreviveu graças a reuniões familiares. 344
Em 23 de março de 1876, nasce então a Sociedade de Estudos Espírita Deus, Cristo e Caridade, sob a
direção de Bittencourt Sampaio, advogado, poeta, jornalista e político que abandonou a sua carreira de
destaque para se empenhar ao ideal espírita cristão. Dois anos depois, se junta a Bittencourt Sampaio o
eminente escritor e jornalista Antônio Luiz Sayão, aguerrido divulgador da Doutrina Espírita.
Em 1880, Augusto Elias da Silva, fotógrafo português radicado no Rio de Janeiro, funda e preside a
União dos Espíritas do Brasil. É inquestionável que Augusto Elias da Silva teve papel decisivo nesse
período, sendo, inclusive, considerado o pioneiro da Doutrina Espírita no Brasil.
Em 21 de janeiro de 1883, sob sua a direção é fundada a revista Reformador, órgão que além de
divulgar ideias, desde o início contribui para dar visibilidade ao movimento espírita ainda em seu
nascedouro.
342
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário à q.
613.
343
______. ______. Comentário de Kardec à q. 783
344
MACHADO, Ubiratan Paulo. Os Intelectuais e o Espiritismo. 2. ed. Niterói: Publicações Lachâtre, 1996. Cap. 5, p. 116.
128
Em 15 de março de 1883, o Reformador informou que uma delegação da Sociedade Acadêmica
Deus, Cristo e Caridade acabava de retornar à corte, após uma viagem de propaganda e visita aos
Grupos Espíritas do Brasil. Percorrendo várias localidades do país, em todas elas os delegados
efetuaram conferências públicas muito concorridas e fundaram diversos grupos. Foi o primeiro
movimento espírita, neste sentido, que se fez no Brasil. 345
Apesar desses esforços, muitas polêmicas entre os diversos grupos tornavam o processo de unificação uma
tarefa das mais complexas e desafiadoras. Foi neste contexto de rearticulação que em 27 de dezembro de 1883,
Augusto Elias da Silva promoveu uma reunião dos grupos espíritas até então existentes. Estes eram os grupos
participantes da reunião: o Grupo dos Humildes, a Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, o Centro da
União Espírita do Brasil e o Sociedade Espírita Fraternidade.
Dessa histórica e decisiva reunião foi oficializada a criação da Federação Espírita Brasileira, em 2 de
janeiro de 1884
A Federação Espírita Brasileira, fundada desde o ano-bom de 1884, por Elias da Silva, Manoel
Fernandes Figueira, Pinheiro Guedes e outros companheiros do ideal espiritualista, no Rio de
Janeiro, esperava, sob a proteção de Ismael, a época propícia para desempenhar a sua elevada
tarefa junto de todos os grupos do país, no sentido de federá-los, coordenando-lhes as atividades
dentro das mais sadias expressões da Doutrina. 346
Desde os anos 1860, houve o fortalecimento da campanha pela abolição da escravidão no Brasil.
Com o fim do tráfico de escravos, em 1850, a absurda permanência da escravidão no Brasil ganhou destaque
na opinião pública, despertando nas elites locais e governamentais verdadeiro assombro. Somente Cuba,
além do Brasil, matinha a escravidão nas Américas. A pressão internacional para o fim da escravidão crescia
e não era mais possível ficar indiferente.
Com o término da Guerra do Paraguai,347 a agitação em torno da Proclamação da República e da
abolição da escravidão voltaram a crescer. Em 28 de setembro de 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre
que libertava os escravos que nascessem após a data da promulgação desta lei. Ocorre que as mães escravas
não tinham a sua liberdade, o que na prática tornava a lei obsoleta, já que seus filhos tinham liberdade apenas
no papel. Evidentemente isso beneficiava os grandes proprietários.
Apesar disso, essa lei não deixou de ser relevante, sendo o prelúdio de uma nova era em que as
forças favoráveis a continuidade da escravidão já não tinha o poder de retardar o urgente avanço.
D. Pedro se reconfortava com essas doutrinações das massas, no seu liberalismo e na sua bondade
de filósofo. Desejaria antecipar-se ao movimento ideológico, decretando a liberdade plena de
todos os escravos, mas os terríveis exemplos da guerra civil que ensanguentara os Estados Unidos
da América do Norte durante longos anos, na campanha abolicionista, faziam-no recuar a luta das
multidões apaixonadas e delinquentes. Foi, pois, com especial agrado, que acompanhou a
deliberação de sua filha de sancionar, a 28 de setembro de 1871, a Lei do Ventre Livre, que
garantia no Brasil a extinção gradual do cativeiro, mediante processos pacíficos. Seu grande
coração, no âmbito das suas impressões divinatórias, sentia que a abolição se faria nos
derradeiros anos do seu governo. [...]348
345
WEGUELIN, João Marcos. Memória Espírita. Papéis velhos e histórias de luz. 1. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2005. Cap. 20, p. 122.
346
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 28 — A Federação Espírita Brasileira, p. 172.
347
A Guerra do Paraguai foi o maior conflito armado internacional ocorrido na América do Sul no século XIX.
348
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8.
imp. Brasília: FEB, 2015. Cap. 26 — O movimento abolicionista, p. 160 e 161.
129
De fato, havia de ambos os lados — na campanha abolicionista e no governo imperial — o receio de
que ocorresse no Brasil uma guerra civil nos moldes dos Estados Unidos, e, mais alarmante ainda, uma
rebelião generalizada de escravos, a exemplo das revoltas deflagradas no Haiti. De todo modo, embora D.
Pedro se afirmasse contrário à escravidão, não houve de sua parte uma interferência tão decisiva no sentido
de apressar a abolição.
Na década de 1880, a monarquia estava cercada por desafios complexos, de difícil solução. Os focos
de oposição ao Império eram os abolicionistas, os republicanos e o exército. O avanço do Partido
Republicano era notório; o exército inspirava preocupações; no entanto, era o fim da escravidão que
despertava todas as atenções, afinal, a abolição poderia ser o presságio da queda do Império.
“Medo” era uma palavra e um sentimento que se socializava. Medo da reescravização, medo da
violência, que virava moeda corrente no contexto. E não só os escravizados se amotinavam como o
sistema se tornava ainda mais violento nos seus estertores. Os senhores, prevendo o fim do regime,
e tendo boa parte de seu capital imobilizado em escravos, passavam a exigir uma jornada ainda
mais carregada de trabalho. As consequências foram fugas constantes, ataques e assassinatos de
fazendeiros e feitores, protestos de forros e populares [...] Conscientes de que a escravidão perdia a
legitimidade e o consenso, grupos de escravos ganhavam em ousadia e articulação. [...]349
Para o Império não restava outra alternativa. A luta abolicionista aliada a própria ação mais efetiva
dos escravos em prol de sua liberdade, criou um sentimento nacional que não poderia mais ser repelido.
O texto da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, não dava margem a ambíguas interpretações: “É
declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil”. Pelas leis estabelecidas em anos anteriores,
os escravos representavam menos de 10% da população estimada na época em 15 milhões de habitantes.
A estatística oficial de 1887 acusava a existência de mais de setecentos e vinte mil escravos em
todo o país. O ambiente geral era de apreensão em todas as classes, ante a expectativa da
promulgação da lei que extinguiria a escravidão para sempre, o que constituiria duro golpe na
fortuna pública do Brasil. Mas Ismael articula do Alto os elementos necessários à grande vitória. O
generoso imperador é afastado do trono, nos primeiros meses de 1888, sob a influência dos
mentores invisíveis da pátria, voltando a regência à princesa Isabel, que já havia sancionado a lei
benéfica de 1871. Sob a inspiração do grande mensageiro do divino Mestre, a princesa imperial
encarrega o senador João Alfredo de organizar novo ministério, que veio a compor-se de Espíritos
nobilíssimos do tempo. Os abolicionistas compreendem que lhes chegara a possibilidade
maravilhosa e a 13 de maio de 1888 é apresentada à regente a proposta de lei para imediata
extinção do cativeiro, lei que D. Isabel, cercada de entidades angélicas e misericordiosas, sanciona
sem hesitar, com a nobre serenidade do seu coração de mulher. 350
***
Existe uma mensagem atribuída à Allan Kardec recebida pela Sociedade Espírita Fraternidade, em
uma de suas reuniões, no ano de 1889.Nesta mensagem, o codificador conclama os espíritas brasileiros a
trabalharem pela união em favor do ideal que haviam se engajado. Em um trecho da mensagem, há sérios
questionamentos que valem a devida menção:
Será possível nos preparemos para os tempos que chegam, vivendo cheios de dissensões e lutas,
como se não constituíssemos uma única família, tendo para regência dos nossos atos e dos nossos
sentimentos uma única doutrina? Será possível nos preparemos para os tempos que chegam, dando
a todo momento e a todos os instantes a nota do escândalo, apresentando-nos aos homens como
criaturas cheias de ambições que não trepidam em lançar mão até das coisas divinas para o gozo da
carne e a satisfação das paixões do mundo?
Embora seja apenas uma hipótese, tendo a acreditar que essa mensagem tinha o propósito de
preparar os espíritas para os severos desafios que pouco tempo depois teriam de enfrentar.
349
SCHWARCZ, Lília M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Cap. 12, p. 308.
350
XAVIER, Francisco C. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 34. ed. 8. imp. Brasília:
FEB, 2015. Cap. 26 — O movimento abolicionista, p. 162 e 163.
130
[...] os anos de 1888 e 1889 assinalaram os derradeiros tempos do único império das plagas
americanas. Por toda a parte e em todos os ambientes civis e militares acendiam-se os fachos do
idealismo republicano, sob o pálio da generosidade da Coroa. 351
Em 1889, a campanha republicana ganhou força no Brasil, ao passo que a monarquia ficava cada vez
mais isolada, sendo o exército a instituição cujo descontentamento era mais latente. Em suas fileiras,
predominavam os ideais positivistas e republicanos.
Os acontecimentos se precipitaram e no dia 15 de novembro houve na Câmara Municipal do Rio de
Janeiro o anúncio oficial da República. A monarquia era finalmente extinta, cedendo lugar ao Governo
Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil.
O projeto republicano — a despeito dos titubeios iniciais — significou uma saída legítima diante
da falência do Império. Mais que uma questão exclusivamente institucional, ele vinha de encontro
a uma ampliação importante do espaço público durante a década de 1880, que levou a ação política
para fora do Parlamento.352
O início da República no Brasil representou um dos maiores obstáculos para a livre atuação da
Doutrina Espírita no Brasil.Para o Estado Republicano, ser espírita era a expressão de um crime contra a
saúde pública. É necessário recordar que a República tinha no ideal positivista o seu fundamento filosófico.
Como já foi examinado em capítulo precedente, para o Positivismo a religião era uma etapa a ser superada
para que o modelo positivista, lógico, racional e científico, preponderasse.
Curioso notar como a Doutrina Espírita detinha mais liberdade no período monárquico — cuja
religião oficial era a Igreja Católica —, do que propriamente no primeiro momento da República brasileira
que postulava a existência de “liberdade religiosa” no Brasil embora na prática agisse contrariamente a este
propósito.
O Código Penal de 1890 refere-se assim a Doutrina Espírita, no tocante aos crimes contra a saúde
pública:
Art. 157 — Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para
despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim,
para fascinar e subjugar a credulidade pública:
Penas — de prisão celular por um ano a seis anos, e multa de 200$000 a 500$000.
o
Parágrafo 2 : Em igual pena, e mais na privação de exercício da profissão por tempo igual ao da
condenação, incorrerá o médico que diretamente praticar qualquer dos atos acima referidos, ou
assumir a responsabilidades deles.
Diante da gravidade do quadro, em 1892, foi criada uma comissão permanente de defesa da causa
espírita. Como não poderia deixar de ser, o ponto central desta comissão era o de retirar a “prática espírita”
do Código Penal, demonstrando a improcedência de tal inserção. Bezerra de Menezes estava na lista destes
abnegados defensores. No ano seguinte, esta comissão elaborou uma representação no Congresso Nacional, e
um dos trechos da defesa considera:
[...] uma vergonha que o Código Penal, confundindo o Espiritismo com a feitiçaria e a magia, comine
penas aos que o praticam, quando, na Europa, os vultos mais eminentes das ciências chamadas exatas, o
estudam, e ainda há pouco em Turim se realizaram notáveis experiências espíritas com o concurso de
sábios como Schiaparelli, Lombroso, Richet e outros.
351
______. ______. Cap. 27 — A República.
352
SCHWARCZ, Lília M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Cap. 12, p. 316.
131
Apesar dos esforços desvelados dos trabalhadores espíritas, o Código Penal não foi alterado no curto
prazo. Em virtude disso, alguns médiuns foram presos ou processados em sessões nos centros, em suas
residências, ou até mesmo na própria Federação Espírita Brasileira.
Por ser considerado um crime contra a “tranquilidade pública”, o espiritismo não se inseria num crime
contra a pessoa, mas crime de consequências públicas, como o são os estelionatos e afins. Já os espíritas
que trabalhavam nos centros espíritas como “médicos receitistas” podiam ser enquadrados triplamente
no Código Penal: indivíduos sem habilitação profissional, que se propunham a curar através do
“espiritismo”, prescrevendo medicações homeopáticas. Essas disposições atingiam diretamente os
grupos espíritas existentes.353
Esse período de luta e resistência, também foi de progresso e esperança de dias melhores. Em
Assembleia Geral datada de 3 de agosto de 1895, Bezerra de Menezes foi eleito pela segunda vez presidente
da FEB. Em 1896, por aclamação foi reeleito, assumindo uma missão de elevada estatura, cujo detalhamento
será apresentado no capítulo seguinte.
353
DEL PRIORE, Mary. Do outro lado: a história do sobrenatural e do espiritismo. 1.ed. São Paulo: Planeta, 2014. Cap.
4, p. 156.
132
CAPÍTULO 18
BEZERRA DE MENEZES E A UNIFICAÇÃO
DO MOVIMENTO ESPÍRITA
Bem sabemos que não é fácil, nestes desafiadores dias de ciência, de tecnologia e de comodidade,
ser espírita. Mas lembrai-vos: ser espírita é a honra que deveis disputar, porque o Espiritismo, com
o qual tendes uma dívida assumida antes do berço, é o único farol, nesta noite escura, para guiar os
nautas da era nova. Sois os preparadores dos novos tempos. Empenhai-vos mais, renunciai mais
aos ideais personalistas em favor da glória estelar.354
Objetivo
Ideias principais
Bezerra de Menezes é um dos trabalhadores da última hora que em vida mais contribuiu para a
união dos espíritas em prol de um mesmo ideal. No plano espiritual, permanece estimulando os espíritas a
se tornarem efetivamente os trabalhadores da última hora, desempenhando, assim, o papel de
construtores do mundo de regeneração:
Pois o Reino dos Céus é semelhante ao homem, senhor de casa, que saiu ao raiar do dia a
assalariar trabalhadores para sua vinha. Depois de ajustar com os trabalhadores um denário por
dia, os enviou para a sua vinha. E tendo saído por volta da terceira hora, viu outros, que estavam
de péna praça, desocupados,e disse a eles: Ide vós também para a vinha, e que for justo vos darei.
E eles foram. Novamente, saindo por volta da sexta e nona hora, procedeu da mesma forma. Tendo
saído por volta da undécima {hora}, encontrou outros, que estavam de pé, e diz para eles: Por que
ficaste de pé, aqui, o dia inteiro, desocupado? Eles lhe dizem: Porque ninguém nos assalariou. Ele
lhes diz: Ide vós também para a vinha.Chegando o fim da tarde, o senhor da vinha diz ao seu
administrador: Chama os trabalhadores, e paga-lhes o salário, começando dos últimos até os
primeiros. Vindo os da undécima hora, receberam um denário cada um.Vindo os primeiros,
pensaram que receberiam mais; todavia, também eles receberam um denário, cada um. Ao
receberem, murmuravam contra o senhor da casa, dizendo: Estes últimos fizeram só uma hora, e tu
os fizeste iguais a nós, que carregamos o peso do dia e o calor ardente. Em resposta, disse a um
deles: Companheiro, não estou sendo injusto contigo.Não ajustaste comigo um denário? Toma o
teu e vai-te; quero dar a este último tanto quanto a ti. Não me é lícito fazer o que quero com o {que
é} meu? Ou o teu olho é mau, porque eu sou bom? Assim, os últimos serão os primeiros, e os
primeiros {serão} últimos. (Mateus, 20:1 a 16.)355
MENEZES, Bezerra de (Espírito). Em nome do amor: a mediunidade com Jesus. Psicografado por Divaldo Franco; organizado por
Antonio Cesar Perri de Carvalho; Marta Antunes de Oliveira de Moura; Geraldo Campetti Sobrinho. 2.ed. Brasília: FEB, 2015.
Capítulo: Convite à luta, p. 165.
355
DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1. ed. Brasília: FEB, 2016. Parábola dos trabalhadores da vinha.
133
Jesus destaca nesta parábola que alguns servos passaram o dia à espera de alguém que os contratasse.
Na última hora, porém, finalmente foram chamados para trabalharem no processo de finalização da colheita
da uva ou do preparo do vinho, sendo remunerados de modo idêntico àqueles que já estavam trabalhando
desde o início do dia. Jesus encerra esta parábola de modo enigmático ao declarar que os últimos serão os
primeiros e os primeiros serão os últimos.
Os ensinamentos de Jesus, à primeira vista, parecem sem sentido quando não é considerado o sentido
espiritual que Ele buscou transmitir. É necessário extrair o espírito da letra e a Doutrina Espírita fornece
excelente base para a compreensão do significado das lições evangélicas.
Ao analisar esta importante parábola, Haroldo Dutra Dias, pesquisador bíblico e expositor espírita,
afirma que Jesus compara a vinha ao Reino dos Céus, ao passo que o trabalho na vinha corresponde a ação
providencial de Deus na condução espiritual dos seus filhos. Haroldo avalia ainda que esta parábola está em
sintonia com uma visão moderna de gestão em que o trabalho é valorizado não pela quantidade, mas pela sua
qualidade.
É inegável que os trabalhadores da última hora nada poderiam fazer se não fosse o trabalho realizado
por todos os outros que os antecederam. Porém, a questão essencial reside no seguinte aspecto: sem a
preocupação com as últimas providências, sem a atenção com o momento de finalização, processo complexo
e árduo, não haveria a conclusão adequada do trabalho.
Os trabalhadores da primeira hora são os Espíritos que contam com maior número de encarnações,
mas que não souberam aproveitá-las, perdendo as oportunidades que lhes foram concedidas para
se regenerarem e progredirem. Os trabalhadores contratados posteriormente simbolizam os
Espíritos que foram gerados há menos tempo, mas que, fazendo melhor uso do livre-arbítrio, [...]
lograram em apenas algumas existências o progresso que outros tardaram a realizar. [...]356
[...] Sendo os últimos a chegar, os espíritas aproveitam os trabalhos intelectuais dos seus
antecessores, porque o homem deve herdar do homem, e porque seus trabalhos e seus resultados
são coletivos: Deus abençoa a solidariedade. Diga-se, a propósito, que muitos deles revivem
atualmente, ou ainda reviverão, para acabar a obra que começaram outrora. Mais de um patriarca,
mais de um profeta, mais de um discípulo do Cristo, mais de um propagador da fé cristã se
encontram entre eles, porém, mais esclarecidos, mais adiantados, trabalhando, não mais na base,
mas no acabamento do edifício; seu salário, portanto, será proporcional ao mérito da obra. 357
Fomos chamados por Jesus para a construção do mundo novo pelo qual aspiramos. O serviço no bem
é o nosso campo de iluminação!
2. O médico e o político
Então, Bezerra de Menezes, sentindo a importância e a gravidade do problema que se desenvolvia
arbitrariamente, aqui e ali, capacitou-se da imprescindibilidade de uma nova unificação do
comportamento espírita, naturalmente seguindo a linha sensata e segura do Codificador, nos
difíceis tempos da luta pela estabilização da Doutrina, em setores ainda pouco preparados para
alcançar a significação da desejada homogeneidade da ação espírita, quer nos trabalhos práticos ou
experimentais, quer nas tarefas de doutrinação e evangelização. Desde aí, o Espiritismo brasileiro
compreendeu, acompanhando o raciocínio superior de Bezerra de Menezes, que a unificação,
indiscutivelmente indis-pensável e urgente, teria de ser, não um serviço de emergência, transitório,
mas um trabalho de caráter permanente, contínuo, destinado a se desenvolver de acordo com as
necessidades presentes e futuras, porquanto, além de receber sempre novos contingentes de
356
CALLIGARIS, Rodolfo. Parábolas Evangélicas: à luz do espiritismo. 11. ed. Brasília: FEB, 2014. Cap. 7 — Parábola dos
trabalhadores e das diversas horas do trabalho.
357
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XX, it.
3.
134
adeptos, inscientes358 e carentes de orientação, teria de estimular e ajudar àqueles que, vindo de
outros credos, se encontrassem, ainda que inconscientemente, apegados a praxes 359 e costumes
diversos, e a outros, mais antigos, que, não havendo ainda assimi-lado completamente o espírito da
Doutrina, pensassem de boa-fé, mas erroneamente, em introduzir novidades, convencidos de
laborarem360 para o bem da causa por eles abra-çadas.361
Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti nasceu em 29 de agosto de 1831 na fazenda Santa Bárbara,
município cearense de Riacho do Sangue, hoje Jaguaretama, estado do Ceará.
Em 1838, no interior do Ceará, conheceu as primeiras letras, em uma escola da Vila do Frade,
demonstrando significativa capacidade intelectual desde o período de seus estudos iniciais.
Em 1842, quando se transferiu com a família para a Serra dos Martins, Rio Grande do Norte,
aprendeu latim em curto espaço de tempo. Já em 1846, residindo em Fortaleza, acompanhado do irmão mais
velho, o Dr. Manuel Soares da Silva Bezerra, intelectual e líder católico, efetuou os estudos preparatórios,
destacando-se entre os primeiros alunos do tradicional Liceu do Ceará. Bezerra queria ser médico, mas seu
pai, em função das dificuldades financeiras que enfrentava naquele instante, não poderia custear seus
estudos. Diante desta incompatibilidade, Bezerra de Menezes, alcançando seus 18 anos de vida, decidiu
viajar para o Rio de Janeiro, a então capital do Império, a fim de alcançar o seu sonho de ser médico.
Aos dezoito anos, e naquela disposição de espírito, deixei a casa paterna para vir fazer meus
estudos na capital do Império, onde vivi, mesmo no tempo de estudante, sobre mim, sem ter a
quem prestar obediência.362
Instalado no Rio de Janeiro, ingressou, em 1852, no Hospital da Misericórdia. Para poder estudar,
nas horas vagas, dava aula de filosofia e matemática. Em 1856, Bezerra formou-se pela Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro.
Em 1857, candidatou-se ao quadro dos membros titulares da Academia Imperial de Medicina com o
escrito intitulado: “Algumas considerações sobre o cancro, encarado pelo lado do seu tratamento”. Foi
empossado em sessão de 1o de junho e nesse mesmo ano passou a colaborar para a Revista da Sociedade
Físico-Química.
Em 20 de fevereiro de 1858, foi admitido no Corpo de Saúde do Exército como cirurgião-tenente.
Em função de sua atividade médica em favor dos menos favorecidos, angariou respeito popular e notório
reconhecimento. O passo seguinte foi o ingresso na política, que, nas palavras de Bezerra de Menezes era “a
ciência de criar o bem de todos”.
Em 1860, foi eleito vereador para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Nesta casa legislativa,
desenvolveu grande trabalho na defesa dos humildes e necessitados, o que lhe conduziu a exercer mais um
mandato para o período de 1864–1868.
Em 1867, foi eleito deputado-geral, cargo público correspondente hoje a deputado federal. Quando
ocorreu um fortalecimento político dos conservadores a partir de 1868, a Câmara dos Deputados foi
dissolvida. Em 1873, após quatro anos afastados da política, retomou suas atividades, agora como vereador.
Com o retorno dos liberais ao poder, Bezerra de Menezes foi novamente eleito para a Câmara dos
Deputados, representando politicamente o Rio de Janeiro do período de 1878 até 1885.
358
Inscientes: ignorantes de determinado fato ou assunto.
359
Praxes: rotinas.
360
Laborar: exercer uma atividade.
361
MENDES, Indalício. Rumos doutrinários. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. Fidelidade à Doutrina, it. Ser ou não ser, eis a
questão, p. 197.
362
SOUZA, Juvanir Borges de (Coord.). Bezerra de Menezes: ontem e hoje. 4. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2016. Pt. 1, cap. 2 – Evolução
religiosa de Bezerra de Menezes, it. 1 — Que crenças tinha antes de ser espírita?, p. 25 e 26.
135
Começaram a aparecer as primeiras notas espíritas no Rio de Janeiro; mas eu repelia semelhante
doutrina sem conhecê-la nem de leve! somente porque temia que ela perturbasse a tal ou qual paz
que me trouxera ao espírito a minha volta à religião de meus maiores, embora com restrições. 363
A viagem de retorno para casa era de uma hora, tempo suficiente para Bezerra de Menezes iniciar a
leitura de O Livro dos Espíritos. Este fato aparentemente comum — a leitura de um novo livro —, foi, sem
dúvida alguma, o divisor de águas na vida de Bezerra de Menezes:
Eu já tinha lido ou ouvido tudo o que se acha em O Livro dos Espíritos, mas com certeza nunca
tinha lido obra alguma espírita e, portanto, me era impossível descobrir onde e quando me fora
dado o conhecimento de semelhantes ideias!
Preocupei-me seriamente com este fato que me era maravilhoso e a mim mesmo dizia: parece que
eu era espírita inconsciente, ou, como se diz vulgarmente, de nascença, e que todas essas
vacilações que sentia meu espírito eram marchas e contramarchas que ele fazia, por descobrir o
que lhe era conhecido e, porventura, obrigado a isto. 364
Coragem! Esta palavra é a mais adequada para definir a adesão pública de Bezerra de Menezes à
Doutrina Espírita, no dia 16 de agosto de 1886. Nesta data emblemática, Bezerra de Menezes realizou uma
conferência na sede da Federação Espírita Brasileira. Este fato alcançou ampla repercussão na imprensa,
como é possível verificar na reportagem do Diário de Notícias de 17 de agosto de 1886:
A partir deste momento, Bezerra de Menezes tornou-se o grande expoente do Movimento Espírita no
Brasil. Com sua cultura privilegiada e verdadeiro amor ao próximo, Bezerra aliava amor e sabedoria, e isto
foi fundamental para que conduzisse a Doutrina Espírita para um novo patamar, mesmo a despeito das
perseguições e dos desafios próprios da unificação do Movimento Espírita.
Presidente da FEB em 1889, foi reconduzido em 1895, período de profunda discórdia e até mesmo
de radicalização no meio espírita. Permaneceu na tarefa até 1900, quando desencarnou. Todavia, seu
empenho e senso de responsabilidade permitiu que a solidariedade e a cooperação triunfasse ante as
desavenças.
A Federação Espírita Brasileira lhe deve tudo. Se ainda hoje existe, é graças aos seus esforços:
como homem, colocado em sua presidência, traçando-lhe o roteiro de que os seus saudosos
auxiliares e continuadores tomavam consigo mesmos o compromisso de jamais se afastarem;
como Espírito, agindo — que sabemos nós? — por todas as formas possíveis de atividade, quer
assistindo e inspirando os modestos operários a quem transferiu a sua tarefa, quer encaminhando,
com o auxílio de misteriosas e salutares influências, para a nossa sociedade grande número
daqueles que a podem e devem sustentar. Ele é assim para nós, ao lado dos nossos invisíveis
protetores espirituais, uma espécie de anjo tutelar.366
363
SOUZA, Juvanir Borges de (Coord.). Bezerra de Menezes: ontem e hoje. 4. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2016. Pt. 1, cap. 2 — Evolução
religiosa de Bezerra de Menezes, it. 1 — Que crenças tinha antes de ser espírita?, p. 27.
364
______. ______. p. 28.
365
Teogonia: estudo das origens dos deuses e heróis da mitologia grega.
366
Extraído de Reformador de maio de 1907, p. 147 — seção: “Ecos e Fatos”.
136
4. “Solidários seremos união. Separados uns dos outros, seremos pontos de
vista”!367
[...] Os espíritas do mundo inteiro terão princípios comuns que os ligarão à grande família pelo
laço sagrado da fraternidade, mas cuja aplicação poderá variar conforme as regiões, sem que por
isso, a unidade fundamental seja rompida, sem formar seitas dissidentes, que se atirem pedras e se
lancem anátemas, o que seria antes de qualquer coisa, antiespírita. Portanto, poderão se formar, e
inevitavelmente se formarão, centros gerais em diferentes países, sem outro laço que não seja a
comunhão de crença e a solidariedade moral, sem subordinação de uns aos outros [...] 368
O serviço da unificação em nossas fileiras é urgente, mas não apressado. Uma afirmativa parece
destruir a outra. Mas não é assim. É urgente porque define objetivo a que devemos todos visar;
mas não apressado, porquanto não nos compete violentar consciência alguma. Mantenhamos o
propósito de irmanar, aproximar, confraternizar e compreender, e, se possível, estabeleçamos em
cada lugar, onde o nome do Espiritismo apareça por legenda de luz, um grupo de estudo, ainda que
reduzido, da obra kardequiana, à luz do Cristo de Deus. [...]
[...]
Nenhuma hostilidade recíproca, nenhum desapreço a quem quer que seja. Acontece, porém, que
temos necessidade de preservar os fundamentos espíritas, honrá-los e sublimá-los, senão
acabaremos estranhos uns aos outros, ou então cadaverizados em arregimentações que nos
mutilarão os melhores anseios, convertendo-nos o movimento de libertação numa seita estanque,
encarcerada em novas interpretações e teologias, que nos acomodariam nas conveniências do
plano inferior e nos afastariam da Verdade.369
[...] Há sessenta anos, tudo era expectativa e, hoje, encontramo-nos diante da realidade. Os
trabalhadores da Caravana da Fraternidade, repetindo a façanha dos bandeirantes, que se
adentraram pelo país na busca por diamantes, realizaram o seu périplo,370 distribuindo o
diamante da verdade por onde passaram. Continuando a atividade no Mais-além, transformaram os
367
Bezerra de Menezes (Psicografia de F. C. Xavier — Mensagem de União — “Unificação” — nov.-dez./1980.). In: Orientação aos
Órgãos de Unificação.
368
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Maria Lucia de Alcantara Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Constituição do
Espiritismo, it. VI — Amplitude de ação da comissão central, p. 356.
369
Transcrição parcial da mensagem Unificação — Bezerra de Menezes. In: Reformador de dezembro de 1975, p. 11(275).
370
Périplo: viagem de longa duração.
137
companheiros encarnados em novos peregrinos da ensementação 371 do Evangelho no solo ainda
não preparado dos corações. Resultaram as bênçãos que hoje fruímos: as alegrias de podermos
contemplar a Doutrina Espírita no lugar a que tem direito, lentamente, no concerto das nações. São
estes os momentos graves definidores de rumos para o futuro. Não é mais possível retroceder! O
que está planejado pelo Senhor e em plena execução seguirá o seu processo de materialização na
Terra. [...]. Na condição de servos que somos de ambos os lados da vida, neste trabalho de
libertação de consciências, a nós nos cabe atender os impositivos que dizem respeito à obra de
amor, que um dia triunfará em nosso planeta abençoado pela regeneração 372
371
Ensementar: semear.
372
FRANCO, Divaldo. Em nome do amor: a mediunidade com Jesus. Pelo Espírito Bezerra de Menezes. (Org. Antonio Cesar Perri de
Carvalho; Geraldo Campetti Sobrinho; Marta Antunes de Oliveira). 2. ed. Brasília: FEB, 2015. Cap. 3 — Terceira parte — Mensagens
do Espírito Bezerra de Menezes recebidas pelo médium Divaldo Pereira Franco, it. 3.20 — Rumos para o futuro, p. 207 e 208.
138
CAPÍTULO 19
A OBRA MISSIONÁRIA DE EURÍPEDES
BARSANULFO
Eurípedes – espelho cristalino do servo fiel, no desempenho da missão que o Pai lhe
atribuíra como Mensageiro da Sua Vontade, também avançara no tempo, multiplicando as horas de
devotamento, no incessante anseio de devolver ao Senhor os talentos havidos nos diversos campos
de ação, com que enriqueceu a vinha Divina de frutos soberbos, capital de luz e Amor que realizou
dentro de permanente linha de conduta, tendo a humildade como facho sublime.373
Objetivo
Ideias principais
A parábola dos talentos que Jesus tem apresentado à Humanidade — sim, ainda apresentado, pois a
lição ainda não foi plenamente internalizada, evidencia os benefícios concedidos por Deus a fim de que
possamos progredir material, intelectual e moralmente. Senão, vejamos:
Pois {será} como um homem que, ausentando-se {do seu país}, chamou seus próprios servos e
entregou-lhes seus bens. A um deu cinco talentos; a outro, dois; e a outro, um; a cada um segundo
sua própria capacidade; e ausentou-se {do seu país} imediatamente. Tendo partido, o que recebera
cinco talentos trabalhou com eles e ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o que {recebera} dois,
ganhou outros dois. Porém o que recebera um saiu,cavou na terra e escondeu a prata do seu
senhor. Muito tempo depois, vem o senhor daqueles servos e ajusta contas com eles.
Aproximando-se o que recebera cinco talentos, trouxe-lhe outros cinco, dizendo: Senhor, cinco
talentos me entregaste. Vê! Ganhei outros cinco. Disse-lhe o seu senhor: Servo bom e fiel, foste
fiel sobre pouco, sobre muito te constituirei. Entra na alegria do teu Senhor. Aproximando-se,
também, o que {recebera} dois talentos, disse: Dois talentos me entregaste. Vê! Ganhei outros
dois. Disse-lhe o seu senhor: Excelente, servo bom e fiel, foste fiel sobre pouco, sobre muito te
constituirei. Entra na alegria do teu Senhor. Mas,aproximando-se também o que tinha recebido um
talento, disse: Senhor, soube que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste e que recolhes
onde não espalhaste; temendo, fui e escondi o teu talento na terra. Vê! Tens o {que é} teu. Em
resposta, o seu senhor lhe disse: Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei, e
recolho onde não espalhei. Portanto, devias ter entregado asminhas pratas aos banqueiros; e,
quando viesse, receberia o {que é} meu com juros. Tirai, portanto, dele o talento e dai ao que tem
dez talentos, pois a todo aquele que tem será dado, e terá em abundância; mas daquele que não
tem, até o que tem lhe será tirado.Lançai o servo inútil na treva exterior; ali haverá o pranto e o
ranger de dentes. (Mateus, 25:14 a 30.)374
NOVELINO, Corina. Eurípedes – o Homem e a Missão. 18.ed. São Paulo: IDE, 2007. Capítulo 14: Eurípedes, homem público, p. 167.
374
DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1. ed. Brasília: FEB, 2016. Parábola dos talentos.
139
As parábolas de Jesus são narrações alegóricas cuja finalidade é despertar a reflexão a partir de
ensinamentos morais. Seu alcance pedagógico é inestimável. Basta lembrar que ainda hoje ela suscita em
cada um de nós o discernimento e a ação. Ao buscar tirar o espírito da letra, compreende-se que no início da
parábola dos talentos, Jesus demonstra que Deus concede a seus filhos determinadas missões de acordo com
as possibilidades de cada um. O grau de capacidade está intimamente relacionado aos esforços empreendidos
nas experiências reencarnatórias.
Como nos esclarece Emmanuel, há talentos do Senhor distribuídos por todas as criaturas, em toda
parte. O benfeitor espiritual, acrescenta:
Não olvides que os talentos de Deus são iguais para todos, competindo a nós outros a solução do
problema alusivo à capacidade de recebê-los.
[...]
Lembra-te de que o Senhor nos concede tudo aquilo que necessitamos para comungar-lhe a glória
divina, entretanto, não te esqueças de que as dádivas do Criador se fixam, nos seres da Criação,
conforme a capacidade de cada um. 375
O servo negligente atribui ao medo a causa da sua inatividade. Talvez seja por isso que tenha
recebido o menor valor, porquanto ainda não estava preparado para multiplicar as dádivas recebidas. Ora,
por não ter tido a coragem de melhorar para progredir, permaneceu estacionário. Em linhas gerais, a despeito
dos grandes missionários e dos heróis anônimos que sequer conhecemos, é forçoso concluir que no estágio
atual da evolução humana, a maioria de nós ainda é tímida em utilizar os dons recebidos do Pai Celestial.
Por essa razão, nada mais atual do que render justa reverência à Eurípedes Barsanulfo, pois a sua
missão é um estímulo à ação no bem, aqui e agora. Desejaríamos relembrar todos os fatos dessa vida
admirável de devotamento a Jesus. No entanto, a exiguidade do espaço não nos permite detalhes mais
aprofundados. Sendo assim, limitar-me-ei ao que é essencial, convidando desde já ao amigo leitor, uma
leitura mais extensa deste servo bom e fiel.
2. Primeiros momentos
Eurípedes Barsanulfo nasceu em 1o de maio de 1880 e retornou à Pátria Espiritual em 1o de
novembro de 1918, com apenas 38 anos. A diminuta passagem na Terra não foi capaz de limitar a grandeza
de suas realizações. O exemplo maior de que o tempo reduzido de ação não impede que uma missão seja
plenamente concluída é o do próprio Jesus, cujo ministério de três anos representou a máxima expressão do
amor e da humildade.
Filho de Hermógenes Ernesto de Araújo e de D. Jerônima Pereira de Almeida (D. Meca), Eurípedes
foi um dos 15 filhos que o casal teve. A família morava nas proximidades da estação de Sacramento, Minas
Gerais. O senhor Hermógenes atuava como auxiliar desta estação, além de ter um pequeno empório na
cidade de Conquista, sob a responsabilidade de Eulógio, um de seus filhos.
Em busca de melhores condições financeiras para combater problemas de saúde, Hermógenes e toda
a família fixaram residência em Sacramento, e lá adquiriram uma pequena casa comercial.
Já em idade escolar, Eurípedes ficou sob a tutela intelectual do professor Fernando Vaz de Melo,
mais conhecido por Tatinho. Mais tarde, tornou-se discípulo do professor João Derwil de Miranda,
proprietário e diretor do Colégio Miranda.
Seja por meio de seus métodos de ensino inéditos para os padrões da época, seja por suas
extraordinárias faculdades mediúnicas, Eurípedes tornou-se um missionário da Educação e da Doutrina
Espírita, deixando inúmeros exemplos de amor ao próximo.
Amigo da leitura e do estudo, Eurípedes era portador de um discernimento admirável se comparado
aos outros alunos com a mesma idade. Ávido por mais e mais livros, encontrou o primeiro empecilho: seu
pai não possuía uma condição financeira favorável a ponto de comprar algo além das necessidades básicas.
Eurípedes passa a trabalhar como carregador de malas de viajantes, além de arrear seus animais. Do
reduzido recurso adquirido, comprava livros e estudava com mais afinco, distanciando-se, cada vez mais, dos
divertimentos comuns de sua idade.
375
XAVIER, Francisco C. Melhorar para progredir. In: Reformador, ano 75, fev. 1957, p 8(28) — Seção: Esflorando o Evangelho, 2ª
mensagem.
140
Por seus esforços intelectuais e por uma natural inclinação para o ensino, recebeu de seu mestre
escolar a tarefa de lecionar aos próprios colegas de sala.
Embora muito jovem, manifestou desde cedo a inclinação para o ensino, e é por essa razão que foi
incumbido pelo seu mestre a ensinar aos próprios companheiros de sala de aula.
De família tradicional católica, Eurípedes seguiu quando criança os preceitos religiosos à risca,
inclusive auxiliando o sacerdote da região nas liturgias e festividades religiosas, até se tornar, anos depois, o
secretário da Irmandade de São Vicente de Paulo.
Cidadão exemplar, não tardou para que Eurípedes fosse considerado uma referência moral para a
juventude de sua cidade. Por sua dignidade, era presença constante em todas as iniciativas que visassem o
bem-estar da população.
Foi assim que em companhia de Pedro Salazar, dr. João Gomes Vieira de Melo, padre Santa Cruz,
José Martins Borges, coronel. José Pereira de Almeida e tantos outros, Eurípedes teve a oportunidade de
fundar a Gazeta de Sacramento, sendo o seu redator durante dois anos, e o Liceu de Sacramento, no qual
lecionou de 1902 a 1906 com toda a dedicação e eficiência.
Eurípedes ingressou no poder legislativo na qualidade de vereador, cargo que exerceu por exatos seis
anos. Como homem público atingiu ainda mais notoriedade, constituindo-se como figura central da
sociedade a qual pertencia.
Graças à sua inteligência privilegiada e ao seu próprio esforço, chegou a possuir tal cultura, que os
seus biógrafos a consideram verdadeiramente assombrosa. Tinha profundos e largos
conhecimentos de Medicina e Direito. Dissertava sobre astronomia, filosofia, matemática, ciências
físicas e naturais, literatura, com a mais extraordinária segurança, sem possuir nenhum diploma de
escola superior.376
Com esforço próprio, Eurípedes havia alcançado o respeito e a admiração de todos. Ocorre que
estava reservado à Eurípedes uma reviravolta que transformaria por completo a sua atual existência.
A conversão de Eurípedes à Doutrina Espírita chocou a pacata e tradicional cidade de Sacramento.
Como se tornou espírita? Esta era a pergunta recorrente, entremeada de perplexidade e assombro.
Depois de expor algumas ideias que, apesar da simplicidade, eram de uma persuasão incomum, o tio
Mariano entregou-lhe um livro e sentenciou:
“— O que eu não posso explicar a você, este livro vai fazer, em parte por mim.”378
O ano era 1904. Eurípedes não perdeu tempo e imediatamente começou a leitura da significativa
obra de Léon Denis. O jovem tão ávido pela leitura, portador de uma erudição invejável e um senso moral
exemplar, mal conseguia disfarçar a empolgação e o interesse por Depois da Morte, a primeira obra de Léon
Denis traduzida para o português e que havia recebido da crítica francesa honrosos elogios, o que permitiu a
sua divulgação para além da França.
376
WANTUIL, Zêus. (Org.). Grandes Espíritas do Brasil: 53 biografias. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
377
NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. Cap. 9 — O toque do despertar, p. 74.
378
______. ______.
141
Em seguida a este episódio singular, Eurípedes era um novo homem. No momento seguinte, passou a
visitar às reuniões espíritas na Fazenda de Santa Maria. O que veio a seguir apenas revela o caráter de sua
missão: foram criados o Grupo Espírita Esperança e Caridade, o Colégio Allan Kardec e a Farmácia Espírita
“Esperança e Caridade”.
A dedicação de Eurípedes a estas causas, além da mediunidade aliada ao amor e ao serviço ao
próximo, fez com que fosse conhecido como o “Apóstolo do Triângulo Mineiro”.
Nos dois anos iniciais, numerosos colaboradores definiram posição, junto a Eurípedes. As tarefas
ampliavam-se em todas as áreas de serviço. A razão imediata do desdobramento das atividades era
a fama das curas, que já se estendia por outros Estados da Federação.379
Entre os anos de 1912 e 1913, um espírito de excepcional condição intelectual embora com pouco
discernimento espiritual, passou a se manifestar nas sessões dirigidas por Eurípedes no Grupo Espírita
Esperança e Caridade. Este espírito se autodenominou como o Donatista.
Apesar desse clima de tensão, o espírito afeito ao debate tinha um profundo respeito por Eurípedes.
Por outro lado, Eurípedes mantinha o propósito de mostrar ao espírito incrédulo a necessidade da fé para
prosseguir o caminho da autoiluminação.
Três anos se passaram e o quadro aparentemente parecia o mesmo. Eis que, em mais uma reunião
tradicional, diante da recusa do espírito a se entregar ao amor de Deus, Eurípedes inicia uma oração que de
tão inspirada conseguiu comover o endurecido Donatista. Aquele momento era realmente singular, haja vista
a transição de pensamento e conduta de um espírito tão obstinado à descrença e ao mal.
Profundamente comovido, Donatista faz um relato surpreendente em forma de oração:
Tenho penetrado em Centros Espíritas, em toda parte. Tenho discutido com muitos presidentes
cultos e nunca fui vencido. Esfacelei muitos desses Centros. Aqui penetrei, animado do mesmo
intuito. Lutei para derrubar este e derrotá-lo, Mestre, mas fui anulado por sua bondade, por sua
sabedoria, por seu Amor!381
Aquele era o início de uma transformação lenta e gradual, mas que não seria possível se não fosse o
Grupo Espírita Esperança e Caridade, sob a orientação e trabalho incessante de Eurípedes.
379
NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. Cap. 9 — O toque do despertar, p. 99.
380
NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. Cap. 9 — O toque do despertar, p. 99.
381
______. ______. p. 102.
382
Pujança: algo excepcionalmente forte ou vigoroso.
383
NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007.Cap. 12 — O Colégio Allan Kardec, p. 110.
142
Eurípedes lutou o quanto pôde pela sobrevivência do Liceu. Quando percebeu que os esforços
haviam sido aparentemente em vão, Eurípedes não consegue disfarçar a tristeza e começa a chorar diante das
salas vazias de uma escola à frente de seu tempo.
Neste contexto de angústia e preocupação, Eurípedes sente o seu braço sendo tomado por uma força
superior alheia à sua vontade e por meio da psicografia inconsciente transmite uma mensagem que
direcionaria os próximos passos da vida do missionário:
Não feche as portas da escola. Apague da tabuleta a denominação Liceu Sacramento — que é um
resquício do orgulho humano. Em substituição coloque o nome — Colégio Allan Kardec. Ensine o
Evangelho de meu filho às quartas-feiras e institua um curso de Astronomia. Acobertarei o
Colégio Allan Kardec sob o manto do meu Amor. 384
A mensagem era de Maria Santíssima e Eurípedes seguiu à risca as suas instruções espirituais.
Ademais, essa mensagem revela, o quanto Maria realizava uma verdadeira supervisão particular em torno da
vida de Eurípedes.
De ânimo forte, em 1o de abril de 1907, Eurípedes fundou o Colégio Allan Kardec, um verdadeiro
marco educacional. Esse instituto de ensino passou a ser conhecido em todo o Brasil, tendo funcionado
ininterruptamente desde a sua inauguração, com a média de 100 a 200 alunos, até o dia 18 de outubro,
quando foi obrigado a cerrar suas portas por algum tempo, devido à grande epidemia de gripe espanhola que
assolou nosso país.
Como educador, Eurípedes centrava a sua ação em favor das crianças mais pobres. Além disso,
adotou no Colégio Allan Kardec os mesmos métodos de ensino de Pestalozzi, apesar de não conhecer nada a
respeito dos postulados do educador suíço.
Eurípedes Barsanulfo, no Colégio Allan Kardec, usa de metodologia bem próxima daquela em que
Hippolyte Léon Denizard Rivail (Allan Kardec) foi educado — o Método de Pestalozzi — em que
se busca valorizar a potencialidade do outro.385
No Colégio Allan Kardec destacam-se algumas medidas bastante progressistas para a época, tais como a
adoção de classes mistas — atitude que gerou polêmica no início —, a abolição de castigos e recompensas, o fim
dos exames tradicionais, bem como a inserção dos estudos em Botânica, Arte Dramática, Astronomia, Zoologia,
Anatomia e História das religiões e do Espiritismo.
A experiência didático-pedagógica do Colégio Allan Kardec tinha por finalidade negar a escola livresca,
autoritária e distante da realidade; pretendia criar uma nova forma de lidar com os alunos considerando seus
interesses, necessidades, vivências, promovendo a educação intelectual, física e moral.
O aluno passou a ser respeitado nos valores naturais de que era portador em potencial, pois o
mestre conhecia-lhe as faculdades racionais, as percepções, ideias, hábitos e reações
condicionadas. Isto vinha estreitar o relacionamento entre o Professor e seus discípulos, criando
entre eles os laços de mútua confiança.386
Não se tem uma noção exata de quando a Farmácia Espírita Esperança e Caridade foi fundada.
Entretanto, tudo leva a crer que ela iniciou as suas atividades no mesmo ano em que Eurípedes tornou-se
espírita.
Desde os primórdios desse movimento — que pouco a pouco assumia proporções gigantescas —
Eurípedes voltara para a casa paterna, onde sempre recebeu o carinhoso apoio da mãe e do Sr.
Mogico, bem como das irmãs Edirith e Eurídice (Sinhazinha), suas devotadas auxiliares na
manipulação dos medicamentos. O velho pai de Eurípedes revelou-se, sem dúvida, o grande esteio
384
______. ______.
385
Trecho da mensagem do Espírito Victor, psicografada pelo médium Mário Coelho, em 11/12/2013, no Centro Espírita Léon
Denis.
386
NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. Cap. 12 — O Colégio Allan Kardec, p. 116.
143
material, em que o filho se apoiava, no desdobra-mento da Missão em que Jesus o situara entre as
criaturas.387
Dois horários eram rigorosamente observados para o receituário e os consequentes trabalhos: Pela
manhã — atendia-se aos pedidos de fora. Das 15h30 às 17h30. — o serviço era dedicado às
solicitações locais. Eurípedes, sentado à sua escrivaninha ampla, era o intérprete do Espírito Dr.
Adolfo Bezerra de Menezes, no receituário.388
A atuação de Bezerra de Menezes foi crucial para que o trabalho de caridade tivesse êxito no alcance
dos mais necessitados:
Eurípedes com a Farmácia Espírita Esperança e Caridade não apenas ajudava aos doentes a se
restabeleceram fisicamente. Em muitas receitas, Eurípedes orientava a leitura das obras de Allan Kardec,
pois do que adianta o corpo são se o espírito permanece na ignorância e no erro?
Assim, naquela pequena farmácia, iam-se formando equipes, que se moldavam no trabalho
diuturno, cultivando o Amor, em busca do Mestre no santuário das próprias almas.390
7. Fidelidade a Deus
Eurípedes, em toda a sua existência, manteve o pensamento em relação íntima com Deus, como
podemos verificar no poema de sua autoria, cujo título é Deus:
O Universo é obra inteligentíssima, obra que transcende a mais genial inteligência humana. E,
como todo efeito inteligente tem uma causa inteligente, é forçoso inferir que a do Universo é
superior a toda inteligência. É a inteligência das inteligências, a causa das causas, a lei das leis, o
princípio dos princípios, a razão das razões, a consciência das consciências; é Deus!... Deus!...
Nome mil vezes santo, que Isaac Newton jamais pronunciava sem descobrir-se!...
É Deus! Deus, que vos revelais pela natureza, vossa filha e nossa mãe. Reconheço-vos eu, Senhor,
na poesia da Criação, na criança que sorri, no ancião que tropeça, no mendigo que implora, na mão
que assiste, na mãe que vela, no pai que instrui, no apóstolo que evangeliza!
Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, no amor da esposa, no afeto do filho, na estima da irmã, na
justiça do justo, na misericórdia do indulgente, na fé do pio, na esperança dos povos, na inteireza
dos íntegros!
Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, no estro391 do vale, na eloquência do orador, na inspiração do artista,
na santidade do moralista, na sabedoria do filósofo, nos fogos do gênio!
Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, na flor dos vergéis,392 na relva dos vales, no matiz dos montes,
na amplidão dos oceanos, na majestade do firmamento!
Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, nos lindos antélios,393 no Iris multicolor, nas auroras polares, no
argênteo394 da Lua, no brilho do Sol, na fulgência das estrelas, no fulgor das constelações!
387
NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. Cap. 13 — A Farmácia Espírita Esperança e
Caridade, p. 144.
388
______. ______. p. 160.
389
______. ______. p. 146.
390
NOVELINO, Corina. Eurípedes: o homem e a missão. 18. ed. São Paulo: IDE, 2007. p. 162.
391
Estro: Entusiasmo artístico; veio, gênio, inspiração.
392
Vergéis: Jardins.
144
Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, na formação das nebulosas, na origem dos mundos, na gênese
dos sóis, no berço das humanidades; na maravilha, no esplendor, no sublime do infinito!
Deus! Reconheço-vos eu, Senhor, com Jesus, quando ora: “Pai nosso que estais no céu...” ou com
os anjos, quando cantam: “Glória a Deus nas alturas...” “Aleluia!...”395
393
Antélios: Claridade refletida pelo Sol, no lado oposto a ele.
394
Argênteo: Brilhante como prata.
395
Eurípedes Barsanulfo, Sacramento, 18 de janeiro de 1914.
145
CAPÍTULO 20
CHICO XAVIER: O APÓSTOLO DA
MEDIUNIDADE
Se eu fosse alguém, se eu tivesse influência, se eu fosse realizar alguma coisa em benefício da comunidade, e
se eu tivesse a menor autoridade para fazer isso, eu apenas repetiria para mim mesmo e para todos os
nossos irmãos em humanidade de todas as terras e de todos os idiomas, aquelas palavras de Nosso Senhor
Jesus Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, porque amor é esquecimento de si mesmo;
porque amor é nada pedindo para si mesmo. O “Amai-vos uns aos outros” foi superado pelo “Amai-vos uns
aos outros como Eu vos amei”. Amar alguém ou alguma causa sem pedir nada, sem esperar o pagamento
nem mesmo da compreensão e da inteligência do próximo...é trabalhar por uma humanidade mais feliz, por
um mundo melhor, pela extinção das guerras e pelo incentivo do progresso em bases morais convenientes
para que nós todos estejamos no melhor lugar possível, que possamos ocupar, no campo da vida humana,
servindo ao Pai, ao Criador, ao Nosso Senhor Jesus Cristo e a todos os princípios cristãos ou mesmo aos
princípios mais nobres de outras religiões, para que com o respeito mútuo, possamos vencer todas as
barreiras e amar como o amor deve ser consagrado entre nós, isto é, amor sem recompensa [...]
Chico Xavier
Objetivos
Ideias principais
Certa vez Francisco de Assis afirmou: “Pregai o Evangelho, se for necessário, utilize palavras”. Essa
recomendação é de uma atualidade desconcertante. Se todas as bocas que louvam a Jesus vivessem o
Evangelho, o mundo já estaria transformado. O Cristo com as suas palavras de vida eterna, conclama aos
seus discípulos de ontem e hoje a serem a luz do mundo, isto é, a agirem como cartas vivas do Evangelho.
O Mestre foi muito claro em sua exposição. Para que os discípulos sejam a luz do mundo,
simbolizarão cidades edificadas sobre a montanha, onde nunca se ocultem. A fim de que o
operário de Jesus funcione como expressão de claridade na vida, é indispensável que se eleve ao
396
DIAS, Haroldo D. (Trad.). O Novo Testamento. 1 ed. Brasília: FEB, 2016. Missão dos discípulos.
146
monte da exemplificação, apesar das dificuldades da subida angustiosa, apresentando-se a todos na
categoria de construção cristã.397
Por milênios, a religiosidade humana esteve condicionada às variáveis de nossa condição de espíritos
ainda a caminho da luz.
Jesus veio para propor uma religiosidade completamente espiritual e a Humanidade se viu diante de
algo absolutamente renovador. Apesar da vinda do Guia e Modelo da Humanidade ter mostrado a verdadeira
essência da religiosidade, isso não impediu, todavia, que os velhos hábitos da religiosidade milenar
continuassem a ter espaço privilegiado em nossas experiências existenciais.
Em virtude disso, o Cristianismo puro e simples pouco a pouco transformou-se em um conjunto de
práticas rituais, instituições mundanas e hierarquias descomprometidas com o Cristo. A Doutrina Espírita, na
qualidade de Cristianismo redivivo, veio ao mundo com a divina tarefa de resgatar a religiosidade
apresentada por Jesus, no período em que a Humanidade já havia progredido o suficiente para ter acesso a
uma experiência religiosa genuinamente espiritual.
Quando Allan Kardec codificou a Doutrina Espírita, ele nos colocou em condições de ter um contato
maduro com a Espiritualidade. As obras psicografadas por Chico Xavier, ao desenvolver os princípios da
Doutrina Espírita, descortinaram este novo horizonte. Por intermédio de sua mediunidade abençoada, foi
erguido um monumento literário que expõe a realidade espiritual de maneira sistemática, lógica e
consoladora, algo inédito no mundo.
3. Devotamento e humildade
Chico Xavier costumava dizer que apenas os benfeitores espirituais deveriam receber o justo
reconhecimento pelos livros psicografados. Compreendia que as suas faculdades mediúnicas eram
semelhantes aos “talentos” da parábola imortalizada por Jesus. Deveria, pois, na posição de servidor
consciente e vigilante, multiplicar esses talentos por meio do serviço no bem e em favor do próximo.
397
XAVIER, Francisco C. Caminho, Verdade e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 76 —
Edificações.
398
HESCHEL, Abraham Joshua. Deus em busca do homem. Trad. Tuca Magalhães. 1. ed. São Paulo: Arx, 2006. Cap. 1, p. 26.
147
no entanto, não via com bons olhos este comportamento, chegando inclusive a questionar se o precoce
médium não possuía algum tipo de perturbação mental.
Em 1917, João Cândido casou-se novamente. Sua abnegada esposa exigiu que os filhos do
casamento anterior fizessem parte da nova família. Posteriormente, mais seis filhos coroariam a constelação
familiar.
Chico Xavier ingressou na escola primária aos 9 anos. Ao relatar com naturalidade o contato que
mantinha com seres vistos apenas por ele e mais ninguém, tornou-se alvo frequente de zom-barias.
Em um período em que quase todas as famílias eram católicas, o seu convívio com os espíritos
despertava contrariedades, sobretudo em João Cândido, cuja preocupação levou-o a cogitar a hipótese de
interná-lo num sanatório.
Curiosamente, coube ao padre Sebastião Scarzelli, com quem Chico Xavier se confessava, a
sugestão para os supostos “problemas”. Além das penitências que prescrevia ao menino, o padre convenceu a
sua família de que todas aquelas experiências eram meras fantasias e que bastariam duas medidas a serem
tomadas: deixá-lo longe de livros, jornais e revistas, provável fonte de suas “criações mentais”, e ocupá-lo
com um emprego para que não tivesse tempo para pensar em “devaneios perigosos”.
A recomendação foi cumprida à risca: João Cândido queimou as folhas impressas, e, aos 10anos,
Chico Xavier começou a trabalhar na fábrica de tecidos da cidade de Pedro Leopoldo. A sua rotina, para
dizer o mínimo, era muito desgastante: pela manhã, frequentava a escola e das quinze horas à uma da manhã,
trabalhava como servente de fiação. Este trabalho provocou problemas pulmonares no menino Chico Xavier.
A sua experiência escolar foi encerrada precocemente com a conclusão do curso primário em 1923.
Pouco tempo depois, passou a trabalhar como servente de cozinha no “Bar do Dove” das sete horas às vinte
horas. Aos 15 anos, tornou-se balconista de um pequeno armazém, onde trabalhou por cerca de dez anos. Em
1933, começou a trabalhar como auxiliar de serviço na Fazenda Modelo, órgão vinculado ao Ministério da
Agricultura. Daí em diante, Chico Xavier só deixou essa ocupação em 1961, quando se aposentou como
escriturário.
Em 1927, uma de suas irmãs apresentou sintomas de perturbação mental e os médicos não
conseguiram curá-la. Apesar da ligação com o catolicismo, ao não encontrar uma solução na Medicina, a
família de João Cândido solicitou ajuda a um casal de espíritas. A intervenção dos amigos espíritas foi
exitosa e esse episódio despertou o interesse de Chico Xavier e de alguns de seus familiares pela Doutrina
Espírita.
Neste mesmo ano, Chico e estes mesmos familiares fundaram o Centro Espírita Luiz Gonzaga, o
primeiro a existir na cidade de Pedro Leopoldo. Era um momento de transição na vida de Chico Xavier. O
preconceito social cedia lugar ao desenvolvimento de sua mediunidade a partir dos princípios expostos pela
Codificação de Allan Kardec.
Aos 17 anos, Chico iniciou a prática da psicografia. Basicamente, Allan Kardec esclarece em O
Livro dos Médiuns que a psicografia é a transmissão do pensamento do espírito mediante a escrita feita com
a mão do médium.
O amadurecimento pessoal e uma melhor compreensão de suas capacidades mediúnicas, permitiu-
lhe um encontro espiritual que seria um divisor de águas em sua vida. Apareceu-lhe o Espírito Emmanuel
propondo orientá-lo em seus trabalhos mediúnicos sob a condição de absoluto devotamento e disciplina. O
próprio Chico Xavier relata este encontro — ou, melhor dizendo, reencontro —, memorável:
Lembro-me de que, em 1931, numa de nossas reuniões habituais, vi a meu lado, pela primeira vez,
o bondoso Espírito Emmanuel.
Eu psicografava, naquela época, as produções do primeiro livro mediúnico, recebido por meio de
minhas humildes faculdades, e experimentava os sintomas de grave moléstia nos olhos.
Via-lhe os traços fisionômicos de homem idoso, sentindo minha alma envolvida na suavidade de
sua presença, mas o que mais me impressionava era que a generosa entidade se fazia visível para
mim, dentro de reflexos luminosos que tinham a forma de uma cruz. Às minhas perguntas naturais,
respondeu o bondoso guia:
“Descansa! Quando te sentires mais forte, pretendo colaborar igualmente na difusão da Filosofia
espiritualista. Tenho seguido sempre os teus passos e só hoje me vês, na tua existência de agora,
mas os nossos espíritos se encontram unidos pelos laços mais santos da vida, e o sentimento
afetivo que me impele para o teu coração tem suas raízes na noite profunda dos séculos.”
148
Essa afirmativa foi para mim imenso consolo e, desde essa época, sinto constantemente a presença
desse amigo invisível que, dirigindo as minhas atividades mediúnicas, está sempre ao nosso lado,
em todas as horas difíceis, ajudando-nos a raciocinar melhor, no caminho da existência terrestre.
[...]399
No ano seguinte, Chico Xavier apresentou sua primeira obra à Federação Espírita Brasileira (FEB):
Parnaso de Além-túmulo.
5. Parnaso de Além-túmulo
O livro de poemas mediúnicos intitulado Parnaso de Além-túmulo, composto por 259 poemas
atribuídos a 56 poetas brasileiros e portugueses, foi a primeira obra mediúnica de Chico Xavier.
O ano era de 1932 e a repercussão da obra foi imediata no círculo intelectual brasileiro.
Parnaso de Além-túmulo é uma obra-prima da literatura mundial! A sua relevância, porém, não é
apenas artística. Emmanuel, como o maestro deste trabalho cooperativo, tem a preocupação de harmonizá-la
com a Codificação de Allan Kardec. Movido por este propósito, todos os poemas de Parnaso de Além-
túmulo estão em perfeita sintonia com as leis morais contidas em O Livro dos Espíritos.
***
O artigo “Poetas do outro mundo”, do escritor Humberto de Campos, publicado no Diário Carioca
em 10 de julho de 1932, resume o sentimento de espanto com os poemas de Parnaso de Além-túmulo. Eis
um trecho do artigo deste escritor que na ocasião era integrante da Academia Brasileira de Letras:
Eu faltaria, entretanto, ao dever que me é imposto pela consciência, se não confessasse que,
fazendo versos pela pena do Sr. Francisco Cândido Xavier, os poetas de que ele é intérprete
apresentam as mesmas características de inspiração e de expressão que os identificavam neste
planeta. Os temas abordados são os que os preocuparam em vida. O gosto é o mesmo e o verso
obedece, ordinariamente, à mesma pauta musical. Frouxo e ingênuo em Casimiro, largo e sonoro
em Castro Alves, sarcástico e variado em Junqueiro, fúnebre e grave em Antero, filosófico e
profundo em Augusto dos Anjos [...].401
A obra inaugural do apostolado mediúnico de Chico Xavier estava longe de ser unanimidade entre a
elite pensante brasileira. Contudo, vale menção o artigo do poeta Djalma Andrade, publicado no Diário da
Tarde de Belo Horizonte, em 28 de julho de 1944. Djalma Andrade rebate a acusação de que os poemas
mediúnicos são inferiores aos poemas escritos em vida pelos autores espirituais. Para Djalma, essa visão não
correspondia à realidade, chegando a comentar no artigo: “Alguns foram meus conhecidos, neste mundo.
Lendo-os, agora, sou forçado a reconhecer que progrediram muito...”
399
XAVIER, Francisco C. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. 5. imp. Brasília: FEB, 2016. Explicando..., p.12.
400
MAIOR, Marcel Souto. As vidas de Chico Xavier. 2. ed. São Paulo: Editora Planeta, 2003. Cap. 3, p. 46.
401
PONSARDIN, Mickaël. Chico Xavier, O Homem e o Médium. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: Conselho Espírita
Internacional, 2010. Cap. V. — Sucessos e dissabores, p. 73 e 74. In: BACELLI, Carlos Antônio. Chico Xavier, mediunidade e ação.
149
Espírita Brasileira, responsável pela publicação das obras espirituais do escritor maranhense. Catarina
chegou ao cúmulo de solicitar ao Ministério Público que julgasse se os livros psicografados eram de fato de
autoria de seu falecido marido e, caso confirmada esta hipótese, se os herdeiros teriam ou não acesso aos
direitos autorais sobre estas produções literárias.
A ação judicial era inédita em todo o mundo, provocando uma acirrada discussão no meio intelectual
a respeito da psicografia de Chico Xavier. Apesar de querer ficar alheia a esse tipo de polêmica, até mesmo a
Academia Brasileira de Letras transformou-se numa arena de debates acalorados.
Com base no entendimento de que os direitos autorais de uma pessoa terminam com a sua morte, a
ação judicial movida pela viúva de Humberto de Campos foi arquivada. Curioso notar como o autor
espiritual parecia prever, sete anos antes do acontecimento, todo esse imbróglio. No prefácio de Crônicas de
Além-túmulo, ditado a Chico Xavier em 25 de junho de 1937, Humberto de Campos deixou claro suas novas
motivações:
Desta vez, não tenho necessidade de mandar os originais de minha produção literária a
determinada casa editora, obedecendo a dispositivos contratuais, ressalvando-se a minha estima
sincera pelo meu grande amigo José Olympio. A lei já não cogita mais da minha existência, pois,
do contrário, as atividades e os possíveis direitos dos mortos representariam séria ameaça à
tranquilidade dos vivos.
Enquanto aí consumia o fosfato do cérebro para acudir aos imperativos do estômago, posso agora
dar o volume sem retribuição monetária. O médium está satisfeito com a sua vida singela, dentro
da pauta evangélica do “dai de graça o que de graça recebestes” e a Federação Espírita Brasileira,
instituição venerável que o prefeito Pedro Ernesto reconheceu de utilidade pública, cuja livraria
vai imprimir o meu pensamento, é sobejamente conhecida no Rio de Janeiro, pelas suas
respeitáveis finalidades sociais, pela sua assistência aos necessitados, pelo seu programa cristão,
cheio de renúncias e abnegações santificadoras.402
Os detalhes deste processo judicial estão bem registrados pelo advogado Dr. Miguel Timponi no seu
livro A Psicografia ante os Tribunais.
***
Para evitar outras ações judiciais, a partir de 1945, Humberto de Campos assina as suas obras como
Irmão X. Suas páginas estão repletas de informações valiosas. O seu estilo de escrita impressiona pela beleza
e fina ironia. Estas são as suas obras, cuja leitura deve ser sempre recomendada:
402
XAVIER, Francisco C. Crônicas de além-túmulo. Pelo Espírito Humberto de Campos. 17. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2016. Ao leitor,
p. 9 e 10.
403
SCHUBERT, Suely Caldas. Testemunhos de Chico Xavier. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998. Palavras finais.
150
Arnaldo Rocha, fundador do Grupo Espírita Meimei, de Pedro Leopoldo, e importante colaborador
de Chico Xavier nas atividades do Centro Espírita Luiz Gonzaga, em inúmeras ocasiões confidenciou uma
história cuja reflexão permanece atual. Com a presença do importante médium Peixotinho, foi realizada uma
sessão no Centro Espírita Luiz Gonzaga voltada para o fenômeno da materialização dos espíritos. No final
desta reunião, Arnaldo relata que, inesperadamente, surge uma figura espiritual imponente, usando uma
túnica estilo romano com traços de inspiração grega. Arnaldo informa que este espírito levanta uma tocha
com a mão esquerda e o que vem a seguir causou perplexidade a todos os presentes: a luminosidade da tocha
chega a todos os recantos do ambiente simples. Depois do assombro, tiveram a chance de notar: era a figura
luminosa de Emmanuel. Ainda atônitos diante de tamanha grandiosidade espiritual, os presentes tiveram a
oportunidade de ouvirem a voz firme, porém amorosa, do benfeitor espiritual: “O compromisso do médium é
com o livro, porque o livro educa”.
Este era Emmanuel, coordenador e supervisor de toda a obra literário-mediúnica de Chico Xavier,
responsável pelas centenas de mensagens interpretativas dos textos do Novo Testamento e tantas outras
mensagens de esclarecimento e consolo.
Pela clareza, sinceridade, firmeza e lealdade com que expõe suas ideias; pelos ensinamentos que
transmite; pela mais pura moral cristã que veicula, Emmanuel conquistou a confiança e o apreço
incondicionais devasta legião de aprendizes da Boa-Nova do Reino, no Brasil.404
Para mim essas recordações têm sido muito suaves, mas também muito amargas. Suaves pela
rememoração das lembranças amigas, mas profundamente dolorosas, considerando o meu coração
empedernido, que não soube aproveitar o minuto radioso que soara no relógio da minha vida de
Espírito, há dois mil anos.
Permita Jesus que eu possa atingir os fins a que me propus, apresentando, nesse trabalho, não uma
lembrança interessante acerca de minha própria personalidade, mas, tão somente, uma experiência
para os que hoje trabalham na semeadura e na seara do nosso divino Mestre. 405
Se Emmanuel não criou personagens e, evidentemente, não realizou uma pesquisa histórica limitada
aos documentos ou vestígios materialmente disponíveis aos estudiosos da Terra, como foi construída toda a
narrativa?
404
BÉRNI, Duílio Lena. Brasil, mais além!. 6. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1999. Emmanuel.
405
XAVIER, Francisco C. Há Dois Mil Anos. Pelo Espírito Emmanuel. 49. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2017. Na intimidade de Emmanuel,
p. 8.
151
Ao pesquisar essa complexa questão, Haroldo Dutra Dias, juntamente com outros pesquisadores
chegaram a seguinte conclusão: Emmanuel realizou uma pesquisa histórica por meio do resgate de registros
psíquicos.
Na introdução de Arquivos Psíquicos do Egito, Hermínio Miranda respalda essa hipótese
apresentada:
Ainda que timidamente e a espaços, começa a despertar a consciência de que os mais amplos e
confiáveis arquivos da história não são os documentos de pedra, cerâmica, papiro e pergaminho,
mas os que se preservaram no psiquismo humano. Enquanto aqueles se deterioram com o passar
do tempo e chegam aos pesquisadores — quando chegam — fragmentados, ilegíveis e, às vezes
indecifráveis, a memória é indelével e desafia os milênios. No psiquismo de todos nós, estão
gravadas para sempre as vivências passadas no anonimato das plateias ou sob os holofotes da
ribalta, fazendo história, em vez de apenas assisti-la.
Diante desta hipótese, outro questionamento veio à tona: qual a finalidade de Emmanuel em
apresentar tantos detalhes históricos em um romance de consequências morais? A conclusão a que chegaram,
parece-me bastante plausível: Emmanuel ao apresentar detalhes inéditos, inacessíveis aos estudiosos de todos
os tempos, prova a imortalidade da alma.
Dia virá em que as ciências humanas e sociais não estarão mais restritas majoritariamente às
ideologias materialistas e ao seu campo limitado de observação. Quando este dia chegar, os romances
históricos de Emmanuel abrirão novas perspectivas para o conhecimento intelectual e acadêmico.
Se o amigo leitor se entusiasmou com a grandiosidade deste projeto de resgate histórico, não deixe
de ler, se instruir e se emocionar com os romances de Emmanuel:
Em todas as épocas da Humanidade, o mundo espiritual foi retratado com uma linguagem metafórica
em que aspectos simbólicos sobressaiam a princípio com uma exposição objetiva e racional de sua realidade.
Com as obras de André Luiz, a Humanidade teve acesso a uma descrição detalhada da vida
espiritual, preparando as nossas consciências para a transição da morte. Uma riqueza de detalhes
inquestionável e uma profundidade de conceitos sem a roupagem da fantasia: este é um dos méritos
inquestionáveis dos escritos de André Luiz.
De médico aprendiz no plano espiritual, André Luiz teve a chance de viver inúmeras experiências
esclarecedores para em seguida compartilhá-las com os encarnados. Neste sentido, em 1943, as portas do
mundo espiritual foram abertas e reveladas por André Luiz com a obra Nosso Lar.
André Luiz escreve para educar, e por essa razão não há espaço para curiosidades pueris nem
tampouco relatos que não contenham preciosos ensinamentos com o propósito de esclarecer questões antes
obscuras. No prefácio de Nosso Lar, Emmanuel ao apresentar o novo amigo, revela a essência do
trabalho de iluminação das consciências:
406
SCHUBERT, Suely Caldas. Testemunhos de Chico Xavier. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998. Surge André Luiz — Detalhes de
Missionários da luz e da Obra de André Luiz — 12/10/1946.
152
[...] há muito desejamos trazer ao nosso círculo espiritual alguém que possa transmitir a outrem o
valor da experiência própria, com todos os detalhes possíveis à legítima compreensão da ordem
que preside o esforço dos desencarnados laboriosos e bem-intencionados nas esferas invisíveis ao
olhar humano, embora intimamente ligadas ao planeta.
[...]
André Luiz vem contar a você, leitor amigo, que a maior surpresa da morte carnal é a de nos
colocar face a face com a própria consciência, na qual edificamos o céu, estacionamos no
purgatório ou nos precipitamos no abismo infernal; vem lembrar que a Terra é oficina sagrada, e
que ninguém a menosprezará sem conhecer o preço do terrível engano a que submeteu o próprio
coração.407
Emmanuel termina a apresentação do livro com uma frase lapidar: “[...] em nosso campo doutrinário,
precisamos, em verdade, do Espiritismo e do Espiritualismo, mas, muito mais, de Espiritualidade”.
Espiritualidade é uma aquisição interior que uma vez conquistada não se perde jamais!
***
O fio condutor que une todos os capítulos d os livros de André Luiz é a caridade. Todos os casos são
abordados com extremo respeito, independente da condição espiritual dos personagens retratados.
É possível dizer com segurança que ler André Luiz também é um desafio intelectual, porque ele trata
de alguns temas que nos obrigam a rever o nosso modo de pensar a vida e a nossa caminhada evolutiva.
Em todo o seu trabalho jamais se permitiu fantasias ou delírios objetivando atemorizar os seres
humanos, sempre considerando a qualidade sublime de Deus-amor, ultrapassando os tradicionais
textos religiosos das doutrinas ortodoxas a respeito do Deus-pavor, que reaparece na atualidade de
alguma forma severo e cruel, inclusive, em algumas informações ditas do Além-túmulo...
[...]
Estudar a fantástica obra do mensageiro espiritual é dever de todo aquele que deseja compreender
a vida e os fenômenos em torno da morte, assim como da sobrevivência do Espírito à disjunção
cadavérica, adquirindo conhecimento e propondo-se a viver de maneira consentânea com as lições
aprendidas com esse dedicado e humilde servidor de Jesus. 408
407
XAVIER, Francisco C. Nosso Lar. Pelo Espírito André Luiz. 64. ed. 7. imp. Brasília: FEB, 2016. Novo amigo, p. 10 e 11.
408
CAMPETTI SOBRINHO, Geraldo. A vida no mundo espiritual: estudo da obra de André Luiz. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016.
Apresentação, p. 13 e 14.
153
CAPÍTULO 21
DIVALDO FRANCO: UMA VIDA A
SERVIÇO DO PRÓXIMO
Gostaria de dizer que vale a pena amar. Se você não é amado, não é importante. O
importante é quando ama. Não se preocupe com os inimigos. Todos nós temos inimigos. Mas isto é
secundário. O importante é não ser inimigo de ninguém. Se alguém não gosta de você, o problema
é dele. Mas quando você não gosta de alguém o problema é seu. Então, ame! Seja qual for a
circunstância. O amor é o sublime elixir409 da plenitude: para quem o esparge410 e para quem é
dirigido. Então, como disse Jesus: “Amar a Deus acima de todas as coisas as coisas e ao próximo
como a si mesmo”. Ame-se também. Quando você se ama, você se instrui, você se cuida, você se
prepara para uma vida feliz. E somente quando você se ama é que você é capaz de amar a outrem,
porque amando-se, você pode perceber as dificuldades que existem para o indivíduo abandonar as
suas imperfeições, as suas mazelas...em tornar-se a tolerância, a compreensão, a fraternidade, por
fim o amor. O amor é a alma da vida!
Divaldo Franco
Objetivo
Ideias principais
Divaldo Franco, assim como Chico Xavier, é um missionário com uma admirável tarefa a
desempenhar na Terra: a de levar a Doutrina Espírita aos corações necessitados de esclarecimento e consolo.
409
Elixir: bálsamo.
410
Espargir: espalhar, difundir.
411
DIAS, Haroldo D. (Trad.) O Novo Testamento. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB: 2016. Parábola do semeador.
412
SCHUBERT, Suely Caldas. O Semeador de Estrelas.4. ed. Salvador: LEAL, 1998. Apresentação, p. 9 e 10.
154
O verdadeiro servidor do Evangelho é todo aquele que sente a necessidade de sair de si mesmo a fim
de beneficiar corações alheios. Não é uma tarefa fácil, não é mesmo? Há de se convir, porém, que não é
impossível, pois o Criador não elege criaturas mais capazes do que outras.
Assevera-nos, o Cristo de Deus: “e o semeador saiu a semear...”. Isso equivale a dizer que o
semeador saiu de si mesmo, a desvencilhar-se de todas as concepções de separatividade e egoísmo,
a fim de auxiliar e compreender, trabalhar e servir, amar e tolerar, com esquecimento de si mesmo
para vitória do Bem.413
Divaldo Franco, aos 90 anos, prossegue anunciando a Doutrina Espírita no Brasil e no mundo. Os
números relativos ao seu trabalho na seara espírita revelam a extensão do apostolado: até o momento, foram
aproximadamente 15 mil palestras proferidas e cerca de 300 livros publicados, que, juntos, chegaram a
marca de 10 milhões de exemplares vendidos.
Aquele que traz consigo o coração vibrando no entendimento fraterno, plenamente integrado na
conjugação do verbo servir, é, indiscutivelmente, o semeador que sai com Jesus a semear, sem
afligir-se com o tempo de rememoração e sem preocupar-se com os resultados, identificado com a
luz da verdade que lhe indica o futuro ilimitado e divino, na direção da seara de sabedoria e de
amor em pleno infinito.
O companheiro que traz consigo o coração é o semeador que sai com Jesus a semear, ajudando
incessantemente a execução do plano divino e preparando a seara do amor e da sabedoria, em
favor da Humanidade, no futuro Infinito. — André Luiz.414
Como bem assinalou Suely Caldas Schubert em Semeador de Estrelas, as três principais tarefas de
Divaldo Franco estão em harmonia com o tríplice aspecto da Doutrina Espírita: Ciência, Filosofia e Religião.
No que diz respeito à Ciência, a sua mediunidade possibilitou, por exemplo, um avanço na
abordagem dos temas psicológicos ao correlacioná-los com a gama de novas perspectivas apresentadas pela
Doutrina Espírita.
Com relação à Filosofia, na qualidade de orador espírita, sua ênfase tem sido voltada, sobretudo, para
temas filosóficos. Desde questões ético-morais até a busca pelo reequilíbrio emocional, Divaldo Franco foi
pioneiro na propagação das ideias espíritas por meio de palestras, seminários e workshops.
Por fim, no que tange à Religião, Divaldo Franco vive plenamente a moral cristã de amor e caridade.
Essa vivência foi de tal modo superlativa, que é possível vê-la materializada na Mansão do Caminho.
Por todas essas razões apresentadas, a missão assumida por Divaldo Franco na Espiritualidade e
levada a efeito ainda hoje com uma energia fora do comum, precisa ser realçada, tamanha é a sua amplitude
no concerto da harmonia geral.
Que estas páginas possam demonstrar o quanto Jesus, o maior de todos os semeadores, convida, a
cada um de nós, a semear na estrada do bem. Divaldo Franco aceitou o convite e prossegue semeando a boa
semente do Senhor.
2. Mediunidade na infância
O Brasil é hoje a nação com o maior número de seguidores e simpatizantes da Doutrina Espírita. A
estimativa mais aceita é de que haja 30 milhões de pessoas entre adeptos e os que acreditam em muitos dos
princípios espíritas sem, no entanto, frequentar com regularidade um Centro Espírita, por exemplo.
Este cenário era muito diferente no início da década de 30, período no qual Divaldo começou a ter
visões. A Doutrina Espírita era associada a magia e adivinhações pela Igreja Católica e a crime pelo Código
Penal de 1890. Somente em 1940 com a reformulação do Código Penal é que os artigos que relacionavam a
prática espírita a crimes foram retirados.
***
413
O Evangelho por Emmanuel: comentários ao evangelho segundo Mateus.(Coord. Saulo Cesar Ribeiro da Silva). 1.ed. Brasília: FEB,
2014. Mensagem: O semeador saiu, p. 389. In: Mensagem contida no livro Paz, originalmente publicada pela Editora Cultura
Espírita União, cap. 6.
414
XAVIER, Francisco C. Dicionário da Alma. Autores diversos. (Org. Esmeraldina Bittencourt). 5. ed. Brasília: FEB, 2004. Verbete:
semeador, p. 222 e 223.
155
Nascido na cidade de Feira de Santana — Bahia, em 5 de maio de 1927, Divaldo é o caçula de 13
filhos de uma humilde família comandada por Francisco Pereira Franco e dona Ana Alves Franco. Desde
muito cedo, Divaldo percebeu ser diferente das outras crianças, por ser portador de faculdades especiais
ainda não compreendidas por ele mesmo e por sua família.
As primeiras visões relatadas por Divaldo eram vistas como “alucinações” ou como coisas do
“demônio”. Francisco, pai de Divaldo, passou a ficar ainda mais contrariado à medida que a mediunidade do
menino se mostrava prodigiosa com o passar do tempo, despertando a curiosidade da vizinhança. “Quem está
comigo?”e “O que ele diz?” eram perguntas corriqueiras a Divaldo. A sua mediunidade era tão natural que
para Divaldo era comum responder a esses questionamentos.
Nesse clima, as primeiras aparições relatadas pelo menino foram logo taxadas de demoníacas.
Algumas eram terríveis. Por vezes eram tão cruéis e ameaçadoras que Divaldo só conseguia
adormecer quando se refugiava na cama dos pais, mãos dadas à mãe. Outras entidades, mais
amorosas, tentavam consolá-lo ou enviar recados.415
A vida espiritual de Divaldo na adolescência foi bastante ativa, pois mantinha um intercâmbio
permanente com os espíritos. Em 1943, recebeu o diploma de professor primário, mas seu objetivo inicial era
ser médico ou sacerdote.
Ainda na juventude, Divaldo passaria vicissitudes emocionais em decorrência da morte de três de
seus irmãos ainda jovens. Ao buscar explicações para as suas dores emocionais, como católico convicto,
procurou o pároco local. Contudo, em vez de orientá-lo, o representante católico além de não aceitar era
incapaz de explicar os fenômenos mediúnicos experienciados por Divaldo.
Aos 17 anos, Divaldo sofreu paralisia nas pernas, sendo obrigado a ficar vários meses imobilizado
em uma cama depois de passar por vários médicos, sem ter uma solução para a sua enfermidade. Em visita a
Feira de Santana, a médium Ana Ribeiro Borges aplicou-lhe passes que muito o ajudaram naquele momento
crítico. Ato contínuo, recomendou a família de Divaldo que o levasse ao Centro Espírita no qual ela atendia
enquanto permanecia temporariamente na cidade baiana.
Católico praticante à época, Divaldo até que compareceu ao local, mas não deixou de levar o rosário
consigo para se proteger das possíveis investidas do “demônio”. Quando chegou ao Centro Espírita, ao ouvir
a prece de Cáritas, Divaldo entrou em transe mediúnico. Ao retornar à consciência, soube que a sua paralisia
era oriunda de sua mediunidade ostensiva.
O rapaz foi chamado a sentar-se à mesa. Pela primeira vez, ouviu a leitura de uma página de O
Evangelho Segundo o Espiritismo, intitulada “Orgulho e humildade”. A prece de Cáritas abriu os
trabalhos. Psicografada no Natal de 1873, a oração foi ditada pelo Espírito Cáritas, que se
comunicava principalmente por meio de madame W. Krell, uma das grandes médiuns de seu
tempo, em um círculo espírita de Bordeaux, na França. Cáritas reencarnou como Irene, martirizada
em Roma no ano de 305. No próprio Evangelho e na Revista Espírita (periódico fundado por
Kardec, em 1850, encontram-se outras mensagens ditadas pelo mesmo Espírito, todas estimulando
a fraternidade, a solidariedade e a caridade.416
Foi com a Doutrina Espírita que o jovem Divaldo encontrou as respostas às suas inquietações,
podendo, pela primeira vez, na atual encarnação, educar a sua mediunidade seguindo a codificação espírita
apresentada por Allan Kardec no século XIX. Mas não foi apenas isso. Motivado pela missão de servir ao
próximo, Divaldo engajou-se, definitivamente, na divulgação dos postulados espíritas, o que mudou a sua
vida por completo.
***
Decorridos os primeiros contatos com a Doutrina Espírita, Divaldo mudou-se para Salvador. Prestou
concurso e empregou-se no Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), dando
início a sua carreira como exemplar funcionário público.
415
LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora,
2015. Cap. 2, p. 27.
416
LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora,
2015. Cap. 5, p. 54.
156
Não estava programada em sua atual encarnação constituir família nos moldes tradicionais. Sua
família seria mais numerosa, bem mais numerosa. A sua encarnação estava reservada a causa humanista.
Helenita conheceu Divaldo quando esteve em Feira de Santana. Informada de que ele procurava
emprego e moradia definitiva, ofereceu-lhe que lecionasse português e rudimentos de inglês a
alguns alunos. [...] O serviço adicional podia ser contratado mediante modesta quantia. Divaldo
aceitou imediatamente. Não estava em condições de recusar nada. Já em seus primeiros dias na
nova atividade, em fevereiro de 1945, um jovenzinho de aparência moderna entrou para se
matricular. Sem saber, seria aquele que se tornaria seu braço direito por toda a vida: Nilson de
Souza Pereira. Nascido em Plataforma, no subúrbio de Salvador, era quase três anos mais velho
que o médium e trabalhava como telégrafo da Marinha. Acreditava que o curso de datilografia
poderia abrir-lhe novas oportunidades.417
Três meses se passaram e Nilson estava no curso profundamente entristecido. Divaldo procurou
saber o que estava acontecendo com o então conhecido. Nilson explicou que o pai estava muito doente e
havia sido desacreditado pelos médicos. Divaldo explicou que era médium e se dispôs a ir até a casa do pai
para ajudá-lo. Nilson, até então sem esperanças, aceitou a contribuição.
Ao entrar na casa, Divaldo se viu diante de uma entidade perversa que acompanhava o doente. Neste
instante grave nascia uma amizade de 70 anos de respeito e de devotamento mútuo:
Um Espírito nobre — um médico, que somente se identificaria mais tarde — apareceu a Divaldo
recomendando passes e um medicamento homeopático, indicado para o fígado. Enquanto Nilson
corria à farmácia para comprar o remédio receitado pelo guia, Divaldo iniciou os passes. Fez assim
naquele dia e nos três dias seguintes. Pouco a pouco, o senhor melhorou e recuperou-se.
Mediante a esta prova irrecusável da relação dos espíritos com o mundo material, facultando a
melhora significativa do pai, Nilson tornou-se espírita. Amigos inesperáveis, Nilson e Divaldo passaram a
estudar melhor a doutrina que nortearia as ações dos dois no horizonte próximo.
Pouco a pouco, Nilson percebeu que deveria ser em vida um “guardião” de Divaldo. Sua
preocupação era ainda maior no início, haja vista as consequências traumáticas pelas quais Divaldo teve de
vivenciar em função de sua mediunidade ainda em processo de desenvolvimento e maturação.
Interessante notar como o ano de 1945 marcou a vida de Divaldo. Além de conhecer o grande amigo
e colaborador Nilson de Souza Pereira, foi neste ano em que teve o primeiro contato consciente com a
benfeitora espiritual Joanna de Ângelis. Ao senti-la diariamente ao seu derredor, Divaldo passou a ter uma
diretriz segura para as suas atividades mediúnicas.
No dia 5 de dezembro de 1945, eu a vi por primeira vez. A minha memória guardou a data,
porque foi um momento de muita significação e importância na minha atual existência.
417
LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora,
2015. Cap. 7, p. 63.
418
SCHUBERT, Suely Caldas. O semeador de estrelas. 4. ed. Salvador: LEAL, 1998. Cap. 2 — Joanna, além do tempo, p. 22.
157
Não a vi com as características de religiosa com que ela se vem apresentando nos últimos trinta
anos, mas vi uma claridade muito grande, próxima de mim e uma voz muito meiga que me disse:
— Eu tenho a tarefa de caminhar contigo na atual existência corporal e envidarei todos os
esforços para que a nossa tarefa se coroe de êxito. Não te prometo as regalias nem as
comodidades que, às vezes, entorpecem os sentidos e aniquilam os ideais. Não esperes de mim
aquilo que o mundo pode dar e que tu conseguirás com teu próprio esforço, mas eu te afianço ser
necessário que, na tua fidelidade à palavra do Senhor, contes com a minha presença de amiga na
419
razão direta em que eu possa contar contigo nas necessidades do nosso programa.
Na noite seguinte, tomando por modelo os estatutos da própria União Espírita do Estado, Freitas
redigiu a primeira ata do novo Centro. Dois dias depois, em 7 de setembro, às 10 horas da manhã,
em um salão na residência de uma das frequentadoras das reuniões domésticas, dona Ethelvina
Perrone — na Rua Barão de Cotegipe, 224 — teve lugar a inauguração do Centro. A primeira
tarefa do grupo foi criar um serviço de apoio aos sofredores da região, conhecida como “invasão”.
Na área, sujeita a enchentes e local de despejo do lixo, palafitas e casas feitas de caixotes e barro
se uniam umas às outras por pequenas passarelas improvisadas sobre a imundice. Não raro,
crianças caíam e morriam afogadas, presas ao lodo.420
Em 1951, o Centro Espírita Caminho da Redenção ampliou a sua atuação ao inaugurar a Escola
Infantil Jesus Cristo. Um projeto educacional modesto, situado no quintal humilde de dona Ethelvina, mas
que com o tempo teria a projeção que os seus idealizadores nem poderiam supor quando empreenderam esta
iniciativa.
À medida que a mediunidade de Divaldo amadurecia e suas responsabilidades aumentavam, Joanna
de Ângelis passou a assumir mais diretamente a direção espiritual deste grande projeto em marcha de
ascensão.
É necessário recordar que Divaldo não deixou de trabalhar no IPASE para cumprir a sua missão.
Para poder dar conta de tudo, frequentemente varava as madrugadas atendendo no Centro Espírita Caminho
da Redenção.
6. Ide e pregai!
Divaldo realizou a sua primeira palestra na União Espírita Sergipana em março de 1947. A partir daí
surgiram inúmeros outros convites para divulgar a Doutrina Espírita em todo o Brasil, até que em 1962, foi
convidado a realizar uma palestra em Buenos Aires.
À medida que Divaldo foi se tornado mais conhecido, passou a falar em cinemas, teatros e clubes.
Na atualidade, Divaldo viaja o mundo propagando a Boa-Nova. Não raro, realiza palestras, seminários e
workshops em grandes auditórios para multidões.
Divaldo apresenta a Doutrina Espírita, conforme está na Codificação. Sua trajetória como principal
orador espírita do Brasil e do mundo não seria exitosa, como tem sido, se ele adotasse uma postura
personalista, emitindo opiniões pessoais em detrimento dos princípios doutrinários e das orientações dos
benfeitores espirituais:
419
______. ______. p. 27.
420
LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora,
2015. Cap. 11, p. 102.
158
Sempre temos o cuidado de pregar o Espiritismo consoante está na Codificação. Para mim,
pessoalmente, encontro sempre respaldo no pensamento kardequiano, que pode ser apresentado
como contribuição às áreas da ciência, da filosofia e da religião, em cujo comportamento
religioso está a ética, a moral inspirada no Cristianismo, por ser até hoje, do meu ponto de vista, a
Doutrina que melhor interpreta o pensamento de Jesus. Isto é perfeitamente lícito, este direito de
liberdade, que Kardec defende em O Livro dos Espíritos, quando fala, que “as leis de Deus estão
escritas na consciência” humana. É o direito de liberdade de consciência que ninguém pode violar,
que me permite assim expressar, porque, do contrário, teríamos padrões de comportamento sob
supervisão de chefes, dos quais já nos libertamos, quando abandonamos a ortodoxia ancestral.
Como a Doutrina Espírita é simples, clara e pura, e não necessita de pessoas que a interpretem
para nós, porque se tal ocorresse, ela seria corpo tão estranho que necessitaria de novos teólogos
para nos dizerem como entendê-la, oferece-nos, por consequência, um campo muito amplo para
que cada um se movimente no seu corpo, sem defraudar-lhe os objetivos, porém, conforme a
421
cada um melhor lhe aprouver.
Escreverei muito por tuas mãos. Trago comigo um número muito grande de almas que me são
afins e estão espalhadas. São minha família espiritual. Tenho a responsabilidade de chamá-las,
reunindo-as sob a direção de Francisco de Assis. Em princípio, tu as convidarás pela palavra;
posteriormente, pela escrita.422
Divaldo passou a psicografar todos os dias, estabelecendo uma disciplina rigorosa, praticada ainda
hoje: levanta-se às seis horas da manhã e, sob a inspiração de Joanna, até às sete horas escreve algumas
páginas. Depois a benfeitora orienta o trabalho de recebimento de mensagens de outros espíritos.
Dependendo da circunstância, algumas páginas podem ser escritas nas reuniões mediúnicas das segundas e
quartas-feiras. É relativamente comum Divaldo prosseguir trabalhando madrugada adentro quando é
necessário psicografar um romance ou uma obra de maior complexidade.
Em 1956, Divaldo já havia psicografado cerca de mil mensagens a respeito dos mais variados temas.
Tudo era guardado com bastante zelo. Nada havia sido publicado e nem seria...
Joanna esperou o momento oportuno: quando Divaldo contemplava as mensagens psicografadas,
todas muito bem guardadas em uma grande mala, Joanna solicitou que tudo aquilo fosse queimado. Diante
da natural perplexidade do médium, Joanna explicou que aquele trabalho era um treino e que de agora em
diante o trabalho iria começar de fato.
A respeito da difícil tarefa que o médium passaria a desempenhar com maior grau de
responsabilidade, Joanna foi bastante clara:
[...] Se tu tiveres coragem para levá-lo adiante, conta comigo. Mas, não esperes flores. A flor será a
mensagem, mas a tua será a parte do sofrimento. Se estiveres disposto a dar o testemunho do silêncio,
a receber a crítica mordaz e sarcástica, a ter ferida a alma com os espinhos da perversidade alheia e
ver as mensagens serem levadas à praça pública do ridículo, de forma que te sangre o coração, até
serem jogadas ao lixo, e se tu aceitares isto como fenômeno natural, sem te defenderes nem as
procurar defender ou a nós, os Espíritos, porque o nosso defensor é Jesus, tudo bem. Quem vai
defender-se perde tempo e enquanto se está defendendo os Amigos Espirituais não podem
tomar as decisões compatíveis para que permaneça a verdade. O médium, que se defende, é
aquele que não confia em Deus e que não é realmente um bom instrumento. Como médium, a
421
SCHUBERT, Suely Caldas. O semeador de estrelas. 4. ed. Salvador: LEAL, 1989. Cap. 5 — Pregação Espírita, p. 39 e 40.
422
LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora,
2015. Cap. 12, p. 117.
159
tua tarefa é ser fiel ao dever e não te preocupares com os resultados, que não são teus e sim do
Cristo.423
Divaldo tem sido um dos instrumentos mais fiéis da Espiritualidade. Sua moralidade desenvolvida
em anos de devotamento ao próximo, permitiu-lhe estar em sintonia com espíritos com elevado grau de
evolução. Ademais, todo o seu esforço no campo mediúnico tem aprimorado, cada vez mais, a sua
capacidade “técnica”.
Em 2004, chamou a atenção por receber [psicografia] especular em francês. Mais de 2 mil pessoas
lotavam o auditório do 4º Congresso Espírita Mundial, em Paris, que tinha como tema o
bicentenário de nascimento do codificador da doutrina, quando o médium psicografou
“Reconnaissance à Allan Kardec”, escrita por Léon Denis, de trás para a frente. 424
8. Mansão do Caminho
Em reunião mediúnica na presença de Abel Mendonça, Rachel Ribeiro, Nilson de Souza Pereira e
alguns outros amigos, Divaldo teve conhecimento de mais uma etapa de sua missão. Ao entrar em
transe425algumas entidades se comunicaram, informando que estava previsto, no horizonte próximo, o início
de uma obra educacional cuja atividade inicial seria o recolhimento de crianças e a posterior adoção como
filhos; essas crianças residiriam em verdadeiros lares pertencentes a uma comunidade específica.
Ao ter ciência das mensagens, Divaldo não escondeu a estranheza de trabalhar com crianças. Apesar
de sempre ter tido propensão ao ensino, não imaginava que teria de coordenar um projeto desta magnitude.
Joanna teve a ocasião de explicar a Divaldo as razões desse empreendimento planejado no plano
espiritual: o propósito era estabelecer um modelo educacional em que teoria e prática estivessem em
equilíbrio.
A partir daquela noite, os membros do Centro passaram a canalizar esforços para a aquisição de
uma sede própria que permitisse atender à recomendação dos Espíritos. Mensalmente faziam
reuniões de confraternização para a realização de pequenos leilões. Sem recursos para comprar
brindes dispendiosos, estes envolviam coisas singelas, como louças — e até mesmo um mamão.
Em 1950, Divaldo leu nos jornais que haveria o leilão de um casarão de três andares situado
próximo ao Centro Espírita Caminho da Redenção, na própria Rua Barão de Cotegipe, no número
124. O imóvel era conhecido como Mansão dos Silva e estava em condição de massa falida.426
423
SCHUBERT, Suely Caldas. O semeador de estrelas. 4. ed. Salvador, Bahia: LEAL, 1989. Cap. 5 — Pregação Espírita, p. 70.
424
LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora,
2015. Cap. 13, p. 130.
425
Transe: [...] é um processo semelhante ao adormecimento [...]; quanto à volta, parece um despertar. Se o transe foi profundo,
[o médium] retorna com a sensação de que fez uma viagem distante. Desperta sempre sentindo-se melhor do que se sentia antes.
MIRANDA, Hermínio C. Reencarnação e imortalidade. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Cap. 14.
426
LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora,
2015. Cap. 16, p. 151.
427
LANDI, Ana Claudia. Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos. 1. ed. São Paulo: Bella Editora,
2015. Cap. 16, p. 152.
160
A Mansão do Caminho finalmente foi inaugurada no dia 15 de agosto de 1952. O nome remete à
Casa do Caminho, primeira comunidade cristã do primeiro século de nossa era. A Casa do Caminho foi
fundada por Simão Pedro com a colaboração abnegada de Bartolomeu, Tiago, Filipe e João. Estêvão e Saulo,
mais tarde, Paulo de Tarso, também estiveram presentes nesta comunidade.
Passados tantos séculos, a Mansão do Caminho passaria pelas mesmas dificuldades materiais que a
Casa do Cristianismo nascente passou. Tanto a reforma do local como a compra do mobiliário esbarravam
nas dificuldades financeiras. Aos poucos, contudo, as doações aumentaram e as rifas passaram a
complementar o reduzido orçamento destinado a suprir os aspectos mais elementares da Mansão do
Caminho.
Hoje, a Mansão do Caminho é um admirável complexo educacional e assistencial, contando com 50
edificações, fora as construções em andamento, distribuídas em ruas, bosques e lago, onde são atendidas três
mil crianças e jovens de famílias de baixa renda.
São desenvolvidas diversas atividades socioeducacionais, como: enxovais; pré-natal; creche; escolas
de ensino pré-escolar, básico e fundamental; informática; cerâmica; panificação; bordado; tapeçaria;
reciclagem de papel; centro médico; laboratório de análises clínicas; atendimento fraterno; Caravana Auta de
Souza; Casa da Cordialidade e bibliotecas.
Para movimentar toda essa engrenagem, a diretoria conta com mais de 200 funcionários, além de 400
colaboradores voluntários permanentes.
Divaldo já afirmou que a Mansão do Caminho foi criada há mais de cem anos antes de sua
materialização no plano físico. Apesar da idade avançada, permanece supervisionando este monumental
projeto como um operário obstinado e incansável à serviço da Espiritualidade superior.
Embora prossiga semeando o Evangelho no Brasil e no mundo, o ritmo de palestras diminuiu um
pouco.
Divaldo tem dado especial atenção ao Movimento Você e a Paz. Este projeto tem o objetivo de unir
as religiões e as doutrinas no esforço conjugado para reduzir a violência e a desigualdade social por meio de
uma reflexão profunda quanto à necessidade de renovação dos sentimentos e mudança de comportamento.
Divaldo! Que a sua voz prossiga, nos rumos dos sofrimentos humanos, entoando a sinfonia eterna
do Amor, para que a Humanidade compreenda que é possível emergir do abismo da dor e do
aturdimento para as estrelas refulgentes da Paz e do Bem.
Joanna de Ângelis, a amorável Mentora, guia-lhe os passos e, juntos, sob o olhar de Francisco,
conduzem essa grande família espiritual, que se lhes vincula, ao encontro de Jesus.428
428
SCHUBERT, Suely Caldas. O semeador de estrelas. 4. ed. Salvador, Bahia: LEAL, 1998. Cap. 41 — Palavras finais, p. 325.
161
GUIA DE ESTUDO HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO – MÓDULO VII
TEMPOS DE RENOVAÇÃO
"Essa é uma produção interna de Centro Espírita Léon Denis e toda reprodução,
mesmo que parcial, só pode ser realizada mediante autorização expressa e por
escrito da Instituição."
162
CAPÍTULO 22
Objetivo
Ideias principais
1. Transição planetária
Para que os homens sejam felizes na Terra, é preciso que somente a povoem Espíritos bons,
encarnados e desencarnados, que só se dediquem ao bem. [...]
[...]
A época atual é de transição; os elementos das duas gerações se confundem. Colocados no ponto
intermediário, assistimos à partida de uma e à chegada da outra, já se assinalando cada uma, no
mundo, pelas características que lhe são peculiares.430
Vive-se, na Terra, o momento de grande transição de mundo de provas e expiações, para o mundo
de regeneração. As alterações que se observam são de natureza moral, convidando o ser humano à
429
AMORIM, Deolindo. Análises espíritas. Compilação de Celso Martins. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Capítulo 15.
430
KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. Cap. XVIII, its. 27 e 28.
163
mudança de comportamento para melhor, alterando os hábitos viciosos, a fim de que se instalem
os paradigmas da justiça, do dever, da ordem e do amor. 431
De todas as chagas morais da sociedade, o egoísmo parece a mais difícil de extirpar. Com efeito,
ela o é tanto mais quanto mais alimentada pelos mesmos hábitos da educação. Tem-se a impressão
que, desde o berço, a gente se esforça para excitar certas paixões que, mais tarde, se tornam uma
segunda natureza, e nos admiramos dos vícios da sociedade, quando as crianças os sugam com o
leite. Eis um exemplo que, como cada um pode julgar, pertence mais à regra do que à exceção.
Numa família de nosso conhecimento há uma menina de 4a 5anos, de rara inteligência, mas que
tem os pequenos defeitos das crianças mimadas, ou seja, é um pouco caprichosa, chorona, teimosa,
e nem sempre agradece quando lhe dão alguma coisa, o que os pais levam a peito corrigir, porque,
fora desses pequenos defeitos, segundo eles, ela tem um coração de ouro, expressão consagrada.
Vejamos como eles agem para lhe tirar essas pequenas manchas e conservar o ouro em sua pureza.
Certo dia, trouxeram um doce à criança e, como de costume, lhe disseram: “Tu o comerás, se fores
ajuizada.” Primeira lição de gulodice. Quantas vezes, à mesa, não acontece dizerem a uma criança
que não comerá tal guloseima se chorar. Dizem: “Faze isto ou faze aquilo e terás creme”, ou
qualquer outra coisa que lhe apeteça; e a criança é constrangida, não pela razão, mas tendo em
vista a satisfação de um desejo sensual que incentivam.É ainda muito pior quando lhe dizem, o que
não é menos frequente, que darão a sua parte a uma outra. Aqui já não é só a gulodice que está em
jogo, é a inveja. A criança fará o que lhe pedem, não só para ter, mas para que a outra não tenha.
Querem lhe dar uma lição de generosidade? Então dizem: “Dá esta fruta ou este brinquedo a
alguém.” Se ela recusa, não deixam de acrescentar, para nela estimular um bom sentimento: “Eu te
darei outro.” Assim, acriança só se decide a ser generosa quando está certa de nada perder.
Um dia testemunhamos um fato bem característico neste gênero. Era uma criança de cerca de
2anos e meio, a quem tinham feito semelhante ameaça, acrescentando: “Nós o daremos ao
irmãozinho e tu não comerás.” E, para tornar a lição mais sensível, puseram a porção no prato
deste; mas o irmãozinho, levando a coisa a sério, comeu a porção. À vista disto, o outro ficou
vermelho e não era preciso ser pai ou mãe para ver o lampejo de cólera e de ódio que brotou de
seus olhos. A semente estava lançada; poderia produzir bom grão?
Voltemos à menina, da qual falamos. Como não levou em consideração a ameaça, sabendo por
experiência que raramente a executavam, desta vez os pais foram mais firmes, pois
compreenderam a necessidade de dominar esse pequeno caráter, e não esperar que a idade lhe
tivesse feito adquirir um mau hábito. Diziam que é preciso formar as crianças desde cedo, máxima
muita sábia e, para a pôr em prática, eis o que fizeram: “Eu te prometo — disse a mãe — que se
não obedeceres, amanhã cedo darei o teu bolo à primeira criança pobre que passar”. Dito e feito.
Desta vez não cederam e lhe deram uma boa lição. Assim, no dia seguinte de manhã, tendo sido
avistada uma pequena mendiga na rua, fizeram-na entrar, obrigaram a filha a tomá-la pela mão e
ela mesma lhe dar o seu bolo. Acerca disto elogiaram a sua docilidade. Moralidade: a filha disse:
Se eu soubesse disto teria tido pressa em comer o bolo ontem.” E todos aplaudiram esta resposta
espirituosa. Com efeito, a criança tinha recebido uma forte lição, mas lição de puro egoísmo, da
qual não deixará de aproveitar outra vez, pois agora sabe o que custa a generosidade forçada. Resta
saber que frutos dará mais tarde esta semente, quando, com mais idade, a criança fizer aplicação
dessa moral em coisas mais sérias que um bolo. Sabem-se todos os pensamentos que este único
fato pode ter feito germinar nessa cabecinha? Depois disto, como querem que uma criança não seja
egoísta quando, em vez de nela despertar o prazer de dar e de lhe representar a felicidade de quem
431
FRANCO, Divaldo. Transição Planetária. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 5. ed. Salvador: LEAL, 2015.
164
recebe, impõe-lhe um sacrifício como punição? Não é inspirar aversão ao ato de dar e àqueles que
têm necessidade? Um outro hábito, igualmente frequente, é o de castigar a criança mandando-a
comer na cozinha com os empregados domésticos.A punição está menos na exclusão da mesa do
que na humilhação de ir para a mesa dos criados. Assim se acha inoculado, desde a mais tenra
idade, o vírus da sensualidade, do egoísmo, do orgulho, do desprezo aos inferiores, das paixões,
numa palavra, que são, e com razão, consideradas como as chagas da Humanidade. É preciso ser
dotado de uma natureza excepcionalmente boa para resistir a tais influências, produzidas na idade
mais impressionável e onde não podem encontrar o contrapeso da vontade, nem da experiência.
Assim, por pouco que aí se ache o germe das más paixões, o que é o caso mais comum,
considerando-se a natureza da maioria dos Espíritos que encarnam na Terra, não pode senão
desenvolver-se sob tais influências, ao passo que seria preciso espreitar-lhe os menores traços para
os abafar.
Sem dúvida a falta é dos pais; mas, é bom dizer, muitas vezes estes pecam mais por ignorância do
que por má vontade. Em muitos há, incontestavelmente, uma censurável despreocupação, mas em
outros a intenção é boa, é o remédio que nada vale, ou que é mal aplicado. Sendo os primeiros
médicos da alma de seus filhos, deveriam ser instruídos, não só de seus deveres, mas dos meios de
os cumprir. Não basta ao médico saber que deve procurar curar: é preciso saber como proceder.
Ora, para os pais, onde os meios de instruir-se nesta parte tão importante de sua tarefa? Hoje se dá
muita instrução à mulher, submetem-na a exames rigorosos, mas jamais exigiram de uma mãe que
ela soubesse como agir para formar o moral de seu filho. Ensinam-lhe receitas caseiras, mas não a
iniciam nos mil e um segredos de governar os jovens corações. Assim, os pais são abandonados,
sem guia, à sua iniciativa, razão por que tantas vezes enveredam por falsa rota; também recolhem,
nas imperfeições dos filhos já crescidos, o fruto amargo de sua inexperiência ou de uma ternura
mal-entendida, e a sociedade inteira lhes recebe o contragolpe.
Considerando-se que o egoísmo e o orgulho são a fonte da maioria das misérias humanas,
enquanto reinarem na Terra não se pode esperar nem a paz, nem a caridade, nem a fraternidade. É
preciso, pois, atacá-los no estado de embrião, sem esperar que fiquem vivazes.
Pode o Espiritismo remediar esse mal? Sem nenhuma dúvida; e não vacilamos em dizer que é o
único bastante poderoso para o fazer cessar, a saber: por um novo ponto de vista sob o qual faz
encarar a missão e a responsabilidade dos pais; fazendo conhecer a fonte das qualidades inatas,
boas ou más; mostrando a ação que se pode exercer sobre os Espíritos encarnados e
desencarnados; dando a fé inabalável que sanciona os deveres; enfim, moralizando os próprios
pais. Ele já prova sua eficácia pela maneira mais racional pela qual são educadas as crianças nas
famílias verdadeiramente espíritas.Os novos horizontes que abre o Espiritismo fazem ver as coisas
de modo bem diverso; sendo o seu objetivo o progresso moral da Humanidade, forçosamente
deverá projetar luz sobre a grave questão da educação moral, fonte primeira da moralização das
massas. Um dia compreenderão que este ramo da educação tem seus princípios, suas regras, como
a educação intelectual, numa palavra, que é uma verdadeira ciência; talvez um dia, também,
haverão de impor a toda mãe de família a obrigação de possuir esses conhecimentos, como
impõem ao advogado a de conhecer o Direito. 432
3. Educação Espírita
A educação espírita — que se baseia no “amor” e na “instrução”, que iluminam a consciência e
libertam o ser das injunções perniciosas —, tem como instrumento o exemplo do educador que
deve pautar a conduta pelo que ensina, superando-se em atos, de modo que as sementes de que se
vale, de superior qualidade, manifestem-se em forma de paz e realização nele próprio.433
A educação espírita valoriza todas as conquistas no campo intelectual, mas é no conhecimento moral
a sua prioridade. Em todas as épocas da Humanidade, é possível encontrar indivíduos com conhecimento
intelectual vastíssimo praticarem atos bárbaros, donde se deduz que sem a melhoria moral do Espírito, a
educação não terá atingido a sua finalidade redentora.
Antes de ser o codificador da Doutrina Espírita, utilizando o pseudônimo Allan Kardec, o educador
Hippolyte Léon Denizard Rivail no seu livro intitulado: Plano proposto para a melhoria da educação
pública já compreendia a necessidade da educação intelecto-moral:
432
KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 7, n. 2, fev. 1864, Primeiras lições de moral da infância. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006.
433
DUSI, Miriam Masotti (Coord.). Sublime sementeira: evangelização espírita infantojuvenil. 1. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2015. Pt. 2,
cap. 4 — Mensagens de Benedita Fernandes, Educação espírita, p. 113.
165
Todos falam da importância da educação, mas esta palavra é, para a maioria, de um significado
excessivamente impreciso [...].
A educação é a arte de formar homens, isto é, a arte de neles fazer surgir os germes das virtudes e
reprimir os do vício; de desenvolver sua inteligência e dar-lhes instrução adequada às necessidades
[...]. Em uma palavra, o objetivo da educação consiste no desenvolvimento simultâneo das
faculdades morais, físicas e intelectuais. [...]434
Em relação à questão moral, considerada como pilar da educação espírita, Emmanuel complementa
essa assertiva ao aludir o aperfeiçoamento do campo íntimo como valor essencial:
Ó espíritas! Compreendei agora o grande papel da humanidade. Compreendei que, quando gerais
um corpo, a alma que nele encarna vem do espaço para progredir; tomai conhecimento dos vossos
deveres, e usai todo o vosso amor na tarefa de aproximar essa alma de Deus; essa é a missão que
vos foi confiada, e pela qual recebereis a recompensa se ela for cumprida fielmente. 438
[...] Que se faça pelo moral tanto quanto se faz pela inteligência e ver-se-á que, se há naturezas
refratárias, há, muito mais do que se imagina, daquelas outras que apenas pedem bom cultivo para
dar bons frutos.439
434
RIVAIL, Hippolyte Léon D. Plano proposto para a melhoria da educação pública. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 1. ed. Rio de
Janeiro: CELD, 2005, p. 11 e 12.
435
XAVIER, Francisco C. Pensamento e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. 5 — Educação, p. 24 e
25.
436
XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Estude e Viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 14. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2015. Na
escola da alma, p. 9.
437
Trecho da página psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco, na reunião de 18 de janeiro de 1978, no Centro Espírita
“Caminho de Redenção”, em Salvador, e publicada em Reformador de junho de 1978, p. 190.
438
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Albertina Escudeiro Sêco. 5. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010, Cap. XIV, it.
9, p. 255.
439
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 2. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2011. Comentário de
Kardec à q. 917, p. 414.
166
Na Instituição Espírita, a atividade de Evangelização pode abranger as aulas de evangelização
espírita, momento especial de convivência, aprendizado, reflexão, compartilhamento de experiências e
construção de vínculos de amizade e de fraternidade entre as crianças e os jovens frequentadores. A ação
evangelizadora envolve, ainda, pais e familiares, convidando-os a partici-parem de grupos ou reuniões
voltadas ao estudo de temas relacionados à vida em família, fundamentados à luz da Doutrina Espírita.
Sensibilidade, coerência, empatia, responsabilidade, conhecimento, alegria e zelo são algumas das
características dos evangelizadores que buscam a construção de espaços interativos de aprendizado e de
confraternização junto aos evangelizados. Para tanto, o evangelizador deve valer-se da adequada e contínua
preparação pedagógica e doutrinária.
Os pais espíritas devem ministrar a educação doutrinária a seus filhos ou podem deixar de fazê-lo
invocando as razões de que, em matéria de religião, apreciam mais a plena liberdade dos filhos? 441
— O período infantil, em sua primeira fase, é o mais importante para todas as bases educativas, e
os pais espiritistas cristãos não podem esquecer seus deveres de orientação aos filhos, nas grandes
revelações da vida. Em nenhuma hipótese, essa primeira etapa das lutas terrestres deve ser
encarada com indiferença.
O pretexto de que a criança deve desenvolver-se com a máxima noção de liberdade pode dar
ensejo a graves perigos. [...]. A própria reencarnação não constitui, em si mesma, restrição
considerável à independência absoluta da alma necessitada de expiação e corretivo?
[...]
Deve nutrir-se o coração infantil com a crença, com a bondade, com a esperança e com a fé em
Deus. Agir contrariamente a essas normas é abrir para o faltoso de ontem a mesma porta larga para
os excessos de toda sorte, que conduzem ao aniquilamento e ao crime. 442
440
PEREIRA, Yvonne A. À Luz do Consolador. 4. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2016. Cap. Aos jovens espíritas.
441
XAVIER, Francisco C. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016.
442
______. ______. p. 78 e 79.
443
Guillon Ribeiro: Luís Olímpio Guillon Ribeiro (1875–1943), durante vinte e seis anos consecutivos foi diretor da Federação
Espírita Brasileira. Guillon Ribeiro também foi importante tradutor de obras estrangeiras, sobretudo as da língua francesa, inglesa e
italiana. Fonte: Grandes Espíritas do Brasil, de Zêus Wantuil.
444
Página recebida em 1963, durante o 1º Curso de Preparação de Evangelizadores (CIPE), realizado pela Federação Espírita do
Estado do Espírito Santo, pelo médium Júlio Cezar Grandi Ribeiro, publicada na Separata de Reformador, out. 1985. In: DUSI,
Miriam M. (Coord.). Sublime sementeira: evangelização espírita infantojuvenil. 1. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2015. Pt. 2, cap. 15 —
Mensagens de Guillon Ribeiro, p. 197.
167
Eduque-se o homem e teremos uma Terra verdadeiramente transformada e feliz!
Contemplamos, assim, com otimismo e júbilo, o Movimento Espírita espraiando-se, cada
vez mais, nos desideratos da evangelização, procurando, com grande empenho, alcançar o
coração humano em meio ao torvelinho da desenfreada corrida do século... Tão significativa
semeadura na direção do porvir!
Mestres e educadores, preceptores e pais colaboram, ao lado uns dos outros, em meio às
esperanças do Cristo, dinamizando esforços em favor de crianças e jovens, na mais nobre intenção
de aproximá-los do Mestre e Senhor Jesus.
Urge que assim seja, porque o tempo mais propício à absorção das novas ideias, que mais favorece
a tarefa educativa do homem, é o seu período de infância e juventude. Sem dúvida que a
maturidade exibe a valiosa soma das experiências adquiridas, embora tantas vezes amargue o
dissabor das incrustações perniciosas absorvidas ao longo do caminho…
Eis, pois, o Amor convocando servidores do Evangelho para a obra educativa da Humanidade!
Abençoados os lidadores da orientação espírita, entregando-se afanosos e de boa vontade ao
plantio da boa semente!
Mas para um desempenho mais gratificante, que procurem estudar e estudar, forjando sempre
luzes às próprias convicções.
Que se armem de coragem e decisão, paciência e otimismo, esperança e fé, de modo a se
auxiliarem reciprocamente, na salutar troca de experiências, engajando-se com entusiasmo
crescente nas leiras de Jesus.
Que jamais se descuidem do aprimoramento pedagógico, ampliando, sempre que possível, suas
aptidões didáticas para que não se estiolem sementes promissoras ante o solo, pela inadequação de
métodos e técnicas de ensino, pela insipiência de conteúdos, pela ineficácia de um planejamento
inoportuno e inadequado. Todo trabalho rende mais em mãos realmente habilitadas.
Que não estacionem nas experiências alcançadas, mas que aspirem sempre a mais, buscando
livros, renovando pesquisas, permutando ideias, ativando-se em treinamentos, mobilizando cursos,
promovendo encontros, realizando seminários, nesta dinâmica admirável quão permanente dos que
se dedicam aos abençoados impositivos de instruir e de educar.
É bom que se diga, o evangelizador consciente de si mesmo jamais se julga pronto, acabado, sem
mais o que aprender, refazer, conhecer... Ao contrário, avança com o tempo, vê sempre degraus
acima a serem galgados, na infinita escala da experiência e do conhecimento.
Entretanto, não menos importante é a conscientização dos pais espíritas diante da evangelização de
seus filhos, como prestimoso auxiliar na missão educativa da família.
Que experimentem vivenciar quando necessário a condição de evangelizadores, tanto quanto se
recomenda aos evangelizadores se posicionarem sempre naquela condição de pais bondosos e
pacientes junto à gleba de suas realizações.
Que os pais enviem seus filhos às escolas de evangelização, disciplinando-os na assiduidade tão
necessária, interessando-se pelo aprendizado evangélico da prole, indagando, dialogando,
motivando, acompanhando…
Por outro lado, não podemos desconsiderar a importância do acolhimento e do interesse, do
estímulo e do entusiasmo que devem nortear os núcleos espiritistas diante da evangelização.
Que dirigentes e diretores, colaboradores, diretos e indiretos, prestigiem sempre mais o
atendimento a crianças e jovens nos agrupamentos espíritas, seja adequando-lhes a ambiência para
tal mister, adaptando ou, ainda, improvisando meios, de tal sorte que a evangelização se efetue, se
desenvolva, cresça, ilumine…
É imperioso se reconheça na evangelização das almas tarefa da mais alta expressão na atualidade
da Doutrina Espírita. Bem acima das nobilitantes realizações da assistência social, sua ação
preventiva evitará derrocadas no erro, novos desastres morais, responsáveis por maiores provações
e sofrimentos adiante, nos panoramas de dor e lágrimas que compungem a sociedade, perseguindo
os emolumentos da assistência ou do serviço social, públicos e privados.
Evangelizemos por amor!
Auxiliemos a todos, favorecendo, sobretudo, a criança e o jovem a um melhor posicionamento
diante da vida, em face da reencarnação.
Somente assim plasmaremos desde agora os alicerces de uma nova Humanidade para o mundo
porvindouro.
É de suma importância amparar as almas por meio da evangelização, colaborando de forma
decisiva junto à economia da vida para quantos deambulam pelas estradas existenciais.
E não tenhamos dúvidas de que a criança e o jovem evangelizados agora serão, indubitavelmente,
aqueles cidadãos do mundo, conscientes e alertados, conduzidos para construir, por seus esforços
próprios, os verdadeiros caminhos da felicidade na Terra.
168
6. Leopoldo Machado: O arauto do Espiritismo no Brasil
Professor Leopoldo Machado nasceu em30 de setembro de 1891, no Arraial de Cepa Forte, hoje
Jandaíra, ao norte do Estado da Bahia, quase nos limites de Sergipe. Era o mais novo de seis filhos do casal
Eulálio de Souza Barbosa e Ana Isabel Machado Barbosa.
Leopoldo Machado foi, na adolescência, muito católico, a ponto de desejar ser padre, depois de ter
sido sacristão. Foi o único membro da família que estudou o catecismo católico esponta-neamente. Os
irmãos troçavam de seus pendores religiosos só para o verem irritado e agressivo. Fez a primeira
comunhãoem8 de dezembro de 1904. Tornando-se íntimo das sacristias, veio a decep-cionar-se com os
sacramentos pagos, as confissões, as pendências e o misticismo da Igreja Católica. Ao conhecer a história da
Santa Inquisição, já bastante desiludido, abandonou o catolicismo.
Em 1930, Leopoldo Machado consagrou-se como legítimo educador, ao inaugurar, em 21 de abril
desse ano, o Colégio Leopoldo, tradicional estabelecimento de ensino, com a colaboração de Marília, de
Leopoldina Barbosa, sua irmã, e a do almirante Paim Pamplona, então presidente da Federação Espírita
Brasileira. Desenvolvendo um importante trabalho na seara espírita, fundaram a Assistência aos
Necessitados do Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade; estabeleceram a visita periódica aos presos da
cadeia e aos doentes do hospital local; fundaram o Albergue Noturno Allan Kardec, e, pelo Natal de 1940,
criaram o Lar de Jesus, inaugurado, definitivamente, no Natal de 1942, abrigando 25 crianças, vindo a se
tornar uma instituição atuante na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Jornalista, professor, escritor,
poeta, pregador, polemista e dramaturgo, Leopoldo Machado defendeu a Doutrina Espírita por todos os
meios e formas. Apologista do Espiritismo de Vivos, sem fugir à pureza doutrinária. Leopoldo Machado
incentivou a criação das Mocidades Espíritas e das escolas Espíritas de Evangelização para Infância,
impulsionando, também, as semanas Espíritas, as Tardes Fraternas, os Simpósios, as Mesas Redondas e os
Congressos. Ele divide o mérito da indenização das Mocidades Espíritas com um jovem baiano: um moço de
Salvador, inteligente e dinâmico, escreve-nos expondo um plano interessante de aproximar os moços do
movimento espírita menos câmara mortuária. De aproximá-los suavemente, alegremente. Como, entretanto,
não tinha projeção no meio espírita do Brasil, voltava-se para nós, que bem poderíamos prestar este serviço à
Doutrina.
Em qualquer evento de importância para o Movimento Espírita Brasileiro, Leopoldo Machado estava
presente, atuando ativamente. Em 1939, Deolindo Amorim torna a iniciativa de realizar o I Congresso
Brasileiro de Jornalistas Espíritas, em que contou com o apoio integral de Leopoldo Machado. A partir
daí,outros congressos e eventos espíritas se realizaram entre 1939 e 1948 com a sua participação, dos quais
se destacou o I Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil (17 a 23 de julho de 1948), que teve à frente: o
próprio Leopoldo Machado, Lins de Vasconcelos, João Batista Chagas, J. C. Moreira Guimarães, Geraldo de
Aquino, Ruth Sant’Anna e outros idealistas. No mesmo ano, Leopoldo Machado participou, com destaque,
no Congresso Brasileiro de Unificação, realizado no Rio de Janeiro, e, também, no Pacto Áureo, recebendo o
coroamento de sua missão de pregador com a Caravana da Fraternidade.
O trabalho que Leopoldo Machado desenvolveu na seara espírita foi imenso e poucos se igualaram a
ele. Escreveu para muitos periódicos e órgãos espíritas, entre os quais, O Clarim e a Revista Internacional do
Espiritismo. Levou o Espiritismo ao rádio, com a Hora Espírita Radiofônica, na antiga Rádio Transmissora
PRE-3, hoje Rádio Globo, trazendo ao microfone o presidente da Federação Espírita Brasileira, na época,
Guillon Ribeiro. Mesmo fraco e abatido pela doença, costumava escrever e participar do Movimento Espírita
brasileiro.
Leopoldo passou, de etapa em etapa, por quase todas as searas do Espiritismo: a sessão mediúnica,
a tribuna de conferência, o jornal, o rádio, a organização de movimento de mocidade, o teatro, a
assistência social. Foi, talvez, o conferencista que mais cidades percorreu por este país, a serviço
da propaganda espírita. Polemista, como todos sabem, foi dos maiores e dos mais vigorosos.
Quando conheci Leopoldo Machado, a nossa amizade vem daquele tempo, estava ele, a bem dizer,
no apogeu da tribuna: era o conferencista que aparecia diariamente nas colunas espíritas dos
jornais A Pátria e Vanguarda. Eu o conheci quando ele era o homem da tribuna, de segunda a
domingo, no centro da cidade e nos subúrbios do Distrito Federal. O primeiro livro de Leopoldo
que me chegou às mãos, quando ainda não nos conhecíamos pessoalmente, foi Sensacional
Polêmica, publicado quando eu estava dando os meus primeiros passos na seara espírita.
Logo após, na noite de 22 de agosto de 1957, às 23 horas e 25 minutos, viria a desencarnar no Lar
de Jesus, cercado de amigos, de familiares e acompanhado por seu abnegado médico. Na manhã da
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sua desencarnação, como se previsse que seria seu último dia na Terra, mandou chamar o diretor
técnico do Colégio Leopoldo e pediu-lhe: Não transformem nunca o meu Colégio em balcão de
ensino. Transforme-nos antes num hospital. Nunca, nunca, em balcão de ensino.
Leopoldo Machado se despede da vida no momento em que se lança seu último livro — Caxias,
um Eminente Iguaçuano. Tive oportunidade de lê-lo, e senti emoções novas a respeito da vida do
Condestável da República.445
445
Discurso proferido pelo deputado Campos Vergal na Câmera Federal no antigo Distrito Federal do Rio de Janeiro em 1957.
170
CAPÍTULO 23
A IMPORTÂNCIA DO CENTRO ESPÍRITA
PARA O ALVORECER DE UMA NOVA ERA
Objetivo
Ideias principais
As reuniões privadas na residência de Allan Kardec, situada em Paris, na rua Martyrs, n. 8, tinham
entre oito e dez frequentadores. No discurso de encerramento do ano social de 1858–1859, Allan Kardec
relembra como tudo começou:
O interesse que despertavam essas reuniões ia crescendo, embora não nos ocupássemos senão de
coisas muito sérias; pouco a pouco, um a um, foi crescendo o número dos assistentes, de tal forma
446
XAVIER, Francisco Cândido. VIEIRA, Waldo. Estude e viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 14. ed. Brasília: FEB, 2013.
Cap. 36, p.157.
447
KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). 3. ed. Brasília: FEB, 2014. Cap.
V, p. 51.
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que o meu modesto salão, muito pouco adequado para uma assembleia, tornou-se insuficiente. [...]
Para nos reunirmos regularmente, além de um certo número e num local diferente, era necessário
que nos conformássemos com as prescrições legais, ter um regulamento e, consequentemente, um
presidente designado. Enfim, era preciso constituir-se uma sociedade; foi o que aconteceu, com o
assentimento da autoridade constituída, cuja benevolência não nos faltou. Era também necessário
imprimir aos trabalhos uma direção metódica e uniforme, e decidistes encarregar-me de constituir
aquilo que fazia em casa, nas nossas reuniões privadas. 448
Allan Kardec faz menção a benevolência da autoridade constituída devido ao processo de legalização
da entidade ter sido solicitado em um momento de tensão política na capital francesa, em função da Lei de
Segurança Geral, instituída após a tentativa de assassinato de Napoleão III, no dia 14 de janeiro de 1858. A
vigilância aumentou e as reuniões privadas geravam todo o tipo de suspeitas, afinal poderiam ter um caráter
revolucionário, dispostas a tomarem o poder.
Como este não era o propósito das reuniões presididas por Allan Kardec, imediatamente buscou uma
autorização legal para não ser, cedo ou tarde, alvo de suspeitas inverossímeis. O Sr. Dufaux, prefeito de
polícia e amigo de Kardec, recebeu a petição e demonstrou às autoridades o caráter ilibado das reuniões
inicialmente definida como Círculo Parisiense de Estudos Espíritas.
No dia 1o de abril, com a autorização do Estado, a agora Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas
pôde, enfim, funcionar em um salão alugado no Palais-Royal, na Galerie Valois.
[...] A Sociedade, cuja formação temos o prazer de anunciar, composta exclusivamente de pessoas
sérias, isentas de prevenções e animadas do sincero desejo de serem esclarecidas, contou, desde o
início, entre seus associados, com homens eminentes por seu saber e posição social. Ela é chamada
— disso estamos convencidos — a prestar incontestáveis serviços à comprovação da verdade. Seu
regulamento orgânico lhe assegura uma homogeneidade sem a qual não há vitalidade possível;
baseia-se na experiência dos homens e das coisas e no conhecimento das condições necessárias às
observações que são o objeto de suas pesquisas. Vindo a Paris, os estrangeiros que se interessarem
pela Doutrina Espírita encontrarão, assim, um centro ao qual poderão dirigir-se para obter
informações, e onde poderão também comunicar suas próprias observações.449
Kardec assumiu a presidência do grupo e o Espírito São Luís foi considerado o mentor espiritual.
[...] Aliás, nossa linha de conduta não poderia ser melhor traçada do que por essas admiráveis
palavras que o Espírito São Luís nos dirigiu, e que não deveríamos jamais perder de vista:
“Zombaram das mesas girantes, mas não zombarão jamais da filosofia, da sabedoria e da caridade
que brilham nas comunicações sérias. Que vejam aqui, que escutem ali, mas que entre vós haja
compreensão e amor”.450
Em O Livro dos Médiuns, Kardec teve o cuidado de publicar o estatuto da Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas, constituindo, dessa maneira, a pedra fundamental do Movimento Espírita. No
primeiro artigo de seu regulamento, Kardec sintetiza, em linhas gerais, a finalidade de uma
instituição: “A Sociedade tem por objeto o estudo de todos os fenômenos relativos às
manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas.
[...]”.451
448
______. ______. Cap. V, p. 32.
449
KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 1, n. 5, maio 1858, Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas, p. 230 e 231.Trad. Evandro Noleto Bezerra. 5. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2014.
450
KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 2, n. 7, jul. 1859, Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas — Discurso de encerramento do ano social 1858–1859, p. 261. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.
1. imp. Brasília: FEB, 2015.
451
______. O livro dos médiuns. Trad. Maria Lucia Alcantara de Carvalho. 1. ed. Rio de Janeiro: CELD, 2010. Cap. XXX,
it. Cap. I — Objetivo e formação da Sociedade, Art. 1º.
452
______. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). 3. ed. Brasília: FEB, 2014.
Cap. V, p. 44.
172
Com o êxito nas vendas de O Livro dos Espíritos, com o crescimento acelerado de novos assinantes
da Revista Espírita e a adesão, cada vez maior, de novos sócios contribuintes para a Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas, Kardec percebeu a abrangência de sua missão e os desafios que deveria enfrentar para que
a Doutrina Espírita pudesse revelar ao mundo uma nova ordem de coisas.
***
Todo o trabalho de Allan Kardec aos poucos foi produzindo frutos vistosos. Muitos adeptos da nova
Doutrina passaram a se reunir em suas próprias sociedades recém-fundadas. Havia, de fato, um processo de
expansão acelerado, independente das zombarias e perseguições.
Em resposta ao convite dos espíritas das cidades francesas de Lyon e de Bordeaux, Kardec expressa
com emoção o convite recebido, além de demonstrar o quanto é imprescindível a união de propósitos em
torno da caridade, no seu sentido puro e simples.
Sinto-me feliz, meus amigos, por ver tantos grupos unidos no mesmo sentimento, marchando de
comum acordo para o nobre objetivo a que nos propomos. Sendo tal objetivo exatamente o mesmo
para todos, não poderia haver divisões; uma mesma bandeira deve guiar-vos e nela está escrito:
Fora da caridade não há salvação. Ficai certos de que em torno dela é que a Humanidade inteira
sentirá necessidade de se congregar, quando se cansar das lutas engendradas pelo orgulho, pela
inveja e pela cupidez.453 Esta máxima, verdadeira âncora de salvação, porque será o repouso
depois da fadiga, o Espiritismo terá a glória de ser o primeiro a havê-la proclamado. Inscrevei-a
em todos os locais de reunião e em vossas residências. Que, doravante, ela seja a palavra de união
entre todos os homens sinceros, que querem o bem, sem segunda intenção pessoal. Mas fazei
melhor ainda: gravai-a em vossos corações e, desde já, fruireis a calma e a serenidade que aí
encontrarão as gerações futuras, quando ela for a base das relações sociais. Sois a vanguarda;
deveis dar exemplo, a fim de encorajar os outros a vos seguirem. 454
Do plano espiritual, Sanson, antigo membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, prevê que
aquele núcleo disseminador dos princípios da Terceira Revelação chegaria futuramente a todo o mundo:
Bendita sejas, Sociedade que amo, tu que dás sempre com benevolência; tu que realizas uma tarefa
árdua sem olhar as pedras que obstruem a passagem. Muito mereceste de Deus. Não serás e não
poderás ser um centro ordinário, mas, repito, a fonte benfazeja onde o sofrimento encontrará
455
sempre o bálsamo reparador.
Allan Kardec, após a publicação de O Livro dos Espíritos fez diversas viagens de propaganda
doutrinária, com a finalidade de trazer esclarecimentos oportunos aos núcleos espíritas nascentes. Foram
realizadas viagens de 1860 a 1862 e de 1864 a 1867.
Na intensa jornada do ano de 1862, durante seis semanas, Allan Kardec visitou os centros espíritas
existentes em mais de vinte cidades francesas, assistindo, no total, cerca de cinquenta reuniões.
453
Cupidez: desejo excessivo por bens materiais.
454
KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 5, n. 9, set. 1862, Resposta ao convite dos espíritas de Lyon e
de Bordeaux, p. 367. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2004.
455
______. ano 4, n. 11, nov. 1862, Dissertações espíritas, it. Papel da Sociedade de Paris, p. 465.
173
Acabamos de visitar alguns Centros Espíritas da França, lamentando que o tempo não nos tenha
permitido ir a toda parte onde nos haviam convidado, nem prolongar nossa estada em cada localidade
como o desejávamos, em razão da acolhida tão simpática e tão fraterna que por toda parte recebemos.
Durante uma viagem de mais de seis semanas e um percurso total de 693 léguas, paramos em vinte
cidades e assistimos a mais de cinquenta reuniões. O resultado nos proporcionou uma grande
satisfação moral, sob o duplo aspecto das observações colhidas e da constatação dos imensos
progressos do Espiritismo.456
O Centro Espírita é a casa de Jesus na qual todos devem ser acolhidos. Todavia, isso não quer dizer
que normas não devam ser cumpridas, tanto da parte de quem a frequenta regularmente, quanto da parte de
quem chega para conhecê-la pela primeira vez.
Se a Doutrina Espírita ensina com clareza que Jesus é o Guia e Modelo da Humanidade, os centros
espíritas cumprem a sua missão essencial somente quando é norteado por um programa de educação
espiritual fundamentado nas verdades do Evangelho do Mestre divino à luz das explicações trazidas pela
Espiritualidade superior.
Diante dessa perspectiva, todas as atividades realizadas em uma Casa Espírita são oportunidades de
aprendizado para o progresso intelecto-moral de seus frequentadores, preparando-os para uma vivência
lúcida e consciente de sua vida atual e a do porvir.
Os serviços mais urgentes de cada centro são os da instrução doutrinária de velhos e novos
adeptos, tanto uns como outros carentes de conhecimento doutrinário. Bem executado esse serviço,
todos os demais serão feitos com facilidade.462
Das tarefas existentes no Centro Espírita, da mais operacional até a mais intelectualizada, todas são
revestidas de um caráter genuinamente educativo, exigindo, portanto, planejamento e espírito de cooperação.
[...] O que importa, em essência e em última análise, como condição primordial, é a natureza do
trabalho cristão e o caráter de renovação do trabalhador empenhado na criteriosa execução do
mesmo.
Ante as necessidades que nos acossam e os problemas que nos rondam e desafiam, variáveis em
natureza e extensão, é de todo imprescindível que estejamos deveras compenetrados da natureza
de nossas responsabilidades doutrinário-administrativas e atentos ao esmerado cumprimento dos
456
KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 4, n. 11, nov. 1862, Viagem espírita em 1862. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2004.
457
Máter: causa, origem.
458
Precípuo: principal, essencial.
459
FRANCO, Divaldo. Diálogo com dirigentes e trabalhadores espíritas. Salvador: Candeia, 1980. Cap. 12, p. 23.
460
XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Estude e viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 14. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2015.
Cap. 39 — Espíritas, meditemos, p. 170.
461
______. ______. Cap. 36 — O espírita na equipe.
462
PIRES, Herculano. O centro espírita. São Paulo: Lake, 1992. Cap. 2, p.13.
174
deveres delas decorrentes, a fim de fazermos jus às bênçãos dos nossos maiores e podermos
atender àqueles que algo esperam, efetivamente, dos Centros Espíritas. 463
4. Reuniões Públicas
As reuniões espíritas podem, pois, ser feitas religiosamente, isto é, com o recolhimento e o respeito
que comporta a natureza grave dos assuntos de que se ocupa.; pode-se mesmo, na ocasião, aí fazer
preces que, em vez de serem ditas em particular, são ditas em comum, sem que, por isto, sejam
tomadas por assembleias religiosas.464
Considera-se uma reunião pública, palestras ou conferências sobre temas relacionados à Doutrina
Espírita, cuja finalidade é atender as necessidades de esclarecimento e consolação. Os frequentadores das
reuniões públicas devem estar cientes da relevância desta atividade, compreendendo a valiosa psicoterapia
que será aplicada em conjunto.
As reuniões espíritas são compromissos graves assumidos perante a consciência de cada um,
regulamentados pelo esforço, pontualidade, sacrifício e perseverança dos seus membros. 465
Além do mais, as reuniões públicas devem primar pela fraternidade operante e pelo desenvolvimento
da fé raciocinada, buscando trazer luz aos problemas da vida, do ser e do destino, resplandecendo a
consciência em vista de um mundo de regeneração.
Os Espíritos que nos cercam aqui são inumeráveis, atraídos pelo objetivo que nos propusemos ao
nos reunirmos, a fim de dar aos nossos pensamentos e forças que nasce da união. Ofereçamos aos
que nos são caros uma boa lembrança e o penhor de nossa afeição, encorajamentos e consolações
aos que deles necessitem. Façamos de modo que cada um recolha a sua parte dos sentimentos de
caridade benevolente, de que estivermos animados, e que esta reunião dê os frutos que todos têm
direito de esperar.466
463
GAMA, Alberto Nogueira da. Nos centros espíritas.In: Reformador, ano 98, n. 1.817, ago. 1980, p. 25(245).
464
KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). 3. ed. Brasília: FEB, 2014. Cap.
XXIII, p. 209.
465
FRANCO, Divaldo. Nos bastidores da obsessão. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 9. ed. Brasília: FEB, 2003. Examinando a
obsessão.
466
KARDEC, Allan. Instruções de Allan Kardec ao movimento espírita. (Org. Evandro Noleto Bezerra). 3. ed. Brasília: FEB, 2014. Cap.
XXIII, p. 213.
175
Anexo
Destaca-se entre os maiores médiuns e escritores espíritas. Suas obras caracterizam-se pela beleza da
linguagem, pela profundidade do conteúdo e pelo interesse que geram no público.
Dona de uma mediunidade prodigiosa, ela via e ouvia os espíritos, recebia mensagens escritas e
mantinha diálogos memoráveis com eles. O escritor português Camilo Castelo Branco, o compositor polonês
Frédéric Chopin e o escritor russo Léon Tolstói, eram alguns que a inspiravam nas suas obras.
Além de ter produzido obras notáveis por meio de sua mediunidade, como Memórias de um Suicida
e Ressureição e Vida, também escreveu de sua própria autoria títulos memoráveis da literatura espírita,
como Devassando o Invisível.
Ativa divulgadora do Espiritismo, procurou sempre vivenciar a mensagem que predicava, oferecendo
consolo e esclarecimento a todos os que a procuravam, sempre de forma absolutamente gratuita, como
recomendam as lições de Jesus e os postulados da Doutrina Espírita.
Atualmente , suas obras são um sucesso de vendas e ocupam posições de destaque no Brasil e no Exterior.
176
Adelaide Augusta Câmara – Aura Celeste (1874 – 1944)
Ela era protestante e aos 24 anos teve as primeiras manifestações mediúnicas. Teve contato com o
Espiritismo através do jornal O Paiz. Sob a orientação, do presidente da FEB, Bezerra de Menezes. Começou
a propagar a Doutrina Espírita fazendo conferências, receitando no Centro Espírita Ismael; logo ficou
conhecida pelo país. Nessa época o espiritismo era muito comentado pelas curas, pelos fenômenos, pelos
livros.....
Dois anos depois desencarna Bezerra e ela passa a trabalhar com Ignácio Bittencourt como
propagandista da doutrina, casa-se e diminui o ritmo da divulgação.
Em 1920 volta à tribuna e aos trabalhos mediúnicos. Trabalhou com o médico espiritual Joaquim
Murtinho realizando curas e desenvolve outros tipos de faculdades. Era possuidora das mediunidades de
incorporação, audição, vidência, psicografia, curadora, intuição, bilocação; realizava curas em vários lugares
do Brasil, através do desdobramento fluídico.
Foi ainda poetisa, conferencista, contista e educadora. Foi chamada pelo jornalista Leal de Souza, a
Musa espiritualista.
Em 1924 dedicou-se às crianças órfãos e à velhice desamparada. O confrade João Carlos angariou
donativos para a fundação da Instituição, mas desencarna. Sua tarefa máxima foi realizada no Asilo João
Evangelista.
Foi uma grande educadora que ensinava educando e educava ensinando pelo exemplo.
Personalidade muito além do seu tempo, educadora, literata, jornalista, patrocinadora das artes e
espírita praticante. Inovadora na pedagogia, liberal e humanista no comportamento, abolicionista e
republicana nas ideias, teve sempre conduta bondosa e fraterna, notável Anjo da Caridade. Foi pioneira no
movimento pela igualdade e emancipação da mulher.
Em 1913 decidiu criar mais uma unidade de sua obra que já contava mais de 150 escolas com asilos
e creches. Eram espalhadas pelo Estado de São Paulo e vizinhos. Escolheu o Rio de Janeiro como objetivo
por razões sentimentais. Faleceu em 1919 sem ter podido concretizar a decisão.
Coube a Francisco Antônio Bastos a missão de fundar essa instituição fluminense, o Asilo de Órfãs
Anália Franco em 1922.
Anália não teve filhos, mas foi uma grande Mãe, declarou certa vez que o valor da mulher “Não se
afere pela beleza aparente e atrativos exteriores, mas, sim, pelos grandes ideais que lhe enchem o cérebro e
pelos nobres sentimentos que lhe impulsionam o coração”. Também foi considerada A Grande Dama da
Educação Brasileira – O Anjo da Caridade.
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CONCLUSÃO
Finalmente, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro,
nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de qualquer
modo mereça louvor.
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