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A concentração histórica de vastas áreas territoriais (maiores que grande parte dos países
europeus) em mãos de uma parcela minúscula da população (o proprietário do
latifúndio), sempre serviu para concentrar riqueza, impedir a divisão de renda, a
formação de um mercado interno auto-suficiente. As terras improdutivas dos grandes
latifúndios impedem o abastecimento racional da própria população, garantindo a
permanência e a reprodução do atraso econômico e da miserabilidade (em uma palavra: a
fome).
Mas isso é sabido. O que é menos conhecido, e não é menos importante, é que a
formação cultural do povo brasileiro deserdado é também alvo de suas ações. Ações
incrivelmente bem sucedidas e dignificantes.
Nos acampamentos e nos terrenos ocupados pelo MST floresce tudo aquilo que a história
e o Estado brasileiro negaram à maioria do seu povo. O movimento educa. E educação
aqui não se confunde com doutrinação ou dogmatismo. Pessoas cuja história pregressa só
conheceu o analfabetismo, aprendem a ler, através da utilização revolucionária de um dos
maiores avanços educacionais da história da cultura moderna: o método Paulo Freire. A
cidadania cultural lhes chega através da escola, do ensino formal em todos os níveis. O
movimento propicia cursos com níveis de aprendizado mais altos que as escolas regulares
do Estado, desde a infância até o ensino universitário, em vários lugares do Brasil: desde
os mais pobres até os centros universitários que desenvolvem a ciência mais avançada e
aberta que o país possui. O MST já formou doutores.
Mas talvez o maior avanço desse movimento seja justamente o princípio norteador de
suas ações culturais que não separa formação política (voltada ao direito e à cidadania),
formação educacional e produção cultural e simbólica – livre e formalizada pela
sensibilidade coletiva.
Nesse caminho, produzem literatura, escrevem livros e poemas, dentro da tradição culta.
O MST sabe que na luta pelos direitos está o direito à literatura. O direito a ser letra e
palavra. Mas a concepção popular do movimento permite também que se retomem e
continuem experiências trazidas pela tradição cultural dos diferentes lugares que compõe
a fantástica multiplicidade cultural brasileira: literatura de cordel, desafios, repentes,
panfletos. Formas consagradas e comunicativas, em diferentes sotaques e timbres. Nesse
caminho também, os sons tradicionais são recuperados e revalorizados, contra uma
cultura de massas que os despreza ou os trata como mera mercadoria. O MST canta e
dança todos os sons do Brasil. Mas também cria novos sons, permite que nasçam novas
vozes.
Um dos maiores críticos de arte do século XX, o brasileiro Mário Pedrosa, dizia que a
mais sublime missão das artes era libertar as pessoas da opressão e da alienação que o
cotidiano da injustiça social lhes impunha como norma e naturalizava como efeito. Toda
a arte genuína, dizia o grande crítico, militante socialista por toda a vida, é e terá de ser
sempre um “exercício experimental da liberdade”. O exercício destas experimentações,
desta tarefa de lutar contra o comum, inclusive no campo da linguagem, da pura criação,
é o cotidiano da luta cultural do MST. A liberdade é sua meta. Uma meta generosa que
inclui todos aqueles que a história excluiu, no Brasil ou em qualquer outro lugar. A pátria
do MST são os desgraçados da terra. Sua cultura, é a cultura dos que buscam a graça da
terra e da arte, em qualquer parte do mundo.
Francisco Alambert, Doutor em História, professor de História Social da Arte da
Universidade de São Paulo. Crítico de arte, escreve em diversas publicações no Brasil e
no exterior. Entre outros livros, escreveu, em parceria com Polyana Canhête, Bienais de
São Paulo: da era do Museu à era dos curadores, que recebeu o prêmio Jabuti em 2005
na categoria ensaio sobre arte.