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Pautas e percursos formativos em rede

Anexo 3 – Concepções, experiências, percepções e crenças sobre o


Conselho de Classe e Série Participativo

Pesquisa realizada pela Fundação Lemann, em 2014, com 1000 professores da rede pública
concluiu que, entre os fatores que mais geram satisfação aos professores, a aprendizagem dos
estudantes é apontada como o elemento principal, tendo sido destacada por 72% dos
respondentes da pesquisa. Um dos momentos para se aferir a aprendizagem ou a não
aprendizagem dos estudantes em um dado percurso temporal é o momento do Conselho de
Classe Ano-Série.
O Conselho de Classe Ano-Série é um momento significativo da rotina escolar em que o órgão
colegiado de natureza consultiva e deliberativa analisa o resultado de todo o investimento
realizado ao longo de um período para tomadas de decisão sobre o ensino. Mas de que modo
esse momento pode ser um espaço que fuja da cultura da constatação e culpabilização para ser
um espaço de análise, discussão, compreensão dos resultados para uma tomada de decisão
conjunta visando à superação dos resultados insatisfatórios?
Dois elementos-chave são essenciais na conquista desse novo paradigma conforme a
Deliberação CEE 155-2017. O primeiro diz respeito à gestão participativa e o outro diz respeito
à prática pedagógica no momento do Conselho de Classe Ano-Série, de modo que a reorientação
do ensino tenha por norte o desenvolvimento das aprendizagens dos estudantes.
No que tange à gestão participativa, a Constituição Federal de 1988 normatiza, em sentido
amplo, o processo de gestão democrática:

Art. 206: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
VI – Gestão democrática do ensino público, na forma da Lei.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – 9394/96 reforça esse caráter normativo da
gestão democrática, no artigo 3º, inciso VII. Segundo a LDB, o ensino será ministrado com base
no princípio da garantia de:
VIII – Gestão democrática do ensino público na forma desta lei e da legislação
dos sistemas de ensino.

No âmbito da gestão escolar, a gestão democrática é vivenciada quando os membros da escola,


estudantes, professores, funcionários e as famílias se aproximam, dialogam e participam das
decisões, cuja ação conjunta potencializa a diminuição das desigualdades [de poder] entre eles.

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Nestes termos, a participação constitui-se uma forma de promover uma gestão mais
democrática de uma unidade social. Nesse sentido, o direito de aprendizagem se inter-relaciona
com os deveres assumidos, marcados pelos valores que medeiam essas relações somados ao
esforço conjunto estabelecido a partir da responsabilidade social que cada um de seus
respectivos membros assume em prol de um objetivo educacional comum.
Desse modo, entende-se que as instâncias de participação na escola, entre elas o Conselho de
Classe Ano-Série, constituem momentos de materialização da gestão democrática, uma vez que
gestores e demais membros da comunidade assumem o papel de participação efetiva nas
deliberações pedagógicas. Desse modo, a comunidade deixa de ser aquela que usufrui de um
serviço público essencial, que a tornaria mera espectadora passiva do processo de ensino-
aprendizagem, e passa a partilhar o poder nas tomadas de decisão também no âmbito
pedagógico que favorecem a aprendizagem dos estudantes. Esse espaço de tomada de decisão
participativa amplia ainda as possibilidades de os diferentes membros da comunidade, por meio
da participação nas decisões, assumirem a responsabilidade que cabe a cada ator social no
processo. Sendo assim, “[o Conselho de Classe] guarda em si a possibilidade de articular os
diversos segmentos da escola e tem por objeto de estudo o processo de ensino que é o eixo
central em torno do qual se desenvolve o processo de trabalho escolar” (DALBEN, 1995, p. 16).
No Conselho de Classe a construção de alternativas dos diferentes membros é determinante
para a busca de soluções conjuntas que concorram para a efetiva aprendizagem dos estudantes,
tão valorizada pelos professores. Sendo assim, para que o Conselho de Classe seja produtivo no
sentido de encontrar os caminhos possíveis para o sucesso dos estudantes é importante que
esse Conselho seja um momento para:
1- Ter em mente que a educação visa à formação integral do estudante em suas dimensões
cognitiva, social, cultural, física e afetiva. Nesse sentido, deve-se buscar no Conselho de Classe
superar a prática de avaliar apenas notas e comportamento. Os resultados das aprendizagens
dos estudantes expressos por meio de notas são insuficientes para representar quais foram as
dificuldades que podem ter comprometido as aprendizagens, assim como para demonstrar
quais foram os avanços alcançados. Um estudante pode ter tido desempenho bastante
discrepante nos diferentes componentes curriculares que, muitas vezes, intriga os próprios
professores. Por isso, é importante promover uma discussão também sobre os processos do
ensino: os objetos do conhecimento e as habilidades trabalhadas, em todas as dimensões da
formação integral, assim como os instrumentos utilizados para aferir os resultados, constituem
ricos elementos de análise que permitem aos professores fazer uma reflexão sobre como o
ensino foi desenvolvido e de que modo o resultado das aprendizagens está refletido ou não na
nota do estudante.

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2- Não permitir que o momento do Conselho vire um desabafo coletivo. É bastante comum
que no Conselho haja uma reflexão retrospectiva sobre os processos de ensino-aprendizagem.
No entanto, esse não pode ser um momento de culpabilizar o estudante pelo fracasso no
percurso, pois quando a escola faz isso ela perde a oportunidade de refletir também sobre os
processos de ensino, que são passíveis de serem sempre aperfeiçoados, e perde-se ainda a
oportunidade de identificar de que modo determinados estudantes com diferentes níveis de
conhecimento e de habilidades foram contemplados nos processos de Ensino. Quando o
Conselho vira um muro de lamentações, principalmente sobre o comportamento estudantil, é
como se nos rendêssemos a um estado de coisas, quando a nós cabe identificar os entraves e
criar estratégias de superação. Deixando de pensar em formas de superar as dificuldades de
aprendizagem, a escola acabaria por reproduzir as desigualdades sociais decorrentes da
exclusão.
3- Levar para o Conselho de Classe material que evidencia os avanços dos estudantes e turmas.
Alguns professores têm sido bem sucedidos na composição de diários de bordo e portfólios, que
são mais do que um repositório de avaliações e trabalhos, mas sim um registro feito por
professores e estudantes que evidencia os avanços dos estudantes naquele percurso de
trabalho. Esse material pode ser consultado pelo órgão colegiado para discutir os avanços e
dificuldades de cada estudante. Além disso, o envolvimento ativo dos estudantes na organização
do portfólio, ou diário de bordo, por si só constitui uma ação com potencial de estimular o
estudante a monitorar suas aprendizagens e identificar em que precisa avançar.
4- Identificar os conhecimentos e habilidades que os estudantes já possuem e o respectivo
nível de proficiência. Muitas vezes, corre-se o risco de, no Conselho, realizar um julgamento do
estudante, criticar seu comportamento e discorrer sobre a ausência de conhecimentos prévios
em vez de identificar qual é o ponto de ancoragem, ou seja, aquilo que ele já sabe e no que ele
pode avançar. A identificação desses pontos de ancoragem é essencial para que, em sala de
aula, os professores possam organizar agrupamentos produtivos ou mesmo planejar atividades
específicas para estudantes com dificuldades de aprendizagem em algum objeto do
conhecimento.
5- Deixar de valorizar evidências que denotam avanços. Mesmo que o estudante tenha tido
dificuldades no processo, ele avançou em alguns pontos, mas nem sempre isso é valorizado, o
que também gera desmotivação por parte dos estudantes e suas famílias. A devolutiva das
atividades e uma análise dos avanços conquistados são elementos que têm potencial para
engajar os estudantes no monitoramento de suas aprendizagens, o que amplia as possibilidades
de avanço.

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6- Concluir que o resultado da aprendizagem dos estudantes expresso na nota é definitivo. A


crença no potencial do estudante é o motor que impulsiona o professor a oferecer diferentes
recursos e oportunidades para que o estudante aprenda. Sendo assim, ter a certeza de que um
resultado insatisfatório pode ser superado é o princípio básico que atribui sentido ao movimento
de superação em que esse órgão colegiado deve se embasar. Por isso, é necessário que sejam
oferecidas novas oportunidades para que o estudante aprenda o que não conseguiu num
determinado momento. Retomadas constantes são determinantes para isso. Para tanto, o
professor pode no decurso do bimestre subsequente planejar aulas considerando os diferentes
níveis de conhecimento e proficiência da turma.
7- Entender o trabalho docente como um trabalho solitário e exclusivo. É preciso mudar a
cultura profissional da docência marcada pelo isolamento e pela superação solitária das
dificuldades. Quando a equipe trabalha em conjunto na busca por soluções, ampliam-se os
saberes e as habilidades dos professores para criar ambientes com potencial para fazer os
estudantes avançarem. Ter a crença no potencial dos pares para nos ajudar a ter outros olhares
para os estudantes, assim como no potencial do grupo para construir diferentes e inovadoras
soluções para os problemas, é uma premissa que pode sustentar a permanente busca pelo
aperfeiçoamento das práticas e a consequente aprendizagem dos estudantes.
8- Terminar o Conselho sem um plano de ação. Ao final de toda reunião de colegiado é essencial
ter um plano com os encaminhamentos. É imprescindível que os diferentes membros assumam
responsabilidades sobre o processo. Essa aproximação e deliberação coletiva têm poder de
diminuir as desigualdades entre os próprios membros, uma vez que os diferentes atores
assumem responsabilidades que lhes são cabíveis.
9- Engajar os estudantes nas aprendizagens. O conselho de classe também é um momento para
que aqueles que zelam pelas aprendizagens dos estudantes, professores, gestores e familiares,
assumam coletivamente o compromisso de apoiar e desafiar os estudantes para que avanços
ocorram. Consultar os estudantes e compartilhar as decisões mais específicas com eles é uma
forma de engajar o estudante no alcance dos objetivos a ser alcançados. Quando o estudante
participa desse momento do Conselho de Classe tendo a oportunidade de também expor sobre
como aquele resultado espelha a sua aprendizagem, analisando o que dificultou a
aprendizagem, ele acaba por refletir sobre seu percurso e assume responsabilidades sobre o
processo futuro. Furtar do estudante qualquer dessas etapas compromete o processo de
amadurecimento gradativo que o leva a valorizar o conhecimento como um bem em si mesmo.
10- Compartilhar as decisões pedagógicas com os responsáveis e discutir com eles quais são
as ações que as famílias podem assumir na sua parcela de contribuição com os processos de
aprendizagem. Em muitos Conselhos Participativos os pais adotam, por questão cultural, uma

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postura passiva. A superação desse comportamento pode ser alcançada quando os pais
assumem responsabilidades sobre o processo por si mesmos, sem que haja necessariamente
indicações dos professores sobre o que deve ser feito. Quando as famílias deliberam
conjuntamente, elas se comprometem com as decisões tomadas e apoiam o estudante no
monitoramento da aprendizagem, o que tem potencial para gerar maior engajamento. Nem
sempre esse processo é simples, uma vez que é uma cultura a ser construída, o que vai requerer
investimentos contínuos para sua efetivação.
Professores e gestores certamente possuem outras indicações para que o momento de
Conselho de Classe seja um momento ímpar de possibilitar que a gestão participativa aproxime
ainda mais as famílias, os estudantes, a gestão e o corpo docente com vistas a garantir o direito
à aprendizagem. Fica o convite!

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 16 mar.
2020.
DALBEN, Ângela Imaculada Loureiro de Freitas. Conselhos de Classe e avaliação: perspectivas na gestão
pedagógica da escola. Campinas: Papirus, 2004.
FUNDAÇÃO LEMANN. Conselho de Classe. 1ª ed. 2014. Disponível em:
https://fundacaolemann.org.br/storage/materials/8Apd1Gn7RxiYqAJWKyrl6WFpfN4iFYimYx1v90Vl.pdf.
Acesso em: 16 mar. 2020.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional
- Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
Acesso em: 16 mar. 2020.
LÜCK, Heloisa. Dimensões da gestão escolar e suas competências. Curitiba: Editora Positivo, 2009.
SEMIS, Laís. 10 problemas comuns no conselho escolar que você precisa evitar. Gestão escolar, 1 abr.
2016. Disponível em: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1910/10-problemas-comuns-no-conselho-
de-classe-que-voce-precisa-evitar. Acesso em: 16 mar. 2020.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Educação/Conselho Estadual de Educação. Deliberação 155-2017.
Dispõe sobre avaliação de alunos da Educação Básica, nos níveis fundamental e médio, no Sistema
Estadual de Ensino de São Paulo e dá providências correlatas. Disponível em:
http://www.escoladeformacao.sp.gov.br/portais/Portals/84/docs/cursos-
concursos/ingresso/supervisor-de-
ensino/Anexo%20E22_DELIBERA%C3%87%C3%83O%20CEE%2015517.pdf. Acesso em: 16 mar. 2020.

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