As transformações socioambientais na bacia hidrográfica do

Utinga: agravantes para os lagos Bolonha e Água Preta

FABRÍCIO CÉSAR DA COSTA RODRIGUES*
LIDIANE OLIVEIRA MATOS**

Resumo: Devido à pressão urbana em decorrência da urbanização crescente e

desordenada, essa bacia hidrográfica vem sofrendo paulatinamente impactos
ambientais significativos, dificultando sua preservação e manutenção. Hoje, essa
problemática depende diretamente da conversação e do acordo entre o poder
público e as organizações populares. O estudo discorre ainda sobre os problemas
ambientais, como o comprometimento da qualidade dos recursos hídricos. Nesse
contexto, conclui que a problemática do abastecimento de água para a população
metropolitana de Belém ocasiona consequências agravantes, em decorrência das
ocupações desordenadas, ou seja, do processo de periferização urbana no seu
entorno, que é um dos causadores da contaminação da referida bacia
hidrográfica.
Palavras-chave: Utinga; Impacto Ambiental; Bacia Hidrográfica.
The transformation social environment in the watershed from Utinga:
aggravate for the lakes Bolonha and Água Preta
ABSTRACT: Due to urban pressure motivated by the growing and disorderly
occupation, this watershed has suffered gradually significant environmental
impacts, hindering its preservation and maintenance. However, government
actions have not been effective and the situation tends to worsen progressively.
Today, this problem is directly dependent on dialogue and agreement between
the government and popular organizations. This study also discusses the
environmental problems that affect the quality of water resources. In this context,
it is concluded that the problem of water supply for the metropolitan population
of Bethlehem causes serious consequences due to the disorderly occupation, the
urban periphery process in its surroundings, which is one of the causes of
contamination of the basin river.
Key words: Utinga; Environmental impact; Hydrographic basin.

*
FABRÍCIO CÉSAR DA COSTA RODRIGUES é Mestre em Gestão de recursos naturais e
desenvolvimento local na Amazônia pelo Núcleo de Meio Ambiente da Amazônia-NUMA/UFPA.
**
LIDIANE OLIVEIRA MATOS é licenciada em Biologia pela Universidade Federal do Pará-UFPA;
Especialista em Gestão de Cidade Sustentabilidade (UFPA) e em Gestão Estratégica pelo ESTACIO FAP.

31
Introdução
O referido artigo tem por objetivo
analisar as dimensões dos impactos
ambientais nas reservas do Utinga, que
vem alterando drasticamente a público está adotando para resolver o
composição hídrica dos lagos Bolonha e
Água Preta que abastecem a população
de Belém. O interesse na questão se deu
a partir da constatação de tal
problemática que apresenta uma
densidade demográfica considerável.
Parte do abastecimento de água do
município de Belém - PA provém da
Bacia Hidrográfica do Utinga, através
dos lagos Bolonha e Água Preta.
Este artigo está organizado em três
seções: a primeira trata sobre a
hidrologia da região. Devido à expansão
populacional do município, atualmente a
área desses lagos encontra-se cercada de
bairros residenciais desprovidos de
saneamento básico, que constituem uma
fonte potencial de contaminação do
subsolo. Por esse motivo, é necessário
que se conheça a hidrogeologia da área,
a fim de se avaliar o perigo real da
contaminação subterrânea, gerada pelas
residências, chegar às águas dos lagos.
Esta seção utiliza argumentos de autores
como Tucci e Bertoni (2003), que falam
da contaminação em área urbana, e de
Alexandre Bordalo (2006) abordando a
pressão urbana que o manancial do
Utinga sofre e ainda sobre a poluição
hídrica na cabeceira dos lagos.
A segunda parte aponta para a
deficiência da água potável em Belém e
áreas adjacentes. Tanto o crescimento
populacional desordenado quanto a falta
de saneamento básico e o esgoto
despejado sem nenhum tratamento são
fatores que implicam na qualidade da
água captada da bacia que abastece a
Região Metropolitana de Belém-(RMB)
e, consequentemente, na saúde da
população.
A terceira seção destaca-se o papel das
políticas públicas no contexto da
problemática do abastecimento de água
para a população de Belém. Nessa parte,
abordam-se as medidas que o poder
problema da degradação da qualidade da
água e da falta dela em alguns bairros da
RMB, bem como verificam-se as
melhorias socioambientais que se obtêm
quando são obedecidas às leis vigentes
de saneamento e suprimento hídrico e a
disponibilidade dos recursos naturais nos
referidos lagos que atendem a cidade.
Em decorrência da necessidade de
suplementação com água bombeada do
rio Guamá, o mesmo tende a desaparecer
dentro dos próximos anos. Assim, o
governo do Pará precisa adotar medidas
concretas para defender os interesses do
Estado, visando não apenas à
preservação de suas riquezas naturais,
mas empregando-as como fonte, o que é
considerado como um bem estratégico.
Para a realização da pesquisa, utilizou-se
conteúdos referentes à problemática
ambiental da bacia hidrográfica do
Utinga e procedeu-se a análise
documental, por meio de relatórios
consultados na COSANPA (Companhia
de Saneamento do Pará) e SEMA
(Secretaria Estadual de Meio Ambiente),
bem como realizou-se um levantamento
da bibliografia que trata sobre as
transformações socioambientais
ocorridos na bacia hidrográfica do
Utinga.
1. Hidrologia da Bacia hidrográfica do
Utinga
A área que abrange Belém e Ananindeua
localiza-se em uma típica região
estuarina, correspondendo ao estuário
Guajarino, parte integrante de outro
maior, o Golfão Marajoara, situado na
foz do Amazonas. O estuário Guajarino
caracteriza-se por ser um ambiente
32
fluvial com influências marinhas e
forma-se na confluência dos rios Pará,
Acará e Guamá. O rio Guamá, situado ao
sul de Belém, apresenta grande interesse
no que diz respeito ao abastecimento de
água de Belém (MATTA, 2004).
A bacia hidrográfica do Utinga, (termo
indígena que significa “quantidade de
água, nascentes e rios”) está localizada
no interior do Parque Ambiental de
Fonte: Os autores, 2018.
A bacia hidrográfica do Utinga possui
uma área de 8.989.500 m². Os lagos
Bolonha e Água Preta, localizados em
seu interior são responsáveis por 75% do
abastecimento da população de Belém
(COSANPA, 1983). Devido à pressão
urbana e ocupação desordenada essa
bacia hidrográfica vem sofrendo
impactos ambientais crescentes,
dificultando sua preservação
manutenção. Com a expansão da
urbanização das cidades brasileiras,
diversas ações alteraram os elementos
naturais dos rios que fazem parte da
Belém, ao sul dos limites dos bairros do
Souza e a leste do bairro da Terra Firme,
na área conhecida como Utinga,
pertencente ao município de Belém. É
formada pelos igarapés Murucutu e Água
Preta, pelos lagos Bolonha e Água Preta,
áreas urbanas irregulares e suas áreas de
proteção ambiental no seu entorno
(Figua1).
bacia hidrográfica, aumentando a
quantidade de água que é levada para os
rios em um determinado espaço de
tempo. Os rios, por sua vez, tiveram a
sua capacidade de vazão diminuída pela
modificação de sua morfologia, pela
ação antrópica e pela ocupação
desordenada de suas margens,
aumentando as possibilidades de
e inundações e a constância desses
fenômenos.
Dessa forma, é notória a construção de
edificações em áreas de preservação
urbanas por empresários do capital
33
imobiliário, a fim de aproveitar e
revitalizar o potencial da localização
privilegiada “e o valor agregado que
essas terras alcançam quando passam a
possuir função urbana. Muitas vezes os
rios estão atravessando áreas bastante
valorizadas do ponto de vista do capital,
e sem a devida fiscalização por parte do
poder público e da população”
(ZANLUCA, INÊS, 2014, p.3).
Nessa análise hidrogeológica da área,
observa-se que após obter-se um
diagnóstico ambiental dos mananciais
dos lagos Bolonha e Água Preta, que
pesquisas ressaltam a pressão urbana
sobre estes mananciais. O aumento da
densidade demográfica nas quatro
últimas décadas, decorrentes, sobretudo,
da migração urbana dos municípios da
Zona Bragantina e do Salgado paraense
em direção a Belém, forçou a instalação
de núcleos urbanos pela área periférica
da cidade.

O lago Bolonha, em razão de estar em expansão no interior da RMB, bem como o lago
Água Preta podem estar comprometidos pela eliminação desenfreada da cobertura
vegetal, a qual aumenta o escoamento superficial e o carreamento de sedimentos para os
lagos, a isso soma-se também o acúmulo e lançamento irresponsável de resíduos (sólidos
e líquidos) pelas populações residentes dos novos bairros periféricos1 (Figura 2) surgidos
às proximidades dos mananciais de abastecimento.

Figura 2: Bairros periféricos próximos aos mananciais de água de Belém.

Fonte: https://www.google.com.br/periferiadebelem: a terra é firme, mas, não muito, 26/06/16. Acesso em,
13 dez. de 2017.

1
É um espaço produzido socialmente, onde se reproduz a força de trabalho de baixo poder aquisitivo,
definindo ambientes segregados no conjunto do espaço urbano (TRINDADE JR. 1998, p. 123)

34
Desse modo, os problemas decorrentes
da ocupação sem planejamento adequada
e desprovida de rede de saneamento
afetam diretamente os mananciais do
Utinga (lagos Bolonha e Água Preta),
principais fontes de abastecimento de
água potável da cidade de Belém,
podendo, assim, vir a comprometer
qualidade das águas superficiais destes
lagos. Todavia, segundo pesquisas
realizadas, pelo menos, por enquanto,
não foram registrados valores alarmantes
em relação aos indicadores físico-
químicos. “Os parâmetros turbidez e cor
apresentaram-se dentro do limite
permitido pela Resolução CONAMA nº
20/86.
O manancial do Utinga, formado pelos
lagos Água Preta e Bolonha, está hoje
cercado por invasões urbanas. Em vários
pontos, as casas estão localizadas a
poucos metros de distância das margens,
o que propicia o despejo de dejetos na
fonte primária da água que, depois de
tratada, vai chegar à casa dos
consumidores.
Tais invasões realizadas de forma
desordenada passam a ser ocupadas pela
população de baixa renda acaba
ocupando as áreas de preservação pela
falta de acesso à terra urbana nas áreas
centrais, devido ao elevado preço desses
imóveis. Dessa maneira, a população
com menos condições financeiras ocupa,
muitas vezes, áreas irregulares que não
seriam passíveis de receberem
construções por serem áreas de
preservação ambiental ou de risco. Isso
resulta em ocupações clandestinas e
contribui para causar impactos
socioambientais que se agravam ao
longo do tempo.
Sucessivas advertências vêm sendo feitas
por pesquisadores, do próprio governo e
de instituições científicas como a
Universidade Federal do Pará (UFPA),
sobre os riscos de contaminação do
manancial do Utinga.
As ações governamentais, porém, não
têm correspondido ao que seria uma
resposta ideal, não são suficientes para
dar ao problema uma solução definitiva e
a situação tende a se agravar
progressivamente. Mesmo a tentativa de
isolar a área, através da construção de
um muro de contenção, tem esbarrado
em dificuldades enormes. Há reações
muito fortes por parte de moradores das
áreas ocupadas, quase sempre com apoio
de organizações sociais e grupos
políticos, que sobre este aspecto
demostram completo desinteresse em
relação ao futuro da cidade relegada à
sorte de seus habitantes, políticos e
ONG’s de esquerda com forte ignorância
ambiental.
O agravamento do grau de
vulnerabilidade de contaminação dos
seus aquíferos é decorrente, sobretudo,
de uma deficiente infraestrutura
sanitária, encontrada principalmente nos
inúmeros conjuntos habitacionais e nas
áreas de ocupação irregulares no entorno
da bacia hidrográfica do Utinga que
foram beneficiados com a
macrodrenagem, incluindo os bairros que
fazem parte dessa bacia. Observa (Figura
3).
35
Figura 3: Bairros beneficiados com a macrodrenagem da Bacia hidrográfica do UNA.
Fonte: Mapa adaptado da Base digital do IBGE (2016) e PMB (2015).
Entende-se que o projeto de
macrodrenagem, enquanto uma projeção
histórica do saneamento em Belém
articula experiências e investimentos
urbanos que ganham expressão no
contexto das transformações de relação
dos habitantes de Belém com a Bahia do
Guajará prevenindo o alagamento das
casas por ocasião de elevações da maré.
No contexto do Projeto de
Macrodrenagem é importante considerar
a participação dos moradores no
planejamento urbano, dos movimentos
sociais organizados e os
encaminhamentos políticos que possam
comprometer os interesses da maioria da
população que se encontra em estado de
vulnerabilidade social. Sendo assim, é
necessário, antes de qualquer projeção
urbana, a transparência de ações e o
cumprimento dos planos de execução,
respeitando os prazos estabelecidos
(ZANLUCA, INÊS, 2014).
O rio Guamá margeia a cidade de Belém
ao sul e deságua na baía de Guajará,
possui águas pouco transparentes, com
grande quantidade de material argiloso
em suspensão, proveniente de atividades
erosivas em suas margens, tornando suas
águas turvas de coloração amarelada.
Sua importância se encontra no fato de
que a COSANPA (2000) posicionou em
seu leito uma adutora (agora duplicada),
que direciona a água deste rio para seus
reservatórios naturais, compostos pelos
lagos Bolonha e Água Preta (BAHIA,
2003). A água do rio Guamá é captada,
36
recalcada e aduzida até o lago Água
Preta, cujo volume de armazenamento é
de 10,55 x 106 m3, escoando por
gravidade através do canal Água Preta –
Bolonha até o lago Bolonha, com um
volume de armazenamento de 2,1 x 106
m³ (MATTA, 2004).
Os lagos são utilizados para três
finalidades básicas: a) armazenar água
durante o período de menores
precipitações pluviométricas, quando a
demanda de água pela população é
aproximadamente igual ao volume
distribuído; b) diluir as maiores
concentrações de cloreto, quando a
composição da água do rio Guamá é
afetada pela elevação do nível de água
do Oceano Atlântico; e c) melhorar a
clarificação da água armazenada, devido
à sedimentação.
Deficiência de água potável em Belém.
De acordo com noticiários do Jornal
Diário do Pará (2012), a cobertura de
abastecimento de água na Região
Metropolitana de Belém é insuficiente
para atender à demanda. A própria
Companhia de Saneamento do Pará
(COSANPA) admite a deficiência e
busca alternativas para minimizar o
problema. “A gente reconhece que há
necessidade de ampliar bastante a
cobertura”, diz o diretor de Expansão e
Planejamento da COSANPA, Alfredo
Barros (2012).
Atualmente, a COSANPA utiliza dois
tipos de captação de água: a superficial e
a subterrânea. A primeira, que atende
parte da Região Metropolitana de Belém,
vem diretamente do rio Guamá e é
tratada no Bolonha. É um sistema que,
segundo previsões mais ou menos
otimistas, pode dar conta de abastecer a
RMB por entre 20 a 50 anos, no
máximo. O outro sistema é o das águas
subterrâneas. O perigo atual é a
contaminação desses aquíferos, caso não
haja cuidados maiores na perfuração de
poços (DIÁRIO DO PARÁ, 2012).
Segundo Barros (2012) assevera que há
três eixos ou demandas urgentes para
atendimento com a máxima brevidade:
“No entorno da rodovia Augusto
Montenegro, a BR-316 e o que a
COSANPA chama de eixo-
aeroporto. Em todos, há um aumento
significativo de condomínios
residenciais e de empreendimentos
comerciais. A demanda tem crescido
exponencialmente, o sistema é
isolado, não é integrado” cita o
(Diretor de Expansão e
Planejamento da COSANPA).
Isso significa que há poços cavados
pelos próprios condomínios e os poços
que foram construídos pela COSANPA
(2000). Os primeiros costumam não
obedecer à profundidade ideal, de pelo
menos 250 metros. Já as instalações de
poços da COSANPA (2000), seguem
essa norma técnica e captam a água
diretamente do aquífero Pirabas, onde a
cidade de Belém está situada.
Estima-se que aproximadamente 100 mil
pessoas vivem hoje na área de influência
da Augusto Montenegro. Suprir essa
demanda tem se tornado um desafio
crescente. Algo semelhante está prestes a
ocorrer na rodovia BR-316, que
rapidamente tem-se transformado em
opção para as construtoras. Condomínios
horizontais começam a surgir cada vez
mais rapidamente.
No eixo aeroporto, além de condomínios
residenciais, há a construção de
empreendimentos como um grande
shopping center. A solução mais
imediata adotada pelo Governo do
Estado para dar conta desses três eixos
de atendimento tem sido elaborar
projetos visando obter recursos tanto do
Banco Nacional de Desenvolvimento
(BNDES) quanto do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC).
37
O problema da precariedade do sistema
de saneamento básico em Belém, não
ocorre só nos bairros localizados no
entorno dos mananciais da região
metropolitana de Belém. “Ele é um
problema gravíssimo em toda a RMB, no
Pará, na Amazônia, no Brasil e no
mundo todo” (BORDALO, 2006, p.
190).
3. O papel das políticas públicas no
contexto da problemática do
abastecimento de água para a
população metropolitana de Belém.
Belém é considerada a segunda cidade
mais populosa da região Norte do Brasil
e o município da maior extensão
metropolitana da Amazônia. A cidade
apresenta uma população, estimada no
último censo do IBGE (2014), de
1.452.275 habitantes, e possui uma taxa
de urbanização de cerca de 99,53%.
Diante de uma abundância de água doce
presente no entorno de Belém, existe a
escassez de água potável na RMB. Trata-
se de um grande paradoxo regional.
Como consequência da expansão urbana,
aumenta a demanda por serviços
públicos de água potável, esgotamento
sanitário, drenagem pluvial, limpeza
pública, etc.
Quanto às políticas públicas de uso e
aproveitamento dos recursos hídricos e
da gestão de saneamento básico,
configuram-se como um grande desafio
para a sociedade paraense. Dessa forma,
tornam-se evidentes que as exponenciais
dimensões da problemática relativa à
implantação e expansão da Estação e
Tratamento de Esgoto (ETE) e drenagem
das águas superficiais através do
Programa de Ação Social em
Saneamento (PROSEGE).
Percebe-se que, tanto a infraestrutura
obsoleta quanto as características
populacionais em crescimento e os
serviços de abastecimento dos distritos
de Belém são bastante distintas. Trata-se
de uma “herança” construída
historicamente, marcada pela
desigualdade social presente no espaço
urbano. Chama a atenção, no entanto,
que as condições precárias não estão
presentes apenas nas áreas periféricas e
de expansão, mas também que se
destacam nas áreas centrais e nas suas
proximidades.
Diante desse quadro crítico, expresso
pela ausência de uma política pública
eficiente e pela inexistência de uma rede
geral de esgoto de qualidade para servir
dignamente a cidade, é notável o
potencial risco de degradação dos
mananciais e de disseminação de
doenças daí decorrentes, situações estas
muito frequentes em determinadas áreas
mais carentes, não atendidas pelo
sistema público de abastecimento de
água.
Considerando dados do Distrito
Administrativo do Município de Belém
(2000), mesmo em áreas cobertas pelo
sistema de abastecimento, a falta de rede
de esgoto também pode provocar
contaminação e poluição quando os
dejetos entram em contato com as
tubulações rompidas submersas no
lençol freático. Nesse sentido, para os
autores supracitados, esses problemas
podem estar relacionados a vários
fatores, entre eles, destacam:
Estrutural: tubulações antigas e
dificuldades correntes de
manutenção dessas tubulações.
Operacional: falta de recursos
financeiros e tecnológicos para a
manutenção e modernização do
sistema. Cultural: parece igualmente
precária a tomada de consciência da
população belenense sobre o uso e
desperdício de água (FENZL et al.,
2010).
Os mesmos autores destacam ainda que
os hábitos perdulários da população são
38
responsáveis por 6,8% dos desperdícios
por vazamento. Nesse aspecto, os dados
de saúde pública refletem as condições
de instabilidade na saúde das populações
dos distritos periféricos. Cabe aqui um
desafio que nos propomos a analisar: de
como a participação popular coletiva tem
reagido a esses problemas,
principalmente nas zonas populacionais
mais periféricas, ocupando áreas
impróprias ou de forma inadequada
(invasões e ocupações).
Ainda existe outra problemática atinente
quanto à construção do aterro sanitário
do Aurá, considerado como sendo o local
mais apropriado para depósito de
resíduos sólidos, uma vez situa-se não
muito distante de Belém e das cidades
vizinhas da RMB. O referido aterro
sanitário contribui de forma impactante
com o despejo de chorume gerado no
lixão, que acaba contaminando e
degradando a qualidade da água que
abastecem a capital. Em função disso
esta área do aterro foi anexada também à
área de Proteção Ambiental - (APA-
BELÉM) para que o mesmo fosse
fiscalizado de perto, e assim que não
houvesse a possibilidade de
contaminação dos mananciais de Belém
(SEMA, 2012).
O impacto positivo da participação
popular, quanto à realização de
denúncias junto ao Ministério Público do
Estado (MPE / PA) de uma possível
poluição ambiental, causada pelo
chorume oriundo do lixão, como nos
poços das comunidades ao redor,
podendo implicar numa proposta
participativa cidadã e sociopolítica, e por
outro viés, reivindicar um paradigma de
uma gestão pública do governo do
Estado eficiente que seja capaz de
superar o caráter utilitarista e clientelista.
Se atentarmos para o fortalecimento das
práticas populares e de cidadania
segundo preconiza Jacobi (1990) há de
se manifestar uma nova qualidade de
cidadania a qual pressupõe o cidadão
como criador de direitos na possibilidade
de abrir espaço de participação
sociopolítica sustentável.
A sustentabilidade desse processo
depende de vários fatores, como: a
otimização, a eficiência, a racionalização
e a manutenção de cada unidade do
sistema de distribuição e suas formas de
preservação e desenvolvimento para as
futuras gerações. Todos esses elementos
estão no contexto da gestão pública do
sistema de abastecimento da água
devendo ser aliados à participação de
sociedade civil. Destaca-se, porém, que
algumas alternativas podem ser
apresentadas com a utilização de
instrumentos contidos no Estatuto da
Cidade.
“A utilização compulsória, o IPTU
progressivo no tempo e a
desapropriação com títulos de dívida
pública criam sanções à retenção de
imóveis, podendo contribuir para
aumentar a oferta de imóveis nas
áreas urbanas, de maneira a regular
seu preço no mercado; a posse da
terra pode ser assegurada pela
Usucapião Especial Urbana; e a
criação de perímetros nos quais
sejam estabelecidos parâmetros
urbanísticos especiais para habitação
de interesse social menos restritivos
que os parâmetros das demais áreas
urbanas pode ser realizado através
da implantação de ZEIS (Zonas
Especiais de Interesse Social).”
(ZANLUCA, INÊS, 2014, p.12).
A questão agora é saber se a população
periférica residente no entorno do
Utinga, onde a ocupação urbana ocorre
vertiginosamente em grande parte, áreas
impróprias ou de forma inadequada
(invasão, áreas de periferia que
acarretam inúmeros problemas quais
sejam de ordem social, ambiental, de
saúde pública, etc.) está ciente de seus
39
direitos e dos princípios ético-políticos
da democracia. Nesse contexto, o
fortalecimento da democracia
potencializa as esferas da vida social das
camadas populares, bem como
considerar os agentes sociais do entorno
como parte importante deste sistema.
Assim, conforme Júnior et al. (2013)
“criando não só medidas direcionadas ao
Lago, como também às comunidades do
entorno”, possivelmente criando uma
política pública voltada para a questão
habitacional como forma de frear o
crescimento dos assentamentos precários
e da produção ilegal da cidade através de
projetos de urbanização com alternativas
estratégicas que não se limitassem à
construção de conjuntos com a remoção
e o reassentamento de famílias”.
Putnam (2000) considera que as práticas
sociais que constroem a cidadania
representam a possibilidade de se
constituir num espaço privilegiado para
se cultivar a responsabilidade pessoal, a
obrigação mútua e a cooperação
voluntária. Nesse sentido, a ampliação da
esfera pública manobra a sociedade com
a pretensão de almejar maior influência
sobre o Estado, bem como a limitação
deste, considerando que a autonomia
social pressupõe não só exceder a
harmonia no contexto da representação
social, mas também propor mudanças
nas relações que possibilitem à auto-
organização social (Grau, 1998).
De acordo com Wanderley e Raichelis,
(2003) embora as políticas públicas
sejam de competência do Estado, não são
decisões incontestáveis e concebidas por
pressão pelo governo para a sociedade,
mas pressupõem relações de
reciprocidade e conflitos entre essas duas
esferas. Portanto, mesmo considerando-
se a superioridade do Estado pela
condução das políticas públicas, a
participação ativa da sociedade civil nos
processos de definição e controle da sua
execução é fundamental para a
consolidação da sua dimensão
efetivamente pública. Para efetivação
dessas diretrizes é necessário que se
reduza a tendência do Estado, do poder
burocrático e de agentes sociais
privilegiados de monopolizar as esferas
de decisão política.
A importância das políticas públicas na
consolidação da democracia tornou-se
evidente quando a sociedade foi em
busca de formas de concretização dos
direitos de primeira geração, em
particular os direitos humanos. A esfera
pública é concebida como inerente à
democracia, cujo princípio organizativo
está precedido à liberdade de expressão,
contendo dimensões políticas e culturais,
espaço aberto no qual se exprimem todos
aqueles que se autorizam a falar
publicamente (WANDERLEY;
RAICHELIS, 2003).
Entende-se que as práticas sociais a
serem desenvolvidas pela sociedade
paraense periférica e que lhes são
inerentes relacionam-se com a
solidariedade e vão ao encontro de
direitos e deveres. Dessa forma, a
ampliação da esfera pública ocasiona
uma demanda à sociedade para obtenção
de uma maior influência sobre o Estado,
tanto como de sua limitação e
burocratização, assim como visa
modificar as relações sociais em favor da
auto-organização social (GRAU, 1998).
A representação das camadas populares
para alcançar um sistema de
abastecimento de água de Belém de
forma digna depende de um grande
esforço de organização e de comissões
de planejamento, capazes de criar
condições para influenciar a dinâmica de
funcionamento de um órgão do Estado.
Acredita-se que essas camadas precisam
amadurecer uma nova cultura política
cidadã, além de adotar práticas
participativas inovadoras que se
40
institucionalize, centradas em questões
solidárias e éticas ou de uma nova
civilização.
No Brasil, a questão da cidadania,
segundo Jacobi (2008 p.446): “se centra
nos obstáculos à sua extensão,
decorrente da cultura política tradicional
e das perspectivas da sua
transformação”. Existe na atualidade no
Brasil, um novo paradigma de cidadãos
emergentes, que se recusam a
permanecer condicionados e demostrando
predefinidos social e culturalmente.
O que se percebe também é que sobram
recursos financeiros e faltam decisões
políticas que possam atender aos
interesses da população. Uma das
soluções pensadas para se resolver os
problemas de abastecimento de água na
Grande Belém segundo o Diário do Pará
2012, é estender o sistema de
abastecimento do lago Bolonha. Há
recursos previstos para isso, pelo menos
no papel. Sob a rubrica do Programa de
Aceleração do Crescimento-(PAC),
através do qual onde o governo teria a
possibilidade de utilizar R$ 558 milhões.
Por outro lado, a comunidade também
não colabora, com a falta de coleta
regular de detritos, os moradores do
entorno do lago continuam jogando lixo
por cima do muro de isolamento ou
queimando-o. Por esse motivo, a
implementação de políticas públicas de
uso e aproveitamento dos recursos
hídricos mais eficientes e uma gestão de
saneamento básico continuam a ser uma
utopia para a sociedade paraense.
Considerações finais
O acelerado crescimento populacional na
periferia de Belém se deve ao fato de o
município possuir residências e terrenos
mais baratos nesses locais em relação à
capital, o que gerou um crescimento
desordenado, implicando em um
processo de favelização do município e,
assim, contribuindo para a degradação
do meio ambiente, devido à ocupação
sem critério observada no entorno do
manancial que se deu de forma
desenfreada e expandiu-se de modo a
não haver meios para contê-la, afetando
a pressão das fontes de abastecimento.
Considerando o impacto socioambiental
dos mananciais do Utinga, percebe-se
que os processos de avaliação e de
estudos de impactos na RMB estão
uma progressiva
diminuição na área de cobertura vegetal
dos reservatórios (Bolonha e Agua Preta)
tal situação está alterando de forma
significativa a dinâmica da expansão da
área urbana, e também dos
empreendimentos imobiliários,
comprometendo a disposição final de
resíduos sólidos (lixão do Aurá) da
RMB.
Atualmente, essa problemática pode ser
gerida e mediada entre o poder público e
as organizações populares, apresentando-
se um planejamento de gestão dos
recursos hídricos de forma eficiente. Ao
planejar tais questões, não pode deter-se
simplesmente aos fatores econômicos,
mas sim se deve focar prioritariamente
na questão do saneamento e do meio
ambiente.
As políticas públicas devem visar uma
melhor infraestrutura para acomodar
esses habitantes, assim como incentivar
uma conscientização que venha das
bases sobre a questão da preservação dos
mananciais e da vegetação do entorno.
Dessa forma, se não houver essa
preocupação nada adiantará elaborar leis
no papel e não pô-las em prática, as
mesmas devem ser outorgadas e
aplicadas, havendo punições severas às
partes que as infligirem, seja essa
infração por parte do poder público,
privado ou da própria população.
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