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A crise das

instituições
modernas
Objetivo:
é fazer uma análise das instituições modernas a
luz das dificuldades que essas instituições
possuem para desempenharem os seus
“papeis” hoje. Isso significa se perguntar: as
nossas instituições modernas ainda funcionam?
Elas cumprem o papel para o qual foram
desenvolvidas?
Por instituições modernas, tenho em mente
todas as instituições criadas no sec. XVIII e XIX,
que possuíam o intuito originário de
emancipação do ser humano, bem como
aquelas que cuja finalidade eram de organizar
e ordenar a vida em sociedade.

Que instituições são essas?

Universidade, o Estado (constitucionais), a


escola, o direito, o presídio, o hospital, o
hospício, a polícia e a fábrica.
Se fizéssemos a pergunta aqui: essas instituições
funcionam?

Parece que esse diagnóstico reflete a seguinte


opinião: as instituições não dão conta de suprir
as demandas sociais contemporâneas. Isso
indica que as sociedades sofreram uma
mudança, e que as instituições não conseguem
arcar com essa mudança.
Esse diagnóstico é o mesmo que Zygmunt
Bauman no livro Modernidade líquida. Para
o autor, as sólidas instituições modernas não
são capazes de suprir as demandas de uma
modernidade líquida (as sociedades
contemporâneas).
O que é interessante nessa metáfora de
Bauman é que os líquidos, ao contrário dos
sólidos, não conservam tão facilmente a sua
forma original

As características dos fluidos mostram, em linguagem


simples, é que os líquidos, diferentemente dos sólidos, não
mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer,
não fixam o espaço nem prendem o tempo.
Zygmunt Bauman -Modernidade líquida (2001)
Essa metáfora indica duas coisas: que existe uma
mudança, mas também existe alguma coisa entre
os estados que não muda, que permanece.

Para Bauman, o que permanece é a “tarefa do


derretimento”; e o que muda são os focos, os alvos desse
derretimento.

Para entendermos, o que não muda na modernidade, isto


é, essa “tarefa de derretimento”, precisamos entender o
discurso da modernidade. Pois, a tarefa de derretimento
é o aspecto central do discurso moderno. Ela foi e ainda é a
principal característica da modernidade, sólida ou líquida.
Se o “espírito” era “moderno”, ele o era na medida em que
estava determinado que a realidade deveria ser emancipada
da “mão morta” de sua própria história - e isso só poderia ser
feito derretendo os sólidos (isto é, por definição, dissolvendo o
que quer que persistisse no tempo e fosse infenso à sua
passagem ou imune a seu fluxo). Essa intenção clamava, por
sua vez, pela “profanação do sagrado”: pelo repúdio e
destronamento do passado, e, antes e acima de tudo, da
“tradição” – isto é, o sedimento do passado no presente;
clamava pelo esmagamento da armadura protetora forjada
de crenças e lealdades que permitiam que os sólidos
resistissem à “liquefação”.
Zygmunt Bauman -Modernidade líquida (2001)
A “tarefa de derretimento” possui o intuito de acabar com
as “amarras” e “obstáculos” que prendem e atrapalham a
liberdade. Na primeira fase da modernidade, essas
“amarras” e esses “obstáculos” eram a igreja e o rei, que
eram representações concretas do poder que existia nas eras
pré-modernas.
Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua
menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a
incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção
de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa
menoridade se a causa dela não se encontra na falta de
entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se
de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem
coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o
lema do esclarecimento [Aufklärung].
Resposta à questão: ‘O que é Esclarecimento – I. Kant (1784)
“A liberdade do homem em sociedade consiste em não estar submetido
a nenhum outro poder legislativo senão àquele estabelecido no corpo
político mediante consentimento, nem sob o domínio de qualquer
vontade ou sob a restrição de qualquer lei afora as que promulgar o
legislativo, segundo o encargo a este confiado. A liberdade, portanto,
não corresponde ao que nos diz sir R. F., ou seja, uma liberdade para
cada um fazer o que lhe aprouver, viver como lhe agradar e não estar
submetido a lei alguma. Mas a liberdade dos homens sob um governo
consiste em viver segundo uma regra permanente, comum a todos
nessa sociedade e elaborada pelo poder legislativo nela erigido:
liberdade de seguir minha própria vontade em tudo quanto escapa à
prescrição da regra e de não estar sujeito à vontade inconstante,
incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem.”

Segundo tratado sobre o governo civil – John Locke (1690)


Logo...
todas as instituições sociais modernas
deveriam estar imbuídas desse mesmo
espírito, isto é, o de concretizar a liberdade
dos seres humanos, o de emancipá-los das
amarras que os prendem a leis que não são
estabelecidas por eles próprios. Nem as leis
dos Reis, nem as leis da Igreja devem
conduzir os seres humanos, mas somente
as leis que eles mesmos estabelecerem.
Escola...
Cultivar, enfim, em cada geração, as
faculdades físicas, intelectuais e
morais e contribuir dessa forma para
o aperfeiçoamento geral e
progressivo da espécie humana,
derradeira meta a que deve visar
toda a instituição social, tal será
ainda o objetivo da instrução e este
é, para o poder público, um dever
imposto pelo interesse comum da A educação, dever da família e
sociedade e pelo da Humanidade do Estado, inspirada nos
inteira. princípios de liberdade e nos
Proposta da Comissão de
ideais de solidariedade humana,
Educação da Assembléia tem por finalidade o pleno
Legislativa Francesa – e desenvolvimento do educando,
apresentada por Condorcet,
(1792)
seu preparo para o exercício da
2§ da Lei de cidadania e sua qualificação para
diretrizes e bases
- LDB - 1996
o trabalho.
Hospitais... “Em meados do século XVII, o
lugar de internamento de onde
se justapõem e se misturam
“Teremos em Paris um hospital doentes, loucos, devassos,
único em seu gênero: o Hotel-Dieu; prostitutas etc., é ainda uma
em que se recebe a toda hora, sem espécie de instrumento misto de
distinção de idade, de sexo, país, exclusão, assistência e
religião. Se admite os enfermos de transformação espiritual, em
febres, os acidentados, os que a função médica não
contagiosos e os não contagiosos, aparece.”
os locos suscetíveis de tratamento, Foucault, O nascimento da clinica (1979)
as mulheres e as meninas grávidas:
é, portanto, o hospital do
necessitado e do enfermo, não
somente de Paris e da Francia, mas
de todo o universo”
Jacques Tenon, Mémoires sur les hôspitaux de Paris (1788)
Prisões... “os cárceres e as prisões não passam
de mansões onde grassam a miséria
e a fome, desprovidas de compaixão
e de sentimento de humanidade. As
“Aqui se vêem crianças de doze a catorze prisões são mais um suplício do que
anos escutar com ávida atenção as uma custódia do réu”
histórias contadas por homens de hábitos Marquês de Bonessana, 1774.
negativos, exercitados no crime,
aprendendo com eles. Deste modo, o
contágio do vício espalhava-se pelas
prisões que se convertiam em lugares de
“Para que toda a pena não seja uma
maldade que se difundia rapidamente
violência de um ou de muitos contra
para o exterior. Os loucos e os idiotas
um cidadão particular, deve ser
eram encarcerados com os demais
essencialmente pública, pronta,
criminosos, sem separação alguma,
necessária, a mais pequena possível
porque ninguém sabia onde os colocar.
nas circunstâncias dadas, proporcional
Serviam de cruel diversão para os outros
aos delitos, fixada pelas leis”
presos.”
John Howard, 1777 Cesare Beccaria, 1764
Mas...
porque, o esclarecimento, que na sua
concepção desempenharia uma função
emancipatória da humanidade, auxiliando os
homens no processo de autonomia, “em vez
de entrar em um estado verdadeiramente
humano, está se afundando em uma nova
espécie de barbárie”?

Adorno e Horkheimer, Dialética do esclarecimento- 1947


Embora no esclarecimento existisse o discurso
de destronar as instancias do poder que
impediam a liberdade, também se criou o medo
do caos e da violência. Por isso, a sociedade
moderna criou instituições tão solidas como as
pré-modernas. As escolas, o direito, a
universidade, o estado e as indústrias são vistas
como instituições que organizam e estabelecem
a ordem nas sociedades modernas. É sob este
aspecto que Bauman as denominou de
“modernidade sólida”.
“A modernidade nasceu sob o signo dessa
ordem: da ordem vista como tarefa sujeita ao
desejo racional e à supervisão constante e
sobre todas as coisas, a uma administração
exigente. A modernidade se empenhou tanto
a própria tarefa de fazer do mundo algo
administrável como administrá-lo tão
zelosamente.”
Zygmunt Bauman -Modernidade líquida (2001)
“Historicamente, o processo pelo qual a burguesia se tornou
no decorrer do século XVIII a classe politicamente dominante,
abrigou-se atrás da instalação de um quadro jurídico
explícito, codificado, formalmente igualitário, e através da
organização de um regime de tipo parlamentar
representativo. Mas o desenvolvimento e a generalização
dos dispositivos disciplinares constituíram a outra vertente,
obscura, desse processo. A forma jurídica geral que garantia
um sistema de direitos em princípio igualitários era
sustentada por esses mecanismos miúdos, cotidianos e físicos,
por todos esses sistemas de micropoder essencialmente
inigualitários e assimétricos que constituem as disciplinas.”
Michel Foucault, Vigiar e Punir - 1975
Uma das principais obras que “personifica”
a “tarefa de derretimento” é o escrito de
Michel Foucault Vigiar e Punir. Nele, o
autor, possui o objetivo apresentar uma
abordagem histórico-filosófica dos diversos
modelos de “punição” e “vigilância” no
decorrer dos últimos séculos. Essa análise
histórico-filosófica irá engendrar uma das
principais teses do autor: o “Panoptismo”.
Em busca da ordem...

No final do Séc. XVIII o filósofo e jurista inglês Jeremy


Bentham concebeu pela primeira vez a ideia do panóptico.
Para isto, Bentham estudou “racionalmente”, em suas
próprias palavras, o sistema penitenciário. Criou, então, um
projeto de prisão circular, em que um observador central
poderia ver todos os locais onde houvesse presos. Ele
também observou que este mesmo projeto de prisão
poderia ser utilizado em escolas, em hospitais e no
trabalho, como meio de tornar mais eficiente o
funcionamento daqueles locais.
A arquitetônica do Panóptico
estabelecia:
A despersonificação da figura do vigia;
A “automatização” do poder.

“Daí o efeito mais importante do “Panóptico”: introduzir do


detento um estado consciente e permanente de visibilidade
que assegura o funcionamento automático do poder”
Michel Foucault, Vigiar e Punir - 1975
Tal técnica não está confinada no interior do
Panóptico, mas possui por vocação uma função
generalizadora. A “arquitetônica do poder”,
representada pela figura do Panóptico, é aplicável e
foi aplicada, pelas “sociedades disciplinares”, por
todas as instituições que precisavam ordenar um
determinado número de pessoas. As escola, os
hospitais, as fábricas e as prisões são instituições
disciplinares.
Escolas...
Hospitais...
Fábricas...
As disciplinas, geradas através do exercício dos mecanismos
panópticos, organizam e ordenam os indivíduos. As
disciplinas fabricam comportamentos, age sobre os corpos e
os modificam segundo os seus interesses disciplinares. O
Panoptismo é um conjunto de técnicas que possibilitam a
ordenação dos corpos humanos no espaço e no tempo,
transformando os humanos em, segundo Foucault, em
“corpos dóceis”, úteis.

Desse modo, as instituições sociais, não foram desenvolvidas


com o único intuito de garantir a liberdade e os direitos
individuais, mas também o de gerar ordem e produzir
comportamentos socialmente úteis.
“Ética do trabalho”
Para Bauman, a ética do trabalho é uma norma de vida da
modernidade sólida com duas premissas básicas:

1) É preciso trabalhar para ter e é preciso trabalhar cada vez


mais para ter mais;
2) O trabalhador não deve esmorecer, pelo contrário, o
trabalho deve estimular o trabalhador.

Dessa forma, o trabalho assume um valor em si mesmo. Na


“modernidade sólida” trabalhar é o estado normal do ser
humano. As instituições sociais devem produzir humanos
trabalhadores, prontos para serem utilizados socialmente.
“Estética do consumo”

“Viajar esperançosamente é na vida do


consumidor muito mais agradável que chegar. A
chegada tem esse cheiro mofado de fim de
estrada, esse gosto amargo de monotonia e
estagnação que poria fim a tudo aquilo pelo que
e para que vive o consumidor.”
Zygmunt Bauman -Modernidade líquida (2001)
Por isso, para Bauman,o valor não é mais ético, e sim
estático. O valor é medido pela intensidade que
temos o instante em que ocorre o consumo. Não
existe mais a espera do retorno do trabalho, em
forma de salário. Esse retorno, essa espera podem ser
apreçados pelos diversos mecanismos de incentivo ao
consumo. A espera não é mais um valor: por que
esperar se posso ter agora?
Deleuze - “Post-scriptum sobre a sociedade de controle”

O consumo deve ser entendido sob dois aspectos:

1) Sob a ótica do consumidor que tem os seus desejos direcionados para


o consumo e, desse modo, é de algum modo controlado por ele;

2) Sob a ótica das empresas que, através das estratégias de marketing,


tornam cada vez mais seus produtos mais desejáveis.

Desse modo,não é mais a produção o objetivo do capitalismo, mas o


produto. O indivíduo não é mais o operário disciplinado, mas um
consumidor. Por isso, “o homem não é mais um homem disciplinado,
mas homem endividado”. O endividamento é uma estratégia do
consumo e, com isso, um mecanismo de controle.
A conclusão:
Nossas instituições não dão mais conta de
suprir as demandas sociais contemporâneas,
uma vez que as necessidades atuais não são
unicamente a de ordenação e produção de
indivíduos úteis para fins específicos:

Para curar - Hospitais


Para reabilitar - Presídios
Para o trabalho operário - Escola
Escola...

Que tipo de indivíduo necessitamos formar?

Que “saberes” nossas instituições de ensino precisam fornecer


como “básicos” para qualquer atuação social?

Como as instituições de ensino devem se organizar?


Problema:

Como garantir que reformais institucionais


sejam feitas se:

Não há um referencial teórico;

A ideia de consenso político se perdeu;

A sociedade não mais se sente representada.

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