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RESUMO
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trabalho, e na rescisão contratual. Tal conduta atenta contra os princípios
constitucionais e os direitos fundamentais da pessoa humana. Uma das formas de
discriminação estética é pelo uso de vestimentas no ambiente de trabalho, haja vista
muitas religiões exigirem dos fieis o uso de vestimentas específicas, como a burca,
saias longas, além do uso da barba e cabelos longos, por exemplo. A discriminação
e proibição pelo empregador do uso de vestimentas no local de trabalho atenta
contra a dignidade da pessoa humana do empregado, e configura a discriminação
estética que deve ser repelida em todas as suas formas. O empregador tem o direito
fundamental ao poder de direção, sendo ele quem admite e dita as regras a serem
seguidas pelo empregado. Entretanto, o poder de direção encontra limites, devendo
ser preservada a dignidade humana do empregado em qualquer circunstância.
ABSTRACT
The objective of this study is to demonstrate that aesthetics has taken major in
society. Thus, beauty is overvalued and charged in all social sectors, including in the
workplace. The employer in most cases considers the aesthetic as a requirement for
employee admission, and discriminates against applicants for vacant jobs that are
outside the standards required by the beauty industry. The aesthetic discrimination in
the workplace occurs in all its phases: recruitment, during the employment contract,
and contract termination. Such conduct violates the constitutional principles and
fundamental rights of the human person. One way of aesthetic discrimination is the
use of clothing in the workplace, given many religions require the faithful the use of
specific garments such as the burqa, long skirts, and the use of beard and long hair,
for example. Discrimination and ban the employer's use of clothing in the workplace
attentive to the dignity of the employee's human person, and sets the aesthetic
discrimination that should be repealed in all its forms. The employer has the
fundamental right to the power of direction, he admits and being who dictates the
rules to be followed by the employee. However, the power steering is limits, so we
preserve the human dignity of the employee under any circumstances.
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KEYWORDS: Discrimination, Aesthetics, Human Dignity, Use of Religious Clothing,
Employer Steering power.
INTRODUÇÃO
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discriminações negativas e ilícitas.
Os fatores discriminatórios se classificam em razão do gênero, racismo,
idade, estado de saúde, orientação sexual, pessoa com deficiência, lista
discriminatória.
A estética é também um fator discriminatório, de modo que a beleza, também
conhecida como boa aparência adquiriu no mundo atual grande importância na
sociedade e a consequência disto nas relações laborais é a discriminação estética.
Ressalta-se que o culto à beleza e a preocupação estética não são recentes e se
modificaram com o tempo. Os padrões de beleza foram se modificando conforme a
época e o lugar.
No âmbito trabalhista são várias as discriminações estéticas em razão da
valorização de um padrão de beleza.
Podem ser citados como fatores decorrentes da estética: a obesidade,
tatuagens, piercings, cabelo e barba, cicatrizes, queloides e queimaduras, bem
como feridas, manchas em razão de doenças, e as vestimentas religiosas que têm
ligação com o direito do trabalho, em todas as suas fases.
Ademais, as vestimentas religiosas geram grande discussão quanto ao seu
uso no ambiente de trabalho, isto se de fato de que muitas empresas exigem o uso
de uniforme, bem como algumas religiões exigem o uso de vestimentas que não
podem deixar de serem utilizadas.
Entretanto, empregadores e empregados continuam praticando abusos em
relação ao tema, discriminando o empregado com fatores estéticos diferentes do
padrão de beleza, embora tenham ciência de que estão praticando ilícitos.
Alem disso, embora saibam que o Estado é laico, e que a religião de todos
deve ser respeitadas, bem como que a discriminação daquele que usa vestimentas
religiosas é uma discriminação estética, muitos empregadores continuam a praticar
condutas ilícitas tanto na contratação, quando durante o contrato de trabalho, o que
muitas vezes resulta na demissão do empregado.
Muitas empresas se utilizam do “poder de direção”, para determinar regras
que interferem na liberdade de escolha, no que tange à estética do trabalhador.
Muitos empregadores rescindem o contrato de trabalho sem qualquer justificativa,
velando razões discriminatórias.
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Em virtude disso, o estudo do poder diretivo do empregador é de suma
importância, especialmente a análise dos seus limites constitucionais, na medida em
que suas manifestações não produzem efeitos apenas na relação empregado x
empregador, como também na sociedade de modo geral, haja vista as
consequências ultrapassarem o campo pessoal e influenciarem na economia, na
cultura e na percepção da sociedade em relação a determinada situação, como o
caso da discriminação.
O presente estudo tem como objetivo analisar os limites do poder de direção
do empregador e sua relação com a exigência e discriminação estéticas presentes
na relação laboral, no tocante à vestimentas religiosas, já que, embora tal poder seja
considerado como um direito do empregador, com base na Consolidação das Leis
Trabalhistas, os direitos fundamentais do empregado e nos princípios da dignidade
da pessoa humana e da igualdade e não discriminação devem ser preservados.
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Todo direito é feito pela pessoa humana e para a pessoa humana, sendo este
o destinatário final da norma jurídica.
Desta maneira, quando se argumenta que o interesse coletivo prevalece sob
o individual, o que se quer tutelar é o interesse de um número maior de indivíduos,
ainda que não individualizados, de forma que o homem está no centro do Direito,
sendo o fundamento e o destinatário da norma. O fundamento para que existam os
princípios constitucionais é justamente o ser humano que precisa de tutela de seus
direitos de forma efetiva. Quanto mais se realiza o que é valorizado pelo ser
humano, mais o direito se aproxima da sua finalidade.
Portanto, um indivíduo, pelo simples fato de integrar o gênero humano, já é
detentor da dignidade, inerente ao ser humano. (SARLET, 2001, p.60)
A palavra dignidade deriva do latim "dignitas”, significando virtude, honra e
consideração. Em regra, vincula-se à noção de qualidade moral, que, possuída por
uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida. (PLACIDO E SILVA,
1975. p. 526)
Conforme preleciona Alexandre de Moraes:
A dignidade é um valor inerente aos seres humanos que devem ter liberdade
para gerenciar a própria vida, fazer suas escolhas, e estas últimas devem ser
respeitadas por todos, devendo haver a limitação a essa liberdade tão somente
quando ferir os direitos fundamentais, sem, contudo, desprestigiar as pessoas
enquanto seres humanos, destinatários finais de toda norma.
Conforme o artigo 1º da Constituição Federal de 1988, um dos fundamentos
da República é a dignidade da pessoa humana, de acordo com o inciso terceiro do
referido artigo.
Tais fundamentos constituem a base essencial de nossa sociedade, de forma
que só por esse argumento já é nítida a importância do respeito a dignidade da
pessoa humana.
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A partir desse raciocínio, sendo a dignidade da pessoa humana como
fundamento da República, pode ser considerada um valor supremo engloba o
conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem.
Preleciona Aurélio Buarque de Holanda Ferreira que a palavra “dignidade”
está ligada à honra, à moral: “dignidade sf. 1. Qualidade de digno. 2.
Fundamentação, título etc., que confere posição graduada. 3. Honestidade, honra.
[...]”.(2005, p. 318)
A palavra dignidade, portanto, traduz a ideia de que todo o ser humano
merece ser tratado com respeito, já que possui integridade moral e não só a física,
devendo ser respeitada a sua honra e moral independentemente de suas escolhas,
de sua classe social, raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, e etc.
Os movimentos de proteção à dignidade acompanharam os processos de
evolução da sociedade referentes aos direitos fundamentais.
O valor moral indicado por Ferreira foi consagrado como um valor
constitucional na Declaração dos Direitos da Virgínia, onde foi nitidamente
concedida a liberdade religiosa, intelectual, o direito a defesa, direito a propriedade,
a segurança, a fim de que fosse alcançada a felicidade e a paz, sendo regulamento
o dever de os cidadãos em praticar a tolerância cristã, o amor, e a caridade um com
os outros.
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana surgiu a partir da
necessidade de reprimir atrocidades, diante de um histórico anterior onde prevalecia
o desrespeito à moral e à liberdade, a violência física, e a discriminação. O conceito
de dignidade foi sendo elaborado com o tempo, no decorrer da história e chega ao
início do século XXI como um valor supremo, pela sua razão jurídica. (NUNES,
2010, p. 48)
Para definir a dignidade é necessário analisar todas as violações que foram
praticadas, atrocidades para poder lutar contra elas. A partir daí se extrai a ideia de
que a dignidade é inerente a essência do ser humano, e que o indivíduo é o centro
do direito e o destinatário final das normas, conforme acima mencionado.
Tudo que consta no texto constitucional pode ser de alguma forma,
reconduzido ao valor da dignidade da pessoa humana.
O ser humano nasce com integridade física e psíquica, mas chega um
momento de sua vida em que suas escolhas, pensamentos, liberdades têm que ser
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respeitadas, como sua imagem, intimidade, consciência, religião. Tudo isso compõe
sua dignidade. Isto pelo fato de o ser humano se diferenciar do ser irracional, ter
inteligência e possibilidade de exercer sua liberdade, ter domínio sobre a própria
vida, e ser titular da dignidade humana. Por este motivo, é vedada a discriminação
infundada, como em razão da raça, cor, crença religiosa, estética, e etc.
A dignidade da pessoa humana abrange direitos fundamentais, embora não
esteja regulamentado no artigo 5º da Constituição Federal. Além disso, não pode ser
excluído em razão de qualquer direito ou garantia descrito em tal artigo, devendo ser
respeitado como um direito fundamental.
No tocante ao tema do presente estudo, deve ser observada a relação entre o
direito do trabalhador e o princípio da dignidade humana.
Conforme Orlando Teixeira da Costa:
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consegue se integrar melhor no meio social, e consegue adquirir bens, além de
produzir e gerar a circulação de bens e serviços.
Pelo fato de o trabalho ser um direito social, já que melhora as condições
sociais a quem necessita, tem como fundamento diminuir as desigualdades sociais,
deve ser garantido pelo Estado o seu livre acesso, sem que haja qualquer
discriminação.
De acordo com Marlon Marcelo Murari, que a valorização do trabalho ocorre
em virtude da dignidade da pessoa humana, que exerce influência sobre todo o
ordenamento constitucional. (2008, p.41)
O fundamento da valorização do trabalho humano salienta a ideia que o
legislador constituinte quis proteger a pessoa humana do trabalhador, resguardando
a sua integridade física e psicológica, além das necessidades materiais, no sentido
de que o trabalho deve gerar uma fonte de renda ao trabalhador, de modo que
possa lhe assegurar o mínimo de dignidade. Dessa forma, a ordem econômica
necessita ser compatível com os fundamentos constitucionais da República, em
conformidade com o artigo 1º, III e IV da Constituição Federal de 1988 e com os
direitos fundamentais.
Conforme preleciona Eros Grau, a concretização da valorização do trabalho
humano importa em garantir ao trabalho e ao trabalhador um tratamento
diferenciado, sempre pautado no respeito à dignidade da pessoa humana. (1998, p.
220/221)
O empregador deve respeitar todos os direitos do trabalhador para que o
contrato de trabalho não seja viciado.
O artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, condena qualquer ato contra o
trabalhador que venha a discriminá-lo; que o submeta a tortura e a tratamento
desumano ou degradante; que o impeça a livre manifestação do seu pensamento;
que viole a sua liberdade de consciência e religiosa; bem como a sua intimidade,
honra, imagem e vida privada; dentre outros que viole a sua dignidade da pessoa
humana.
Segundo Christiani Marques, a dignidade da pessoa humana é preceito
fundamental para o contrato de trabalho, tornando-se imprescindível, pois “não há
trabalho digno se não observarmos a dignidade humana e a igualdade. ” (2002, p.
137)
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É por este motivo, que na esfera das relações de trabalho, o direito deve estar
sempre se atualizando e se transformando, de acordo com as necessidades de cada
época histórica, porque o trabalho torna o homem melhor, mais capaz de ajudar o
próximo, pois possibilita o desenvolvimento da sua personalidade, que resultará na
sua valorização como pessoa humana e garantirá que a sua dignidade seja fonte de
ajuda para outras pessoas.
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outras formas de discriminação. Esses objetivos da República constituem o
fundamento básico para assegurar a dignidade da pessoa humana e o direito à
igualdade.
Desta feita, qualquer forma de discriminação ou preferência em razão da
raça, cor, orientação sexual, sexo, religião, opinião política, origem social, estética,
ascendência nacional, que altere a igualdade de oportunidades ou de tratamento,
inclusive no que tange ao trabalho, como a diferenciação de condições de trabalho,
são contrárias à constituição.
No que concerne à discriminação estética no ambiente de trabalho, diante da
inexistência de texto constitucional, vale ressaltar que ao promover a dignidade da
pessoa humana, e a busca pela igualdade material, o constituinte protegeu também
quem sofre esta situação.
Cristhiani Marques cita Carmen Lúcia Antunes Rocha quanto ao princípio da
igualdade:
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Vale ressaltar que a igualdade formal retrata a igualdade perante a lei,
protege os indivíduos contra abusos do Estado, mas não veda a discriminação,
embora pretenda evitá-la. Isto porque é possível tratar de forma desigual os
desiguais, é a discriminação positiva.
Quanto às consequências da aplicação da igualdade material, vale mencionar
os ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho:
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inclusão das minorias, e a dignidade da pessoa humana, é legítimo. Entretanto, se o
tratamento diferenciado for injustificado, é ilícito e deve ser repelido.
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No que tange ao tema dos princípios constitucionais em face da
discriminação, é necessária ainda a análise do princípio da tolerância e respeito.
O vocábulo tolerância significa aceitar, suportar.
Já o vocábulo respeito sentimento positivo e significa ação ou efeito
de respeitar, apreço, consideração, deferência.
A concepção de que os seres humanos merecem respeito pelo ideal de
humanidade e dignidade é um bastião que tem levado os militantes dos Direitos
Humanos a lutarem contra todas as formas de discriminação, preconceito,
desigualdades, injustiças sociais, políticas e econômicas, violência física ou
psicológica e impunidades de toda a sorte.
A tolerância indispensável para a sociedade moderna. Tal tolerância não
significa aceitar qualquer comportamento dos indivíduos ou grupos sociais. O próprio
conceito de justiça exige que determinadas condutas sejam proibidas e outras sejam
exigidas.
O Estado Democrático de Direito preserva as liberdades de escolha, e o
respeito aos indivíduos independentemente de seus ideais, projetos de vida, e
inclusive estética.
Em conformidade com o artigo 1º da Constituição Federal de 1988, é
garantido o pluralismo político o que reforça o princípio da tolerância no Estado
Democrático de Direito.
Ademais, visa a preservação da dignidade da pessoa humana, bem como a
liberdade de escolha de cada indivíduo.
Deste modo, a discriminação estética atenta contra o princípio mencionado na
medida em que desrespeitada a diferença estética, a liberdade de escolha quanto ao
que vestir, ao que usar, quanto ao peso, há a intolerância contrario aos preceitos do
Estado Democrático de Direito.
Cada indivíduo é diferente e tem o direito de ter sua individualidade
respeitada.
Conforme preleciona Walzer: “A tolerância torna a diferença possível; a
diferença torna a tolerância necessária. ” (1999, p. XI).
A discriminação representa contrariedade ao reconhecimento da diversidade,
é a negação da tolerância, haja vista se consolidar com o respeito à liberdade de
escolha e às diferenças existentes em cada ser humano.
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2. DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
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compensar as desigualdades assegurando oportunidades a pessoas ou grupos
desfavorecidos mediante políticas protetivas. (COUTINHO, 2003, p.19)
Para Celso Antonio Bandeira de Mello o conteúdo jurídico do princípio da
isonomia envolve discriminações legais de pessoas, coisas, fatos e situações já que
se admite existir traços diferenciais entre eles. Portanto, a correlação lógica entre o
discrímen e a equiparação pretendida justifica a discriminação positiva em favor de
minorias posto que estão contidas na própria ordem constitucional do Estado
brasileiro. (1993, p.16)
Discriminação negativa, segundo Vera Lúcia Carlos, “é aquela que não tem
por fundamento a adoção de medidas tendentes a diminuir as diversidades sociais e
econômicas, limitando-se a acentuar a regra da plena igualdade de todos perante a
lei”. (2004, p. 32)
Tal discriminação visa excluir os desiguais, contrariamente aos preceitos
constitucionais de igualdade, liberdade, tolerância, respeito e dignidade da pessoa
humana.
Conforme ensina Roberto Castel:
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“(...) discriminar por razões estéticas é preterir ou ofertar diferentes
oportunidades a pessoas a partir de suas características pessoais e que
não têm pertinência necessária com o desenvolvimento de atividades
próprias do trabalho a ser prestado. ” (2007)
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aparência. Aí há uma série de disfarces utilizados pelo empregador para mascarar o
verdadeiro fundo discriminatório da não contratação. Diz-se que “os quadros já
foram preenchidos”, ou que o candidato “não correspondeu às expectativas da
empresa” etc.
O empregador tem o direito de contratar o candidato que melhor servir aos
interesses da empresa. Contudo, a seleção deverá ser livre de qualquer ponderação
concernente à aparência ou à beleza do indivíduo. O que é fundamental é avaliar a
capacidade e a competência profissional do indivíduo.
3.1. RELIGIÃO
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Conforme ensina Manoel Jorge e Silva Neto, do mesmo modo que o Estado,
a empresa deve de igual modo assumir postura imparcial quanto à religião, por esta
não ter nenhuma ligação direta com este ou aquele credo. Prossegue o doutrinador
dizendo que quem pode ou não ter religião são os trabalhadores e o proprietário. A
empresa, enquanto entidade destinada à satisfação material e profissional de todos
que a ela se vinculam, está proibida de abraçar uma dada seita religiosa, com
exceção das organizações religiosas. (2008, p.160).
Há religiões que exigem a utilização de vestimentas e tal fato gera
discriminação estética, além da discriminação religiosa.
Muitas empresas deixam de contratar funcionários em razão da forma como
se vestem, ou pela maquiagem, fazem as unhas, cabelos e barbas, como já visto
anteriormente.
Acerca do tema podemos citar como exemplo a utilização da burca e véus na
religião islâmica pelas mulheres, bem como a barba e túnicas nos homens. Ademais
podemos citar as saias longas e unhas que não podem ser pintadas por
evangélicas, ou mesmo os colares na umbanda e candomblé. São estes exemplos
de vestimentas tradicionais de acordo com as crenças mencionadas, e que muitas
vezes são alvo de discriminação tanto na contratação, quanto durante contrato de
trabalho, gerando muitas vezes a rescisão do mesmo.
De acordo com Heiner Bielefeldt, “muitas pessoas passam grande parte de
suas vidas cotidianas no local de trabalho, no qual ainda enfrentam restrições para
exercer o direito à liberdade de religião ou de crença” e por este motivo pediu o
estabelecimento de mecanismos de monitoramento e de leis anti-discriminação em
ambientes de emprego público e privado. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS)
A liberdade religiosa deve ser garantida no ambiente de trabalho por ser
inviolável, desta forma a agressão a este direito deve ser repelida, podendo gerar
assédio moral, e indenização por danos morais ao empregado discriminado e
assediado no ambiente de trabalho.
A escolha pela religião é um direito fundamental, além de ser consonante ao
princípio da liberdade e tolerância. O fato de um empregado usar adereços e
vestimentas religiosas não diminui a sua capacidade laboral.
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A tolerância religiosa é a garantia de cada um realizar a sua escolha religiosa
e a garantia do direito à diferença, por este motivo o empregador não pode
influenciar nessa escolha, e sequer proibir a sua propagação.
O ato de usar uma vestimenta não está relacionado apenas à questão do
respeito, do decoro e da proteção contra o clima. O uso de uma vestimenta identifica
o indivíduo no sentido étnico, cultural e religioso, e é uma decisão individual, de
forma que não pode ser imposta pelo empregador.
No âmbito religioso grande parte das pessoas adota uma forma específica de
se vestirem de acordo com a sua fé, o que muitas vezes não corresponde aos
padrões sugeridos pela indústria da moda, pela estética.
O empregador não pode proibir o uso de vestimentas no ambiente de trabalho
sem que haja justificativa para tanto. A discriminação estética em razão da religião é
contrária aos princípios constitucionais e direitos fundamentais, de forma que deve
ser repelida.
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Isto porque ao mesmo que o poder no âmbito trabalhista sobre influencia do
poder no contexto global, influencia também na sociedade, já que trata de
verdadeiro fenômeno democrático.
Embora Délio Maranhão não elabore conceito específico, é possível dizer
que, para esse autor, o poder diretivo decorre do contrato de trabalho, e que seja
qual for a forma de trabalho subordinado, sempre sobressaem para o empregador
os direitos de: direção e comando, no sentido de determinar as condições para a
utilização da força e trabalho do empregado; de controle, buscando a fiscalização do
cumprimento da prestação de trabalho, e disciplinar, visando aplicar penas no caso
de não cumprimento das obrigações contratuais. (2005, p. 246-247).
Maurício Godinho Delgado, apresenta dois conceitos, muito próximos, mas
que merecem menção. Para o autor, o poder empregatício é o conjunto de
prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na
figura do empregador, para exercício no contexto da relação de emprego”. Ainda,
como alternativa, pode ser considerado “o contexto de prerrogativas com respeito à
direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à
empresa e correspondente prestação de serviços”. (2005, p. 629).
O poder de direção do empregador pode ser visto implicitamente no artigo 2º
da Consolidação das Leis Trabalhistas, define empregador como aquele que,
“assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação
pessoal de serviços”. Ainda no artigo 3º do mesmo diploma, referente ao conceito de
empregado, disciplina que este deve prestar “serviços de natureza não eventual a
empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
Verifica-se, portanto, que não há pelo legislador um conceito do poder de
direção, cabendo neste caso, aos doutrinadores, como visto, a incumbência de fazê-
lo, para demarcar os seus limites.
O poder de direção do empregador constitui-se em um conjunto de
prerrogativas do empregador, que decorre do contrato de trabalho, por meio do qual
é possível ao empregador organizar, controlar, disciplinar a prestação do trabalho de
seus empregados.
O poder de direção se divide em poder de organização, poder de controle e
poder disciplinar.
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O poder de organização é o conjunto de prerrogativas atribuídas ao
empregador visando o estabelecimento das características da empresa ou da
atividade desenvolvida. (MURARI, 2008, p. 84).
Tal poder pode ser estruturado por meio do regulamento de empresa, onde
pode constar regras técnicas, disciplinares, e outras que podem atender a
necessidade do empregador na atividade desenvolvida.
O poder de controle é o conjunto de prerrogativas atribuídas ao empregador,
visando fiscalizar o trabalho do empregado, para verificar sua conformidade com as
ordens dadas. (MURARI, 2008, p.88).
Por esta prerrogativa, o empregador fiscaliza se o trabalho está sendo
realizado da forma como fora determinado.
O poder disciplinar, por sua vez, é o conjunto de prerrogativas do empregador
destinadas à aplicação de sanções disciplinares ao empregado, caso incorra em
descumprimento das regras contratuais.
A relação de trabalho envolve uma relação de submissão entre o empregado
e empregador, e por este motivo o primeiro transfere ainda que em parte, os direitos
da personalidade, já que o ultimo invade a esfera da pessoa da pessoalidade ou
personalidade do trabalho. (ALKIMIN; NASCIMENTO, 2009).
O empregador não está autorizado a interferir ou mesmo ferir os direitos e
garantias individuais do empregado.
O contrato do trabalho é a manifestação de vontade das partes que inicia a
relação de trabalho subordinado, e pressupõe, portanto, o poder do empregador
sobre o empregado.
O poder de diretivo do empregador e a sua liberdade de contratação de seus
empregados encontra limites nos direitos fundamentais previstos na Constituição
Federal de 1988.
O Poder de direção é um direito fundamental do empregador, mas os
empregados também possuem direitos fundamentais que devem ser protegidos. Por
este motivo, diante da possibilidade de colisão entre os direitos fundamentais do
empregado e do direito fundamental do empregador, qual seja o poder diretivo,
devem ser analisados com razoabilidade tais direitos para que se chegue a um
ponto de equilíbrio.
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Os direitos fundamentais afastam toda conduta do empregador que possa
violar a dignidade do empregado. Dentre os direitos fundamentais podemos citar o
direito à vida, à igualdade, à integridade física e moral, à intimidade, à liberdade, que
são direitos constitucionais de personalidade.
No que se refere ao tema do presente trabalho, vale ressaltar que a igualdade
ou isonomia é um limite ao poder de direção do empregador. Desta feita, qualquer
tratamento diferenciado que vise a excluir um empregado, ou mesmo diferentes
critérios de seleção por motivos injustificados, como estética onde não seja este
fator um critério próprio da atividade a ser desenvolvida, é ilícito e um limite ao poder
de direção do empregador.
Deve ser citado o direito fundamental à liberdade que repercute restrições ao
poder de direção do empregador. A Carta Maior de 1988 assegura a liberdade em
vários dispositivos, como exemplo no preâmbulo, artigo 3º, I, artigo 5º, caput e
incisos IV, VI, VIII, IX, XIII, XV, dentre outros, e desta forma preserva a liberdade do
indivíduo que repercute na esfera trabalhista.
Por este motivo, o empregador não poderá impor condutas ao empregado
que diminuam o seu direito de liberdade, sob pena de violar a sua dignidade da
pessoa humana. Entretanto, tal direito deve ser analisado com cautela haja vista a
proibição de diminuir a liberdade do empregado ocorrerá quando os patamares
forem inaceitáveis, ou seja, o empregado ao assinar um contrato de trabalho está se
sujeitando as regras impostas pelo empregador, como a jornada de trabalho, forma
como as tarefas serão desenvolvidas, o que é aceitável diante do direito
fundamental do empregador, qual seja seu poder de direção. Todavia, a limitação a
liberdade de forma descabida, que viole a dignidade do empregado, como exemplo
o caso da discriminação estética em razão da cor dos cabelos, barba, obesidade, é
sujeita a sanções.
Portanto, o poder diretivo do empregador e sua liberdade de contratação
encontra limites na dignidade da pessoa humana, sendo este o ponto de equilíbrio,
de forma que o empregado não está autorizado a ter condutas discriminatórias
injustificadas, que visem a excluir ou prejudicar um empregado, sendo que tal regra
é válida em todas as formas de discriminação, inclusive a estética.
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A discriminação estética, constitui violação à dignidade da pessoa humana do
trabalhador, aos direitos fundamentais e aos direitos da personalidade do
trabalhador, acarretando danos à pessoa do trabalhador.
De acordo com o artigo 5º, XLI, da Constituição Federal de 1988, “a lei punirá
práticas discriminatórias”, e os agentes causadores do dano e da discriminação
serão responsabilizados.
Como toda prática discriminatória, a discriminação em razão da estética viola
o dever moral e jurídico de respeito e consideração ao próximo, caracterizando
violação ao contrato de trabalho e às normas de tutela à personalidade, gerando na
órbita trabalhista a rescisão contratual por justa causa imputada ao empregador,
com as consequências trabalhistas rescisórias e indenizatórias. (ALKIMIN;
NASCIMENTO, 2013).
No Brasil, o Código Civil e a Constituição Federal de 1988 são os
instrumentos mais eficientes no combate às práticas abusivas aos direitos da
personalidade. Isto porque, a Carta Magna, tem fundamentos em princípios e elenca
os remédios legais que incidem sobre os direitos personalíssimos. Já o Código Civil,
em seus artigos 186 e 927, regulamentam que todo aquele que comete dano a
outrem é obrigado a repará-lo.
Entretanto, só há indenização se houver dano que nada mais é que todo
prejuízo experimentado em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde,
honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição) do que resulta o direito a uma
reparação em pecúnia sempre que decorrente da conduta (comissiva ou omissiva)
de outrem. (STOCO, 2007, p.128).
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Tais disposições produzem efeitos na ordem jurídica e representam
verdadeiros limites ao poder de direção do empregador.
São muitas as hipóteses de direitos fundamentais que podem limitar o poder
de direção do empregador, conforme já exposto no presente capítulo. Entretanto,
deve ser levada sempre em consideração, quando da colisão de tais direitos, o
princípio da dignidade da pessoa humana que é o Norte para toda a ordem jurídica e
considerado a motivação para que sejam respeitados os direitos fundamentais.
CONCLUSÃO
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O Estado deve ser garantidor dos direitos fundamentais do homem, de forma
que é primordial o estabelecimento de políticas públicas que tenha por objetivo o
estabelecimento de medidas preventivas e de erradicação da discriminação.
Ademais as empresas privadas devem ser garantidoras de tais direitos, por
meio da boa-fé contratual, da garantia de um ambiente laboral sadio em todos os
seus aspectos, bem como pelo respeito ao empregado que, independente de ter
cabelo afro ou liso, de ser tatuado ou não, de estar doente ou não, de usar barba,
bigode, de manifestar sua fé pelo uso de vestimentas religiosas, ou seja, deve ser
avaliado pela sua capacidade de exercer suas funções.
O ser humano é ser racional e nasceu para conviver em harmonia com seus
pares (e com toda a universalidade de espécies até mesmo com as irracionais que o
cercam), independentemente das diferenças físicas, e deve ser capaz de conviver
pacificamente, com solidariedade e respeito recíproco, de forma que se o correto
fosse o contrário não haveria motivos para ser dotado de tamanha inteligência e
capacidade de percepção. Por este motivo tem grande responsabilidade na vida dos
outros seres, sobretudo em relação aos seus pares já que sabe exatamente como é
ser triste, isolado, e sabe perfeitamente as consequências de uma discriminação
negativa.
As informações chegam ao nosso conhecimento com muita rapidez. O
homem, ser humano, aprende rápido e tem facilidade para acompanhar as
mudanças sociais, que nunca deixam de ocorrer. Por este motivo, é capaz de se
reeducar, de pensar diferente, de se arrepender, de eliminar as diferenças e trilhar
um futuro diferente.
Pelo presente trabalho conclui-se que o poder de direção do empregador é
limitado quando se refere a bens jurídicos importantes, considerados fundamentais
para a dignidade da pessoa humana. A fé de um trabalhador por meio do uso de
vestimentas religiosas deve ser preservada, haja vista vivermos em um Estado laico
e pelo fato de a discriminação estética ser ilícita. O empregador deve acompanhar
as mudanças sociais e estar preparado para não se deixar influenciar por padrões
de beleza, quando o que é importante na relação trabalhista é o trabalho bem
desenvolvido pelo empregado e o respeito mútuo.
REFERÊNCIAS
81
ALKIMIN, Maria Aparecida. Violência na relação de trabalho e a proteção à
personalidade do trabalhador. Curitiba: Juruá, 2008.
BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Discriminação no Trabalho. São Paulo:
LTr, 2002.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos
Editora, 2002.
82
BRASIL, Ministério Público do Trabalho da Bahia. Discriminação a Barba e Cabelo
Afro geram ação do MPT contra Bradesco. In: JusBrasil. Disponível em:
<http://mpt-prt5.jusbrasil.com.br/noticias/933442/discriminacao-a-barba-e-cabelo-
afro-geram-acao-do-mpt-contra-bradesco>. Acessado em 21 set. 2014.
83
4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1260782/apelacao-civel-ac-27>. Acessado em: 20
ago.2014.
CAHALY, Yussef Said. Dano Moral. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011.
84
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 6ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. vol. 2 e 3. São Paulo: Saraiva, 1998.
85
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o Dicionário da Língua
Portuguesa. 6ª edição. Curitiba: Positivo, 2005.
86
NETO. Alberto Emiliano de Oliveira. O Principio da Não Discriminação e sua
Aplicação às Relações de Trabalho. Jus navigandi, 09/2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8 950>. Acesso em: 18 de agosto de
2014.
87
A
BUSCA
PELA
EFICIÊNCIA
NA
FISCALIZAÇÃO
DA
GESTÃO
PÚBLICA:
A
UTILIZAÇÃO
DE
INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
PARA
APERFEIÇOAMENTO
DO
CONTROLE
DAS
FINANÇAS
PÚBLICAS
THE
SEARCH
FOR
EFFICIENCY
IN
AUDITING
PUBLIC
MANAGEMENT:
THE
USE
OF
ARTIFICIAL
INTELLIGENCE
FOR
IMPROVING
THE
CONTROL
OF
PUBLIC
FINANCE
Éderson
Garin
Porto1
RESUMO:
O
esforço
da
força-‐tarefa
instalada
em
Curitiba
revelou
uma
estrutura
complexa
e
profissional
de
exploração
dos
recursos
públicos
em
proveito
de
alguns
grupos
de
empresas
e
pessoas.
Cunhou-‐se
a
expressão
“corrupção
sistêmica”
para
explicar
a
estrutura
montada
para
aproveitamento
indevido
do
dinheiro
dos
pagadores
de
tributos.
Os
dados
apresentados
pelo
Ministério
Público
Federal
remetem
ao
questionamento
sobre
a
eficiência
dos
mecanismos
de
controle
do
dinheiro
público,
pois
o
aparato
estatal
e
os
recursos
investidos
no
controle
do
dinheiro
à
disposição
do
Estado
são
significativos.
O
problema
levantado
na
presente
investigação
possui
algumas
hipóteses
de
resposta
que
serão
apresentadas
ao
longo
do
texto
que
segue.
No
entanto,
a
contribuição
desta
pesquisa
consiste
na
proposição
de
um
aperfeiçoamento
do
controle
das
contas
públicas
com
o
uso
da
tecnologia
já
existente,
ou
seja,
a
inteligência
artificial.
PALAVRAS-‐CHAVE:
Corrupção
sistêmica;
Inteligência
Artificial;
Eficiência;
Fiscalização
da
Administração
Pública.
ABSTRACT:
The
effort
of
the
task
force
installed
in
Curitiba
revealed
a
complex
and
professional
structure
of
exploitation
of
the
public
resources
for
the
benefit
of
some
groups
of
companies
and
people.
The
term
"systemic
corruption"
was
used
to
explain
the
structure
set
up
for
misappropriation
of
taxpayers'
money.
The
data
presented
by
the
Federal
Public
Prosecutor
refer
to
the
question
about
the
efficiency
of
the
mechanisms
of
control
of
public
money,
since
the
state
apparatus
and
the
resources
invested
in
the
control
of
money
available
to
the
State
are
significant.
The
problem
raised
in
the
present
investigation
has
some
hypotheses
of
answer
that
will
be
presented
throughout
the
text
that
follows.
However,
the
contribution
of
this
research
consists
in
the
proposition
of
an
improvement
of
the
control
of
the
public
accounts
with
the
use
of
the
existing
technology,
that
is,
artificial
intelligence.
KEY
WORDS:
Systemic
Corruption;
Artificial
intelligence;
Efficiency;
Inspection
of
Public
Administration.
1
Visiting
Scholar
UC
Berkeley
School
of
Law.
Doutor
e
Mestre
pela
UFRGS.
Professor
do
Mestrado
Profissional
em
Direito
das
Empresas
e
dos
Negócios
Unisinos.
Advogado.
2
Site
oficial
do
Ministério
Público
Federal:
http://www.mpf.mp.br/para-‐o-‐cidadao/caso-‐lava-‐
jato/atuacao-‐na-‐1a-‐instancia/parana/resultado.
4
Introdução
O
tema
do
controle
das
contas
públicas
nunca
teve
tanto
apelo
quanto
nos
dias
atuais.
Por
certo
que
a
população
brasileira
sempre
desconfiou
sobre
a
correta
aplicação
dos
recursos
proveniente
da
tributação,
porém
pode-‐se
tomar
a
operação
da
Polícia
Federal,
conhecida
como
“Lava-‐Jato”,
como
um
marco
referencial
na
história
do
país.
O
esforço
da
força-‐tarefa
instalada
em
Curitiba
revelou
uma
estrutura
complexa
e
profissional
de
exploração
dos
recursos
públicos
em
proveito
de
alguns
grupos
de
empresas
e
pessoas.
Cunhou-‐se
a
expressão
“corrupção
sistêmica”
para
explicar
a
estrutura
montada
para
aproveitamento
indevido
do
dinheiro
dos
pagadores
de
tributos.
A
grande
questão
que
assalta
a
todos
os
cidadãos
brasileiros
é
como
tamanho
esquema
de
corrupção
tenha
se
instalado
no
país
sem
que
as
estruturas
institucionais
de
controle
do
gasto
público
tivessem
realizado
qualquer
alerta?
Como
tanto
dinheiro
foi
desviado
sem
que
as
diversas
instâncias
oficiais
tivessem
notado
o
desfalque
dos
cofres
públicos?
Note-‐se
que
o
volume
de
dinheiro
comprovadamente
desviado
não
pode
ser
considerado
desprezível,
quando
os
dados
divulgados
pela
Força-‐tarefa
do
Ministério
Público
Federal
informam
que
o
pedido
total
de
ressarcimento
chega
a
impressionante
cifra
de
R$
38.000.000.000,002.
O
escândalo
acima
recordado
e
os
dados
apresentados
pelo
Ministério
Público
Federal
remetem
ao
questionamento
sobre
a
eficiência
dos
mecanismos
de
controle
do
dinheiro
público,
pois
o
aparato
estatal
e
os
recursos
investidos
no
controle
do
dinheiro
à
disposição
do
Estado
são
significativos.
O
problema
levantado
na
presente
investigação
possui
algumas
hipóteses
de
resposta
que
serão
apresentadas
ao
longo
do
texto
que
segue.
No
entanto,
a
contribuição
desta
pesquisa
consiste
na
proposição
de
um
aperfeiçoamento
do
controle
das
contas
públicas
com
o
uso
da
tecnologia
já
existente.
Em
texto
escrito
em
co-‐autoria
com
outros
notáveis
pesquisadores,
já
se
alertava
para
os
benefícios
que
o
uso
intensivo
da
internet
poderia
propiciar
para
a
maior
promoção
da
participação
do
cidadão
na
Administração
Pública
(CASTRO
et
ali,
2006).
Naquele
texto
escrito
no
alvorecer
do
século
XXI,
falava-‐
se
das
funcionalidades
do
uso
da
internet
como
forma
de
promoção
da
transparência
2
Site
oficial
do
Ministério
Público
Federal:
http://www.mpf.mp.br/para-‐o-‐cidadao/caso-‐lava-‐
jato/atuacao-‐na-‐1a-‐instancia/parana/resultado.
5
pública
e,
por
decorrência,
um
melhor
acesso
do
cidadão
ao
exercício
do
seu
constitucional
direito
de
cidadão.
Hoje,
passados
mais
de
quatorze
anos
daquela
pesquisa,
percebe-‐se
que
muito
se
avançou
em
termos
de
transparência
e
accountability
(CAMPOS,
1990),
porém
ainda
resta
um
longo
caminho
a
ser
percorrido
para
que
tenhamos
uma
fiscalização
mais
efetiva
do
dinheiro
sob
a
gestão
pública.
Superada
a
fase
de
utilização
da
rede
mundial
de
computadores
como
ferramenta
para
promoção
da
transparência
e
constatado
que
os
casos
de
corrupção
gracejam
nos
mais
diversos
níveis
da
Administração
Pública,
é
chegado
o
momento
de
propor
um
caminho
que
promova
uma
solução
mais
eficiente
para
o
controle
do
orçamento
público
e
notadamente
o
bom
uso
do
dinheiro
dos
contribuintes.
Portanto,
o
presente
artigo
busca
demonstrar
que
há
uma
ineficiência
na
alocação
dos
recursos
públicos
para
controle
do
orçamento
e
que
há
ferramentas
disponíveis
que
podem
propiciar
uma
maior
transparência
e
maior
participação
do
cidadão
no
controle
orçamentário.
1. Sobre
os
controles
institucionais:
explicações
sobre
a
ineficiência
da
fiscalização
pública.
Trilhando
o
texto
da
Constituição
é
possível
perceber
que
a
preocupação
com
a
boa
aplicação
dinheiro
retirado
dos
contribuintes
esteve
presente
durante
os
trabalhos
da
Assembleia
Nacional
Constituinte.
A
Constituição
erige
o
povo
como
centro
do
Poder
desde
o
preâmbulo,
passando
pelo
artigo
1°,
inciso
III
que
reconhece
a
cidadania
como
fundamento
da
República
Federativa
do
Brasil
e
culminando
com
o
texto
do
parágrafo
único
do
artigo
1°
que
preceitua:
“Todo
o
poder
emana
do
povo,
que
o
exerce
por
meio
de
representantes
eleitos
ou
diretamente,
nos
termos
desta
Constituição”.
Percebe-‐se
que
o
povo
possui
a
prerrogativa
constitucional
de
legitimar
o
uso
do
poder
e,
sobretudo,
zelar
pela
correta
aplicação
do
dinheiro
arrecadado
do
cidadão.
O
exercício
da
cidadania
tem
expressão
pelo
exercício
do
sufrágio
(art.
14,
CRFB),
porém
não
se
esgota
nele.
É
assegurado
ao
administrado
diversos
instrumentos
para
exercitar
o
seu
direito
e
muito
especialmente
o
dever
de
cidadão,
podendo-‐se
referir
o
acesso
à
informação
(art.
5°,
incisos
XVI
e
XXXIII,
CRFB)
e
participação
do
6
usuário
na
Administração
Pública
(art.
37,
§3°,
CRFB)
como
fundamentos
do
exercício
da
cidadania
após
encerrado
o
pleito
eleitoral.
Para
conferir
efetividade
ao
exercício
da
cidadania,
a
Constituição
assegurou
o
direito
ao
uso
do
mandado
de
segurança
para
tutelar
direito
líquido
e
certo
violado
por
autoridade
pública
(art.
5°,
inciso
LXIX,
CRFB),
garantiu
o
acesso
ao
habeas
data
(art.
5°,
inciso
LXXII,
CRFB)
e
facultou
o
uso
da
ação
popular
a
qualquer
cidadão
que
vislumbrar
ato
praticado
em
prejuízo
do
erário
(art.
5°,
inciso
LXXIII,
CRFB).
Ao
proceder
leitura
da
Constituição
com
a
perspectiva
antropocentrista,
percebe-‐se
que
o
cidadão
é
o
centro
de
preocupação
do
texto
constitucional,
assim
como
a
ele
são
conferidas
prerrogativas
e
poderes
para
que
a
soberania
popular
seja
preservada.
Essa
leitura
do
texto
constitucional
conduz
para
um
papel
secundário
dos
órgãos
oficiais
de
controle.
No
entanto,
o
desenvolvimento
das
instituições
propiciou
um
engrandecimento
das
estruturas
burocráticas
e
simultaneamente
um
afastamento
do
cidadão
do
seu
múnus
constitucional.
A
Constituição
conferiu
prerrogativas
ao
Poder
Legislativo
para
fiscalização
da
Administração
Pública
(art.
49,
inciso
IX
e
X,
CRFB)
e
dotou
o
parlamento
de
um
órgão
auxiliar
de
fiscalização
(Tribunal
de
Contas
–
art.
71,
CRFB)
para
a
fiel
execução
da
atribuição
imposta.
Não
obstante
a
fiscalização
exercida
pelo
Poder
Legislativo
e
o
controle
dos
Tribunais
de
Contas,
outorgou-‐se
ao
Ministério
Público
a
prerrogativa
de
fiscalizar
os
demais
poderes
e
promover
as
medidas
judiciais
competentes
para
a
preservação
do
patrimônio
público
(art.
129,
CRFB).
Além
dos
órgãos
acima
referidos,
pode-‐se
destacar
que
o
Estado
brasileiro
ainda
confere
à
polícia
atribuições
de
investigação
e
repressão
de
infrações
contra
a
ordem
política
e
social
a
fim
de
garantir
a
segurança
pública
(art.
144,
CRFB).
Por
derradeiro,
não
obstante
todos
os
órgãos
institucionais
já
referidos,
a
Constituição
ainda
conclama
que
cada
Poder
da
República
organize
e
institua
controles
internos
(art.
74,
CRFB),
valendo
referir
no
âmbito
da
União
Federal
a
Controladoria-‐
Geral
da
União.
Diante
de
todo
este
aparato
acima
referido,
parece
razoável
imaginar
que
o
cidadão
médio
não
encontre
razão
para
exercer
por
conta
própria
a
fiscalização
do
dinheiro
sob
o
controle
Estado.
A
um,
porque
o
cidadão
brasileiro
médio,
segundo
dados
do
IBGE
possui
baixa
formação
cultural
e
não
sente
apto
a
controlar
o
respeito
ao
dinheiro
dos
contribuintes.
A
dois,
porque
o
raciocínio
do
cidadão
que
acredita
no
7
controle
oficial
das
finanças
públicas
está
correto.
O
que
não
é
certo
é
perceber
que
na
prática
todos
estes
órgãos
de
controle
possam
não
estar
exercendo
uma
fiscalização
eficiente.
Reside
neste
ponto
a
reflexão
suscitada
com
o
presente
estudo.
Se
há
um
volume
de
investimento
considerável
no
controle
das
finanças
públicas
e
os
casos
de
malversação
do
dinheiro
dos
contribuintes
não
param
de
aumentar,
impõe-‐se
fazer
a
seguinte
pergunta:
onde
está
o
problema?
Qual
a
explicação
para
a
ineficiência
dos
órgãos
de
controle?
1.1.
Constatação
da
ineficiência:
exame
dos
orçamentos
dos
órgãos
que
possuem
a
prerrogativa
de
fiscalizar
as
contas
públicas.
É
preciso
inicialmente
fazer
um
alerta
para
o
leitor
deste
ensaio
acerca
dos
dados
utilizados.
Para
realização
do
estudo,
decidiu-‐se
explorar
o
orçamento
de
cada
órgão
responsável
pela
fiscalização
das
contas
públicas.
Foram
tomados
os
valores
totais
apresentados
no
orçamento
de
cada
órgão.
No
entanto,
é
sabido
que
o
Congresso
Nacional
e
o
Ministério
Público,
por
exemplo,
não
possuem
apenas
atribuição
de
fiscalização
das
finanças
públicas,
de
modo
que
um
desenvolvimento
possível
para
a
pesquisa
será,
no
futuro,
projetar
uma
fração
ideal
do
orçamento
para
cada
atribuição,
podendo-‐se
assim
medir
com
maior
exatidão
o
valor
destinado
ao
órgão
e
a
respectiva
proporção
que
a
fiscalização
num
exame
de
alocação
dos
recursos.
O
exame
do
orçamento
das
instituições
examinadas
se
faz
importante
ainda
que
o
número
apresentado
esteja
sujeito
à
ponderação
acima
alertada.
Isso
porque
é
preciso
esclarecer
e
tornar
público
o
volume
de
verba
investida
em
cada
órgão
público
e
refletir
sobre
a
adequada
alocação
do
dinheiro
dos
contribuintes.
Na
incursão
pretendida
pelo
presente
ensaio,
a
exposição
dos
valores
investidos
serve,
no
mínimo,
para
esclarecer
e
informar
os
leitores.
Não
obstante,
a
segregação
acima
referida
para
a
reflexão
aqui
suscitada
tem
pouca
serventia,
uma
vez
que
a
comparação
de
eficiência
do
dinheiro
investido
será
cotejada
também
com
valores
brutos
da
amostra
estudada.
Pode-‐se
iniciar
a
análise
pela
leitura
da
Lei
Orçamentária
Anual
(LOA)
como
documento
de
referência.
Pela
LOA
que
projetou
o
orçamento
para
2018,
as
receitas
8
previstas
pelo
Governo
Federal
somam
o
valor
de
R$
R$
3.575.230.380.469,00
(três
trilhões,
quinhentos
e
setenta
e
cinco
bilhões,
duzentos
e
trinta
milhões,
trezentos
e
oitenta
mil,
quatrocentos
e
sessenta
e
nove
reais)
e
fixa
a
despesa
em
igual
valor,
compreendendo,
nos
termos
do
art.
165,
§
5º,
da
Constituição3.
Apenas
a
leitura
do
valor
orçamentário
da
União
Federal
já
justificaria
a
adoção
de
todo
e
qualquer
instrumento
de
controle
possível
para
evitar
ineficiências
e
sobretudo
desvios.
De
todas
as
críticas
que
se
possa
fazer,
não
se
pode
dizer
que
o
orçamento
não
foi
generoso
aos
órgãos
de
controle.
Segundo
a
LOA,
cujo
texto
aprovado
para
2018
está
veiculado
na
Lei
n°
13.587/2017,
foi
orçado
o
valor
de
R$
6.124.276.414,00
para
a
Câmara
dos
Deputados
e
R$
4.371.375.672,00
para
o
Senado
Federal,
perfazendo
um
total
de
R$
10.495.652.086
para
o
Poder
Legislativo
(Lei
n°
13.587/2017,
anexo
A02).
São
R$
10,4
bilhões
para
o
funcionamento
do
Poder
Legislativo,
o
que
equivale
a
R$
17,6
milhões
por
parlamentar.
Ao
Tribunal
de
Contas
da
União
será
destinado
o
valor
de
R$
2.172.996.866,00
(Lei
n°
13.587/2017,
anexo
A02).
O
Ministério
da
Transparência
que
alberga
a
Controladoria-‐Geral
da
União
tem
orçamento
de
R$
1.030.098.412,00
para
2018,
segundo
o
anexo
A02
da
Lei
n°
13.587/2017.
O
Ministério
Público
da
União
foi
contemplado
com
R$
6.725.510.696,00,
conforme
o
anexo
A02
da
Lei
n°
13.587/2017.
Tomando
estes
números,
pode-‐se
perceber
que
o
volume
total
destinado
aos
órgãos
oficiais
de
fiscalizar
o
orçamento
da
União
Federal
perfaz
o
valor
de
R$
20.424.258.060,
o
que
representa
0,57%
do
orçamento
total
da
União.
Embora
estes
números
tenham
sofrido
sensível
redução
em
relações
aos
exercícios
passados
face
ao
contingenciamento
de
despesas
do
Governo
Federal,
ainda
assim
é
possível
perceber
um
volume
expressivo
de
dinheiro
dos
contribuintes
reservados
para
exatamente
zelar
que
o
orçamento
da
União
seja
bem
executado.
Giza-‐
se:
a
União
projeta
administrar
R$
3,5
trilhões
de
dinheiro
dos
contribuintes
e
reserva
para
os
órgãos
de
controle
a
expressiva
quantia
de
R$
20,4
bilhões
de
reais.
Em
termos
comparativos,
pode-‐se
perceber
que
o
percentual
destinado
aos
órgãos
de
fiscalização
é
expressivo
em
relação
ao
orçamento.
Quando
se
analisa
apenas
o
percentual
investido
(0,571271%),
poder-‐se-‐ia
chegar
à
apressada
conclusão
de
que
os
valores
são
inexpressivos.
No
entanto,
basta
cotejar
com
o
percentual
que
qualquer
sociedade
3 Dados obtidos no Diário Oficial da União de 03 de janeiro de 2018, p. 1, Lei n° 13.587/2017.
9
empresária
sólida
investe
em
sua
folha
de
pagamentos
para
se
espantar
com
os
valores
alocados.
Para
realizar
tal
comparação,
serão
selecionadas
algumas
sociedades
anônimas
com
ações
cotadas
na
BM&FBOVESPA
(Bolsa
de
Valores,
Mercadorias
e
Futuros
S.A),
onde
serão
extraídos
os
dados
contábeis
comparativos.
Considerando
que
a
BM&FBOVESPA
(Bolsa
de
Valores,
Mercadorias
e
Futuros
S.A.4)
só
disponibilizou
os
relatórios
de
auditoria
e
demonstrações
contábeis
de
2016,
impõe-‐se
cotejar
o
paradigma
com
amostras
colhidas
dos
orçamentos
de
2016
de
cada
um
dos
órgãos
acima
referidos.
No
ano
de
2016,
o
Congresso
Nacional
aprovou
e
foi
sancionada
a
Lei
n°
13.255/2015,
publicada
no
Diário
Oficial
da
União
em
15
de
janeiro
de
2016.
Em
2016,
havia
uma
previsão
de
Receitas
da
ordem
de
R$
R$
3.050.613.438.544,00
(três
trilhões,
cinquenta
bilhões,
seiscentos
e
treze
milhões,
quatrocentos
e
trinta
e
oito
mil
e
quinhentos
e
quarenta
e
quatro
reais)
e
fixa
a
despesa
em
igual
valor,
compreendendo,
nos
termos
do
art.
165,
§
5º,
da
Constituição.
Na
Lei
Orçamentária
Anual
de
2016,
as
verbas
foram
alocadas
da
seguinte
forma
entre
os
órgãos
pesquisados:
ÓRGÃO
VALOR
EM
R$
CÂMARA
DE
DEPUTADOS
5.275.769.027,00
SENADO
FEDERAL
3.893.751.426,00
TRIBUNAL
DE
CONTAS
DA
UNIÃO
1.823.143.480,00
CONTROLADORIA-‐GERAL
DA
UNIÃO
880.492.490,00
MINISTÉRIO
PÚBLICO
DA
UNIÃO
5.647.802.963,00
TOTAL
17.520.959.386,00
Se
for
realizada
a
comparação
entre
o
valor
estimado
de
Receitas
da
União
()
com
o
valor
destinado
aos
órgãos
de
fiscalização,
perceber-‐se-‐á
que
o
percentual
dedicado
às
instituições
foi
ligeiramente
maior
em
termos
comparativos,
chegando
ao
percentual
de
0,574342169%.
Como
as
duas
leis
orçamentárias
anuais
reservavam
percentual
muito
próximo,
utilizar-‐se-‐á
como
coeficiente
de
gasto
em
fiscalização
o
percentual
de
0,57%.
4
Site
oficial
da
BM&FBOVESPA
–
Bolsa
deValores,
Mercadorias
e
Futuros
S.A.:
http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/.
10
O
leitor
pode
se
estar
perguntando:
é
muito
gastar
0,57%
do
orçamento
para
ter
certeza
que
o
dinheiro
será
bem
empregado?
Como
já
dito,
impressão
inicial
pode
ser
a
de
que
0,57%
é
um
valor
insignificante
frente
ao
orçamento
total,
logo,
não
seria
uma
questão
relevante
a
ser
apreciada.
No
entanto,
para
fazer
um
cotejo
da
alocação
eficiente
de
valores
investidos,
tomar-‐se-‐á
a
comparação
de
grandes
sociedades
anônimas
e
os
valores
que
cada
uma
delas
investiu
em
encargos
trabalhistas
estampados
em
seus
balanços
publicados
no
site
oficial
da
BM&FBOVESPA.
A
escolha
das
companhias
levou
em
consideração
apenas
o
resultado
positivo
consistente
nos
últimos
anos,
o
que
permite
concluir
que
a
gestão
adotada
por
cada
uma
das
empresas
utilizadas
como
comparação
é
eficiente.
Escolheu-‐se
sociedades
de
setores
distintos
de
atuação
para
tentar
criar
uma
média
ponderada
do
gasto
com
empregados.
Privilegiou-‐se
sociedades
de
atividades
fazem
uso
intensivo
de
mão-‐de-‐obra,
no
intento
de
proporcionar
uma
comparação
mais
adequada
com
o
setor
público
que
essencialmente
presta
serviços.
Apresenta-‐se
a
tabela
a
seguir:
SOCIEDADE
RECEITA
–
R$
SALÁRIOS
E
PERCENTUA APLICAÇÀO
ENCARGOS
–
L
DO
R$
PERCENTUAL
DA
UNIÃO
(0,57%)
ESTÁCIO
3.184.505.000,00
122.461.000,0 3,845527013
18.151.678,50
PARTICIPAÇÕE 0
S
S.A.
LOJAS
RENNER
6.451.578.000,00
136.068.000,0 2,10906541
36.773.994,60
S.A.
0
MAGAZINE
9.508.745.000,00
188.390.000,0 3,845527013
18.151.678,50
LUIZA
S.A.
0
TELEFÔNICA
42.508.459.000,0 376.570.000,0 0,885870739
242.298.216,3
DO
BRASIL
S.A.
0
0
0
A
comparação
entre
a
receita
das
empresas
destacadas
na
amostra
e
os
valores
investidos
em
encargos
salariais,
demonstra
que
o
valor
total
não
ultrapassa
o
percentual
de
3,8%,
conforme
verificado
nas
companhias
Estácio
(setor
de
educação)
e
Maganize
Luiza
(setor
de
varejo).
Parece
evidente
que
as
empresas
comparadas
conferem
a
alguns
funcionários
as
atribuições
de
exercer
o
controle
e
elaborar
mecanismos
para
que
as
falhas
e
desvios
sejam
evitados
ou
pelo
menos
minimizados.
Não
se
consegue
extratificar
quanto
cada
11
empresa
dispendeu
com
tal
atividade,
de
todo
modo,
comparando
o
percentual
total
gasto
com
funcionários,
já
é
possível
observar
que
o
gasto
realizado
pela
União
em
órgão
de
fiscalização
é
comparativamente
alto.
Na
última
coluna
do
gráfico
aplicou-‐se
o
percentual
utilizado
pela
União
para
alocar
verbas
em
órgãos
de
fiscalização.
Verifica-‐se
que
se
as
empresas
tivessem
investido
apenas
em
controle
dos
seus
orçamentos
com
o
parâmetro
da
Administração
Pública
Federal,
teriam
uma
rubrica
equivalente
ao
gasto
total
com
pessoal.
É
emblemática
a
comparação
com
a
companhia
Telefônica.
Segundo
dados
extraídos
das
demonstrações
contábeis
disponibilizados
pela
empresa,
investiu-‐se
R$
376.570.000,00
em
encargos
trabalhistas
em
2016,
o
que
representou
0,88%
da
Receita
daquele
ano.
Se
a
Telefônica
utilizasse
o
mesmo
percentual
da
Administração
Pública
Federal
(0,57%),
teria
desembolsado
o
valor
de
R$
242.298.216,30,
quantia
próxima
do
valor
total
gasto
com
os
empregados
da
sociedade.
As
comparações
levadas
a
efeito
permitem
concluir
que
os
valores
investidos
pela
União
Federal
nos
seus
órgãos
de
controle
é
expressivo
e
se
comparado
com
o
investimento
de
grandes
companhias
privadas
com
todos
os
seus
empregados,
percebe-‐
se
uma
alocação
exagerada
de
recursos
humanos
e
financeiros
para
funções
que
podem
ser
gerenciadas
com
mais
ou
igual
eficiência
com
menos
recursos.
Pode-‐se
concluir
previamente
que
o
investimento
da
Administração
Pública
Federal
nas
instituições
oficiais
de
fiscalização
do
dinheiro
do
contribuinte
é
elevado
em
comparação
com
sociedades
anônimas
com
porte
expressivo
e
solidez
gerencial.
Logo,
a
boa
gestão
das
sociedades
privadas
na
está
associada
ao
investimento
expressivo
em
pessoal
ainda
que
se
tome
o
dado
bruto
de
gasto
total
com
empregados,
desconsiderando
que
a
parcela
majoritária
destes
não
se
dedica
diretamente
a
gestão
financeira
das
empresas
pesquisadas.
1.2. Exame
das
atribuições
e
o
exame
do
déficit
de
efetividade
do
controle
institucional
das
contas
públicas.
O
sistema
normativo
pátrio
conferiu
a
certas
instituições
as
prerrogativas
de
fiscalizar
o
dinheiro
dos
contribuintes,
conforme
já
destacado
acima.
No
plano
12
hipotético,
a
ordem
jurídica
assegurou
que
as
verbas
administradas
pelo
Poder
Público
fossem
exemplarmente
fiscalizadas,
o
que
tornaria
praticamente
impossível
o
aparecimento
de
focos
de
corrupção
e
desvio
de
dinheiro
do
orçamento
sem
que
os
controles
institucionais
percebessem.
Como
ressalvado,
trata-‐se
apenas
de
cogitação
hipotética
própria
do
plano
do
“dever-‐ser”.
Quando
se
perquire
a
fundo
as
administrações
públicas
(não
importa
o
nível
da
Administração,
não
importa
o
partido
político
do
governo,
não
faz
diferença
a
região
do
país),
verifica-‐se
com
uma
frequência
desalentadora
focos
de
desvio
e
irregularidades.
Depois
de
realizada
a
análise
dos
valores
investidos
nos
órgãos
oficiais,
cumpre
agora
examinar
a
produtividade
de
tais
órgãos,
avaliando
os
dados
oficiais
disponibilizados
nos
sites
oficiais
de
cada
instituição.
No
exercício
da
função
fiscalizatória
da
Câmara
de
Deputados,
identificou-‐se
um
total
de
sete
obras
que
poderiam
apresentar
grave
irregularidade
no
ano
de
2016,
conforme
gráfico
abaixo:
O
extrato
apresentado
pela
Câmara
de
Deputados
demonstra
que
a
produtividade
da
casa
em
matéria
de
fiscalização
do
orçamento
é
tímida,
para
dizer
o
mínimo.
No
entanto,
a
desídia
dos
parlamentares
fica
estampada
quando
examinada
as
13
contas
do
Governo
Federal
que
precisam
ser
apreciadas.
Consoante
determina
o
artigo
49,
IX
da
Constituição,
após
apreciação
do
Tribunal
de
Contas
da
União,
compete
ao
Congresso
Nacional
julgar
as
contas
prestadas
pelo
Presidente
da
República.
Segundo
informação
prestada
pela
Câmara
dos
Deputados
não
foram
examinadas
as
contas
prestadas
pela
Presidente
Dilma
Roussef
em
2014,
2015
e
parcela
de
2016,
já
que
em
razão
do
processo
de
impeachment,
o
Presidente
Michel
Temer
prestou
contas
parciais
em
relação
a
2016
que
igualmente
não
foi
apreciado.
Não
se
trata
de
qualquer
atraso,
o
Congresso
ainda
não
apreciou
as
contas
mais
polêmicas
da
história
da
República
que
resultaram
no
impedimento
da
Presidente
da
República.
No
entanto,
causa
perplexidade
verificar
que
o
Congresso
Nacional
não
apreciou
as
contas
do
Presidente
Fernando
Collor
cujo
mandato
remonta
aos
anos
de
1990
e
19915.
Não
se
pode
dizer
que
o
Congresso
padece
de
escassez
de
servidores,
quando
se
observa
que
a
apenas
na
consultoria
de
orçamento,
fiscalização
e
controle,
o
Parlamento
conta
com
32
servidores6.
Considerando
a
composição
da
Câmara
dos
Deputados
que
possui
513
parlamentares,
além
dos
assessores
pagos
pelos
contribuintes,
há
um
núcleo
responsável
pelo
exame
técnico
das
contas,
mas
ao
que
tudo
indica
o
setor
não
teve
oportunidade
as
contas
da
presidência
da
República
em
2016.
No
caso
do
Tribunal
de
Contas
da
União,
pode-‐se
identificar
uma
propensão
da
Corte
para
a
transparência.
O
Tribunal
de
Contas
disponibiliza
em
seu
site
oficial
um
relatório
de
anula
de
atividades
do
TCU7.
A
transparência
é
tamanha
que
na
própria
página
oficial
o
órgão
reconhece
a
sua
lentidão.
Atualmente,
de
acordo
com
dados
do
Tribunal,
o
prazo
entre
a
ocorrência
do
fato
que
originou
a
chamada
Tomada
de
Contas
Especial
(TCE)
e
a
primeira
apreciação
conclusiva
pelo
TCU
tem
sido
superior
a
sete
anos
em
um
em
cada
quatro
casos
(24,68%),
identificando-‐se
um
prazo
médio
é
de
5,54
anos.
O
valor
referente
às
TCE
em
aberto
no
TCU
hoje
está
próximo
de
R$
31
bilhões,
o
que
significa
dizer
que
o
cidadão
poderá
esperar
5,54
anos
para
que
se
tenha
uma
apreciação
conclusiva
pelo
Tribunal
de
Contas
da
União8.
Por
óbvio
que
este
prazo
não
https://www12.senado.leg.br/institucional/estrutura/orgaosenado?codorgao=1340
7
Site
do
TCU:
http://portal.tcu.gov.br/transparencia/relatorios/relatorios-‐de-‐atividades/.
8
Dados
obtidos
no
site
do
Tribunal
de
Contas
da
União:
http://portal.tcu.gov.br/main.jsp?lumPageId=8A95A98A41134B3C014113AF9BDD31BB&previewItemId
=8A8182A25EC59C0F016004867934714E&lumItemId=8A8182A15FFE09C4016003AADB781E15.
14
repercutirá
em
efetivo
retorno
para
o
cidadão,
pois
os
responsáveis
pela
abertura
do
TCE
seguramente
irão
recorrer
a
todas
as
esferas
possíveis,
retardando
a
solução
do
caso.
Como
os
dados
comparados
neste
estudo
foram
extraídos
do
ano
de
2016,
decidiu-‐se
examinar
o
relatório
apenas
deste
ano
por
se
tratar
dos
dados
mais
recentes
disponíveis
na
rede
mundial
de
computadores9.
O
Relatório
do
ano
de
2016
apresenta
uma
tabela
que
condensa
as
atividades
da
Corte
nos
últimos
anos,
comparando
os
resultados
obtidos
e
o
trabalho
realizado.
Chama
a
atenção
a
primeira
linha
da
tabela
que
faz
referência
a
“benefícios
financeiros”
alcançados
com
a
atuação
do
Tribunal
de
Contas
da
União.
Vale
reproduzir
a
tabela:
15
Não
se
encontra
qualquer
explicação
sobre
como
o
número
foi
apurado,
nem
sobre
o
que
se
considera
benefício
financeiro.
Pode-‐se
especular
que
os
trabalhos
realizados
pela
Corte
de
Contas
teriam
proporcionado
uma
dissuasão
de
atividade
irregular
e/ou
recuperação
de
valores
mal
aplicados.
Em
qualquer
circunstância,
o
valor
apurado
chama
a
atenção.
Examinando
o
número
de
fiscalizações
realizadas
em
2016,
nota-‐se
que
foram
realizadas
628
ações.
Considerando
que
o
ano
de
2016
teve
254
dias
úteis,
o
que
significa
uma
média
de
2,47
ações
de
fiscalização
por
dia.
Considerando
que
a
corte
possui
2.582
servidores
ativos,
pode-‐se
concluir
que
cada
servidor
se
responsabilizou
por
aproximadamente
0,24
fiscalização.
Pode-‐se
ainda
dizer
que
cada
ação
de
16
fiscalização
pode
contar
com
4,11
servidores.
Tomando
os
números
oficiais,
não
se
pode
considerar
que
a
Corte
de
Contas
usufruiu
de
forma
eficiente
de
seus
recursos
humanos.
A
Controladoria-‐Geral
da
União
passou
a
integrar
o
Ministério
da
Transparência
a
partir
da
assunção
do
Presidente
Michel
Temer.
Segundo
dados
disponibilizados
no
site
oficial
da
CGU,
observou-‐se
um
aumento
dos
chamados
“benefícios
financeiros”
que
no
gráfico
abaixo
apresenta
interessante
detalhamento:
Detalhamento
dos
Benefícios
Financeiros
BENEFÍCIO
201 201 2014
201 2016
201 TOT
FINANCEIRO
2
3
5
7
AL
17
administrativo
s
Recuperação
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
de
valores
230, 98,2 85,14
46,5 204,6
23,7 688,
pagos
1
7
milh 8
milhõ 8
5
indevidamente
milh milh ões
milh es
milh milh
ões
ões
ões
ões
ões
Redução
nos
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
valores
3,34
832, 65,25
428, 102,3
49,9 1,48
licitados/contr milh 6
milh 1
milhõ 4
bilhõ
atados,
ões
milh ões
milh es
milh es
mantendo
a
ões
ões
ões
mesma
quantidade
e
qualidade
necessárias
de
bens
e
serviços
Suspensão
de
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
pagamento
997, 965, 1,05
1,09
915
2,43
7,45
continuado
19
1
bilhõ bilhõ milhõ bilhõ bilhõ
indevido
milh milh es
es
es
es
es
ões
ões
TOTAL
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
2,33
2,74
7,54
2,38
2,87
4,5
22,3
bilh bilh bilhõ bilh milh bilh 8
18
ões
ões
es
ões
ões
ões
bilh
ões
*Atualizado
até
Dezembro
de
201710
Segundo
informação
prestada
pela
Controladoria-‐Geral
da
União,
no
ano
de
2016
foram
realizadas
53
operações
que
resultaram
na
“recuperação
de
R$
942
milhões”,
como
se
pode
identificar
no
quadro
apresentado
pelo
órgão:
As
informações
prestadas
pelo
órgão
não
estão
suficientemente
claras
para
se
avaliar
como
o
“o
potencial
prejuízo”
foi
mensurado.
Não
se
pode
afirmar
se
os
valores
são
especulações
sobre
possível
prejuízo
evitado
ou
se
as
cifras
remontam
a
cálculos
elaborados
pelos
técnicos
do
órgão.
Considerando
o
período
examinado
(2016),
há
10
Tabela
apresentada
pela
CGU
em
seu
site
oficial:
http://www.cgu.gov.br/assuntos/auditoria-‐e-‐
fiscalizacao/resultados
19
dúvida
sobre
a
origem
do
valor
encontrado.
Teria
sido
obra
da
atividade
fiscalizadora
do
órgão
ou
resultado
de
delações
e
acordos
de
leniência
celebrados
pelas
autoridades
no
âmbito
da
Lava-‐jato
e
outras
operações
policiais
em
curso?
Estas
informações
não
estão
expressas
no
relatório
disponibilizado
na
rede
mundial
de
computadores.
No
entanto,
a
despeito
da
incerteza
sobre
os
números
apresentados
uma
conclusão
é
possível
extrair:
cotejando
o
orçamento
de
2016
destinado
ao
órgão
que
correspondia
a
R$
880.492.490,00
com
o
valor
chamado
de
“potencial
prejuízo
apurado”
equivalente
a
R$
942.272.774,04,
observa-‐se
que
o
custo
da
manutenção
do
órgão
é
muito
próximo
do
suposto
“prejuízo
apurado”.
Em
outras
palavras,
se
o
órgão
não
existisse,
o
prejuízo
do
erário
seria
o
equivalente
a
R$
61.780.284,04,
isto
é,
menos
de
10%
do
orçamento
destino
à
Controladoria-‐Geral
da
União.
Se
a
comparação
for
estabelecida
com
o
orçamento
do
órgão
para
201711,
o
Ministério
da
Transparência
possuía
a
dotação
orçamentária
de
R$
985.127.148,00.
No
entanto,
o
“prejuízo
potencial
apurado”
no
mesmo
exercício
foi
de
R$
414.995.699,57.
Estabelecendo
a
mesma
linha
de
raciocínio,
se
o
órgão
não
existisse
e
admitindo-‐se
que
nenhum
“prejuízo
potencial”
fosse
apurado,
chegar-‐se-‐ia
a
economia
de
R$
570.131.448,43.
Em
resumo,
pegando-‐se
o
orçamento
do
órgão
de
fiscalização
e
cotejando
com
o
“prejuízo
potencial
apurado”
pelo
próprio
órgão,
pode-‐se
concluir
que
é
mais
econômico
para
a
população
brasileira
não
fiscalizar.
Para
o
leitor
inteligente
e
bem-‐intencionado
seria
demasiado
esclarecer
que
jamais
se
objetivou
com
as
comparações
apresentadas
buscar
a
extinção
de
importantes
órgãos
de
fiscalização.
A
única
intenção
do
estudo
apresentado
consiste
em
demonstrar
que
a
despeito
do
volume
expressivo
de
dinheiro
dos
contribuintes
investido,
não
se
tem
debelado
a
corrupção
sistêmica
e
umas
das
explicações
possíveis
é
a
ineficiência
dos
órgãos
de
fiscalização.
Feito
o
esclarecimento,
impõe-‐se,
por
derradeiro,
examinar
a
atuação
do
Ministério
Público
na
fiscalização
do
dinheiro
gerido
pelo
a
Administração
Pública.
Como
dito,
não
se
desconhece
o
importante
papel
de
cada
uma
das
instituições
e
talvez
nenhuma
tenha
ganhado
tanto
destaque
nos
últimos
anos,
quanto
o
Ministério
Público
Federal,
em
especial,
os
agentes
ministeriais
que
atuam
na
Força-‐Tarefa
da
Lava-‐Jato.
2017.
20
Segundo
informação
extraída
do
site
oficial
do
Ministério
Público
Federal,
em
matéria
orçamentária,
o
parquet
adotou
1.964
medidas
no
âmbito
extrajudicial
e
110
medidas
judicias12.
O
número
parece
tímido,
porém
se
analisado
o
relatório
perceber-‐se-‐
á
que
a
atuação
em
favor
da
correta
aplicação
do
dinheiro
público
foi
desdobrada
em
outros
temas
da
seguinte
forma:
Agentes
Políticos
412
Atos
Administrativos
12.514
Contratos
Administrativos
101
Intervenção
no
Domínio
Econômico
20
Licitações
618
Orçamento
110
Organização
Político-‐administrativa
/
Administração
Pública
539
Responsabilidade
da
Administração
365
Responsabilidade
Fiscal
175
Serviços
2.57213
Total
17.426
A
Procuradoria-‐Geral
da
República
não
divulga
o
montante
recuperado
ou
prejuízos
evitados
pela
atuação
de
seus
procuradores.
No
entanto,
uma
comparação
é
possível
fazer
a
partir
da
mais
rumorosa
operação
sob
a
coordenação
do
Ministério
Público
Federal.
Segundo
dados
da
operação
Lava-‐Jato,
foi
possível
recuperar
o
valor
de
R$
756,9
milhões
e
R$
10,3
bilhões
são
alvo
de
recuperação
(espera-‐se
recuperar)14.
No
entanto,
apenas
com
a
intervenção
do
Departamento
de
Justiça
dos
Estados
Unidos
e
as
class
actions
instauradas
naquele
país
por
parte
dos
acionistas
lesados,
foi
celebrado
em
um
único
acordo
o
valor
de
US$
2.95
bilhões
ou
aproximadamente
R$
9,6
bilhões15.
instancia/parana/resultado
15
A
notícia
foi
amplamente
divulgada
pela
mídia
brasileira.
Apenas
a
título
ilustrativo,
indicação
a
fonte
21
Equivale
a
dizer
que
o
resultado
das
instituições
americanas
em
apenas
uma
parcela
da
corrupção
descoberta
pela
Lava-‐Jato
é
12,6
vezes
maior
que
o
resultado
apresentado
no
hot-‐site
da
força
tarefa
da
Lava-‐Jato.
Não
é
demasiado
repetir
que
não
se
está
retirando
a
importância
dos
órgãos,
muito
menos
dos
trabalhos
desenvolvidos
até
o
presente
momento
e
que
pouparam
o
cidadão
brasileiro
de
sofrer
maior
espoliação
de
grupos
criminosos.
A
proposta
da
investigação
é
avaliar
a
eficiência
dos
órgãos
de
controle
e
por
todos
os
motivos
já
apresentados,
as
instituições
fiscalizatórias
estão
longe
de
um
nível
de
excelência
esperado
com
o
valor
investido
até
o
momento.
2. A
transparência
e
o
controle
orçamentário
pelo
cidadão.
No
início
do
texto,
demonstrou-‐se
que
o
texto
constitucional
adota
uma
posição
muito
clara
de
valorização
do
cidadão,
elevando-‐o
a
uma
posição
de
destaque
na
constituição
e
legitimação
do
poder.
Pela
imbricação
das
normas
constitucionais
acima
identificadas
é
possível
afirmar
com
precisão
que
o
poder
emana
do
povo
e
este
elege
seus
representantes
e
fiscaliza
o
exercício
dos
mandatos.
Não
por
outro
motivo
é
que
a
Constituição
assegura
ao
cidadão
a
prerrogativa
de
oferecer
denúncia
perante
o
Tribunal
de
Contas
da
União
(art.
74,
§2°,
CRFB).
No
entanto,
a
participação
do
cidadão
na
administração
dos
bens
públicos
depende
essencialmente
da
facilitação
do
acesso
aos
dados,
documentos
e
peças
orçamentárias,
pois
é
o
cidadão
o
verdadeiro
“dono”
do
dinheiro
administrado
pelos
gestores
eleitos.
Logo,
o
princípio
da
publicidade
da
Administração
Pública
(art.
37,
CRFB)
consubstancia-‐se
no
princípio
constitucional
capaz
de
determinar,
como
diretriz
geral,
a
transparência
dos
atos
da
Administração
Pública
e,
sobretudo,
da
gestão
orçamentária
(LIMBERGER,
2017).
Assim,
de
1988
até
hoje,
tem-‐se
notado
uma
preocupação
das
administrações
em
tornar
público
os
orçamentos
de
suas
gestões.
Imbuído
neste
espírito,
estimulou-‐se
o
cidadão
a
acompanhar
de
perto
a
elaboração
e
execução
dos
orçamentos,
incentivados
e
promovidos
das
mais
diversas
formas,
como
por
exemplo,
a
publicação
das
contas
na
sede
da
administração,
a
divulgação
pela
mídia
impressa,
radiofônica
ou
televisiva
e,
mais
recentemente,
pela
internet.
22
Assim,
depreende-‐se
que
uma
característica
marcante
da
transparência
fiscal
é
a
disponibilização
das
informações
orçamentárias
ao
público
(LIMBERGER,
2008).
A
ideia
é
tão
basilar
que
foi
objeto
de
discussão
das
reuniões
temáticas
do
Fundo
Monetário
Internacional,
culminando
com
a
elaboração
do
Código
de
Boas
Práticas
para
a
Transparência
Fiscal16.
No
instrumento,
fica
ressaltado
que
as
informações
fiscais
devem
esclarecer
o
público
sobre
as
atividades
orçamentárias
já
realizadas,
as
em
curso
e
aquelas
que
ainda
serão
praticadas.
Hodiernamente,
a
forma
mais
eficaz
de
tornar
pública
as
informações
e
democratizar
o
acesso
a
elas
é
através
dos
meios
eletrônicos,
em
especial
pela
internet.
Não
menos
importante
neste
contexto
foi
o
advento
da
Lei
de
Responsabilidade
Fiscal,
que,
pela
primeira
vez
preceituou
a
utilização
de
meios
eletrônicos
para
tornar
público
os
planos
orçamentários-‐financeiros17.
A
disposição
legal
mostrou-‐se
inovadora,
na
medida
em
que
o
ordenamento
jurídico
não
dispunha
de
mandamento
legal
semelhante.
Apesar
de
já
existirem,
à
época,
iniciativas
do
Poder
Público
no
sentido
de
tornar
pública
as
atividades
fiscais
através
da
Internet,
é
inegável
o
papel
incentivador
da
lei.
Incontinenti,
foi
editada
a
Lei
nº
9.755
de
16
de
dezembro
de
1998,
que
determinou
a
criação
de
uma
“home-‐page”
para
o
Tribunal
de
Contas
da
União
e,
de
forma
destacada,
passou
a
atender
preceito
constitucional
e
vertido
na
legislação
ordinária18.
A
partir
desses
instrumentos
normativos,
houve
uma
disseminação
de
sites
governamentais
que
paulatinamente
foram
disponibilizando
informações
sobre
as
contas
públicas,
o
que,
sem
sombra
de
dúvida,
confere
uma
maior
confiabilidade
na
administração
e,
ao
mesmo
tempo,
fortalece
a
democracia.
A
transparência
prevista
pela
Lei
de
Responsabilidade
Fiscal
afina-‐se
com
as
modificações
estruturais
introduzidas
pela
Emenda
Constitucional
no
19/98,
que
versou
sobre
a
reforma
administrativa,
pela
qual
se
criou
o
direito
do
usuário,
visando,
por
exemplo,
a
prevenção
dos
riscos
orçamentários.
Diz
a
Lei
de
Responsabilidade
Fiscal
em
seu
art.
48
que:
16 O Fundo Monetário Internacional elaborou uma cartilha, elencando boas práticas e medidas basilares
uma
outra
forma
de
divulgação
e
publicização
das
informações
que
não
a
convencional.
Portanto,
entende-‐se
que
os
meios
eletrônicos
são
uma
categoria
a
mais
na
forma
de
publicação
das
informações
fiscais,
além
daqueles
anteriormente
previstas.
18
V.
sobre
o
tema
o
site:
www.contaspublicas.com.br.
23
“Art.
48.
São
instrumentos
de
transparência
da
gestão
fiscal,
aos
quais
será
dada
ampla
divulgação,
inclusive
em
meios
eletrônicos
de
acesso
público:
os
planos,
orçamentos
e
leis
de
diretrizes
orçamentárias;
as
prestações
de
contas
e
o
respectivo
parecer
prévio;
o
Relatório
Resumido
da
Execução
Orçamentária
e
o
Relatório
de
Gestão
Fiscal;
e
as
versões
simplificadas
desses
documentos.
Parágrafo
único.
A
transparência
será
assegurada
também
mediante
incentivo
à
participação
popular
e
realização
de
audiências
públicas,
durante
os
processos
de
elaboração
e
de
discussão
dos
planos,
lei
de
diretrizes
orçamentárias
e
orçamentos.”
A
redação
do
artigo
desempenha
a
representação
essencial
dos
objetivos
inspiradores
da
lei,
naquilo
que
ela
possui
de
mais
inovador.
Para
o
alcance
e
manutenção
do
equilíbrio
fiscal
funda-‐se
a
ideia
de
que
a
transparência
auxilia
no
controle
e
fiscalização
da
distribuição
de
recursos
pelas
dotações
orçamentárias.
A
transparência
é
o
fio
condutor
entre
o
equilíbrio
fiscal
(objetivo)
e
o
planejamento
(operação),
como
meio
mais
seguro
de
auxílio
ao
controle
da
gestão
fiscal.
Portanto,
não
se
pode
conceber
que
na
segunda
década
do
século
XXI
ainda
existam
entes
federados
opacos
ou
com
pouca
informação
disponível
aos
cidadãos.
De
outro
lado,
igualmente
não
se
pode
admitir
que
cidadãos
se
quedem
inertes
frente
aos
instrumentos
e
mecanismos
colocados
à
sua
disposição
para
debelar
o
mal
uso
da
máquina
pública.
Algumas
explicações
podem
ser
apresentadas
para
a
letargia
do
cidadão
brasileiro.
2.1.
O
equivocado
conceito
de
“dinheiro
público”.
Problemas
conceitual
a
ser
superado.
Margaret
Thatcher,
Primeira-‐Ministra
britânica
entre
os
anos
de
1979
a
1990,
proferiu
um
célebre
discurso,
cujo
excerto
merece
ser
transcrito
para
esclarecer
o
ponto
suscitado19:
24
“One
of
the
great
debates
of
our
time
is
about
how
much
of
your
money
should
be
spent
by
the
State
and
how
much
you
should
keep
to
spend
on
your
family.
Let
us
never
forget
this
fundamental
truth:
the
State
has
no
source
of
money
other
than
money
which
people
earn
themselves.
If
the
State
wishes
to
spend
more
it
can
do
so
only
by
borrowing
your
savings
or
by
taxing
you
more.
It
is
no
good
thinking
that
someone
else
will
pay—that
“someone
else”
is
you.
There
is
no
such
thing
as
public
money;
there
is
only
taxpayers'
Money”.
Segundo
as
palavras
da
Dama
de
Ferro,
“não
existe
esse
negócio
de
dinheiro
público:
só
existe
o
dinheiro
dos
contribuintes”.
Não
por
acaso,
este
texto
jamais
utilizou
a
expressão
dinheiro
público.
Esta
observação
pode
parecer
puramente
semântica,
mas
a
possível
explicação
para
a
indiferença
do
povo
brasileiro
com
a
má
aplicação
do
dinheiro
dos
contribuintes
pode
ser
explicada
com
a
incorreta
ideia
de
que
há
dinheiro
público
e
dinheiro
privado.
Como
dito
por
Margaret
Thatcher,
o
Estado
não
possui
outra
fonte
de
receita
além
da
expropriação
do
dinheiro
do
cidadão
por
meio
da
tributação
ou
outros
artifícios
nada
republicanos
como
retirar
da
sociedade
por
meio
da
furtiva
justificativa
de
assegurar
ao
trabalhador
o
Fundo
de
Garantia
por
Tempo
de
Serviço
(FGTS).
Pode-‐se
afirmar,
portanto,
que
não
existe
dinheiro
público.
Existe
dinheiro
do
contribuinte
que
momentaneamente
está
sob
a
administração
do
Estado
e
deve
ser
usado
da
forma
mais
eficiente
e
inteligente
possível
para
maximizar
a
satisfação
do
cidadão.
A
falácia
de
divisar
o
dinheiro
público
e
o
dinheiro
privado
só
tem
servido
para
criar
um
distanciamento
e
uma
indiferença
por
parte
do
cidadão
brasileiro
que
se
choca
com
os
recorrentes
escândalos
de
corrupção,
mas
alenta-‐se
na
equivocada
ideia
que
o
dinheiro
desviado
é
público
e
não
o
seu.
A
lição
do
prêmio
nobel
de
economia,
Milton
Friedman,
sobre
as
formas
de
gastar
dinheiro
é
esclarecedora.
Em
entrevista
concedida
para
a
rede
de
televisão
Fox
News
em
maio
de
2004,
o
economista
afirmou
que
existe
quatro
formas
de
se
gastar
o
dinheiro.
É
possível
gastar
o
seu
dinheiro
consigo
mesmo.
Neste
caso,
você
buscará
buscar
a
melhor
alocação
possível,
gastando
o
mínimo
e
esperando
receber
o
máximo.
A
segunda
forma
é
você
gastar
o
seu
dinheiro
em
favor
de
outra
pessoa.
Neste
caso,
você
não
se
preocupará
muito
com
a
qualidade,
mas
será
zeloso
com
com
o
custo.
Uma
terceira
forma
de
gastar
dinheiro
é
utilizar
a
quantia
de
alguém
consigo
mesmo.
Neste
caso,
é
muito
provável
que
o
cuidado
com
o
custo
não
seja
prioridade,
mas
a
qualidade
do
gasto
certamente
será.
25
Por
fim,
é
possível
gastar
o
dinheiro
de
alguém
em
favor
de
um
terceiro.
Nesta
hipótese,
a
preocupação
em
economizar
e
em
obter
o
melhor
resultado
não
serão,
via
de
regra,
preocupações
daquele
encarregado
de
aplicar
o
dinheiro.
Na
entrevista,
Milton
Friedman
conclui,
dizendo
que
o
último
caso
corresponde
ao
governo
que,
no
caso
do
Brasil,
apropria-‐se
de
32,38%
do
produto
interno
bruto
e
gasta
mal
o
dinheiro
administrado20.
Dessa
forma,
é
preciso
por
fim
à
infeliz
expressão
“dinheiro
público”
e
conscientizar
a
população
que
o
dinheiro
sob
a
gestão
estatal
é
dinheiro
dos
contribuintes
e
que
deve
ser
aplicado
da
forma
mais
eficiente
possível,
consoante
preconiza
o
artigo
37
da
Constituição.
2.2. O
exercício
da
cidadania
no
controle
das
contas
públicas
e
os
casos
bem-‐sucedidos
de
fiscalização:
o
uso
da
inteligência
artificial
em
prol
do
controle
orçamentário.
Buscando
dar
efetividade
aos
dispositivos
constitucionais
e
infraconstitucionais
acima
elencados,
o
Tribunal
de
Constas
da
União
elaborou
uma
cartilha
de
orientações
ao
cidadão
para
que
ele
possa
desempenhar
adequadamente
a
fiscalização
do
seu
dinheiro21.
Como
destacado
acima,
é
preciso
elevar
o
cidadão
para
o
patamar
que
a
Constituição
lhe
reservou,
assegurando
todas
as
prerrogativas
inerentes
ao
exercício
da
cidadania.
A
transparência
e
o
livre
acesso
à
informação
são
instrumentos
eficientes
de
promoção
da
participação
do
cidadão
na
Administração
Pública.
Dois
exemplos
bem-‐sucedidos
de
fiscalização
popular
do
orçamento
podem
servir
de
estímulo
e
alento
para
aqueles
que
já
perderam
a
esperança
de
um
país
mais
honesto.
Um
caso
de
sucesso
é
a
chamada
“Operação
Política
Supervisionada”
(OPS)
que
dedicou-‐se
a
fiscalizar
de
forma
detalhada
os
gastos
realizados
pelos
parlamentares
do
20
A
carga
tributária
acima
referida
foi
publicada
pela
Receita
Federal
em
seu
site
oficial:
http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2017/dezembro/carga-‐tributaria-‐bruta-‐atingiu-‐32-‐38-‐
do-‐pib-‐em-‐2016
21
O
site
do
Tribunal
de
Contas
da
União
disponibiliza
a
Carta
de
Serviços
ao
Controle
Social:
http://portal.tcu.gov.br/main.jsp?lumPageId=8A8182A24ED12B19014ED646CE5E1FC0&previewItemId
=8A8182A2602338900160373ADD0C513F&lumItemId=8A8182A2602338900160374553726736
26
Congresso
Nacional.
Segundo
informação
prestada
pela
organização,
já
foi
possível
economizar
mais
de
R$
5,5
milhões
de
dinheiro
dos
contribuintes22.
Trata-‐se
de
um
blog
lançado
na
rede
mundial
de
computadores
que
recebe
denúncias
de
qualquer
pessoa
e
confronta
os
dados
com
as
informações
prestadas
pelo
Congresso
Nacional
na
rubrica
denominada
Cota
para
Exercício
da
Atividade
Parlamentar
(CEAP).
Com
um
mecanismo
colaborativo
e
uma
ferramenta
que
utiliza
a
tecnologia
da
informação
por
meio
de
um
código
fonte
disponível
para
qualquer
indivíduo
que
deseje
acessar
e
aperfeiçoá-‐lo,
o
movimento
tem
obtido
resultado
expressivo
sem
qualquer
investimento
estatal.
Pode-‐se
identificar
um
movimento
interessante
que
está
surgindo
na
sociedade,
envolvendo
jovens
cidadãos
com
elevada
capacidade
criativa
e
domínio
de
novas
tecnologias
para
fazer
com
poucos
recursos
o
trabalho
que
demandaria
o
esforço
de
inúmeros
servidores
públicos.
O
domínio
de
Data
Science,
Machine
Learning,
Big
Data,
Inteligência
Artificial,
Neural
Networks,
Data
Mining
são
vários
termos
para
designar
tecnologias
diferentes
para
o
tipo
de
combate
à
corrupção
brasileira
que
tem
se
verificado
recentemente.
Sobre
o
tema,
é
interessante
apresentar
o
segundo
caso
de
fiscalização
eficiente
conduzida
por
um
grupo
de
jovens
criativos.
Trata-‐se
da
“Operação
Serenata
de
Amor”,
um
projeto
desenvolvido
originalmente
pelo
cientista
de
dados
Irio
Musskopf
e
depois
acompanhado
por
mais
pessoas.
O
projeto
surgiu
ao
perceber
que
ainda
existiam
muitas
brechas
no
uso
de
tecnologia
para
fiscalizar
gastos
de
parlamentares.
Criou-‐se
a
partir
de
ferramentas
de
inteligência
artificial,
um
robô
chamado
“Rosie”,
cuja
programação
permite
analisar
cada
pedido
de
reembolso
dos
deputados
e
identificar
a
probabilidade
de
ilegalidade23.
Segundo
relatório
apresentado
pelo
projeto,
foi
captado
o
valor
inicial
de
R$
80.424,0024.
Para
efeitos
de
comparação,
a
Câmara
dos
Deputados
realizou
a
licitação
pela
modalidade
pregão
eletrônico
que
resultou
na
contratação
de
um
software
no
valor
de
R$
1.780.000,0025.
O
projeto
contabiliza
629
denúncias
formalizadas,
envolvendo
216
deputados,
representando
o
questionamento
de
R$
378.000,00.
Depois
de
mais
de
8.000
casos
de
%C3%BAltima-‐serenata-‐c538f145c2f3
25
Informação
disponível
no
relatório
da
Câmara
dos
Deputados:
http://www2.camara.leg.br/a-‐
camara/estruturaadm/gestao-‐na-‐camara-‐dos-‐deputados/contas-‐da-‐camara/ano-‐de-‐2015/relatorio-‐de-‐
gestao-‐2015
27
suspeitas,
cujo
valor
ultrapassa
a
cifra
de
R$
2
milhões,
muitas
irregularidades
foram
espontaneamente
corrigidas
pelos
parlamentares,
conforme
documentam
os
relatórios
do
projeto26.
O
uso
da
inteligência
artificial
e
do
que
vem
a
ser
chamado
de
“machine
learning”
como
no
caso
da
robô
Rosie
é
o
futuro
descortinando
esperança
para
um
controle
eficiente
do
gasto
público.
A
tecnologia
empregada
vale-‐se
de
um
algorítimo
capaz
de
descobrir
sozinho
padrões
e
se
tornar
“mais
inteligente”
a
ponto
de
poder
fazer
previsões
(COGLIANESE,
Cary
e
LEHR,
2017).
As
aplicações
da
inteligência
artificial
e
da
machine
learning
são
múltiplas
e
estão
sendo
aplicadas
nos
Estados
Unidos,
consoante
relatam
os
professores
Coglianese
e
Lehr
em
estudo
que
aborda
a
utilização
da
tecnologia
nas
agências
norte-‐americanas
(COGLIANESE,
Cary
e
LEHR,
2017),
chegando-‐se
a
afirmar
que
não
se
controverte
mais
sobre
a
aplicação
ou
não
da
tecnologia.
No
contexto
norte-‐americano
discute-‐se
se
a
utilização
intensiva
da
inteligência
artificial
poderia
conflitar
com
institutos
caros
do
Administrative
law,
como:
non
delegation,
due
process,
non
discrimination
e,
por
mais
curioso
que
possa
parecer,
transparência
(COGLIANESE,
Cary
e
LEHR,
2017).
Isso
porque
a
tomada
de
algumas
decisões
delegadas
para
as
máquinas
poderia
suscitar
a
opacidade
das
decisões
e
um
retrocesso
do
ponto
de
vista
democrático.
Portanto,
a
participação
da
sociedade
e
o
uso
intensivo
da
tecnologia
podem
representar
uma
alternativa
para
o
combate
a
uma
praga
que
dizima
vidas,
sonega
oportunidades
e
retira
do
cidadão
a
capacidade
de
sonhar
com
um
futuro
melhor
que
é
a
corrupção.
Por
meio
de
tecnologias
hoje
disponíveis
é
possível
realizar
o
trabalho
de
muitos
servidores
que
levaria
anos
em
poucos
minutos
e
a
um
custo
baixíssimo.
Basta
que
se
tenha
capacidade
de
articulação
e
indignação.
Conclusões
Como
se
pretendeu
deixar
claro
desde
os
primeiros
parágrafos
do
ensaio,
a
pesquisa
jamais
teve
a
intenção
de
negar
a
importância
e
o
papel
dos
órgãos
oficias
de
26 Neste relatório, são apresentados os casos em que os parlamentares se desculparam e informaram que
28
fiscalização
mencionados
no
texto.
A
importância
e
o
papel
de
cada
instituição
estão
definidos
pela
Constituição
que
por
tão
somente
possuir
status
constitucional
já
serve
de
reconhecimento
da
relevância
no
ordenamento
jurídico
brasileiro.
No
entanto,
a
pesquisa
procura,
de
forma
provocativa,
questionar
a
eficiência
do
gasto
estatal
em
fiscalização
do
dinheiro
dos
contribuintes
motivado
especialmente
pela
profusão
de
escândalos
e
casos
de
corrupção
que
aparecem
com
cada
vez
mais
frequência.
Diante
das
tecnologias
disponíveis
da
velocidade
que
as
inovações
surgem,
não
se
pode
imaginar
que
os
órgãos
oficiais
sejam
capazes
de
resolver
sozinhos
os
problemas
de
um
país
continental
como
o
Brasil.
Dessa
forma,
o
uso
coordenado
de
tecnologias
disruptivas
com
o
apoio
dos
poderes
institucionalmente
legitimados
pode
ser
a
chave
para
se
alcançar
maior
eficiência
na
fiscalização
do
dinheiro
dos
contribuintes.
Dessa
forma,
acredita-‐se
que
as
verbas
alocadas
no
orçamento
da
União
para
os
órgãos
encarregados
de
fiscalizar
o
uso
e
destino
do
dinheiro
sob
a
gestão
estatal
podem
ser
melhor
utilizadas
quanto
maior
for
o
investimento
em
tecnologia
da
informação.
Dentre
os
dados
cotejados
no
artigo
pode-‐se
reproduzir
a
comparação
entre
o
orçamento
do
projeto
Serenata
de
Amor
que
foi
desenvolvido
com
R$
80.000,00,
enquanto
que
a
Câmara
dos
Deputados
licitou
um
software
desembolsando
a
quantia
de
R$
1.780.000,00.
Este
exemplo
ilustra
com
exatidão
a
provocação
lançada
no
estudo
e
que
se
espera
repercuta
e
alcance
muitos
cidadãos
ciosos
de
seu
dever.
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31
A responsabilidade civil pelos
atos autônomos da inteligência
artificial: notas iniciais sobre a
resolução do Parlamento Europeu
Liability for artificial intelligence
autonomous acts: initial notes
on the European Parliament
resolution
The dichotomy between smart metering and the protection of consumer’s personal
data in Brazilian Law. ...................................................................................................275
Lucas Noura Guimarães
Não adianta nem tentar esquecer: um estudo sobre o direito ao esquecimento. ..... 412
José Augusto Fontoura Costa e Geraldo Miniuci
Direito autoral na cibercultura: uma análise do acesso aos bens imateriais a partir
das licenças creative commons 4.0.................................................................................539
Gabriela Maia Rebouças e Fernanda Oliveira Santos
O uso monopolista do Big Data por empresas de aplicativos: políticas públicas para
um desenvolvimento sustentável em cidades inteligentes em um cenário de economia
criativa e de livre concorrência. .................................................................................672
José Antonio Remedio e Marcelo Rodrigues da Silva
1. Introdução....................................................................................................................................... 673
2. A urbanização das cidades e a sociedade em rede: economia criativa, colaborativa e compartilhada
como formas de concretização de funções sociais da cidade............................................................ 674
4. Concorrência e Big Data Business relevantes às Smart Cities: estudo de caso envolvendo a
aquisição do Waze pelo Google.......................................................................................................... 686
5. Considerações finais....................................................................................................................... 689
Referências.......................................................................................................................................... 690
Resumo
1. Introdução
A ideia de que o ser humano conseguiria, em determinado momento da história, desenvolver máquinas
que pudessem pensar por si próprias e agir de forma autônoma está presente na nossa literatura e cinema
como gênero de ficção científica.1 O que era ficção, porém, vem se tornando a mais pura realidade e deverá
revolucionar a forma como os seres humanos realizam as suas tarefas cotidianas, o trabalho e a forma como
interagem em sociedade, repercutindo, pois, em novos fatos jurídicos.
Os programas de computador vêm adquirindo a capacidade de atuar de forma totalmente autônoma,
ou seja, deixam o status de ferramenta, e passam a desempenhar ações independentes de uma direção ou
instrução específica determinada por um ser humano, mediante o uso da tecnologia de Inteligência Artificial
(IA). Na verdade, tais computadores terão por base informações que eles próprios irão adquirir e analisar
e, muitas vezes, irão tomar decisões cujas consequências serão danosas, em circunstâncias que não foram
antecipadas por seus criadores.
Conquanto passem a atuar sem o aval e, muitas vezes, sem o conhecimento de seus programadores, as
ações praticadas pela IA, por óbvio, acarretam repercussões jurídicas e, portanto, demandam soluções de
forma premente. Sobretudo no âmbito da Internet, a IA já está presente nos provedores de aplicação de
comércio eletrônico, de redes sociais e das principais plataformas de busca e de compartilhamento de dados.
Logo essas máquinas, que operam e tomam decisões de forma independente, serão introduzidas no merca- Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
do. Estima-se que os primeiros dispositivos de IA verdadeiramente autônomos — que devem, inclusive, pôr
à prova a adequação das regras de responsabilidade civil atuais — serão os carros projetados para funcionar
sem motoristas.2
Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo introduzir o problema da imputação de responsa-
bilidade por danos causados pelos atos independentes praticados por esse tipo de tecnologia. Não é objeto
do presente estudo apresentar uma resposta correta ou mesmo a solução aplicável ao atual cenário brasileiro,
1 Uma versão mais primitiva do conceito remete ao clássico mito do Frankstein, considerado a primeira obra de ficção científica
da história — que não deixa de tratar sobre um organismo inteligente criado pelo homem que, em determinado ponto, volta-se con-
tra o próprio criador —, até as versões robóticas, dentre as quais o clássico do cinema “Inteligência Artificial”, de Steven Spielberg,
ou mesmo o popular desenho animado The Jetsons.
2 Cf. VLADECK, David C. Machines without principals: liability rules and Artificial Intelligence. Washington Law Review, n. 89, p.
117, 2014.
240
PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
onde os estudos acerca da temática ainda são incipientes. O intuito é, justamente, iniciar os debates com
base na recente doutrina estrangeira e verificar como tais considerações dogmáticas estão sendo tratadas
no âmbito da União Europeia, em razão da postura de vanguarda assumida pela organização no estabeleci-
mento de princípios éticos básicos a serem respeitados no desenvolvimento, na programação e na utilização
de IA e de robôs, visando à integração desses princípios nos regulamentos e na legislação dos seus estados-
-membros para a prevenção de danos, bem como na regulação de questões da responsabilidade civil quanto
aos potenciais danos.
Para tanto, na primeira parte, é apresentado o conceito de Inteligência Artificial (IA), as suas principais
características, notadamente a falta de limites em relação aos resultados que ela pode alcançar, bem como
exemplos atuais da sua aplicação. Apresentam-se os possíveis riscos e danos que dela possam derivar, espe-
cialmente quanto aos objetivos secundários adotados pela IA para se alcançar o fim determinado.
Na segunda parte do artigo, passa-se à análise do debate que vem sendo travado no cenário da União
Europeia, registrado, recentemente, na Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com
recomendações à Comissão de Direito Civil sobre Robótica (2015/2103(INL)). O exame terá como enfo-
que as disposições da resolução relacionadas com a responsabilidade civil pelos danos causados pelos atos
autônomos da IA, contrapondo-se, quando possível, a abordagem conferida pela doutrina estrangeira, que
tem buscado enquadrar a IA em diferentes teorias, quais sejam: a IA como ferramenta e a responsabilidade
indireta do usuário ou proprietário; a IA como produto e a responsabilidade dos fabricantes; e a IA como
risco criado e a responsabilidade objetiva daquele a quem o risco aproveita (deep-pocket) ou pela abordagem
da gestão de riscos.
Não será realizada uma análise qualitativa dessas teorias ou abordagens, tampouco será enfrentada a
maior ou menor possibilidade de adequação dessas teorias para solucionar os problemas postos de acordo
com algum ordenamento jurídico específico. Basta ao escopo proposto, tão somente, a identificação das
disposições da resolução europeia que se relacionam mais diretamente com as principais características das
abordagens referidas e o seu contraponto.
A habilidade de acumular experiências e delas extrair lições e aprendizado, bem como a capacidade
de agir de forma independente e tomar decisões de modo autônomo sempre foram associadas como as
principais características da inteligência humana, um dos traços que, inclusive, distingue o ser humano dos
demais seres vivos. Uma revolução na nossa civilização está prestes a tomar proporções até pouco tempo
inimagináveis, justamente porque foi possível mimetizar a forma como o ser humano aprende, por meio de
algoritmos aplicados em programas de computador, uma criação que não conhece limitações teóricas e que, Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
por isso mesmo, foi denominada Inteligência Artificial (IA).
Antes do advento dessa tecnologia, a programação de computadores resumia-se ao processo de des-
crever, detalhadamente, todas as etapas necessárias para que um computador realizasse determinada tarefa
e alcançasse um determinado objetivo. A sequência de instruções derivada desse processo, que diz a um
computador o que fazer, é justamente o algoritmo,3 de forma que, até então, tudo o que um programa de
computador fosse capaz de realizar deveria ser determinado por um algoritmo específico.
Assim, como se infere da própria definição, não era possível a um computador realizar algo que o pro-
gramador não soubesse fazer ele próprio, já que era necessário descrever, pormenorizadamente, as ações
3 DOMINGOS, Pedro. The master algorithm: How the quest for the ultimate learning machine will remake our world. New York:
Basic Books, 2015.
241
PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
desempenhadas pelo programa. A IA é, de fato, uma revolução tecnológica, porque passa a possibilitar que
os programas de computador sejam criativos e desenvolvam, eles próprios, a habilidade de desempenhar
ações e chegar a resultados que os seus criadores não eram capazes de alcançar ou de prever.
Para definir a Inteligência Artificial, Russel e Norvig4 identificam duas principais características: uma
associada como processo de raciocínio e motivação, e outra ligada ao comportamento. Nesse sentido, a
principal diferença entre um algoritmo convencional e a IA está, justamente, na habilidade de acumular
experiências próprias e extrair delas aprendizado, como um autodidata. Esse aprendizado, denominado de
machine learning5, permite à IA atuar de forma diferente em uma mesma situação, a depender da sua perfor-
mance anterior — o que é muito similar à experiência humana.
A modelagem cognitiva e as técnicas de racionalização permitem maior flexibilidade e a criação de pro-
gramas de computador que podem “compreender”, isto é, que apresentam a capacidade de uma pessoa
racional, como num processo da atividade cerebral.6 Tudo isso é possível graças a um algoritmo inspirado
no processo por meio do qual o cérebro humano funciona, chamado de deep learning7, que é uma subdivisão
do machine learning. Como resultado, tal algoritmo não conhece limitações teóricas sobre o que ele mesmo
pode alcançar: quanto mais dados o programa receber, maior será a sua aprendizagem e aptidão para realizar
atividades diversas.
Assim, quando um problema é dado para a IA resolver, os seus desenvolvedores não fornecem um al-
goritmo específico que descreve o passo a passo para alcançar a solução. Ao contrário, é fornecida, apenas,
uma descrição do problema em si, o que permite à IA construir o caminho para chegar a uma solução, ou
seja, a tarefa da IA é buscar por uma solução por meio do seu próprio aprendizado.8
Por causa da aplicação de deep learning, os computadores, atualmente, podem não apenas ouvir, mas escu-
tar e entender o que é ouvido;9 podem, efetivamente, ver e descrever uma imagem,10 e aprender conceitos;11
podem aprender a ler em diferentes idiomas ainda que seus próprios programadores não sejam capazes de
fazê-lo.12 As possibilidades são infinitas.13
4 RUSSEL, Stuart; NORVING, Peter. Artificial Intelligence: a modern approach. 3. ed. Harlow (UK): Pearson Education Limited,
2014.
5 Em tradução livre, literalmente, aprendizagem de máquina.
6 ČERKA, Paulius; GRIGIENĖ, Jurgita; SIRBIKYTĖ, Gintarė. Liability for damages caused by Artificial Intelligence. Computer
Law & Security Review, Elsevier, v. 31, n. 3, p. 376-389, jun. 2015.
7 Em tradução livre, aprendizagem profunda.
8 POOLE, David; MACKWORTH, Alan. Artificial Intelligence: Foundations of Computational Agents. Cambridge (UK): Cam-
bridge University Press, 2010.
9 Em novembro de 2012, o então pesquisador-chefe da Microsoft, Rick Rashid, surpreendeu os participantes de uma palestra
na China com a demonstração de um software, cujo algoritmo aplica o processo de deep learning, que não apenas escutava o que o
interlocutor dizia em inglês, como, de forma simultânea, transcrevia suas palavras para texto com uma margem de erro de apenas
7%, traduzia para a língua chinesa e, posteriormente, simulava a própria voz do palestrante em mandarim, numa efetiva tradução
simultânea. Cf. SPEECH RECOGNITION BREAKTHROUGH FOR THE SPOKEN, TRANSLATED WORD. Disponível em:
Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
<https://www.youtube.com/watch?v=Nu-nl QqFCKg>. Acesso em: 10 ago. 2017.
10 Em novembro de 2014, a Google publicou sobre um software, baseado em machine learning, capaz de descrever imagens com
precisão à primeira vista, produzindo legendas de forma autônoma. Cf. A PICTURE IS WORTH A THOUSAND (COHER-
ENT) WORDS: BUILDING A NATURAL DESCRIPTION OF IMAGES. Disponível em: <https://research.googleblog.com/
2014/11/a-picture-is-worth-thousand-coherent.html>. Acesso em: 10 ago. 2017.
11 Em junho 2012, a Google anunciou o desenvolvimento de um algoritmo de deep learning que aprendeu, de forma independente,
conceitos como pessoas e gatos apenas assistindo a vídeos da plataforma YouTube. Cf. USING LARGE-SCALE BRAIN SIMULA-
TIONS FOR MACHINE LEARNING AND A.I. Disponível em: <https://googleblog. blogspot.com.br/2012/06/using-large-
scale-brain-simulations-for.html>. Acesso em: 10 ago. 2017.
12 Aprendizagem profunda tem sido utilizada para ler o chinês em nível de falante nativo. O algoritmo foi desenvolvido por
pesquisadores baseados na Suíça, nenhum dos quais fala ou entende o chinês. Cf. CHAKRABORTY, Biplab. Artificial Intelligence
(AI): Will it help or hurt mankind? 6 ago. 2017. Disponível em: <https://www.linkedin.com/pulse/artificial-intelligence-ai-help-
hurt-mankind -biplab-chakraborty?trk=v-feed&lipi=urn%3Ali%3Apage%3Ad_flagship3_feed%3BrIFrhf9ZTCqLDC%2FCzJS%
2BFw%3D%3D>. Acesso em: 10 ago. 2017.
13 Atualmente, a IA está ajudando os motoristas de táxi em Tóquio a buscar passageiros com o menor tempo de espera pos-
sível; a IA da Google já pode detectar câncer com uma melhor precisão do que os patologistas mais experientes; a tecnologia
242
PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
Por outro lado, há quem afirme que os algoritmos baseados em deep learning são como uma caixa de
pandora (black-box), simplesmente pelo fato de que programam a si mesmos e, portanto, não conhecem li-
mites.14 Criadores de determinados algoritmos de deep learning admitem que não sabem como tais algoritmos
realmente funcionam e como eles estão chegando aos resultados.15
Em razão disso, recentemente os holofotes recaíram sobre a questão dos limites da IA — ou da sua falta
de limites —, tema de debate entre Mark Zuckerberg (CEO da Facebook) e Elon Musk (CEO da Tesla e da
SpaceX). Os dois titãs da tecnologia revelaram visões antagônicas acerca do futuro da IA e do seu impacto
na humanidade: enquanto Musk demonstra preocupações acerca de um possível futuro apocalíptico ao qual
a IA levará a humanidade — inclusive sem descartar um cenário em que “robôs saem pelas ruas matando
pessoas” —, Zuckerberg descarta essa visão excessivamente negativa de encarar o porvir.16
Ainda não são claros os riscos que essa nova tecnologia realmente apresenta, mas é premente a necessidade
de se regular ao menos a responsabilidade pelas consequências danosas. Um aspecto é consenso: com a habili-
dade de treinar a si mesma e acumular experiências, a IA pode tomar decisões independentemente da vontade
do seu desenvolvedor e, inclusive, chegar a resultados sequer passíveis de previsão pelos seus programadores.
Um exemplo singelo para ilustrar a capacidade da IA de aprender e responder ao meio ambiente, inde-
pendentemente da vontade do seu desenvolvedor, ocorreu em 2002: o episódio da fuga do robô Gaak do
Magna Science Center, na Inglaterra. A referida instituição realizou um projeto chamado “Robôs Vivos” (Living
Robots), que consistiu em atribuir aos robôs os papéis de “predador” ou de “presa”, com a diretriz “caçar”,
para o primeiro, e “fugir” para o segundo, lançando-os em seguida em uma arena. Usando sensores infra-
vermelhos, a “presa” procurava alimentos indicados pela luz e o “predador” caçava e drenava a sua energia.
O intuito do experimento era verificar se o princípio da sobrevivência do mais apto seria aplicável aos robôs
dotados de IA e se eles poderiam se beneficiar da experiência adquirida, ou seja, se eram capazes de criar, de
forma independente, novas técnicas de caça e autodefesa. Ocorre que, durante o experimento, o robô Gaak
“presa”, involuntariamente deixado sem vigilância durante 15 minutos, conseguiu escapar da arena. O robô
atravessou o muro da “prisão”, encontrou uma saída e foi para a rua. Chegou ao estacionamento onde foi
atingido por um carro.17
No âmbito da internet, também se tem notícia da atuação da IA indesejada pelos seus criadores. Recen-
dos carros autônomos promete um futuro com um reduzidíssimo índice de acidentes rodoviários; os robôs já estão ajudando
a cuidar dos idosos no Japão. Cf. CHAKRABORTY, Biplab. Artificial Intelligence (AI): Will it help or hurt mankind? 6 ago. 2017.
Disponível em: <https://www.linkedin.com/pulse/artificial-intelligence-ai-help-hurt-mankind -biplab-chakraborty?trk=v-
feed&lipi=urn%3Ali%3Apage%3Ad_flagship3_feed%3BrIFrhf9ZTCqLDC%2FCzJS%2BFw%3D%3D>. Acesso em: 10 ago.
2017.
14 KNIGHT, Will. The dark secret at the heart of AI: no one really knows how the most advanced algorithms do what they
Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
do - that could be a problem. MIT Technology Review, abr. 2017. Disponível em: <https://www.technologyreview.com/s/604087/
the-dark-secret-at-the- heart-of-ai/>. Acesso em: 13 ago. 2017.
15 Em 2015, um grupo de pesquisa no Mount Sinai Hospital, em Nova Iorque, foi inspirado a aplicar deep learning no vasto banco
de dados dos prontuários de pacientes. O programa resultante, que os pesquisadores chamaram de Deep Patient, foi treinado usando
dados de cerca de 700.000 (setecentos mil) indivíduos e, quando testado em novos registros, foi incrivelmente eficaz em prever
diversas doenças futuras. Ao mesmo tempo, Deep Patient é intrigante: parece antecipar o aparecimento de distúrbios psiquiátricos,
como a esquizofrenia, de forma surpreendentemente eficaz, mas não oferece pistas sobre como isso acontece. Se algo como Deep
Patient realmente vai ajudar os médicos, ele será ideal para dar-lhes o raciocínio para a sua previsão, para tranquilizá-los que é preciso
e justificar, digamos, uma mudança nos medicamentos que alguém está sendo prescrito. Contudo, por sua natureza, o deep learning é
uma verdadeira caixa de pandora, a esse respeito: KNIGHT, Will. The dark secret at the heart of AI: no one really knows how the
most advanced algorithms do what they do - that could be a problem. MIT Technology Review, abr. 2017. Disponível em: <https://
www.technologyreview.com/s/604087/the-dark-secret-at-the- heart-of-ai/>. Acesso em: 13 ago. 2017.
16 BOGOST, Ian. Why Zuckerberg and Musk are fighting about the robot future. 27 jul. 2017. Disponível em: <https://www.theatlantic.
com/technology/archive/2017/07/musk-vs-zuck/535077/>. Acesso em: 18 ago. 2017.
17 WAINWRIGHT, Martin. Robot fails to find a place in the sun. The Guardian, 20 jun. 2002. Disponível em: <http://www.
theguardian.com/uk/2002/jun/20/engineering.highereducation>. Acesso em: 20 ago. 2017.
243
PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
temente, Tsvetkova et al.18 analisou a interação entre dois bots19 da Wikipedia, cuja função era corrigir textos,
e concluiu que os bots acabavam por desfazer as correções, uns dos outros, e não traziam, efetivamente,
resultados práticos. Ocorre que, em termos de projeto e concepção, os bots eram idênticos, e foram a suas
experiências e o seu processo de autoaprendizagem que os levaram a atuar de forma diversa para realizar
um determinado objetivo.
Mesmo os robôs existentes na atualidade, com sistemas de Inteligência Artificial ainda em desenvolvi-
mento, podem causar danos às pessoas. Conforme Omohundro, a IA desenvolvida sem precauções especiais
deverá oferecer oposição à sua própria desconexão e tentar invadir outros sistemas tecnológicos para criar
uma cópia de si mesma.20 Da mesma forma, a IA projetada com um objetivo final específico poderá tentar
adquirir recursos sem considerar a segurança de terceiros para alcançar o objetivo para o qual foi projetado.
Com a introdução de sistemas de IA mais avançados, a probabilidade de danos só aumentará. Isso por-
que é intrínseco à inteligência artificial: (a) o ímpeto de se auto aperfeiçoar; (b) o desejo de ser racional; (c)
a busca pela preservação da utilidade das suas funções; (d) a prevenção da falsificação de seus resultados
operacionais ou das suas propriedades funcionais; (e) o desejo de adquirir recursos e usá-los de forma efi-
ciente.21 Essas aspirações são, apenas, objetivos intermediários e convergentes que levam ao objetivo final
para o qual a IA foi criada. Ao alcançar tais objetivos intermediários, visando atingir o objetivo final, a IA
pode causar danos a terceiros.
Nesse sentido, consoante a análise dos princípios da operação da IA realizada por Omohundro, Mueh-
lhauser e Salamon identificam os seguintes fatores que determinam a ocorrência de danos: (i) o objetivo da
IA de se preservar para maximizar a satisfação de seus objetivos finais; (ii) o objetivo da IA de preservar o
conteúdo de seus objetivos finais — caso contrário, se o conteúdo de seus objetivos finais for alterado, a IA
não atuará no futuro para maximizar a satisfação de seus objetivos finais presentes; (iii) o objetivo da IA de
melhorar sua própria racionalidade e inteligência para melhorar a sua tomada de decisão e, assim, aumentar
sua capacidade para atingir seus objetivos finais; (iv) o objetivo da IA de adquirir o máximo de recursos
possível, para que esses recursos possam ser transformados e colocados em prática para a satisfação dos
seus objetivos finais.22
Os fatores acima demonstram, pois, que a operação da IA baseada na realização de metas pode resultar
em danos. O exemplo do robô Gaak ilustra essa circunstância: ele usou a sua experiência acumulada para
sobreviver num ambiente mutável. Assim, para atingir o seu objetivo — sobreviver —, o robô logrou esca-
par do centro de pesquisa e foi parar no estacionamento, onde foi atingido por um carro. O comportamento
do robô Gaak surpreendeu até mesmo o seu criador, porque o sistema IA não havia sido programado para
realizar ações específicas.23 Gaak tomou a decisão independente de escapar do centro de pesquisa. Nesse
contexto, a questão é: quem é responsável pelas ações de Gaak e quem deve compensar os danos causados?
Resta saber, assim, quais as possíveis soluções acerca da responsabilização pelos danos causados pelos
atos que a IA, como se viu, leva a cabo de forma autônoma, isto é, sem qualquer comando ou controle
dado por um ser humano. Para iniciar o estudo do tema, ainda incipiente no Brasil, é referência a aborda-
gem já iniciada no âmbito da União Europeia. Recentemente, o Parlamento Europeu editou a Resolução
2015/2103(INL), de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de Direito Civil sobre Ro-
bótica.24
O intuito da resolução é atribuir à União Europeia um papel de vanguarda no estabelecimento de
princípios éticos básicos a serem respeitados no desenvolvimento, na programação e na utilização de robôs e
de IA, visando à integração desses princípios nos regulamentos e na legislação dos seus estados-membros. O
objetivo traduz-se, em grande medida, em moldar a revolução tecnológica, evitando, tanto quanto possível,
potenciais riscos, a partir de uma abordagem gradual, pragmática e cautelosa como a defendida por Jean
Monnet25.
Nesse sentido, a exposição de motivos da resolução leva em consideração, entre outros aspectos, a
concreta possibilidade de que, dentro de algumas décadas, a IA possa ultrapassar a capacidade intelectual
humana, de modo que a própria aptidão do criador em controlar a sua criação é questionada. Para os au-
tores do documento, essa e outras razões justificam a abordagem inicial do tema a partir de problemas de
responsabilidade civil. Levando-se em consideração os riscos, pode-se adiantar que a corrente prevalente,
ao menos como ponto de partida, defende a aplicação da responsabilidade objetiva de quem está mais bem
colocado para oferecer garantias.26
Primeiramente, vale delimitar o que a resolução considera um robô autônomo inteligente, a fim de de-
terminar uma definição comum. Para assim ser denominado, o robô deve apresentar as seguintes caracte-
rísticas: (a) adquirir autonomia por meio de sensores e/ou mediante a troca de dados com o seu ambiente
(interconectividade) e da análise destes; (b) aprender por si mesmo; (c) ter um suporte físico; (d) adaptar o
seu comportamento e as suas ações ao ambiente em que se encontra.27
A perspectiva de que a tecnologia avance a ponto de criar, efetivamente, robôs que se tornem ou sejam
autoconscientes aliada ao atual estado da Teoria Geral da Responsabilidade Civil, segundo a qual, na maior
parte dos casos de responsabilidade, responderá pelo dano quem lhe dá causa por conduta própria,28 são ra-
24 UNIÃO EUROPEIA. Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de Direito Civil
sobre Robótica (2015/2103(INL)). 2017. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//
TEXT+TA+P8-TA-2017-0051+0+DOC+XML+V0//EN#BKMD-12>. Acesso em: 10 out. 2017. Essa resolução teve como
Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
documento base a seguinte moção: UNIÃO EUROPEIA. Projeto de Relatório que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Di-
reito Civil sobre Robótica (2015/2013(INL)). Relatora Mady Delvaux, de 31 de maio de 2016. Disponível em: <http://www.europarl.
europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP// NONSGML+COMPARL+PE-582.443+01+DOC+PDF+V0//PT>. Acesso em:
10 out. 2017.
25 Nesse ponto, a resolução faz referência à Declaração Schuman (1950): “A Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo
com um plano único. Far-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto”. Cf. UNIÃO
EUROPEIA. Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de Direito Civil
sobre Robótica (2015/2103(INL)), Parágrafo “X”.
26 UNIÃO EUROPEIA. Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de
Direito Civil sobre Robótica (2015/2103(INL)). Parágrafo “Z” e seguintes.
27 UNIÃO EUROPEIA. Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de
Direito Civil sobre Robótica (2015/2103(INL)). Parágrafo 1º.
28 São exceções a responsabilidade pelo fato de outrem, derivada de um dever de guarda, vigilância e cuidado, como a responsabi-
lidade dos pais pelos atos dos filhos menores que estiverem sob o seu poder e em sua companhia, o tutor e o curador pelos pupilos
e curatelados, e o patrão pelos atos dos seus empregados. Ainda, a responsabilidade do dono do animal pelo fato deste, ou daquele
que tinha a guarda da coisa, pelos fatos desta.
245
PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
zões pelas quais alguns autores da doutrina29 levantaram a questão de saber se os agentes artificiais deveriam
ter reconhecido um estatuto jurídico próprio, como as pessoas jurídicas.
Tal perspectiva parte da ideia de que, se a IA será, de fato, totalmente autônoma, como uma superinte-
ligência, então ela deverá ter a capacidade de atentar às suas ações e às consequências indesejáveis de tais
ações. E, uma vez que esteja consciente de suas ações, à própria IA poderia ser imputável a responsabilidade
por danos causados pelos seus próprios atos. Para tanto, porém, seria necessária uma radical mudança legis-
lativa, que atribuísse, necessariamente, personalidade jurídica à IA.
O documento do Parlamento Europeu registra esse debate, expressamente, na sua exposição de moti-
vos.30 Em primeiro momento, demonstra preocupação com a circunstância de que, quanto mais autônomos
os robôs se tornarem, menos poderão ser encarados como simples instrumentos ou ferramentas nas mãos
de outros intervenientes (como o fabricante, o proprietário, o usuário etc.). Para os autores da proposta sub-
metida ao parlamento, essa característica elementar faz com que as normas ordinárias em matéria de respon-
sabilidade sejam insuficientes, já que a questão sempre se voltaria a como imputar a responsabilidade — no
todo ou em parte — à própria máquina pelas suas ações ou omissões. Reconhecem, assim, a premência de
se determinar qual o estatuto jurídico do robô.31
Nesse exercício teórico-filosófico, considerando que a autonomia dos robôs suscita a questão da sua na-
tureza à luz das categorias jurídicas existentes, os autores da proposta submetida à apreciação do Parlamen-
to, que viria a se tornar a resolução, questionavam-se se os robôs deveriam ser enquadrados como pessoas
jurídicas, animais ou coisas, ou se deveria ser criada uma nova categoria, com características e implicações
próprias no que tange à atribuição de direitos e deveres, incluindo a responsabilidade por danos.32
Para ilustrar a complexidade do tema, Čerka et at.33 faz interessante comparação da IA com o estatuto ju-
rídico dos escravos no direito romano. Assim como a IA, o escravo romano não era sujeito de direito. O seu
estatuto jurídico era equivalente ao de coisa, mas os seus atos, por óbvio, eram inteligentes e autoconscien-
tes, fugindo ao controle de seus mestres. Como tal, não tinha capacidade jurídica, condição que era reservada
apenas aos cidadãos livres. Sendo assim, o chefe de família responsável pela pessoa alieni iuris, ou seja, o seu
dono, era responsabilizado pelos atos ilícitos cometidos pelos escravos.34 Supondo que o paralelo entre o
status jurídico da IA e o dos escravos romanos seja possível, os danos causados pelas ações da IA deveriam
ser compensados pelo seu proprietário, ainda que levadas a cabo sem qualquer controle deste.
Se a IA poderá tornar-se uma pessoa jurídica ainda é hoje uma questão apenas teórico-filosófica, e o
29 Cf. LAUKYTĖ, Miglė. Artificial and Autonomous: A Person? In: CRNKOVIC, Gordana Dodig- et al. Social Computing, Social
Cognition, Social Networks and Multiagent Systems Social Turn - SNAMAS 2012. Birmingham (UK): The Society for the Study of Ar-
tificial Intelligence and Simulation of Behaviour, 2012. Disponível em: <http://events.cs.bham.ac.uk/turing12/ proceedings/11.
pdf>. Acesso em: 20 ago. 2017.
30 UNIÃO EUROPEIA. Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de
Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
Direito Civil sobre Robótica (2015/2103(INL)). Parágrafos AB e AC.
31 UNIÃO EUROPEIA. Projeto de Relatório que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica
(2015/2013(INL)). Relatora Mady Delvaux, de 31 de maio de 2016. p. 5-6. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/
getDoc.do?pubRef=-//EP// NONSGML+COMPARL+PE-582.443+01+DOC+PDF+V0//PT>. Acesso em: 10 out. 2017.
32 UNIÃO EUROPEIA. Projeto de Relatório que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica
(2015/2013(INL)). Relatora Mady Delvaux, de 31 de maio de 2016. p. 6. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/
getDoc.do?pubRef=-//EP// NONSGML+COMPARL+PE-582.443+01+DOC+PDF+V0//PT>. Acesso em: 10 out. 2017. No
texto aprovado da Resolução permanece a ressalva, no parágrafo AC, de forma mais genérica, cf.: “AC. whereas, ultimately, the au-
tonomy of robots raises the question of their nature in the light of the existing legal categories or whether a new category should be created, with its own
specific features and implications”.
33 ČERKA, Paulius; GRIGIENĖ, Jurgita; SIRBIKYTĖ, Gintarė. Liability for damages caused by Artificial Intelligence. Computer
Law & Security Review, Elsevier, v. 31, n. 3, p. 385, jun. 2015.
34 Em casos danos causados por ato ilícito do escravo, a lei romana invocava uma regra geral de responsabilidade noxal, seg-
undo a qual o proprietário deve indenizar os danos ou entregar o escravo ao lesado. Cf. ČERKA, Paulius; GRIGIENĖ, Jurgita;
SIRBIKYTĖ, Gintarė. Liability for damages caused by Artificial Intelligence. Computer Law & Security Review, Elsevier, v. 31, n. 3, p.
385, jun. 2015.
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PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
registro dessa hipótese como uma opção a ser considerada na proposta de resolução apresentada ao Par-
lamento Europeu foi criticado, duramente, antes da aprovação do texto, como uma visão excessivamente
inspirada pela ficção científica,35 inapropriada à realidade e irrelevante, já que não traria qualquer benefício
ao intuito original da proposta, que é formular um sistema mais efetivo à prevenção de riscos e à compen-
sação de possíveis vítimas.36
Mesmo projetos legislativos mais avançados na matéria37 não atribuem personalidade jurídica à IA. Uma
nota explicativa do Secretariado da UNCITRAL, acerca da Convenção das Nações Unidas sobre a Utiliza-
ção de Comunicações Eletrônicas em Contratos Internacionais, estabelece, no seu artigo 12, o princípio de
que a pessoa, natural ou jurídica, em cujo nome um computador foi programado, deve ser responsável por
qualquer mensagem gerada pela máquina.
Em seguida, a seção explicativa n. 213 descreve que:
O artigo 12 é uma disposição habilitante e não deve ser interpretado, de forma equivocada, como a
permitir que um sistema de mensagens automatizado ou um computador seja objeto de direitos e
obrigações. As comunicações eletrônicas que são geradas automaticamente por sistemas de mensagens
ou computadores sem intervenção direta humana devem ser consideradas como “originárias” da
entidade jurídica em nome da qual o sistema de mensagens ou computador é operado. As questões
relevantes à agência que possam surgir nesse contexto devem ser resolvidas de acordo com regras fora
da Convenção.38
Ou seja, a disposição garante que uma negociação eletrônica travada por uma IA seja considerada per-
feita, reconhecendo como válida a manifestação de vontade por si exarada, bem como as obrigações daí
decorrentes, sem reconhecer, contudo, a personalidade jurídica da IA, atribuindo a responsabilidade pelos
35 O projeto de relatório chega a mencionar como modelo de princípios gerais a serem adotados pelos criadores e programadores
da IA as leis da robótica extraídas da literatura de Isaac Asimov, uma coleção de contos publicada em 1950, intitulada “Eu, robô”.
As chamadas “Leis de Asimov” são: (1) “um robô não pode magoar um ser humano ou, por inação, permitir que tal aconteça”;
(2) “um robô tem de obedecer às ordens dos seres humanos, exceto quando tais ordens entrarem em conflito com a primeira
lei”; (3) “um robô tem de proteger a sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira ou com
a segunda lei”. Os autores da proposta chegam a elencar uma lei (0), “um robô não pode magoar a humanidade ou, por inação,
permitir que tal aconteça” e partem da premissa que as Leis de Asimov têm de ser perspectivadas como direcionadas aos criadores,
produtores e operadores de robôs, uma vez que tais leis não poderiam ser convertidas em código de máquina. Cf. UNIÃO EU-
ROPEIA. Projeto de Relatório que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica (2015/2013(INL)). Relatora
Mady Delvaux, de 31 de maio de 2016. p. 4. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//
NONSGML+COMPARL+PE-582.443+01+DOC+PDF+V0//PT>. Acesso em: 10 out. 2017. Apesar das críticas, a referência às
Leis Asimov não foi suprimida pela versão final, constando no parágrafo “T” da Resolução.
36 NEVEJANS, Nathalie. European civil law rules in robotics. European Union, 2016. Disponível em: <http://www.europarl.europa.
eu/committees/fr/supporting-analyses-search.html>. Acesso em: 17 out. 2017. Dentre as críticas da autora, vale o contraponto à
referência do relatório às leis Asimov. Nevejans ressalta a circunstância de que Asimov escreveu as leis da robótica como uma fer-
ramenta literária, deixando-as deliberadamente vagas para torná-las mais interessantes à trama e aos seus desdobramentos fictícios,
sendo que de forma alguma o autor estabeleceu leis para além de um literário inteligente, não podendo tais leis serem consideradas
Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
como verdadeiros princípios legais, independentemente da circunstância de poderem ser convertidos em código de máquina ou não,
como afirmado pelo projeto de relatório.
37 A exemplo, o projeto RoboLAW (título completo: Regulating Emerging Robotic Technologies in Europe: Robotics Facing Law and Ethics),
lançado oficialmente em março de 2012 e financiado pela Comissão Europeia para investigar formas em que as tecnologias emer-
gentes no campo de bio-robótica (na qual está incluída a IA), vem influenciando os sistemas jurídicos nacionais europeus. A matéria
desafia as categorias e qualificações jurídicas tradicionais, expondo quais os riscos para os direitos e liberdades fundamentais que
devem ser considerados, e, em geral, demonstra a necessidade de regulação e como esta pode ser desenvolvida no âmbito interno de
cada país. A esse respeito, cf.: PALMERINI, Erica. The interplay between law and technology, or the RoboLaw. In: PALMERINI,
Erica; STRADELLA, Elettra (Ed.). Law and Technology: The Challenge of Regulating Technological Development. Pisa: Pisa Uni-
versity Press, 2012. p. 208. Disponível em: <http://www.robolaw.eu/RoboLaw_files/documents/Palmerini_Intro.pdf>. Acesso:
20 ago. 2017.
38 Tradução livre do original: “Article 12 is an enabling provision and should not be mis-interpreted as allowing for an automated
message system or a computer to be made the subject of rights and obligations. Electronic communications that are generated au-
tomatically by message systems or computers without direct human intervention should be regarded as ‘originating’ from the legal
entity on behalf of which the message system or computer is operated. Questions relevant to agency that might arise in that context
are to be settled under rules outside the Convention”.
247
PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
seus atos à pessoa em cujo nome a IA agiu.39 Essa interpretação está em conformidade com a regra geral
de que o operador de uma ferramenta é responsável pelos resultados obtidos pelo seu uso, uma vez que a
ferramenta não tem volição independente própria.
Pagallo40 explica que a responsabilidade, na seara dos contratos, dos direitos e obrigações estabelecidos
por meio da IA, é geralmente interpretada do ponto de vista jurídico tradicional, que define a IA como fer-
ramenta (AI-as-tool ou robot-as-tool). Isso significa vincular a responsabilidade objetiva pelo comportamento
da máquina à pessoa física ou jurídica em nome de quem ela age, independentemente de tal comportamento
ser planejado ou previsto, com consequências similares à responsabilidade vicária41.
A teoria da IA como ferramenta implicaria afirmar uma responsabilidade distinta a depender de quem
está fazendo o seu uso, ou seja, nos casos em que a IA é utilizada por empresas para prestar serviços e ofe-
recer produtos — isto é, a situação em que a IA age em nome de um fornecedor —, em contraposição a
outros casos em que a IA é empregada pelo usuário para desempenhar determinadas atividades sob a super-
visão deste. Isso porque — poderá ser arguido — se a IA têm, efetivamente, a habilidade de aprender da sua
própria experiência, haverá um correspondente dever de guarda e vigilância do seu proprietário ou usuário,
que é quem seleciona e proporciona experiências à IA.42 Até porque essas experiências são singulares de
cada indivíduo artificial.43
A cogitar a correção de se atribuir um dever de guarda e vigilância aos proprietários e usuários da IA
(muitas vezes, enquadrados enquanto consumidores), o projeto submetido ao Parlamento Europeu faz
menção a essas circunstâncias, especialmente quando as partes responsáveis por “ensinarem” o robô, cujos
atos causarem danos, acabarem por ser identificadas.44 O texto aprovado na Resolução45 confirma, em tais
casos, a possibilidade de se determinar que a responsabilidade da pessoa que “treinou” o robô possa ser pro-
porcional ao nível efetivo de instruções dadas ao robô e ao nível de autonomia da IA, de modo que, quanto
maior a capacidade de aprendizagem ou de autonomia do robô e quanto mais longo for o “treinamento”,
maior deverá ser a responsabilidade do seu “treinador” — o que qualificaria o possível “mau uso” por parte
do usuário ou do proprietário. Observa-se, em especial, que as competências resultantes do “treinamento”
dado a um robô não devem ser confundidas com as competências estritamente dependentes das suas ca-
39 ČERKA, Paulius; GRIGIENĖ, Jurgita; SIRBIKYTĖ, Gintarė. Liability for damages caused by Artificial Intelligence. Computer
Law & Security Review, Elsevier, v. 31, n. 3, p. 376-389, jun. 2015.
40 PAGALLO, Ugo. The laws of robots: crimes, contracts, and torts. Heidelberg: Springer, 2013.
41 Responsabilidade vicária é o termo utilizado, principalmente nos países de common law, para designar a responsabilidade do
superior hierárquico pelos atos dos seus subordinados ou, em um sentido mais amplo, a responsabilidade de qualquer pessoa que
tenha o dever de vigilância ou de controle pelos atos ilícitos praticados pelas pessoas a quem deveriam vigiar. Distingue-se da re-
sponsabilidade contributiva pela circunstância essencial de que o conhecimento do responsável não é um elemento necessário para
a atribuição da responsabilidade. No direito pátrio, seriam os casos de responsabilidade pelo fato de terceiro, derivada de um dever
de guarda, vigilância e cuidado, nos termos do art. 932 do Código Civil, como a responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos
menores que estiverem sob o seu poder e em sua companhia, o tutor e o curador pelos pupilos e curatelados, e o patrão pelos atos
dos seus empregados.
Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
42 Dessa linha de argumentação poderia derivar, ainda, uma excludente de causalidade, atribuindo ao usuário, por vezes vítima,
uma culpa exclusiva, que viria a excluir a responsabilidade dos fabricantes da IA quando a causa direta é, de fato, o uso da IA, ou o
seu mau uso, fazendo com que ela desenvolva novas habilidades que extrapolam o seu projeto original.
43 Cf. o caso dos bots da Wikipedia anteriormente citados - casos em que projetos idênticos de IA, isto é, idênticos algoritmos,
desenvolveram métodos diversos de proceder às correções dos textos, justamente porque se baseavam nas suas experiências prévias,
que são singulares de cada indivíduo artificial.
44 UNIÃO EUROPEIA. Projeto de Relatório que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica
(2015/2013(INL)). Relatora Mady Delvaux, de 31 de maio de 2016. p. 11. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/
getDoc.do?pubRef=-//EP// NONSGML+COMPARL+PE-582.443+01+DOC+PDF+V0//PT>. Acesso em: 10 out. 2017.
45 Texto original: “Considers that, in principle, once the parties bearing the ultimate responsibility have been identified, their liability should be pro-
portional to the actual level of instructions given to the robot and of its degree of autonomy, so that the greater a robot’s learning capability or autonomy,
and the longer a robot’s training, the greater the responsibility of its trainer should be; notes, in particular, that skills resulting from “training” given to a
robot should be not confused with skills depending strictly on its self-learning abilities when seeking to identify the person to whom the robot’s harmful behav-
iour is actually attributable; notes that at least at the present stage the responsibility must lie with a human and not a robot”. UNIÃO EUROPEIA.
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de Direito Civil sobre Robótica
(2015/2103(INL)). Parágrafo 56.
248
PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
pacidades de autoaprendizagem, quando se procurar identificar a pessoa a quem se deve, efetivamente, o
comportamento danoso do robô: se ao usuário ou ao criador. De qualquer forma, a responsabilidade deverá
ser imputada a um ser humano, e não ao robô.
Para Pagallo46, as principais repercussões da teoria da IA como ferramenta na seara contratual, uma vez aliada
às normativas europeias sobre a responsabilidade por defeito do produto, seriam as seguintes: (a) a IA atua em
nome do principal P, de modo a negociar e fazer um contrato com a contraparte C; (b) os direitos e obrigações
estabelecidos pela IA vinculam diretamente P, uma vez que todos os atos da IA são considerados atos de P; (c)
P não pode evadir a responsabilidade alegando que não pretendia celebrar tal contrato ou que a IA cometeu um
erro decisivo; (d) no caso do comportamento errático da IA, P poderia reclamar danos contra o criador ou fa-
bricante da IA, uma vez demonstrado que a IA estava com defeito e que tal defeito já existia quando a IA estava
sob o controle do fabricante e, além disso, que o defeito foi a causa imediata das lesões sofridas por P.
A depender do caso, portanto, os danos causados pela IA poderão atrair as disposições sobre a responsa-
bilidade pelo produto. No âmbito da União Europeia, a solução apresentada por Pagallo está de acordo com
o convencionado na Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985,47 sobre a responsabilidade
pelo produto defeituoso.
A diretiva poderia ser aplicada em diversas circunstâncias em que produtos que apresentem a tecnologia
da IA sejam introduzidos no mercado de consumo, particularmente aos casos em que o fabricante não
informa suficientemente ao consumidor os riscos associados aos robôs autônomos, ou se os sistemas de
segurança do robô forem deficientes a ponto de não oferecerem a segurança esperada.48
Uma vez cumpridos os deveres de informação e de segurança impostos ao fornecedor e provado que
não há defeito na sua fabricação, permanece, porém, a polêmica acerca da aplicação da responsabilidade
pelo produto aos danos causados pela IA, tendo em vista, ainda, que a diretiva europeia prevê, expressamen-
te, a excludente da responsabilidade do produtor pelos riscos do desenvolvimento.49
Nesse sentido, a Diretiva 85/374/CEE, em seu artigo 7º, alínea “e”, dispõe que: “O produtor não é res-
ponsável nos termos da presente directiva se provar: (...) e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento
da colocação em circulação do produto não lhe permitiu detectar a existência do defeito”50, resguardando-se, porém, aos
estados-membros, a faculdade de afastar tal excludente de responsabilidade em suas legislações internas,
consoante o artigo 15, número 1, alínea “b”, do mesmo diploma51.
Resta saber se as consequências lesivas dos atos independentes da IA devem ser consideradas abrangidas
pelo risco do desenvolvimento ou, em sentido oposto, se a IA, que, ao agir de forma não determinada e nem
prevista por seus programadores, causa dano, representa um fato do produto pela simples circunstância de
haver causado dano.
46 PAGALLO, Ugo. The laws of robots: crimes, contracts, and torts. Heidelberg: Springer, 2013.
Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
47 UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas,
regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos. Disponível em: <http://
eur-lex.europa. eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A31985L0374>. Acesso em: 19 out. 2017.
48 NEVEJANS, Nathalie. European civil law rules in robotics: European Union. 2016. p. 18. Disponível em: <http://www.europarl.
europa.eu/committees/fr/supporting-analyses-search.html>. Acesso em: 17 out. 2017.
49 A esse respeito, cf. REINIG, Guilherme Henrique Lima. A responsabilidade do produtor pelos riscos do desenvolvimento. São Paulo:
Atlas, 2013.
50 UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas,
regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos. Disponível em: <http://
eur-lex.europa. eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A31985L0374>. Acesso em: 19 out. 2017.
51 “Artigo 15º - 1. Qualquer Estado-membro pode: (...) b) Em derrogação da alínea e) do artigo 7º, manter ou, sem prejuízo
do procedimento definido no nº 2, prever na sua legislação que o produtor é responsável, mesmo se este provar que o estado dos
conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação do produto em circulação não lhe permitia detectar a existência do
defeito”. UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas,
regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos. Disponível em: <http://
eur-lex.europa. eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A31985L0374>. Acesso em: 19 out. 2017.
249
PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
Essa segunda é a opinião de alguns autores sobre o tema, especialmente quando chamados a responder
sobre a responsabilização pelos acidentes causados pelo carro autônomo (sem motorista).52 Para essa cor-
rente, deve ser adotada como premissa a presunção de que qualquer dano causado pela IA será, necessaria-
mente, resultado de uma falha humana res ipsa loquitor, seja uma falha de projeto, de fabricação, de montagem
ou de informação suficiente ao usuário acerca da segurança e do uso apropriado do produto.53 Essa aborda-
gem não faz qualquer distinção entre os casos em que há um vício de concepção ou de produção da IA, em
relação aos casos em que os danos causados pelos atos independentes da IA ocorrem quando o produto está
em perfeito funcionamento, mas apresenta riscos intensos em razão do estado da técnica.54
Vale lembrar que é intrínseca à tecnologia da IA a indeterminação dos objetivos intermediários para se al-
cançar o fim almejado. Sendo assim, enquanto não houver regulação estipulando limites aos meios utilizados
pela IA para alcançar o seu objetivo, para todos os efeitos, o produto estará funcionando em conformidade
com o estado da técnica e efetivamente apresentará a segurança que dele se pode esperar, isso se for posto
em prática o dever de informação e o dever de segurança imposto ao fornecedor. A questão é justamente
essa: ainda que se observem tais deveres, a IA poderá causar danos no seu regular procedimento, os quais
serão inevitáveis pelos seus criadores e poderão estar abrangidos na noção de risco do desenvolvimento.
ČERKA et al.55 chamam a atenção para o fato de que a aplicação da responsabilidade por fato do produto
aos casos em que a IA causar danos deve gerar um ônus de prova extremamente gravoso a quem incumbir,
justamente em razão da sua característica essencial: a autoaprendizagem conforme as suas experiências e a
capacidade de tomar decisões autônomas. Se a IA é um sistema de autoaprendizagem, por isso mesmo pode
ser impossível traçar a tênue linha entre os danos resultantes do processo da autoaprendizagem próprio da
IA e o defeito preexistente de fabricação produto.
É consenso, pois, que a IA apresenta riscos, possivelmente um risco excepcional, frisa-se. E, também,
parece mais adequado considerar tal risco como algo inerente à própria tecnologia da IA, tendo em vista a
sua falta de limites, como já foi exposto anteriormente.
Por tais razões, a resolução do Parlamento Europeu sobre as disposições de direito civil aplicáveis à
robótica faz a ressalva de que, não obstante a aplicação da atual Diretiva 85/374/CEE aos casos de res-
ponsabilidade por defeito do produto, o atual quadro jurídico não seria suficiente para abranger os danos
provocados pela nova geração de robôs, em razão das possíveis capacidades adaptativas e de aprendizagem
que integram um certo grau de imprevisibilidade no seu comportamento.56
Por fim, a resolução sugere que os futuros instrumentos legislativos devem basear-se numa avaliação
52 Os carros sem motoristas da Google já foram testados em vias públicas por anos e por centenas de milhares de quilômetros.
Câmeras, dispositivos de posicionamento global, muitos programas analíticos complexos e algoritmos (e outros dispositivos muito
além da nossa compreensão), tudo é empregado para proporcionar um carro capaz de dirigir quase da mesma maneira que os hu-
manos fazem — quase porque, na verdade, o fazem melhor. O carro “assiste” à estrada, procura, constantemente, outros carros,
Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
pedestres, obstruções, desvios e assim por diante, e ajusta sua velocidade conforme o tráfego, o clima e todos os outros fatores que
afetam a segurança da operação do veículo. São programados para evitar uma colisão com um pedestre, outro veículo ou obstáculos
quaisquer. Em toda a operação teste, a Google afirmou ter registrado apenas um único acidente. Tudo indica que: “Driving is risky
because drivers are humans”, nesse sentido, cf.: VLADECK, David C. Machines without principals: liability rules and Artificial Intel-
ligence. Washington Law Review, n. 89, p. 126, 2014.
53 KINGSTON, J. K. C. Artificial Intelligence and legal liability. In: BRAMER, Max; PETRIDIS, Miltos (Ed.). Research and
Development in Intelligent Systems XXXIII: incorporating applications and innovations in Intelligent Systems XXIV (Proceedings of
AI-2016, The Thirty-Sixth SGAI International Conference on Innovative Techniques and Applications of Artificial Intelligence).
Cham (CH): Springer International Publishing AG, 2016.
54 VLADECK, David C. Machines without principals: liability rules and Artificial Intelligence. Washington Law Review, n. 89, p.
117, 2014.
55 ČERKA, Paulius; GRIGIENĖ, Jurgita; SIRBIKYTĖ, Gintarė. Liability for damages caused by Artificial Intelligence. Computer
Law & Security Review, Elsevier, v. 31, n. 3, p. 376-389, jun. 2015.
56 UNIÃO EUROPEIA. Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de Direito Civil
sobre Robótica (2015/2103(INL)). 2017. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//
TEXT+TA+P8-TA-2017-0051+0+DOC+XML+V0//EN#BKMD-12>. Acesso em: 10 out. 2017. Parágrafo “AH” e “AI”.
250
PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
aprofundada efetuada pela Comissão de Direito Civil sobre Robótica, determinando se deve ser aplicada a
responsabilidade objetiva pela abordagem da gestão de riscos.57
A aplicação da responsabilidade objetiva exigiria, pois, apenas a prova de que ocorreu um dano e o esta-
belecimento de uma relação de causalidade entre o funcionamento lesivo do robô e os danos sofridos pela
parte lesada. Pela abordagem de gestão de riscos, por sua vez, a responsabilidade não se concentra na pessoa
“que atuou de forma negligente” como responsável individualmente, mas como a pessoa capaz, em certas
circunstâncias, de minimizar riscos e lidar com impactos negativos.58
Nesse ponto, é interessante a abordagem pela teoria deep-pocket (literalmente, “bolso profundo”), confor-
me a denominação cunhada no direito norte-americano. Por meio da sua aplicação, toda pessoa envolvida
em atividades que apresentam riscos, mas que, ao mesmo tempo, são lucrativas e úteis para a sociedade,
deve compensar os danos causados pelo lucro obtido. Seja o criador da IA, seja o fabricante de produtos
que empregam IA, seja uma empresa ou um profissional que não está na cadeia produtiva da IA, mas que a
utiliza em sua atividade, como uma transportadora que usa os veículos autônomos, isto é: aquele que tem o
“bolso profundo” e aproveita os lucros dessa nova tecnologia deve ser o garante dos riscos inerentes às suas
atividades, sendo exigível, inclusive, que se faça um seguro obrigatório de danos.59
Ao final, o documento, que serviu para iniciar o debate que deverá culminar na posterior regulamentação
da responsabilidade civil pelos atos da IA na legislação interna dos países-membros da União Europeia,
destaca que uma solução possível e provável, tendo em conta a complexidade do tema, deve ser a instituição
de um regime de seguros obrigatórios, como já acontece, por exemplo, com a circulação de automóveis nos
países-membros, que deverá impor aos produtores ou aos proprietários de robôs a subscrição de um seguro
para cobrir os potenciais danos que vierem a ser causados pelos seus robôs, sugerindo, ainda, que esse regi-
me de seguros seja complementado por um fundo de compensação, para garantir, inclusive, a reparação de
danos não abrangidos por qualquer seguro.60
4. Considerações finais
Está claro que a Inteligência Artificial (IA) não encontra limites teóricos e que inúmeros danos podem
dela derivar. É premente, pois, a necessidade de se avançar na temática para se determinar a quem deverá
ser imputada a responsabilidade pelos atos que a IA executa de forma autônoma, muitas vezes sem previsão
por parte de seus criadores e sem controle por qualquer pessoa humana.
Como se demonstrou no primeiro capítulo, a relevância do problema exposto é tangível e tende a afetar
cada vez mais a sociedade, já que os estudos preveem um avanço imensurável da tecnologia nas próximas
décadas. É razoável de se esperar que, até o final do século, tenhamos programas de inteligência artificial
atuando em todos os aspectos da vida moderna, como transporte, saúde, educação, nas forças armadas e, Polít. Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 238-254
especialmente, no mercado de consumo.
57 UNIÃO EUROPEIA. Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de Direito Civil
sobre Robótica (2015/2103(INL)). 2017. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//
TEXT+TA+P8-TA-2017-0051+0+DOC+XML+V0//EN#BKMD-12>. Acesso em: 10 out. 2017. Parágrafo 53.
58 UNIÃO EUROPEIA. Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de Direito Civil
sobre Robótica (2015/2103(INL)). 2017. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//
TEXT+TA+P8-TA-2017-0051+0+DOC+XML+V0//EN#BKMD-12>. Acesso em: 10 out. 2017. Parágrafos 54 e 55.
59 Nesse sentido: ČERKA, Paulius; GRIGIENĖ, Jurgita; SIRBIKYTĖ, Gintarė. Liability for damages caused by Artificial Intel-
ligence. Computer Law & Security Review, Elsevier, v. 31, n. 3, p. 376-389, jun. 2015.
60 UNIÃO EUROPEIA. Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, com recomendações à Comissão de Direito Civil
sobre Robótica (2015/2103(INL)). 2017. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//
TEXT+TA+P8-TA-2017-0051+0+DOC+XML+V0//EN#BKMD-12>. Acesso em: 10 out. 2017. Parágrafos 57, 58 e 59.
251
PIRES, Thatiane Cristina Fontão; SILVA, Rafael Peteffi da. A responsabilidade civil pelos atos autônomos da inteligência artificial: notas iniciais sobre a resolução do Parlamento Europeu. Rev. Bras.
As conclusões da resolução, que registra as intenções da União Europeia em termos de futura regula-
ção da matéria pelos seus estados-membros, não se afastam dos avanços que a Responsabilidade Civil tem
logrado alcançar nos últimos tempos, notadamente quanto ao deslocamento do seu próprio fundamento
dogmático: o enfoque da responsabilidade civil já não é o ato ilícito de quem ocasiona o prejuízo, senão o
dano de quem injustamente o suporta, sendo o seu fim precípuo a reparação, isto é, a distribuição das con-
sequências econômicas derivadas de um evento danoso. A adoção da responsabilidade objetiva imposta aos
criadores e fabricantes, seja pela responsabilidade do produto, seja pela gestão de riscos, visa proporcionar
a absorção dos riscos por aqueles que têm a melhor oportunidade de contratar o seguro, impondo-se, até
mesmo, a sua obrigatoriedade.
Por outro lado, a teoria da IA como ferramenta, com a consequente atribuição da responsabilidade para
a pessoa em cujo nome a IA age, isto é, à disposição e sob a supervisão de quem a IA se encontra — o seu
usuário ou proprietário —, pode gerar repercussões interessantes e, inclusive, ser capaz de impor um dever
de cuidado e de vigilância aos “treinadores” da IA, ou mesmo uma responsabilidade compartilhada pelos
usuários na rede. Esse é um aspecto que deverá receber enfoque doutrinário no futuro, tendo em vista a
tendência de se permitir aos usuários o desenvolvimento de suas próprias aplicações a partir da IA de código
aberto.
Do exame proposto, pode-se concluir que a resolução do Parlamento Europeu não trata das diferentes
abordagens apresentadas de forma antinômica. Ao contrário, dá a elas um caráter complementar e confere
maior importância a um ou outro aspecto das teorias, a depender do suporte fático envolvido. Ou seja, ad-
mite, a depender da autonomia e das instruções dadas ao robô, a atribuição de responsabilidade ao “treina-
dor” do robô, que poderá ser o seu proprietário ou usuário, e estabelece, em maior grau, a responsabilidade
objetiva daquele que está mais bem colocado para minimizar os ricos e oferecer garantias, estabelecendo
como proposta, ainda, a adoção de seguros obrigatórios para absorver os riscos.
A expectativa é de que esse artigo tenha servido como abre-alas para tão rica temática, que demanda
atenção especial da comunidade acadêmica, para que seja capaz de fornecer o devido substrato dogmático
aos legisladores pátrios quando a hora da regulamentação chegar. Espera-se que, no futuro próximo, os
estudos da legislação aplicada à Inteligência Artificial avancem, consideravelmente, para ultrapassar as meias
soluções.
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254
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A
BUSCA
PELA
EFICIÊNCIA
NA
FISCALIZAÇÃO
DA
GESTÃO
PÚBLICA:
A
UTILIZAÇÃO
DE
INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
PARA
APERFEIÇOAMENTO
DO
CONTROLE
DAS
FINANÇAS
PÚBLICAS
THE
SEARCH
FOR
EFFICIENCY
IN
AUDITING
PUBLIC
MANAGEMENT:
THE
USE
OF
ARTIFICIAL
INTELLIGENCE
FOR
IMPROVING
THE
CONTROL
OF
PUBLIC
FINANCE
Éderson
Garin
Porto1
RESUMO:
O
esforço
da
força-‐tarefa
instalada
em
Curitiba
revelou
uma
estrutura
complexa
e
profissional
de
exploração
dos
recursos
públicos
em
proveito
de
alguns
grupos
de
empresas
e
pessoas.
Cunhou-‐se
a
expressão
“corrupção
sistêmica”
para
explicar
a
estrutura
montada
para
aproveitamento
indevido
do
dinheiro
dos
pagadores
de
tributos.
Os
dados
apresentados
pelo
Ministério
Público
Federal
remetem
ao
questionamento
sobre
a
eficiência
dos
mecanismos
de
controle
do
dinheiro
público,
pois
o
aparato
estatal
e
os
recursos
investidos
no
controle
do
dinheiro
à
disposição
do
Estado
são
significativos.
O
problema
levantado
na
presente
investigação
possui
algumas
hipóteses
de
resposta
que
serão
apresentadas
ao
longo
do
texto
que
segue.
No
entanto,
a
contribuição
desta
pesquisa
consiste
na
proposição
de
um
aperfeiçoamento
do
controle
das
contas
públicas
com
o
uso
da
tecnologia
já
existente,
ou
seja,
a
inteligência
artificial.
PALAVRAS-‐CHAVE:
Corrupção
sistêmica;
Inteligência
Artificial;
Eficiência;
Fiscalização
da
Administração
Pública.
ABSTRACT:
The
effort
of
the
task
force
installed
in
Curitiba
revealed
a
complex
and
professional
structure
of
exploitation
of
the
public
resources
for
the
benefit
of
some
groups
of
companies
and
people.
The
term
"systemic
corruption"
was
used
to
explain
the
structure
set
up
for
misappropriation
of
taxpayers'
money.
The
data
presented
by
the
Federal
Public
Prosecutor
refer
to
the
question
about
the
efficiency
of
the
mechanisms
of
control
of
public
money,
since
the
state
apparatus
and
the
resources
invested
in
the
control
of
money
available
to
the
State
are
significant.
The
problem
raised
in
the
present
investigation
has
some
hypotheses
of
answer
that
will
be
presented
throughout
the
text
that
follows.
However,
the
contribution
of
this
research
consists
in
the
proposition
of
an
improvement
of
the
control
of
the
public
accounts
with
the
use
of
the
existing
technology,
that
is,
artificial
intelligence.
KEY
WORDS:
Systemic
Corruption;
Artificial
intelligence;
Efficiency;
Inspection
of
Public
Administration.
1
Visiting
Scholar
UC
Berkeley
School
of
Law.
Doutor
e
Mestre
pela
UFRGS.
Professor
do
Mestrado
Profissional
em
Direito
das
Empresas
e
dos
Negócios
Unisinos.
Advogado.
2
Site
oficial
do
Ministério
Público
Federal:
http://www.mpf.mp.br/para-‐o-‐cidadao/caso-‐lava-‐
jato/atuacao-‐na-‐1a-‐instancia/parana/resultado.
4
Introdução
O
tema
do
controle
das
contas
públicas
nunca
teve
tanto
apelo
quanto
nos
dias
atuais.
Por
certo
que
a
população
brasileira
sempre
desconfiou
sobre
a
correta
aplicação
dos
recursos
proveniente
da
tributação,
porém
pode-‐se
tomar
a
operação
da
Polícia
Federal,
conhecida
como
“Lava-‐Jato”,
como
um
marco
referencial
na
história
do
país.
O
esforço
da
força-‐tarefa
instalada
em
Curitiba
revelou
uma
estrutura
complexa
e
profissional
de
exploração
dos
recursos
públicos
em
proveito
de
alguns
grupos
de
empresas
e
pessoas.
Cunhou-‐se
a
expressão
“corrupção
sistêmica”
para
explicar
a
estrutura
montada
para
aproveitamento
indevido
do
dinheiro
dos
pagadores
de
tributos.
A
grande
questão
que
assalta
a
todos
os
cidadãos
brasileiros
é
como
tamanho
esquema
de
corrupção
tenha
se
instalado
no
país
sem
que
as
estruturas
institucionais
de
controle
do
gasto
público
tivessem
realizado
qualquer
alerta?
Como
tanto
dinheiro
foi
desviado
sem
que
as
diversas
instâncias
oficiais
tivessem
notado
o
desfalque
dos
cofres
públicos?
Note-‐se
que
o
volume
de
dinheiro
comprovadamente
desviado
não
pode
ser
considerado
desprezível,
quando
os
dados
divulgados
pela
Força-‐tarefa
do
Ministério
Público
Federal
informam
que
o
pedido
total
de
ressarcimento
chega
a
impressionante
cifra
de
R$
38.000.000.000,002.
O
escândalo
acima
recordado
e
os
dados
apresentados
pelo
Ministério
Público
Federal
remetem
ao
questionamento
sobre
a
eficiência
dos
mecanismos
de
controle
do
dinheiro
público,
pois
o
aparato
estatal
e
os
recursos
investidos
no
controle
do
dinheiro
à
disposição
do
Estado
são
significativos.
O
problema
levantado
na
presente
investigação
possui
algumas
hipóteses
de
resposta
que
serão
apresentadas
ao
longo
do
texto
que
segue.
No
entanto,
a
contribuição
desta
pesquisa
consiste
na
proposição
de
um
aperfeiçoamento
do
controle
das
contas
públicas
com
o
uso
da
tecnologia
já
existente.
Em
texto
escrito
em
co-‐autoria
com
outros
notáveis
pesquisadores,
já
se
alertava
para
os
benefícios
que
o
uso
intensivo
da
internet
poderia
propiciar
para
a
maior
promoção
da
participação
do
cidadão
na
Administração
Pública
(CASTRO
et
ali,
2006).
Naquele
texto
escrito
no
alvorecer
do
século
XXI,
falava-‐
se
das
funcionalidades
do
uso
da
internet
como
forma
de
promoção
da
transparência
2
Site
oficial
do
Ministério
Público
Federal:
http://www.mpf.mp.br/para-‐o-‐cidadao/caso-‐lava-‐
jato/atuacao-‐na-‐1a-‐instancia/parana/resultado.
5
pública
e,
por
decorrência,
um
melhor
acesso
do
cidadão
ao
exercício
do
seu
constitucional
direito
de
cidadão.
Hoje,
passados
mais
de
quatorze
anos
daquela
pesquisa,
percebe-‐se
que
muito
se
avançou
em
termos
de
transparência
e
accountability
(CAMPOS,
1990),
porém
ainda
resta
um
longo
caminho
a
ser
percorrido
para
que
tenhamos
uma
fiscalização
mais
efetiva
do
dinheiro
sob
a
gestão
pública.
Superada
a
fase
de
utilização
da
rede
mundial
de
computadores
como
ferramenta
para
promoção
da
transparência
e
constatado
que
os
casos
de
corrupção
gracejam
nos
mais
diversos
níveis
da
Administração
Pública,
é
chegado
o
momento
de
propor
um
caminho
que
promova
uma
solução
mais
eficiente
para
o
controle
do
orçamento
público
e
notadamente
o
bom
uso
do
dinheiro
dos
contribuintes.
Portanto,
o
presente
artigo
busca
demonstrar
que
há
uma
ineficiência
na
alocação
dos
recursos
públicos
para
controle
do
orçamento
e
que
há
ferramentas
disponíveis
que
podem
propiciar
uma
maior
transparência
e
maior
participação
do
cidadão
no
controle
orçamentário.
1. Sobre
os
controles
institucionais:
explicações
sobre
a
ineficiência
da
fiscalização
pública.
Trilhando
o
texto
da
Constituição
é
possível
perceber
que
a
preocupação
com
a
boa
aplicação
dinheiro
retirado
dos
contribuintes
esteve
presente
durante
os
trabalhos
da
Assembleia
Nacional
Constituinte.
A
Constituição
erige
o
povo
como
centro
do
Poder
desde
o
preâmbulo,
passando
pelo
artigo
1°,
inciso
III
que
reconhece
a
cidadania
como
fundamento
da
República
Federativa
do
Brasil
e
culminando
com
o
texto
do
parágrafo
único
do
artigo
1°
que
preceitua:
“Todo
o
poder
emana
do
povo,
que
o
exerce
por
meio
de
representantes
eleitos
ou
diretamente,
nos
termos
desta
Constituição”.
Percebe-‐se
que
o
povo
possui
a
prerrogativa
constitucional
de
legitimar
o
uso
do
poder
e,
sobretudo,
zelar
pela
correta
aplicação
do
dinheiro
arrecadado
do
cidadão.
O
exercício
da
cidadania
tem
expressão
pelo
exercício
do
sufrágio
(art.
14,
CRFB),
porém
não
se
esgota
nele.
É
assegurado
ao
administrado
diversos
instrumentos
para
exercitar
o
seu
direito
e
muito
especialmente
o
dever
de
cidadão,
podendo-‐se
referir
o
acesso
à
informação
(art.
5°,
incisos
XVI
e
XXXIII,
CRFB)
e
participação
do
6
usuário
na
Administração
Pública
(art.
37,
§3°,
CRFB)
como
fundamentos
do
exercício
da
cidadania
após
encerrado
o
pleito
eleitoral.
Para
conferir
efetividade
ao
exercício
da
cidadania,
a
Constituição
assegurou
o
direito
ao
uso
do
mandado
de
segurança
para
tutelar
direito
líquido
e
certo
violado
por
autoridade
pública
(art.
5°,
inciso
LXIX,
CRFB),
garantiu
o
acesso
ao
habeas
data
(art.
5°,
inciso
LXXII,
CRFB)
e
facultou
o
uso
da
ação
popular
a
qualquer
cidadão
que
vislumbrar
ato
praticado
em
prejuízo
do
erário
(art.
5°,
inciso
LXXIII,
CRFB).
Ao
proceder
leitura
da
Constituição
com
a
perspectiva
antropocentrista,
percebe-‐se
que
o
cidadão
é
o
centro
de
preocupação
do
texto
constitucional,
assim
como
a
ele
são
conferidas
prerrogativas
e
poderes
para
que
a
soberania
popular
seja
preservada.
Essa
leitura
do
texto
constitucional
conduz
para
um
papel
secundário
dos
órgãos
oficiais
de
controle.
No
entanto,
o
desenvolvimento
das
instituições
propiciou
um
engrandecimento
das
estruturas
burocráticas
e
simultaneamente
um
afastamento
do
cidadão
do
seu
múnus
constitucional.
A
Constituição
conferiu
prerrogativas
ao
Poder
Legislativo
para
fiscalização
da
Administração
Pública
(art.
49,
inciso
IX
e
X,
CRFB)
e
dotou
o
parlamento
de
um
órgão
auxiliar
de
fiscalização
(Tribunal
de
Contas
–
art.
71,
CRFB)
para
a
fiel
execução
da
atribuição
imposta.
Não
obstante
a
fiscalização
exercida
pelo
Poder
Legislativo
e
o
controle
dos
Tribunais
de
Contas,
outorgou-‐se
ao
Ministério
Público
a
prerrogativa
de
fiscalizar
os
demais
poderes
e
promover
as
medidas
judiciais
competentes
para
a
preservação
do
patrimônio
público
(art.
129,
CRFB).
Além
dos
órgãos
acima
referidos,
pode-‐se
destacar
que
o
Estado
brasileiro
ainda
confere
à
polícia
atribuições
de
investigação
e
repressão
de
infrações
contra
a
ordem
política
e
social
a
fim
de
garantir
a
segurança
pública
(art.
144,
CRFB).
Por
derradeiro,
não
obstante
todos
os
órgãos
institucionais
já
referidos,
a
Constituição
ainda
conclama
que
cada
Poder
da
República
organize
e
institua
controles
internos
(art.
74,
CRFB),
valendo
referir
no
âmbito
da
União
Federal
a
Controladoria-‐
Geral
da
União.
Diante
de
todo
este
aparato
acima
referido,
parece
razoável
imaginar
que
o
cidadão
médio
não
encontre
razão
para
exercer
por
conta
própria
a
fiscalização
do
dinheiro
sob
o
controle
Estado.
A
um,
porque
o
cidadão
brasileiro
médio,
segundo
dados
do
IBGE
possui
baixa
formação
cultural
e
não
sente
apto
a
controlar
o
respeito
ao
dinheiro
dos
contribuintes.
A
dois,
porque
o
raciocínio
do
cidadão
que
acredita
no
7
controle
oficial
das
finanças
públicas
está
correto.
O
que
não
é
certo
é
perceber
que
na
prática
todos
estes
órgãos
de
controle
possam
não
estar
exercendo
uma
fiscalização
eficiente.
Reside
neste
ponto
a
reflexão
suscitada
com
o
presente
estudo.
Se
há
um
volume
de
investimento
considerável
no
controle
das
finanças
públicas
e
os
casos
de
malversação
do
dinheiro
dos
contribuintes
não
param
de
aumentar,
impõe-‐se
fazer
a
seguinte
pergunta:
onde
está
o
problema?
Qual
a
explicação
para
a
ineficiência
dos
órgãos
de
controle?
1.1.
Constatação
da
ineficiência:
exame
dos
orçamentos
dos
órgãos
que
possuem
a
prerrogativa
de
fiscalizar
as
contas
públicas.
É
preciso
inicialmente
fazer
um
alerta
para
o
leitor
deste
ensaio
acerca
dos
dados
utilizados.
Para
realização
do
estudo,
decidiu-‐se
explorar
o
orçamento
de
cada
órgão
responsável
pela
fiscalização
das
contas
públicas.
Foram
tomados
os
valores
totais
apresentados
no
orçamento
de
cada
órgão.
No
entanto,
é
sabido
que
o
Congresso
Nacional
e
o
Ministério
Público,
por
exemplo,
não
possuem
apenas
atribuição
de
fiscalização
das
finanças
públicas,
de
modo
que
um
desenvolvimento
possível
para
a
pesquisa
será,
no
futuro,
projetar
uma
fração
ideal
do
orçamento
para
cada
atribuição,
podendo-‐se
assim
medir
com
maior
exatidão
o
valor
destinado
ao
órgão
e
a
respectiva
proporção
que
a
fiscalização
num
exame
de
alocação
dos
recursos.
O
exame
do
orçamento
das
instituições
examinadas
se
faz
importante
ainda
que
o
número
apresentado
esteja
sujeito
à
ponderação
acima
alertada.
Isso
porque
é
preciso
esclarecer
e
tornar
público
o
volume
de
verba
investida
em
cada
órgão
público
e
refletir
sobre
a
adequada
alocação
do
dinheiro
dos
contribuintes.
Na
incursão
pretendida
pelo
presente
ensaio,
a
exposição
dos
valores
investidos
serve,
no
mínimo,
para
esclarecer
e
informar
os
leitores.
Não
obstante,
a
segregação
acima
referida
para
a
reflexão
aqui
suscitada
tem
pouca
serventia,
uma
vez
que
a
comparação
de
eficiência
do
dinheiro
investido
será
cotejada
também
com
valores
brutos
da
amostra
estudada.
Pode-‐se
iniciar
a
análise
pela
leitura
da
Lei
Orçamentária
Anual
(LOA)
como
documento
de
referência.
Pela
LOA
que
projetou
o
orçamento
para
2018,
as
receitas
8
previstas
pelo
Governo
Federal
somam
o
valor
de
R$
R$
3.575.230.380.469,00
(três
trilhões,
quinhentos
e
setenta
e
cinco
bilhões,
duzentos
e
trinta
milhões,
trezentos
e
oitenta
mil,
quatrocentos
e
sessenta
e
nove
reais)
e
fixa
a
despesa
em
igual
valor,
compreendendo,
nos
termos
do
art.
165,
§
5º,
da
Constituição3.
Apenas
a
leitura
do
valor
orçamentário
da
União
Federal
já
justificaria
a
adoção
de
todo
e
qualquer
instrumento
de
controle
possível
para
evitar
ineficiências
e
sobretudo
desvios.
De
todas
as
críticas
que
se
possa
fazer,
não
se
pode
dizer
que
o
orçamento
não
foi
generoso
aos
órgãos
de
controle.
Segundo
a
LOA,
cujo
texto
aprovado
para
2018
está
veiculado
na
Lei
n°
13.587/2017,
foi
orçado
o
valor
de
R$
6.124.276.414,00
para
a
Câmara
dos
Deputados
e
R$
4.371.375.672,00
para
o
Senado
Federal,
perfazendo
um
total
de
R$
10.495.652.086
para
o
Poder
Legislativo
(Lei
n°
13.587/2017,
anexo
A02).
São
R$
10,4
bilhões
para
o
funcionamento
do
Poder
Legislativo,
o
que
equivale
a
R$
17,6
milhões
por
parlamentar.
Ao
Tribunal
de
Contas
da
União
será
destinado
o
valor
de
R$
2.172.996.866,00
(Lei
n°
13.587/2017,
anexo
A02).
O
Ministério
da
Transparência
que
alberga
a
Controladoria-‐Geral
da
União
tem
orçamento
de
R$
1.030.098.412,00
para
2018,
segundo
o
anexo
A02
da
Lei
n°
13.587/2017.
O
Ministério
Público
da
União
foi
contemplado
com
R$
6.725.510.696,00,
conforme
o
anexo
A02
da
Lei
n°
13.587/2017.
Tomando
estes
números,
pode-‐se
perceber
que
o
volume
total
destinado
aos
órgãos
oficiais
de
fiscalizar
o
orçamento
da
União
Federal
perfaz
o
valor
de
R$
20.424.258.060,
o
que
representa
0,57%
do
orçamento
total
da
União.
Embora
estes
números
tenham
sofrido
sensível
redução
em
relações
aos
exercícios
passados
face
ao
contingenciamento
de
despesas
do
Governo
Federal,
ainda
assim
é
possível
perceber
um
volume
expressivo
de
dinheiro
dos
contribuintes
reservados
para
exatamente
zelar
que
o
orçamento
da
União
seja
bem
executado.
Giza-‐
se:
a
União
projeta
administrar
R$
3,5
trilhões
de
dinheiro
dos
contribuintes
e
reserva
para
os
órgãos
de
controle
a
expressiva
quantia
de
R$
20,4
bilhões
de
reais.
Em
termos
comparativos,
pode-‐se
perceber
que
o
percentual
destinado
aos
órgãos
de
fiscalização
é
expressivo
em
relação
ao
orçamento.
Quando
se
analisa
apenas
o
percentual
investido
(0,571271%),
poder-‐se-‐ia
chegar
à
apressada
conclusão
de
que
os
valores
são
inexpressivos.
No
entanto,
basta
cotejar
com
o
percentual
que
qualquer
sociedade
3 Dados obtidos no Diário Oficial da União de 03 de janeiro de 2018, p. 1, Lei n° 13.587/2017.
9
empresária
sólida
investe
em
sua
folha
de
pagamentos
para
se
espantar
com
os
valores
alocados.
Para
realizar
tal
comparação,
serão
selecionadas
algumas
sociedades
anônimas
com
ações
cotadas
na
BM&FBOVESPA
(Bolsa
de
Valores,
Mercadorias
e
Futuros
S.A),
onde
serão
extraídos
os
dados
contábeis
comparativos.
Considerando
que
a
BM&FBOVESPA
(Bolsa
de
Valores,
Mercadorias
e
Futuros
S.A.4)
só
disponibilizou
os
relatórios
de
auditoria
e
demonstrações
contábeis
de
2016,
impõe-‐se
cotejar
o
paradigma
com
amostras
colhidas
dos
orçamentos
de
2016
de
cada
um
dos
órgãos
acima
referidos.
No
ano
de
2016,
o
Congresso
Nacional
aprovou
e
foi
sancionada
a
Lei
n°
13.255/2015,
publicada
no
Diário
Oficial
da
União
em
15
de
janeiro
de
2016.
Em
2016,
havia
uma
previsão
de
Receitas
da
ordem
de
R$
R$
3.050.613.438.544,00
(três
trilhões,
cinquenta
bilhões,
seiscentos
e
treze
milhões,
quatrocentos
e
trinta
e
oito
mil
e
quinhentos
e
quarenta
e
quatro
reais)
e
fixa
a
despesa
em
igual
valor,
compreendendo,
nos
termos
do
art.
165,
§
5º,
da
Constituição.
Na
Lei
Orçamentária
Anual
de
2016,
as
verbas
foram
alocadas
da
seguinte
forma
entre
os
órgãos
pesquisados:
ÓRGÃO
VALOR
EM
R$
CÂMARA
DE
DEPUTADOS
5.275.769.027,00
SENADO
FEDERAL
3.893.751.426,00
TRIBUNAL
DE
CONTAS
DA
UNIÃO
1.823.143.480,00
CONTROLADORIA-‐GERAL
DA
UNIÃO
880.492.490,00
MINISTÉRIO
PÚBLICO
DA
UNIÃO
5.647.802.963,00
TOTAL
17.520.959.386,00
Se
for
realizada
a
comparação
entre
o
valor
estimado
de
Receitas
da
União
()
com
o
valor
destinado
aos
órgãos
de
fiscalização,
perceber-‐se-‐á
que
o
percentual
dedicado
às
instituições
foi
ligeiramente
maior
em
termos
comparativos,
chegando
ao
percentual
de
0,574342169%.
Como
as
duas
leis
orçamentárias
anuais
reservavam
percentual
muito
próximo,
utilizar-‐se-‐á
como
coeficiente
de
gasto
em
fiscalização
o
percentual
de
0,57%.
4
Site
oficial
da
BM&FBOVESPA
–
Bolsa
deValores,
Mercadorias
e
Futuros
S.A.:
http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/.
10
O
leitor
pode
se
estar
perguntando:
é
muito
gastar
0,57%
do
orçamento
para
ter
certeza
que
o
dinheiro
será
bem
empregado?
Como
já
dito,
impressão
inicial
pode
ser
a
de
que
0,57%
é
um
valor
insignificante
frente
ao
orçamento
total,
logo,
não
seria
uma
questão
relevante
a
ser
apreciada.
No
entanto,
para
fazer
um
cotejo
da
alocação
eficiente
de
valores
investidos,
tomar-‐se-‐á
a
comparação
de
grandes
sociedades
anônimas
e
os
valores
que
cada
uma
delas
investiu
em
encargos
trabalhistas
estampados
em
seus
balanços
publicados
no
site
oficial
da
BM&FBOVESPA.
A
escolha
das
companhias
levou
em
consideração
apenas
o
resultado
positivo
consistente
nos
últimos
anos,
o
que
permite
concluir
que
a
gestão
adotada
por
cada
uma
das
empresas
utilizadas
como
comparação
é
eficiente.
Escolheu-‐se
sociedades
de
setores
distintos
de
atuação
para
tentar
criar
uma
média
ponderada
do
gasto
com
empregados.
Privilegiou-‐se
sociedades
de
atividades
fazem
uso
intensivo
de
mão-‐de-‐obra,
no
intento
de
proporcionar
uma
comparação
mais
adequada
com
o
setor
público
que
essencialmente
presta
serviços.
Apresenta-‐se
a
tabela
a
seguir:
SOCIEDADE
RECEITA
–
R$
SALÁRIOS
E
PERCENTUA APLICAÇÀO
ENCARGOS
–
L
DO
R$
PERCENTUAL
DA
UNIÃO
(0,57%)
ESTÁCIO
3.184.505.000,00
122.461.000,0 3,845527013
18.151.678,50
PARTICIPAÇÕE 0
S
S.A.
LOJAS
RENNER
6.451.578.000,00
136.068.000,0 2,10906541
36.773.994,60
S.A.
0
MAGAZINE
9.508.745.000,00
188.390.000,0 3,845527013
18.151.678,50
LUIZA
S.A.
0
TELEFÔNICA
42.508.459.000,0 376.570.000,0 0,885870739
242.298.216,3
DO
BRASIL
S.A.
0
0
0
A
comparação
entre
a
receita
das
empresas
destacadas
na
amostra
e
os
valores
investidos
em
encargos
salariais,
demonstra
que
o
valor
total
não
ultrapassa
o
percentual
de
3,8%,
conforme
verificado
nas
companhias
Estácio
(setor
de
educação)
e
Maganize
Luiza
(setor
de
varejo).
Parece
evidente
que
as
empresas
comparadas
conferem
a
alguns
funcionários
as
atribuições
de
exercer
o
controle
e
elaborar
mecanismos
para
que
as
falhas
e
desvios
sejam
evitados
ou
pelo
menos
minimizados.
Não
se
consegue
extratificar
quanto
cada
11
empresa
dispendeu
com
tal
atividade,
de
todo
modo,
comparando
o
percentual
total
gasto
com
funcionários,
já
é
possível
observar
que
o
gasto
realizado
pela
União
em
órgão
de
fiscalização
é
comparativamente
alto.
Na
última
coluna
do
gráfico
aplicou-‐se
o
percentual
utilizado
pela
União
para
alocar
verbas
em
órgãos
de
fiscalização.
Verifica-‐se
que
se
as
empresas
tivessem
investido
apenas
em
controle
dos
seus
orçamentos
com
o
parâmetro
da
Administração
Pública
Federal,
teriam
uma
rubrica
equivalente
ao
gasto
total
com
pessoal.
É
emblemática
a
comparação
com
a
companhia
Telefônica.
Segundo
dados
extraídos
das
demonstrações
contábeis
disponibilizados
pela
empresa,
investiu-‐se
R$
376.570.000,00
em
encargos
trabalhistas
em
2016,
o
que
representou
0,88%
da
Receita
daquele
ano.
Se
a
Telefônica
utilizasse
o
mesmo
percentual
da
Administração
Pública
Federal
(0,57%),
teria
desembolsado
o
valor
de
R$
242.298.216,30,
quantia
próxima
do
valor
total
gasto
com
os
empregados
da
sociedade.
As
comparações
levadas
a
efeito
permitem
concluir
que
os
valores
investidos
pela
União
Federal
nos
seus
órgãos
de
controle
é
expressivo
e
se
comparado
com
o
investimento
de
grandes
companhias
privadas
com
todos
os
seus
empregados,
percebe-‐
se
uma
alocação
exagerada
de
recursos
humanos
e
financeiros
para
funções
que
podem
ser
gerenciadas
com
mais
ou
igual
eficiência
com
menos
recursos.
Pode-‐se
concluir
previamente
que
o
investimento
da
Administração
Pública
Federal
nas
instituições
oficiais
de
fiscalização
do
dinheiro
do
contribuinte
é
elevado
em
comparação
com
sociedades
anônimas
com
porte
expressivo
e
solidez
gerencial.
Logo,
a
boa
gestão
das
sociedades
privadas
na
está
associada
ao
investimento
expressivo
em
pessoal
ainda
que
se
tome
o
dado
bruto
de
gasto
total
com
empregados,
desconsiderando
que
a
parcela
majoritária
destes
não
se
dedica
diretamente
a
gestão
financeira
das
empresas
pesquisadas.
1.2. Exame
das
atribuições
e
o
exame
do
déficit
de
efetividade
do
controle
institucional
das
contas
públicas.
O
sistema
normativo
pátrio
conferiu
a
certas
instituições
as
prerrogativas
de
fiscalizar
o
dinheiro
dos
contribuintes,
conforme
já
destacado
acima.
No
plano
12
hipotético,
a
ordem
jurídica
assegurou
que
as
verbas
administradas
pelo
Poder
Público
fossem
exemplarmente
fiscalizadas,
o
que
tornaria
praticamente
impossível
o
aparecimento
de
focos
de
corrupção
e
desvio
de
dinheiro
do
orçamento
sem
que
os
controles
institucionais
percebessem.
Como
ressalvado,
trata-‐se
apenas
de
cogitação
hipotética
própria
do
plano
do
“dever-‐ser”.
Quando
se
perquire
a
fundo
as
administrações
públicas
(não
importa
o
nível
da
Administração,
não
importa
o
partido
político
do
governo,
não
faz
diferença
a
região
do
país),
verifica-‐se
com
uma
frequência
desalentadora
focos
de
desvio
e
irregularidades.
Depois
de
realizada
a
análise
dos
valores
investidos
nos
órgãos
oficiais,
cumpre
agora
examinar
a
produtividade
de
tais
órgãos,
avaliando
os
dados
oficiais
disponibilizados
nos
sites
oficiais
de
cada
instituição.
No
exercício
da
função
fiscalizatória
da
Câmara
de
Deputados,
identificou-‐se
um
total
de
sete
obras
que
poderiam
apresentar
grave
irregularidade
no
ano
de
2016,
conforme
gráfico
abaixo:
O
extrato
apresentado
pela
Câmara
de
Deputados
demonstra
que
a
produtividade
da
casa
em
matéria
de
fiscalização
do
orçamento
é
tímida,
para
dizer
o
mínimo.
No
entanto,
a
desídia
dos
parlamentares
fica
estampada
quando
examinada
as
13
contas
do
Governo
Federal
que
precisam
ser
apreciadas.
Consoante
determina
o
artigo
49,
IX
da
Constituição,
após
apreciação
do
Tribunal
de
Contas
da
União,
compete
ao
Congresso
Nacional
julgar
as
contas
prestadas
pelo
Presidente
da
República.
Segundo
informação
prestada
pela
Câmara
dos
Deputados
não
foram
examinadas
as
contas
prestadas
pela
Presidente
Dilma
Roussef
em
2014,
2015
e
parcela
de
2016,
já
que
em
razão
do
processo
de
impeachment,
o
Presidente
Michel
Temer
prestou
contas
parciais
em
relação
a
2016
que
igualmente
não
foi
apreciado.
Não
se
trata
de
qualquer
atraso,
o
Congresso
ainda
não
apreciou
as
contas
mais
polêmicas
da
história
da
República
que
resultaram
no
impedimento
da
Presidente
da
República.
No
entanto,
causa
perplexidade
verificar
que
o
Congresso
Nacional
não
apreciou
as
contas
do
Presidente
Fernando
Collor
cujo
mandato
remonta
aos
anos
de
1990
e
19915.
Não
se
pode
dizer
que
o
Congresso
padece
de
escassez
de
servidores,
quando
se
observa
que
a
apenas
na
consultoria
de
orçamento,
fiscalização
e
controle,
o
Parlamento
conta
com
32
servidores6.
Considerando
a
composição
da
Câmara
dos
Deputados
que
possui
513
parlamentares,
além
dos
assessores
pagos
pelos
contribuintes,
há
um
núcleo
responsável
pelo
exame
técnico
das
contas,
mas
ao
que
tudo
indica
o
setor
não
teve
oportunidade
as
contas
da
presidência
da
República
em
2016.
No
caso
do
Tribunal
de
Contas
da
União,
pode-‐se
identificar
uma
propensão
da
Corte
para
a
transparência.
O
Tribunal
de
Contas
disponibiliza
em
seu
site
oficial
um
relatório
de
anula
de
atividades
do
TCU7.
A
transparência
é
tamanha
que
na
própria
página
oficial
o
órgão
reconhece
a
sua
lentidão.
Atualmente,
de
acordo
com
dados
do
Tribunal,
o
prazo
entre
a
ocorrência
do
fato
que
originou
a
chamada
Tomada
de
Contas
Especial
(TCE)
e
a
primeira
apreciação
conclusiva
pelo
TCU
tem
sido
superior
a
sete
anos
em
um
em
cada
quatro
casos
(24,68%),
identificando-‐se
um
prazo
médio
é
de
5,54
anos.
O
valor
referente
às
TCE
em
aberto
no
TCU
hoje
está
próximo
de
R$
31
bilhões,
o
que
significa
dizer
que
o
cidadão
poderá
esperar
5,54
anos
para
que
se
tenha
uma
apreciação
conclusiva
pelo
Tribunal
de
Contas
da
União8.
Por
óbvio
que
este
prazo
não
https://www12.senado.leg.br/institucional/estrutura/orgaosenado?codorgao=1340
7
Site
do
TCU:
http://portal.tcu.gov.br/transparencia/relatorios/relatorios-‐de-‐atividades/.
8
Dados
obtidos
no
site
do
Tribunal
de
Contas
da
União:
http://portal.tcu.gov.br/main.jsp?lumPageId=8A95A98A41134B3C014113AF9BDD31BB&previewItemId
=8A8182A25EC59C0F016004867934714E&lumItemId=8A8182A15FFE09C4016003AADB781E15.
14
repercutirá
em
efetivo
retorno
para
o
cidadão,
pois
os
responsáveis
pela
abertura
do
TCE
seguramente
irão
recorrer
a
todas
as
esferas
possíveis,
retardando
a
solução
do
caso.
Como
os
dados
comparados
neste
estudo
foram
extraídos
do
ano
de
2016,
decidiu-‐se
examinar
o
relatório
apenas
deste
ano
por
se
tratar
dos
dados
mais
recentes
disponíveis
na
rede
mundial
de
computadores9.
O
Relatório
do
ano
de
2016
apresenta
uma
tabela
que
condensa
as
atividades
da
Corte
nos
últimos
anos,
comparando
os
resultados
obtidos
e
o
trabalho
realizado.
Chama
a
atenção
a
primeira
linha
da
tabela
que
faz
referência
a
“benefícios
financeiros”
alcançados
com
a
atuação
do
Tribunal
de
Contas
da
União.
Vale
reproduzir
a
tabela:
15
Não
se
encontra
qualquer
explicação
sobre
como
o
número
foi
apurado,
nem
sobre
o
que
se
considera
benefício
financeiro.
Pode-‐se
especular
que
os
trabalhos
realizados
pela
Corte
de
Contas
teriam
proporcionado
uma
dissuasão
de
atividade
irregular
e/ou
recuperação
de
valores
mal
aplicados.
Em
qualquer
circunstância,
o
valor
apurado
chama
a
atenção.
Examinando
o
número
de
fiscalizações
realizadas
em
2016,
nota-‐se
que
foram
realizadas
628
ações.
Considerando
que
o
ano
de
2016
teve
254
dias
úteis,
o
que
significa
uma
média
de
2,47
ações
de
fiscalização
por
dia.
Considerando
que
a
corte
possui
2.582
servidores
ativos,
pode-‐se
concluir
que
cada
servidor
se
responsabilizou
por
aproximadamente
0,24
fiscalização.
Pode-‐se
ainda
dizer
que
cada
ação
de
16
fiscalização
pode
contar
com
4,11
servidores.
Tomando
os
números
oficiais,
não
se
pode
considerar
que
a
Corte
de
Contas
usufruiu
de
forma
eficiente
de
seus
recursos
humanos.
A
Controladoria-‐Geral
da
União
passou
a
integrar
o
Ministério
da
Transparência
a
partir
da
assunção
do
Presidente
Michel
Temer.
Segundo
dados
disponibilizados
no
site
oficial
da
CGU,
observou-‐se
um
aumento
dos
chamados
“benefícios
financeiros”
que
no
gráfico
abaixo
apresenta
interessante
detalhamento:
Detalhamento
dos
Benefícios
Financeiros
BENEFÍCIO
201 201 2014
201 2016
201 TOT
FINANCEIRO
2
3
5
7
AL
17
administrativo
s
Recuperação
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
de
valores
230, 98,2 85,14
46,5 204,6
23,7 688,
pagos
1
7
milh 8
milhõ 8
5
indevidamente
milh milh ões
milh es
milh milh
ões
ões
ões
ões
ões
Redução
nos
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
valores
3,34
832, 65,25
428, 102,3
49,9 1,48
licitados/contr milh 6
milh 1
milhõ 4
bilhõ
atados,
ões
milh ões
milh es
milh es
mantendo
a
ões
ões
ões
mesma
quantidade
e
qualidade
necessárias
de
bens
e
serviços
Suspensão
de
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
pagamento
997, 965, 1,05
1,09
915
2,43
7,45
continuado
19
1
bilhõ bilhõ milhõ bilhõ bilhõ
indevido
milh milh es
es
es
es
es
ões
ões
TOTAL
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
2,33
2,74
7,54
2,38
2,87
4,5
22,3
bilh bilh bilhõ bilh milh bilh 8
18
ões
ões
es
ões
ões
ões
bilh
ões
*Atualizado
até
Dezembro
de
201710
Segundo
informação
prestada
pela
Controladoria-‐Geral
da
União,
no
ano
de
2016
foram
realizadas
53
operações
que
resultaram
na
“recuperação
de
R$
942
milhões”,
como
se
pode
identificar
no
quadro
apresentado
pelo
órgão:
As
informações
prestadas
pelo
órgão
não
estão
suficientemente
claras
para
se
avaliar
como
o
“o
potencial
prejuízo”
foi
mensurado.
Não
se
pode
afirmar
se
os
valores
são
especulações
sobre
possível
prejuízo
evitado
ou
se
as
cifras
remontam
a
cálculos
elaborados
pelos
técnicos
do
órgão.
Considerando
o
período
examinado
(2016),
há
10
Tabela
apresentada
pela
CGU
em
seu
site
oficial:
http://www.cgu.gov.br/assuntos/auditoria-‐e-‐
fiscalizacao/resultados
19
dúvida
sobre
a
origem
do
valor
encontrado.
Teria
sido
obra
da
atividade
fiscalizadora
do
órgão
ou
resultado
de
delações
e
acordos
de
leniência
celebrados
pelas
autoridades
no
âmbito
da
Lava-‐jato
e
outras
operações
policiais
em
curso?
Estas
informações
não
estão
expressas
no
relatório
disponibilizado
na
rede
mundial
de
computadores.
No
entanto,
a
despeito
da
incerteza
sobre
os
números
apresentados
uma
conclusão
é
possível
extrair:
cotejando
o
orçamento
de
2016
destinado
ao
órgão
que
correspondia
a
R$
880.492.490,00
com
o
valor
chamado
de
“potencial
prejuízo
apurado”
equivalente
a
R$
942.272.774,04,
observa-‐se
que
o
custo
da
manutenção
do
órgão
é
muito
próximo
do
suposto
“prejuízo
apurado”.
Em
outras
palavras,
se
o
órgão
não
existisse,
o
prejuízo
do
erário
seria
o
equivalente
a
R$
61.780.284,04,
isto
é,
menos
de
10%
do
orçamento
destino
à
Controladoria-‐Geral
da
União.
Se
a
comparação
for
estabelecida
com
o
orçamento
do
órgão
para
201711,
o
Ministério
da
Transparência
possuía
a
dotação
orçamentária
de
R$
985.127.148,00.
No
entanto,
o
“prejuízo
potencial
apurado”
no
mesmo
exercício
foi
de
R$
414.995.699,57.
Estabelecendo
a
mesma
linha
de
raciocínio,
se
o
órgão
não
existisse
e
admitindo-‐se
que
nenhum
“prejuízo
potencial”
fosse
apurado,
chegar-‐se-‐ia
a
economia
de
R$
570.131.448,43.
Em
resumo,
pegando-‐se
o
orçamento
do
órgão
de
fiscalização
e
cotejando
com
o
“prejuízo
potencial
apurado”
pelo
próprio
órgão,
pode-‐se
concluir
que
é
mais
econômico
para
a
população
brasileira
não
fiscalizar.
Para
o
leitor
inteligente
e
bem-‐intencionado
seria
demasiado
esclarecer
que
jamais
se
objetivou
com
as
comparações
apresentadas
buscar
a
extinção
de
importantes
órgãos
de
fiscalização.
A
única
intenção
do
estudo
apresentado
consiste
em
demonstrar
que
a
despeito
do
volume
expressivo
de
dinheiro
dos
contribuintes
investido,
não
se
tem
debelado
a
corrupção
sistêmica
e
umas
das
explicações
possíveis
é
a
ineficiência
dos
órgãos
de
fiscalização.
Feito
o
esclarecimento,
impõe-‐se,
por
derradeiro,
examinar
a
atuação
do
Ministério
Público
na
fiscalização
do
dinheiro
gerido
pelo
a
Administração
Pública.
Como
dito,
não
se
desconhece
o
importante
papel
de
cada
uma
das
instituições
e
talvez
nenhuma
tenha
ganhado
tanto
destaque
nos
últimos
anos,
quanto
o
Ministério
Público
Federal,
em
especial,
os
agentes
ministeriais
que
atuam
na
Força-‐Tarefa
da
Lava-‐Jato.
2017.
20
Segundo
informação
extraída
do
site
oficial
do
Ministério
Público
Federal,
em
matéria
orçamentária,
o
parquet
adotou
1.964
medidas
no
âmbito
extrajudicial
e
110
medidas
judicias12.
O
número
parece
tímido,
porém
se
analisado
o
relatório
perceber-‐se-‐
á
que
a
atuação
em
favor
da
correta
aplicação
do
dinheiro
público
foi
desdobrada
em
outros
temas
da
seguinte
forma:
Agentes
Políticos
412
Atos
Administrativos
12.514
Contratos
Administrativos
101
Intervenção
no
Domínio
Econômico
20
Licitações
618
Orçamento
110
Organização
Político-‐administrativa
/
Administração
Pública
539
Responsabilidade
da
Administração
365
Responsabilidade
Fiscal
175
Serviços
2.57213
Total
17.426
A
Procuradoria-‐Geral
da
República
não
divulga
o
montante
recuperado
ou
prejuízos
evitados
pela
atuação
de
seus
procuradores.
No
entanto,
uma
comparação
é
possível
fazer
a
partir
da
mais
rumorosa
operação
sob
a
coordenação
do
Ministério
Público
Federal.
Segundo
dados
da
operação
Lava-‐Jato,
foi
possível
recuperar
o
valor
de
R$
756,9
milhões
e
R$
10,3
bilhões
são
alvo
de
recuperação
(espera-‐se
recuperar)14.
No
entanto,
apenas
com
a
intervenção
do
Departamento
de
Justiça
dos
Estados
Unidos
e
as
class
actions
instauradas
naquele
país
por
parte
dos
acionistas
lesados,
foi
celebrado
em
um
único
acordo
o
valor
de
US$
2.95
bilhões
ou
aproximadamente
R$
9,6
bilhões15.
instancia/parana/resultado
15
A
notícia
foi
amplamente
divulgada
pela
mídia
brasileira.
Apenas
a
título
ilustrativo,
indicação
a
fonte
21
Equivale
a
dizer
que
o
resultado
das
instituições
americanas
em
apenas
uma
parcela
da
corrupção
descoberta
pela
Lava-‐Jato
é
12,6
vezes
maior
que
o
resultado
apresentado
no
hot-‐site
da
força
tarefa
da
Lava-‐Jato.
Não
é
demasiado
repetir
que
não
se
está
retirando
a
importância
dos
órgãos,
muito
menos
dos
trabalhos
desenvolvidos
até
o
presente
momento
e
que
pouparam
o
cidadão
brasileiro
de
sofrer
maior
espoliação
de
grupos
criminosos.
A
proposta
da
investigação
é
avaliar
a
eficiência
dos
órgãos
de
controle
e
por
todos
os
motivos
já
apresentados,
as
instituições
fiscalizatórias
estão
longe
de
um
nível
de
excelência
esperado
com
o
valor
investido
até
o
momento.
2. A
transparência
e
o
controle
orçamentário
pelo
cidadão.
No
início
do
texto,
demonstrou-‐se
que
o
texto
constitucional
adota
uma
posição
muito
clara
de
valorização
do
cidadão,
elevando-‐o
a
uma
posição
de
destaque
na
constituição
e
legitimação
do
poder.
Pela
imbricação
das
normas
constitucionais
acima
identificadas
é
possível
afirmar
com
precisão
que
o
poder
emana
do
povo
e
este
elege
seus
representantes
e
fiscaliza
o
exercício
dos
mandatos.
Não
por
outro
motivo
é
que
a
Constituição
assegura
ao
cidadão
a
prerrogativa
de
oferecer
denúncia
perante
o
Tribunal
de
Contas
da
União
(art.
74,
§2°,
CRFB).
No
entanto,
a
participação
do
cidadão
na
administração
dos
bens
públicos
depende
essencialmente
da
facilitação
do
acesso
aos
dados,
documentos
e
peças
orçamentárias,
pois
é
o
cidadão
o
verdadeiro
“dono”
do
dinheiro
administrado
pelos
gestores
eleitos.
Logo,
o
princípio
da
publicidade
da
Administração
Pública
(art.
37,
CRFB)
consubstancia-‐se
no
princípio
constitucional
capaz
de
determinar,
como
diretriz
geral,
a
transparência
dos
atos
da
Administração
Pública
e,
sobretudo,
da
gestão
orçamentária
(LIMBERGER,
2017).
Assim,
de
1988
até
hoje,
tem-‐se
notado
uma
preocupação
das
administrações
em
tornar
público
os
orçamentos
de
suas
gestões.
Imbuído
neste
espírito,
estimulou-‐se
o
cidadão
a
acompanhar
de
perto
a
elaboração
e
execução
dos
orçamentos,
incentivados
e
promovidos
das
mais
diversas
formas,
como
por
exemplo,
a
publicação
das
contas
na
sede
da
administração,
a
divulgação
pela
mídia
impressa,
radiofônica
ou
televisiva
e,
mais
recentemente,
pela
internet.
22
Assim,
depreende-‐se
que
uma
característica
marcante
da
transparência
fiscal
é
a
disponibilização
das
informações
orçamentárias
ao
público
(LIMBERGER,
2008).
A
ideia
é
tão
basilar
que
foi
objeto
de
discussão
das
reuniões
temáticas
do
Fundo
Monetário
Internacional,
culminando
com
a
elaboração
do
Código
de
Boas
Práticas
para
a
Transparência
Fiscal16.
No
instrumento,
fica
ressaltado
que
as
informações
fiscais
devem
esclarecer
o
público
sobre
as
atividades
orçamentárias
já
realizadas,
as
em
curso
e
aquelas
que
ainda
serão
praticadas.
Hodiernamente,
a
forma
mais
eficaz
de
tornar
pública
as
informações
e
democratizar
o
acesso
a
elas
é
através
dos
meios
eletrônicos,
em
especial
pela
internet.
Não
menos
importante
neste
contexto
foi
o
advento
da
Lei
de
Responsabilidade
Fiscal,
que,
pela
primeira
vez
preceituou
a
utilização
de
meios
eletrônicos
para
tornar
público
os
planos
orçamentários-‐financeiros17.
A
disposição
legal
mostrou-‐se
inovadora,
na
medida
em
que
o
ordenamento
jurídico
não
dispunha
de
mandamento
legal
semelhante.
Apesar
de
já
existirem,
à
época,
iniciativas
do
Poder
Público
no
sentido
de
tornar
pública
as
atividades
fiscais
através
da
Internet,
é
inegável
o
papel
incentivador
da
lei.
Incontinenti,
foi
editada
a
Lei
nº
9.755
de
16
de
dezembro
de
1998,
que
determinou
a
criação
de
uma
“home-‐page”
para
o
Tribunal
de
Contas
da
União
e,
de
forma
destacada,
passou
a
atender
preceito
constitucional
e
vertido
na
legislação
ordinária18.
A
partir
desses
instrumentos
normativos,
houve
uma
disseminação
de
sites
governamentais
que
paulatinamente
foram
disponibilizando
informações
sobre
as
contas
públicas,
o
que,
sem
sombra
de
dúvida,
confere
uma
maior
confiabilidade
na
administração
e,
ao
mesmo
tempo,
fortalece
a
democracia.
A
transparência
prevista
pela
Lei
de
Responsabilidade
Fiscal
afina-‐se
com
as
modificações
estruturais
introduzidas
pela
Emenda
Constitucional
no
19/98,
que
versou
sobre
a
reforma
administrativa,
pela
qual
se
criou
o
direito
do
usuário,
visando,
por
exemplo,
a
prevenção
dos
riscos
orçamentários.
Diz
a
Lei
de
Responsabilidade
Fiscal
em
seu
art.
48
que:
16 O Fundo Monetário Internacional elaborou uma cartilha, elencando boas práticas e medidas basilares
uma
outra
forma
de
divulgação
e
publicização
das
informações
que
não
a
convencional.
Portanto,
entende-‐se
que
os
meios
eletrônicos
são
uma
categoria
a
mais
na
forma
de
publicação
das
informações
fiscais,
além
daqueles
anteriormente
previstas.
18
V.
sobre
o
tema
o
site:
www.contaspublicas.com.br.
23
“Art.
48.
São
instrumentos
de
transparência
da
gestão
fiscal,
aos
quais
será
dada
ampla
divulgação,
inclusive
em
meios
eletrônicos
de
acesso
público:
os
planos,
orçamentos
e
leis
de
diretrizes
orçamentárias;
as
prestações
de
contas
e
o
respectivo
parecer
prévio;
o
Relatório
Resumido
da
Execução
Orçamentária
e
o
Relatório
de
Gestão
Fiscal;
e
as
versões
simplificadas
desses
documentos.
Parágrafo
único.
A
transparência
será
assegurada
também
mediante
incentivo
à
participação
popular
e
realização
de
audiências
públicas,
durante
os
processos
de
elaboração
e
de
discussão
dos
planos,
lei
de
diretrizes
orçamentárias
e
orçamentos.”
A
redação
do
artigo
desempenha
a
representação
essencial
dos
objetivos
inspiradores
da
lei,
naquilo
que
ela
possui
de
mais
inovador.
Para
o
alcance
e
manutenção
do
equilíbrio
fiscal
funda-‐se
a
ideia
de
que
a
transparência
auxilia
no
controle
e
fiscalização
da
distribuição
de
recursos
pelas
dotações
orçamentárias.
A
transparência
é
o
fio
condutor
entre
o
equilíbrio
fiscal
(objetivo)
e
o
planejamento
(operação),
como
meio
mais
seguro
de
auxílio
ao
controle
da
gestão
fiscal.
Portanto,
não
se
pode
conceber
que
na
segunda
década
do
século
XXI
ainda
existam
entes
federados
opacos
ou
com
pouca
informação
disponível
aos
cidadãos.
De
outro
lado,
igualmente
não
se
pode
admitir
que
cidadãos
se
quedem
inertes
frente
aos
instrumentos
e
mecanismos
colocados
à
sua
disposição
para
debelar
o
mal
uso
da
máquina
pública.
Algumas
explicações
podem
ser
apresentadas
para
a
letargia
do
cidadão
brasileiro.
2.1.
O
equivocado
conceito
de
“dinheiro
público”.
Problemas
conceitual
a
ser
superado.
Margaret
Thatcher,
Primeira-‐Ministra
britânica
entre
os
anos
de
1979
a
1990,
proferiu
um
célebre
discurso,
cujo
excerto
merece
ser
transcrito
para
esclarecer
o
ponto
suscitado19:
24
“One
of
the
great
debates
of
our
time
is
about
how
much
of
your
money
should
be
spent
by
the
State
and
how
much
you
should
keep
to
spend
on
your
family.
Let
us
never
forget
this
fundamental
truth:
the
State
has
no
source
of
money
other
than
money
which
people
earn
themselves.
If
the
State
wishes
to
spend
more
it
can
do
so
only
by
borrowing
your
savings
or
by
taxing
you
more.
It
is
no
good
thinking
that
someone
else
will
pay—that
“someone
else”
is
you.
There
is
no
such
thing
as
public
money;
there
is
only
taxpayers'
Money”.
Segundo
as
palavras
da
Dama
de
Ferro,
“não
existe
esse
negócio
de
dinheiro
público:
só
existe
o
dinheiro
dos
contribuintes”.
Não
por
acaso,
este
texto
jamais
utilizou
a
expressão
dinheiro
público.
Esta
observação
pode
parecer
puramente
semântica,
mas
a
possível
explicação
para
a
indiferença
do
povo
brasileiro
com
a
má
aplicação
do
dinheiro
dos
contribuintes
pode
ser
explicada
com
a
incorreta
ideia
de
que
há
dinheiro
público
e
dinheiro
privado.
Como
dito
por
Margaret
Thatcher,
o
Estado
não
possui
outra
fonte
de
receita
além
da
expropriação
do
dinheiro
do
cidadão
por
meio
da
tributação
ou
outros
artifícios
nada
republicanos
como
retirar
da
sociedade
por
meio
da
furtiva
justificativa
de
assegurar
ao
trabalhador
o
Fundo
de
Garantia
por
Tempo
de
Serviço
(FGTS).
Pode-‐se
afirmar,
portanto,
que
não
existe
dinheiro
público.
Existe
dinheiro
do
contribuinte
que
momentaneamente
está
sob
a
administração
do
Estado
e
deve
ser
usado
da
forma
mais
eficiente
e
inteligente
possível
para
maximizar
a
satisfação
do
cidadão.
A
falácia
de
divisar
o
dinheiro
público
e
o
dinheiro
privado
só
tem
servido
para
criar
um
distanciamento
e
uma
indiferença
por
parte
do
cidadão
brasileiro
que
se
choca
com
os
recorrentes
escândalos
de
corrupção,
mas
alenta-‐se
na
equivocada
ideia
que
o
dinheiro
desviado
é
público
e
não
o
seu.
A
lição
do
prêmio
nobel
de
economia,
Milton
Friedman,
sobre
as
formas
de
gastar
dinheiro
é
esclarecedora.
Em
entrevista
concedida
para
a
rede
de
televisão
Fox
News
em
maio
de
2004,
o
economista
afirmou
que
existe
quatro
formas
de
se
gastar
o
dinheiro.
É
possível
gastar
o
seu
dinheiro
consigo
mesmo.
Neste
caso,
você
buscará
buscar
a
melhor
alocação
possível,
gastando
o
mínimo
e
esperando
receber
o
máximo.
A
segunda
forma
é
você
gastar
o
seu
dinheiro
em
favor
de
outra
pessoa.
Neste
caso,
você
não
se
preocupará
muito
com
a
qualidade,
mas
será
zeloso
com
com
o
custo.
Uma
terceira
forma
de
gastar
dinheiro
é
utilizar
a
quantia
de
alguém
consigo
mesmo.
Neste
caso,
é
muito
provável
que
o
cuidado
com
o
custo
não
seja
prioridade,
mas
a
qualidade
do
gasto
certamente
será.
25
Por
fim,
é
possível
gastar
o
dinheiro
de
alguém
em
favor
de
um
terceiro.
Nesta
hipótese,
a
preocupação
em
economizar
e
em
obter
o
melhor
resultado
não
serão,
via
de
regra,
preocupações
daquele
encarregado
de
aplicar
o
dinheiro.
Na
entrevista,
Milton
Friedman
conclui,
dizendo
que
o
último
caso
corresponde
ao
governo
que,
no
caso
do
Brasil,
apropria-‐se
de
32,38%
do
produto
interno
bruto
e
gasta
mal
o
dinheiro
administrado20.
Dessa
forma,
é
preciso
por
fim
à
infeliz
expressão
“dinheiro
público”
e
conscientizar
a
população
que
o
dinheiro
sob
a
gestão
estatal
é
dinheiro
dos
contribuintes
e
que
deve
ser
aplicado
da
forma
mais
eficiente
possível,
consoante
preconiza
o
artigo
37
da
Constituição.
2.2. O
exercício
da
cidadania
no
controle
das
contas
públicas
e
os
casos
bem-‐sucedidos
de
fiscalização:
o
uso
da
inteligência
artificial
em
prol
do
controle
orçamentário.
Buscando
dar
efetividade
aos
dispositivos
constitucionais
e
infraconstitucionais
acima
elencados,
o
Tribunal
de
Constas
da
União
elaborou
uma
cartilha
de
orientações
ao
cidadão
para
que
ele
possa
desempenhar
adequadamente
a
fiscalização
do
seu
dinheiro21.
Como
destacado
acima,
é
preciso
elevar
o
cidadão
para
o
patamar
que
a
Constituição
lhe
reservou,
assegurando
todas
as
prerrogativas
inerentes
ao
exercício
da
cidadania.
A
transparência
e
o
livre
acesso
à
informação
são
instrumentos
eficientes
de
promoção
da
participação
do
cidadão
na
Administração
Pública.
Dois
exemplos
bem-‐sucedidos
de
fiscalização
popular
do
orçamento
podem
servir
de
estímulo
e
alento
para
aqueles
que
já
perderam
a
esperança
de
um
país
mais
honesto.
Um
caso
de
sucesso
é
a
chamada
“Operação
Política
Supervisionada”
(OPS)
que
dedicou-‐se
a
fiscalizar
de
forma
detalhada
os
gastos
realizados
pelos
parlamentares
do
20
A
carga
tributária
acima
referida
foi
publicada
pela
Receita
Federal
em
seu
site
oficial:
http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2017/dezembro/carga-‐tributaria-‐bruta-‐atingiu-‐32-‐38-‐
do-‐pib-‐em-‐2016
21
O
site
do
Tribunal
de
Contas
da
União
disponibiliza
a
Carta
de
Serviços
ao
Controle
Social:
http://portal.tcu.gov.br/main.jsp?lumPageId=8A8182A24ED12B19014ED646CE5E1FC0&previewItemId
=8A8182A2602338900160373ADD0C513F&lumItemId=8A8182A2602338900160374553726736
26
Congresso
Nacional.
Segundo
informação
prestada
pela
organização,
já
foi
possível
economizar
mais
de
R$
5,5
milhões
de
dinheiro
dos
contribuintes22.
Trata-‐se
de
um
blog
lançado
na
rede
mundial
de
computadores
que
recebe
denúncias
de
qualquer
pessoa
e
confronta
os
dados
com
as
informações
prestadas
pelo
Congresso
Nacional
na
rubrica
denominada
Cota
para
Exercício
da
Atividade
Parlamentar
(CEAP).
Com
um
mecanismo
colaborativo
e
uma
ferramenta
que
utiliza
a
tecnologia
da
informação
por
meio
de
um
código
fonte
disponível
para
qualquer
indivíduo
que
deseje
acessar
e
aperfeiçoá-‐lo,
o
movimento
tem
obtido
resultado
expressivo
sem
qualquer
investimento
estatal.
Pode-‐se
identificar
um
movimento
interessante
que
está
surgindo
na
sociedade,
envolvendo
jovens
cidadãos
com
elevada
capacidade
criativa
e
domínio
de
novas
tecnologias
para
fazer
com
poucos
recursos
o
trabalho
que
demandaria
o
esforço
de
inúmeros
servidores
públicos.
O
domínio
de
Data
Science,
Machine
Learning,
Big
Data,
Inteligência
Artificial,
Neural
Networks,
Data
Mining
são
vários
termos
para
designar
tecnologias
diferentes
para
o
tipo
de
combate
à
corrupção
brasileira
que
tem
se
verificado
recentemente.
Sobre
o
tema,
é
interessante
apresentar
o
segundo
caso
de
fiscalização
eficiente
conduzida
por
um
grupo
de
jovens
criativos.
Trata-‐se
da
“Operação
Serenata
de
Amor”,
um
projeto
desenvolvido
originalmente
pelo
cientista
de
dados
Irio
Musskopf
e
depois
acompanhado
por
mais
pessoas.
O
projeto
surgiu
ao
perceber
que
ainda
existiam
muitas
brechas
no
uso
de
tecnologia
para
fiscalizar
gastos
de
parlamentares.
Criou-‐se
a
partir
de
ferramentas
de
inteligência
artificial,
um
robô
chamado
“Rosie”,
cuja
programação
permite
analisar
cada
pedido
de
reembolso
dos
deputados
e
identificar
a
probabilidade
de
ilegalidade23.
Segundo
relatório
apresentado
pelo
projeto,
foi
captado
o
valor
inicial
de
R$
80.424,0024.
Para
efeitos
de
comparação,
a
Câmara
dos
Deputados
realizou
a
licitação
pela
modalidade
pregão
eletrônico
que
resultou
na
contratação
de
um
software
no
valor
de
R$
1.780.000,0025.
O
projeto
contabiliza
629
denúncias
formalizadas,
envolvendo
216
deputados,
representando
o
questionamento
de
R$
378.000,00.
Depois
de
mais
de
8.000
casos
de
%C3%BAltima-‐serenata-‐c538f145c2f3
25
Informação
disponível
no
relatório
da
Câmara
dos
Deputados:
http://www2.camara.leg.br/a-‐
camara/estruturaadm/gestao-‐na-‐camara-‐dos-‐deputados/contas-‐da-‐camara/ano-‐de-‐2015/relatorio-‐de-‐
gestao-‐2015
27
suspeitas,
cujo
valor
ultrapassa
a
cifra
de
R$
2
milhões,
muitas
irregularidades
foram
espontaneamente
corrigidas
pelos
parlamentares,
conforme
documentam
os
relatórios
do
projeto26.
O
uso
da
inteligência
artificial
e
do
que
vem
a
ser
chamado
de
“machine
learning”
como
no
caso
da
robô
Rosie
é
o
futuro
descortinando
esperança
para
um
controle
eficiente
do
gasto
público.
A
tecnologia
empregada
vale-‐se
de
um
algorítimo
capaz
de
descobrir
sozinho
padrões
e
se
tornar
“mais
inteligente”
a
ponto
de
poder
fazer
previsões
(COGLIANESE,
Cary
e
LEHR,
2017).
As
aplicações
da
inteligência
artificial
e
da
machine
learning
são
múltiplas
e
estão
sendo
aplicadas
nos
Estados
Unidos,
consoante
relatam
os
professores
Coglianese
e
Lehr
em
estudo
que
aborda
a
utilização
da
tecnologia
nas
agências
norte-‐americanas
(COGLIANESE,
Cary
e
LEHR,
2017),
chegando-‐se
a
afirmar
que
não
se
controverte
mais
sobre
a
aplicação
ou
não
da
tecnologia.
No
contexto
norte-‐americano
discute-‐se
se
a
utilização
intensiva
da
inteligência
artificial
poderia
conflitar
com
institutos
caros
do
Administrative
law,
como:
non
delegation,
due
process,
non
discrimination
e,
por
mais
curioso
que
possa
parecer,
transparência
(COGLIANESE,
Cary
e
LEHR,
2017).
Isso
porque
a
tomada
de
algumas
decisões
delegadas
para
as
máquinas
poderia
suscitar
a
opacidade
das
decisões
e
um
retrocesso
do
ponto
de
vista
democrático.
Portanto,
a
participação
da
sociedade
e
o
uso
intensivo
da
tecnologia
podem
representar
uma
alternativa
para
o
combate
a
uma
praga
que
dizima
vidas,
sonega
oportunidades
e
retira
do
cidadão
a
capacidade
de
sonhar
com
um
futuro
melhor
que
é
a
corrupção.
Por
meio
de
tecnologias
hoje
disponíveis
é
possível
realizar
o
trabalho
de
muitos
servidores
que
levaria
anos
em
poucos
minutos
e
a
um
custo
baixíssimo.
Basta
que
se
tenha
capacidade
de
articulação
e
indignação.
Conclusões
Como
se
pretendeu
deixar
claro
desde
os
primeiros
parágrafos
do
ensaio,
a
pesquisa
jamais
teve
a
intenção
de
negar
a
importância
e
o
papel
dos
órgãos
oficias
de
26 Neste relatório, são apresentados os casos em que os parlamentares se desculparam e informaram que
28
fiscalização
mencionados
no
texto.
A
importância
e
o
papel
de
cada
instituição
estão
definidos
pela
Constituição
que
por
tão
somente
possuir
status
constitucional
já
serve
de
reconhecimento
da
relevância
no
ordenamento
jurídico
brasileiro.
No
entanto,
a
pesquisa
procura,
de
forma
provocativa,
questionar
a
eficiência
do
gasto
estatal
em
fiscalização
do
dinheiro
dos
contribuintes
motivado
especialmente
pela
profusão
de
escândalos
e
casos
de
corrupção
que
aparecem
com
cada
vez
mais
frequência.
Diante
das
tecnologias
disponíveis
da
velocidade
que
as
inovações
surgem,
não
se
pode
imaginar
que
os
órgãos
oficiais
sejam
capazes
de
resolver
sozinhos
os
problemas
de
um
país
continental
como
o
Brasil.
Dessa
forma,
o
uso
coordenado
de
tecnologias
disruptivas
com
o
apoio
dos
poderes
institucionalmente
legitimados
pode
ser
a
chave
para
se
alcançar
maior
eficiência
na
fiscalização
do
dinheiro
dos
contribuintes.
Dessa
forma,
acredita-‐se
que
as
verbas
alocadas
no
orçamento
da
União
para
os
órgãos
encarregados
de
fiscalizar
o
uso
e
destino
do
dinheiro
sob
a
gestão
estatal
podem
ser
melhor
utilizadas
quanto
maior
for
o
investimento
em
tecnologia
da
informação.
Dentre
os
dados
cotejados
no
artigo
pode-‐se
reproduzir
a
comparação
entre
o
orçamento
do
projeto
Serenata
de
Amor
que
foi
desenvolvido
com
R$
80.000,00,
enquanto
que
a
Câmara
dos
Deputados
licitou
um
software
desembolsando
a
quantia
de
R$
1.780.000,00.
Este
exemplo
ilustra
com
exatidão
a
provocação
lançada
no
estudo
e
que
se
espera
repercuta
e
alcance
muitos
cidadãos
ciosos
de
seu
dever.
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