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MENTE
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ESPÍRITO
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A Visão
A Visao de de Paulo
Paulo Sobrea aMente
Sobre MenteTransformada
Transformada
C R A I G S.S. KEENER
CRAIG KEENER
ים
VIDA NOVA
VIDA NOVA
Em Romanos,
Em Romanos, PauloPaulo
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em qualquer outraoutrade suas cartas.
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Escritura
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judaica,
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as antigas filosofias
as antigas dos estoicos,
filosofias dos estoicos,
platonistas, epicureus
platonistas, e outros
epicureus e com
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a realidade
pode apreciar
razao razão
da experiencia
a realidade
pode apreciar
PauloPaulo
que argumenta,
a eficácia
a eficacia
da experiência
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argumenta
que argumenta, alemalém
de seudeargumento.
humana
inteiramente
inteiramente
humana
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de reconhecer
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estudioso e suae rica
sua rica
exposição
exposiÿao de passagens-chave
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Romanos —
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2Corintios,
— assim
assim comocomo
Filipenses
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e Colossenses
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a mensagem
a mensagem
de Paulo
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seu proprio tempo, tempo,
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conferindo
vigor
vigor ao ao argumento
argumento paulíno
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diferente do dele.
do dele.
. J A ME
.JAMES D.SG.D. DUNN.
G. D l l N N .
Durham
Durham University
University
Esse elivro
Esse livro umaé grande
uma grande dádiva
dadiva aos aos
cristaos na area da psicologia e doe do
cristãos na área da psicologia
aconselhamento
aconselhamento com com
sua sua
organizaÿao academica e e
organização acadêmica
pormenorizada,
pormenorizada, masleitura
mas de de leitura
acessível daquilo que
acessivel daquilo que podemos podemos
chamar de “psicologia
chamar de “psicologia cognitiva cognitiva
aplicada” do apóstolo Paulo,
aplicada” do apostolo Paulo, baseada baseada
numa antropologia
numa antropologia historico- histórico-
-redentiva. Aqueles trabalham
-redentiva. Aqueles que que trabalham
numa versão caracteristicamente
numa versao caracteristicamente
cristã da psicologia contemporânea
crista da psicologia contemporanea
realmente precisam desse tipo de
realmente precisam desse tipo de
obra para ver o avanço do projeto.
obra para ver o avancÿo do projeto.
Por isso estou tomado de apreço
Por isso estou tornado de apreÿo
e gratidão.
e gratidao.
ERIC L. JOHNSON.
Southern ERIC L. JOHNSON.
Baptist Theological Seminary
Southern Baptist Theological Seminary
Nesse volume perspicaz, Keener trata de um aspecto negligenciado da teologia
de Paulo: como a fé em Deus e no Espírito de Deus capacita a mente a pensar
e a compreender de uma nova forma. Valendo-se de seu vasto conhecimento da
literatura greco-romana, Keener mostra que Paulo tem semelhanças e diferen-
ças em relação a seus contemporâneos. Ao fazê-lo, ele propõe que o cristão de
hoje deve ter semelhanças e diferenças em relação a seus contemporâneos.
Frank J. Matera, Catholic University of America
ESPÍRITO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-S/7057
Keener, Craig S.
A mente do Espírito : a visão de Paulo sobre a m ente transformada
/ Craig S. K eener; tradução de Susana Kiassen. ־São Paulo: Vida
Nova, 2018.
496 p.
17-1073 C D D 227.06
1. Epístolas de Paulo
A
MENTE
<~^Vd
ESPÍRITO
A Visão de Paulo Sobre a Mente Transformada
C R A I G S. K E E N E R
Tradução
י
Susana Klassen
ים
VIDA 1M0VA
®2016, de Craig S. Keener
Título do original: The mind o f the Spirit: Paul’s approach to transformed thinking,
edição publicada por Baker A cademic (Grand Rapids, Michigan, Estados Unidos).
D ireção executiva
Kenneth Lee Davis
G erência editorial
Fabiano Silveira Medeiros
E dição de texto
Arthur Dücke
Rosa Maria Ferreira
P reparação de texto
Virginia Neumann
Mareia B. Medeiros
R evisão de provas
Aldo Menezes
G erência de produção
Sérgio Siqueira Moura
D iagramação
Sandra Reis Oliveira
A daptação de capa
L ucas Souto
Para nossos filhos amados, David e Keren.
SUMÁRIO
Agradecimentos............................... ................................................................ 15
Reduções gráficas (abreviações e siglas)............................................................ 17
Introdução..................................................................................................... 45
D e que trata este livro..............................................................................46
De que este livro não trata..................................................................... 47
Implicações para a reflexão teológica na igreja de hoje.......................50
Conclusão................................................................................................183
7. Uma mente semelhante à de Cristo (Fp 2.1-5; 3.19-21; 4.6 -8 )............ 305
A paz divina guarda a mente em Cristo (Fp 4 .7 )..............................306
Celebração em Cristo (F p4.4) ........................................................... 308
Oração em lugar de preocupação (Fp 4.6) ......................................... 312
Reflexão sobre 0 que épuro (Fp 4 .8 ) ................................................ 314
Pensar como Cristo (Fp 2 .5 )................................................................319
Cidadãos do céu (Fp 3.20)................................................................... 322
Conclusão............................................................................................... 327
Conclusão ...........................................................................................................347
Bibliografia...........................................................................................................377
Fontes antigas
Observação: a maioria das obras é relacionada com seus autores tradicionais para
facilitar sua localização, não para adotar um posicionamento quanto a sua autoria.
Gerais
Mt Mateus Cl Colossenses
Mc Marcos 1 e 2Ts 1 e 2Tessalonicenses
Lc Lucas 1 e 2Tm 1 e 2Timóteo
Jo João Tt Tito
At Atos Fm Filemom
Rm Romanos Hb Hebreus
1 e2C0 1 e 2Coríntios Tg Tiago
G1 Gaiatas 1 e 2Pe 1 a 2Pedro
Ef Efésios 1,2 e 3J0 1 a 3João
Fp Filipenses Jd Judas
Ap Apocalipse
1As citações trazem enumeração dupla nos trechos em que há divergências entre a tradução do OTP
(relacionada primeiro) c do texto grego padrão.
2Em casos de divergência entre as edições, cito a enumeração tanto em Splitter (em OTP) como cm Kraft.
20 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
Josefo e Filo
Material targúmico
Pais apostólicos
Atenágoras
Pet. A pleafor Christians [Petição emfa v o r dos cristãos]
A gostinho
C.Jul. Against Julian [Contra Juliana]
C. pelag. Against tw o letters o f the pelagians [Contra duas cartas dos pelagianos]
Casamento On marriage and concupiscence [Sobre 0 casamento e a concupiscência]
Civ. D e civitate Dei [A cidade de Deus]
Contin. Continence [Continência]
Culpa On guilt and remission o f sins [Sobre a culpa e a remissão de pecados]
D iv. Q. Diverse questions [Diversasperguntas]
Epístolas Epistles [Epístolas]
Esp. let. O Espírito e a letra
Nat. graça A natureza e a graça
Prop. Rom. Proposições da Carta aos Romanos
Retrat. Retractations [Retratações]
Simplício To Simplician on various questions [A Simplício, sobre diversas questões]
Basílio Basílio de Cesareia, o G rande
Batismo Concerning baptism [Do batismo]
Regras The long rules [Regras longas]
Cesário Cesário de Aries
Sermões Sermons [Sermões]
Clem ente C lem ente de A lexandria
Paed. Paedagogus [O instrutor]
Strom. Stromata
Cirilo C irilo de Alexandria
Rom. Explanation o f the Tetter to the Romans [Explicações sobre a Carta aos Romanos]
Eusébio
H.E. História eclesiástica
P.E. Praeparatio evangélica [Preparação para 0 evangelho]
Fócio
Bibl. Bibliotheca [Biblioteca]
H ipólito
Ref. Refutation o f heresies [Refutação das heresias]
Ireneu
Haer. Contra as heresias
J. Crisóst. João Crisóstom o
Horn. Co. Homílias sobre a Primeira e Segunda Epístolas de Paulo aos Coríntios
Hom. Gn. Homilies on Genesis [Homílias sobre Gênesis]
Hom. Rm. Homilies on Romans [Homílias sobre Romanos]
Jerônim o
Hom. Sl. Homilies on the Psalms [Homílias sobre Salmos]
Ruf. Contra Rufino
24 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
H erodiano Horácio
História História do Império Romano Epístolas
após Marco Aurélio Epodos
H erác. (com.) H eráclito, o Odes
C om entarista Sátiras
Prob. horn. Homeric problems Iseu
[Problemas homéricos] Menecles Estate o f Menecles
H eráclito H eráclito de Efeso [Propriedade de
Ep. Cynic epistles [Epístolas Menecles]
cínicas] Isócrates
H erm ógenes Antidosis Antidosis (Or. 15)
Inv. Invention [Invenção] [Discurso 15]
Método Method in forceful speaking Demon. A d Demonicum (Or. 1)
[Método do discurso [Para Demônico,
eficaz] Discurso 1]
Nicoclem A d Nicoclem (Or. 2) [Para
Progymn. Progymnasmata
Nicocles, Discurso 2 ]
Q.jurid. On legal issues [Sobre
Nicocles Nicocles (Or. 3) [Cipriotas,
questõesjurídicas]
Discurso 3 ]
H eródoto
Paneg. Panegíricos (Or. 4)
Hist. Histórias
[Discurso 4 ]
H esíodo
Jâm blico Jâm blico de Cálcis
Melamp. Melampodia
Alma D e anima/On the soul [Sobre
T dias Os trabalhos e os dias
a alma]
Hiérocles Hiérocles, o estoico
Carta Letter [ Carta]
Amor On duties: onfraternal love
Mistérios D e mysteriis liber/Mysteries
[Dos deveres: o amor
[Mistérios do Egito]
fraterno]
Pitágoras D e vita pytagorica/Life o f
Casam. On duties: on marriage [Dos
Pythagoras [V ida de
deveres: casamento] Pitágoras]
Deuses On duties: how to conduct Jâm blico (nov.) Jâmblico, o N ovelista
oneselftow ard the gods Hist. bab. Babylonian story [História
[Dos deveres: como se babilônica]
comportar perante os Juvenal D écim o Júnio Juvenal
deuses] Sat. Sátiras
Etica Elements o f ethics [Elementos
Laércio Diógenes Laércio
de ética]
Vidas e doutrinas dosfilósofos ilustres
H in. Hom. Hinos homéricos
Libânio
H om ero
Aned. Anecdote [Anedotas]
Ilíaáa
Assuntos Common topics [Assuntos
Od. Odisséia
gerais]
R ED U Ç Õ E S G R Á F IC A S (A B R E V IA Ç Õ E S E S IG L A S ) 29
ANET Ancient Near Eastern texts relating to the Old Testament. James B.
Pritchard, org. 2. ed. (Princeton: Princeton University Press, 1955).
BGU Aegyptische Urkunden aus den Koniglichen Staatlichen Museen zu
Berlin, Griechische Urkunden (Berlin: Weidmann, 1895-1937).
15 vols.
CER Origenes. Commentarii in Epistulam a d Romanos. T. Hcither, org. (New
York: Herder, 1990-1995). 5 vols.
CSEL Corpus scriptorum ecclesiasticorum latinorum
Cyn. Ep. The cynic Epistles: a study edition. Abraham J. Malherbe, org. (Missoula:
Scholars, 1977). SBLSBS 12.
ENPK E in neuer Paulustext undKommentar. H. J. Frede, org. (Freiburg im
Breisgau: Herder, 1973-1974). 2 vols.
GBP The Greek bucolicpoets. LCL. Tradução para o inglês de J. M. Edmonds.
(Cambridge/London, Reino Unido: Harvard University Press/
Heinemann, 1912).
Gnom. Vat. Gnomologium Vaticanum
L. dos mortos O livro dos mortos do antigo Egito
PCR Pelagius’s commentary on Romans. M. De Bruyn, org. (Oxford: Oxford
University Press, 1993).
PG Patrologia Graeca [= Patrologiae cursus completus: Series Graeca]. J.-P.
Migne, org. (Paris, 1857-1886). 162 vols.
PGK Pauluskommentare aus dergriechischen Kirche. K. Staab, org. (Münster:
Aschendorff, 1933). NTAbh 15.
PL Patrologia Latina [= Patrologiae cursus completus: series latina]. J.-P.
Migne, org. (Paris, 1844-1864). 217 vols.
T. encant. Textos de encantamento in: Isbell, Charles D. Corpus o f the Aramaic
incantation bowls (Missoula: Scholars Press, 1975). SBLDS 17.
Traduções bíblicas
Bible
ASV American Standard NCV New Century Version
Version NEB The New English Bible
CEB Common English Bible NET New English Translation
ESV English Standard Version (NET Bible)
GNT Good News Translation NIV New International Version
KJV King James Version NKJV New King James Version
Message The Message NLT New Living Translation
NAB New American Bible NRSV New Revised Standard
NASB New American Standard Version
RSV Revised Standard Version
AB Anchor Bible
ABD Anchor Bible dictionary. David N. Freedman, org. (New York: Doubleday,
1992). 6 vols.
ABR Australian Biblical Review
ABRL Anchor Bible Reference Library
ACCS Ancient Christian Commentary on Scripture
AJA American Journal o f Archaeology
AJAH American Journal o f Ancient History
AJP American Journal o f Philology
ALGHJ Arbeiten zur Literatur und Geschichte des hellenistichen Judentums
ALU O S Annual o f Leeds University Oriental Society
AnBib Analecta Biblica
ANRW Aufstieg undNiedergang der romischen Welt: Geschichte und Kultur Roms
im Spiegel der neueren Forschung. Parte 2, Principat. H.Temporini; W.
Haase, orgs. (Berlin: de Gruyter, 1972-).
ANTC Abingdon New Testament Commentaries
AramSt Aramaic Studies
ArBib The Aramaic Bible
Arch Arqueologia
ASDE Annali di Storia dell’Esegesi
AshTJ Ashland TheologicalJournal
AsTJ Asbury TheologicalJournal
R ED U Ç Õ ES G R Á F IC A S (A B R E V IA Ç Õ E S E S IG L A S ) 37
AT Annales lheologici
AugCNT Augsburg Commentary on the New Testament
AUSS Andrews University Seminary Studies
BA Biblical Archaeologist
BASOR Bulletin o f the American Schools o f Oriental Research
BBR Bulletin fo r Biblical Research
BCompAW Blackwell Companions to the Ancient World
BCompRel Blackwell Companions to Religion
BDAG D a n k e r , F. W.; B a u e r , W.; A r n d t , W. R; G i n g r i c h , F. W. Greek-
CJ ClassicalJournal
Coll Collationes
ConBNT Coniectanea neotestamentica or Coniectanea biblica: New Testament
Series
CP Classical Philology
CQ Classical Quarterly
CRINT Compendia Rerum Iudaicarum ad Novum Testamentum
CT Christianity Today
CTM Concordia Theological Monthly
C urTM Currents in Theology and Mission
CW Classical World
DBM Deltion Biblikon Meleton
DBSJ D etroit Baptist Seminary Journal
DCDBCN The Development of Christian Doctrine before the Council of Nicaea
DNTB Dictionary o f N ew Testament background. Craig A. Evans; Stanley E.
Porter, orgs. (Downers Grove: InterVarsity, 2000).
D SD Dead Sea Discoveries
EHPR Etudes d’Histoire et de Philosophic Religieuses
EHRel Etudes d’Histoire des Religions
Enc Encounter
EPROER Etudes préliminaires aux religions orientales dans l’empire romain
EspV Esprit et Vie
EstBib Estúdios Bíblicos
EthRacSt Ethnic and Racial Studies
ETL Ephemerides Theologicae Lovanienses
ETR Etudes Théologiques et Religieuses
E vQ Evangelical Quarterly
E xpT Expository Times
FAT Forschungen zum Alten Testament
FilNeot Filologia Neotestamentaria
Foi Vie Foi et Vie
FreiRund Freiburger Rundbrief
F ZPhlh Freiburger Zeitschriftfu r Philosophie und Theologie
GR Greece and Rom
GRBS Greek, Roman, and Byzantine Studies
Greg Gregorianum
Hen Henoch
Hermeneia Hermeneia: A Critical and Historical Commentary on the Bible
Historia Historia: Zeitschriftfur alte Geschichte
HNTC Harper’s New Testament Commentaries
Hok Hokhma
R ED U Ç Õ ES G R Á F IC A S (A B R E V IA Ç Õ E S E S IG L A S ) 39
HR History o f Religions
HSCP H arvard Studies in Classical Philology
HTR H arvard Theological Review
HTS Harvard Theological Studies
HUCA Hebrew Union College Annual
HvTS Hervormde teologiese studies
IBC Interpretation: A Bible Commentary for Teaching and Preaching
IBS Irish Biblical Studies
ICC International Critical Commentary
ICS Illinois Classical Studies
Identity Identity: A n InternationalJournal o f Theory and Research
Int Interpretation
IsNumR Israel Numismatic Research
ITS Indian Theological Studies
IVPNTC InterVarsity Press New Testament Commentary
JBL Journal o f Biblical Literature
JBLMS Journal of Biblical Literature Monograph Series
JBQ Jewish Bible Quarterly
JDharm Journal of Dharma
Jeev Jeevadhara
JETS Journal o f the Evangelical Theological Society
JGRCJ Journal o f Greco-Roman Christianity andJudaism
JHI Journal o f the History ofIdeas
JHistPhil Journal o f the History o f Philosophy
JHistSex Journal o f the History o f Sexuality
JHS Journal o f Hellenic Studies
Jian Dao DS Jian Dao Dissertation Series
JJS Journal o f Jewish Studies
JJTP Journal o f Jewish Thought and Philosophy
JNES Journal o f Near Eastern Studies
JPFC TheJewish people in thefirst century: historical geography; political history;
social, cultural, and religious life and institutions. S. Safrai; M. Stern;
com D. Flusser; W. C. van Unnik, orgs. CRINT 1. vol. 1: Assen:
Van Gorcum, 1974; vol. 2: Philadelphia: Fortress, 1976.2 vols.
JP T Journal o f Pentecostal Theology
JQR Jewish Quarterly Review
JRelHealth Journal o f Religion and Health
JRS Journal o f Roman Studies
JSJ Journalfor the Study o f Judaism in the Persian, Hellenistic, and Roman
Periods
JSN T Journalfor the Study o f the N ew Testament
40 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
JSNTSup Journal for the Study of the New Testament Supplement Series
JS O T Journalfor the Study o f the Old Testament
JSOTSup Journal for the Study of the Old Testament Supplement
JSP Journalfo r the Study ofthe Pseudepigrapha
JSQ Jewish Studies Quarterly
JSS Journal o f Semitic Studies
JS/TS Journalfor Semitics / Tydskrif v ir Semitistiek
JTI Journal o f Theological Interpretation
JT S Journal o f Theological Studies
KD Kerygma und Dogma
KK Katorikku Kenkyu
LCL Loeb Classical Library
LEC Library of Early Christianity
LNTS Library of New Testament Studies
LPSt Library of Pauline Studies
LTJ Lutheran TheologicalJournal
Mnemosyne Mnemosyne: A Journal o f Classical Studies
MNTC Moffatt New Testament Commentary
MScRel Mélanges de Science Religieuse
NCamBC New Cambridge Bible Commentary
NCBC New Century Bible Commentary
NCCS New Covenant Commentary Series
Neot Neotestamentica
NFTL New Foundations Theological Library
NIBCNT New International Biblical Commentary on the New Testament
NICNT New International Commentary on the New Testament
N ovT Novum Testamentum
NovTSup Supplements to Novum Testamentum
N TA N ew Testament Abstracts
NTAbh Neutestamentliche Abhandlungen
NTL New Testament Library
NTS N ew Testament Studies
NTT Norsk Teologisk Tidsskrift
Numen Numen: International R eview fo r the History o f Religions
OCD’ Oxford Classical dictionary. Simon Hornblower; Antony Spawforth, orgs.
3. ed. rev. (Oxford: Oxford University Press, 2003).
OrChrAn Orientalia Christiana Analecta
OTP The Old Testament pseudepigrapha. James H. Charlesworth, org. (New
York: Doubleday, 1983-1985). 2 vols.
PAST Pauline Studies (Brill)
PastRev Pastoral Review
R ED U Ç Õ ES G R Á F IC A S (A B R E V IA Ç Õ E S E S IG L A S ) 41
1Há exceções como, recentemente, Wright, Faithfulness, p. 1121-6, bem como minhas pró-
prias tentativas em Keener, “Perspectives”; Keener, “Heavenly mindcdncss”; Keener, “Minds”.
2Ao citá-los, não estou afirmando que concordo com eles em todos os pontos, mas observo
que sua familiaridade com a filosofia antiga lhes permitiu identificar e abordar algumas questões
em Paulo de um ponto de vista muitas vezes desconsiderado por estudiosos. Apesar das con-
sideraçôes proveitosas de Engberg-Pedersen, alguns estudiosos questionaram sua dependência
desproporcional de Cícero, S. bem, 3 para a reconstrução do estoicismo em Paul and Stoics (veja
Wright, Faithfulness, p. 1391,1395). Na presente obra, lanço mão deliberadamente de uma gama
mais ampla de fontes referentes ao estoicismo, destacando não apenas Ario Dídimo, Epitome, de
modo particular, mas vários outros autores estoicos.
46 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
entanto, muitas vezes não perceberam como Paulo usa a cognição para associar
esses elementos fundamentais. Como é feita a transição da identidade reta para
o modo de vida reto? Paulo enfatiza a importância de um entendimento correto
correspondente à perspectiva divina, um entendimento que talvez complemente
ou, mais provavelmente, atue como outro aspecto daquilo que Paulo chama de fé.
1Keener, Romans.
4No estrato acadêmico mais erudito, pode-se consultar TLG; não especialistas (bem como
estudiosos que buscam produzir obras menos meticulosas) podem consultar Accordance, Logos e
BibleWorks.
5Baseio meu próprio trabalho sobre Paulo no texto grego, mas escrevo em inglês. Aqueles que
tiverem interesse nos termos específicos usados devem consultar o texto grego, tendo em mente,
porem, que o âmbito semântico mais amplo será de maior relevância para nossos propósitos gerais
do que uma investigação léxica extensa de termos específicos. Esse estudo pode ser realizado por
meio da pesquisa em concordâncias, em vez do trabalho mais conceituai que realizei ao pesquisar
a gama mais ampla de fontes antigas.
48 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
6Como seus proponentes observam com frequência, e.g., Wright, Justification, ρ. 28; Wright,
Faithfulness, p. 1458. De modo semelhante, críticos também identificam várias “novas perspecti-
vas”; veja, e.g., Waters, Justification, ρ. 154.
7Por vezes, as diferenças também podem ser exageradas. Logo, e.g., Dunn (Perspective, p.
18-23, 28-30) observa que sua ênfase sobre questões culturalmcnte específicas destacadas em
Romanos não visa negar princípios mais amplos que essas questões talvez reflitam.
8Caso algum leitor considere que me inclino demais em direção à antiga ou à nova perspecti-
va para seu gosto, esse leitor pode, com ajustes mínimos, aproveitar minhas observações exegéticas
dentro de seu próprio sistema.
IN T R O D U Ç Ã O 49
contrastante, visto que nossas melhores fontes indicam que Paulo era da Judeia,
com antecedentes e missão associados à Diáspora, a abordagem mais proveitosa
talvez seja mais eclética, valendo-se de diversas fontes conforme cada uma ofe-
rece maior contribuição para determinados tópicos.
Tendo em vista o foco deste livro sobre temas cognitivos em Paulo, parte de
minha atenção ao contexto de Paulo deve tratar da filosofia antiga, que compar-
tilhava dessa ênfase cognitiva. Ao examinar em diversos momentos um contexto
filosófico popular para o apóstolo, não pretendo afirmar que Paulo tinha uma
formação filosófica; por certo, ele não estudou em uma escola de filosofia.
Contudo, tinha interesse em alcançar habitantes de fala grega em cidades na
Ásia romana, na Macedonia, na Acaia e em Roma. Em geral, os membros mais
influentes de suas igrejas costumavam ter boa formação, o que, nessas regiões,
significava algum conhecimento de filosofia (e.g., relatos sobre filósofos e ditos
deles), embora a maioria dos que tinham acesso a uma formação superior optava
por uma ênfase na retórica. Outros que, muitas vezes, talvez tivessem pouca
instrução (cf. lC o 1.26), ainda assim tinham contato com a filosofia popular
por meio de oradores nas praças ou em competições públicas, bem como (para
os que eram cidadãos de sua cidade) por meio de alusões feitas em discursos
nas assembléias públicas. Papiros egípcios nos mostram um pouco mais da vida
diária nas vilas, mas ensinamentos comuns da filosofia popular (ainda que nem
sempre com detalhes técnicos das diversas escolas de pensamento filosófico)
revelam parte do meio intelectual de muitos dos habitantes das cidades.
De qualquer modo, o melhor acesso que temos a esse pensamento na atuali-
dade é por meio das obras que chegaram até nós. Dou destaque um pouco maior
ao estoicismo que a outras escolas porque (1) era o sistema filosófico predomi-
nante desse período naquela região; (2) influenciou 0 discurso intelectual não
filosófico por meio do ensino elitizado; e (3) influenciou o pensamento popular
urbano por meio do controle exercido pelos mais instruídos sobre grande parte
dos discursos públicos.9 (E possível que o médio-platonismo já exercesse influên-
cia mais forte sobre os intelectuais alexandrinos; sua abordagem eclética e outros
fatores o tornaram mais amplamente dominante depois da época de Paulo.)
O contexto romano é relevante não apenas em Roma, mas também em
Corinto e Filipos, duas colônias com forte influência romana. Nesses dois lo-
cais, porém, é provável que a mensagem a respeito de Jesus tenha circulado
primeiro entre os judeus de fala grega, tornando os contextos grego e judaico
10Veja Keener, Acts, 4 vols. (esp. as amostras no vol. 1, cap. 7). Creio que minha obra sobre
Atos se encaixa nos estudos tradicionais de Atos, mas espero que até mesmo os mais céticos reco-
nheçam o nível de pesquisa no comentário, que cita dezenas de milhares de referências primárias
da Antiguidade.
11Para uma discussão mais completa dessa questão, veja Keener, “Teaching ministry”. Quanto
à asserção de Lucas acerca da sofisticação retórica de Paulo, veja Keener, “Rhetorical techniques”;
quanto a sua asserção de possuir uma mente sóbria, veja Keener, “Madness”. Quanto ao modo
como Lucas retrata a formação de Paulo antes de se tornar seguidor de Cristo, veja a discussão
em Keener, Acts, 3.3205-15. Quanto às descrições coerentes, mas diferentes de Paulo em ambas
as fontes, veja, e.g., Porter, Paul in Acts·, para analogias concretas em outras biografias sobre um
indivíduo e suas cartas, veja Hillard; Nobbs; Winter, “Corpus”.
IN T R O D U Ç Ã O 51
12Tipos de personalidade, às vezes, nos levam a ter mais afinidade com alguns ambientes do
que com outros; algumas pessoas são, em razão de sua constituição (e, por vezes, de seu ambiente),
dadas à análise, por exemplo, enquanto outras se desenvolvem mais em um ambiente fortemente
relacionai. Desde que valorizemos outros dons e estejamos dispostos a crescer em nossos pontos
mais fracos, nossas diferenças quanto a essas questões podem ser complementares, e não contradi-
tórias. Como ilustração, o teste Myers-Briggs de personalidade indicou que minhas características
são introversão, intuição, sentimento e crítica; no entanto (exceto pelo fato de ser extremamente
introvertido), me encaixo na classificação cm alguns pontos só por um triz. Não tenho facilidade
para comparar e contrastar minha personalidade com a de outras pessoas; esse fato possivelmente
influencia o modo como abordo o presente assunto. Como estudiosos de hermenêutica enfati-
zaram de longa data (e.g., Bultmann, “Exegesis”; Thiselton, “New hermeneutic”, p. 86), nossas
experiências passadas influenciam nossas percepções.
13Conforme a discussão do cap. 4, porém, o mesmo contexto também trata da “mente do
Espírito” (Rm 8.5-7). De acordo com Paulo, orarem línguas é orar com o “espírito” (1 Co 14.2,14),
um dom precioso de Deus. No entanto, o mesmo contexto parece identificar o dom de inter-
pretação da oração em línguas com orar com o entendimento (14.13-15). Paulo já identificou
tanto línguas quanto interpretação como dons inspirados pelo Espírito (12.7,10); a oração com
o entendimento dessa forma, então, também significa oração inspirada pelo Espírito de Deus.
Em outras partes do cristianismo primitivo, adoração “em Espírito e em verdade” provavelmente
se refere não ao espírito humano, mas ao Espírito de Deus (conforme, e.g., Scott, Spirit, p. 196;
Keener, John, p. 615-9;pace, e.g., Morris, John, p. 270; Collins,“Spirit”).
IN T R O D U Ç Ã O 53
A MENTE CORROMPIDA
(RM 1.18-32)
Assim como eles não julgaram apropriado ter Deus em seu âmbito
cognitivo, Deus os entregou a uma mente imprópria, para que fi-
zessem coisas que não devem ser feitas (Rm 1.28).
Ό uso do termo “pagão” nesta obra não se refere a um conjunto de conceitos religiosos; antes,
comunica a perspectiva fundamental da maioria dos judeus e cristãos da Antiguidade a respeito
dos não judeus, especialmentc politeístas.
56 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
expressou sua ira contra a idolatria ao entregar os seres humanos a seus próprios
desejos irracionais. O pensamento irracional levou à sujeição da humanidade
às paixões. As formas impróprias de pensar das pessoas são consequência de
rejeitarem a verdade de Deus.2
3Conforme Keck (Romans, p. 73) observa, não apenas a teologia afeta a moralidade, mas
também a moralidade afeta a teologia e o modo de pensar das pessoas, “em grande parte, porque
racionalizamos nosso comportamento”.
4A distorção supostamente aumenta com uma maior proximidade da discussão direta de
questões divinas, e o nível de distorção pode ser maior em algumas culturas que em outras. No
entanto, Paulo fornece um retrato vivido da responsabilidade humana que, por fim, abarca até
mesmo Israel (Rm 2.1—3.20), sem a intenção de apresentar um estudo antropológico nuançado
e sistemático.
5Para os vários pontos de vista judaicos antigos a respeito dos gentios, veja csp. Donaldson,
Paul and Gentiles.
6O ponto de partida de Paulo talvez pareça desagradável, mas alguns pensadores antigos
também consideravam que a transformação precisa ser precedida do conhecimento das próprias
falhas (e.g., Sêneca J., Lucílio, 28.9-10).
58 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
12O significado do circunlóquio eufemístico de Paulo “do céu” provavelmente era bastante
óbvio para os ouvintes antigos; veja, e.g., Dn 4.26; lE n 6.2; lM c 3.18-19, 50, 60; 3Mc 4.21; Lc
15.18; m. Ab., 1.3; Sipra Behuq. pq., 6.267.2.1. Quanto a perífrases, veja, e.g., Rhet. Her., 4.32.43;
Hermógenes,MóW<?, 8 (esp. 8.421-23); Rowe, “Style”, p. 127; Anderson, Glossary, p. 102. Quanto
a eufemismos, cf. Hcrmógenes, Inv., 4.11.200-201; Pesiq. Rab Kah., 4.2; Anderson, Glossary, p.
60;Tal,“Euphemisms”. Quanto a evitar antropomorfismos já na LXX, veja Gard, Method, esp. p.
32-46. Quanto à ira divina do céu, veja, e.g., lE n 83.9; 91.7; Or. sib., 1.165.
13E.g., D. Crisóst., Discursos, 32.80; Dídimo 2.7.11k, p. 84.46,11-12,21-22־.
14Esp. estoicos, e.g., Dídimo, 2.7.5bl2, p. 26.12-15; 2.7.llk , p. 84.24, 29; porém 2.7.5b, p.
12.2-12; cf. Laércio, 2.93; Marco Aur., 9.1.2. Outros além dos estoicos associavam a ignorância
ao mal; e.g., Porfírio, Marcela, 13.225.
lsAlguns judeus da Diáspora associavam impiedade a idolatria (e.g., Or. sib., 3.36; cf. relação
com atos homossexuais em Or. sib., 3.184-86 e com juízo em 3.568).
16Observar as interpretações (em Bray, Romans, p. 34-5) de Orígenes, Com. Rom., sobre 1.18
{CER, 1:134,140); Ambrosiastro, Com. (CSEL 81:39); Apolinário de Laodiceia, comentário sobre
Rm 1.18 (PGK, 15:59). Quanto à idolatria como sinônimo de abandonar a verdade, veja, e.g., T.
Mois 5.2-4 (Israel); cf. até mesmo a preocupação do neoplatonismo posterior com algumas ima-
gens que distorciam a verdade (Jâmblico, Carta, 18.1-3, em Estobeu ,Antologia, 3.11.35).
60 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
Alguns filósofos gregos rejeitavam a ideia de ira divina,17 mas outros gentios
pensavam de forma diferente.18 Fontes judaicas certamente reconhecem a ira de
Deus,19 inclusive diante da idolatria.20 No contexto de Romanos 1.24-32, Deus
expressa sua ira no presente (1.18) ao entregar a humanidade a sua própria
insanidade moral (veja discussão adiante).
17Veja, e.g., Epíteto, Diatr., 2.19.26 (contrastar, porém, 2.8.14); Max.Tiro, Or., 9.2; Porfírio,
Marcela, 18.302-4; de maneira mais moderada Jâmblico, Mistérios, 1.13.
18Veja, e.g., Valério 1.1.16-21; l.l.ex t.l-l.l.ex t.9 ; Filóstrato, Her., 53.17; esp. no antigo
Oriente Próximo, veja Kratz; Spieckermann, Wrath.
19E.g., lE d 8.21; lM c 3.8; Jt 9.9; Br 2.13,20; Jub., 15.34; CD, 8.3; Or. sib., 1.179.
20E.g., Or. sib., 3.763,766; 5.75-76 (em vista de 5.77-85); Sipre D t, 96.2.1.
21Veja, e.g., Reicke, “Natürliche Theologie”; Stagg, “Plight”. Isso não significa, necessária-
mente {pace Cranfield, “Romans 1.18”, p. 335) que a ira em Romanos 1.18 também seja revelada
no evangelho. Tecnicamente, 1.18 afirma apenas que “a ira” é revelada, mas um contraste contcx-
tual com a justiça de Deus como salvação (1.16,17) c mais provável, pois Paulo contrasta ira c
salvação em outras passagens (Rm 5.9; lTs 5.9; cf. Rm 9.22-24).
22Contrastar com Rm 1.25; 2.8. Para Paulo os judeus, em contrapartida, têm parte da verdade
da lei (Rm 2.20), embora não a plenitude disponível em Cristo; cf. E f 1.13; 2Ts 2.12,13. Aqui,
Paulo não vê a fé como um “salto no escuro” (tomando emprestada a expressão de Kierkegaard
citada com frequência, mas cujo significado pretendido talvez fosse outro, pressupondo uma di-
cotomia kantiana entre fé subjetiva e razão objetiva), porém como uma resposta deliberada à luz
convincente e persuasiva da verdade. Ele jamais a associaria com nosso conceito popular de “faz
de conta”, no qual alguém tenta convencer a si mesmo e, portanto, por meio de um forte desejo, a
exercer poder sobre a realidade interna ou (de modo mágico) sobre a externa.
A M EN TE C O R R O M P ID A (R M 1 .1 8 -3 2 ) 61
31Filo, Moisés, 1.212; Embriaguez, 43,45; cf. Posteridade, 12; Sonhos, 1.231.
32Veja Borgen, Bread, p. 127-8.
33Filo, Fuga, 76.
34Filo, Confusão, 145.
35Para uma discussão da perspectiva de Filo a respeito da inefabilidade divina, veja Wolfson,
Philo, 2.94-164, esp. 110-38; Mondin, “Esistenza”.
36Filo, Imutável, 143.
3'Filo, Interp. aleg., 3.126.
38Wolfson, Philo, 1.36, citando Filo, Sacrifícios, 78,79. Para Wolfson, o conhecimento filônico
é essencialmente intelectual, embora inclua frenesi filosófico {Philo, 2.3-10). Dodd enfatiza o
elemento místico {Interpretation, p. 62).
3''Hagner, “Vision”, p. 87, fornece referencias.
40Essa dimensão continuou no judaísmo antigo; cf. Shapiro, “Wisdom”. Cf. dimensões mo-
rais de conhecimento, por vezes associadas à justiça, nos Manuscritos do Mar Morto (1QM, 13.3;
Wilcox, “Dualism”, p. 89, cita 1QS, 3.1; 1QH, 19.8 [Sukenik, 11.8]; cf. 1QS, 8.9; 9.17).
41Dentan, Knowledge, p. 35.
42Cf. o senso de conhecer em G n 4.1; SI 1.6; 55.13; 88.18; Dentan, Knowledge, p. 37-8.
43Cf. Huffmon,“Background”, p. 37; cf. obediência em Os 4.1; 5.4; 8.2.
44E.g., Êx 6.7; 7.5,17; 10.2; 14.4,18; 16.12; lRs 20.13; 20.28; e mais de cinquenta vezes em Ezequiel.
A M EN TE C O R R O M P ID A <RM 1 .1 8 -3 2 ) 63
4sVeja, e.g., Fritsch, Community, p. 73-4; Allegro, Scrolls, p. 132-3; Price, “Light from
Qumran”, p. 26; Flusser,Judaism, p. 57-9; Lohse, Colossians, p. 25.
46IQS, 10.12; 11.3.
47Lohse, Colossians, p. 25-6, citando IQS, 4.4; lQSb, 5.25; lQ H a, 20.11-12; 6.25 (Sukenik
12.11-12; 14.25). Painter, “Gnosticism”, p. 2, cita IQS, 3.6-7; 4.6.
48G arnet,“Light”, p. 20, citando 1QH, 4.5-6,23-24,27-28; 5.20-39; 8.4-26; 9.29-36.
4,IQS, 4.22; 1QM, 11.15; 1Q 27,1.7.
50E.g., Is 11.9; 52.6; Jr 24.7; 31.34 (atenuado em Tg. deJr. sobre 31.34); Ez 34.30; 36.23-28;
37.6,12-14,27,28; Os 2.19,20; J13.17; He 2.14; cf. 1 C 0 13.8-12.
51Eo 36.5 (localização alternativa 33.5).
s3Sb 2.22; 12.27; 13.1; 14.22; 16.16; Eo 36.5.
s32Br 48.40.
54Sb 2.13.
*Abot R. Nat., 37 A.
56E.g., A Ber., 33a; Sanh., 92a; anteriormente Br 3.36; 4.1. Veja tb. Wewers,“Wissen”,p. 143-
8; Bultmann, “Γινώσκω”, p. 701.
37Sipre D t., 41.3.2.
stSipre Dr., 33.1.1.
5‘‘Sipre Dt., 49.2.2.
60E.g., 4 E d 3.32-, 2Br 14.5; 48.40.
64 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
Uma vez que muitos pensadores gentios davam grande valor ao conheci-
mento de Deus, eles teriam concordado que suprimir a verdade a respeito de
Deus é um sério ato de impiedade. Alguns pensadores antigos afirmavam que
a natureza tinha dado à mente humana um anseio pela verdade;61 portanto,
suprimi-lo conscientemente ao negar a existência dos deuses não é apenas ig-
norância, mas perversidade.62 Para alguns, como no caso de Paulo aqui, a crença
numa divindade podia ser um elemento fundamental da razão, “uma das normas
das quais consiste a razão”.63 Na opinião de alguns gentios, os povos mais anti-
gos tinham verdadeiro conhecimento que foi incorporado na religião.64 Muitos
gentios também acreditavam que havia ocorrido um declínio moral da humani-
dade em comparação com a era anterior.65
Conforme uma convicção fundamental e amplamente aceita a respeito da
divindade, a existência da divindade era axiomática. Como na óptica de Paulo,
exemplificada em Romanos 1, a maioria dos pensadores antigos se julgava capaz
de reconhecer o desígnio divino na natureza.66 Os epicuristas, que negavam um
desígnio divino na natureza, eram considerados idiossincrásicos.67 Para Sócrates,
por exemplo, a natureza revelava benevolência divina e, portanto, convidava o
indivíduo a louvar.68 Os estoicos também inferiam a existência de Deus a partir
69Epíteto, Diatr., 1.6.7-8; cf. Sêneca J., Q. nat., 1. pref., 14-15. Paulo também emprega ter-
minologia simpática aos estoicos em Rm 1.26,28; cf. outras passagens citadas em Glover, Paul, p.
20-1. Quanto ao uso de discurso da criação para instrução moral pelos estoicos (como Paulo faz),
cf Sisson, “Discourse”.
70Epíteto, Diatr., 1.6.23-24.
71Di Mattei, “Physiologia”. Quanto às provas de Filo da existência de Deus, veja Wolfson,
Philo, 2.73-93.
72Car. Arts., 131-32; Josefo, C.Ap., 2.190; talvez T. Na/., 3.3. Essa revelação de seu poder não
revela sua essência (Josefo, C. Ap., 2.167). Os gentios não identificavam o artífice com base em
suas obras dele (Sb 13.1). Os autores do AT já percebiam a ordem de Deus na criação, por vezes
até mesmo em termos comparáveis a leis; cf. Salmos 19.1-6 (no contexto de 19.7-11); 33.6,9
(no contexto de 33.4); 119.90-91; 147.15-19; no Egito e na Mesopotamia, c f Walton, Thought,
p. 192-3.
73Davies, Paul, p. 28-9; cf. comentário adiante (p. 71).
74Talvez Paulo queira dizer que era simplesmente óbvio para eles (cf Jr 40.6, LXX [33.6,
TP]; talvez G 11.16), mas termos análogos em Rm 8.17-19 provavelmente indicam que Paulo se
refere a algo dentro deles (cf Rm 1.24; 2.15; 11.17; 2C0 6.16). Entre comentaristas antigos, veja
(em Bray, Romans, p. 38) J. Crisóst., Hom. Rm., 3; Ps.-Const., Rom., (ENPK, p. 24); Pelágio, Com.
Rom., sobre 1.19.
75E.g., D. Crisóst., Discursos, 12.27; Jâmblico, Mistérios, 1.3. No estoicismo, c f Jackson-
-McCabe, “Preconceptions”.
76D. Crisóst., Discursos, 12.28 (tradução para o inglês de Cohoon, LCL, 1.33).
77Cícero, Tusc., 1.13.30; Sêneca J., Luctlio, 117.6; cf. Max. Tiro, Or., 11.5; Artemidoro,
Sonhos, 1.8.
78Cícero, S. bem, 5.12.35-36; cf Sêneca J., Ben., 6.23.6-7; Car. Arts., 156-157.
79Cícero,Nat. deuses,2.59.147-61.153; Epíteto,Diatr., 1.6.10; 1.6.25.
66 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
Paulo se queixa de que, na criação, Deus revelou verdades perceptíveis pela ra-
zão, mas que as pessoas criaram linhas de pensamento alternativas e inferiores
a fim de esquivarem-se da verdade de Deus. Como recusaram a verdade que
tinham, tornaram-se incapazes de discernir a verdade. Em Romanos 1.20,21,
Paulo argumenta que a revelação de Deus, inclusive seus “atributos invisíveis”
(αόρατα), é “vista” (καθοραται, 1.20) e que o coração resistente foi “obscu-
recido” (έσκοτίσθη, 1.21), um jogo de palavras que lança mão do uso amplo
nos tempos antigos da visão como analogia para o conhecimento.93 Muitos
pensadores enfatizavam a visão da mente e, com frequência, do divino,9495espe-
cialmente na tradição platônica.9s Essa ênfase é frequente em Filo, pensador
88A maioria acreditava que garantia ajusta condenação da humanidade (Bray, Romans, p. 34;
Rcasoner, Full circle, p, 12); apenas raramente conduzia a algum conhecimento divino (Reasoner,
Full circle, p. 12-3). Cf., porém, Teodoreto, Com. 1 C0., 171, em Bray, Corinthians, p. 14-5.
89Veja observações em Moo, Romans, p. 123.
‘ ״Ott, “Dogmatisches Problem”, p. 50; Coffey, “Knowledge”, p. 676; Johnson, “Knowledge”,
p. 73; Talbert, Romans, p. 62-3 (em conformidade com Reicke, “NatürlicheTheologie”; Brunner,
Romans, p. 17); Efferin, “Study”. Quanto à necessidade ou o caráter inseparável da revelação
natural em relação à revelação especial em Cristo, cf. Dennison, “Revelation”; pontos de vista
históricos em Vandermarck, “Knowledge”.
91O’Rourke, “Revelation”, ρ. 306; Hooker, “Adam”, p. 299.
92Cf. Oden, “Excuse”; Young, “Knowledge”; Cobb; Lull, Romans, p. 41; Calvin em Reasoner,
Full circle, p. 16-7.
95E.g., Max. Tiro, Or., 6.1. Veja a discussão adiante no livro (ρ. 294-7; provavelmente 2C0
3.17); de modo bem mais completo, Keener,/<?;&«, p. 247-50; e esp. Keener, Acts, 4.3524-6.
94E.g., Cícero, Tusc., 1.19.44; Marco Aur., 11.1.1 (cf. 10.26).
95E.g., Platão, Fedro, 65E; 66A; 83A; Max. Tiro, Or, 9.6; 10.3; 11.9,11; 38.3;Jâmblico ,Pitágoras,
6.31; 16.70; 32.228; Plotino,Enéadas, 1.6.9; Porfírio,Marcela, 16.274; cf. Kirk, Vision,p. 16-8.
68 A M EN TE D Ò E S P ÍR IT O
96Cf. Filo, Fuga, 19; Leis esp., 1.37; 3.4,6; Imutável, 181; Sacrifícios, 36,69, 78; Posteridade, 8,
118; Maus, 22; Noé agr., 22; Embriaguez, 44; Sobriedade, 3; Confusão, 92; Migração, 39, 48, 165,
191; Herdeiro, 89; Est. prelim., 135; Nomes, 3, 203; Abraão, 58, 70; Sonhos, 1.117; 2.160; Moisés,
1.185,289; Recompensas, 37.
97Filo, Maus, 22; Sonhos, 1.164; Isaacs, Spirit, p. 50; Dillon, “Transcendence in Philo”; Hagner,
“Vision”, p. 89-90. Essa imagem era comum de longa data, até mesmo no teatro; veja, e.g.,
Sófocles, Édipo, 371,375,402-3,419,454,747,1266-79.
98Cf., e.g., Filo ,Abraão, 80; Leis esp., 1.37; quanto a limitações, cf., e.g., Recompensas, 36,39-40.
99Filo, Sacrifícios, 78; Confusão, 92; Nomes 3-6; PG, 4.138. Quanto a “Israel” como “aquele que
vê Deus”, veja Confusão, 92,146; Sonhos, 1.171 ·,Abraão, 57.
100Veja, e.g., Xenofonte, Mem., 2.2.2-3; Cyr, 1.2.6-7; Rhet. Alex., 3 6 ,1442a.13-14; Políbio,
6.6.6; Valério, 2.6.6; 2.6.7a; 5.3; Patérculo, 2.57.1; 2.62.5; 2.69.1; Sêneca J., Lucílio, 81.1, 28;
Plínio J.,Ep., 8.18.3; Suetônio, Cláudio, 25.1; Dídimo, 2.7.1 lk, p. 80-81.21-25; Luciano, Pescador,
5; Ttmon, 35; Josefo,Ant., 19.361; 2Tm 3.2; veja, ainda, o comentário em Keener, Acts, 3.3314-5.
101Sêneca J., Ben., 1.10.4. Semelhantemente, Cícero declarou que a ingratidão “abrange todos
os pecados” (Cícero, Ãtico, 8.4 [tradução para o inglês de Winstedt, LCL, 2:117]). Quanto à gra-
tidão do ponto de vista romano como retribuição por um benefício, veja Harrison, Grace, p. 40-3.
102Porfírio, Marcela, 23.372.
103Em concordância com Byrne, Romans, p. 74. Paulo cita o versículo mais explicitamente
em lC o 3.20.
104E.g., Car. Art's., 136,139; Sb 15.8; Or. sib., 3.29, 547-48, 555; At 14.15; provavelmente
Sb 13.1; Lv 17.7; Jr 2.5. A LXX às vezes usa essa terminologia para traduzir “ídolos” (e.g., lRs
A M EN TE C O R R O M P ID A (R M 1 .1 8 -3 2 ) 69
A insensatez da idolatria
Paulo, como a maioria dos críticos judeus da idolatria, esperava que seu público
entendesse que a idolatria é insensata.115 Isso não significa que a maioria dos
16.13,26; 2Rs 17.15; 2Cr 11.15; SI 30.7 [31.6,TP]; 39.5 [40.4,TP]; Jn 2.9 [2.8,TP]; Is 44.9; Jr
8.19; 10.3,14,15; 51.18; Ez 8.10). É associada a antecedentes pagãos cm E f 4.17; lPe 1.18.
105A falta de entendimento no coração talvez reflita SI 75.5,6, LXX (76.4,5,TP; Jewett, Romans,
p. 158). Fontes judaicas costumavam usar escuridão e luz de forma figurada para mal e bem, respec-
tivamente (e.g., 1QS, 3.3; 1Q 27,1.5-6; 4Q183,2.4-8; T. Já, 43.6/4; Or. sib., frag. 1.26-27), ou com
referência à iluminação cm sabedoria (Eo 34.17 [32.20, TP]); esse dualismo é especialmente proe-
minente em M M M (e.g., 1QS, 3.19-22; 1QM, 13.5-6,14-15; cf. Charlesworth, “Comparison”).
106A escuridão é retratada como ignorância em Max. Tiro, On, 10.6; 29.5. Em Valério,
7.2.ext.la, Sócrates propõe que a mente dos mortais, ao contrário da mente dos deuses, pode estar
em trevas. A idolatria obscurece a mente em T. Sal.,26.7.
107Sêneca].,Lucílio, 50.3; Epíteto,Diatr., 1.18.4,6; 2.20.37; 2.24.19; Marco Aur.,4.29.
108E.g., Luciano, Fil. leilão 27; Jâmblico, Pitágoras, 6.31. A imagem se estende além do uso
filosófico (e.g., Cátulo, 64.207-9; Esquilo, Prom., 447-48; Valério, 7.3.6; D. Crisóst., Discursos,
32.26).
109E.g., Epíteto,Diatr., 1.18.4,6; 2.20.37; 2.24.19; Porfírio,Marcela, 18.307.
110Cícero, Tusc., 1.30.72; Sêneca J., Lucílio, 50.3. Cf. fontes em Renehan, “Quotations”, p. 20.
111Veja, e.g., Is 42.18-20; Jr 5.21; Ez 12.2; Sb 2.21; Josefo G ./, 5.343; T. José, 7.5; cf. lE n
89.33,41,54; 90.7; 93.8; 99.8.
112Is 6.9,10; 29.9,10; cf. D t 29.4; 2Ts 2.10-12.
113Cf., e.g., Luciano, Fil. leilão, 27.
114Veja, e.g., Jub. 6.35; 22.18; t. Sabb., 8.5; E f 4.17,18.
115O defeito cognitivo desse comportamento aparece em vários textos; entre os cristãos do
segundo século, veja, e.g., Diogneto, 2.1.
70 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
116Veja a discussão em Albright, Biblicalperiod, ρ. 61; Albright, Yahweh, ρ. 264, embora com
enfoque em uma era anterior; veja exemplos em Plínio V., Nat., 28.4.18.
117E.g., Apolodoro, Bibl, 1.6.3; Plínio V., Nat., 8.71.184-86; Libânio, Encom., 8.14; Lewis,
Life, p. 94; Brenk, “Image”, p. 225,230-1; cf. a necrópole animal em Dhennin, “Necropolis”.
118Plínio V.,A2.5.16,./4;׳Tácito, Hist., 5.5; Plutarco,/rir, 71; Mor., 379DE; Luciano, Astral., 7;
Ass. D., 10-11; Sacrif., 14; Imagens, 11; Filóstrato, V.Apol., 6.18-19; Max.Tiro, Or.,2.5; menos jul-
gador, Sexto, Pirrònkas, 3.219. Cf. tb. judeus, e.g., Car.Arís., 138; Sb 11.15; Filo, Posteridade, 165;
Josefo, C. Ap., 1.224-25; 2.81, 128, 139; Estrabão, 16.2.35; contrastar claramente, porém, com
Ajrtapanus (Collins, “Artapanus”, p. 893). Cf. Ambrosiastro, Com., 1.23 (Burns, Romans, ρ. 31).
119Veja, e.g., Gõdde, “Hamadryads”. Cf. a ligação feita pelos estoicos entre diversas divin-
dades e diversos aspectos do universo em Laércio, 7.1.147. Alguns zombavam de mitos em que
divindades se tornavam animais (cf., e.g., Varrão, L.L., 5.5.31;Thcbaid, frag. 11; Apolodoro, Bibl.,
3.1.1), como em Luciano, D. marinhos, 325-26 (15, Vento oeste e vento sul, 2); D. deuses, 206 (6/2,
Eros e Zeus, 1); 269-71 (2/22, Pã e Hermes, 1-2); Ps.-Luciano, Patriota, 4; ou quando divindades
cruzavam com eles (Cípria, frag. 11; Apolodoro, Bibl., 3.10.7; 3.12.6; Luciano, D. marinhos,
305-6 (11/7, Vento sule vento oeste 1). Anteriormente, cf. mito cananeu (Albright, Yahweh, p. 128;
Gordon, Near East, ρ. 99), embora a suposta reencenação ritual seja menos clara.
120Rives, Religion, ρ. 146. Cf. tb. o culto ao imperador (Keener, Acts, 2.1782-6 [esp. p. 1784-6],
1963-1964), embora essa fosse uma questão menos problemática em Roma propriamente dita (o
destino da carta de Paulo) que em muitas cidades na Ásia romana.
121E.g., Max.Tiro, Or., 2.3.
122Veja Tobin, Rhetoric, ρ. 25-8; Judge, First Christians, p. 427-30; Gager, Antisemitism, p.
57. De modo mais geral sobre os judeus romanos, veja, e.g., Leon ,Jews o f Rome·, Kraabel, “Jews in
Rome”; Penna, “Juifs à Rome”; e esp. Barclay, Jews in Diaspora, p. 282-319; ensaios em Donfried;
Richardson,Judaism.
123E.g., Tácito, Hist., 5.9; Or. sib., 5.285; cf. Satlow, “Philosophers”. Originalmente, Êxodo
proibia a imagem de divindades, e não todas as imagens (veja Tatum, “Second commandment”;
A M EN TE C O R R O M P ID A (R M 1 .1 8 -3 2 ) 71
Schubert, “Wurzel”), embora parte da Terra Santa tenha permanecido desprovida de ícones nesse
período (e.g., Meyers, “Judaism”, p. 74; veja, porém, Avi-Yonah, “Archaeological sources”, p. 53).
Aves e outras criaturas aparecem em inscrições fiinebres judaico-romanas (Leon ,Jews o f Rome,
p. 196-7,228).
124E.g., Mek. Pisha, 5.40-41; Sipre Dt., 54.3.2; b. Qidd., 40a; cf. Sipra VDDeho. par., 1.34.1.3;
fontes em Safrai, “Religion”, p. 829. A maioria concordava que a proibição também se aplicava aos
gentios (Sipre Nm., 112.2.2).
125E.g., Or. sib., 3.34; t. Bek., 3.12; Pesak, 1.2; Abot R. Nat., 40 A.
mJub. 11.12,16-17; 12.1-8; 21.3; Apoc. Ab., caps. 1—8; b. Abod. Z.ar., 3a; Gn. Rab,. 38.13;
Pesiq. Rab., 33.3; posteriormente, cf. Qumran 21.58-69; 26.70-76. Cf. Jó em T. Jó, caps. 2—5.
127Veja, e.g., T. Mois., 2.8-9; L.A.B. 12.1-10; Sipre Dt., 1.9.1-2; Abot R. Nat., 34 A; Tg. Neof,
1 sobre Êx 32.
128Em concordância com Schlatter, Romans, p. 41; Hyldahl, “Reminiscence”, p. 285; Moo,
Romans, p. 108-9; Fitzmyer, Romans, p. 283; Hays, Conversion, p. 152; Schreiner, Romans, p. 89;
Byrne, Romans, p. 75; Dunn, Theology, p. 93; Dunn, “Adam”, p. 128; Matera, Romans, p. 50. Quanto
a Adão e SI 106, veja Hooker, “Adam”, p. 300; Allen, “Romans I-VHI”, p. 15.
129Hyldahl, “Reminiscence”, p. 285; Moo, Romans, p. 108; Hays, Conversion, p. 152; Byrne,
Romans, p. 75; Dunn, Theology, p. 93.
130Hyldahl, “Reminiscence”, p. 285; Byrne, Romans, p. 75; Fitzmyer, Romans, p. 283.
131Hyldahl, “Reminiscence”, p. 286-8; Hooker, “Adam”, p. 300; Byrne, Romans, p. 75.
Evidentemente, resumos de criaturas aparecem em outras passagens (e.g., Gn 8.17; Lv 20.25; lRs
4.33; Ez 38.20; Os 2.18; Cícero, Amiz., 21.81).
72 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
139Josefo,C.4&., 2.275.
140E.g., Sófocles, Traquínias, 441-48; Górgias, Helena, 19;Tácio, 1.5.5-7; Libânio, Teses, 1.3
(que ignora a suposta promiscuidade de Zeus); cf. Menandro, Heróis, frag. 2.1-3 (em Estobeu,
Antologia, 5.20a.21). Quanto ao comportamento indevido de pessoas atribuído aos exemplos de
deuses, veja Píndaro, frag. 199 (em Estrabão, 17.1.19); Sículo, 1.27.1.
141Górgias, Helena, 19. Sexto, Pirrônicas, 1.159 sugere a incoerência.
142Filóstrato, V. sofl, 2.1.554 (tradução para o inglês de Wright, LCL, p. 155).
143Observe aqui, e.g., Nock, “Vocabulary”, p. 139; Grant, Gods, p. 20,66-7. Sandnes, “Idolatry
and virtue”, propõe que Paulo, por vezes, apresentava mais nuanças.
144D. Crisóst., Discursos, 12.52, 54; Luciano, Sacrif, 11; Def. imag., 23; de modo mais com-
pleto, Grant, Gods, p. 20. Para platônicos posteriores, imagens refletiam a divindade; Max. Tiro,
Or., 2.2; Ritncr, Mechanics, p. 247. Quanto a imagens como corpos para os deuses, cf. Teologia
de Mênfis em A N E T 5. A ideia de que os deuses vivificavam estátuas talvez seja rara (Halusza,
“Sacred”) ou mais recente (Johnston, “Animating statues”).
145D. Crisóst.,Discursos, 12.60,74-75; Max.Tiro, O r,2.5 (cf. 11.12);Jâmblico,Mistérios,7.1.
146Macário, Apocrit., 4.20-23; Cook, Interpretation, p. 94-7.
74 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
Em três ocasiões Paulo repete seu refrão de que “Deus entregou [os seres huma-
nos]” (τταραδίδωμι) a pecados (Rm 1.24,26,28),149 uma ideia que seu público
deve ter entendido. Os judeus sabiam que Deus podia castigar o pecado ao
entregar pessoas ao poder do pecado,150 ou ao cegar sua mente.1s1 Quando o
povo de Deus o abandonava, muitas vezes ele o entregava a sua insensatez, ou
ao curso da atividade humana desprovida de seu auxílio.152
147Veja (em Bray, Romans, p. 44, 47) J. Crisóst., Horn. Rm., 3; Ambrosiastro, Com., (CSEL,
81.47,49); Ps.-Const. Rom. (ENPK, p. 25-6); Agostinho, Prop. Rom., 5; Ecumênio, comentário
sobre Romanos 1.26 (PGK, 15.423). Esse julgamento presente contrasta com a ira futura mais di-
reta (Rm 2.5; 5.9; 9.22; cf. 3.5). Intérpretes mais antigos (em Bray, Romans, p. 35-6) consideravam
a ira presente de Deus corretiva, com vistas a afastar as pessoas da ira maior por vir (Teodoro de
Mopsuéstia, comentário sobre Rm 1.18 [PGK, 15.115]; J. Crisóst.,Horn. Rm.,3).
M8Veja, e.g., Barth, “Speaking”, p. 290-1; Coffey, “Knowledge”, p. 675; Hooker, Preface, p. 37;
Fitzmyer, Romans, p. 271; Jewett, Romans, p. 163,165; cf. ISm 2.25.
149A repetição é anâfora (Keck, “Pathos”, p. 85; Longenecker, Introducing Romans, p. 201)
e reforça o argumento. Cf. tb. refrães repetidos em e.g., Jz 17.6; 19.1; 21.25; SI 42.5,11; 43.5;
Cátulo, 61.4-5,39-40,49-50,59-60; 64.327,333,337, 342,347,352,356,361,365,371,375,
381; Vig. Venus, 1, 8,27, 36, 48, 57-58, 68, 75, 80, 93. As três ocasiões aqui provavelmente re-
presentam o mesmo ato divino (em concordância com Orígenes, Com. Rom., sobre 1.26 [CER,
1.156, 158; Bray, Romans, p. 46]). Jeremias (“Zu Rm 1 22-32”, p. 119-20) propõe que essa é
uma Stichwort (palavra-chave) tradicional. Para diversas interpretações, cf. Bouwman, “Noch
einmal”, p. 411-2.
ís0J u k ,21.22.
151Josefo, G.J., 5.343. Quanto a pecado que leva a mais pecado, veja tb. Bonsirven, Judaism,
p. 14; quanto à idolatria como o resultado final do impulso maligno, veja Davies, Paul, p. 30. Ben
Sira advertiu que, se alguém se desviasse da Sabedoria, seria “entregue” (τταραδώσει) a sua queda
(Eo 4.19). Tanto yhw h (ISm 2.25; 2Sm 17.14) quanto as divindades gregas (Homero, Ilíada,
16.688; 18.311; Od., 18.155-56; Sêneca J., Troianas, 34-35) podiam tornar as pessoas insensatas
a fim de levá-las à destruição. Deus levou os ímpios a se desviarem (esp. nos Manuscritos do Mar
Morto; e.g., CD, 2.13; 4Q266, frag. 11.9-10); o exemplo bíblico prototípico é o faraó, que endure-
ceu seu coração (Êx 8.15,32; 9.34; ISm 6.6) e, ainda assim, teve seu coração endurecido por Deus
(Êx 4.21; 7.3; 9.12; 10.1,20,27; 11.10; 14.4,8; Rm 9.17,18).
152Veja, e.g., como ele os deixou à mercê de seus inimigos em Ne 9.28; SI 106.41; cf. de modo
semelhante, entre gentios posteriores, Jâmblico, Mistérios, 1.13. Deus também entregou Israel a
seus caminhos no deserto (SI 81.12, embora na LXX e n o T M o verbo também possa ser tradu-
zido simplesmente por “enviou”; At 7.42).
A M EN T E C O R R O M P ID A (RM 1 .1 8 -3 2 ) 75
“futilidade”160 até a glorificação dos filhos de Deus, quando a imagem divina ori-
ginal será restaurada (8.20-23,29).161 Para Paulo, contudo, os crentes, de posse
das primícias do Espírito, não estão presos à mesma “futilidade” da mente carnal
cegada pela idolatria do mundo.
160Rm 8.20 apresenta o único uso de um cognato com ματαιο- em Romanos além de 1.21.
Diante disso, é possível supor que Adão sujeita a Criação à futilidade ao adotar o espírito de ido-
latria (cf. Gn 3.5,6), em outras passagens, contudo, a literatura paulina emprega υπ ο τά σ σ ω na
forma ativa com respeito à sujeição, por Deus, de todas as coisas a Cristo (ICo 15.27,28; E f 1.22)
ou da sujeição, por Cristo, de todas as coisas a si mesmo (Fp 3.21). Embora nenhuma dessas refe-
rências trate de sujeitar a criação à “futilidade” e, embora Cristo seja, para Paulo, o Segundo Adão,
ainda assim o uso paulino talvez favoreça Deus como aquele que sujeita a Criação nesse caso.
161Quanto a “imagem” e “glória” em Paulo, veja IC o 11.7; 2C0 3.18; 4.4. Trata-se de uma
inversão da distorção de Deus para se assemelhar à “imagem” da criação (Rm 1.23). A escravidão
à “corrupção” em Rm 8.21 reflete a criação “corruptível” adorada em 1.23 (liberta no fiituro em
8.21-23; cf. os corpos ressurretos imperecíveis em ICo 15.42,50,53,54).
162Stowers, “Self-mastery”, p. 531-4; para Paulo, contudo, “apenas a identificação com Cristo
[...] pode produzir impecabilidade e domínio próprio” (p. 536; cf. Stowers, Rereading, p. 82).
163Para uma discussão sobre essa polêmica, veja Keener, “Exhortation”; Keener, Acts,
2.2159-62.
164E.g., Aristides, Def. or., 432, §§146D-147D; Fp 1.23; ITs 2.17. Cf. o desejo de sabedoria
em Sb 6.13-20, esp. 6.13,20.
165Max.Tiro, Or.,24.4 (tradução para o inglês deTrapp, p.203); ci.Apoc. Mots., 19.3. Por uma
questão de brevidade, trato juntamente de επιθυμία, que Paulo usa com frequência (até mesmo
em Romanos: 1.24; 6.12; 7.7,8; 13.14) e de π ά θο ς, que só ocorre raramente na literatura paulina
(apenas em Rm 1.26; Cl 3.5; lTs 4.5).
166E.g., Epíteto, Diatr., 2.1.10; Jâmblico, Pitágoras, 31.187; Porfírio, Marcela, 27.438.
A M EN TE C O R R O M P ID A (RM 1 .1 8 -3 2 ) 77
16'Galeno, Dor, 42-44, 80; Jâmblico, Pitágoras, 31.206; Porfírio, Marcela, 29.457-60; cf.
Dionísio, Ant. rom., 9.52.6; Max. Tiro, Or, 36.4. As paixões davam origem a todos os crimes
(Cícero, Velhice, 12.40) e a todas as enfermidades da alma (Porfírio, Marcela, 9.157-58). A depra-
vação faz a paixão proliferar (Luciano, Nigrino, 16), e o vício em prazeres pode causar enfermida-
des psicológicas (Dídimo, 2.7.10e, p. 62.20-23).
168Xenofonte, Econom., 1.22; Musônio, 3, p. 40.19; Plínio].,Ep., 8.22.1; Plutarco, Noivos, 33,
Mor., 142E; Dídimo, 2.7.10a, p. 58.15; Jâmblico, Carta 3, frag. 3.4-6 (Estobeu,Antologia, 3.5.46);
Porfírio, Marcela, 34.522-25; 4Mc 13.2; T. José, 7.8; T. Aser, 3.2. A escravidão ao prazer aparece
em Max.Tiro, Or., 25.5-6; 33.3; 36.4.
169Xenofonte, Helen., 4.8.22; Políbio, 31.25.8; Públio, 40,181; D. Crisóst., Discursos, 8.20; 9.12;
T. Rúb., 4.9; Josefo,Ant., 4.328-29. Alexandre como exemplo de vitória sobre o desejo (como em
Arriano, Alex., 7.28.2) não é algo plausível fora do contexto de elogio fúnebre (Sêneca J., Lucílio,
113.29-31; Plutarco, Bajulador, 25, Mor., 65F; D. Crisóst., Discursos, 4.4,60; cf. b. Tamid, 32a).
170Apuleio, Flor., 14.3-4, sobre Crato, o cínico.
171Engberg-Pedersen, “Vices”, p. 612-3. Para uma lista estoica de expressões negativas do de-
sejo, veja Dídimo, 2.7.10b, p. 58.32-60.1.0 controle sobre as emoções era uma ideia naturalmente
atraente para as tradições romanas de disciplina (veja, e.g., Valério, 4.1.pref.; 4.1.13).
172Dídimo, 2.7.10, p. 56.1-4; 2.7.10a, p. 56.24-5; 2.7.10b, p. 58.17-18. Como um tipo de
paixão, o prazer também desobedecia à razão (2.7.10b, p. 58.29).
173Porfírio,Marcela, 13.236-37.
174Cícero, S. bem, 1.18.57-58.
175Dídimo 2.7.10, p. 56.6-7; veja tb. Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 311, nota 32.
176E.g.,Tácio, 2.8.3. Quanto aos conceitos epicuristas positivos de prazer, veja, e.g., Cícero, S.
bem, 1.9.29; Plutarco, Co/otes, 27, Mor., 1122D; Ateneu, Deipn., 12.546e; Long, Philosophy, p. 61-9;
Klauck, Context, p. 395-8. Ao que parece, as idéias do próprio Epicuro eram mais moderadas;
veja Cícero, Tusc., 3.21.50; Laércio, 10.145-20. Quanto aos prazeres intelectuais em Platão, veja
Lodge, Ethics, p. 27-31.
177De modo negativo, e.g., Cícero, S. bem, 2.12.35-2.13.43; Sêneca J., Luctlio, 59.1; Diálogos,
7.11.1; Dídimo, 2.7.10, p. 56.13-18; 2.7.10b, p. 60.1-2. Ao que parece, a tradição estoica antiga o
considerava um tanto neutro; veja Dídimo 2.7.5a, p. 10.12-13; como algo que não era um bem,
Musônio, 1, p. 32.22; finalmente, quando associado a algo desonroso, Musônio 12, p. 86.27-29;
frag. 51, p. 144.8-9; veja Brennan, “Theory”, p. 61-2, nota 31.
78 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
178E.g.,Xenofonte, Mem., 1.2.23-24; 4.5.3; Helen., 4.8.22; Cícero, Velhice, 12.40; D. Crisóst.,
Discursos, 1.13; 3.34; 8.20; Plínio J., Ep., 5.5.4; Plutarco, Noivos, 33, Mor., 142E; Max. Tiro, Or.,
7.7; 14.1-2; 25.5-6; 33.3-8; 38.6; Menandro R , 2.10, 416.19; Proclo, Poet., 6.1, K121.14-15;
Jâmblico, Pitágoras, 31.204-6; Libânio, Comp., 1.7-8; 5.7; D. carat., 16.2; Porfírio,Marcela, 6.103-
8; 7.125-26,131-34; 33.508-9; 35.535-36.
179Quanto às críticas estoicas, veja Cícero, S. bem, 2, esp. 2.4.11—2.6.18; Dídimo, 2.7.10a, p.
58.8-11; quanto a críticas de outros, veja, e.g., Cícero, Pis., 28.68-69; Gélio, 9.5; Max. Tiro, Or.,
30-33, esp. 30.3-5; 31; 33; Galeno, Dor, 62, 68. Veja tb. Keener, Acts, 3.2584-93 (sobre os epicu-
ristas) e 2593-5 (sobre o estoicismo; cf. Keener, “Epicureans”). Cf. a crítica de Sêneca ao objetivo
epicurista do prazer em Dyson, “Pleasure” (sobre Sêneca J., V.feliz, 11.1).
18"Veja, e.g.,Xenofonte, Mem., 1.2.24; Valério 3.3.ext.l; Musônio, 6, p. 52.15-17; 7, p. 56.27;
12, p. 86.39—88.1; Max.Tiro, Or., 1.9; 7.7; 25.6; Jâmblico, Carta, 3, frag. 3 (Estobeu, Antologia,
3.5.46); Porfírio, Marcela, 31.479-81; Car. Art's., 256; 4Mc 13.1; Malherbe, “Beasts”. Muitas
fontes usam imagens figuradas de guerra, das quais trataremos adiante neste livro em relação a
Romanos 7.23 (179-82, esp. p. 181-2). Controlar a si mesmo era a maior conquista (Sêneca J., Q.
nat., l.pref.5; 3.pref.l0; Lucílio, 113.29-31; Públio, 137; Pv 16.32; cf. Xenofonte, Mem., 1.5.1).
181Tobin, Rhetoric, p. 229; Dillon, “Philosophy”, p. 796. Em 4Mc 3.2-5 a razão controla ex-
pressamente as paixões e luta contra elas, em vez de erradicá-las.
182E.g., Filo, Sacrifícios, 45; cf. discussões, adiante na presente obra (caps. 6 e 7) sobre
2Coríntios 3.18; Filipenses 4.8.
183Porfírio, Marcela, 31.483.
184Cícero,Inv.,2.54.164; Deveres,2.5.18;Leis, 1.23.60; Salústio, G. catil.,51.3; Plutarco,Prel,
1, Mor., 37E; Max.Tiro, Or, 33.3; Porfírio, Marcela, 6.99; 29.453-60; 31.478-83; 34.521-22; cf.
em outras culturas, e.g., marroquina tradicional (Eickelman, Middle East, p. 205). Quanto ao
domínio da razão sobre os sentidos, veja Sêneca J., Lucílio, 66.32.
185Dionísio, Ant. rom., 5.8.6; Cícero, Velhice, 12.40; Caritão, Quereas, 2.4.4; Dídimo, 2.7.10a,
p. 58.5-6,12-16; Marco Aur., 3.6.2; Porfírio, Marcela, 9.154-55; quanto a paixões como distra-
ção da atenção a Deus, veja Max.Tiro, Or, 11.10. Uma ou outra assumia o controle, sendo que
A M EN TE C O R R O M P ID A (R M 1 .1 8 -3 2 ) 79
a paixão era mais feminina (Max. Tiro, Or., 33.2, de um ponto de vista androcêntrico; cf. Filo,
Imutável, 111). Pensadores gregos associavam a paixão a mulheres e a bárbaros; veja McCoskey,
Race, p. 56 (quanto à semelhança dos bárbaros com animais irracionais, e.g., Libânio, Invect., 2.1;
Assuntos, 2.6).
186Meeks, Moral world, p. 47.
187Valério, 3.3.ext.l (tradução para o inglês de Bailey, LCL, 1.275).
188Veja Sorabji, Emotion, p. 2-4; Stowers, “Self-mastery”, p. 540; Epíteto, Diatr., 1.28.6. Cf.,
porém, Dídimo 2.7.10a, p. 58.11-16, em que paixões sobrepujam ensinamentos.
18,Como acontece com as limitações do estoicismo (Sorabji, Emotion, p. 153-4), a terapia
cognitiva, quando usada de modo isolado, é mais útil para alguns transtornos que para outros (e.g.,
é proveitosa para a redução de fobias, mas não para a anorexia; p. 155).
190Quanto às relações entre emoção e razão na psicologia moderna, veja a discussão em
Elliott, Feelings.
191Sorabji, Emotion, p. 6,144-55 (esp. p. 145-50). Para Galeno, a emoção fluía de estados do
corpo (veja esp. p. 253-62). A ênfase estoica sobre a indiferença não é natural nem desejável para
a terapia moderna (p. 169-80).
80 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
192Sorabji, Emotion, p. 2-5. Sêneca teria incluído entre esses primeiros movimentos o estímu-
10 involuntário dos órgãos masculinos, a respiração mais rápida mediante provocação, perda de cor
diante de um susto e afins (p. 11). Esses “primeiros movimentos” só se tornam problemáticos se,
uma vez identificados julgamentos incorretos, o indivíduo opta por eles e permite que a emoção
se torne ainda pior (veja em mais detalhes p. 55-65). Logo, se o indivíduo consente com o movi-
mento em vez de preferir a razão, este se torna uma emoção plena (p. 73); no entanto, enquanto
permanece involuntário, não é uma questão de escolha, como qualquer coisa que ocorre ao corpo
(p. 73-4, citando Sêneca J., Ira, 2.2.1-2.4.2). Anteriormente, Posidônio, para quem julgamentos
não eram sempre necessários a fim de que ocorressem emoções (Sorabji, Emotion, p. 121-32; cf.
outros nas p. 133,142), aceitou algo semelhante aos primeiros movimentos, mas não negou que
envolvessem certa medida de emoção (p. 118-9). Como os primeiros movimentos não incluíam a
razão,Tomás de Aquino (preleção 1 sobre Rm 8.1) negou que incorressem em condenação (Levy;
Krey; Ryan, Romans, p. 175); cf., de modo semelhante, William de St. Thierry sobre Romanos
2.14-16 (ibidem, p. 90-1, nota 11).
193Sorabji, Emotion, p. 8-9 (citações da p. 9); de modo mais completo, p. 343-56 (sobre
Orígenes, esp. p. 346-51). Essa ideia aos sete pecados capitais (p. 357-71) e à compreensão fi-
losófica e linguística equivocada dos estoicos, por parte de Agostinho, no tocante às emoções,
segundo a qual se acreditava que o pecado permeava todas as camadas da pessoa (p. 372-84).
Embora Sorabji respeite Agostinho, prefere a abordagem de Pelágio à lascívia (p. 417); o legado
do monasticismo em certas regiões da Europa pode ter contribuído para o interesse de Freud nas
paixões reprimidas. Quanto ao antecedente da paixão, veja tb. Graver, “Origins”.
194Quanto a desejos intensos não sexuais ou sentimentos descritos de modo semelhante,
veja, e.g., Comélio, 6 (Lisandro), 3.1; Cícero, Tusc., 1.19.44; Virgílio, Eneida, 7.456; Plutarco,
Coriolano, 21.1,2; Frontão, A d M. Caes., 3.13.3; Ep. graec., 6; Menandro R., 2.3, 384.29-30; Eo
28.10-12; 4Mc 16.3; Josefo, Vida, 263; Lc 24.32.
19sE.g., Museu, Hero, 40-41; Xenofonte, Cyr., 5.1.16; Menandro, Fabula incerta, 8.21;
Cátulo, 45.16; 61.169-71; 64.19; Virgílio, Eneida, 1.660, 673; 4.2,23, 54, 66, 68; Bucólicas, 8.83;
Ovídio, Fastos, 3.545-46; Heroides, 4.17-20; 7.23; 15.9-, Amores, 1.1.25-26; 1.2.9,46; Valério, 4.6.2
A M EN TE C O R R O M P ID A (R M 1 .1 8 -3 2 ) 81
Uma vez que os seres humanos substituíram a imagem ou glória de Deus por ou-
tras imagens, acabaram corrompendo a imagem de Deus dentro de si. Enquanto
em outros tempos as pessoas conheciam o verdadeiro Criador, à imagem do
qual foram criadas, agora adoravam até mesmo animais, aviltando a imagem de
Deus.*196 Alguns ouvintes antigos devem ter percebido a ironia aqui presente.
Imaginava-se que as paixões tornassem as pessoas irracionais, como animais,197
e os pensadores costumavam comparar a animais irracionais aqueles que eram
governados pelas paixões, e não pelo intelecto ou pela virtude.198
A lista paulina de falsas imagens em Romanos 1.23, porém, começa com os
próprios seres humanos. Em vez de reconhecerem que deviam ser portadores da
imagem do Deus verdadeiro, eles aviltaram a imagem de Deus, transformando-a
em algo que eles próprios criaram, substituindo a imagem do Criador que lhes
havia sido confiada por imagens da criação. Ao fazê-lo, obscureceram a imagem
de Deus dentro de si mesmos, uma imagem renovada em Cristo (8.29). Uma
vez que Paulo não repete “imagem” em 1.24-27, a inferência da imagem de
Deus aqui é a proposta com menor grau de certeza textual dentre as principais
propostas que apresento neste capítulo e, ainda assim, os indícios parecem ser
suficientes para torná-la mais provável que improvável.
(conjugal); Plutarco, Banquete, 1.2.6, Mor., 619A; Dial, amor, 16, Mor., 759B; Luciano, Lúcio, 5;
Filóstrato, Ep., 13 (59); Ateneu, Deipn., l.lOd; Eo 9.8; 23.16; T. José, 2.2. Em encantamentos
eróticos, cf. LiDonnici, “Burning”; também em Keener, “Marriage”, 686-7. Veja esp. os romances,
e.g., Longus, 3.10; Caritão, Quereas, 1.1.8,15; 2.3.8; 2.4.7; 4.7.6; 5.9.9; 6.3.3; 6.4.5; 6.7.1; Tácio,
1.5.5-6; 1.11.3; 1.17.1; 2.3.3; 4.6.1; 4.7.4; 5.15.5; 5.25.6; 6.18.2; Apuleio, Metam., 2.5, 7; 5.23;
Xen. E£.,Antia, 1.3,5,9,14; 2.3; 3.6.
196Quanto ao desdém no norte do Mediterrâneo por imagens egípcias de animais, veja co-
mentário anterior na p. 70.
197Jâmblico, Carta, 3, frag. 3.4-6 (Estobeu, Antologia, 3.5.46; cf. Carta, 13, frag. 1.18, em
Estobeu, Antologia, 2.2.6).
198Por vezes, filósofos retratavam as paixões como animais irracionais (Malherbe, Philosophers,
p. 82-9; cf. o corpo em Max. Tiro, Or, 7.5), mas, com frequência ainda maior, os intelectuais
usavam essa imagem para aqueles que eram dominados pelas paixões (e.g., Xenofonte, Hiero,
7.3; Mem., 1.2.30; Rhet. Alex., pref. 1420ab.4-5; Políbio, 1.80.10; Cícero, Milão, 12.32; 31.85;
Pis., 1.1; Sêneca J., Lucílio, 103.2; Musônio, 10, p. 78.27-28; 14, p. 92.21; 18B, p. 116.14; Epíteto,
Diatr., 1.3.7,9; 2.9.3,5; 4.1.127; 4.5.21; D. Crisóst., Discursos, 8.14,21; 32.26; 77/78.29; Plutarco,
Demost., 26.4; Noivos, 7 ,Mor., 139B; Colotes 2; Mor. 1108D; Diógenes, Cartas, 28; Max.Tiro, Or.,
15.2; 33.7,8; Marco Aur., 3.16; Filodemo,Morte, 35.14-15; Crit., frag. 52.2-3; Filóstrato, V.Apol,
7.30; lAb 2Lrào,Aned., 2.1). A alma dos animais, ao contrário da alma dos seres humanos, era con-
siderada desprovida de razão (e.g., Políbio, 6.6.4; Cícero, S. hem, 2.14.45; Tusc., 1.33.80; Deveres,
1.4.11; Laércio, 7.1.85-86).
82 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
1,’Hooker, “Adam”; Barrett, Adam, p. 17-9; Dunn, Romans, 1.53; Dunn, Theology, p. 91-2; Dunn,
“Adam”, p. 127-8. Quanto a paralelos de Adão e Eva na Vida deAdão eEva, veja Levison,“/iisfaw and
Eve”. Uma associação significativa talvez seja a futilidade em Rm 8.20 (veja Hooker, “Adam”, p. 303).
200Expressões como “desde a criação” ou “desde o princípio” talvez indiquem esse período
(veja, e.g., Mc 10.6; L.A.B. 1.1), ou sejam usadas de modo mais geral (e.g., lE n 69.18; T Mois.,
12.4; L.A.B., 32.7;T.encant., 20.11-12).
201Em Rm 16.20, a imagem de Satanás esmagado debaixo dos pés provavelmente se refere
a uma linha da interpretação judaica antiga de Gênesis 3.15 (cf., porém, SI 8.6 em lC o 15.27);
portanto, é plausível que Rm 16.19 adapte a imagem da árvore do conhecimento do bem e do mal
(experimentar o pecado em vez de depender do Espírito da vida, Rm 8.2). Nesse caso, as alusões
a Adão talvez estejam entre os elementos próximos do início e do fim que emolduram a carta
(cf. tb. o contraste aqui entre sabedoria e insensatez, como em Rm 1.22). Os termos que Paulo
emprega para “bem”e “mal”em 16.19 são diferentes, contudo, dos termos da LXX de Gênesis 2.9;
3.5 (como, de modo menos importante, também sua terminologia em Rm 16.20 é diferente da de
Gn 3.15); se Paulo tinha a intenção de fazer uma alusão em Romanos 16.19, não deixa isso claro.
202Veja Scroggs, Adam, p. 75-6, nota 3; Fitzmyer, Romans, p. 274, 283; Keck, Romans, p. 63;
Stowers, Rereading, p. 86,90,92.
203Veja, e.g.,Jub., 7.20; van der Horst, “Pseudo-Phocylides”, p. 569; Mek. Bah., 5.90ss.; Sipre
Dt., 343.4.1; b. Sabb. 56a, bar.; Schultz, “Views of patriarchs”, p. 48-9; discussão mais detalhada
em Keener, Acts, 3.2264-5.
204Veja, e.g., O ’Rourke, “Revelation”.
A M EN TE C O R R O M P ID A (R M 1 .1 8 -3 2 ) 83
em Romanos 1.26,27 para homem e mulher (άρσην e θήλυς) não são os que
ele costuma usar; a única outra passagem em que ele os emprega é Gálatas
3.28. Dentre as passagens em que os termos ocorrem juntos na Septuaginta,
sem dúvida a mais relevante e fundamental é a narrativa da criação (Gn 1.27;
5.2; cf. M c 10.6).209
Quando Paulo usa “natureza” (φύσις) para falar da inversão dos papéis
dos sexos (1.26,27), vale-se de um argumento comum prezado pelos estoicos e
também por alguns pensadores judeus.210 Ao mesmo tempo, para Paulo como
judeu, uma asserção a respeito da natureza também é (como no caso de outros
pensadores judeus) um apelo à criação, ao modo como ele crê que Deus projetou
a natureza inicialmente. Esse interesse pelo princípio fica evidente no contexto
anterior em 1.20: Paulo fala da distorção daquilo que a criação deixava claro.211
Mais adiante em Romanos, quando pensa em “imagem”, Paulo tem em vista a
nova criação (Rm 8.29); talvez até mesmo a menção de filiação nessa passagem
traga à mente a restauração de Gênesis (Gn 5.1-3). De qualquer modo, Paulo
apresenta como consequência de um raciocínio corrompido comportamentos
que seu público judaico (ao qual ele se dirigirá de modo direto em Romanos 2)
e supostamente os convertidos cristãos consideravam loucura moral.
2",No contexto de Gn 1.27, o caráter complementar dos gêneros abrange a procriação (1.28).
Em outras palavras, não diz respeito aos papéis masculinos e femininos antigos, que variavam em
certo grau de uma sociedade para outra, mas a pessoas distintas projetadas para complementar
uma à outra.
210Cf., e.g., Musônio 12, p. 84.2—86.1; Artemidoro, Sonhos, 1.80; Laércio, 6.2.65; Josefo, C.
Ap., 2.273-75; Ps.-Foc., 190-92; T. N af, 3.4-5; van der Horst, “Hierocles”, p. 158; Grant, Paul, p.
55,124. Quanto a fontes gentílicas e judaicas sobre a natureza no tocante à inversão dos gêneros,
especialmente em contextos sexuais, veja, e.g., Talbert, Romans, p. 66, 75-6; Byrne, Romans, p.
76-7; Jewett, Romans, p. 175-6; discussão das diversas fontes em Greenberg, Homosexuality, p.
207. Paulo não pensa em conformidade com a genética contemporânea, a respeito da qual ele não
tinha nem podia ter conhecimento, mas supostamente da perspectiva de como o órgão genital
masculino se encaixa com o feminino, como que projetado para isso.
211No capítulo seguinte, a humanidade mantém certa sensibilidade moral por “natureza”
(φύσις, Rm 2.14). Quanto ao caráter da lei natural no pensamento antigo, veja discussão em
Keener, Acts, 3.2265-8; tb. Inwood, “Rules”, p. 96-7; Inwood, “Natural law”; Watson, “Natural law”.
A M EN TE C O R R O M P ID A (R M 1 .1 8 -3 2 ) 85
2,3Como se observa com frequência (e.g., Kennedy, Epistles, p. 26; Hunter, Romans, p. 34; Dunn,
Romans, 1.66; Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 71; Engberg-Pedersen, “Vices”, p. 624; Ramelli,
Hierocles, lxxii-lxxiii, Ixxviii), o termo καθήκω ocorre na ética estoica (Musônio, frag. 31; Dídimo,
2.7.5b2, p. 14.4-5,25-26; 2.7.6a, p. 38.11-12; 2.7.7b, p. 44.27; 2.7.11a, p. 62.33; 2.7.8, p. 50.36-52.2;
p. 52.6-7, 21-23; 2.7.11m, p. 90.30-31; p. 92.1-3; cf. Inwood, “Rules”, p. 100-1; Sedley, “Debate”,
esp. p. 128); no entanto, não se limita de modo algum a ela (Moulton; Milligan, Vocabulary, p. 312,
citando, e.g., P.Lille, 1.3.42; P.Fay., 91.20; 107.9; P.Oxy., 1.115.5; veja tb. Jewett, Romans, p. 183). A
natureza fornece um critério para escolher entre καθήκοντα (Dídimo, 2.7.8a, p. 52.25-26).
2,3Veja BDAG.
214Cf. 1C0 2.15, em que a pessoa espiritual avalia todas as coisas pela perspectiva correta, mas
não pode ser devidamente avaliada por aqueles que não têm essa perspectiva eterna do Espírito.
215Listas de vícios eram comuns na Antiguidade. Veja, e.g., Platão, Leis, 1.649D; Aristóteles,
£ .£ .,2 .3 .4 ,1220b-1221a;Ps.-Arist. V.V., 1249a-1251b; Α£ν.Λ/«χ.,36,1442a.l3-14;Cícero,P m.,
27.66; G. catil. 2.4.7; 2.5.10; 2.10.22,25; Celio,22.55; Filipicas, 3.11.28; 8.5.16; Murena, 6.14 (ne-
gadas); Sènccaj.,Diálogos, 9.2.10-12; Epíteto, Diatn, 2.8.23; Dídimo,2.7.5b, p. 12.2-12; 2.7.10b,
p. 58.32-60.1; 2.7.10b, p. 60.1-7; 2.7.10e, p. 62.14-19; 2.7.11e, p. 68.17-20; D. Crisóst., Discursos,
1.13; 3.53; 4.126; 8.8; 32.28, 91; 33.23, 55; 34.19; Frontão, Nep. am., 2.8; Diogenes, Cartas 36;
Laércio, 2.93; 1QS 4.9-11; Sb 14.25-26; Filo, Posteridade, $2. Veja, ainda, a discussão em Charles,
“Vice lists”.
216Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 53. Cf. Epíteto (Diatr., 1.2.1-4), segundo o qual uma
vez que alguém sabe que determinada coisa é racional, suportará de tudo por ela. Os estoicos
valorizavam a “razão correta” (λόγος ορθός; Epíteto, Diatr., 2.8.2; Marco Aur., 9.9; Dídimo,
86 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
visão grega, a falha da raça humana não se encontra na ignorância que pode ser
desculpada ou amenizada pela instrução, mas, sim, numa campanha direta e
multifacetada para menosprezar Deus e colocar em seu lugar um rosto ou uma
instituição humana”.217 Mesmo que os filósofos estivessem certos ao dizer que
somente a razão pode derrotar as paixões, o mundo pagão havia renunciado à
verdadeira razão e ao verdadeiro conhecimento de Deus, e Deus os entregou
ao domínio de suas paixões, obscurecendo seu intelecto. Por isso, como Paulo
argumenta, não adoravam o Deus verdadeiro nem viviam conforme os padrões
fundamentais de moralidade.218
Na opinião de alguns estudiosos, na sequência Paulo se dirige (de modo
distinto do mundo pagão em geral em Rm 1.18-32) a intelectuais gentios a
partir de 2.1-3,219 antes de se dirigir inequivocamente a um interlocutor judeu
em 2.17-29. Um número maior de estudiosos, inclusive eu mesmo, aplicam todo
o capítulo 2 a um público judaico ou, pelo menos, a um crítico judeu hipotético
retratado de forma hiperbólica.220 De qualquer modo, há consenso de que em
1.18—2.29 Paulo trata da pecaminosidade tanto de judeus quanto de gentios
(cf. tb. 1.16; 3.9,19,23,29), tanto daqueles que têm a lei bíblica quanto daqueles
que não a têm. Uma vez que a descrição dos gentios por Paulo em 1.18-32
se harmoniza com um estereótipo judaico antigo comum dos pagãos, cumpre
adequadamente o propósito de preparar o terreno para seu desafio aos ouvintes
judeus que dependem da lei (explícito em 2.17-29; cf. já em 2.9,10). Para Paulo,
em última análise, nem a mente pagã que abandonou a revelação natural, nem
a mente judaica que não obedeceu de modo pleno à revelação especial na lei
podem vencer de fato as paixões.221
2.7.111, p. 76.31; 2.7.11k, p. 80.28; 2.7.11m, p. 88.38-39; cf. Musônio, frag. 38, p. 136.1-3), uma
expressão que também aparece em Car. Arts., 161,244 (Hadas, Aristeias, p. 195; em outros textos,
e.g., Filóstrato, Her, 19.3).
21(Jewett, Romans, p. 181; cf. Schlatter, Romans, p. 47; Keck, Romans, p. 188.
218Cf. as discussões judaicas sobre a moralidade básica esperada dos gentios em Keener, Acts,
3.2263-9.
219Owen, “Scope”, p. 142-3 (Paulo se dirige apenas a idólatras comuns em Rm 1, não a
filósofos); cf. um gentio específico em Stowers, Diatribe, p. 112; Stowers, Rereading, p. 104;
Stowers, “Self-mastery”, p. 535; qualquer um que se encaixe, quer judeu, quer gentio, em
Matera, Romans, p. 69.
220E.g., Nygren, Romans, p. 113-6; Kâsemann, Romans, p. 53; Moo, Romans, p. 126; Fitzmyer,
Romans, p. 297; Schreiner, Romans, p. 102-3; Wischmeyer, “Rõmer 2.1-24”; Watson, Gentiles, p.
198; Keener, Romans, p. 42. A identidade do interlocutor judeu talvez permaneça ambígua até Rm
2.17 (Bryan, Preface, p. 92; cf. Tobin, Rhetoric, p. 111-2).
221Cf. Stowers, “Self-mastery”, p. 536.
A M EN TE C O R R O M P ID A (R M 1 .1 8 -3 2 ) 87
Conclusão
A mente corrompida de Romanos 1.18-32 é a mente pagã, que corrompe os in-
dícios de Deus com uma cosmovisão falsa e, com isso, interpreta incorretamente
0 restante da realidade, inclusive a identidade e o propósito dos seres humanos.
Esses gentios tinham apenas a revelação divina na natureza; mas e quanto àque-
les que têm uma revelação mais detalhada naTorá escrita? A idolatria (1.19-23,
esp. 1.23) e a imoralidade sexual (1.24-27), especialmente em sua forma homos-
sexual (1.26,27), eram tidas como pecados distintivamente gentios. Contudo,
Paulo aplica os mesmos princípios a pecados reconhecidos mais amplamente
como universais (1.28-32), o que prepara o terreno para a crítica paulina em
2.12-29 àqueles que têm aTorá escrita.
Mestres judeus esperavam que a Torá iluminasse a razão de modo a lhe
conceder poder para vencer as paixões. Contudo, ao mesmo tempo que Paulo
reconhece o valor da razão e da Torá para identificar pecados, ele mostrará que
esses pecados simplesmente se tornam mais transgressivos uma vez que são
identificados. A mente equipada com a lei sem o Espírito continua a ser a mente
da carne (Rm 7.5,6,22-25; 8.3-9), o tema do capítulo 3 deste livro.
2
C^0>
A MENTE DA FÉ
(RM 6.11)
do crente com Cristo e com sua morte devia ter o mesmo efeito (Rm 6.2-11).
Embora tenha consciência de que os crentes nem sempre vivem de modo coerente
com essa realidade, Paulo preocupa-se profundamente com essa incongruência
(6.1,2; 8.12,13), que, a seu ver, não é natural para aqueles que entendem de fato
a nova realidade na qual sua conversão os inseriu (6.3,4,12-23). Paulo também
desenvolverá essas idéias ao falar sobre a mente renovada em Romanos 12.2,3.
Produz justiça
1Para os judeus, os decretos de Deus eram eficazes em todos os casos; veja, e.g., Gn
1.3,9,11,14,15. Paulo também compara a ordem eficaz de Deus para que a luz venha a existir com
a transformação efetuada no coração por meio da mensagem de Deus (2C0 4.6).
2Cf. Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 218-9. Ele argumenta que, na visão de Paulo, o que
distingue a fé em Cristo dos esforços judaicos e gentílicos é a capacitação para a justiça.
Λ M EN TE O A FÉ (R M 6.1 1) 9ו
A nova identidade
Nós, seres humanos, temos a tendência de nos identificar de acordo com (natu-
ralmente) nosso passado pessoal, nossos modelos familiares ou nossa inserção
social dentro da cultura externa; modelos fornecidos por nossos pais e opiniões
de outros sobre nós fazem parte das influências exercidas sobre a formação de
nossa identidade.3 No entanto, Paulo argumenta que nosso nível mais forte de
identificação deve ser nossa identidade como seguidores de Cristo: inseridos em
uma nova comunidade e em um novo relacionamento com Deus, pensando da
forma como Cristo pensaria e sendo conformados à sua imagem (cf. Rm 6.5;
8.29). Para Paulo, essa nova identidade não é somente uma estratégia cognitiva,
mas a asserção de uma nova realidade.
Em alguns contextos antigos, o batismo podia representar iniciação; em um
contexto judaico, podia ser usado para iniciar prosélitos que se tornavam parte do
povo de Deus.4(Nas poucas fontes judaicas antigas sobre esse assunto que chegaram
3A formação da identidade é uma área importante de discussão das ciências sociais (e.g.,
Côte; Schwartz, “Approaches”; Somers, “Constitution”; Danielson; Lorem; Kroger, “Impact”;
Bosma; Kunnen, “Determinants”; Apple, “Power”; Adams, “Habitus”; Thomas; Azmitia, “Class”;
Hoof, “Field”) que requer mais investigação no tocante à antropologia paulina, mas da qual não
trato aqui. O autoconceito é abordado por vezes em relação a identidade étnica, cultural, religiosa
e de gênero (cf., e.g., Portes; MacLeod, “Hispanic identity formation”; Kibria, “Construction”;
Côte, “Perspectives”; Jensen, “Coming of age”; Brega; Coleman, “Effects”; Yoder, “Barriers”), com
evidente relevância aqui; a identidade de um grupo por meio de afiliações e a identidade coletiva,
que pode ocupar posição mais elevada que a identidade individual, são áreas relevantes de discus-
são no tocante ao desenvolvimento da identidade interpessoal.
4Veja, e.g., t. 'Abod. Zar., 3.11; b. Ber, 47b; 'Abod. Zar., 57a; Yebam., 46ab;y. Qidd., 3.12, §8;
Epíteto, Diatr., 2.9.20 (talvez tb. Juvenal, Sat., 14.104; Or. sib., 4.165; Justino, D ial, 29.1); Pusey,
“Baptism”; SchifFman, “Crossroads”, p. 128-31; Schiffman, Jew, p. 26; Goppelt, Theology, 1.37;
Bruce, History, p. 156; Ladd, Theology, p. 41; Meeks, Urban Christians, p. 150; minha discussão
mais detalhada em Keener, Acts, 1.977-82, esp. 979-82. E extremamente improvável que o juda-
ísmo antigo tenha tomado a prática emprestada dos cristãos. Não trato aqui da questão de Paulo
92 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
até nós, por vezes também se acreditava que a conversão tornava o indivíduo uma
nova pessoa.)5 Se alguém se dizia superior em virtude de sua solidariedade com
Abraão (cf. a resposta de Paulo em Rm 4.9-16), Paulo mostra que a solidariedade
universal humana é com o pecador prototípico (5.12-21) e observa que todos que
foram batizados em Cristo se tornaram parte do povo de Deus (cf. tb. G13.27-29).6
Paulo descreve a nova identidade como estar morto com Cristo (Rm 6.3-8),
estar livre do pecado (6.6) e ter a promessa de um novo destino com Cristo
(cf. 6.5; 8.11).7
Nos tempos antigos, por vezes as pessoas se referiam à morte de forma figurada
ou por meio da comparação com um estado abjeto.8Também era possível estar
“morto” para uma pessoa, ou seja, indiferente a ela.9 E, de modo mais relevante,
essa imagem era usada com conotação espiritual e intelectual. Os pitagóricos
consideravam os apóstatas mortos.10 Outros talvez descrevessem alguém que
vivia para o prazer como se estivesse continuamente morrendo ou morto.11 Um
estoico podia recomendar a amputação de uma parte morta da alma;12 quando
uma pessoa era incapaz de captar a verdade, sua alma havia morrido.13 De modo
geral, as massas dos mortais que viviam na ignorância podiam ser consideradas
praticamente mortas.14Também para Filo, a vida e a morte verdadeiras estavam
aplicar essa imagem de modo figurado ou literal, embora a iniciação fosse aplicada, por vezes, de
forma figurada (e.g., Max.Tiro, Or., 8.7).
5White, Initiation, p. 66; Keener, Join, p. 542-44. Quanto ao livramento do mal na conversão
à aliança, veja CD, 16.4-5. Quanto a transformação moral e novidade, veja, e.g., L.A.B., 20.2;
27.10;/«. Asen., 8.9/8:10-11.
6Para Paulo, a identidade “em Cristo” não elimina identidades étnicas, mas é mais fundamen-
tal que elas (veja Johnson Hodge, “Apostle”).
7Embora haja certa controvérsia a respeito da ativação de alguns aspectos da nova vida em
Romanos 6, a saber, se ela é presente ou futura, o contexto mais amplo de Romanos deixa claro
que a presente experiência de vida em Cristo (6.11; 8.10) prefigura a ressurreição futura (8.11)
para aqueles que perseveram (8.12,13).
8E.g., Cássio, 45.47.5; Êx. Rab., 5.4.
9Klauck, Context, p. 225, citando uma tábua inscrita com uma maldição, CIL, 1.1012; 6.140.
10Jâmblico, Pitágoras, 17.73-75; 34.246; Burkert, “Craft”, p. 18.
11Morto em Scncca J., Z,z/cz'&>, 60.4; lTm 5.6; continuamente morrendo em Filóstrato, V.ApoI, 1.9.
12Musônio, frag. 53, p. 144.24-25.
13Epíteto, Diatr, 1.5.4.
14Lucrécio, Natureza, 3.1046; Epíteto, Diatr, 1.13.5. Quanto a referências específicas à mor-
talidade ou a estar debaixo de uma sentença de morte, cf. Gn 20.3; b. Pesah., 110a; Laércio, 2.35;
talvez Macróbio, Cipião, 1.11.2 (em van der Horst, “Macrobius”, p. 224).
A M EN TE D A FÉ (R M 6 . I T ) 93
34E.g., Conzelmann, Theology,p. 11; cf. Case, Origins, p. I l l ; Bultmann, Christianity, p. 158-
9; Ridderbos, Paul: outline, p. 22-9.
35Burkert, Mystery cults, p. 100.
3,■Wagner, Baptism, p. 266-7. Veja, e.g., Apuleio, Metam., 11, que Dunand (“Mystères”, p. 58) in-
terpreta dessa maneira. Quanto à morte e ressurreição de Apuleio ali, veja Apuleio, Metam., 11.18,23.
3'E.g., Fírmico Err. prof. rei., 22, em Grant, Religions, p. 146.
38Wagner, Baptism, p. 87. Portanto, Héracles buscou iniciação para que pudesse capturar
Cérbero no Hades (Apolodoro, 2.5.12).
39Gasparro, Soteriology, p. 82.
40Bousset, Kyrios Christos, p. 57, 191; cf. tb. Reitzenstein, Mystery-religions, p. 9-10, 13;
Kãsemann, Romans, p. 161.
41Quanto a associações vegetativas, veja, e.g., Ovídio,Metam.,5.564-71; Gasparro, Soteriology,
p. 29,43-9; Ruck, “Mystery”, p. 44-5; Guthrie, Orpheus, p. 55-6.
96 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
E f 4.22-24 e esp. Cl 3.9,10. No pensamento judaico, Adão trouxe o pecado e, portanto, a morte
(4Ed 3.7; 4.30; 2Br 17.2,3; 23.4; 48.42-45; 56.5,6; V.A.E., 44.3,4; Sipre D t, 323.5.1; 339.1.2; cf.
Gn 2.17), embora indivíduos reproduzissem o pecado de Adão por sua própria conta (4Ed 3.21;
2Br 18.1,2; 54.15,19).
■,6Davies, Paul, p. 103-4; Haacker, Theology, p. 65 (citando Wedderburn, “Soteriology”, p. 71,
que cita m. Pesah., 10.5).
47Os estoicos foram mais longe que os platônicos na crença de que as paixões podiam ser
extirpadas, um ponto de vista que muitos outros criticaram (Knuuttila; Sihvola, “Analysis”, p.
16-7). Os platônicos compartilhavam do ideal, mas de modo mais realista (cf., e.g., Emilsson,
“Plotinus on emotions”, p. 359). E possível que, até certo ponto, Paulo se assemelhe aos estoicos
aqui (Tobin, Rhetoric, ρ. 229), mas talvez, de modo mais importante, siga o conceito judaico de
destruição escatológica do pecado (veja discussão adiante, p. 100-1)
48Meeks (Moral world, p. 44-5) observa que, na época de Plutarco, os estoicos já haviam
recuado desse posicionamento.
49Sêneca J., Lucílio, 116.1 (permitindo que Lucílio mantivesse suas emoções, uma vez que
Sêneca as purificou do vício); Cf. tb. Lucílio, 75.1-3; a opinião favorável do autocontrole de
Fabiano aparece em Sêneca V., Controv., 2.pref.2. Quanto a estoicos que se opuseram a essa ideia
em discursos, veja Musônio, frag. 36, p. 134.14-16; Anderson, Rhetorical theory, ρ. 61.
50Meeks, Moral world, p. 45. Estudos contemporâneos mostram que não é possível separar
as emoções e o intelecto tão nitidamente quanto os pensadores da Antiguidade muitas vezes
desejavam (veja Elliott, Feelings).
s'Knuuttila; Sihvola (“Analysis”, p. 16-7) observam que Platão tinha um posicionamento
negativo em relação às emoções porque desejava “alcançar o desprendimento de uma realidade
instável” (e.g., Timeu, 42 d.C.), mas, como os estoicos, não acreditava que era possível extirpá-las.
52Knuuttila; Sihvola, “Analysis”, p. 16; Tobin, Rhetoric, ρ. 229. Plotino, um neoplatônico, aconsc-
lha que se “eliminem as afeições na medida do possível” (Emilsson, “Plotinus on emotions”, ρ. 359).
53Kraftchick (“Πάθη”) argumenta que Aristóteles incentivou o uso de argumentos racionais
para gerar páthos (p. 48-50), mas que a Carta de Paulo aos Romanos usa o páthos como um apelo
98 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
para incitar ou influenciar as emoções do público (p. 52-3). Paulo emprega o páthos em suas cartas
de maneira formal, como os oradores romanos, mas lança mão de argumentos, como Aristóteles
(p. 56). Quanto a éthos epáthos nas cartas de Paulo, veja tb. Sumney, “Rationalities”. Quanto ao uso
da emoção por Aristóteles, veja Hall, “Delivery”, p. 232; Walde, “Pathos”, p. 599; Olbricht, “Pathos
as proof”, p. 12-7. Outros também se queixavam do uso excessivo de paixão retórica (Plutarco,
Cícero, 5.4).
54Knuuttila; Sihvola, “Analysis”, p. 17; cf. Meeks, Moral world, p. 44-5; Dillon, “Philosophy”,
p. 796. Embora Platão também valorizasse o meio-termo ou a moderação (Lodge, Ethics, p.
392, 442-55), essa ideia era particularmente associada a Aristóteles (Aristóteles, E.N., 2.7.1-
9 .9 ,1107a-1109b; E.E., 2.3.1-5.11, 1220b-1222b). Quanto a outros, veja, e.g., Cícero, S. Bem,
3.22.73; Horácio, Sátiras, 1.1.106-7; 1.2; Ep., 1.18.9; Plínio V., Nat., 28.14.56; Plutarco, Sábios,
20, Mor., 163D; 21, Mor., 164B; Laércio, 1.93 (Cleóbulo, c. 600 a.C.); Car. Arts., I l l , 122,223,
256; Ps.-Foc., 36,59-69b, 98. Veja tb. a inscrição délflca que aconselha evitar os extremos, Plutarco,
Delfos, 2, Mor., 385D; Or. Delfos, 29, Mor., 408E.
55Filo ,Abraão 257; Jos., 26; Leis esp., 3.96; 4.102 (cf. 4.144); Virtudes, 195; Migração, 147;
Wolfson, Philo, 2:277.
56Filo,Interp. aleg., 2.100,102; 3.129;Noéagr. 98.
57Filo,Interp. aleg., 3.129,131,134; Imutável67·,Agricultura, 17.
58Filo, Interp. aleg., 3.140,144.
59Por vezes, Paulo emprega o verbo έττιθυμέω e seus cognatos de maneira neutra (cf. Fp
1.23; lTs 2.17), mas esse uso não é incomum. Supondo que o Espírito, assim como a carne, tem
desejos, o mesmo verbo pode ser aplicado de forma tanto positiva quanto negativa em G1 5.17;
ele é positivo em lTm 3.1.
60Veja esp. Rm 1.24; 7.7; 13.9,13,14; 1C0 10.6; G1 5.17,24 (em torno de uma lista de vícios
em 5.19-21); Cl 3.5 (como parte de uma lista de vícios). O termo que Paulo usa para “pecado” era
aplicado pelos estoicos de modo mais amplo para qualquer coisa que não estivesse de acordo com
a razão (e.g., Dídimo, 2.7.8a, p. 52.21-22; 2.7.11a, p. 62.31-33; 2.7.11d, p. 66.28-32; 2.7.11e, p.
68.17-20; 2.7. llg , p. 72.12; 2.7.11Í, p. 78.20; 2.7.11k, p. 84.4,9-10; 2.7.11L, p. 85.35; Musônio
2, p. 36.16-17; 8, p. 64.11; 16, p. 102.14-16; Epíteto, Diatr., 1.18; 4.12.19; Marco Aur., 9.4; cf.,
A M EN TE D A FÉ (R M 6 .1 1 } 99
porém, Musônio, frag. 44,p. 138.26-30). Para Paulo, contudo, o termo se aplica “apenas à conduta
moral” (Deming, Celibacy, p. 173). No grego comum podia se referir simplesmente a “erro” (Rbet.
Alex., 4 ,1427a.30-31,38-39).
61E.g.,b. Yebam., 47b.
62B. Yebam., 45b-46a. Cf. discussões em Bamberger, Proselytism, p. 127; Buchanan,
Consequences, p. 206; Falk, “Law”, p. 509; Stern, “Aspects”, p. 628; SchifFman,/í1 i>, p. 36-7.
63A esse respeito, veja, e.g., inscrições em Deissmann, Light, p. 319-23 (inclusive entre judeus
da Diáspora, p. 321-2).
64Veja esp. Deissmann, Light, p. 323-7.
65Bartchy, Slavery, p. 121-5.
66Veja, e.g., D t 32.36; Urbach, Sages, 1.386 (citando Sipre Shelah, 115). Faço uso aqui de
Keener,/a&ra, p. 750-1.
67Filo, Horn, virt., 20.
68E.g., m. 'Abot, 6.2; b. B. Metsia, 85b; Qidd., 22b atribuído a ben Zakkai); Gn. Rab.,
92.1; Nm. Rab., 10.8; Pesiq. Rab., 15.2; veja, ainda, Abrahams, Studies (2), p. 213; Odeberg,
Pharisaism, p. 50.
100 A M EN TE D O E SP ÍR ITO
Na opinião de alguns, Paulo era, em essência, um fariseu que cria que a era
messiânica havia chegado.76 Mesmo que essa caracterização seja simplista
69Crato, Ep., 8, para Diógenes; Epíteto, Diatr., 4.7.17; cf. de modo semelhante Epíteto,
Diatr., 3.24.68; Jâmblico, Pitágoras, 7.33; 17.78. De acordo com Euripides, Hécuba, 864-67, todos
são escravizados por algo (dinheiro, destino ou lei).
70E.g., Arriano,/í/<?*.,3.11.2; Scncca J.,Z,«í־z7zo, 8.7; 27.4; Plutarco, l,A70r.,37E; Superst.,
5, Mor., 167B. O indivíduo também é escravo dos objetivos aos quais serve (Filóstrato, Her., 53.2).
71E.g., Esquines, Timarco, 42; Xenofonte, Econom., 1.22-23; Helen., 4.8.22; Sócrates, 16;
Mem., 1.3.8, 11; 1.5.1, 5; 4.5.3, 5; Sófoclcs, Antígona, 756; Traquinias, 488-89; Platão, Fedro,
238E; Isocrates, Demon., 21; Nicocles, 39 (Or. 3.34); Arriano ,Alex., 4.9.1; Sículo, 10.9.4; 32.10.9;
Salústio, G. catil., 2.8; D. César, 8.2; Cícero, Amiz., 22.82; Deveres, 1.29.102; 1.38.136; 2.5.18;
Velhice, 14.47; Prov. cons., 1.2; Horácio, Sátiras, 2.7.83-87;Tíbulo,2.4.1-3; Apiano, G.C.,5.1.8-9;
Musônio, 3, p. 40.19; Sêneca J., Ben., 3.28.4; Lucílio, 14.1; 39.6; 47.17; 110.9-10; 116.1; Q. nat.,
I . 16.1; Epíteto, Diatr., 3.24.70-71, 75; Plutarco, Noivos, 33, Mor., 142E; Max. Tiro, Or, 36.6;
Porfírio, Marcela, 34.523-25;Tácio, 1.7.2-3; 5.25.6; Longino, Sublime, 44.6; Laércio, 2.75; 6.2.66;
Diógenes, Cartas, 12; Hcráclito, £/>.,9; Socráticas, Cartas, 14; Sent, pitag., 21,23; Apuleio, Metam.,
I I . 15; Eo 47.19. Derrett ("Sources”) também encontra essa ideia em textos budistas antigos, em-
bora, quanto à geografia, sejam consideravelmente muito mais distantes.
72E.g., Sêneca J., Ben., 3.20.1-2; Epíteto, Diatr., 1.11.37; 1.19.8; 3.24.68; 4.7.16-18; Gélio,
2.18.9-10; Laércio, 7.1.121-22; cf. Filo, Querubins, 107. Para Epíteto, a liberdade consistia em
buscar somente aquilo que se podia controlar (veja Pérez, “Freedom”).
73E.g., Fedro, 1.2.1-3,11-31.
74E.g., 4Mc 3.2; 13.1,2; T.Aser, 3.2; 6.5; T.José, 7.8; T. Judá, 18.6; Josefo, Ant., 1.74; 4.133;
15.88; G.J., 1.243; Filo ,Abraão, 241; Interp. aleg.,2A9; Criação, 165; Hom. virt., 17; Herdeiro, 269;
Imutável., I l l ; cf. Decharneux, “Interdits”; Car. Arts., 211,221-23; T. Judá, 15.2, 5; T. Sim., 3.4;
Rm 6.6; 16.18; Fp 3.19.
75Odeberg, Gospel, p. 297-301; Odeberg, Pharisaism, p. 50-2, 56; cf. Gn. Rab., 94.8; Sb 1.4.
Cf. liberdade do anjo hostil em CD, 16.4-6; do Anjo da Morte em material mais recente em Êx.
Rab., 41.7; 51.8; Nm. Rab., 16.24; Ct. Rab., 8.6, §1; de poderes astrológicos em t. Sukkah, 2.6; b.
Ned., 32a; Sabb., 156a; Sukkah,29a; Gn. Rab., 44.10; Pesiq. Rab.,20.2.
76Davies, Paul, p. 216; cf. já em Ramsay, Other studies, p. 89-90.
A M EN TE DA FÉ (RM 6 .1 1 ) ו סו
77Embora Paulo geralmente reserve a terminologia do “reino” para o fiituro, retrata o senho-
rio presente de Jesus de outras maneiras (Rm 8.34; 1C0 15.24,25; Fp 2.9; Cl 3.1). Estudiosos
observam com frequência o princípio cristão primitivo do já/ainda não (Minear, Kingdom, p. 147;
Aune, “Significance”, 5.93-4; Ladd, Theology, ρ. 322; Ridderbos, Paul andJesus, p. 67), inclusive no
pensamento paulino (Kümmel, Theology, p. 149; Howell, “Dualism”; Dunn, Theology■, p. 466-72);
quanto a uma possível relação com a prefiguração e o dia futuro do Senhor nos profetas bíblicos,
cf. Ladd, Kingdom, p. 36.
78Veja, e.g., Abrahams, Studies (1), p. 42. E especificamente pela não adoção de uma cosmo-
visão escatológica que depende da atividade divina que Martyn (“De-apocalypticizing”) critica
Engberg-Pedersen; veja tb. Wright, Faithfulness, ρ. 1386-406, esp. (quanto a essa questão) p. 1389,
1393.
77Pesü]. Rab Kah., sup. 3.2; Gn. Rab., 89.1; Êx. Rab., 46.4; Dt. Rab., 2.30; Ec. Rab., 2.1, §1;
12.1, §1 (conforme o sentido mais provável); um rabino emy. Sukkah, 5.2, §2. Schcchter (Aspects,
p. 257, 289-92) também cita Gn. Rab., 48.11; Êx. Rab., 46.4; Nm. Rab., 15.16; e outros textos.
Montefiore; Loewc (Anthology, p. 122-3) também citam Nm. Rab., 17.6. Bonsirven (Judaism, p.
246) acrescenta Gn. Rab., 26.6; Ct. Rab., 6.14. O impulso maligno cessa na morte para os justos
cm Gn. Rab., 9.5; e até mesmo para os perversos em L.A.B., 33.3. Mas em b. Sukkah, 52b, no
julgamento o impulso maligno testemunhará contra aqueles que ele seduziu.
80B. Sukkah, 52a; cf. Êx. Rab., 30.17; Moore,Judaism, ρ. 493.
*'Pesiq. Rab Kah., 24.17; b. Sukkah, 52a; Êx. Rab., 41.7; Dt. Rab., 6.14; Ct. Rab., 1.2; 6.11, §1.
Outros textos, mais antigos, refletem a promessa de Ezequiel; veja, e.g., 1QS, 4.21; provavelmente
4Q393, frags. 1-2, col. 2.5 (cf. SI 51.10; Ez 11.19; 18.31).
821QS, 5.5 (de acordo com o modo mais provável de traduzir o texto); é provável que a ideia
aqui desenvolva D t 30.6. A propensão aparece no contexto de desviar-se pelos caminhos do
próprio coração e dos próprios olhos. Voltar para a aliança de Deus também libertava a pessoa do
pecado, desde que perseverasse (CD, 16.4-6).
ו02 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
era vindoura será “sua vitória na longa luta contra seus impulsos inatos para o
mal, que não haviam conseguido desviá-los da vida para a morte”.83 H á muito
tempo, a tradição judaica tinha antevisto o livramento escatológico do pecado84
e de Satanás.85 De fato, como os rabinos propunham, essa ideia já aparece nos
profetas bíblicos (Jr 3.17; 31.32-34).
Para Paulo, a era messiânica esperada havia chegado, e o pecado e o impulso
maligno já haviam sido prolepticamente derrotados.86 O assunto ainda não es-
tava encerrado, mas os crentes não precisavam depender apenas de seus próprios
esforços; nas palavras de outro autor cristão dos primórdios, eles haviam experi-
mentado “os poderes da era vindoura” (Hb 6.5).87 Para Paulo, Cristo se entregou
por nossos pecados a fim de nos livrar da presente era perversa (G1 1.4). Essa
observação tem implicações quanto a como deve ser o modo de pensar dos
cristãos. O evangelho é uma sabedoria que transcende a sabedoria da presente
era (lC o 1.20; 2.7-10; 3.18), em que as pessoas estão cegas (2Co 4.4).
De modo mais relevante para Romanos, os crentes não devem conformar-se
a esta era, mas ser transformados pela renovação de sua mente (Rm 12.2). A
nova maneira de pensar leva em conta a nova situação: os crentes já pertencem
à era futura (veja 2Co 1.22; 5.5) e devem pensar e viver conforme essa realidade.
Tradições judaicas empregavam a expressão “nova criação”de várias maneiras,88
mas a que predominava nesse período refletia a promessa de novos céus e nova
832Ed 7.92 (NEB); cf. 7.114. Veja Wells, “Power”, esp. p. 1 0 1 3 ־.
841QS, 3.18-19,23; 4.18-26 (esp. 4.19,23)׳,Jub., 50.5; lE n 5.8,9; 10.16 (prefigurado no dilú-
vio) 91.8,9,16,17; 92.3-5; 107.1; 108.3; SI. Sal., 17.32; T. Mois., 10.1; Or. sib., 5.430 (caso não seja
uma interpolaçâo cristã);y. 'Abod. Zar., 4.7, §2; Dt. Rab., 3.11. Quanto à revogação das ofertas
pelo pecado em algumas fontes rabínicas posteriores, cf. Davies, Torah, p. 54-5.
854Q 88,10.9-10; T. Mois., 10.1; T. Zeb., 9.8 MSS; cf. Jub., 50.5; M t 25.41; Ap 20.10. Fontes
judaicas antigas muitas vezes associavam Satanás a desejos perversos (T Aser, 3.2; Apoc. Mois.,
19.3; cf. Baudry, “Péché dans les écrits”) ou ao espírito (dentre os dois espíritos) que incita ao
pecado (Jub., 1.20-21; 1QS, 3.18-22 [em concordância com CD, 5.18]); como provavelmente
é o caso em lQ H a, 15.6, alguns rabinos posteriores associavam Satanás ao impulso maligno
(Schechter, Aspects, p. 244-5; Best, Temptation, p. 48; cf. b. B. Bat., 16a; Êx. Rab., 30.17).
86Davies, Paul, p. 23; Ellison, Mystery, p. 62.
87Embora algumas versões traduzam αιώ ν por “mundo” em algumas dessas passagens, “era”
ainda é o equivalente mais adequado em nossa língua nos textos citados aqui.
88Quanto à conversão como nova criação em algumas fontes, cf.Jub., 1.20-21; 5.12 (a respeito
do qual cf. Charles, Jubileus, lxxxiv); SipreDt., 32.2.1 ׳, AbotR. Nat., 12 A; 26, §54 B; b. Sanh., 99b;
Ct. Rab., 1.3, §3; Davies, Paul, p. 119; Hunter, Gospel according to Paul, p. 24, nota 1; Buchanan,
Consequences, p. 210; de modo mais detalhado, Chilton, “Galatians 6.15”; Hubbard, New creation,
p. 54-76,esp. p. 73-4. Quanto a Rosh Hashanah, veja, e.g.,Lv. Rab., 29.12; Moore,Judaism, 1.533;
cf. Moisés em Êx. Rab., 3.15 (baseado em um trocadilho); o Messias em Midr. SI, 2, §9 (sobre
SI 2.7).
A M EN TE D A FÉ (K M 6 .1 1 ) 103
terra em Isaias 65.17,18.89Para Paulo, estar em Cristo significa que a nova criação
já se iniciou, e coisas novas prometidas já chegaram (2Co 5.17).90 A experiência
parcial no presente dessa nova realidade deve moldar o pensamento dos crentes
em relação a Cristo e a todas as outras coisas (2Co 5.16).91 Avaliações terrenas
de qualquer um (5.16a,17a) são, portanto, ilegítimas,92 e isso inclui as avaliações
críticas acerca de Paulo (5.11-16a; cf. 3.1; veja tb. 1 C 0 2.15; 3.4,5; 4.3; 9.3).
Fé e atribuição
i9lE n 72.1; Jub., 1.29; 4.26; cf. 1QS, 4.25 (a respeito do qual veja tb. Ringgren, Faith, p.
165). Veja, ainda, Stephens, “Destroying”; Stephens, Annihilation; quanto ao uso no AT, veja
Hubbard, New creation, p. 11-25; em Jubileus, Hubbard, New creation, p. 26-53. Posteriormente,
cf. Qumran, 56.35.
,0Veja Strachan, Corinthians, p. 113-4; Héring, Second Epistle, p. 43; Bultmann, Corinthians,
p. 157; Bornkamm, Experience, p. 22; Furnish, Corinthians, p. 314-5; Beale, “Background”; Dunn,
Theology, p. 180; Barnett, Corinthians, p. 46,225; Wright, Faithfulness, p. 478. Quanto à renovação
do indivíduo como parte da nova criação mais ampla, cf. lQ H a19.16-17 ;׳Jackson, Creation.
91Para uma discussão da relação entre 2Co 5.16 e 5.17 (considerando κατά σάρκα
com οΐδαμεν e έγνώκαμεν, não Χριστόν), veja ainda, e.g., Davies, Paul, p. 195; Martyn,
“Epistemology”, p. 286; Ladd, Theology, p. 373; Betz, “Christuserkenntnis”; Stanton, Jesus o f
Nazareth, p. 89-90; Witherington, Corinthians, p. 347; Scott, Corinthians, p. 134; Lambrecht,
Corinthians, p. 95-6. “De agora em diante”em 5.16 aponta para essa direção (Martin, Corinthians,
p. 151). Os adversários de Paulo avaliam segundo a carne (2Co 10.10; c f 11.18), ao contrário de
Paulo (10.2-4). Na correspondência com os corintios, Paulo contrasta repetidamente “esta era”,
“este mundo” ou “segundo a carne” com a perspectiva de Deus (Litfin, Theology, p. 175-6).
,2Veja Furnish, Corinthians, p. 330; c f Robinson, Ephesians, p. 52; Héring, Second Epistle, p.
42; Bruce, Message, p. 27. Os antigos entenderíam uma mudança de perspectiva; depois que Iseu
abandonou sua vida de promiscuidade, alguém lhe perguntou se determinada mulher era bela; ele
respondeu: “Não sofro mais de problemas dos olhos” (Filóstrato, V. sof, 1.20.513, tradução para o
inglês de Wright, LCL, p. 69).
104 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
93Ou seja, uma vez que Deus é ־πιστός, a π ίσ τις nele é verdadeiramente racional (cf.
H b 11.11).
94Cf. a virtude da sabedoria como capacidade de perceber o que é verdadeiro e real (Cícero,
Deveres, 2.5.18).
95Estudiosos costumam aceitar Rm 1.16,17 como uma declaração de tese que apresenta a
argumentação de Romanos ou de sua primeira seção. Nos tempos antigos, argumentações por
vezes tinham declarações de tese, embora nem sempre (veja comentário em Keener, Acts, 1.708-9).
96Seria difícil separar a fé de Abraão de sua crença cm Rm 4.3-24, mas estudiosos discutem hoje
de quem é a πίστις que aparece nessas passagens, especialmentc com referência à “fé [fidelidade] de
Jesus”(3.22,26). À parte dos casos controversos, porém, resta na seção ênfase suficiente sobre a con-
fiança ou fé (fidelidade) dos seguidores de Jesus para desenvolver a argumentação aqui. (Também de
qualquer modo, a fé dos crentes é depositada na confiabilidade/fidelidade de Deus/Jesus.)
97Há uma variante textual em 5.2, embora a maioria dos textos mais antigos contenha alguma
forma de πίστις.
98O fato de Kant relegar a fé ao âmbito subjetivo (embora o próprio Kant ainda considerasse
o âmbito subjetivo como algo real) criou o impasse que Kierkegaard procurou superar com um
salto no escuro. Esse conceito moderno que com frequência norteia nosso uso contemporâneo não
é, no entanto, o sentido bíblico do termo traduzido por “fé”. Até mesmo alguns puritanos, con-
tudo, parecem ter enfatizado a confiabilidade de sua fé. A análise da fé subjetiva parece ser mais
predominante em sociedades com forte concentração de protestantes que enfatizam a fé para a
soteriologia e a necessidade da eleição e/ou conversão; essa análise talvez seja menos comum nos
meios em que aqueles que professam Cristo ativamente constituem uma minoria (e nos meios
em que sua fé não é confundida com lealdade étnica), de modo que as linhas que demarcam a fé
são mais óbvias.
A M ENTE D A FÉ (R M 6.1 1) 1 05
"Também nesse caso, minha ênfase não é sobre a discussão gramatical, apenas de ordem
teológica: nas ocasiões em que é especificado, Cristo e o Pai costumam ser os objetos da fé paulina.
100Quanto a Rm 6.11 como resumo de 6.1-10, veja Hubbard, New creation, p. 94 (depois de
esboçar claramente a estrutura da passagem); cf. Bornkamm, Experience, p. 75. (Essa estrutura
parece mais convincente que o quiasmo criativo proposto por Boers, “Structure”.)
101Orígenes, Com. Rom., sobre 6.11 (CER, 3.188; tradução para o inglês de Bray, Romans,
p. 162). Cf. Strong que, no entanto, dá menos ênfase à mudança ontológica: “Algumas profecias
produzem seu próprio cumprimento. Diga a um homem que ele é corajoso e você o ajudará a se
tomar corajoso. Da mesma forma, justificação declaratória, quando promulgada no coração pelo
Espírito Santo, ajuda a tornar os homens justos” (Systematic theology, p. 860).
106 A M EN TE D O ESP ÍRITO
Paulo não foi o único a refletir sobre o papel da razão e de uma nova perspec-
tiva na superação das paixões. Pensadores antigos enfatizavam a necessidade de
manter a mente voltada para o que era bom (cf. Fp 4.8).102 A filosofia era uma
questão de usar a razão e ponderar sobre o que era necessário.103
A forma correta de pensar era crucial para os estoicos.104 Um estoico podia
argumentar que o mais importante é pensar corretamente, não ter medo do des-
tino e alegrar-se nas dificuldades.105 Ao disciplinar a mente, é possível aprender
a abster-se de qualquer prazer e a suportar qualquer dor.106 Os estoicos desen-
volveram exercícios cognitivos para formar hábitos de interpretar a realidade
conforme suas crenças filosóficas.107 Alguns adotavam exercícios pitagóricos,
como fazer um balanço, à noite, das próprias reações ao longo do dia.108 Para os
estoicos, a aparência das coisas não correspondia necessariamente à realidade;
aparências podiam ser distorcidas por uma forma incorreta de pensar a respeito
delas.109 De fato, os elementos externos eram irrelevantes para o cerne da iden-
tidade da pessoa.110
Não devemos subestimar o elemento cognitivo no imperativo paulino em
Romanos 6.11. Também não devemos subestimar a ênfase anterior de Paulo so-
bre a identidade; o autoconhecimento, incluindo o reconhecimento das próprias
limitações, era uma questão fundamental na filosofia antiga.
102Como, por exemplo, voltar a atenção da mente para a natureza, para uma vida em har-
monia com ela (Musônio, frag. 42, p. 138.9-11), ou para a alma (Plutarco, Epicuro, 14); os deuses
recompensariam a boa mente (Max.Tiro, Or., 8.7). O pensamento (φρόνημα) deve estar sempre
“voltado para Deus” (Porfírio, Marcela, 20.327-29; tradução para o inglês de O ’Brien Wicker, p.
63); desse modo, as palavras seriam inspiradas (ενθεος, 20.329). Juramentos a César podiam até
prometer lealdade mental (CIG, 3.137; OGIS, 532; Sherk, Empire, §15, p. 31).
103Musônio, 16, p. 106.3-6,12-16.
104Ainda assim, Stowers (que segue Rist, Stoic philosophy, esp. p. 22-36, 256-72) adverte:
“É enganoso enfatizar excessivamente o caráter cognitivo do pensamento estoico primitivo”
{Rereading, p. 361, nota 22).
105Sêneca J., Q. nat., 3.pref.ll-5.
106Sêneca J., Diálogos, 4.12.4-5. Como Lutz, Musonius, p. 28 observa, Musônio também pro-
pôs que, por meio da disciplina da mente {Musonius, 6, p. 54.16-25) a pessoa sábia alcançaria o
domínio próprio (6, p. 54.2-10).
107Veja Sorabji, Emotion, p. 165, 211-27. Algumas técnicas, como e.g., a renomeação, con-
tinuam a ser úteis hoje (p. 222-3). Quanto à prática cínica das virtudes, veja, e.g., Malherbe,
Philosophers, p. 16.
108Sorabji, Emotion, p. 213.
10,Sorabji, Emotion, p. 165.
110Mitsis, “Origin”, p. 173.
A M EN TE D A FÉ (R M 6.1 1) 107
Excurso: Autoconhecimento1"
É provável que o ditado délfico "conheça a si mesmo" tivesse, inicialmente,
o sentido de reconhecer as próprias limitações como ser humano e, por-
tanto, sujeitar-se aos deuses e ao destino."2 Tornou-se uma das máximas
mais citadas da Antiguidade grega,1213 e muitos autores a consideraram uma
1
das verdades mais fundamentais da vida."4 Intérpretes antigos aplicaram-na
de diversas maneiras,"5 mas alguns autores usaram-na de forma coerente
com seu sentido original. Plutarco, por exemplo, declara que o lisonjeador
viola essa máxima ao levar outros a enganarem a si mesmos."6 Em outra
passagem, ao dirigir-se àqueles que criticam os outros, ele os admoesta a
"conhecerem a si mesmos", ou seja, a primeiro sondarem a si mesmos."7
Um autor cínico explica que o autoconhecimento abrange o diagnóstico
das doenças da alma, que leva a pessoa a buscar o tratamento filosófico
adequado.1181 9De acordo com certo orador, os mortais entendem quem eles
são somente quando estudam a natureza em sua totalidade."13Um satírico
romano usa 0 ditado para criticar aqueles que se especializam em conhe-
cimentos esotéricos, mas são ignorantes quanto às coisas do quotidiano.120
Conforme Aristóteles, os presunçosos são aqueles que não têm autoco-
nhecimento.121 Algumas das aplicações de Platão preservam o sentido
original: a virtude deve ser proveniente do conhecimento, e o verdadeiro
122Platão, Cármides,passim; Akih., 1.129A; Amantes, 138A. Para uma discussão mais completa
do ponto de vista de Platão acerca do conhecimento, cf. Gould, Ethics, p. 3-30.
125Filo, Leis esp., 1.10.
124Filo, Leis esp., 1.264-65; Migração, 195; Sonhos 1.60; cf. Imutável, 161; Nomes, 54; Sonhos,
1.211- 12.
125Epíteto, Diatr., 2.24.19 (tradução para o inglês de Oldfather, LCL, 1.417); cf. de modo
bastante semelhante Marco Aur., 8.52.
126Betz, “Maxim in Papyri”.
127Betz, “Hermetic interpretation”, p. 465-84; cf. Dodd, “Prologue”, p. 16.
128Cicero, Tusc., 1.22.52.
12,Plutarco, Pompeu, 27.3.
150Porfírio, Marcela, 32.485-95.
131Winslow, “Religion”, p. 246.
152Plutarco, Delfos, 17, Mor, 392A e contexto; veja tb. Meeks, Moralvsorld, p. 43.
A M EN TE D A FÉ (R M 6 .1 1 ) 109
Id en tifica çã o co m C risto
14,Cf. L. dos mortos, Feitiço 30, partes P -l e 2; Feitiço 43a, parte P -l, 43b; Feitiço 79, parte
S-2; Feitiço 85a, parte S-l; Feitiço 131, partes P -l e 2, S-l; Feitiços 145-46; PGM, 1.251-52;
4.169-70,216-17,385-90; PDM, suppl. p. 131-32,163,183. Ao contrário dos PGM e dos PDM,
os feitiços do L. dos mortos são pré-cristãos.
142E.g., P.Oxy., 32.5-6; Cícero, Amig., 13.5.3; 13.45.1; 13.46.1; cf. Frontão, A d amicos, 1.4,
8; 2.6; A d verum imp., 2.7.7; 1C0 16.10; Fm 17— 19; Kim, Letter o f recommendation, p. 7,37-42.
143Xenofonte, Cyr, 5.4.29; 6.1.47; Sêneca V., Controv., 8.5; Plínio J., Ερ., 1.4.2-3; 6.18.3;
6.26.3; 6.28.3; 6.30.1; 6.32.2; Suetônio, Galba, 20.1; lRs 22.4; 2Rs 3.7; 2Cr 18.3; G1 4.12.
Também é possível colocar as pessoas no mesmo nível de forma negativa, Herodes, Mime, 2.8.
144E.g., Sículo, 17.37.6; Cícero, Amig., 7.5.1; 13.1.5; Valério, 4.7.ext.2ab; Quinto, 3.12.17;
Plínio J., Ep., 2.9.1; cf. Cícero, S. bem, 1.20.70; Sêneca J., Lucílio, 95.63; Car. Arts., 228; talvez
Cícero, C. Bruto, 31.110.
145Cranfield, Romans, 1.315: não fingindo, “não um mero ideal, mas um julgamento delibe-
rado e sóbrio com base no evangelho” que “aceita como sua norma o que Deus fez em Cristo”.
Cf. tb. Ladd, Theology, p. 479; Kruse, Romans, p. 267. Alguns propõem que Paulo precisa enfatizar
a transformação de modo a contrabalançar acusações ou dúvidas, como em Rm 3.8; cf. Tobin,
Rhetoric, p. 216; Moo, Romans, p. 295; em outras passagens, cf. G12.17-20.
146Johnson, Romans, p. 105. Cf. Schlatter, Romans, p. 3: a verdadeira fé produz verdadeira justiça,
não por legalismo, mas pela união com Cristo (cf. p. 133,152); Schreiner, Romans, p. 305: “O foco
em Rm 6 não é sobre a penalidade do pecado, mas sobre seu poder”; Ortlund, “Justified”, p. 339: “A
união com Cristo dá início não apenas a uma reforma exterior, mas a uma transformação interior”.
147Veja, e.g., Josefo, Ant., 3.44-45; Eo 7.16 (μή ττροσλογίζου σεαυτόν); m. 'Abot, 2.1.
Naturalmente, esses conceitos eram eficazes apenas conforme refletiam a verdadeira realidade
(ISm. 4.3,6-11).
A M EN TE D A FÉ (R M 6 . 1 )ו ווו
,48Veja Wright, Justification , p. 72; Wright, Faithfulness, p. 903, 912; nos reformadores,
McCormack, “Justification”, p. 171. A reação a uma abordagem participativa talvez se deva, em
parte, ao fato de seus partidários do início do século 20 terem inserido essa abordagem de modo
indefensável nas religiões de mistérios (Longenecker, Introducing Romans, p. 308) c a outros erros
conceituais (p. 310).
149E.g., Conzelmann, Corinthians, p. 21; forense em Parisius, “Deutungsmõglichkeit”;
Campbell {Union) enfatiza mais (porém não exclusivamente) o uso instrumental.
150Quanto ao sentido coletivo, veja, e.g., Manson, Paul and John, p. 67; Gibbs, Creation,
p. 132-3; esp. Robinson, Body.
lslVeja discussões mais completas em Büchsel, “In Christus”; Neugebauer, “In Christo”;
Robinson, Body, Best, Body, Davies,“In Christo”; Bouttier, En Christ,Toit,“In Christ”; Campbell,
Union (de modo particularmente detalhado). Seguindo Deissmann (veja Paul, p. 135-9), alguns
também argumentaram em favor de um sentido místico (Hatch, Idea, p. 38-9; Wikenhauser,
Mysticism, p. 21-33, 50-65; Mary, Mysticism, p. 15-28; Thuruthumaly, “Mysticism”; Kourie,
“Christ-mysticism”; cf. Pathrapankal, “Christ”), embora, em geral, não com a ideia de absorção
(veja Deissmann, Paul, p. 152-4). Quanto ao aspecto relacionai veja, ainda, Dunn, Romans, 1.324;
Dunn, Theology, p. 396-401.
152Veja Judge, First Christians, p. 568-71.
153Judge, First Christians, 581; Keener, Romans, p. 145; Keener, Corinthians, p. 103. A ima-
gem foi atribuída primeiro a Menênio Agripa (Dionisio, Ant. rom., 6.86.1-5; Livio, 2.32.9-12;
Plutarco, Coriolano, 6.2-4; Cássio, 4.17.10-13), mas muitos autores depois dele também a empre-
garam (e.g., Salústio, C. César, 10.6; Cícero, República, 3.25.37; Fitípicas, 8.5.15; cf. Aristóteles,
E.N., 1.7; T. Naf., 2.9-10). Veja tb. o uso estoico para o cosmo, e.g., Sêneca J., Lucilio, 95.52;
Epíteto, Diatr., 1.12.26; Marco Aur., 7.13.
'1'Pace Bultmann, Engberg-Pedersen {Paul and Stoics, p. 224, sobre Rm 6—8) argumenta que
0 contraste entre indicativo e imperativo não é, na verdade, um problema que precisa de solução.
Uma vez que o imperativo atua como um lembrete e a questão é inteiramente cognitiva, não há
contradição (p. 233; cf. p. 225). Engberg-Pedcrsen — e o estoicismo antigo — talvez minimize
demais os elementos não cognitivos (cf. Martyn, “De-apocalypticizing”; Stowers, “Self-mastery”,
p. 538), mas apresenta considerações importantes a respeito do elemento cognitivo da questão em
Romanos 6.11 e algumas outras passagens.
ד12 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
lssVeja, e.g., Ridderbos, Paul: outline, p. 253-8; Goppelt, Theology, 2.136-7; Bornkamm,
Experience,p.71; Kümmel, Theology, p.224-8; Dunn, Theology,p.b26-31·, Saldanha,“Rediscovering”;
Prasad, “Walking”; Matera, Romans, p. 161-3; Bird, Colossians, p. 95. Cf. Engberg-Pedersen, Paul
anã Stoics, p. 294: “lembrando aqueles aos quais se dirige daquilo que aconteceu c seu apelo a eles
para colocá-lo em prática . No entanto, veja esp. Horn; 2Xmmetm3x1n,Jenseits, inclusive a crítica.
156Jewett (Romans, p. 408) considera λογίζεσθε indicativo, e não imperativo, em oposição “à
maioria dos comentaristas”. No entanto, o contexto é firmemente contrário a essa interpretação.
157VejaTannehill, Dying, p. 77.
ls8Rosner, Ethics, p. 86-9, citando, e.g., D t 7.5,6; 14.1,2; 27.9,10.
ls9Para os platônicos, o verdadeiro ser, ou a essência pura, era inteiramente bom (Jâmblico,
Alma, 8.45, §456; 8.48, §457; cf. Ps.-Simpl.,Anima, 241.16-17).
160Γένοι’, otoç έσσ 1' μαθών (Píndaro, Píticas, 2.72; tradução para o inglês de Race, LCL,
1.238-39). Outros também reconheceram, por vezes, o princípio mais geral de que a autoconfian-
ça correta ajudaria no trabalho do indivíduo (e.g., Plínio J., Ep., 1.3.5).
161Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 233.
A M EN TE D A FÉ (R M 6.1 1) 113
Paulo não via sua abordagem apenas como um método de reforma mental,
análogo ao dos filósofos. Fazia parte de seu entendimento da fé na obra de
justiça de Cristo aceitar a condição justa em Cristo e deixar nas mãos de Deus
a obra de formação dessa justiça. Em Romanos 7, Paulo argumentará que a
mera religião ou o mero conhecimento das exigências de Deus não transforma
a identidade da pessoa pecadora aos olhos de Deus; simplesmente reorganiza a
carne de maneira mais ordenada e menos prejudicial.164 Que solução alternativa
Paulo oferece? A mente da fé, isto é, a mente que confia em Cristo, reconhece
uma nova identidade na qual o passado foi perdoado e os impulsos físicos não
determinam as ações da pessoa.
Em linguagem atual, Paulo supostamente reconhecería que os antigos
fatores desencadeantes talvez permaneçam, mas afirmaria que, para quem se
considera morto com Cristo (Rm 6.11) é possível escolher não reagir a esses
fatores, que não pertencem a sua nova identidade fundamental. Aos olhos do
verdadeiro juiz, a pessoa é justificada por Cristo e, portanto, pode viver com base
em sua nova identidade, definida em Cristo. Logo, tanto incriminações quanto
tentações, apresentadas como acusações que exigem uma resposta ou a crença de
que os desejos definem as escolhas da pessoa, podem ser desconsideradas e en-
tregues a Cristo (8.31-34).165As tendências anteriores não precisam ser negadas;
apenas não precisam ser aceitas como fatores determinantes da identidade ou
das escolhas atuais. Quando parecem persistentes demais, a ponto de não haver
como desconsiderá-las, é possível apropriar-se, com veemência, da identidade
em Cristo baseada naquilo que Cristo fez. Essa nova construção da identidade
pessoal é reforçada pela nova identidade social como parte do povo de Deus.166
A afirmação da nova identidade é apenas um instrumento psicológico
para a transformação? Em certo sentido, psicólogos que se ocupam com a
autoestima ajudam as pessoas a aceitar uma nova identidade menos suscetível
a antigos padrões recorrentes de pensamento. Paulo certamente defenderia o
valor de ver-se como alguém amado por Deus (Rm 5.8-11; 8.31-39; G1 2.20).
Ademais, concordaria que as expectativas contribuem para moldar o comporta-
mento; sem dúvida, Paulo tem bons motivos para lembrar os crentes de sua nova
identidade quando os exorta a viver de uma nova maneira, e não como viviam
anteriormente (1C0 6.11).
Para Paulo, contudo, a nova identidade abarca uma dádiva genuína de jus-
tiça em Cristo: o perdão objetivo do passado e um novo destino. A identidade
dos crentes em Cristo é distinta de sua percepção de si mesmos, e mais funda-
mental que ela, pois se baseia no veredito de Deus. O crente não obtém a nova
identidade ao lembrar-se conscientemente dela ou ao levá-la em consideração,
mas, quando ele a reconhece (como em Rm 6.11), sua percepção e as ações
decorrentes se alinham de modo mais próximo com a nova identidade como
justo em Cristo. O crente se apropria dessa realidade na prática ao agir pela fé
no mesmo evangelho que inicialmente lhe deu essa identidade.
Numa abordagem exclusivamente psicológica, o crente pode imaginar que
Cristo vive por meio dele; pode, desse modo, viver como se o novo caráter de
Deus estivesse formado dentro dele (cf. G1 2.20; 4.19; 5.22,23). A diferença
entre essa abordagem e o ponto de vista de Paulo é que, para ele, essa afirmação
corresponde, de fato, à realidade divina no tocante ao veredito de Deus e àquilo
de que Deus o chama a participar nessa afirmação. O “como se” é fundamentado
na justificação concedida por Deus.167
Conclusão
Paulo defende a ideia de uma nova identidade em Cristo, definida historicamente
em relação à morte e à ressurreição de Cristo e, escatologicamente, em relação
ao destino final e consumado dos crentes. Enquanto a existência no mundo con-
cebe sua identidade no tocante à experiência passada e presente da pessoa, a vida
em Cristo deriva sua identidade de Cristo, tanto em sua morte e ressurreição
por nós no passado quanto em nosso destino futuro com ele.
Em Romanos 6, Paulo apresenta tanto elementos indicativos quanto impe-
rativos. O elemento indicativo é constituído da morte e da ressurreição decisivas
de Cristo, acontecimentos concretizados na história, e da nova identidade do
crente em Cristo. O imperativo convida o crente a crer de modo ainda mais
pleno — já que ele aceitou o que a morta e a ressurreição de Cristo significam
para a reconciliação com Deus, também deve aceitar suas implicações para sua
nova vida.
Tornar os crentes retos168 é a dádiva perfeita de Deus em Cristo; o novo com-
portamento pode agora derivar de uma nova identidade, e não da tentativa de
obter uma identidade correta por meio dos próprios comportamentos imperfei-
tos. Portanto, o novo comportamento não é alcançado ao encarar a tentação
como se nada decisivo houvesse acontecido, mas ao reconhecer repetidamente
que Cristo já derrotou o pecado, uma admissão que a teologia paulina chama
“revestir-se” da nova pessoa (Rm 13.14; E f 4.24; Cl 3.12,14). Se ainda resta al-
gum conflito, trata-se de uma luta de fé no triunfo de Cristo, e não uma batalha
autocentrada a fim de derrotar a carne por meio da carne.
168“Tomar reto” é uma expressão traduzida, tradicionalmente, por “justificar” (ou “endireitar”,
ou “colocar em ordem”) em nossa língua. Preferi uma espécie de neologismo para permitir a con-
sideração de suas várias possíveis dimensões. Uma palavra só não abrange todo o conceito, muito
menos na tradução; meu neologismo visa destacar um aspecto por vezes desconsiderado, mas não
é necessariamente melhor que as traduções tradicionais.
3
C ^ >
A MENTE DA CARNE
(RM 7.22-25)
Mas vejo uma lei diferente operando nos membros de meu corpo,
guerreando contra a lei que está em minha mente e me tornando
prisioneiro da lei voltada para o pecado, que opera nos membros de
meu corpo [...] Portanto, com minha mente eu mesmo sou servo
da lei de Deus, mas, com minha carne, sou servo da lei voltada para
o pecado (Rm 7.23,25).
1Caberia melhor aqui um pronome neutro quanto ao gênero, mas, diante da necessidade de
escolher um dos gêneros, adoto o pronome masculino convencional, especialmente tendo em vasta
0 papel de ensino em Rm 2.18-20 que, nessa época, supostamente era desempenhado por homens.
1 18 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
2Para resumos bem mais detalhados, veja Schreiner, Romans, p. 380-92; Jewett, Romans, p.
441-5; MacGorman, “Romans 7”, ρ. 35-8.
3Em concordância com, e.g., Morris, Romans, p. 284. Para a ideia antiga de que a passagem
é autobiográfica, porém anterior à conversão, veja MacGorman, “Romans 7”, p. 35; Robinson,
Wrestling, ρ. 83-4.
4Para Reasoner (Full circle, ρ. 69, 84), trata-se de alguém ainda não convertido, mas que está
sendo convencido do pecado e, portanto, no processo de conversão; veja Orígenes, Com. Rom.,
6.9-10 (PL, 14.1085-91; Burns, Romans, ρ. 170-3). Em Com. Rom., sobre 7.17 (CER, 3.274,276;
Bray, Romans, p. 193), Orígenes propõe que Rm 7.17 retrata alguém que sabe o que é certo e tem
Cristo, mas ainda não alcançou a maturidade.
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 119
simplesmente se torna fraco para os fracos (1C0 9.22).5 Como Orígenes, os co-
mentaristas da Antiguidade com frequência consideravam que a voz do narrador
era de outro personagem, e não de Paulo.6 Anteviram, desse modo, muitas das
explicações contemporâneas. No parecer de Ambrosiastro, Romanos 7.14 trata
daqueles que estão debaixo da lei.7 Para Pseudo-Constâncio, Paulo fala como um
adulto que, outrora, estivera debaixo da lei.8De acordo com Cirilo de Alexandria,
7.15 parece “referir-se aos gentios ignorantes, cujos pensamentos Paulo está
reproduzindo”.9 Diodoro argumenta que “nesta passagem, Paulo não condena a
si mesmo, mas, sim, descreve o destino comum da humanidade, que ele vê em si
mesmo”.10Na opinião de Pelágio, a pessoa carnal e dividida da qual Paulo fala em
7.25 não pode ser o próprio Paulo, visto que a graça de Deus o libertara.11
A certa altura, Agostinho também reconheceu que, em Romanos 7.7-25,
Paulo retrata “a si mesmo como um homem debaixo da lei” e assume esse
papel.12 Embora Agostinho considerasse inicialmente que esses versículos se re-
ferissem aos não convertidos,13 mudou de opinião em sua obras posteriores, em
parte como reação aos conceitos perfeccionistas de Pelágio acerca da volição.14
5Orígenes, Com. Rom., sobre 7.14 (CER, 3.270; Bray, Romans, p. 190; Burns, Romans, p. 154,
171-3); ele compara Paulo ao salmista que ocasionalmente se identifica com pecadores (e.g., SI
38.6-8).
6Stowers, “Self-mastery”, p. 537; Stowers, Rereading, p. 268; Bray, Romans, p. 189-90.
7Ambrosiastro, Com., sobre Rm 7.14 (CSEL, 81.233-35; Bray, Romans, p. 190). Cf.
Ambrosiastro, Com., sobre Rm 7.24 (CSEL, 81.245; Bray, Romans, p. 197): Paulo se dirige a
alguém que nasceu em pecado, mas em Cristo as pessoas podem “fazer morrer o pecado”. João
Crisóstomo observa aqui {Horn. Rm., 13, sobre Rm 7.24; Bray, Romans, p. 197) que nem a lei e
nem mesmo a consciência poderíam salvar.
sPs.-Const., Rom., sobre 7.14,25 (ENPK, p. 49,52; Bray, Romans, p. 191,199).
,Cirilo, Rom., sobre 7.15 (PG, 74.808-9; tradução para o inglês de Bray, Romans, p. 191;
Burns, Romans, p. 176).
'0Diodoro de Tarso, comentário sobre Rm 7.15 (PGK, 15.89; tradução para o inglês de Bray,
Romans, p. 191); cf. Diodoro, comentário sobre Rm 7122 (PGK, 15.89; Bray, Romans, p. 195).
' 1Pelágio Com. Rom. sobre 7.25 (PCR, 105; Bray, Romans, p. 199).
12Agostinho, Simplício, 1.1 (tradução para o inglês de Bray, Romans, p. 182).
"Reasoner, Full circle, p. 70, fala da existência de um judeu não regenerado antes da lei e
debaixo da lei (citando Agostinho, Prop. Rom., p. 37-48, sobre Rm 7.8—8.3; Div. Q., 66.4-5;
Simplício, 1.1,7).
14Reasoner, Full circle, p. 84 (na p. 70, observando já uma transição em Agostinho, Culpa,
1.27.43 e uma mudança completa em Epístolas, 6.138-55); Moo, Romans, p. 443-4 (citando
Agostinho,Retrat., 1.23.1; 2.1.1; C.pelag. 1.10-11); Bray,Romans,]!. 196,199 (citando Agostinho,
Nat. graça, 55.65, sobre Rm 7.23; Prop. Rom., 45-46, sobre 7.25; C. Jul., 23.73; Burns, Romans,
ρ. 178-9); cf. C. Jul., 70 (em Bray, Corinthians, p. 172). Talbert (Romans, p. 186) observa que
Agostinho considerou a passagem pré-cristã em Proposições da Carta aos Romanos e Confissões, mas
como vida cristã em Casamento, 28-32; Retrat., 2.1.1.
120 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
15Agostinho, Reirat., 1.23.1 (Reasoner, Full circle, p. 71, observando na p. 70-1 que essa era
uma questão de controvérsia, não de exegese).
16Jerônimo, Horn. Sl., 41, sobre Rm 7.23 (tradução para o inglês de Bray, Romans, p. 197).
Para Cesário (Sermões 177.4 [Bray, Romans, p. 199]), o livramento do qual 7.24 fala ocorre na
ressurreição.
17Pageis, Paul, p. 32.
18Berceville; Son, “Exégèse”. Tomás de Aquino (Preleção 3, sobre Rm 7.14) mostra como
tanto a interpretação do Agostinho incipiente (Div. Q., 83) quanto a do Agostinho posterior (C.
jul., 2.3 .5 7 )־podem fazer sentido, embora ele prefira a do posterior (Levy; Krey; Ryan, Romans,
p. 163; cf. tb. p. 166-7, sobre 7.17). No pecador, o pecado habita tanto na carne quanto na mente;
no justo, habita apenas na carne (Tomás de Aquino, Preleção 3, sobre Rm 7.24; p. 171).
1‘1Morris, Romans, p. 284.
20Moo, Romans, p. 444; Johnson, Romans, p. 2; Stuhlmacher, Romans, p. 114.Talbert (Romans,
p. 186) cita aqui Lutero, Preleção sobre Romanos (comentário sobre 7.7) e o comentário de Calvino
sobre Romanos.
21Moo, Romans, p. 444.
22Veja Krauter, “Rõmer 7”.
23Moo, Romans, p. 444. Para MacGorman (“Romans 7”, p. 35) a passagem é autobiográfica,
mas pré-cristã.
24Wesley, Commentary, p. 501-2.
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 121
se aplica até mesmo a vários estudiosos segundo os quais Paulo retrata a vida
cristã.32 Para todos, trata-se da vida debaixo da lei sem o Espírito.
Por que Paulo retrataria a vida debaixo da lei de modo tão negativo?
Para ele, a lei era boa (Rm 7.12,14,16,22),33 mas, embora pudesse instruir34 a
respeito da justiça (3.20; 5.13), uma vez que é abordada por esforço me-
ramente humano, não tinha condições de transformar a pessoa de modo a
torná-la justa.35 A lei testifica acerca da atividade do Deus salvador (3.21,31),
mas precisa ser abordada pela fé no Deus salvador, e não por obras (3.27; 8.2;
9.30-32). Como Hae-Kyung Chang destaca, enquanto Romanos 6 mostra “o
que Cristo pode fazer”, Romanos 7 mostra “o que a lei não pode fazer”.36 De
fato, a lei proporciona conhecimento do pecado e, portanto, maior responsa-
bilidade por ele.37
Experience, p. 93; Schoeps, Paul, p. 184; Goppelt, Judaism, p. 116, nota 7; Ridderbos, Paul: outline,
p. 129-30; Davies, “Free”, p .162 ;יManson, “Reading”, p. 159; MacGorman, “Romans 7”, p. 40-
1; Nickle, “Romans 7.7-25”, p. 185; Longenecker, Paul, p. 86-97; Deidun, Morality, p. 197-8;
Byrne, “Righteousness”, p. 565; Newman, “Once again”; Blank, “Mensch”; Ladd, Theology, p. 508;
Fee, Paul, Spirit, people o f God, p. 134-5; Wright, Romans, p. 95,131; Bony, “Lecture”; Talbert,
“Tracing”; Chang, “Life”.
32E.g., Toussaint, “Contrast”, p. 311-2; Dunn, Baptism, p. 146-7; Bruce, Apostle, p. 194;
Parker, “Split”.
33Com aplicação diferente, cf. o contraste entre a lei justa e a perversidade de Israel em 4Ed
9.32-33.
34Como a filosofia (com a qual pensadores judeus helenistas por vezes identificavam a lei),
a lei instrui, mas (à medida que permanece dependente da capacidade humana de cumpri-la)
não é capaz de transformar. Muitos filósofos consideravam que o verdadeiro conhecimento e as
crenças corretas transformavam; Paulo concorda na proporção em que a crença correta é Cristo;
ainda assim, o que transforma é Cristo como objeto dessa crença. Mestres judeus costumavam
apresentar a lei como um antídoto para o pecado, embora enfatizassem a obediência junto com o
conhecimento. Para Paulo, a lei só transforma quando é escrita no coração.
35A fraqueza da lei no tocante à justiça não era o código propriamente dito, mas, sim, a carne
(Rm 8.3); veja Sanday; Headlam, Romans, p. 186; Longenecker, Paul, p. 114-6; Keck, Paul, p.
128; cf. Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 8. Na opinião de Sanders (Law and people, p. 78) a
incapacidade de guardar a lei é peculiar a Rm 7 (cf., porém, 8.7; G1 3.21; alguns citam Jr 18.12;
Js 24.19; Is 64.7d); de qualquer modo, a justiça meramente humana é inadequada em Rm 3.20;
6.14; G12.16; 3.10,11,22; Fp 3.9. Paulo invariavelmente argumenta que a salvação é somente por
meio de Cristo (em conformidade com, e.g., Sanders, “Romans 7”).
36Chang, “Life”, p. 279.
37Para alguns rabinos, a lei também fazia isso; Smith, Parallels, p. 168, cita Mekilta de R.
Simão, 20.20. Quanto à ignorância como fator ocasionalmente atenuante de certo grau de culpa,
veja, e.g., Nm 15.22-31; 35.11,15; L.A.B., 22.6; Sl. Sal, 13.7; T. Rúb., 1.6;.Jos. Asen., 6.7/4; 13.11-
13; BGU, 5.65.164-5.67.170. De modo mais completo, veja as fontes em Keener, Acts, 2.1102-4.
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 123
Aqueles que argumentam que Paulo retrata a vida cristã (dele, ou de modo geral)
em Romanos 7.7-25 ou 7.14-25 enfatizam compreensivelmente os verbos no
tempo presente em 7.14-25.38Tratarei desse assunto em uma seção separada mais
adiante. Outros argumentos que apoiam esse ponto de vista podem ser tratados
mais concisamente aqui. Dunn observa que o tempo presente de 7.25b aparece
depois da exclamação triunfal de 7.25a,39 uma questão que seria mais relevante
se 7.25b não servisse de resumo conclusivo da seção anterior, como ocorre por
vezes em Paulo (e.g., IC o 14.39,40) e em fontes antigas em geral.40 Como se
observa com frequência, a exclamação triunfal é uma interjeição, e não parte da
argumentação;41 provavelmente responde a 7.24b. Alguns partidários da ideia de
que a passagem trata da vida cristã lançam mão, de modo plausível, da teologia
paulina que permite um “já” estar consumado no “ainda não”.42 No entanto, o fato
de o já/ainda não permitir essa abordagem não a torna obrigatória nesse caso.43
Alguns argumentam que a perspectiva de Paulo quanto ao incrédulo fica
mais evidente em Romanos 1.18—3.20 (embora o incrédulo tenha pensamen-
tos conflitantes em 2.15).44 A incapacidade de obedecer em 7.14-25, porém,
é bastante clara; nas palavras de Moo, “7.14-25 retrata não apenas uma luta
contra o pecado, mas uma derrota em relação ao pecado”.45 O personagem dessa
passagem só consegue fazer o mal e nenhum bem.46A diferença entre essa passa-
gem e 1.18-32 é a diferença entre alguém instruído pela lei e os gentios sem a lei.
A maioria dos estudiosos reconhece que o retrato que Paulo apresenta de
sua vida antes da conversão em outras passagens difere de sua descrição aqui
(G11.13,14; Fp 3.6). Esses outros contextos, porém, mostram a condição de Paulo
ou suas características externas observáveis.47 Aqui, de modo contrastante, se é
que Paulo fala de sua existência pré-cristã, ele fornece uma visão retrospectiva de
sua inadequação espiritual.48 As outras passagens referentes ao período anterior
à conversão são mais problemáticas para quem argumenta que, nesse caso, Paulo
retrata sua vida cristã do que para quem considera essa passagem uma referência a
sua vida pré-cristã ou a uma vida não cristã. Devemos, de fato, supor que Paulo dá
a entender que ele sucumbe mais ao pecado agora, depois de sua conversão (uma
ideia que acabaria com sua argumentação em Rm 6—8 e em G1 2.16-21)? Os
membros da seita de Qumran eram mais rigorosos que os fariseus, mesmo assim
“uma forte percepção de pecado pessoal coexistia com a convicção de que eram
justos (veja esp. 1QH, escrito com frequência na primeira pessoa do singular)”.49
H á quem argumente que Romanos 7.14-25 precisa se referir à vida cristã,
pois Romanos 5— 8 como um todo trata da vida cristã.50 Mas, como é comum
Paulo fazer digressões (e.g., IC o 9.1-27; 13.1-13), não seria de surpreender se
esse fosse o caso aqui.51 A ideia de Romanos 7.6b — servir na novidade do
Espírito — é retomada no capítulo 8.52 Ademais, um apelo ao contexto na ver-
dade aponta mais nitidamente para a direção oposta; de modo contextual, 7.7-25
é, sem dúvida, a vida debaixo da lei, e o contexto também apresenta contrastes
claros entre a vida cristã e a vida pré-cristã (veja 6.20,21; 7.5,6; cf. 5.12-21).
Aqueles que adotam o ponto de vista da pós-conversão por vezes também
recorrem à referência ao “ser interior” do interlocutor em 7.22,53 mas os ouvintes
da Antiguidade não imaginariam que apenas os cristãos têm um “ser interior”.54
62Como se observa com frequência, Paulo usa o termo “carne” de várias maneiras (e.g., para a
existência física em G12.20); o contexto do uso do termo em Romanos, porém, mostra que não se
trata da descrição de uma experiência cristã. Ainda assim, até mesmo no modo mais severo de se
expressar em 1C0 3.1, é possível que Paulo hesite em aplicar σάρκινος aos crentes, precedendo-o
de ώς e, em 3.3, preferindo o termo potencialmente mais fraco σαρκικός.
63O contraste também se aplica a 1 C 0 6.19 e G1 2.20 (já reconhecido por Orígenes; veja
Stowers, Rereading, ρ. 266-7).
64Jewett, Romans, ρ. 472.
A MENTE DA C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 1 27
professos de Cristo buscam uma condição favorável diante de Deus com base
em seus esforços ou por quaisquer outros meios além de Cristo, princípios
análogos são aplicáveis.6s
Se Paulo não se refere a sua própria vida presente, então por que emprega o
tempo verbal presente em Romanos 7 .1 4 2 5 ?־Embora a maioria dos estúdio-
sos concorde, com base no contexto, que Paulo não pode estar retratando sua
situação atual, há diversas explicações para o uso do tempo presente nessa seção.
Ernst Kásemann propõe que esses verbos apresentam os resultados de 7.7b-11
“em sua amplitude cósmica”,como em 1.18—3.20; 5.12-21.6566Peter Stuhlmacher
cita a tradição judaica de arrependimento para propor que a experiência passada
é narrada no tempo presente porque permanece “real no presente”.67
Há quem compare o uso que Paulo faz do tempo verbal presente na des-
crição de suas atividades passadas em Filipenses 3.3-6 com o uso que faz do
presente aqui; no entanto, os versículos mais relevantes para comparação, 3.5,6,68
empregam apenas o particípio (um presente e outro aoristo). Alguns mencio-
nam em Romanos 7 a ausência de uma transição temporal clara no contexto,
observam os marcadores temporais fracos no texto em si e argumentam que os
verbos no presente têm ação verbal imperfectiva; propõem que Paulo apenas
muda “de sua narração da vida debaixo da lei em 7.7-12 para uma descrição de
condição ou estado” aqui.69
Quaisquer que sejam os outros fatores envolvidos, os estudiosos que propõem
que Paulo muda para a forma presente com o objetivo de aumentar a intensidade
65Cf. M itton,“Romans 7”, p. 134; Hunter, Romans, p. 74; Cairá, Age, p. 119; cf. Stewart, Man
in Christ, p. 99ss., a respeito de qualquer um que “descarta Cristo”. Essa aplicação não é derivada,
porém, dos tempos verbais presentes, visto que Rm 7.14-25 obviamente não é a condição de Paulo
ao escrever.
66Kásemann, Romans, p. 199.
67Stuhlmacher, Romans, p. 112,115. Talvez ele se refira ao uso do tempo presente em con-
fissões judaicas.
68Gundry, “Frustration”, p. 228-9, que se baseia nos verbos no tempo presente em Fp 3.3,4
para identificar o tempo verbal implícito em 3.5,6; cf. Das, Debate, p. 213.
69Das, Debate, p. 213, quanto ao aspecto imperfectivo que intensifica o foco de atenção sobre
um acontecimento, seguindo Porter, Idioms, p. 30-1; Seifrid, “Subject”, p. 321-2; veja tb. aqui
Seifrid,Justification, p. 230,234. Atualmente, gramáticos discutem até que ponto tempos verbais
indicativos marcam não apenas aspecto, mas também tempo (ainda que apenas de modo geral,
pois todos que definem que eles costumam ter uma função temporal também admitem exceções).
128 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
verbos não estejam no tempo presente histórico (que, em geral, não são consis-
tentes ao longo de toda a narrativa, em contraste com a consistência evidente em
Romanos 7.14-25), verbos no presente histórico em narrativas podem fornecer
uma analogia à medida que tornam as cenas mais vividas.80 Se o tempo presente
no grego serve mais para dar uma perspectiva interna, em vez de externa, o
aspecto desses verbos é mais relevante que o conceito tradicional de seu tempo.81
Podemos acrescentar a observação de que na própria Epístola aos Romanos,
Paulo usa formas verbais no tempo presente para acusar de vários crimes graves
alguém que afirma cumprir a lei (Rm 2.21-23). Essa passagem traz hipérbole,
caricatura e vividez, como é o caso aqui, embora sua repetição seja mais escassa,
e a passagem, mais concisa. De modo semelhante, Paulo passa de uma referência
ao pecado de Israel no tempo aoristo (3.3; cf. 3.7,23) para uma recitação de tex-
tos que condenam o comportamento pecaminoso usando, em sua maior parte, o
tempo presente quando no modo indicativo (3.10-18).82
80Quanto a tempos presentes históricos, veja Aune, Dictionary of rhetoric, ρ. 215 (que observa
que Marcos usa esses tempos verbais mais de 150 vezes). Eles também ocorrem em narrativas
latinas, e.g., com frequência em César, G.C.,e.g., G.C., 1.22,25,33,41,59; 2.21,25,26,30; e oca-
sionalmente em Cícero (ele insere casualmente um tempo presente em Quíncio, 4.14, embora a
narratio seja, em sua maior parte, no tempo passado; tb. em 5.20). Cf. possivelmente tb. Filóstrato,
V.Apol., 8.1-2.
81Quanto a essa abordagem ao aspecto verbal, veja de modo introdutório Campbell, Advances,
p. 106-9, c a proposta de Das (veja nota 69) a respeito do uso imperfectivo do tempo presente.
82O aoristo indicativo ocorre em Rm 3.12a,17, e o imperfeito ocorre em 3.13. O presente
indicativo ocorre em 3.10,11,12b,14,18.
83Conforme observado por Moo (Romans, p. 425).
84Moo, Romans, p. 427.
130 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
Autobiográfico?
Sem dúvida, Paulo usa o “eu” como exemplo, ou mesmo de forma genérica em
algumas ocasiões (estudiosos citam, e.g., lC o 8.13; 10.29b,30; G1 2.18-21);99
92Judge.,Jerusalem, p. 60.
93E.g., a leitura com foco mais existencial de Bultmann, Old and new man, p. 16; Bultmann,
Theology, 1:266.
94Robinson, Wrestling, p. 82; Moo, Romans, p. 431; Watson, Gentiles, p. 290; Dunn, Romans,
1.382; Hultgren, Romans, p. 681-91. Quanto a uma experiência parcial de Paulo, mas especial-
mente referente a Israel debaixo da lei, veja Moo, “Israel and Paul”.
95Jewett, Romans, p. 444-5.
96E.g., Musônio 9, p. 74.13-19.
97Talbert, Romans, p. 201 (que observa que Paulo também se identifica com seu povo em
Rm 9.3).
98Campbell, Deliverance, p. 141; cf. Nock, Paul, p. 68-9; Hunter, Romans, p. 71; Prat, Theology,
p. 227ss.; Ridderbos, Paul: outline, p. 129-30; Achtemeier, Romans, p. 124; Byrne, Romans, p. 217.
Retoricamente, quer o “eu” se refira a Paulo quer não, convida o público a identificar-se com ele
(Keck, “Pathos”, p. 90).
99Byrne, Romans, p. 217; Wright,Justification, p. 120; Wright, Faithfulness, p. 508; Morris,
Romans, p. 277 (embora Morris aplique Rm 7.13-25 aos crentes, p. 287); quanto à identificação
132 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
por vezes, o “eu”genérico ocorre em trechos mais longos (lC o 13.1-3,9-12), em-
bora raramente tão extensos como parece ser o caso aqui.100 Na própria Epístola
aos Romanos, Paulo talvez use o “nós” de modo geral (como em 6.1) e o “eu”
de maneira genérica (como em 3.7),101 embora algumas possíveis ocorrências
reflitam o diálogo de Paulo com um interlocutor imaginário.102 Nos tempos an-
tigos, os ouvintes eram capazes de reconhecer essas formas de uso. Orações em
alguns salmos bíblicos (e.g., SI 118.5-14) e em alguns hinos de Qumran (como
1QS 10.6— 11.17) empregam a primeira pessoa de forma genérica, pelo menos
quando as orações foram reutilizadas por algumas comunidades litúrgicas. Israel
fala como “eu” em alguns salmos e em outros textos bíblicos (e.g., Ex 15.1,2;
17.3 [heb.]; SI 129.1-3; Is 12.1,2; cf. Egito no texto hebraico de Êx 14.25).
Alguns destacam que Epíteto pode falar assumindo o papel do cínico ideal,
uso que confere dramaticidade a sua argumentação.103 Essa prática não é limi-
tada a Epíteto. Sêneca declara: “Quando digo que ‘eu’ não faço coisa alguma
por prazer, refiro-me ao homem sábio ideal”.104 De modo semelhante, Sêneca
emprega o “eu” hipoteticamente quando afirma: “Vivo em conformidade com a
Natureza quando me rendo inteiramente a ela”.105
Intérpretes do tempo de Orígenes já propunham que Paulo falava em
nome de outra pessoa aqui, usando o que costuma ser chamado prosõpopoüa
(ττροσωττοττοι'ί'α).106 Outros leitores instruídos em retórica como Rufino e
de Paulo com seus ouvintes gentios em G1 3.14, cf. Gager, Antisemitism, p. 222. Longenecker
(“Hope”, p. 22) enfatiza que, já em 1928, Kümmel mostrou esse aspecto em Paulo e na literatura
antiga. Alguns intérpretes argumentam de modo contrário ao observar que, por vezes, Paulo não
usa o “eu” de modo autobiográfico (Gundry, “Frustration”, p. 229, citando Fp 3.4-6).
100C f 2C0 12.2-4, que costuma ser considerada a abordagem oposta, ou seja, em que Paulo
se retrata como outra pessoa (veja, e.g., Lincoln, Paradise, p. 75; Bultmann, Corinthians, p. 220;
Furnish, Corinthians, p. 524, 544-5; Martin, Corinthians, p. 398; Lyons, Autobiography, p. 69;
Danker, Corinthians, p. 188; Thrall, Corinthians, p. 778-82; Matera, Corinthians, p. 278).
'101Schlatter, Romans, p. 160, observa que “eu” é mais adequado aqui porque Paulo retrata “a
vida interior do indivíduo”. O “nós” em Rm 3.5 se torna “eu” em 3.7, provavelmente falando em
nome de Israel de modo mais geral. No contexto que antecede 7.7-25, Paulo com frequência
usa a primeira pessoa do plural (e.g., 4.16,24,25; 5.1,5,6,8,11,21; 6.4,6,23; 7.4-6), incluindo a si
mesmo, mas fala de modo mais genérico.
102Há quem explique o “eu” como estilo de diatribe (e.g., Enslin, Ethics, 13; Johnson, Romans,
p. 115), embora algumas características desse estilo sejam controversas hoje.
103E.g.,Talbert, Romans, p. 186; Johnson, Romans, p. 115, citando Epíteto, Diatr., 3.22.10.
104Sêneca J., Diálogos, 7.11.1 (tradução para o inglês de Basore, LCL, 2.125); fica claro que
ele não se refere literalmente a si mesmo (7.18.1).
105Sêneca J., Diálogos, 8.5.8 (tradução para o inglês de Basore, LCL, 2.195).
106Stowers, Rereading, p. 266-7; Stowers, “Self-mastery”, p. 537; Reasoner, Full circle, p. 69,
84; Talbert, Romans, p. 187. Orígenes talvez se refira a uma pessoa convencida de seu erro (cf.
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 133
Rcasoner, Full circle, p. 69). De acordo com o contra-argumento de Anderson (Rhetorical theory, p.
204-5), Orígencs propõe essa abordagem apenas de modo experimental.
'07Stowers, Rereading, p. 268.
108E.g., Stowers, Rereading, p. 16-7, 264; Édart, “Nécessité”; Tobin, Rhetoric, p. 10, 226-7;
Talbert, Romans, p. 187; deSilva, Introduction, p. 620; Bryan, Preface, p. 139-40; Aletti, “Rm 7.7-
25”; Aletti, “Romans 7,7-25"; Witherington, Romans, p. 179-80; Keck, Romans, p. 180; Keck,
“Pathos”, p. 85; Jewett, Romans, p. 443; Kruse, Romans, p. 298,305; Rodriguez, Callyourself, p. 134.
’0,A retórica posterior faz distinção entre êthopoeia (ηθοποιία), quando alguém fala como
se fosse outra pessoa, como é o caso aqui, e prosõpopoiia, quando objetos inanimados falam
(Hermógenes, Progymn., 9, “Da etopeia”, 20); Demétrio Eloc. 5.265 parece incluir ambos em
prosõpopoiia. Outros faziam distinção entre os termos de forma diferente (Aftônio Progymn. 11,
“Da etopeia”, 44-45S, 34R; Nicolau Progymn. 10, “Da etopeia”, 64-65).
110E.g., Proclo, Poet., 6.2, K198.29-30 (dirigindo-se a Platão);Tzounakas, “Peroration”.
" 1Conforme observado em Demétrio, Eloc., 5.266.
" 2Demétrio, Eloc., 5.265.
113Stowers, Rereading, p. 17.
114Stowers, Rereading, p. 18, que cita o mestre retórico do primeiro século Quintiliano, Inst.
or., 1.8.3.
" 5Anderson, Rhetorical theory, p. 204-5. Aune (Dictionary o f rhetoric, p. 383, que segue
Anderson, Rhetorical theory, p. 232) propõe que Paulo usa, em vez disso, seu exemplo pessoal.
Tendo em vista a irregularidade no uso da cronologia, porém, Hock (“Education”, p. 211) se per-
gunta se os antigos ainda veriam o personagem apresentado por Paulo como prosõpopoiia. Jewett
{Romans, p. 444) cita para o personagem uma história do passado de Epíteto usada para ilustrar
e corroborar sua argumentação em Epíteto, Diatr., 1.18.15-16; 1.29.21; não se trata, porém, de
verdadeira prosõpopoiia, nem mesmo conforme a definição de Jewett na p. 443.
116Tobin, Rhetoric, p. 227, que cita Quintiliano, Inst, or., 9.2.36-37.
134 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
essa passagem e uma prosõpopoiia não seja inteiramente precisa, ela fornece uma
analogia que nos ajuda a entender como os ouvintes em tempos antigos talvez
tenham ouvido uma mudança repentina de voz narrativa. Uma vez que essa
passagem retrata explicitamente o conflito debaixo da lei, e o contexto mostra
de modo igualmente claro que para Paulo os cristãos não viviam debaixo da lei
nesse sentido, a busca de analogias permanece bastante proveitosa.
Adão ?
Caso Paulo esteja falando com a voz de outra pessoa, de quem seria? Alguns
estudiosos propõem que ele fala em sua própria voz anterior, evocando seu pró-
prio passado debaixo da lei, o que talvez explique, pelo menos em parte, por que
emprega a primeira pessoa do singular.117 Além dessa ligação proposta, porém,
que outras possibilidades retóricas existem?
Se Paulo fala de modo genérico, não seria de surpreender se estivesse se
pronunciando em nome da humanidade como um todo. Um grupo expressivo
encontra no “eu” outra referência a Adão (com base na referência explícita de
Paulo em Rm 5.12-21).118 Até mesmo alguns comentaristas patrísticos fize-
ram ligações entre essas figuras.119 Seguem alguns argumentos que corroboram
esse posicionamento:120
1. “Vivo sem a lei” talvez traga à mente a dádiva da vida a Adão (Gn
2.7-15).
2. Deus “dá ordens” a Adão acerca das árvores, sendo uma delas a árvore da
vida (Gn 2.16,17); aqui, o “mandamento” é “para a vida”.
3. O pecado leva à morte (Rm 7.9; G n 3.1121.(5־
4. O pecado me “enganou” (Rm 7.11; G n 3.13).
5. A serpente usa o mandamento para produzir desejo (Rm 7.8); a árvore
é desejável (Gn 3.6) ou, segundo algumas tradições, provoca desperta-
mento sexual (Gn 3.7).
6. O resultado é morte (mortalidade, em G n 3.19,22-24; 5.5).
7. Adão (ou Adão com Eva) fornece uma voz em primeira pessoa do sin-
guiar mais adequada que um israelita depois do Sinai, tendo em vista o
uso coletivo e tipológico que Paulo faz de Adão.
reconhece a alusão ao Sinai em Rm 7.9 (p. 282). Tendo em vista a ênfase sobre o conhecimento
em Rm 7, a possível relação proposta por Watson entre a Torá e a árvore do conhecimento do bem
e do mal (Gentiles, p. 285) é mais atraente, considerando-se que a tradição judaica identifica a Torá
com a árvore da vida ('Abot, 6.7; Sipre D t., 47.3.2; Tg. Neof., 1, sobre Gn 3.24). Alguns comparam
a advertência para não cobiçar (7.7) com o convite da serpente para tornar-se semelhante a Deus
(Gn 3.5,6; Talbert, Romans, p. 187).
121Para alguns comentaristas patrísticos, o Pecado é personificado aqui como o Diabo (em
Bray, Romans, p. 186: Dídimo, o Cego, comentário sobre Rm 7.11 [PGK, 15.3]; Ambrosiastro,
Com., sobre Rm 7.11 [CSEL, 81.229]). Algumas tradições judaicas também associavam a serpen-
te ao Diabo (cf. Sb 2.24; 3 Br 9.7; cf. Ap 12.9; Atos deJoão 94; o Diabo usou a serpente em Apoc.
M w.,16.1,5).
122Ao notarem os dois yods em Gn 2.7, alguns rabinos propuseram que Deus criou Adão com
dois impulsos (b. Ber. 61a; Tg. de Ps.-J., sobre Gn 2.7), embora outros tenham apresentado uma
opinião diferente; anteriormente, é provável que 4Q422 1.9-12 associe uma propensão maligna a
Adão (embora possivelmente, como em Gn 6, à geração de Noé; cf. 4Q422,1.12—2.8). Cf. a ideia
de que a serpente infundiu a lascívia na humanidade quando dormiu com Eva (b. Yebam., 103b).
123Baudry (“Péché”) distingue ênfases sobre Adão, Satanás ou o impulso maligno como ori-
gem do pecado em fontes judaicas primitivas.
124E.g., Moo, Romans, p. 428-9, 437; Schreiner, Romans, p. 360-1; Jewett, Romans, p. 447,
451-2; Das, Debate, p. 216.
136 Λ M EN TE D O E S P ÍR IT O
Adão talvez faça parte do contexto por sua associação com o pecado e a morte
(5.12-21), mas a argumentação em favor da ideia de que Paulo fala aqui com a
voz de Adão não é convincente.
Israel
Uma proposta mais plausível, porém enfatizada com menos frequência, é de que
Paulo traz à baila Israel. Paulo identificou Israel especificamente como povo
debaixo da lei (Rm 3.19,20; cf. 2.12,20,23,25; 7.1-6; 9.4,31).132 Como o perso-
nagem em Romanos 7.9-25, Israel não conseguiu obter justiça por meio da lei,
pois a buscou por obras, e não por fé (9.30-32). De acordo com a maioria dos
intérpretes, 0 contexto deixa claro que Romanos 7.7-25 retrata a vida debaixo
da lei; como nesse caso, em partes anteriores de Romanos a lei conscientiza as
pessoas do pecado e até o multiplica (5.14,20).133Também é plausível que Paulo
se identifique com seu povo nessa narrativa (cf. sua afirmação em 11.1); ele se
torna alguém debaixo da lei para aqueles que estão debaixo da lei (IC o 9.20)
e, em outro texto, muda de “nós, judeus” (G1 2.15-17) para “eu”, embora como
alguém que encontra Cristo (2.18-21).134
Outros fatores talvez corroborem essa identificação. Primeiro, o interlocutor
judeu que apareceu anteriormente em Romanos falou em nome de Israel.135
Segundo, o contraste aqui entre saber e fazer é semelhante ao do hipócrita de
132Moo, “Israel and Paul”; Moo, Romans, p. 430-1; Karlberg, “History”; Bryan, Preface, p.
1405 ;־Napier, “Analysis”; Kruse, Romans, p. 299,305,319-20. Moo (Romans, p. 426) cita outros
exemplos de estudiosos que têm esse mesmo ponto de vista, como Crisóstomo; Hugo Grotius;
E. Stauffer; N. T. Wright; Ridderbos; e P. Benoit. Tendo em vista a ênfase sobre a lei, Talbert
(Romans, p. 196) conclui que o indivíduo em questão aqui é judeu, e não gentio; cf. Gorman,
Apostle, p. 373: “a condição humana (e especialmente judaica) frustrada e separada de Cristo”. Em
1981, antes de ter conhecimento de diversos comentários sobre Romanos, concluí que não era
possível Rm 7.14-25 refletir a humanidade adâmica de modo geral (1.18-32; 5.12-21), mas que
podia refletir a humanidade adâmica debaixo da lei (2.12-29; cf. Rm 9— 11). Schreiner, Romans,
p. 362-3, apresenta uma objeção plausível a Israel aqui, mas talvez leve a analogia longe demais.
135Talbert, Romans, p. 188 (também propondo que o menino judeu que recebe a Torá talvez
recapitule o Sinai); cf. Schreiner, Romans, p. 343. A ideia era inteligível em um contexto antigo;
estudiosos (Haacker, Theology, p. 126-7; Talbert, Romans, p. 189) citam textos a respeito da lei que
enfatizam vícios e os tornam mais tentadores (Cícero, Túlio, 9; Ovídio, Amores, 2.19.3; 3.4.9,11,
17,25, 31; Metam., 3.566; Sêneca J., Ciem., 1.23.1; Públio, N 17; Tácito, Ann., 13.12.2; 13.13.1;
cf. 4Mc 1.33-34; V.A.E., 19).
134Se G1 2.15-21 reflete ou desenvolve as palavras de Paulo a Pedro em 2.14 (“tu, sendo
judeu”), então “nós”judeus inclui todos os membros do Israel étnico, crentes ou incrédulos. A dife-
rença em Rm 7.15-25 continuaria a ser o uso do tempo presente para retratar a vida debaixo da lei.
í3sCf. Rm 3.7; 4.1. Portanto, Paulo afirma em 8.2: “te [singular] livrou”.
138 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
lTs 4.4),139 uma perspectiva comum entre os judeus.140 Mas, além do fato de que
Paulo talvez não concordasse, necessariamente, com seus contemporâneos, aqui
ele não cita nem a idolatria nem de modo específico o pecado sexual, aquilo que
os judeus com frequência consideravam depravações mais distintamente gen-
tílicas (como Romanos 1.23-26 provavelmente pressupõe). Em vez disso, aqui
Paulo fala da cobiça, que também era um pecado judaico especificado na lei (que
ele cita em 7.7; uma proibição que os gentios não possuíam, a menos que estivesse
presente de forma inata na lei natural de 2.14,15). Paulo aplica επιθυμέω e
seus cognatos aos israelitas em lCoríntios 10.6; os termos supostamente incluem
comportamentos judaicos em Romanos 6.12; 13.9 e Gálatas 5.16,17,24.141
Além do mais, os judeus não acreditavam que somente os gentios tinham pai-
xões; como observado, os judeus também diziam que aTorá os ajudava a combater
as paixões. Em Romanos 2.17,20,23, e mais claramente em Romanos 3.19 e 7.1-4;
9.4,31, aqueles que estão debaixo da lei são judeus, bem como em lCoríntios 9.20
(veja tb. o uso que Paulo faz de “circuncisão” versus “incircuncisão”). Em Romanos,
é provável que Paulo não esteja se dirigindo a gentios sob pressão para serem
circuncidados, como em Gálatas; nem sua menção a “vocês, gentios” (Rm 1.13;
11.13) significa que todos os membros eram gentios (cf. 16.3,7,11).
Não negamos com isso, porém, que a descrição paulina da vida debaixo da
lei pudesse servir de advertência para os crentes em Roma, muitos (ou a maio-
ria) dos quais eram gentios (Rm 1.5,13; 11.13), mas que provavelmente ouviram
falar de Jesus por intermédio de crentes judeus. Claro que a experiência de Israel
debaixo da lei é a experiência humana debaixo da lei,142 e a luta para observar
a lei talvez seja ainda maior para prosélitos que não cresceram guardando os
mandamentos por hábito ou em função de sua cultura. A mente corrompida de
1.18-32 é a mente pagã; para Paulo, a mente mais instruída, porém impotente,
é a mente de todos debaixo da lei sem Cristo. No entanto, Paulo continua a
ilustrar que todos — quer gentios, quer judeus, tanto aqueles que estão debaixo
da Torá (como aqui) quanto aqueles que têm apenas a lei natural mais geral —
sem Cristo, estão debaixo do pecado (2.11-16; 3.9,19,20).
14·,Não atribuo menos valor às várias questões omitidas aqui; antes, reservo-as para um co-
mentário mais completo de Romanos, ou encaminho os leitores para meu comentário breve sobre
Romanos (Keener, Romans).
144O u seja, atua como qualquer lei civil faria; para Paulo o problema não é a lei, mas, sim,
o coração humano (Rm 7.14). Idealmente, porém, as coisas mudam de figura se Deus escreve a
lei no coração (D t 30.6), como seria o caso na nova aliança (Jr 31.33; Ez 36.25-27; 2C0 3.3,6).
Para Paulo, isso só acontece por meio de ação divina, por intermédio do Espírito (Rm 8.2; 2C0
3.3,6,8,17,18).
145Veja p. 87,90,139; discussão mais completa, p. 142-4,154-7.
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 141
na verdade, a lei suscita paixões pecaminosas, talvez ao voltar a atenção para elas
e, desse modo, revelar a vulnerabilidade da mera razão quanto às tentativas de
repeli-las. Em 7.6, Paulo observa que aqueles que estão libertos da lei não ser-
vem mais conforme o caráter obsoleto da letra; esse livramento remete ao fato
de que a velha vida em Adão foi crucificada e aqueles que se uniram a Cristo
foram libertos da escravidão ao pecado (6.6). Ademais, aqueles que foram liber-
tos da lei servem na novidade do Espírito (7.6),146 uma descrição que remete ao
início da nova vida em Cristo (6.4) e antecipa o tema da renovação da mente
(12.2), bem como a discussão sobre o Espírito libertador em 8.2-16,23,26,27.
O personagem em Romanos 7.7-25 está claramente debaixo da lei (7.7-
9,14,23,25). Esse personagem está na carne (7.14,18,25), de modo semelhante à
condição passada descrita por Paulo em 7.5 (“quando estávamos na carne”; con-
trastar com 8.9). O pecado opera em seus membros (7.23), também como em
7.5. Esse personagem é escravo do pecado (7.14), em contraste com aquele que
se tornou escravo de Deus e foi liberto do pecado (6.18,20,22) e em contraste
com a nova vida descrita em 7.6. Chama a atenção a ausência da capacitação
do Espírito que caracteriza a nova vida (7.6) na descrição de Paulo até 8 .2 1 6 ־.
Como observamos anteriormente, fica evidente com base no contexto que
Romanos 7.7-25 retrata a vida debaixo da lei, a velha vida de 7.5; a nova vida
no Espírito em 7.6 é detalhada no capítulo 8. Por vezes, autores da Antiguidade
faziam um breve esboço dos assuntos sobre os quais estavam prestes a tratar;147
concordo com muitos comentaristas que é isso que Paulo faz em 7.5,6.148
Portanto, em oposição aos que afirmam que Paulo não pode estar descrevendo
um personagem diferente de sua vida atual, pois, conforme argumentam, ele
não apresenta esse personagem de forma distinta, podemos observar que, na
verdade, ele o faz.
Tendo em vista as controvérsias acerca da interpretação de Romanos 7,
foi necessário fazer um levantamento de questões introdutórias antes de nos
146Na opinião de alguns, liberdade implicava responsabilidade civil (cf. a contribuição dessa
ideia para Estácio, Silvae, 1.6 em Chinn , “Libertas”).
1,7Veja, e.g., Górgias, Helena, 6 2 0 ,8( ־com 6-19); Plínio V.,Nat., 33.21.66 (com 33.21.67-
78); Jo 16.8-11; Plínio J., Ep., 6.29.1-2; D. Crisóst., Discursos, 38.8; Tácito, Ann., 16.21 (com
16.21-32); Dídimo, 2.7.5a, p. 10.6-7 (com p. 10.7-15); Gaio, Inst, 1.9-12; Menandro R., 2.1-2,
375.7-8; 2.1-2, 385.8 (com 385.9—386.10); Apuleio, Apol., 27 (com 29-65), 61, 67; Porfírio,
Marcela, 24.376-84. Cf. Anderson, Glossary, p. 32-3; Rowe, “Style”, p. 134.
148Em concordância com, e.g., Seifrid, Justification, p. 232; Stowers, Rereading, p. 270;
Stuhlmacher, Romans, p. 115; Osborne, Romans, p. 173; Barclay, Gift, p. 502, nota 14; cf. Harrison;
Hagner, “Romans”, p. 116.
142 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
voltarmos para o elemento central deste capítulo. Agora, porém, trato da ques-
tão da mente e das paixões, levantada também por Romanos 1.
14,Páginas 76-80.
150Páginas 55-87.
lslE.g., 4Mc 3.11; T Dã, 4.5; T. Aser, 3.2; 6.5; também Eo 18.30-32 (cf. 6.2,4); o desejo é
considerado a origem de todo pecado em Apoc. Mois., 19.3; os desejos sexuais podem ser peri-
gosos conforme T.Judá, 13.2; T.José, 3.10; 7.8; T. Rúb., 4.9; 5.6. Filo repreende com severidade
os “amantes do prazer” em Criação, 157-59; Interp. aleg., 3.161; Sacrifícios, 32; cf. “prazer” sexual
em T. Iss., 3.5. T. Rúb., 2.8 sustenta o posicionamento bíblico de que o desejo por relações sexuais
é bom, mas adverte que pode levar ao amor pelo prazer; Filo (Criação 152) se queixa de que a
mulher deu ao homem prazer sexual, introduzindo pecados. Os governantes devem evitar ser
distraídos pelo prazer (Car. Arts., 245), pois as pessoas são propensas ao prazer (277; cf. 108,222).
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 143
ouvir a voz divina.152 Como a maioria dos filósofos gentios,153 esses pensadores
judeus argumentavam que a chave para vencer as paixões era a razão.154
Para os pensadores judeus, o epitome dessa razão que vence as paixões se en-
contrava naT orá.155 H á fortes indícios de que a comunidade judaica em Roma
possuía um conhecimento bastante desenvolvido da Lei e de sua superioridade
em relação a outras coletâneas antigas de leis.156
Outros pensadores já haviam comparado lei e razão, embora com frequência
favorecessem a última para os sábios. Havia quem definisse a lei como razão
sobre a qual um Estado concordava.157 Alguns argumentavam que a filosofia
era melhor que a lei, pois ensinava o modo correto de viver de dentro para
fora.158 Para os estoicos, somente os sábios eram capazes de compreender a lei
verdadeira e obedecê-la.159 Muitos pensadores consideravam que os sábios ou
virtuosos não precisavam de lei alguma, visto que faziam o que era certo sem
lei.160 Alguns propunham que, se todas as pessoas fossem boas, a honra seria
152Filo, Imutável, 111. Ela [a voz divina] contrasta com a mente sagrada não corrompida por
aquilo que é vergonhoso (Imutável, 105). Filo acredita que o prazer é a serpente do jardim (e.g.,
Criação, 157-60,164; Interp. aleg., 2.71-74; Agricultura, 97).
153Veja discussão nas p. 78-80.
154E.g., 4Mc 1.1,9,29; 2.15,16,18,21,22; 3.17; 6.31,33; 7.4; 13.1,2,7; Filo, Criação, 81;
Interp. aleg., 3.156; veja tb. Tobin, Rhetoric, p. 231; Stowers, “Self-mastery”, p. 531-4; quanto a
4Macabeus, observar Krieger, “4. Makkabãerbuch”; Dijkhuizen, “Pain”; cf. Fuhrmann, “Mother”;
Dunson, “Reason”. Em contraste com o estoicismo ortodoxo, 4Mc 3.2-5 declara que a razão sub-
juga, e não elimina, as paixões. Cf. T. Rúb., 4.9; Josefo,Ant., 4.328-29. No cristianismo primitivo,
veja, e.g. (em Bray, Romans, p. 195), Pelágio, Com. Rom., sobre 7.22 (PCR, p. 104-5).
155Veja 4Mc 2.23; veja tb. Campbell, Deliverance, p. 564. Quanto à provisão, pela lei, de domínio
próprio sobre as paixões em Josefo e Filo, veja Stowers, “Self-mastery”, p. 532-4; também Rodriguez,
Callyourself, p. 129,155. Em princípio, boas leis deviam resultar em boas pessoas (Políbio, 4.47.3-4),
visto que a lei não é governada pelas paixões (Aristóteles, Política, 3.11.4,1287a).
156Veja Tobin, Rhetoric, p. 28-30. Roma era um dos centros antigos de publicação e distri-
buição de livros; veja White, “Bookshops”, p. 268,277 (embora Plínio mencione outros locais).
ií7Rhet. Alex., pref. 1420a.26-28; a concordância articula algo como um conceito de contrato
social.
158Crato, Ep., 5.
15’Dídirno, 2.7.111, p. 76.33-36; cf. 2.7.11d, p. 68.1-3, 6-8. Cf. Musônio, 2, p. 36.18-19,
segundo o qual todos têm a capacidade de desenvolver essa virtude, mesmo que tal potencial não
se realize.
160D. Crisóst, Discursos, 69.8-9; Luciano, Demónax, 59; Laércio, 2.68 (Arístipo); Porfírio,
Marcela, 27.424-25; cf. Max. Tiro, Or., 36.5 com referência a Diógenes; Ovídio, Metam. 1.89־
90, quanto ao mundo primevo. Aqueles que seguem a lei natural jamais cairão em erro (Cícero,
Deveres, 1.28.100); a lei inata torna supérfluas as outras leis (Max. Tiro, Or., 6.6; cf. Porfírio,
Marcela, 27.422-23; Filo,Abraão, 16); os virtuosos agem com sabedoria e, portanto, têm liberdade
de fazer o que desejam (Filo, Horn, virt., 59). Cf. tb. Aristóteles, Política, 3.8.2,1284a, que alguns
comparam com G1 5.23 (Bruce, “All things”, p. 90).
ו44 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
suficiente para estabelecer limites, sem leis escritas.161 Essas idéias se tornaram
comuns até mesmo fora do âmbito dos filósofos (cf. G1 5.23; lT m 1.9).162
Os pensadores judeus, lançando mão de uma autoridade textual mais con-
vincente para eles que as opiniões dos filósofos gentios, encontravam na Lei
de Moisés fundamentação explícita contra as paixões. O décimo mandamento,
“não cobiçarás” (ούκ επιθυμήσεις, LXX Êxodo 20.17 e Deuteronômio 5.21,
usando έπιθυμέω), trata especificamente de vencer as paixões.163 Citando esse
mesmo mandamento (Rm 7.7), Paulo argumenta que a lei jamais teve por obje-
tivo erradicar as paixões; somente Cristo liberta a pessoa do pecado.164
Os judeus não eram os únicos a reconhecer que era errado cobiçar algo que
pertencia a outra pessoa; alguns gentios também tinham essa percepção.165 A
linha que Paulo cita de modo específico aqui, porém, é judaica, explicitamente
“da lei”, a mesma lei que constitui o tema de seu contexto anterior (Rm 7.1-7a).
Nessa passagem, é provável que cobiça tenha um sentido geral e se refira a qual-
quer desejo inapropriado. De modo contrastante, alguns estudiosos propõem
172“A esposa de seu próximo” aparece em segundo lugar no hebraico, mas a LXX coloca esse
item no lugar de “a casa de seu próximo” ou “a família de seu próximo”.
173Davies, Paul, p. 21; Gundry, “Frustration”, p. 233.
174Veja, e.g.,AbotR. Nat., 16 A; b. Sanb., 45a; Rí. Rab., 6.4; talvez Nm. Rab., 10.10. O casa-
mento era uma boa defesa contra esse impulso (b. Qidd., 30b) e, diferentemente da tendência à
idolatria, a propensão à imoralidade sexual era a única que ainda tentava Israel (Cl. Rab., 7.8, §1).
Cf. o “espírito de relação sexual” que, embora saudável em si mesmo, tornava o indivíduo mais vul-
nerável aos pecados associados ao prazer (T. Rúb., 2.8), uma ideia coerente com a forma original
do estoicismo (veja Brennan, “Theory”, p. 61-2, nota 31).
175Veja, e.g., SipraA.M. pq., 13.194.2.11 (geral); Pesiq. RabKah., sup. 3.2 (impulsos suicidas).
Rosen-Zvi (“Ysr”) argumenta que somente oTalmude Babilônico associa o impulso maligno de
modo específico à imoralidade sexual.
m Ct. Rab., 2.4, §1; Tg. dePs.-J. sobre Êx 32.22; Davies, Paul, p. 30; Urbach, Sages, 1.482.
177Schreiner, Romans, p. 369-70; Jewett, Romans, p. 448,465; Das, Debate, p. 216.
178Hunter, Message, p. 86.0 fato de tratar do coração também convida à reflexão a respeito de
como ler os outros nove mandamentos (Kaiser, Preaching, p. 65-6; veja tb. o uso das exigências do
mandamento quanto ao coração em M t 5.21-28).Tanto Paulo (Rm 13.9) quanto, supostamente,
sua fonte, Jesus (Mc 12.29-31), consideram o amor a síntese da lei. Quanto ao décimo manda-
mento como síntese da lei em Filo, veja Knox, Jerusalem, p. 131.
179Filo Decálogo, 142. Quanto à cobiça como raiz de todo pecado, Dunn (Romans, 1.380)
cita Filo, Criação, 152; Decálogo, 142,150,153,173; Leis esp., 4.84-85; Apoc. Mois., 19.3; Tg 1.15.
Quanto à ênfase sobre o coração em outras partes da ética judaica antiga, veja, e.g., m. 'Abot, 2.9;
b. Ber., 13a; Tg. de Ps.-J., sobre Lv 6.2; Bonsirven, Judaism, p. 95; Montefiore; Loewe, Anthology,
p. 272-94; Pawlikowski, “Pharisees”.
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 147
D e s e jo il íc it o
180Ziesler, “Requirement”. Para alguns, talvez essa proposta seja excessivamente específica.
181Dunn, Romans, 1.379, que cita 4Mc 1.3,31,32; 2.1-6; 3.2,11,12,16; Filo,Interp. aleg., 3.15;
Posteridade, 26; Stowers, Rereading, ρ. 60 (cf. 47), que cita esp. Filo e 4Mc. Aplica-se até mesmo
ao desejo intenso por alimento de uma forma que produz murmuração contra a provisão de Deus
(1C0 10.6; na LXX, Nm 11.4; SI 105.13,14 [106.13,14,TP]).
182A maioria se opunha ao desejo excessivo, e não ao desejo propriamente dito (Deming,
Celibacy, p. 45, 69, nota 70, 128, notas 85 e 86); para os estoicos, alguns desejos ou interesses
podiam ser moralmente neutros e, portanto, aceitáveis desde que mantidos dentro dos limites
naturais.
182Como outros, ele era capaz até de usar επιθυμία de maneira positiva no contexto correto
(Fp 1.23; lTs 2.17).
184Veja lC o 7.9 (apesar de como alguns intérpretes entendem lTs 4.4,5). Em fontes judaicas
mais antigas, veja o comentário em Mueller, “Faces”.
185Veja Rm 14.2,3,6; 1C0 9.4; Cl 2.16; cf. o eco de uma bênção tradicional judaica em
lTm 4.3-5.
186Comparar com algumas abordagens rabínicas ao yêser. Kruse (Romans, ρ. 330) cita de
modo proveitoso G1 5.16-25 (observar esp. 5.17) em relação à mentalidade pecaminosa em Rm
8.5; G15.19-21 que ilustra o que a carne deseja, e 5.22,23, o que o Espírito deseja.
1 48 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
... vejo uma lei diferente nos membros [de meu corpo], guerreando contra a
lei em relação a minha mente e me fazendo prisioneiro pela lei em relação a
meus membros, a lei que provoca o pecado. [...] Quem me libertará do corpo
condenado [desse modo] à morte? [...] Portanto, no tocante à mente, estou
enfaticamente servindo à lei que vem de Deus, mas no tocante à carne, à lei em
seu papel de instigar o pecado (Rm 7.2325)־.
187Quanto aos fariseus como indivíduos particularmente meticulosos, veja Josefo, Vida, 191;
cf. G.J., 1.110; 2.162. Qualquer que seja a hipérbole didática de Paulo, seu padrão parece ainda
mais exigente.
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 1 49
196Veja, e.g., Públio, 214; Cícero, Quinto, 1.1.13.37-39; Luciano, Demónax, 51 (que cita
Demónax); Laércio, 8.1.23; as várias fontes citadas em Keener, Acts, 3.2308-9.
197Veja, e.g., Cícero, Filípicas, 8.5.16; Prov. com., 1.2; Plutarco, Raiva, Mor., 452F— 464D
(todo o ensaio), Crianças, 14, Mor., 10B; Laércio, 1.70.
198E.g., M t 5.21,22; ljo 3.15; cf. T. Gade, 1.9; 4.4; Sêneca J., Ben., 5.14.2; Davies; Allison
(Matthew, 1.509) citam Tg. de Ps.-J. e Tg. Onq., sobre Gn 9.6; Der. Er. Rab., 11.13.
199Cf. Demóstenes, Conon, 19; Eo 8.16; Ps.-Foc., 57-58; Did., 3.2; cf. Horácio, Epístolas,
I. 2.59-62; Boring; Berger; Colpe (Commentary, p. 57) citam Plutarco, Reg. ignor., 6, Mor.
200Catão (o Velho) 16 em Plutarco,D. rom.,Mor. 199A; Horácio ,Epístolas, 1.2.61-62; Sêneca
J. , Lucílio, 18.14 (que cita Epicuro de modo favorável); Filóstrato, C. Apol., 86.
201E.g., Sêneca J., Lucílio, 123.1-2; Diálogos, 3-5; Musônio, 3, p. 40.21; 16, p. 104.18 (que
enfatiza o autocontrole); Epíteto, Diatr., 1.15.1-5; 2.19.26; Dídimo, 2.7.10e, p. 62-63.15-16;
2.7.lis , p. 100.6-7; Marco Aur., 6.26.
202Procopé, “Epicureans”, p. 188-9. Para um exemplo de um epicurista que adverte contra a
raiva, veja, e.g., Filodemo, Crit., frag. 12; para exemplos de estoicos que favorecem sua erradicação,
veja Van Hoof, “Differences”.
203No conteúdo a seguir, expandi material de Keener, Matthew, p. 186; cf. tb. Keener, “Adultery”.
204Sorabji,Emotion, p. 11,273-80; sobre Epicuro, veja, e.g.,Max.Tiro, Or., 32.8. Para diversos
pontos de vista a respeito do autoestímulo, veja Sexto, Pirrônicas, 3.206; a masturbação aparece
sob uma óptica negativa já nas Confissões Negativas no texto egípcio L. dos mortos, Feitiço 125
(Wells, “Exodus”, p. 230).
205Veja, e.g., a condenação da escolha por Páris de uma vida erótica em Herác. (com), Prob.
bom.,28.4-5; Proclo, Poet., 6.1, K108.18-19.
206Sorabji, Emotion, p. 276, que cita Filo, Leis esp., 3.113; Musônio, frag. 12 Hense; Porfírio,
Marcela, 35; Ps.-Ocelo, Nat. univ., 4; várias fontes cristãs primitivas (Sorabji \Emotion, p. 276-7]
citam Agostinho, C. Jul., 4.14.69, para observar que Agostinho permite a relação sexual em prol
da saúde, bem como da procriação). Cf. tb. Deming, Celibacy, p. 94; Ward, “Musonius”, p. 284.
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 . 2 2 - 2 5 ) 151
207E.g., Epíteto, Diatr., 2.18.15-18; 3.2.8; 4.9.3; Marco Aur., 2.10; 3.2.2; 9.40; cf. Nock,
Christianity, p. 19; Sêneca J., Lucílio, 95.37; Dídimo, 2.7.10c, p. 60.14-19. Para diversos pontos de
vista entre os estoicos, veja Sorabji, Emotion, p. 281-2.
208Brennan, “Theory”, p. 61-2, nota 31; Sorabji, Emotion, p. 283; Deming, Celibacy, p. 128.
209Cf. Luz ,Matthew, 1.295, quanto à influência estoica no judaísmo helenístico. Luz cita Filo,
Criação, 152; Hom. virt., 159;Leisesp., 4.84; Decálogo, 142; V.A.E., 19; Rm 7.7; eT g 1.15.Também
faz um paralelo com o uso rabínico de yêser hara‘.
210E.g., Tácio, 1.4-6; Apuleio, Metam., 2.8; Filóstrato, Ep., 26 (57); Laércio, 6.2.46, 69;
Diógenes, Cartas, 35, a Sopolis; Artemidoro, Sonhos, 1.78.
211E.g., PGM, 4.400-405; 13.304; 32.1-19; 36.69-101,102-33,134-60,187-210,295-311,333-
60; 62.1-24; 101.1-53; encantamentos e fórmulas em Frankfurter, “Perils”; Jordan, “Spell” (P.Dulc,
inv. 230); Jordan, “Formulae” (P.Duk., inv. 729); Horsley, Documents, 1.33-34. Veja tb. Dunand,
Religion populaire, p. 125; Frankfurter, Religion in Egypt, p. 229-30; Graf; Johnston, “Magic”, p.
136, 139; Dickie, “Love-magic”; Yamauchi, “Aphrodisiacs”, p. 62-3. Em fontes escritas, veja, e.g.,
Euripides, Hipólito, 513-16; Teócrito, O feitiço (GBP., 26-39); Virgílio, Bucólicas, 8.80-84; Plínio
V., Nat., 27.35.57; 27.99.125; 28.4.19; 28.6.34; 28.80.261; 30.49.141; 32.50.139; Quintiliano,
Declamações, 385 intr.; Filóstrato, Her., 16.2; Apuleio, Metam., 3.16-18; T. José, 6.1-5; em comédias
teatrais,Tíbulo, 1.2.41-58; Luciano, D. cortesãs, 1 (Glícera e Tais), 281; 4 (Melita e Báquidetl), 286;
Luciano, Mentiroso, 14-15. Quanto à acusação contra Apuleio, veja Bradley, “Magic”; Nelson, “Note”.
2'2PGM, 36.291-94.
213PDM , 61.197-216 = PGM, 61.39-71; cf. Euripides, Hipólito, 513-16.
214Cf. Tácio, 4.3.1-2 no contexto; Caritão, Quereas, 2.2.8. Cf. o desejo ilícito por rapazes em
Cícero, Caril., 1.6.13. Em Valério, 2.1.5, os olhos adúlteros (cf. 2Pe 2.14) são aqueles que buscam
a relação sexual. O líder que controlava suas paixões no tocante a belas mulheres era considerado
honrado (Valério, 4.3.ext.l; Plutarco,/?/<?*., 21.5; Menandro R., 2.1-2,376.11-13).
215Caritão, Quereas, S.7.5-6; 8.8.8.
216Mulheres em Sêneca V., Controv., 2.7.6; um rapaz em Valério, 4.5.ext.l.
217Veja fontes em Keener, “Head coverings”; mais sobre coberturas para a cabeça em
Llewellyn-Jones, Tortoise.
152 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
218E.g., Jó 31.1,9; Eo 9.8; 23.5,6; 25.21; 41.21; Sn 8; 1QS 1.6-7; 4.10; CD, 2.16; 11QT
59.14; lQpHab, 5.7; Or. sib., 4.33-34; SI. Sa/. 4.4; T. Iss., 3.5; 4.4; T. Rúb., 4.1,11; 6.1-3; T. Judá,
17.1; m. Nid., 2.1; Abot R. Nat., 2 A; 2, §9 B; b. Ber., 20a; Yebam., 63b;y. flag., 2.2, §4; Gn. Rab.,
32.7; Pesiq. Rab Kah. Sup., 3.2; cf. Bonsirven,Judaism, p. 113; Schechter, Aspects, p. 225; Vermes,
Religion, p. 32-3; llan, Women, p. 127-8. O conhecimento da tradição judaica aparece em alguns
talismãs de amor (PGM, 36.301).
m T. Iss., 7.2; T. Rúb., 4.8; b. Nid., 13b, bar.; Sabb., 64ab; y. H al, 2.1; Lv. Rab., 23.12; Pesiq.
Rab., 24.2; veja Keener, Marries, ρ. 16-7.
220M t 5.28 (reconhecidamente hiperbólico); 2Pe 2.14; Justino, lApol., 15; Sexto, 233;
Tertuliano,Apol., 46.11-12; cf. Herm., 1.1.1; a lascívia leva ao adultério na Did., 3.3.
221Y. Ber., 9.1, §16.
222Y. Sanh., 10.5, §2. Diz-se que alguns tanaim consideravam errado um homem segurar
seu órgão genital enquanto urinava (b. Nid., 13a; Gn. Rab., 95 msv); quem manipulava o órgão
excessivamente merecia que ele fosse amputado (m. Nid., 2.1)
222E.g., b. Qidd., 81b; Lachs, Commentary, p. 96-7, que cita b. Ned, 13b; Yoma, 29a; Nm. Rab., 8.5.
22",Davies (Paul, p. 23) vai longe demais ao identificar a “carne” à qual Paulo se refere com o
impulso maligno proposto pelos rabinos; no entanto, o impulso maligno oferece uma analogia
para a abordagem do autor mais voltada para a Diáspora.
225Davies, Paul, p. 20, 25-7 (que cita Williams, Fall and sin, p. 150); Marcus, “Inclination”
(esp. sobre G1 5.16,17); Martin, Reconciliation, p. 60; Barth, Ephesians, 1.230 (sobre E f 2.3);
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 153
C o n c e it o s j u d a ic o s s o b r e o im p u l s o m a l ig n o
Fontes posteriores apresentam mais diversidade que fontes mais antigas. Não
havia consenso entre os rabinos posteriores a respeito de detalhes da operação
do yêser,227 e os conceitos se tornaram mais complexos ao longo do tempo por
meio de discussões a respeito de diversos temas e textos.228 Portanto, de acordo
com algumas fontes, esse impulso era necessário e podia ser controlado para o
bem, visando a procriação e fins semelhantes.229 Talvez em conformidade com
a visão judaica sectária mais antiga dos dois espíritos, um bom e um maligno,230
os rabinos desenvolveram a ideia de um yêser bom para opor-se ao maligno.231
Assim como a razão vence as paixões em muitas fontes helenísticas,232 seguir o
impulso bom derrota o impulso maligno.233
Stuhlmacher, Romans, p. 109; Shogren, “Wretched man”; também foi o que enfatizei no início dc
minha carreira como professor. Cf. tb. Marcus, “Inclination in James”, sobre Tg 1.14; 4.5.
226E.g., Urbach, Sages, 1.472, que prefere fontes judaicas helenísticas como 4Mc; Porter,
“Concept”.
227Alexander, “Ambiguity”. Observe a redação cuidadosamente editada sobre o impulso maligno
em Abot R. Nat., 16 A, conforme discutido por Schofer (“Redaction”); cf. a extensa coleção em b.
Sukkab 51b-52b; mais textos em Montefiore; Loewe.,Anthology, p. 295-314; Urbach, Sages, 1.471-83.
228Por exemplo, o impulso maligno priva o indivíduo do mundo presente e/ou futuro (m.
’Abot, 2.11; Lv. Rab., 29.7). Deus permanecia soberano sobre o impulso maligno (Gn. Rab.,
52.7), mas (segundo alguns autores) lamentou tê-lo criado (b. Sukkah, 52b; Gn. Rab., 27.4; cf.
tb. Schechter, Aspects, p. 284; quanto a sua criação, tb. Éx. Rab., 46.4). Ele se desenvolve dentro
da pessoa (b. Sukkah, 52ab). Anjos eram desprovidos desse impulso {Lv. Rab., 26.5); ele desejava
pessoas como Caim (Ct. Rab., 7.11, §1); Israel havia sido liberto da propensão à idolatria, mas
ainda precisava resistir à propensão à imoralidade sexual {Ct. Rab., 7.8, §1).
229Gn. Rab., 9.7; Ec. Rab., 3.11, §3; Kohler, Theology, p. 215; Davies, Paul, p. 22; cf y. Sukkah
5.2, §2; desejo sexual bom em T. Rúb. 2.8; Musônio, 14, p. 92.11-12; frag. 40, p. 136.18-19. É
necessário amar a Deus com ambos os impulsos {Sipre Dt., 32.3.1).
230E.g.,Jub., 1.20-21; 1QS, 4.17-26; 5.5; T. Judá, 20.1; Herm., 2.5.1; 2.6.2. Cf. o contraste
entre virtude e vício interiores em, e.g., Max. Tiro, Or., 34.4.
2ME.g., Sipre Dt., 32.3.1; b. Ber., 61b; Ec. Rab., 2.1, §1; talvez já T. Aser, 1.3-6. Estudiosos
costumam citar a doutrina dos dois impulsos (e.g., Ladd, Theology, p. 440). A ideia de um yêser
bom é posterior à ideia de um yêser maligno (Rosen-Zvi [“Inclinations”] chega a propor que o
yêser bom é meramente a própria pessoa).
232Veja p. 78-80.
2n T.Aser, 3.2; Abot R. Nat., 32 A; b. Ber., 60b; Ec. Rab., 4.14, §1. Quanto a boas obras para
154 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
opor-se ao impulso maligno, veja T. Ãser, 3.2; b. B. Metsia, 32b; quanto ao hábito para opor-se ao
pecado, cf. m. 'Abot, 4.2;y. Sanh. 10.1, §2; quanto à sabedoria para opor-se ao pecado, cf. lE n 5.8.
2341QS, 5.5; CD, 2.15-16 (o mesmo em 4Q266, frag. 2, col. 2.16; 4Q270, frag. 1, col. 1.1);
IQ H a, 13.8; 4Q417, frag. 2, col. 2.12; 4Q 422,1.12; 4Q436, frag. la+bi.10; cf. “a propensão da
carne” em 4Q416, frag. 1.16; 4Q418, frag. 2+2ac.8; também os dois espíritos em 1QS, 3.25— 4.1;
Seitz, “Spirits”; Price, “Light from Qumran”, p. 15ss.; Baudry, “Péché dans les écrits”.
2,5Eo 37.3; Jub., 35.9 (1 ־Q18, frags. 1-2.3; 4Q223-224, frag. 2, col. 1.49); L.Â.B., 33.3;
4Ed, 7.92 (cf. Thompson, Responsibility, p. 356); cf. Jub., 1.19; Eo 15.14,15,17; 21.11; 27.6; Filo,
Criação, 154-55; T. Rub., 2.8; Bonsirven ,Judaism, p. 103. Quanto aos dois espíritos, veja Jub.,
1.20-21; T. Levi, 19; T. Judd, 20.1-2; T. Gade, 4; T. Aser, 1.3-6; 3.2; 6.5 (com επιθυμία); T. Zeb.,
9.8; Herm., 2.5.1; 2.6.2; Bright, History, p. 450. Quanto a uma ideia semelhante (de dois espíritos
acompanhantes) em uma cultura tradicional, cf. Mbiti, Religions, p. 114.
236Sobre o contexto, cf. Hirsch, Genesis, p. 56-7. Rabinos posteriores advertiram, portanto, que
o yêser era tão maligno que até mesmo seu criador deu testemunho de seu grau de perversidade
em Gn 8.21 (Sipre Dt., 45.1.3).
237Davies, Paul, p. 340, cita uma fonte rabínica em que o impulso maligno governava todos os
248 membros do corpo. Essa ideia está presente (Abot R. Nat., 16 A; 16, §36 B; Pesiq. Rab Kah.
Sup., 3.2;y. Sabb., 14.3; Urbach, Sages, 1.473-4), embora seja menos difundida que a asserção mais
simples de que havia 248 ossos ou membros no corpo (t. Edu., 2.10; b. 'Erub., 54a; Gn. Rab., 69.1;
Tg. de Ps.-J. sobre Gn 1.27; Cohen, “Noahide commandments”). Ao que parece, houve discussão
entre os Tanaim e os rabinos posteriores quanto à localização específica do yêser no corpo em b.
Ber., 61a; a propensão boa protege o corpo da geena (Tg. Qoh-, sobre 9.15). Em Lv. Rab., 12.3, a
Torá é vida para todos os membros.
238Urbach, Sages, 1.472. Quanto à valorização do corpo pelos rabinos, cf., e.g., Kovelman,
“Perfection”; quanto a comentários sobre a corporificação, até mesmo em algumas fontes judaicas
da Diáspora, veja Mirguet, “Reflections”.
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 155
239Long, Philosophy, p. 184-9, esp. p. 188. Posteriormente, nos herméticos, os poderes divinos
sobrepujam as doze propensões malignas (Reitzenstein, Mystery-religions, p. 48-9).
240E.g., 4Mc 1.1,9.
241Veja SipraSh.M. d., 99.2.3 (que segue D t 10.16); Pesiq. RabKah.,2AA (que cita SI 4.5); Rt.
Rab., 8.1 (que cita SI 4.5); também a ordem a Caim em Tg. Neof., 1, sobre Gn 4.7; Tg. de Ps.-J.,
sobre G n 4.7. Era possível usar juramentos para superá-lo (Nm. Rab., 15.16; Rt. Rab., 6.4), mas
treiná-lo era difícil {Pesiq. Rab K ak, 23.7).
242Como Abraão (y. Ber., 9.5, §2; Sot. 5.5, §3; Gn. Rab., 59.7; Nm. Rab. 14.11); todos os três
patriarcas (b. B. Bat. 17a); Moisés, Davi e Esdras (Ct. Rab., 4.4, §2; outros discutiam Davi [b. B.
Bat. 17a] ou, mais plausivelmente, negavam sua vitória \y. Ber., 9.5, §2; SoÇah., 5.5, §3]); ou R.
Simeon b. Eleazar {Dt. Rab., 2.33). Os sábios {Gn. Rab., 97 nv) e os verdadeiramente poderosos
{b. Tamid, 32a) o conquistam; quem vence o impulso maligno é como quem conquista uma cidade
{Abot R. Nat., 23, que cita Pv 21.22).
243E.g., “Que a propensão boa exerça influência sobre mim e que nenhuma propensão ma-
ligna exerça influência sobre mim” {b. Ber., 60b, Soncino, p. 378; cf. oração pela propensão boa em
y. Ber., 4.2); alguns interpretavam a bênção de Nm 6.24 com o seguinte sentido: “Que Deus o
guarde do impulso maligno” {SipreNm., 40.1.3; Nm. Rab., 11.5); cf. tb. SI 91.10 (b. Sank, 103a). A
oração para que o impulso maligno fosse extirpado, porém, só seria respondida escatologicamente
(Ex. Rab., 46.4). Já em 4Q436, frag. la+bi.10 um indivíduo agradece a Deus por protegê-lo do
impulso maligno.
244E.g., b. Qidd., 40a; Hag., 16a. É provável que se trate de uma forma homilética de enfatizar
0 horror de profanar o nome de Deus, e nem mesmo quanto à ilustração havia concordância entre
todos os rabinos.
245E.g., 4Mc 2.23; em concordância com, e.g., Stowers, “Self-mastery”, p. 532-4; Byrne,
Romans, p. 219. Veja Gemünden, “Culture des passions”, que matiza corretamente as diversas
abordagens de 4Macabeus, Filo e Paulo.
156 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
a lei protegia as pessoas do impulso maligno;24* a lei era a cura para ele.247 O
inverso também se aplicava: o impulso maligno operava de modo a impedir as
pessoas de estudarem a Torá e crerem nela.248
Em que época a lei foi dada, provocando a morte desse personagem (Rm
7.9)? Historicamente, veio no tempo de Moisés (5.13,14), fato de máxima re-
levância à medida que essa figura representa Israel. Essa ocorrência se repetia
na vida das crianças judias quando adquiriam consciência da lei, ou na vida dos
prosélitos quando se tornavam parte do povo judeu e (no caso dos homens)
eram circuncidados.
Quando um judeu adquiria consciência, pela primeira vez, de ter violado
a Torá? De acordo com a tradição judaica seguida por rabinos posteriores,
a pessoa nascia com um impulso maligno;249 um rapaz se tornava adulto na
puberdade250 e, portanto, responsável por guardar a Torá por volta dos treze
anos.251 Na opinião de alguns rabinos posteriores, também era nessa época que
o impulso bom entrava no menino, em consonância com sua responsabilidade
para com a Torá.252 Diante disso, há quem proponha que Paulo se refere aqui a
algo análogo ao bar m itzvah, que ocorria por volta dessa idade.253 Em oposição
a essa proposta, a cerimônia da forma como a conhecemos hoje teve início no
MSipre Dt., 45.1.2; Pesiq. Rab Kah. Sup., 3.2; b. Ber., 5a; Sukkah, 52b; Lv. Rab., 35.5; Pesiq.
Rab., 41.4; Montefiore; Loew0.,Anthology, p. 124; Davies, Paul, p. 22; Urbach, Sages, 1.472. Quanto
à lei contra o pecado de modo mais geral, veja m. A ‘Abot, 4.2; Qidd. 1.10; Pesiq. Rab Kah., 15.5;
Urbach, Sages, 1.366; Smith, Parallels, p. 64.
247E.g., Abot R. Nat., 16 A; b. Qidd., 30b, bar.; B. Bat., 16a; Tg. Qoh., sobre 10.4; Moore,
Judaism, p. 481,489-90; Davies, Paul, p. 225, nota 2. Rabinos também consideravam o arrependí-
mento como cura para o impulso maligno (Davies, Paul, p. 23); era possível sacrificar o impulso
ao confessar o pecado {b. Sanh., 43b; Lv. Rab., 9.1).
24*Sipre Dt., 43.4.1; b. Tem., 16a; Pesiq. Rab Kah., 4.6; Nm. Rab., 19.5.
249AbotR. Nat., 16 A; 30, §63 B; Pesiq. Rab Kah. Sup., 3.2. Certamente desde a infância (Êx.
Rab., 46.4), embora não desde a concepção (b. Sanh., 91b; Gn. Rab., 34.10).
250E.g.,y. Ter., 1.3, §1; cf. discussão em Gn. Rab., 91.3. Cf. talvez doze anos em lE d 5.41.
Josefo, desejoso de enfatizar que era um prodígio, fala de proezas suas aos catorze anos e “como
um simples menino” {Vida, 9). Para os estoicos, as pessoas adquiriam a razão não de forma ine-
rente, mas em torno dos catorze anos (Jâmblico, Alma, 2.15, §609).
251M 'Abot, 5.21 (rabino do final do segundo século); Gn. Rab., 63.10. Cf. Nock, Paul, p. 68,
nota 1. Outras funções também tinham requisitos de idade (e.g., CD, 10.1).
252Abot R. Nat., 16 A; Pesiq. Rab Kah. Sup., 3.2; cf. tb. Davies, Paul, p. 25. Os menores de
idade eram isentos de alguns mandamentos (e.g., m. Sukkah, 2.8; Hag. 1.1; b. Ketub., 50a; j ׳. Hag.,
1.1, §4; Sukkah, 2.9).
255Davies, Paul, p. 25; Nickle, “Romans 7.7-25”, p. 184; Martin, Reconciliation, p. 57; Lohse,
Environment, p. 184; Gundry, “Frustration”, p. 232-3 (embora reconheça, mais explicitamente que
muitos outros, a origem medieval da cerimônia atual); Jewett, Romans, p. 451. A expressão “filho
da lei” ocorre anteriormente para todos os descendentes de Jacó {2Br 46.4).
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 157
2־,|Sandmel,/«í&w»!, p. 199; Safrai, “Home”, p. 771; Schreiner, Romans, p. 369; Das, Debate,
p. 215. Cf. o desenvolvimento histórico da confirmação cristã ocidental que, por fim, passou a
ocorrer numa idade semelhante.
255Em concordância com Safrai, “Home”, 2.772; cf. ritos de passagem para a vida adulta na
Antiguidade em Wiesehõfer, “Youth”, p. 854. A cultura grega tradicional também reconhecia
distinções legais (e.g., Esquines, Timarco, 18,39).Xenofonte, Cyr., 1.2.8 afirma que,pela tradição,
meninos persas se tornavam homens por volta dos dezesseis ou dezessete anos.
256E.g., Eliade, Rites, p. 41; Mbiti, Religions, p. 158-73 (esp. 159-60, 171); Dawson,
“Urbanization”, ρ. 309; Kapolyo, Condition, p. 43-4.
257Suetônio, Aug., 8.1; 38.2; Cal, 10.1; Virgílio, 6; Plínio J., Ep., 1.9.2; 8.23.2; 10.116.1;
Gardner, Women, ρ. 14; Dupont, Life, p. 229; Croom, Clothing, p. 122. Quanto à maturidade próxi-
ma da puberdade do ponto de vista jurídico, veja, e.g., Gaio,/nr/., 1.196; 2.113; 3.208; Schiemann,
“Minores”. Quanto a classificações etárias, veja, e.g., Suder, “Classification”; Binder, “Age(s)”;
Overstreet, “Concept”; Keener, Acts, 2.1447-8; quanto à idade da puberdade, veja Wiesehõfer,
“Pubertas”, ρ. 177.
258Filo (Recompensas, 25) afirma que é possivel contar que o engano da idolatria contamina-
rá as crianças desde a mais tenra idade. Deissmann {Paul, p. 92-3), com 1C0 13.11 em mente,
cita uma tradição judaica a respeito do nono ano do menino, embora reconheça que a fonte
é bastante recente. Quanto ao discernimento entre certo e errado aos vinte anos, veja lQSa,
1.10-11. Antes da Torá, concluiu um rabino, a responsabilidade pessoal começava aos cem anos
{Gn. Rab., 26.2).
25,Josefo,A n t, 4.211; C. Ap., 1.60; 2.204 (cf tb. 4.209, 309); m. ’Abot, 5.21; Dunn, Romans,
1.382. Jewett {Romans, ρ. 450-1) retruca que o menino só era obrigado a obedecer à lei depois da
iniciação; fontes rabínicas se referem, contudo, à responsabilidade pessoal, e não a um conheci-
mento prévio do pecado.
260Por esse motivo, alguns identificam a figura aqui como um gentio que se converteu ao
judaísmo (e.g.,Tobin, Rhetoric, ρ. 42) ou como a passagem da humanidade para a vida adulta (e.g.,
Dunn, Romans, 1.382; cf. G13.23-25; 4.3,4). Cf. Orígenes em Burns, Romans, ρ. 68-9; no entanto,
seu uso por Agostinho trouxe a “idade de responsabilidade pessoal” para “a tradição exegética”
(Reasoner, Full circle, ρ. 71, que cita Agostinho, Culpa, 1.65-66).
ו58 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
Conflito interior
Paulo retrata aqui a vida debaixo da lei. Um psicólogo atual poderia, plausi-
velmente, diagnosticar que esse personagem luta com algo semelhante a um
transtorno de ansiedade associado a um transtorno obsessivo-compulsivo e ar-
raigado em uma fixação religiosa.261 Seja esse o caso ou não, porém, a hipérbole
de Paulo é elaborada com base na linguagem de conflito usada em sua época.
apenas o que era certo e, portanto, não tinha lutas,274 mas poucos afirmavam ter
alcançado a virtude perfeita.275 As pessoas “não sabem o que desejam, exceto no
momento exato do desejo”, afirmou Sêneca; ninguém “jamais decidiu, de uma vez
por todas, desejar ou recusar”. E preciso avançar rumo “à perfeição, ou a um ponto
em que somente a seu próprio ver alguém ainda está aquém da perfeição”.276
E, no entanto, estoicos e outros às vezes consideram particularmente intensa
a luta para aqueles que ainda não decidiram onde depositar sua lealdade ou não
encontraram maneiras de subjugar suas paixões.277 Conforme a advertência de
Sêneca, quem não está disposto a reconhecer a causa do problema e simplesmente
tenta refrear os desejos dentro de si acaba deprimido “com as mil oscilações de
uma mente irresoluta”.278 Para Filo, judeu eclético médio-platônico, as paixões
e os desejos de fazer o que é errado incitam no ser interior a mais violenta
das guerras. Quando a moderação controla as paixões, porém, ela acaba com a
guerra, estabelece a paz e promove o devido respeito à lei.279
a razão (conforme Cooper, “Posidonius”, p. 71; Gill [“Galen”] duvida que Galeno entendesse
Crisipo plenamente).
274Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 52; Engberg-Pedersen, “Vices”, p. 613; cf. Musônio,
2, p. 36.16-19. Engberg-Pedersen (“Vices”, p. 612) observa que Aristóteles reconhecia a possi-
bilidadc de uma pessoa com autocontrole que experimentava certo conflito interior, mas sempre
alcançava o bem, em contraste com a pessoa tão conflitante que, por vezes, seguia seus desejos
irracionais; cf. van dcn Beld, “Airasia”.
275Veja, e.g., Haacker, Theology, p. 128-9, sobre Sêneca. Para a maioria das pessoas, os estoicos
estavam errados em desconsiderar graus de virtude e vício (Cícero, S. bem, 4.24.66-68; Plutarco,
Progresso em virtude), ou seja, em defender a ideia de que todo erro, de fato, era igualmcnte erra-
do (Plínio J., Ep., 8.2.3); na visão dos estoicos, as virtudes eram inseparáveis (Dídimo, 2.7.5b5,
p. 18.15-20). Para eles, todas as ofensas estavam em pé de igualdade, mas não eram idênticas
(Cícero,Par. est.,20; Dídimo,2.7.llk ,p . 84.15-17; 2.7.11L,p. 85.34-37; p. 87.1-7,13-20;2.7.110,
p. 96.22-29; 2.7.11p, p. 96.30-34; Laércio, 7.1.120; cf. Epítcto, Diatr., 2.21.1-7; contrastar com
Marco Aur., 2.10); outros se queixavam desse ponto de vista (Cícero, S. bem, 4.27.74-75), espe-
cialmente os epicuristas (Laércio, 10.120). Mestres judeus costumavam dar até mesmo ao menor
dos mandamentos valor igual ao do maior deles (e.g., m. ’Abot, 2.1; 4.2; Qidd., 1.10; Sipre Dt.,
76.1.1); alguns judeus da Diáspora chegavam a refletir o ensinamento estoico de que todos os
mandamentos estavam em pé de igualdade (4Mc 5.19-21).
276Sêneca J., Lucilio, 20.6 (tradução para o inglês de Gummere, LCL, 1.135,137). Cf. Lucílio,
52.1-9: “Que força é esta que [...] não nos permite desejar coisa alguma de uma vez por todas?
[...] Nenhum de nossos desejos é livre, nenhum é absoluto, nenhum é duradouro” (em Malherbe,
Moral exhortation, p. 62).
277Conforme a proposta de Meeks (Moral world, p. 47), estoicos e platônicos concordam que
é necessário fazer distinção entre verdadeira felicidade e prazeres transitórios, e que se aprende a
fazê-lo por meio de “escolhas repetidas e deliberadas, uma vida inteira de luta por domínio racional”.
278Sêneca J., Diálogos, 9.2.10 (tradução para o inglês de Basore, LCL, 2.219).
279Filo, Criação, 81. No parecer de Filo, a alma tem três partes, cada uma dividida em duas
(Herdeiro, 225; Interp. aleg., 1.70, 72; 3.115; Confissão, 21); supostamente, essa ideia segue a alma
A M EN T E D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 161
tripartida de Platão (Laércio, 3.67,90). No entanto, Filo não é coerente a esse respeito e, em ou-
tras ocasiões, fala de duas partes (Estudos, 26; Dillon, Middle Platonists, p. 174).
280A história era amplamente conhecida e recontada e.g., Cícero, Tusc. 4.32.69; Horácio,
Epodos 3.9-14; Virgílio, Bucólicas 8.47-50; Ovídio, Metam., 7.391-97; Plínio V., Nat. 24.99.157;
Plutarco, Poesia, 3, Mor., 18A; Luciano, Audit., 31; Caritão, Quereas, 2.9.3; Pausânias, 2.3.6-7;
Filóstrato, Ep., 21 (38); Libânio, Invect., 7.32; D. carat., 1,17; Descr., 20.1-2; Antol. gr., 7.354;
sarcófagos do segundo e terceiro século d.C. em Gessert, “Myth”. Cf., ainda, Drãger, “Medea”.
Cf. uma versão aparentemente diferente em Filóstrato, Her., 53.4; possivelmente Apolodoro,
Bibl, 1.9.28.
281Euripides, Medeia, 1077-80 (cf. 1040-48, 1056-58). Isso é citado em Renehan,
“Quotations”, p. 24 (que segue a série de palestras Sather de 1963 ministradas por Bruno Snell);
Stowers, Rereading, p. 260-1; Stowers, “Self-mastery”, p. 525; Talbert, Romans, p. 193; Tobin,
Rhetoric, p. 232; Bendemann, “Diastase”; Bryan, Preface, p. 143; Longenecker, Introducing Romans,
p. 370. O fato de que Euripides inventou essa tradição fica evidente em Aristóteles, Poet., 14.12,
1453b. Renehan (“Quotations”, p. 25) também cita Euripides, Hipólito, 380-83; frag. 220 Nauck;
frag. 841 Nauck; Platão, Protagoras, 352d; Xenofonte, Mem., 3.9.4. Em outros textos, Euripides
falou da incapacidade de fazer o que é melhor (Euripides, Enomau, frag. 572, de Estobeu,
Antologia, 4.35.8).
282Ovídio, Metam., 7.17-21 (esp. 19,21). Quanto a essa questão, veja Renehan, “Quotations”,
p. 25 (ele observa que Snell não percebeu esse exemplo, e compara também com Horácio, Epodos,
1.8.11; Menandro, frag. 489 Koerte); Kãsemann, Romans, p. 200, que reconhece que essa passa-
gem é citada com frequência; Moo, Romans, p. 457; Byrne, Romans, p. 228;T0bin, Rhetoric, p. 234;
Bendemann, “Diastase”; Bryan, Preface, p. 143.
285Stowers, “Self-mastery”, p. 525-6; Stowers, Rereading, p. 262; Bendemann, “Diastase”; veja
Gill, “Galen”, p. 121,137; Gill, “Did Chrysippus understand?”.
284Stowers, Rereading, p. 261, que cita Platão, Protagoras, 352D e contrasta com Aristóteles,
E.N.,7.
162 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
que Paulo tenha assumido plenamente esse papel, e meras analogias nunca
são precisas.
H á motivos para duvidar de que os membros do público antigo, até os
mais eruditos, tenham pensado necessariamente em Medeia ao ouvir Romanos
7.15-25, embora alguns certamente o tenham feito. O próprio Euripides, por
exemplo, apresenta uma descrição semelhante de um homem prestes a estu-
prar um menino.291 Os estoicos também podiam fazer alusão à terminologia de
Euripides da paixão avassaladora com aplicabilidade geral, sem chamar atenção
especificamente a Medeia.292 Sem dúvida, nem todos os ouvintes antigos de
Paulo consideraram que se tratava de uma referência a Medeia. Quando Cirilo
de Alexandria adverte a respeito de uma comparação incorreta entre Romanos
7 e a mitologia grega, não faz alusão diretamente a Medeia, mas ao Destino,
que controla todas as ações humanas.293 Para os primeiros ouvintes de Paulo,
portanto, a questão não era Medeia em si, mas o tipo de conflito de que ela e às
vezes outros personagens eram exemplos que vários autores utilizavam.
291Euripides, Crisipo, frag. 841. Quanto a homens repreensíveis que fazem o contrário daquilo
que devem, veja, e.g., Plínio J., Ep., 4.2.8. Pessoas más não podem viver como bem entendem
(Epíteto, Diatr., 4.1.2-5); ao que parece, termos semelhantes em Sêneca J., Lucílio, 67.2, sim-
plesmente se referem a uma incapacitaçâo parcial decorrente da velhice. Jewett (Romans, p. 463)
propõe a subversão de Paulo da lei por sua perseguição pré-conversão aos cristãos como uma
visão retrospectiva; mas Rm 7.7-25 parece mais consciente do conflito interior do que Paulo teria
observado antes de sua conversão.
292Veja Dídimo, 2.7.10a, p. 56.24-33, esp. 32-33. De modo semelhante, os estoicos nem sem-
pre descreviam nem mesmo o conflito de Medeia em termos claramente parecidos com Rm 7.
Embora Sêneca, contemporâneo estoico de Paulo, retrate a hesitação de Medeia em Sêneca J.,
Medeia, 926-30,988-90, sua terminologia não é tão próxima da de Paulo quanto é a terminologia
de algumas outras passagens.
293Cirilo, Rom., sobre 7.15 (PG, 74.808-12; Burns, Romans, p. 175). O fatalismo cósmico se
tornou um problema cada vez mais sério no final da Antiguidade.
294Conforme observado por Hübner (“Hermeneutics”, p. 212-3), embora ele considere que
Rm 7.15 reflete “nossa incapacidade fundamental de entender o que fazemos, de entender a nós
mesmos”(grifo do autor da citação, p. 212).
29sCf. Keck, Romans, p. 193, que observa que o problema não é a incapacidade de escolher
corretamente (D t 30.19), mas a incapacidade de colocar em prática “a escolha correta”.
164 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
256Cf. Lõhr (“Paulus”), que trata suscintamente da volição humana em fontes antigas e, em
seguida, de “querer” e “vontade” nas cartas de Paulo.
297Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 52, citando Aristóteles, E.N., 7.1-10.
298Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 52, citando Aristóteles, E.N., 1.13.17,1102b26-28.
295Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 52, citando Aristóteles, E.N., 7.8.4,1151all-20, no
contexto.
300Rhet.Alex., pref. 1420b.20-21 (βουλεύεσθαι); 1421a.l0-ll.
301Dídimo 2.7.11f, p. 70.3 (que faz distinção entre “o que é digno de ser desejado” [βουλητόν]
e “o que precisa ser desejado”). Epíteto, Diatr., 4.1.2-5 (tradução para o inglês de Oldfather, LCL,
2.244-47) propõe que ninguém deseja viver no erro; a pessoa má é, portanto, alguém que não vive
como deseja (θέλει)· Contudo, pessoas imperfeitas com frequência “não sabem o que desejam”,
exceto quando o desejam (Sêneca J, Lucílio, 20.6; tradução para o inglês de Gummere, LCL, 1.135).
302Matheson, Epictetus, p. 31. Platônicos e Aristóteles também faziam distinção entre interesse
racional no que era bom e desejo por prazer (Sorabji, Emotion, p. 319-20), embora Aristóteles também
fizesse distinção entre desejo e razão, ao contrário dos platônicos (p. 322-3) e dos estoicos (p. 328-30).
303Agostinho, Civ., 14.8.
304Plutarco, PreL, 1, Mor., 37E (tradução para o inglês de Babbitt, LCL, 1.204-7). Para
condenações da inconstância nos tempos antigos, veja, e.g., Cícero, Amig., 5.2.10; Patérculo,
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 165
2.80.1; Plutarco, Cicero, 26.7; Plínio}.,Ep., 2.11.22; F ro n tã o ,^ amicos, 1.19; Apuleio,yí/>o/., 77;
e também, Keener, Acts, 1.1037, nota 469; pelos estoicos, Dídimo 2.7.111, p. 78.15-18; 2.7.11m,
p. 96.5-14. Aristocratas atribuíam essa disposição especialmente às massas (e.g., Lucano, G.C.,
3.52-56; Quintiliano, Declamações, 352.1; Quinto, 4.10.7; D. Crisóst., Discursos, 66) e, por vezes,
a outros povos (Cícero, Flaco, 11.24; César, G.G.,4.5;Josefo,yírc/., 18.47) ou a mulheres (Virgílio,
Eneida, 4.569-70).
305Fiz um breve levantamento da discussão a respeito de determinismo e livre-arbítrio no
final da Antiguidade, inclusive em fontes patrísticas, de modo breve em Keener, Acts, 1.927-36. É
provável que essa questão tivesse menos destaque na época de Paulo.
306Sorabji, Emotion, p. 11-2, 335-7. Agostinho rejeitou a teoria maniqueísta de duas almas,
mas sua própria “experiência de lutar contra a lascívia o convence de que temos uma volição
espiritual e uma carnal” (Sorabji, Emotion, p. 315-6). Sorabji (Emotion, p. 339) questiona se a
configuração específica de Agostinho do conceito, uma configuração que se tornou predominante,
é proveitosa.
307E.g., Tobin, Rhetoric, p. 235; Jewett, Romans, p. 464.
308A criação fornece aos gentios certo conhecimento potencial de que estão fazendo algo
errado (Rm 1.19,20 [velado em 1.28]; 2.14); os judeus têm maior conhecimento moral por meio
da lei (aqui). Para Paulo, somente aqueles que estão em Cristo têm o conhecimento transformador
mais pleno do evangelho.
ו66 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
A le i na mente
309A lei natural no coração (Rm 2.14,15) é menos completa que a Torá.
310Veja Odeberg, Pharisaism, p. 60-1, sobre Rm 2.17-24; Barclay, Gift, p. 497. Lafon
(“Moi”, sobre 7.15-21) associa o reconhecimento da própria vontade com a incapacidade de
alcançar justiça.
311Cf. Rm 10.2; Ne 8.9-12; SI 19.8; Josefo, C. Ap., 2.189; Pesiq. Rab Kah.,272-, b. Yoma, 4b;
Lv. Rab., 16.4 (supostamente de Ben Azzai); Ct. Rab., 4.11, §1; Pesiq. Rab., 21.2/3; 51.4; Urbach,
Sages, 1.390-2; &־onmvtn,Judaism, p. 95; veja esp. as fontes tanaíticas em Urbach, Sages, 1.390; de
modo mais completo, Anderson, “Joy”.
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 167
312Os filósofos afirmavam que era preciso ter autodisciplina, e não apenas conhecimento da
necessidade de controlar os prazeres (Musônio 6, p. 52.15-17); ouvir sem obedecer não tinha
proveito algum (17, p. 108.38-39). Rabinos posteriores discutiram se tinha precedência aprender
aTorá ou colocá-la em prática; ambas as coisas eram necessárias (cf. m. 'Abot, 5.14), mas muitos
consideravam o aprendizado preferível, pois era pré-requisito para a ação (Sipra Behuq. par.,
2.264.1.4; Sipre Dt., 41.2.5-6; b. Qidd., 40b; y. Hag., 1.7, §4); no entanto, os rabinos também
reconheciam que era possível aprender sem colocar em prática (Sipre Dt., 32.5.12; b. Sanh.,
106b), e isso era inadequado (sábios antigos em m. 'Abot, 1.17; 3.9,17; cf. Car. Arís., 127; Abot
R. Nat., 24 A).
315Talvez o personagem perceba cada vez mais que essa não é a identidade à imagem de
Deus que ele foi criado para ser. Stowers (“Self-mastery”, p. 537-8) compara com o ego dividido
no platonismo.
314O termo ά νθ ρ ω π ο ς, de si mesmo, não remete necessariamente a Rm 6.6 (embora o ser
exterior de 2Co 4.16 aguarde a ressurreição; cf. 5.1-5); o termo ocorre 126 vezes na literatura
paulina.
315De modo semelhante em intérpretes antigos, e.g. (em Bray, Romans, p. 195-6, 198), a
alma racional em Ambrosiastro, Com., sobre Rm 7.23 (CSEL, 81.243); Pelágio, Com. Rom., sobre
7.22 (PCR, 104-5); Severiano de Gabala, comentário sobre Rm 7.24 (PGK, 15.220); a mente em
Teodoreto, Interp. Rom., sobre Ί .22 (PG, 82.125).
316Platão, República, 9.588A-591B (esp. 588A-589B); Stowers, “Self-mastery”, p. 526-7;
Markschies, “Metapher”; Betz, “Concept”; Judge, Jerusalem, p. 60. Aune (“Duality”, p. 220-2)
considera raras expressões análogas até os pais da igreja e os neoplatônicos, mas identifica a ex-
pressão em Filo, que precedeu Paulo. Filósofos com frequência advertiam acerca da preocupação
com “coisas exteriores” (e.g., Epíteto, Diatr., 1.4.27; 1.11.37; 2.2.10, 12; 2.16.11; 4.10; Marco
Aur., 7.14). De modo contrastante, Paulo provavelmente emprega a terminologia de modo espe-
cífico para o presente caso (Tronier, “Correspondence”, p. 195).
ו68 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
A lei317 tem um efeito diferente sobre os membros318 desse indivíduo do que sobre
sua mente; ele deseja fazer o que é certo, mas não é capaz de fazê-lo,319 pois seu
corpo o impele em outra direção (Rm 7.22,23).320 Portanto, aquele que conhece
a lei clama para ser liberto do corpo da morte (7.24), supostamente o corpo
debaixo da sentença de morte do pecado (5.12-21; 6.16,21,23; 7.5,9,10,13; cf.
1.32).321 Uma vez que sua carne é vulnerável ao pecado (cf. 8.3), para ele a lei
atua como uma lei que condena seu pecado e, consequentemente, como sen-
tença de morte, da qual ele precisa ser liberto (8.2). Sua mente serve à lei de
Deus, mas sua “carne” serve à lei que ressalta o pecado (7.25). Sua perspectiva,
portanto, é cativada pela carne, e não pelo Espírito de Deus (8.5-8).
Por que Paulo faz um contraste aqui entre a mente e os membros, o corpo
e a carne? Alguns intérpretes da Antiguidade entenderam Romanos 7 como
um embate entre o corpo e a alma.322 Sem dúvida, essa abordagem constitui
uma simplificação excessiva (principalmente porque Paulo nunca usa o termo
traduzido por “alma” dessa forma); a despeito disso, o fato de os intérpretes
317Embora alguns prefiram traduzir por “princípio” aqui (Bergmeier, “Mensch”; Kruse,
Romans, p. 309-10), por vezes comparando impulsos bons e malignos (Bruce, Apostle, p. 197)
ou o conceito grego de uma lei imanente na natureza (Dodd, Bible and Greeks, p. 37), o contexto
enfatiza a lei, de modo que precisa haver pelo menos uma referência a esse sentido aqui (em con-
cordância com, e.g., Wright, Faithfulness, 1.506,510). No entanto, Paulo trabalha tanto com a lei
universal quanto com aTorá (Rm 2.14; cf. talvez SI 19.4 em Rm 10.18).
318O ouvinte ideal entende com base no sentido habitual do termo que esses são os membros
de seu corpo, aqui e em Rm 6.13,19; 7.5 (explícito no caso do corpo de Cristo em 12.4,5; ICo
12.12,14,18-22,25,27). Paulo pode ter imaginado diferentes tipos de pecado para diferentes membros
(Teodoro de Mopsuéstia, comentário sobre Rm 7.23 [PGK, 15.132) é dessa opinião); cf. Rm 3.13-18.
315Quanto à compatibilidade, em diferentes níveis, da descrição paulina dos seres humanos
como indivíduos capazes de fazer algum bem e, mesmo assim (como aqui, e.g., Rm 7.18), em
última análise incapazes de fazer o bem, veja discussão em Westerholm,Justification, p. 38-49.
320Pensadores gentios também se referiam à lei divina como algo inacessível para aqueles que
eram governados pelas paixões; isso se aplica ao autor posterior Porfírio (Marcela, 26.402-4), para
o qual as paixões eram inextricavelmente ligadas ao corpo.
321Em concordância com, e.g. (em Bray, Romans, p. 198), Jerônimo, R u f, 1.25; Teodoreto,
Interp. Rom., sobre 7.24 (PG, 82.128). Cf. expressões semelhantes para corpos mortais em
Epíteto, Diatr., 2.19.27; Marco Aur., 10.33.3; o corpo como cadáver em Epíteto, Diatr., 1.9.19;
1.9.33-34; Marco Aur., 4.4. Bousset, Kyrios Christos, p. 179, associa essa ideia ao corpo de toda a
velha humanidade; a ligação com Adão baseada em 4E d3.4,5 (Grappe, “Corps de mort”), harmo-
niza as supostas associações com Adão em outros versículos em Rm 7, mas parece excessivamente
específica. Quer “deste” (masculino ou neutro) se refira a “morte” (Sanday; Headlam, Romans, p.
184; cf. Êx 10.17), quer, menos provavelmente, a “corpo” (Jewett, Romans, p. 472), não altera, em
última análise, a associação entre eles.
322Severiano de Gabala, comentário sobre Rm 7.24 (PGK, 15.220; Bray, Romans, p. 198).
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 169
323־E .g., Ambrósio, M. Saí., 2.41; Jerônimo, Ruf., 1.25; cf. Ambrosiastro, Rom., 7.14-25.
3»Jub., 21.21; 1QS, 11.9; lE d 4.37; 4Ed 7.138-40 (68-70); Moore, Judaism, p. 467-8;
Vionúrytn, Judaism, p. 114; Sandmel ,Judaism, p. 187; Flusser, Judaism, p. 62. Alguns isentavam
do pecado certos indivíduos, como talvez Abraão (Or. Μη., 8; T.Ab., 10.13 A), Moisés (b. Sabb.,
55b), Jessé (Tg. de Rí., sobre 4.22) ou Yohanan ben Zakkai {Abot R. Nat., 14 A).
325Stowers, “Self-mastery”, p. 540.
170 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
mais próximo dos estoicos, embora suas posições não sejam idênticas às do
estoicismo. Ao contrário das expectativas estoicas, Romanos 7 enfatiza que a
mera crença correta a respeito de certo e errado não lida adequadamente com
as paixões.
Esse fato se aplicava até mesmo à crença correta baseada em ensinamentos
morais das Escrituras. Enquanto entre os gentios que não têm revelação sufi-
ciente a mente acaba por participar dos desejos “carnais” (Rm 1.25-28; cf. E f
2.3; 4.17-19),326 a mente instruída pela lei pode se recusar a consentir com esses
desejos e, ainda assim, ver-se incapaz de extirpá-los (Rm 7.22-25). A religião
racional fica aquém da transformação em Cristo.
Excurso: A carne329
O uso que Paulo fez do termo "carne" provavelmente não foi de todo
inédito em um contexto grego. Em algumas ocasiões, fontes gregas já
326Com uma argumentação diferente, E f 2.3 parece aplicar aos judeus o mesmo princípio
aplicado aos gentios.
327Embora a atividade da mente humana seja mais ligada ao funcionamento neuroquímico
do que os pensadores da Antiguidade imaginavam, e muitas expressões específicas do instinto
sejam influenciadas por experiências e escolhas humanas, os pensadores da Antiguidade estavam
certos ao reconhecer que instintos sexuais, reações súbitas de medo e outros impulsos inatos eram
ligados de algum modo ao corpo. É evidente que não tinham como antever a complexidade da
ligação no que se refere a hormônios, à amígdala, ou mesmo ao modo como o cérebro se adapta a
novos estímulos em conjunto com o pensamento.
328Talvez com uma ênfase apologética para possíveis ouvintes gentios, 4Macabeus retrata o
livramento de modo mais vivido que as discussões internas entre rabinos.
32,Embora eu adote a tradução convencional “carne”, σαρξ tem sido traduzido de várias ma-
neiras (Creve; Janse; Demoen, “Key words”); para importantes considerações léxicas, veja Dunn,
Theology, p. 62-73 (esp. a advertência na p. 70); Marshall, “Flesh”.
A M EN T E D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 171
ís'Meyer, “Flesh”; Driver, Scrolls, p. 532; Wilcox, “Dualism”, p. 94-5; Best, Temptation, p. 52;
esp. Flusser,Judaism, p. 62-5. Veja 1QS, 3.8; 4.20-21; 9.9; 11.7,12; 1QM, 4.3; 12.12; lQ H a ,5.30;
12.29-32; 17.14-16 (Sukenik, 4.29-32; 9.14-16; 13.13); talvez CD, 1.2; 4Q511 frags. 48-49 +
51.4; como nas Escrituras, seu âmbito de significado permanece extenso, referindo-se por vezes
simplesmente a parentesco (CD, 5.9,11; 7.1; 8.6) ou à humanidade (1QM, 15.13; 17.8; 4Q511,
frag. 35.1; 1Q 20,1.25, 29) ou à natureza física juntamente com o coração (espírito; 1QM, 7.5).
Em grego, em T.Jó, 27.2 (OTP)/273 (edição de Kraft), Satanás faz um contraste entre ele próprio
como espírito e Jó como “pessoa carnal”, i.e., fraco e mortal.
352Dunn (Romans, 1.370) observa corretamente que “são justamente a fraqueza e os apetites
do ‘corpo mortal’ (= a carne) que dão ocasião para o pecado”. De modo semelhante, “o problema
da carne não é que ela é pecaminosa em si mesma, mas que é vulnerável às tentações do pecado —
podemos dizer que a carne é o ‘eu que deseja (7.7-12)” (Dunn, Theology, p. 67).
353Ao contrário de Sêneca, Paulo emprega “Espírito” para se referir ao Espírito de Deus em
Cristo, e não para um elemento que toda a humanidade possui (Sevenster, Seneca, p. 79-80); Paulo
não pensa que as pessoas têm “duas ‘partes’”, mas, sim, que há “dois modos de existência” que
caracterizam a antiga era e a nova era (Ridderbos, Paul: outline, p. 66). Ele não é contra o corpo
(pace Kohler, Theology, p. 215).
35Έ -g., Platão, Fedro, 66CD; 83CD; Esquines, Timarco, 191; Cícero, República, 6.26.29;
Sêneca J., Diálogos, 2.16.1; D. Crisóst., Discursos, 4.115; 13.13; Max. Tiro, On, 7.7; 33.7;
Filóstrato, V.Apol., 7.26; Proclo,Poet., 6.1, K121.14-15;Jâmblico, Pitágoras, 31.205; Carta,3 ,frag.
2 (Estobeu, Antologia, 3.5.45); Porfírio, Marcela, 14.243-44; 33.506-7; Filo, Interp. aleg., 3.161.
Cf. a matéria em Jâmblico ,Alma, 8.39, §385; Carta, 3, frag. 4.5-6 (Estobeu ,Antologia, 3.5.47).
Até mesmo Epicure considerava a mente superior à carne (σαρξ), pois a mente captava melhor
0 prazer apropriado (Laércio, 10.145-20).
3ssSocráticas, Cartas, 14 (tradução para o inglês de Stowers; Worley, p. 257,259).
356Xenofonte, Sócrates, 16, ταις τοΟ σώματος έτηθυμίαις.
357Platão, Fedro, 66CD (tradução para o inglês de Fowler, LCL, 1.231).
174 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
358Sêneca, por exemplo, considerava que o corpo, embora temporário, podia ser útil para a
mente (Sêneca J., Diálogos, 7.8.2). Para os estoicos, todas as coisas, até mesmo o espírito (πνεύμα)
e as virtudes (Dídimo 2.7.5b7, p. 20.28-30), eram “corpos”.
359Plutarco, ísis, 78, Mor., 382F; Max. Tiro, Or., 11.10; Jâmblico, Carta, 16, frag. 2.1-2
(Estobeu, Antologia, 3.1.49). Quaisquer particularidades enfraqueciam o todo original e universal
(Proclo, Poet., 5, K52.7-19,23-24).
360Max. Tiro, Or., 33.7 (tradução para o inglês de Trapp, 266; cf. 6.1,4; 41.5); veja tb. Epíteto,
Diatr., 1.3.3; cf. Sipre Dt., 306.28.2. Quanto à verdadeira natureza da divindade como inteligên-
cia, e não “carne” (σαρξ), veja Epíteto, Diatr., 2.8.2. Quanto ao contraste entre paixões e razão
governando animais inferiores, veja, e.g., Aristóteles, Política, 1.2.13,1254b. A pessoa, que antes
era animal racional, é convertida pela filosofia em um deus (Marco Aur., 4.16).
361E.g., Cícero, República, 6.26.29; Sêneca J., Diálogos, 1.5.8; Epíteto, Diatr., 2.19.27;
Jâmblico, Pitágoras, 32.228; Marco Aur., 4.4; 10.33.3. Cf. posteriormente, maniqueus e mandeus
em Reitzenstein, Mystery-religions, p. 79 (que Reitzenstein considera, equivocadamente [p. 449],
que influenciou Rm 7.24).
362E.g., Platão, Górgias, 493AE; Fedro, 82E; Crátilo, 400B; Heráclito, Ep., 5; Epíteto, Diatr.,
1.9.11-12; Max. Tiro, Or, 7.5 (que lembra Platão, República, 514A-516B); 36.4; Filóstrato, V.
Apol., 7.26; Jâmblico, Carta, 3, frag. 2 (Estobeu, Antologia, 3.5.45); Gnom. Vat, 464 (Malherbe,
Moral exhortation, p. 110). Portanto, um filósofo que estava sendo moído até morrer “declarou que
ele próprio não estava sendo moído, mas apenas aquela sua parte em que, por acaso, ele havia sido
encerrado” (D. Crisóst. [Favorino], Discursos, 37.45; tradução para o inglês de Crosby, LCL, 4.45).
363E.g., Epíteto, Diatr., 1.11-12 (embora Sorabji [Emotion, p. 215], ao comentar sobre
1.22.10, proponha que essas idéias talvez sejam inovação de Epíteto).
364Hiérocles, Deuses, (Estobeu, Antologia, 2.9.7).
365Jâmblico, Alma, 8.39, §385; 8.43, §456. C£, anteriormente, Platão, República, 10.611C.
366Porfírio, Marcela, 14.244-50; 25.394-95 (embora a verdadeira fonte de males venha
de escolhas na alma, 29.453-57). Amar o corpo é desconhecer Deus (13.227-29), e é preciso
manter apenas uma ligação tênue com o corpo (32.485-95). Cf. Plotino, Enéadas, 1.8 quanto à
A M EN T E D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 175
Essas atitudes em relação ao corpo, que iam desde a ambivalência até a hosti-
lidade, levavam naturalmente ao ascetismo. Carnéades, cético do segundo século
а. C., negligenciava seu corpo asceticamente, supondo que, desse modo, aumenta-
ria sua concentração intelectual.367Para uma fonte cristã posterior moderadamente
ascética, o amor ao prazer é o que torna o corpo insuportável para a alma.368
Judeus helenistas não escaparam da influência dessa terminologia. Assim
podiam associar o corpo às paixões.369 De acordo com Filo, a alma se encontrava
sepultada dentro do corpo nesta vida;370 a morte era uma libertação.371 A “carne”
(σαρξ) está separada daquilo que é divino.372 No momento, a alma estava escra-
vizada ao corpo por meio de suas paixões.373 Para outros, a embriaguez permitia
que o prazer instigasse o corpo ao adultério.374 Satanás cegava o homem “como
ser humano, como carne [σαρξ], em meus pecados corruptos [i.e., pecados do
homem]” até que o homem se arrependesse.375
Paulo e o co rp o
376Alguns pagãos criticavam os cristãos por verem o corpo de forma bastante positiva (e.g.,
Orígenes, Cels., 8.49; Cook, Interpretation, ρ. 113); mas cf. Cirilo sobre Rm 6.6 (Burns, Romans,
P· 139).
377Talbert (Romans, p. 162) cita aqui Tertuliano. Cam. Cr.. 15. Bray {Corinthians, p. 56,108,
e Romans, p. 165) cita J. Crisóst.. Horn. Co., 17.1; Horn. Rm., 11 (sobre 6.13); Teodoreto, Interp.
Rom., sobre 6.13 (PG, 82.109); e Agostinho, Contin., 10.24. Ainda assim, cf. Agostinho, C.Jul.,
70 (em Bray, Corinthians, p. 172).
378Schlatter, Romans, p. 3,157 (mas cf. p. 167).
379O próprio Schlatter faz distinção entre Paulo e o platonismo aqui (Romans, p. 167).
Paulo não usa a terminologia platônica da “alma” (veja Apêndice A, adiante), embora fale da
“pessoa interior”.
380Comentaristas depois de Bultmann (com sua louvável apreciação moderna da pessoa como
um todo) com frequência se esquivaram desses conceitos não “hebraicos”. Alguns estudiosos,
porém, constataram indícios de uma linguagem antropológica dualista (e.g., Vogel, “Reflexions”;
Pelser, “Antropologie”; anteriormente, Glover, Paul, p. 20).
A M EN TE D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 177
Para Paulo e para a tradição judaica que ele segue, a criação e a existência
física são boas. O indivíduo só é liberto de algumas limitações físicas, como a
mortalidade, depois da ressurreição (Rm 8.11), mas, ainda assim, a presença do
Espírito vivifica o corpo no presente para que seja um instrumento a serviço
do bem, e não do mal (6.13,19). Isoladamente, porém, a existência física é
suscetível a toda uma gama de impulsos que, de si mesmos, são incapazes de
discernir entre certo e errado. Podia haver uma intersecção desses impulsos
com aquilo que os judeus consideravam comportamentos fundamentais da vida
pagã, como a impropriedade sexual ou o consumo de alimentos oferecidos a
ídolos (lC o 10.6-8).381
Ninguém, incluindo Paulo, negaria que praticamente todos tinham pai-
xões biológicas como a fome, necessária para a sobrevivência, e a procriação,
necessária para a propagação da humanidade.382 A despeito disso, enquanto em
princípio a razão podia vetar aquilo que as paixões propunham, a atração exer-
cida por essas paixões permeava o funcionamento do intelecto, fato que a lei
tornava ainda mais evidente. Era possível não agir em função da cobiça, mas a
cobiça em si surgia no coração antes de a lei poder instruí-lo a evitar esse mal.
Aliás, ao trazer à luz certo e errado, a lei ressaltava a cobiça, em vez de extirpá-la.
Estudiosos discutem até que ponto Paulo e outros judeus contemporâneos
concordavam com os conceitos gregos mais amplos e até que ponto simplesmente
se apropriaram da terminologia deles e a adaptaram. Conforme observado em
minha discussão de Romanos 6,383 Paulo não se opõe a todo desejo e, por certo,
nem a todas as emoções desagradáveis; quando fornece exemplos específicos de
desejo proibido, refere-se ao desejo de possuir ou realizar o que já foi proibido
pelas Escrituras.
Para Paulo, a “carne” e o Espírito geram desejos contraditórios, embora
Paulo pareça mais à vontade ao associar as palavras relacionadas a “desejo” em
especial às preferências da carne (G1 5.16,17; cf. 5.24; Rm 6.12; 13.14; E f 2.3).
Embora, em princípio, os desejos do crente estejam mortos (G15.24) da mesma
forma que, em princípio, o crente está morto para o pecado (2.20; Rm 6.2-10),
na prática é necessário continuar a lidar com esses desejos quando eles surgem
381Cf., e.g., Ap 2.14,20; At 15.20; Or. sib., 3.757-66; t. 'Abod. Zar., 8.4; b. Sanh., 56a, bar.;
Pesiq. Rab Kah., 12.1.
582Não se trata dc uma questão cultural; Confiício, que advertiu acerca da lascívia (Analectos,
9.17; 15.12 [47]), também não encontrou pessoa alguma que amasse a virtude tanto quanto a
beleza feminina (.Analectos, 16.7 [82]).
383Veja p. 98,147-9.
ו78 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
384Sou grato ao professor Jim Hernando, do Assemblies of God Theological Seminary, por
essa ideia (conversa pessoal, 5 fev. 2015).
385Freud destacou os desejos reprimidos, os mecanismos de defesa e seu desenvolvimento
no inconsciente humano. Infelizmente, a cultura popular por vezes entendeu o reconhecimento
de desejos inconscientes, ou que mal chegam a ser conscientes, como revelação da identidade da
pessoa e, portanto, como algo que molda de forma inevitável suas escolhas e seu destino; se a re-
pressão é hipocrisia, em última análise parece ser inútil resistir. (A cultura popular também aceitou
prontamente a ênfase excessiva de Freud sobre os aspectos sexuais do desejo, por mais importan-
tes que sejam nos mamíferos depois da puberdade. A puberdade ocorre mais tardiamente no pro-
cesso de amadurecimento físico para os seres humanos que para a maioria dos outros mamíferos
[cf. Stormshak, “Comparative endocrinology”, p. 157].) Em contraste com essas abordagens que
dependem exclusivamente de recursos humanos, Paulo assevera a genuína atividade do poder de
Deus por meio do Espírito para transformar.
386Cf. a queixa acerca do comportamento sexual e conjugal de muitos evangélicos em Sider,
Scandal.
A M EN T E D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 179
Um a im agem d e d errota
387Cf. Odeberg, Pharisaism, p. 66,72: Jesus concordaria com a maior parte da ética farisaica,
mas a abordagem verdadeiramente cristã requer transformação interior.
388E.g., Xenofonte, Mem., 1.2.24; Econom., 1.23; Sêneca J., Q. nat., l.pref.5; Luciano, Fil.
leilão, 8. Quanto a vitórias adéticas, cf. D. Crisóst., Discursos, 8.11—9.18.
389Diógenes, Cartas, 5 (tradução para o inglês de Fiore, p. 96-7). Cf. a luta contra a opinião
popular em Diógenes, Cartas, 10; contra o prazer e as dificuldades em Ep., 12.
390Filo, Interp. aleg., 2.106. A razão também luta contra a paixão em 4Mc 3.4,5.
391Quanto à imagem da armadura, veja tb. E f 6.11-17; lTs 5.8; Inácio, P0L, 6.2; cf. 2C0
10.3,4; lTm 1.18; 2Tm 2.4; Ap 12.11; comentário adiante (p. 181-2). Apesar das possíveis ori-
gens cínicas dessa imagem, alguns (e.g., Downing, Cynics and churches, p. 137-41) a enfatizam de
modo excessivamente exclusivo; no entanto, seus antecedentes em filósofos e moralistas (Dibelius;
Conzelmann, Pastoral Epistles, p. 32-3; Lincoln, Ephesians, p. 437; Malherbe, Moral exhortation,
p. 159-60) são plausíveis.
m Sche.chttT, Aspects, p. 272-3; quanto a lutar contra o impulso maligno e subjugá-lo, veja tb.,
e.g., m. 'Abot, 4.1; Rt. Rab., 8.1.
393Stowers (Rereading, p. 271-2) cita o clamor de Medeia em Sêneca. Intérpretes antigos cos-
tumavam considerar a miserabilidade de modo mais geral, veja, e.g. (em Bray, Romans, p. 197),
Ambrosiastro, Com.,sobre Rm 7.24 (CSEL, 81.245); J. Crisóst.,Horn. Rm., 13 sobre Rm 7.24. Smith
(“Form”) encontra paralelos em alguns lamentos litúrgicos anteriores à conversão (ainda que com
evidências extremamente limitadas). Caso se tenha em vista uma figura específica, provavelmente se
trata de Israel debaixo da lei (em concordância com Grieb, Story, p. 76). Em Rm 3.16, Paulo emprega
um cognato para seu presente termo referente à “miserabilidade” para pecadores debaixo da lei.
394E.g., Esquilo, Agam., 1260; Ovídio,Amores, 1.4.59; Metam., 9.474; Terêncio,Andros, 882;
Formião, 1006; Sogra, 293; Plutarco, Riqueza, 5, Mor., 525D; Apuleio, Metam., 3.25·,Jos. Asen., 6.2
(OTP, 6.5 no texto grego de Philonenko); cf. Lísias, Disc., 24.23, §170; Is 33.1, LXX; M q 2.4,
LXX; 4Mc 16.7.
180 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
595Cf. Dcmóstenes, Afobos, 1.66 (Or., 27). O clamor serve quase como um patético “Ai de
mim”, Epíteto,Diatr., 1.4.23-24; 3.13.4; 4.1.57; 4.4.21.
1’״Epíteto, Diatr., 1.3.5-6; cf. 1.12.28, em que Epíteto responde a uma asserção semelhante
de miserabilidade ao exortar ao contentamento. Epíteto usa esse rótulo de miserabilidade repe-
tidamente contra interlocutores imaginários tolos (Diatr., 1.4.11; 2.8.12; 2.17.34; 2.18.27; 3.2.9;
3.22.31; 4.1.21; 4.6.18). Havia quem empregasse a designação “miserável” para criticar outros;
veja D. Crisóst., Discursos, 34.2 (que observa o ponto de vista de alguns acerca dos cínicos); Sb
3.11; 13.10. No uso comum, o termo também podia expressar compaixão, como em “Pobre coi-
tado!” (Epíteto, Diatr., 4.6.21).
1,7־M uitos filósofos consideravam o suicídio uma resposta apropriada para “Quem me liberta-
rá dessa angústia?” (Laércio, 6.21; cf Max.Tiro, Or., 7.5; quanto a filósofos e suicídio, veja Keener,
Acts, 3.2498-507, esp. 2503-5). Veja comentários sobre crenças antigas acerca do corpo como uma
prisão anteriormente, p. 174-5, e adiante, p. 362 (em que a morte é o meio de libertação, e.g.,
Epíteto, Diatr., 1.9.16); e Sevenster, Seneca, p. 82-3. Os gnósticos naturalmente entendiam essa
passagem como uma busca por ser liberto do corpo (Pageis, Paul, p. 32-4), mas aqui não há nada
de gnóstico em Paulo (Bornkamm, Experience, p. 99). Ê evidente que pessoas também podiam
clamar por libertação (Apuleio, Metam., 11.2, que prefere, porém, a morte a não ser liberto).
198O fato de a ressurreição ser a solução final para a corrupção do corpo também é reconhe-
cido por alguns comentaristas antigos, e.g., Cesário, Sermões, 177.4 (em Bray, Romans, p. 199).
39,Cf. desejos carnais (lPe 2.11) ou a carne (Diogn., 6.5) em conflito com a alma.
400Jewett, Romans, p. 470-1.
401D. Crisóst., Discursos, 32.90; Jâmblico, Pitãgoras, 17.78; cf. Filo, Sacrifícios, 26. Na literatura
popular, veja Xen. Ef.,Antia, 1.3-4. A metáfora aparece de modo mais amplamente difundido,
e.g., para “cativar” alguém por meio da beleza (Jt 16.9).
A M EN T E D A C A R N E (R M 7 .2 2 -2 5 ) 181
402E.g., para amor em Tácio 2.10.3; Cátulo 67.21; Luciano, Lúcio, 10 (relações sexuais);
Apuleio, Metam., 2.17; hipérbole para discussões em Horácio, Epodos, 1.18.15-16; comparação
para exortações militares em 2Mc 15.11.
403E.g., Dionísio,Demost., 32; Cícero, Orador, 3.14.55; Sêneca V., C071trov., 9.pref.4; Plínio J.,
Ep., 1.20.3; 4.22.5; 7.25.6;Tácito, Oradores, 32,34,37; Frontão, Eloq., 1.16; Luciano, Merino, 36;
Filóstrato, F ís/T,2.1.563. Quanto a argumentos como armas, veja tb. Horácio, Sátiras, 2.3.296-97;
Sêneca J., Luctlio, 117.7,25; talvez Heráclito, Ep., 7.
404E.g., Cícero, Amig., 4.7.2; Bruto, 2.7. Quanto ao luxo como o maior inimigo, veja D.
Crisóst., Discursos, 33.28.
405D. Crisóst., Discursos, 49.10 (tradução para o inglês de Crosby, LCL, 4.303).
406E.g., Epíteto, Diatr., 1.14.15; 4.5.25-32. Valério 4.1.ext.2 afirma que Platão, em combate
moral, guardou sua alma do vício; em 8.7.ext.5, Carnéades é “soldado da sabedoria”.
407Xenofonte, Mem., 1.2.24; cf. Econom., 1.23.
408D. Crisóst., Discursos, 8.11-16, esp. 13,15.
409D. Crisóst., Discursos, 8.20; Diógenes, Cartas, 5; prazer e dificuldade em D. Crisóst.,
Discursos, 9.11-12; Diógenes, Cartas, 12. Ele também recomenda lutar contra a opinião popular
(Diógenes, Cartas, 10); seu alforje é um “escudo” (Diógenes, Cartas, 19).
410Uma imagem proposta anteriormente pelo sábio cínico Antístenes (Malherbe,
“Antisthenes”; Malherbe, Philosophers, p. 91-119, esp. aqui p. 97-101). Diz-se que Antístenes
declarou: “A sabedoria é fortaleza inabalável. [...] Muros de defesa precisam ser construídos
em nossos próprios raciocínios impregnáveis” (Laércio, 6.1.13; tradução para o inglês de Hicks,
LCL, 2.13).
411Luciano, FU. leilão, 8. Quanto à comparação de Diógenes com Héracles, veja D. Crisóst.,
Discursos, 8.28-34.
412Sêneca }.,Luctlio, 96.5; Hiérocles ,Amor (Estobeu ,Antologia, 4.84.20). Cf. semelhantemen-
te D. Crisóst., Discursos, 16.6.
182 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
Conclusão
Romanos 7.15-25 não retrata a lei cristã ideal, nem a experiência presente de
Paulo, mas a dramatização paulina vivida da vida debaixo da lei. Ao contrário
dos gentios sem lei em 1.18-32, o indivíduo nesta passagem é intelectualmente
esclarecido pela verdade da lei de Deus. Nem mesmo essa informação moral
verdadeira, porém, é capaz de libertá-lo do veredito de suas paixões. A única
forma de ser liberto é pela dádiva de uma nova vida baseada na justiça divina.
Enquanto Romanos 7.15-25 retrata aquilo que Paulo descreve em seguida
como a mente da carne, em 8.5-9 Paulo apresenta uma experiência nitidamente
contrastante de vida com Deus ao falar da mente do Espírito.
étnica da lei é relevante em 2.17,23,24; 3.2; e 9.4. A questão mais específica em Rm 7, porém,
embora corrobore a discussão mais ampla da identidade coletiva, diz respeito à justiça moral e à
incapacidade dos judeus, bem como dos gentios, de obter essa experiência, bem como essa condi-
ção, sem a dádiva de Deus em Cristo.
418Dependendo da estrutura teológica considerada, essa vangloria é sobre as próprias realiza-
ções ou sobre a herança étnica na aliança. Vejo a primeira ênfase na argumentação específica dessa
passagem e a segunda com respeito à macroestrutura mais ampla de Romanos.
A MENTE DO ESPIRITO
(RM 8.5-7)
Aqueles cuja vida gira em torno da carne (e, portanto, dos inte-
resses da mera existência física) pensam em coisas da carne, mas
aqueles cuja vida é norteada pelo Espírito de Deus atentam para
as coisas do Espírito. Isso porque a mentalidade carnal só tem
expectativa de morte, enquanto a mente moldada pelo Espírito
tem vida e paz (Rm 8.5,6).
A nova mentalidade
Paulo contrasta a φρόνημα da carne com a do Espírito. E provável que empre-
gue esse termo para fazer um contraste entre duas disposições ou atitudes em
relação à vida, uma moldada pela mera existência carnal e a outra pela realidade
da presença de Deus, pelo Espírito.
Disposição e mente
O termo φρόνημα não tem equivalente exato em nossa língua, e até mesmo
no grego seu espectro semântico é tão amplo que apenas o contexto define seu
sentido.Tendo em vista o espectro semântico de φρόνημα, as expressões que cos-
tumam ser traduzidas por “mente do Espírito” e “mente da carne” podem se referir
a mentalidades, disposições cognitivas ou abordagens cognitivas divergentes, do
Espírito e da carne.1 Em termos atuais, pode-se pensar, em parte, sobre como as
perspectivas e o caráter são moldados por diferentes cosmovisões, ou abordagens à
realidade, desses dois âmbitos. Uma mente se concentra nas coisas de Deus; a ou-
tra gira em torno apenas das coisas que envolvem o “eu”e seus desejos (Rm 8.5,6).
Filo, que emprega com frequência o termo φρόνημα, talvez forneça uma
amostra de seu uso intelectual pelos judeus da Diáspora. Em geral, ele usa o
termo com o sentido de disposição, atitude ou caráter.2 Como tal, trata-se de
uma direção definida da personalidade, não uma questão de pensamentos pas-
sageiros; sem dúvida, deve também ser o caso para Paulo, que retrata de modo
claro a mente corrompida de Romanos 1.28-31 não como uma questão de pen-
sarnentos passageiros, mas de pensamentos característicos. Essa disposição pode
ser inteligente,3 filosófica,4 sem formação e sem discernimento,5 livre6 ou servil,7
1Veja BDAG. Quanto a algo semelhante a disposição, veja 2Mc 7.21; 13.9. Quanto à “direção
da volição” bem como do pensamento, veja Schreiner, Romans, p. 411; semelhantemente, Sanday;
Headlam, Romans, p. 195; quanto a um modo estabelecido de pensar ou uma atitude, veja Dunn,
Romans, 1.425 (que cita outros textos paulinos). Cf. Tomás de Aquino, preleção 1 sobre Rm 8.5:
“a percepção correta em coisas espirituais” e pensar bem a respeito de Deus (Levy; Krey; Ryan,
Romans, p. 181). O termo é um dos prediletos de Filo.
2Quanto a atitude, c.g., Filo, Moisés, 1.266; quanto à disposição, cf.tb. Josefo,.íÍ»/., 1.232; 2.232.
,Filo, Criação, 17; Moisés, 1.259; ponderação em Embaixada, 62. C f Josefo, ./Íní., 12.195 (em
que o contexto aponta para sabedoria, astúcia ou uma espécie de competência para negócios).
4Filo, Hom. virt., 130. C f a perspectiva em Josefo,Ant., 2.40.
5Filo, Embriaguez, p. 198.
6Filo, Sonhos,2.79; Hom. virt.,62,111,119; Flaco, 64;Embaixada,215 (cf.Josefo,A n t.,4.245).
7Filo, Hom. virt.,24 (cf subjugada, Josefo, Ant., 3.58; 5.186).
A M EN TE D O E S P ÍR IT O (R M 8 .5 -7 ) 1 87
8Filo, Querubins., 64; Fuga, 207; Nomes, 176; Abraão, 223; Leis esp., 1.293; Virtudes, 165,172;
Recompensas, 74,119; Hipot., 11.16; cf. 2Mc 13.9.
9Desanimada por dificuldades (Filo,/«., 144) ou por aqueles que enfraquecem sua coragem
(Moisés, 1.325; cf. Hipot., 6.1; Josefa, Ant., 14.355).
10Filo,/«., 4; Moisés, 1.51,149; Virtudes, 71,216; Horn, virt., 121.
11Filo, Moisés, 1.40.
12Filo, Sobriedade, 20; Abraão, 26.
13Filo, Moisés, 1.309; Virtudes, 3; cf. tb. 2Mc 7.21.
14Associações masculinas aparecem de forma positiva em Filo, Sonhos, 2.9 ;/« ., 79; Leis esp.,
4.45 (e, portanto, não levado ao mal pelas multidões); aspectos femininos aparecem de forma
negativa em Posteridade, 165; Gigantes, 4; também Josefo, Guerras, 2.373.
15Filo, Embriaguez, 128.
16Filo, Sonhos, 1.140.
17Pode estar sujeita ao prazer (Filo, Herdeiro, 269); não favorecer o prazer (em contraste com
mulheres fracas, Sonhos, 2.9); ou ser masculina e, portanto, evitar a paixão (/«., 79).
18Filo, Sonhos, 1.39.
19Quanto a um sentido semelhante a “mente”, cf., e.g., Josefo, Ant., 2.40 (talvez 2.229).
20Veja p. 202-5.
188 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
realizada em Cristo (Rm 8.2) e o poder decorrente para viver de uma nova ma-
neira (8.3). Essa é a perspectiva comunicada por Paulo em capítulos anteriores:
os crentes são justificados por Cristo, e não por si mesmos (cf. 3.21—5.11), e
essa justificação abrange uma nova vida em união com Cristo (5.12— 6.11).
Assim como Paulo depende de Cristo para ser justificado, depende do Espírito
de Deus para ser capaz de se apropriar do caráter moral cognitivo compatível
com aquele que é justificado. Quem se comporta em consonância com a nova
identidade anda, portanto, pelo Espírito. Para Paulo, a nova estrutura para o
pensamento é eficaz porque depende da realidade de Cristo e, consequentemen-
te, da nova identidade nele.
21Talbert, Romans, p. 204-5. Cf. tb a citação de Agostinho, Esp. let., 19, em Talbert, Romans,
p. 209: “A lei foi dada para que se buscasse a graça, a graça foi dada para que a lei fosse cumpri-
da”. C f o contraste feito por Jesus entre pensar a respeito de coisas divinas e coisas meramente
humanas em Mc 8.33.
A M EN T E D O E S P ÍR IT O (R M 8 .5-7 ) 189
22Clemente, Paed, 6.36 (em Bray, Romans, p. 207) aplica a mente carnal àqueles que ainda
estão sendo convertidos; Orígenes, Com. Rom., sobre 8.S (CER, 3.298; Bray, Romans, p. 207), a
judeus debaixo da lei (uma opinião relevante para a maioria das perspectivas contemporâneas
sobre Rm 7.7-25).
23E.g.,M ax.Tiro, Or., 33.3. Veja anteriormente, p. 76.
24E.g., Musônio, frag. 41, p. 136.22,24-26.
25SênecaJ., Diálogos, 4.12.4-5.
26Jâmblico,Alma, 8.39, §385 (sobre Plotino e a maioria dos platônicos).
27Eles consideravam até mesmo a mente e a alma entidades materiais; veja Dídimo, 2.7.5b7,
p. 20.28-30. Contrastar com Filo e, possivelmente, com o médio-platonismo em Robertson,
“Mind”.
28Filo, Imutável, 110-11 (em 111, φιλοσώματος και φιλοπαθής νοϋς). Filo também con-
dena a mente que ama o corpo em Abraão, 103; e a mente que ama as paixões em Agricultura, 83;
Migração, 62.
2’Filo, Interp. aleg., 1.32-33. Quanto ao contraste entre o homem racional e celestial de Filo
em Gn 1 e o homem terreno de Gn 2 e 3, veja minha discussão sucinta adiante, p. 277-8.
190 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
gerar verdadeira justiça.37 Deus condenou o pecado na carne ao fazer seu Filho
sofrer a devida condenação pelo pecado como oferta pelo pecado, para que os
que andam conforme o Espírito possam cumprir as exigências da lei,38 que
nunca são cumpridas de fato por aqueles que andam conforme a carne (8.3,4).39
Se “andar” traz à mente aqui a expressão bíblica e judaica de andar conforme
a lei,40 a referência a “andar conforme a carne” talvez seja um lembrete da in-
capacidade humana de servir à lei de Deus (7.5,14,18,25), uma incapacidade
explícita em 8.3.41
Em contraste com a incapacidade da carne de alcançar o ideal da lei, o
Espírito capacita para a verdadeira justiça provendo uma lei interior, e não exte-
rior (Rm 8.2,4; cf. 7.6; G13.2,5; 5.18,23). A mente do Espírito é, portanto, uma
mente dirigida pela justiça, conforme ela é corporificada nos princípios da lei
(cf. Rm 8.2), provendo obediência (Ez 36.27; cf. D t 5.29; 30.6) e talvez também
cumprindo o ideal de meditação contínua na verdadeira lei de Deus e, portanto,
de experiência contínua dessa lei (Dt 6.6; Js 1.8; SI 1.2; 119.15,23,48,78,148).
A mente dirigida pelo Espírito é, supostamente, pelo menos parte daquilo que
significa ser“guiado pelo Espírito” (8.14; cf. G15.16-23).42 É uma mente voltada
de fato para Deus e capacitada por ele.
Paulo não dá a entender que somente quem segue a vontade do Espírito
de modo contínuo e infalível é justificado e que todos que, em algum mo-
mento, foram distraídos por desejos carnais estão condenados. O povo do
Espírito e o povo da carne são tipos ideais (veja discussão adiante). Em vez
disso, Paulo afirma que quem tem o Espírito e, portanto, é capaz de seguir o
Espírito, mesmo que de modo imperfeito, foi justificado, ainda que necessite
mais instrução e progresso, ao passo que quem é desprovido do Espírito só
pode depender da carne.
Viver de acordo com a justiça que excede os meros instintos animais — em
outras palavras, viver de modo sobrenatural — , portanto, também mostra que
Deus justificou os seguidores de Jesus e (cf. Rm 3.26) que Deus se mostrou
reto/justo ao declará-los justos. Deus é vindicado, ou sua justiça é comprovada,43
quando alguém, mesmo que de modo imperfeito, é capaz de vencer o pecado
pelo Espírito de Deus. Cristo venceu o pecado, e aqueles que estão unidos a ele
também podem fazê-lo em medida suficiente para vindicar sua justiça (ainda
que de modo imperfeito). Qualquer sinal de justiça divina vindica a verdade do
evangelho ao mostrar atividade divinamente gerada; como em Romanos 3.3,4,
as falhas humanas, em contrapartida, não incriminam essa justiça. Talvez muitas
vezes só Deus saiba como os crentes seriam sem a justiça dele, mas Paulo espera
que, pelo menos com frequência, fique evidente que a obra de Deus neles vai
muito além daquilo que mero esforço ou condicionamento produziría.
42Cf. Ne 2.12; 7.5; Sb 9.11. Um filósofo podia afirmar que era guiado por Deus ao ter uma
só mente com ele (consentir com sua vontade; Epíteto, Diatr., 2.16.42), mas Paulo descreve o
Espírito em termos mais ativos que a resignação estoica.
43Quanto à preocupação em vindicar a justiça de Deus, veja, e.g., Rm 3 .3 9 .6 ,1 4 ,1 9 ;8־.
Rabinos posteriores esperavam, de modo semelhante, que os membros justos de diversos grupos
vindicassem a justiça de Deus ao julgar os membros impenitentes desses grupos, como os gentios
(Lv. Rab., 2.9; Pesiq. Rab., 35.3; cf. M t 12.38-42) ou os pobres e os ricos (Abot R. Nat., 6 A; 12,
§30 B; b. Yoma, 35b; 3En 4.3).
44E.g., Phaser, Judaism, p. 62-5.
A M EN T E D O E S P ÍR IT O (R M 8 .5 -7 ) 193
45Quanto a esse sentido de φρόνημα, veja BDAG. Geralmente o traduzo de modo diferente
adiante para evitar uma construção deselegante em nossa língua com o genitivo duplo. De qual-
quer modo, ele não aponta para cada pensamento individual, mas para uma forma estabelecida de
pensar, uma convicção difundida ou uma direção de pensamento.
46A filosofia popular afetava o discurso popular; não devemos pressupor que todos os cristãos
romanos tinham um alto nível de instrução, apesar da sofisticação dos argumentos de Paulo (cf.
Rm 15.14). Paulo tinha uma boa formação, mas os termos que ele usa coincidem em alguns pon-
tos com a filosofia popular que não exigia instrução específica alguma em uma escola de filosofia.
47Aliás, a maioria dos estudiosos reconhece que o público de Paulo em Roma era, em sua
maior parte, gentílico (cf. Rm 1.5,6,13-16; 11.13); veja, e.g., Nanos, Mystery, p. 77-84; Dunn,
Romans, l.xlv, liii; Tobin, Rhetoric, p. 37; Matera, Romans, ρ. 7; Jewett, Romans, p. 70. Ademais, a
antropologia helenística teve profundo impacto sobre fontes judaicas, e não apenas sobre aquelas
que são amplamente consideradas helenizadas (e.g., Car. Arts., 236; Josefo, C. A p.,2.203), mas até
mesmo sobre fontes que normalmente refletem um ponto de vista semítico mais tradicional (lEn
102.5; SipreDt., 306.28.2; veja discussão adiante, p. 369-70). Quanto a expressões dualistas em
Paulo, veja tb., e.g., Vogel, “Reflexions”; Pelser, “Antropologie”.
48Musônio, 16, p. 106.3-6,12-16.
194 Α Μ ΕΝΤΗ D O E S P ÍR IT O
Tipos ideais
Na opinião de alguns, o caráter era inato e, portanto, não podia ser facilmente
mudado.68 Para outros, inclusive muitos estoicos, era possível ajustar a natureza
de um indivíduo por meio de treinamento.69 De qualquer modo, as descrições
que dividiam a humanidade em duas categorias antitéticas geralmente serviam
de tipos ideais e não tinham por objetivo levar em conta uma gama de misturas
entre bem e mal.
ele próprio, seus colegas ou seus mestres sejam sábios.90 O ideal estoico talvez
existisse apenas na teoria, mas continuava a ser um ideal que os estoicos se
esforçavam para alcançar;91 era possível ser sábio o suficiente para progredir em
direção ao tipo ideal de sabedoria perfeita.92
Outros pensadores ridicularizavam ocasionalmente o modo de falar dos
estoicos.93 Luciano destaca que os próprios sábios estoicos não afirmavam ter
alcançado a sabedoria ideal.94 Críticos observavam que, tendo em vista o lento
progresso dos estoicos rumo à virtude, estavam errados em negar a possibi-
lidade de gradações de virtude e vício.95 A despeito disso, muitos pensadores
da Antiguidade não se importavam em usar certa medida de paradoxo como
recurso para comunicar um argumento.96
O dualismo persa também contrastava o bem e o mal como tipos puros.97
No modo de falar coloquial, gregos e outros contrastavam os bons e os desaver-
gonhados.98 D e modo prático, autores também contrastavam categorias ideais,
como sabedoria ou virtude e prazer.99 Aristóteles deixa espaço para mais grada-
ções de compromisso e contrasta a pessoa plenamente virtuosa com a pessoa cuja
lealdade está dividida entre razão e desejo.100 Ao falar de extremos, Euripides
90Erskine, Stoa, p. 74, que cita esp. Plutarco,yl estoic., 1048e (SVF, 3.668); de modo secunda-
rio, Sexto (SVF, 3.657), Plutarco, C. estoic., 1076bc.
91Klauck, Context, p. 376; Erskine, Stoa, p. 74; Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 61-2.
92Veja Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 70-2.
93Cf. Meeks, Moral world, p. 45, que cita Plutarco, Progr. virt, Mor., 76B.
94Luciano, Hermotimo, 76-77. Alguns pensadores greco-romanos também argumentavam em
favor de graus de virtude e vício, em oposição aos tipos ideais estoicos (Cícero, S. bem, 4.24.66-68);
platônicos posteriores asseveravam que o filósofo podia ser virtuoso e sábio por natureza e, ainda
assim, precisar ser conduzido nessa direção (Plotino, Enéadas, 1.3.3).
95Cícero, S. bem, 4.24.67.
96Quanto à utilidade do paradoxo na retórica antiga, veja Anderson, Glossary, p. 88. Quanto
à tensão paradoxal entre expectativas de impecabilidade e de fato pecar fora dos textos de Paulo,
cf. 1J0 1.8-10; 2.1; 3.6,9.
97Conzelmann, Theology, p. 14, que propõe esse dualismo como influência sobre o dualismo
judaico e cristão primitivo (muitos também propõem influência sobre os Manuscritos do Mar
Morto; veja Fritsch, Community, p. 73). Em oposição a essa ideia, Gordon (Civilizations, p. 190)
propõe a presença do dualismo até no pensamento cananeu, embora apresente como exemplos,
em sua maior parte, imagens do guerreiro divino. E possível que certo grau de dualismo ocorra
até mesmo em religiões daTrácia (Bianchi, Essays, p. 151-6). Quanto ao dualismo evidente no
zoroastrismo, veja Yamauchi, Persia, p. 438-40.
98Esquines, Timarco, 31; Max.Tiro, Or., 8.7.
99Max.Tiro, Or., 33.2. Indicações de dualismo em Platão foram mais desenvolvidas por seus
ouvintes posteriores (Nock, “Gnosticism”, p. 266-7, que cita Pol., 269E).
100Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 52, que cita Aristóteles, E.N., 1.13.17,1102b26-28;
6.13.2,1144bl6; 7.8.4,1151all-20.
A M EN TE D O E S P ÍR IT O (R M 8 .5 -7 ) 199
observa: “Aqueles que não têm domínio próprio e nos quais transbordam os
males da inimizade e da injustiça são perversos, ao passo que aqueles nos quais
prevalecem os opostos são imbuídos de virtude”; no entanto, Euripides também
reconhece explicitamente que há uma mistura em outros.101
101Euripides, frag. 954 (tradução para o inglês de Collard; Cropp, LCL, 8.549).
102Portanto, o autor de um salmo de sabedoria louva aqueles que são inteiramente justos (SI
119.1-3) e pede para estar entre eles (119.5). Quanto a justos e perversos, veja, e.g., SI 1.5; Pv 10
.3,6,7,11,16,20,24,25,28,30,32; 4Q511, frag. 63, col. 3.4. Quanto a sábios e insensatos, veja, e.g.,
Pv 10.1,14; 13.20; 14.1,3,24; 4Q301, frag. 2a.l; 4Q548, frag. lii 2.12. A tradição da sabedoria
egípcia antiga tinha um contraste semelhante, embora com fundamentação social um tanto dife-
rente (Morris,Judgment, p. 13). Quanto ao dualismo na sabedoria e em fontes apocalípticas, veja,
e.g., Gammie, “Dualism”.
103Eo 33.14 (NRSV); veja tb. 33.15.
m T.Aser, 1.3-5 (OTP, 1.816-17); quanto a impulsos contrastantes, veja discussão no cap. 3.
103E.g., Sêneca J, Lucílio, 8.3; 27.4; D. Crisóst., Discursos, 1.68-81; Diógenes, Cartas, 30, para
Hicetas; Max.Tiro, Or., 14.1-2; D t 30.15; SI 1.1; m. ‘Abot,2.9; T.Aser, 1.3,5; M t 7.13,14; Did., 1.1-
6.2; Barn., 18.1-21.9; Keener, Matthew, p. 250; outras fontes em Aune, Dictionary o f rhetoric, p. 478.
106Talbert, Romans, p. 203.
107E.g., 1QM, 1.1,11; 13.16; lQ34bis, frag. 3, col. 1.5; 4Q473, frag. 1. Dunn, Romans, 1.425,
também compara com IQS, 3.13-23 (observando paralelos com os contrastes de Paulo em IQS,
200 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
3.18,20-21; 4.6-18), e observa que até mesmo nesse caso “os próprios membros da aliança per-
tencem a ambos os grupos (1QS, 4.23-25...)”. Cf. dualismos morais (Fhissei, Judaism, p. 25-28;
Driver, Scrolls, p. 550-62) e escatológicos (veja Jeremias, “Significance”) nos Manuscritos do Mar
Morto; a escatologia e a soberania de Deus limitam o dualismo cósmico nos Manuscritos (1QS,
4.17-20); cf. tb. o contraste entre os dois espíritos em 1QS, 4.2-14 (Duhaime, “Voies”).
108Veja, e.g., 1QS, 3.7; 4.21; 4Q255, frag. 2.1; cf. Chevallier,^«rien Testament, p. 56-7; Keener,
Spirit, p. 8-10; Keener, Acts, 1.532-4; Coppens, “Don”, p. 211-2,222.
109Veja esp. 1QS, 3.19. Uma porção tanto de sabedoria quanto de verdade habitava dentro de
todos, ainda que em diferentes medidas (1QS, 4.24). No contexto, é possível discutir se isso de-
veria acabar uma vez que o indivíduo se tornasse parte da comunidade, mas parece mais provável
que o Manual de disciplina esperasse que essa condição cessasse depois do eschaton.
110E.g., 1QS, 11.10-17; lQ H a, 5.33-34; 12.30-38; 4Q264, frag. 1.1; cf. lQ H a, 11.21-26.
111Quanto a sua “perfeição” ou completude conforme algum padrão, veja, e.g., 1QS, 4.22; 8.25;
10.22; 1QM, 14.7; 4Q403, frag. 1, col. 1.22; 4Q404, frag. 2.3; 4Q405, frag. 3, col. 2.13; frag. 13.6;
4Q491, frags. 8-10, col. 1.5; lQ H a, 8.35; 9.38; mas contrastar com lQ H a, 12.30-31; 17.13; 22.33.
n2E.g.,Abot R. Not., 35, §77 B; Sipre Dt., 48.1.3.
113Moore, Judaism, 1.467-8; Flusser, Judaism, p. 62.
114Dunn, Romans, 1.425; Dunn, Theology, p. 478, favorece os tipos ideais, mas argumenta
contra a divisão da humanidade de forma binária — algo que, em essência, os tipos ideais fazem.
Ainda assim, ninguém preenchia os tipos na prática ou correspondia inteiramente a eles, o que
talvez esteja próximo do argumento de Dunn.
A M EN TE D O E S P ÍR IT O (R M 8 .5 -7 ) 201
Todos que têm o Espírito são povo do Espírito (Rm 8.9); todos os outros per-
tencem ao âmbito da humanidade mortal e impotente, ou seja, estão na carne
(ou, como afirmam muitos comentaristas, no âmbito do velho Adão). Em outras
palavras, a verdadeira divisão se baseia não no grau de conformação à “carne”,
mas no fato de o Espírito estar ou não ativo e produzindo transformação.115 O
Espírito efetua verdadeira justiça; idealmente, essa atividade do Espírito produz
caráter perfeito, mas os ouvintes da Antiguidade eram capazes de identificar
que, na prática, esse ideal não anulava o valor do progresso.
״sCf. J. Crisóst., Hom. Gn., 22.10 (tradução para o inglês de Bray, Romans, 211). “ Vocês não
estão na carne não porque não se encontram revestidos de carne, mas porque, apesar de estarem
revestidos de carne, elevam-se acima do modo de pensar da carne”. Isso não significa que não é
possível marginalizar o Espírito em grau perigoso; a apostasia continua a ser possível (Lambrecht,
“Exhortation”; cf. Rm 8.13).
116Quanto à experiência similar de Cristo e do Espírito, veja, e.g., Keck, Romans, ρ. 200;
Toit, “In Christ”. O fato de que, para Paulo, Jesus pode ocasionalmente assumir o papel divino
desempenhado pela divindade nos filósofos parece claro até mesmo no contexto de Rm 8, e.g., no
caso do “Espírito de Cristo” (8.9; veja Turner, “Spirit of Christ”, esp. p. 436; Fee, “Christology and
pneumatology”, esp. p. 331; Hamilton, Spirit and eschatology, p. 28-9) e possivelmente no envio do
Filho (8.3; veja discussões em Adinolfi, “L’invio”; Wanamaker, “Agent”; Byrne, “Pre-existence”;
em outros textos, cf. Howell, “Interchange”).
117Quer todos os ouvintes romanos de Paulo o tenham entendido quer não da primeira vez
que ouviram 8.6, logo em seguida ouviram 8.27, e tanto Febe como os ex-colaboradores de Paulo
em Roma provavelmente eram capazes de explicar seu uso para eles (cf. esp. Rm 16.1-5,7). Assim
como o leitor ideal da crítica literária (conforme Johnson, Romans, p. 19-20), os leitores e ouvintes
dos tempos antigos com frequência consideravam uma passagem à luz da obra como um todo, que
202 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
O raciocínio de Paulo vem das Escrituras, mas gentios com boa formação tam-
bém devem ter se identificado com sua terminologia. Aliás, é possível que alguns
a tenham contextualizado de modo excessivo, como se ele estivesse falando da
divindade da mente.123 Embora alguns pensadores falassem de mentes mortais
eles liam ou ouviam várias vezes (Quintiliano, Inst. or, 10.1.20-21; Sêneca J., Lucílio, 108.24-25;
Hermógenes, Método, 13.428; Filóstrato, Her., 11.5).
118E .g .Jl 2.28,29; esp. Ez 36.27 com jr 31.33. Cf. 1QS,4.21 com Ez 36.25-27.
119Ouvintes nos tempos antigos entendiam a ideia de uma intuição ou voz divina que podia
complementar o dom divino mais comum da sabedoria, veja Apuleio, D. Soer., 162-66. Cf. Ne 7.5.
120Paulo faz distinção entre o espírito humano, aparentemente um elemento afetivo da per-
sonalidade humana, e o elemento racional em 1C0 14.14,15 (no contexto de 14.13-16, Paulo se
refere à oração em línguas com o espírito e à interpretação por meio do entendimento, ambos
inspirados, à luz de 12.7-11, pelo mesmo Espírito); cf. Marco Aur., 12.3; Ridderbos, Paul: outline,
p. 121.
121Cf. Edwards, “Light”, p. 139 (sermão feito em 1733 e influenciado pela psicologia de
Locke): “O Espírito de Deus [...] pode, de fato, agir sobre a mente do homem natural, mas age
na mente do santo como princípio vital que habita dentro dele [...], une-se com a mente do santo,
toma-o como seu templo, o impulsiona e o influencia como um novo princípio sobrenatural de
vida e ação [...] manifestando sua própria natureza no exercício da faculdade deles”. Edwards
adverte que não se tratava de revelação de nova doutrina (em oposição a certos movimentos de
sua época, provavelmente incluindo elementos contemporâneos dos quaeres); antes, o Espírito
proporcionava percepção da santidade de Deus, movia a razão do santo para a verdade e gerava
entendimento e fé. Cf. aqui tb. McClymond; McDermott, Theology o f Edwards, p. 416-7,420-1;
para Edwards, as afeições incluem de modo integral o intelecto e a volição, bem como as emoções
(p. 312-3). Cf. Calvino, Comentário de Gálatas, 2.20, em Bray, Galatians, Ephesians, p. 80-1; esp.
Rudolf Gwalther, Sermons on Galatians, sobre G13.5 (ibidem, p. 94).
122Paulo menciona a “mente do Senhor” com base em Isaias 40.13, LXX, mas o contexto do
argumento de Paulo (1C0 2.11,12) indica que ele tem consciência da leitura hebraica em Isaías,
a saber, “o Espírito do Senhor”.
123Veja discussão nas p. 281-2,288-93.
A M EN TE D O E S P ÍR IT O (R M 8 .5-7 ) 203
que não conheciam o que era bom da forma que os deuses conheciam,124125outros
falavam da divindade da mente, ou de sua capacidade de alcançar certo grau de
divindade. Um fragmento do poeta trágico Euripides, do quinto século a.C., dá
a entender que a mente individual era um deus.12s Pensadores gentios costuma-
vam associar a mente às coisas divinas.126 Alguns afirmavam que, de todos os
benefícios humanos, somente a razão participava da natureza do divino.127
Para um estoico, o ideal era “ter a mesma mente” de Deus e, portanto, aceitar a
razão e a vontade do destino;128quem tinha progredido até esse ponto havia se tor-
nado praticamente divino, embora fosse uma ocorrência rara.129 Para os estoicos, só
é possível se aproximar de Deus de modo racional, pois Deus é pura Inteligência.130
Sêneca, estoico do primeiro século, propõe que a alma humana é divina;131 Deus é
superior por ser inteiramente razão ou alma, sem a mistura de outros elementos.132
Esses interesses eram amplamente difundidos entre os intelectuais greco-
-romanos. Na opinião de certo orador, um amigo de Zeus pensaria como Zeus,
0 que, para o orador, significava desejar o que era virtuoso em lugar do que era
vergonhoso.133 Outro orador, muito anterior a esse, aconselha seus ouvintes a
“cultivarem os pensamentos de um imortal”.134135O filósofo estoico Epíteto exorta
a “ter a mesma mente” de Deus.13s Para Sêneca, esse conceito podia abranger a
124Valério, 7.2.ext.la.
125Euripides, frag. 1018. Collard; Cropp (LCL, 8.577, nota 1) propõem outra possível in-
terpretação, mas observam que nós (e provavelmente muitos intérpretes antigos) não temos o
contexto do dito.
126Sêneca J., Lucílio, 124.23; Porfírio, Marcela, 11.191-93; 26.409-10; cf. Musônio, 17, p.
108.8-22.
127Aristides, Def. or., 409-10, §139D. A deliberação era a parte mais divina das questões hu-
manas (Rhet. Alex., pref. 1420b.20-21).
128Veja Musônio, frag. 38, p. 136.4-5 (a tradução de Lutz capta o sentido, embora aqui
Musônio diga simplesmente τ φ θεφ); Epíteto, Diatr., 2.16.42 (όμογνωμονώ); 2.19.26-27
(em que corresponde a procurar tornar-se divino). Quanto a pensar como Zeus, cf. D. Crisóst.,
Discursos, 4.42-43. E preciso seguir a sabedoria dos deuses e ter “uma só mente” (ομογνωμονας)
com eles (Libânio, Teses, 1.3).
129Epíteto, Diatr, 2.19.26-27.
130Epíteto, Diatr., 2.8.2.
131Sêneca].,Lucílio, 41.4-5 (tradução para o inglês de Gummerc, LCL, 1.274-75): almas que
desconsideram os problemas ou prazeres deste mundo são divinas, movidas desde o céu (caelestio
fotentia agitai). Cf. a lei divina impressa na alma em Porfírio, Marcela, 26.419-20.
132Sêneca J, Q. nat., l.pref.14.
133D. Crisóst., Discursos, 4.43. Quanto a Zeus como “a Mente suprema”, veja Max.Tiro, Or., 4.8.
134Isócrates, Demon., 32 (tradução para o inglês de Norlin, LCL, 1.23,25), embora também
aconselhe a contemplar a mortalidade das formas corretas.
135Epíteto, Diatr., 2.16.42; 2.19.26-27.
204 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
116Sêneca J., Q. nat., l.pre£17 (tradução para o inglês de Corcoran, LCL, 1.13).
137Porfírio, Marcela, 19.314-16 (tradução para o inglês de O ’Brien Wicker, p. 63). A linha 314
traz ενθεον φρόνημα, provavelmente indicando inspiração. Em 19.318-19 ele exorta que a men-
te (voOç) seja um templo (νεώς, equivalente em grego ático de ναός) para Deus, possivelmente
com um jogo de palavras, cf. 11.191-93,196-98.
118Porfírio, Marcela, 26.409-10.
119Porfírio, Marcela, 16.265-67 (tradução para o inglês de O ’Brien Wicker, p. 59). Quanto ao
desejo dos platônicos de ser iguais a Deus, veja Nock, Christianity, p. 55.
140Porfírio, Marcela, 13.233-34 (a alma deve obedecer à mente, e o corpo deve obedecer à
alma; 13.234-35).
141E.g., Filo, Interp. aleg., 2.10,23; Imutável, 46-48.
142Filo, Sonhos, 1.140.
141Lat.: sacer intra nos spiritus sedet.
144Sêneca J., Luctlio, 41.1-2 (tradução para o inglês de Gummere, 1.273). Alguns outros tam-
bém reconheceram a necessidade de Deus ajudar a virtude a prevalecer na alma dos mortais (Max.
Tiro, Or., 38.6). Em Porfírio, Marcela, 12.207, Deus é “responsável por todo o bem que fazemos”,
ao passo que (12.208) nós somos responsáveis pelo mal que praticamos.
145Sêneca J., Luctlio, 73.16.
A M EN TE D O E S P ÍR IT O (RM 8 .5 -7 ) 205
146Tendo em vista 2Co 3.3,6 (cf. Rm 7.6), uma combinação midráshica de Ez 36.26,27 e
Jr 31.31-34 norteia o entendimento de Paulo (c£, e.g., Bruce, Apostle, p. 199; Dunn, Romans,
1.417). A LXX de Jr 31.33 (TP) tern a lei na διάνοια (mente, entendimento) e na καρδία (que
também inclui elementos cognitivos), e fala de “conhecer” (γινώ σκω e οΐδα) a Deus em 31.34
(TP; 38.33,34, LXX).
147Filo,Abraão, 80; cf. Isaacs, Spirit, p. 50; Dillon, “Transcendence in Philo”; Hagner,“Vision”,
p. 89-90.
148Cf. IC o 2.16; 12.8. Para uma argumentação em favor dessa ideia em Carta deArísteas, veja
Scott, “Revelation”. Cf. talvez Inácio, Trai, 4.1. “φρονώ έν θεώ”.
149Veja novamente a discussão nas p. 288-93.
150Veja a discussão em Keener, Acts, 1.532-7; quanto ao contexto bíblico, veja, e.g., Keener,
“Spirit”, p. 485-7.
151Veja a discussão mais completa em Keener, Acts, 2.1810.
206 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
podiam ser equivalentes, pelo menos para alguém que tinha em si a presença
do Espírito em longo prazo, e não apenas de modo temporário (Nm 27.18;
D t 34.9). Escatologicamente, Deus colocaria seu Espírito dentro de seu povo
a fim de transformá-lo (Ez 36.27) e sobre ele a fim de capacitá-lo (J12.28,29).
É provável que, em parte por motivos teológicos, Paulo fale com frequência da
operação do Espírito no povo de Deus e no meio dele (e.g., IC o 3.16; G1 6.8).
Como os gentios e os judeus da Diáspora teriam entendido a linguagem de
Paulo a respeito da habitação do Espírito de Deus ou de Cristo nos crentes? De
acordo com alguns autores, Sócrates tinha um deus dentro dele.152*Plutarco enfa-
tiza que ο νόμος divino deve sempre habitar dentro do bom governante.ls3 Um
neoplatônico propõe uma alternativa em que o divino, ou um demônio maligno,
habita na alma.154 Epíteto nega que a pessoa jamais esteja só e fala da presença
da divindade em todos: “Deus está no seu interior, e seu próprio gênio [δαίμων]
está dentro de você”.155 De modo semelhante, “vocês são um fragmento de
Deus; têm dentro de si uma parte dele. Por que, então, desconhecem seu próprio
parentesco?”.156 O estoico romano Sêneca também afirma que Deus entra nas
pessoas {in homines venit) e que a semente divina é lançada {semina [...] dispersa)
dentro delas.157Essa linguagem não era amplamente difundida, mas era inteligível.
Os judeus, seguindo o Antigo Testamento, por vezes afirmavam que Deus
ou o Espírito habitava em seu povo ou no meio dele. Em Sabedoria de Salomão,
a Sabedoria entra nas almas santas para tornar os indivíduos amigos de Deus
e profetas.158 Em Pseudo-Filo, um “espírito santo” {spiritus sanctus) não ape-
nas “veio sobre” ele, mas também “habitou nele”, inspirando profecias.159 Em
Testaments o f the twelve patriarchs [Testamentos dos doze patriarcas] usa-se
linguagem semelhante. Desse modo José tinha o Espírito de Deus dentro dele e,
portanto, fazia o bem (cf. G n 41.38).160 No período escatológico, Deus habitará
em (ou com) qualquer pessoa compassiva que ele encontrar.161 O povo de Deus
deve evitar o pecado “para que o Senhor possa habitar no meio de vocês”,162 e “o
Senhor habitará entre” aqueles que fazem o que é certo.163 Filo também apre-
senta algumas analogias que nos ajudam a perceber de que modo os públicos de
Paulo na Diáspora talvez tenham entendido sua ideia da habitação do Espírito
naqueles que são dedicados a ele.164
O conceito de Paulo não depende do pensamento grego: sua menção tanto
da lei quanto do Espírito de Deus reflete de modo mais direto os profetas bí-
blicos, de acordo com os quais, em última análise, seria o Espírito de Deus que
capacitaria o povo de Deus a servi-lo de modo pleno (Ez 36.25-27).165 Paulo
também limita a ação divina aos participantes da aliança de Deus (Rm 8.9), e
eles continuam a ser plenamente humanos, embora sejam também agentes do
divino. Ainda assim, porém, algumas das idéias de Paulo seriam inteligíveis em
um contexto gentílico.
A experiência do Espírito
Como se reconhece amplamente, o Espírito é um elemento central da teologia
de Paulo;166 para ele, a dádiva do Espírito é a marca que define os crentes.167
Embora a abordagem acadêmica ou antropológica que se costuma encontrar na
filosofia gentílica se sobreponha aos interesses de Paulo em vários pontos, não
é inteiramente paralela ao pensamento dele. Para Paulo, a iniciativa divina em
si, e não uma divindade inata acessível simplesmente pela razão humana, ativa a
realidade divina na vida do indivíduo.
m T. Sim. 4.4.
161T. Zeb. 8.2.
m T. Dã, 5.1 (OTP, 1.809; grego em Charles, Testaments, p. 136, κατοικήσει εν ύμΐν).
uiT. José, 10.2 {OTP, 1.821; Charles, Testaments, p. 196, κατοικήσει έν ΰμιν).
1MCf. Sellin, “Hintergründe”. Veja, e.g., Filo, Querubins, p. 98, 100; Sonhos, 1.149; Moisés,
1.277. Em outro texto, Filo se refere ao corpo como o lugar de habitação da alma.
16sDavies, Paul, p. 341, cita Yalqut sobre Gn 49 para o fato de o justo fazer tudo no Espírito
Santo; essa terminologia aparece em raras fontes rabínicas, mas nos Manuscritos do M ar Morto
0 Espírito de Deus purifica a pessoa (1QS, 3 . 6 4 . 2 1 ;3.25-4.5 ;9 ;־lQHa,8.30; cf. 4Q444, frags.
l-4i + 5.3-4). A ideia de que Deus capacita a pessoa para fazer o bem ocorre com mais frequência;
veja, e.g.,Jub. 1.19; Car. Arts., p. 243,252,274,276,278,282,287,290.
166Com, e.g., Fee, Presence, Schreiber, “Erfahrungen”; Stegman, “Holy”; Jervis, “Spirit”.
167Dunn, “Gospel”, p. 148-51; Dunn, Romans, 1.429-30; Matera, Romans, p. 208-9.
208 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
Embora seja possível tentar adotar uma nova identidade de forma cognitiva,
a experiência dessa realidade se dá pelo Espírito. A resposta ao Espírito inclui
a aceitação cognitiva, mas a aceitação precisa reconhecer a iniciativa divina, em
vez de deixar de reconhecer e de expressar gratidão, como fizeram aqueles que
abandonaram o conhecimento de Deus em Romanos 1.18-32.
O Espírito acrescenta um elemento subjetivo e relacionai que a mente e a
volição humanas, equipadas pelo Espírito, podem fornecer, mas não controlar.
Embora em Romanos 6 Paulo fale de andar em novidade de vida (um aoristo
subjuntivo em 6.4, cujo significado é controverso),168 fala ainda mais da identi-
ficação dos crentes com Cristo no tocante à morte e à ressurreição passadas de
Cristo e ao batismo passado dos crentes. Ou seja, esse aspecto de sua argumen-
tação pode ser abordado de forma objetiva.
Embora a morte e a ressurreição de Cristo tenham sido consumadas, o
Espírito de Deus aplica essa realidade aos crentes no presente. Aqui, o Espírito
de Deus continua a agir para que a experiência do Espírito pelos crentes perma-
neça presente. O Espírito continua a ativar a vida nova e ininterrupta em Cristo
(cf. Rm 7.6; 8.2,10) e, um dia, transformará o corpo dos crentes (8.11,23), assim
como Deus, por meio do Espírito, ressuscitou Jesus (1.4). O Espírito habita nos
crentes de modo presente e constante (8.9,11), capacitando-os para efetivar a
morte do pecado (8.13), guia os filhos de Deus (8.14) e instila neles a certeza de
que são, de fato, filhos de Deus (8.15,16). O Espírito inspira a experiência dos
crentes de relacionamento com Deus como Pai (8.15) e intercede dentro de nós
em nosso favor (8.26).
A dimensão subjetiva ou relacionai da atividade do Espírito fica evidente
em várias das obras do Espírito. Por exemplo, ele distribui os dons entre os
crentes (IC o 12.7-11) e produz fruto moral dentro deles (G1 5.22,23). O u seja,
o Espírito é mais que uma doutrina a ser confessada ou usada para explicar de
forma abstrata a atividade de Deus; o Espírito está ativo na vida dos crentes. Ele
atesta e comunica a mensagem da cruz (1C0 2.4); sem o Espírito, a mensagem
não será compreendida (2.10-15).169 No entanto, a atividade plena do Espírito
168Apesar do paralelo com aquilo que talvez seja a ressurreição futura em Rm 6.5, o aoristo
subjuntivo em 6.4 provavelmente convida a um comportamento presente; possivelmente de modo
contrário às interpretações tradicionais dos tempos verbais aqui, comparar o presente subjuntivo
de έτπμένωμεν com o aoristo subjuntivo de ττλεονάσρ em 6.1 e talvez o aoristo indicativo com
o futuro indicativo em 6.2.
169De modo semelhante, somente alguns ouvintes reconheceríam de fato a mensagem ins-
pirada do evangelho como mensagem verdadeiramente proveniente de Deus (lTs 2.13; cf. Mc
4.15-20).
A M EN TE D O E S P ÍR IT O (R M 8 .5-7 ) 209
teologia paulina, o Espírito de Cristo vive nos crentes (Rm 8.9,10), Cristo vive
neles (8.10; G12.20) e Cristo é “nossa vida” (Cl 3.3,4; cf. Fp 1.21).172
A pergunta de Charles Sheldon no final do século 19: “O que Jesus faria?” é
apropriada para a teologia paulina, mas, talvez de modo ainda mais pleno, Paulo
exortaria os crentes a considerarem: “Como é Jesus?” e esperarem de modo con-
fiante o mesmo caráter moral manifestado neles. Portanto, lemos a respeito do
“fruto” da presença de Deus nos crentes por meio do Espírito (G1 5.22,23,25;
cf. Rm 15.30; E f 5.9; Fp 1.11), em contraste com as obras que expressam as
preferências naturais da carne (G15.19-21).173
172Cf. talvez, ainda, a “vida divina” em E f 4.18, dependendo do sentido da construção genitiva
naquela passagem.
175Veja, e.g., discussão em Keener, Gift, p. 74-82 (esp. p. 74-7).
174Na maior parte desta seção, adapto Keener, “Perspectives”, p. 222-5.
175O termo εχθρα aqui traz à memória εχθρός em 5.10.
176Veja p. 306-8.
A M EN TE D O E S P ÍR IT O (R M 8 .5-7 ) 211
Tendo em vista as diferenças terminológicas, o uso de “paz” por Paulo não corres-
ponde, necessariamente às idéias filosóficas de tranquilidade ou de fim da guerra
das paixões, mas essa associação merece consideração. Os estoicos valorizavam
a tranquilidade e a paz mental,178 como também o faziam os epicuristas179 e ou-
tros.180 Para os estoicos, em conformidade com Aristóteles, “uma virtude é um
estado (hexis) mental que nem sempre precisa estar ativo, mas que pode ser ativado
precisamente nas circunstâncias apropriadas”.181Tanto estoicos quanto epicuristas
buscavam a tranquilidade por meio do ei tendimento da verdade.182 Não apenas
os estoicos, mas também outros advertiam que a ignorância e o desejo de prazer
levavam a maioria dos mortais a terem uma mente inquieta.183
Diversas filosofias diziam oferecer paz e tranquilidade;184 essa promessa po-
dia contrastar, como em Romanos 8.6, com a preocupação com a “morte”. Os
epicuristas, por exemplo, afirmavam que era possível ter paz mental ao banir su-
perstições e o medo da morte.185 Muitos pensadores,186 inclusive os estoicos187 e
177Cf. Filo, Interp. aleg., 3.117, em que a guerra na alma subjuga a mente e perturba sua paz;
ou 3.130, em que a erradicação das paixões proporciona paz interior; as paixões provocam guerra
na alma, mas Deus pode dar paz à mente (3.187; cf. Criação, 81; Hom. virí. 17; Leis esp., 4.95;
Sonhos, 2.250; Confusão, 43; Abraão, 26). A perversidade impede a tranquilidade da alma (Interp.
aleg., 3.160; Confusão, 46); traz desordem à alma (e.g., Estudos, 176; Moisés, 2.164).
178Sêneca J., Diálogos, 4.12.6; 4.13.2; 5.6.1; 9 passim; Lucílio, 75.18; Musônio, frag. 38, p.
136.1-3; Epíteto, Diatr., 1.4.1; Dídimo, 2.7.5M, p. 12.31-33; 2.7.5k, p. 34.1-4; 2.7.118, p. 100.7.
179Lucrécio, Natureza, 5.1198-1206; Cícero, S. bem, 1.14.47; Luciano, Alex., 47; Laércio,
10.131; 10.144.17. O objetivo principal de Epicuro era ter paz na mente (com o sentido de au-
sência de perturbação; Laércio, 10.85; cf. 10.144.17).
180Jâmblico, Pitágoras, 2.10; cf. Cícero, Amiz., 22.84; Hossenfelder, “Ataraxia”.
181Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 51, que cita Aristóteles, E.N., 2.5.
182Veja Bctt, “Emotions”, p. 212. Ele observa que os céticos buscavam o oposto e reconheciam
que essa verdade absoluta não existia.
183D. Crisóst., Discursos, 13.13.
184Quanto à importância para a filosofia de paz mental (αταραξία), veja Hossenfelder, “Ataraxia”.
185Cícero, S. bem, 1.18.60; Luciano, Alex., 47; quanto à ausência de perturbação na mente, veja
Lucrécio,Natureza, 5.1203; Laércio, 10.144.17. Os epicuristas recomendavam a moderação como
meio de alcançar esse objetivo (Cícero, S. bem, 1.14.47).
186E.g., Cícero, Leis, 1.23.60; Diógenes, Cartas, 28; Max. Tiro, Or., 11.11; 36.2; Jâmblico,
Pitágoras, 32.228. C f Valério, 9.13.pref.; 9.13.3; Plutarco, Poesia, 14, Mor., 37A; Eo 40.2,5; Hb
2.14,15; Mart. Pol. passim.
187Sêneca J., Lucílio, 80.6; 82 passim; 98.10; Q. nat., l.pref.4; 2.58.3; 6.32.12; Diálogos,
9.11.4-5; Musônio, 1, p. 34.31-33; 3, p. 40.35-42.1; 3, p. 42.3; 4, p. 48.5-6; 17, p. 110.1,12-13;
212 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
Epíteto, Diatr., 1.17.25; 2.1.13; 2.18.30; Marco Aur., 9.3; 12.35; cf. 8.58. Mas mesmo filósofos
reconheciam que lutavam com esse medo (Musônio, 6, p. 54.35—56.7, esp. 56.2).
188Talvez especialmente os epicuristas; veja, e.g., Lucrécio, Natureza, passim (esp. 1.102-26;
3.1-30,87-93; cf. O ’Keefe,“Lucretius”; Warren,“Lucretius”); Cícero, S. bem, 1.18.60; 4.5.11; Nat.
Deuses, 1.20.56; Laércio, 10.125.
189E.g., Cícero, S. bem, 2.30.96-98; cf. bravura testada em Sêneca J., Lucílio, 66.50. Quanto ao
fracasso a esse respeito que desmascara um falso filósofo, veja Luciano, Peregrino, 42-44.
190Musônio 8, p. 66.10; cf. Jâmblico, Pitâgoras, 32.224-25. Quanto a filósofos contra o medo,
veja ainda, Valério, 3.3.ext.l; Sêneca J., Ben., 4.27.1; Lucílio, 13; 98.6; D. Crisóst., Discursos, 1.13;
3.34; Crato,Ep., 7; Dídimo, 2.7.5a,p. 10.11; 2.7.5b, p. 12.6; 2.7.5bl, p. 12.27-29; 2.7.5c, p. 28.14-
15; Filóstrato, V.Apol., 1.23.
191E.g., Sêneca J., Q. nat., 6.32.4; Epíteto, Diatr., 2.19; Jâmblico, Pitâgoras, 2.10; 32.220;
Filóstrato, V.Apol, 1.23; cf. ainda Stowers, “Resemble”, p. 93; Keener, Acts, 4.3627-9. Outros fato-
res, como amizade, podiam proporcionar tranquilidade à alma (Cícero, Amiz., 22.84).
192Musônio, 6, p. 54.35-56.7 (esp. 56.2); Gélio, 19.1.4-21; Laércio, 2.71 (sobre Aristipo).
193E.g., Cícero, Deveres, 1.38.136; Laércio 7.1.110; Jâmblico, Pitâgoras, 32.225. Refrear as
paixões fazia parte da virtude (Cícero, Deveres, 2.5.18).
194E.g., Valério, 3.3.ext.l.
19sCícero, Deveres, 1.29.102; 1.38.136.
196Dídimo, 2.7.5k, p. 34-45.13 ;־em detalhes, Sêneca }.,Diálogos, 9. A alma virtuosa estava em
harmonia consigo mesma, pois não tinha impulsos contraditórios (Dídimo, 2.7.5bl, p. 12.31-33).
197Dídimo, 2.7.11s, p. 100.7-10.
198Sêneca J., Diálogos, 4.12.6. Pode-se distingui-la do simples relaxamento, por mais provei-
toso que fosse (como em Sêneca V., Controv., 1. pref.15). Sêneca, o Jovem, também valorizava a
capacidade de evitar distrações (Sêneca J., Lucílio, 56).
A M EN TE D O E S P IR IT O (R M 8 .5 -7 ) 213
'99Sêneca J., Diálogos, 4.13.2. Quanto a essas perturbações da alma, c£, e.g., D. Crisóst.,
Discursos, 13.13.
20"SènecaJ., Lucí/io, 75.18. Quanto a superar o medo, veja tb. Epíteto, Diatr. ,2.16.11;2.17.29.
201Sêneca J., Diálogos, 5.6.1. Quanto à relação da mente com os céus, veja discussão anterior.
Ao contrário de uma leitura literal dos mitos, os deuses tinham paz e tranquilidade, sem discórdia
(Proclo, Poet., 6.1, K87.16-17,21-22; Libânio, Invert., 7.2).
202Musônio, frag. 38, p. 136.1-3.
203Epíteto, Diatr., 1.4.1,3.
204Epíteto, Manual, 8.
205Car. Arts., 273. Em T. Sim., 3.5 a mente encontra paz quando a pessoa foge para Deus e o
espírito de inveja é expulso (cf.Tg 3.17), veja Filo, Fuga, 174.
206Filo, Interp. aleg., 3.187.
207Filo, Sonhos, 2.229 (cf. tb. a mente em repouso em 2.228).
208Comparar também o medo da morte em alguns filósofos citados anteriormente com Rm
7.24 e 8.6.0 tipo de ansiedade retratada em Rm 7 se alimenta prontamente de si mesma e torna o
medo compulsivo. No entanto, Paulo não concordaria que alguém ficasse ansioso a respeito de sua
experiência de medo ou ansiedade; sua discussão anterior nessa carta deixa claro que o objeto e o
fundamento da confiança da pessoa é a realidade objetiva da justificação em Cristo, e não o estado
emocional subjetivo. Cf. nas próprias cartas de Paulo, e.g., 2Co 7.5; 11.28,29; lTs 3.5.
209Sem dúvida, em Filipenses (veja 2.2; 4.2,3; cf. 4.9) a paz também é, em parte, comunitária,
mas se tem em vista ainda, em parte, a mente individual (4.8).
214 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
210Embora a LXX traga ειρήνη aqui, o sentido da LXX é completamente diferente, portanto
qualquer influência deve ser proveniente do T M (ou de uma versão grega diferente daquilo que se
tornou a maioria dos manuscritos que generalizamos como texto da LXX).
211No contexto mais amplo essa “paz” também é relacionai (Is 26.12; 27.5), como costuma ser
o caso nos textos de Paulo.
212Quanto ao uso que Paulo faz de Isaías, veja, e.g., Wagner, Heralds·, Hays, Conversion, p. 25,
46-9; Oss, “Note”; Haacker, Theology, p. 100. Esse uso também se harmoniza com a proeminência
de Isaías entre alguns outros intérpretes “escatológicos”de sua época (cf. Fritsch, Community, p. 45).
213Paulo talvez até pressuponha o “Espírito” de Isaías 26.9, mas nesse caso é o espírito da
pessoa que ora (meu espírito), paralelo a sua alma. É mais provável que ele simplesmente atribua
a ressurreição, e supostamente a vida de fé, ao Espírito; quanto ao Espírito e à ressurreição no
judaísmo antigo, veja Philip, Pneumatology, p. 1 3 7 8 ־.
214O texto de Isaías talvez inclua um trocadilho; duas palavras adiante, o texto diz “tu guar-
darás” (íisõr).
2,3Veja p. 152-7.
216Geralmente, em Isaías o termo e seus cognatos dizem respeito a olaria ou a qualquer coisa que
é formada (sendo que Deus forma, Is 29.16; 43.1,7,10,21; 44.2,21,24; 45.7,9,18; 64.8; os seres huma-
nos formam imagens de escultura, 44.9,10,12), mas também pode indicar aquilo que a mente forma
(planos, imaginação; cf. 22.11; em Is 37.26, pode se referir àquilo que Deus planejou ou formou).
217Cf. Gn 6.5 (cf. LXX); 8.21; D t 31.21; lC r 28.9; 29.18. E possível que Rm 8.26,27 reflita
a sondagem do coração por Deus em lC r 28.9; um reflexo aqui de αντιλαμβάνομαι de Is 26.3,
porém, é improvável, visto que o termo não é usado da mesma forma e é comum na LXX. Paulo
talvez reflita, ainda, lC r 29.18 em Fp 4.7.
A M EN TE D O E S P ÍR IT O (R M 8 .5-7 ) 215
218O mesmo verbo para “apoiar” e o verbo cognato para “confiar” aparecem juntos cm Is 36.6,
que adverte para não se apoiar ou confiar no Egito; a única outra ocorrência desses verbos juntos
é em 2Rs 18.21 (= Is 36.6). Em Is 48.2, o povo se apoia (depende) falsamente no Senhor, mas a
dependência é verdadeira em 26.3.
21,Quanto ao termo ou cognatos, vejais 12.2; 30.12; 31.1 (a confiança indevida no Egito e em
seus cavalos; em 31.3 esses cavalos são “carne, e não espírito”); 32.17 (em contraste com a confian-
ça indevida e habitação em suposta segurança em 32.9-11); 36.4-9 (o desafio de Rabsaqué: não
confiar no Egito); 36.15 e 37.10 (outro desafio: não confiar no Senhor); 42.17 (advertência para
não confiar em ídolos); 50.10 (confiar no Senhor); 59.4 (confiança indevida resultante de confii-
são). Também transmite a ideia de segurança (Is 14.30) ou falsa segurança (Is 32.9-11; 47.8,10).
Embora a raiz ocorra 155 vezes noT M , apenas oito dessas ocorrências são no Pentateuco, em que
tratam de “segurança” (Dt 28.52) ou confiança indevida.
220Em Salmos, o termo costuma expressar confiança, e.g., SI 55.23; 56.3,4,11. E possível,
ainda, comparar com M q 7.5, em que não se deve crer no seu próximo nem confiar no amigo, em
contraste com 7.7: “Confiarei no Senhor e esperarei pelo Deus da minha salvação”.
221Isaías 26.19 parece prometer a ressurreição.
222O hebraico repete “paz” duas vezes (como a NRSV identifica); trata-se, sem dúvida, de
uma expressão idiomática (cf. KJV, ASV, NASB, NIV: “perfeita paz”). A mesma construção ocor-
re em Is 57.19 (em que Deus dá paz aos humildes [57.15; à nação caída de Israel, 57.16-18]
perto e longe e cura; mas não concede paz aos perversos, 57.21); falsos profetas dizem, “paz, paz”,
quando não há paz alguma (Jr 6.14; 8.11); e guerreiros abençoam Davi com as palavras “paz, paz
contigo” (lC r 12.18).
216 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
citar um texto tão rico para discutir a fé (como cita ambos os textos que associam
fé e justiça em Romanos 1.17; 4.3 e Galátas 3.6,11)? Ainda que ele raciocine a
partir de uma exegese midráshica neste texto, talvez não veja grande valor em
apresentar a citação direta da versão de um texto que seus ouvintes não seriam
capazes de reconhecer.223
223De modo contrastante, é possível que em Rm 1.17 seus ouvintes reconheçam pelo menos
a citação sem o pronome, que difere das versões tradicionais grega e hebraica.
224Essa ligação não exclui, necessariamente, conotações morais; em T. Sim., 3.5, a mente é
tranquilizada quando Deus expulsa o espírito de inveja. De modo semelhante, em Jâmblico, Carta,
9 (Estobeu, Antologia, 2.33.15), ομόνοια (9.1) se aplica a “cidades e lares” (9.3; tradução para o
inglês de Dillon; Polleichtner, p. 29) e também à união consigo mesmo (9.4-5); pois alguém “de
duas mentes em relação a si mesmo [...] está em conflito consigo mesmo” e “em guerra consigo
mesmo” (9.7,10; tradução para o inglês de Dillon; Polleichtner, p. 29).
225E.g., com os seres humanos, Rm 3.17; 12.18; 14.19; 1 C 0 7.15; 14.33; 16.11; 2Co 13.11;
com Deus, Rm 5.1. Até mesmo no texto sucinto de Rm 15.33 alguns dos primeiros intérpre-
tes encontraram a ênfase relacionai (Teodoreto, Interp. Rom., [PG, 82.217]; Pelágio, Com. Rom.,
[PCR, 150]; cf. Ambrosiastro, Com., [CSEL, 81.477]; todos em Bray, Romans, p. 367-8). Pode-se
argumentar com base no significado de tranquilidade em Fp 4.7, mas cf. a questão da unidade
em Fp 4.2,3.
226Até mesmo a maioria dos termos associados a “tranquilidade” usados por diversos autores
citados anteriormente implica “quietude” ou “ausência de perturbação”.
A M EN TE D O E S P ÍR IT O (R M 8 .5-7 ) 217
conflito interior em 7.23, porém, é bem possível que Paulo tenha em mente os
dois sentidos e, sem dúvida, eles não são incompatíveis.
Analogias contemporâneas indicam que, pelo menos para muitos dos ouvin-
tes urbanos, a asserção paulina de paz com Deus era inteligível. Para os estoicos,
qualquer ato incorreto correspondia a impiedade contra os deuses,227 e aqueles
que eram governados pela insensatez eram inimigos dos deuses,228 sempre em
desarmonia com eles.229 Os tipos ou âmbitos ideais de Paulo abrangem os dois
tipos de humanidade, com suas condições contrastantes diante de Deus. A refe-
rência paulina à incapacidade da mente carnal de se sujeitar à lei de Deus (Rm
8.7) faz alusão ao fracasso da mente em 7.23,25; apenas o Espírito tem poder
para gravar a lei no coração (8.2-4).
Conclusão
Os crentes devem aceitar não apenas a realidade de sua nova identidade que
decorre de sua união com Cristo, mas também a realidade de que Cristo e o
próprio Espírito de Deus vivem dentro deles. Esses são recursos ainda maiores
para alcançar o bem moral e cívico que as espécies de recursos cognitivos
dos quais a maioria dos filósofos lançava mão. Ainda assim, a dependência
da paz divina era inteligível para os contemporâneos de Paulo, embora não
amplamente difundida.
Para Paulo, “a mentalidade que está relacionada com a carne” é a disposição
ou o modo habitual de pensar dominado pelas coisas mundanas e puramente
humanas. Voltado para a existência física pessoal, esse estilo de vida mental
é incapaz de cumprir o propósito justo da lei de Deus. Até mesmo seus mais
excelentes esforços resultam apenas na luta egocêntrica retratada em Romanos
7.15-24 (especialmente em 7.22,23, em que a mente instruída pela lei é incapaz
de derrotar as paixões físicas).
De modo contrastante, “a mentalidade que está relacionada com o Espírito” é
um estilo de vida mental justo, em que a presença de Deus por meio do Espírito
faz a real diferença. Essa mentalidade traz vida e paz, possivelmente referindo-se
ao contexto de Isaías 26.3 (embora a alusão permaneça incerta). A “paz” pode
1Essa passagem (Rm 12.1,2) também parece ser estratégica para a seção; muitos estúdio-
sos (ou mesmo sua maioria) a consideram a declaração do ensinamento central de 12.1— 15.13
(Crafton, “Vision”, p. 333-5, esp. p. 335; para um resumo do consenso, veja Jewett, Romans, p.
724). Alguns chegam a considerá-la uma das duas exortações fundamentais de Paulo na carta,
que revela seu propósito conjunto (Smiga, Occasion”). A maioria dos estudiosos reconhece a
importância da cognição nessa passagem (e.g., Keefer, “Purpose”).
220 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
a ele para que possam verdadeiramente avaliar as coisas boas que são de sua
vontade (12.2).2
Este capítulo faz um levantamento de elementos de Romanos 12.1-3 rele-
vantes para os interesses de Paulo pela mente nessa passagem. Paulo já apresenta
a questão da razão ao exortar os crentes a oferecerem seu corpo como sacrifício
espiritual para a obra de Deus (12.1). Ele desenvolve ainda mais esse tema ao
advertir os crentes a não seguirem o padrão da era presente, uma era caída em que
escolhas pecaminosas corromperam o discernimento moral (12.2; cf. 1.28). Em vez
disso, os crentes são transformados à medida que sua mente segue o padrão de um
novo tempo; desse modo, tornam-se capazes de avaliar o que é verdadeiramente
bom, discernindo assim a vontade de Deus (12.2). A renovação de sua mente traz
à memória a mente divina de 11.34. Também os capacita a pensar (12.3) dentro do
contexto mais amplo do corpo de Cristo com seus diversos dons (12.4-6).
Idealmente, em geral, até mesmo admoestações devem ser brandas.3
Π αρακαλέω (12.1, traduzido na NRSV por “rogo”; na NIV e NASB por “ins-
to”; na KJV e ASV por “suplico”) aparece com frequência junto com pedidos
em suas cartas.4Tem uma ampla gama de significados que abrange não apenas
“instar com veemência” ou “exortar”, como no presente caso, mas até mesmo
“consolar”. Como tal, era um termo muito menos severo que palavras geralmente
traduzidas por “admoestar” ou “advertir”.5
Sem dúvida, Paulo é brando aqui, e exorta os crentes romanos não como al-
guém que pressupõe autoridade, mas como alguém que tem o dom de exortar.
2Como foi observado anteriormente, nas p. 84-5, Rm 1.28 trabalha com cognatos de
δοκιμάζω: έδοκίμασαν e άδόκιμον νουν; aqui, a νους é renovada para que possa δοκιμάζειν.
Cf. 1C0 2.15,16, em que (usando termos diferentes) uma pessoa do Espírito pode avaliar todas as
coisas porque tem a mente de Cristo.
3Cf. Rm 15.14; G1 6.1; Plutarco, Idosos 22, Mor. 795A; 23, Mor. 795BC; Jâmblico, Pitágoras
22.101; 33.231; 1QS 5.25; b. Sanh. 101a; cf. modos de expressar ainda mais severos em Rhet.Alex.
3 7 ,1445b.l719 ; ־t. Kip. 4.12.
‘1Aune, Environment, p. 188; Stowers, Letter writing, p. 24,78.
5Em conformidade com categorias articuladas em manuais posteriores, a correspondência
protréptica ou hortativa (Stowers, Letter writing, p. 112-25) não exigia o nível de severidade en-
contrado em cartas de admoestação (p. 125-32) e especialmente de repreensão (p. 133-8) ou, ainda
mais duras, de reprovação (p. 139-41). Pedidos urgentes podiam ser manifestados como súplicas.
Logo, e.g., até mesmo pessoas honradas podiam “implorar” em favor de outrem, como em Cícero,
Amig. 13.14.2; 13.20.1; 13.24.3; 13.26.2; 13.30.2; 13.32.2; 13.35.2; 13.54.1; 13.72.2; 13.74.1; ou
“suplico-vos repetidamente” (13.28b.2; 13.41.2; 13.43.2; 13.45.1; 13.47.1; 13.73.2; 13.76.2). Cf.
uma exortação amável cm uma carta sem a finalidade de recomendação: “Imploro repetidamente,
meu irmão querido, que permaneças bem”(Cícero, Quinto 3.1.7.25; tradução para o inglês de W. G.
Williams). Longenecker (.Introducing Romans, p. 218) também cita fórmulas de pedidos afetuosos
ou urgentes (BGU 846.10; P.Mich. 209.9-10). Quanto à afabilidade de Paulo aqui, veja, e.g.,Tomás
de Aquino, Preleção 1 sobre Rm 12.1, citado em Levy; Krey; Ryan, Romans, p. 247.
UM A M EN TE R E N O V A D A (R M 12.1 -3 ) 221
“Pela graça que me foi dada” (12.3) traz à mente a graça concedida a cada crente
para seus dons diversos em 12.6. Mais importante ainda, “exortar” ocorre na lista
de dons em 12.6-8 (v. 8). Paulo os exorta como “irmãos”6 e como alguém cujo ato
de exortação reflete um ministério dado por Deus e compartilhado por alguns
outros no corpo de Cristo (12.8).7
6Também em Rm 1.13; 7.1,4; 8.12; 10.1; 11.25; 15.14,30; 16.17; aplicado ainda ao povo
judeu em 9.3. Quanto ao âmbito de significados, veja Keener, Acts, 2.1663-4, com referências
de fontes antigas; aqui, expressa afeição pelos outros crentes, como era comum no cristianismo
primitivo (cf. Rm 14.10,13,15,21). Paulo inicia essa seção da carta com “duas convenções epis-
tolares um tanto costumeiras [...]: uma fórmula de pedido [...] e um vocativo de discurso direto”
(Longenecker, Introducing Romans, ρ. 422).
7Em outras partes de Romanos, o verbo ocorre em 15.30; 16.17.
3Outros também associam Rm 12.1 e 15.16; veja, e.g., Dillon, “Priesthood”; cf. IPe 2.5. Na
religião romana, em contraste com a classe levítica de Israel, qualquer um de condição elevada
podia ser sacerdote, e as práticas cultuais eram abertas a todos; veja Rives, Religion, ρ. 43. Os sa-
crifícios eram um assunto individual; veja Judge, First Christians, p. 614. Ainda assim, a imolação
do sacrifício “costumava ser realizada por um profissional” (Rives, Religion, ρ. 25).
9Cf. Aker, “Charismata”, que também associa aqui os ministérios de Rm 12.6-8 a imagens do tem-
pio espiritual. Grieb (Story, p. 117) propõe plausivelmente que Paulo volta à metáfora cultuai (sacrifício,
expiação) usada em Rm 3.21-26. Quanto a metáforas cultuais em Paulo, veja esp. Gupta, Worship.
10Quanto à “apresentação” associada a sacrifícios, veja Joscfo, Ant. 7.382; Sanday; Headlam,
Romans, p. 352 (que cita Josefo, Ant. 4.113); Dunn, Romans, p. 709 (que cita Moulton; Milligan,
Vocabulary, e BDAG).
"O verbo παρίστημι liga os textos; seus outros dois usos cm Romanos têm um sentido não rela-
donado. Veja tb. outros estudiosos, e.g., Dunn, Theology, p. 58. E possível que o aoristo infinitivo convide
a um ato de compromisso (cf. 2C0 11.2; Cl 1.22; 2Tm 2.15), embora talvez como algo sempre apro-
priado, e não com a ideia de um momento definitivo. Essa construção não sugere, necessariamente, um
acontecimento único e definitivo; cf. Combs,“Doctrine”. (Jewett [Romans, ρ. 728-9] interpreta ο aoristo
aqui de modo excessivamente específico, como se Paulo pedisse ajuda para sua missão à Espanha; o
aoristo imperativo do mesmo verbo em Rm 6.13,19 tem conotações éticas mais amplas.)
12Cf. o ideal na comunidade dos Manuscritos do M ar Morto, a saber, a devoção a Deus de
todos os recursos, forças físicas e atitudes (Betz, Jesus, p. 72, cita 1QS1.11-13; 5.1-3; 6.19).
222 A M EN T E D O E S P ÍR IT O
Apresentar o corpo para bons propósitos confirma que, para Paulo, o corpo
é um instrumento que pode ser usado tanto para o bem (Rm 6.13; cf. 8.11,23;
lC o 6.13,15,19,20; 2Co 4.10; 5.10; Fp 1.20; 3.21; Cl 2.23) quanto para o mal
(Rm 1.24; 6.6; 7.24; 8.10,13; lC o 6.16; 2C0 5.10).13 O corpo não é, de si mesmo,
mau; a questão é apenas que a mente iluminada por Cristo e pelo Espírito, e
não os desejos físicos moralmente desprovidos de direção (Rm 1.24; 6.12), deve
controlar o comportamento da pessoa (cf. possivelmente lC o 9.27, dependendo
do grau em que se deseja aplicar a ilustração de Paulo).
Em última análise, o propósito de nosso corpo não é atender a seus desejos au-
tônomos, mas, sim, servir ao corpo mais amplo de Cristo (Rm 12.4-6; cf. 7.4), assim
como a mente renovada (12.2) pensa tendo em vista o corpo mais amplo (12.3).
S a c rifíc io s na A n tig u id a d e
13Como “corpos” é plural aqui, Jewett (Romans, p. 728) afirma que Paulo pede um sacrifício
comunitário; no entanto, Paulo poderia ter tornado o argumento ainda mais contundente com
o termo no singular. Quando emprega o plural para “corpos” em lC o 6.15, ele se refere a corpos
individuais (veja 6.16-18), embora sua argumentação também tenha implicações comunitárias.
14Quanto a sacrifícios, veja, e.g., Burkert, Religion, p. 68-70; Smith, Symposium, p. 67-9;
Siebert, “Immolatio”, p. 745; a maioria dos intelectuais praticava sacrifícios, e.g., Plínio J., Ep.
9.10.1. Nem todas as ofertas, evidentemente, eram de animais; cf., e.g., Malkin, “Votive offerings”,
p. 1613; anteriormente, e.g., A N E T 420.
15Williams, “Religion”, p. 150-4.
16Moede, “Reliefs”, p. 165-8,173-5.
17Klauck, Context, p. 38. Quanto ao princípio de reciprocidade na ética romana antiga, veja,
e.g., Plínio J., Ep. 6.6.3; Estácio, Silvae 4.9; Libânio, Aned. 1.20; Símaco, Cartas 1.104; de modo
mais completo em Keener, Acts, 3.3314, nota 1610.
18Libânio, Máximas 3.4 (tradução para o inglês de Gibson, p. 103). Os gregos tinham o
costume astuto de sacrificar ovelhas somente depois que elas haviam sido tosquiadas e dado cria
(Androção, Âtis, frag. 55).
19Luciano ridiculariza a prática em Sacrif. Ele mostra que Demónax se opõe a sacrifícios em
Luciano, Demónax 11. Porfírio, Maneia 19.316-17 condena os sacrifícios dos ignorantes.
20Yamauchi, Persia, p. 448.
UM A M EN TE R E N O V A D A (R M 12.1 -3 ) 223
21E.g., Plutarco, A. estoic. 6, Mor. 1034C. Alguns consideravam que até mesmo imagens ti-
nham valor apenas como lembranças da divindade (Max. Tiro, Or. 2.1-2); as divindades não
precisavam de serviço humano (Sêneca J., Lucílio 95.48).
22Laércio, 8.1.22; Filóstrato, V.Apol. 1.1; 6.11; Jâmblico, Pitágoras 11.54; 24.108. Veja tb. o
aluno de Aristóteles,Teofrasto (conforme citado em Porfírio,Abst. 2.32; de acordo com Ferguson,
Backgrounds, p. 271).
23Jâmblico, Pitágoras 18.85; 28.150. Os sábios da Etiópia não aprovam o sacrifício de animais
em Heliodoro, Hist. Et. 10.9.
24Filóstrato, C. Apol.,21·, V. Apol. 1.31-32; 2.38; 4.11; 5.25; 8.7. Ele preferia a adoração a
Hélio {V.Apol. 2.24,32,38,43; 3.15,48; 7.10,31).
25Ullucci, “Sacrifice”.
26Frontão em Ep. graec. 8.3. Cf. sacrifícios de louvor em Filóstrato, V.Apol. 1.1. De acordo
com algumas tradições judaicas posteriores, outras ofertas se tomarão desnecessárias, mas as ofer-
tas de ação de graças permanecerão para sempre {Pesiq. Rab Kah. 9.12).
27D. Crisóst., Discursos 13.35.
28Isocrates, Nicoclem 20. Cf. Porfírio, Marcela 17.282-84,287-88: atos piedosos e disposição
de assemelhar-se ao divino são mais importantes que sacrifícios.
29Veja, e.g., 1QS 8.5; 4Q511, frag. 35.2-3; Car. Arts. 234; Filo, Recompensas 123; Tácito
Ann. 4.38.2 (em Sinclair, “Temples”); Porfírio, Marcela 19.318-19; o universo como templo
em Cícero, República 6.15.15; cf. Davila, “Macrocosmic temple”; o lar de uma pessoa como
templo de modo figurado em Hiérocles, Casam. (Estobeu, Antologia 4.79.53); mais infor-
mações em Gartner, Temple, Keener, Acts, 1.1033-4; 2.1323, 1417; 3.2639-40, 2643, e esp.
3151-2. Meu aluno de doutorado Philip Richardson começou a pesquisar essa questão em
maior profundidade.
224 A M EN T E D O ESP ÍRITO
30Laércio 7.1.119 (tradução para o inglês de Hicks, LCL,2.225). Hiérocles, Casam. (Estobeu,
Antologia 4.79.53, p. 83) exortou que os pais fossem honrados como divindades, fazendo de seus
filhos, portanto, sacerdotes ordenados pela natureza.
31Sent.pitag. 15 (em Malherbe, Moral exhortation, p. 110).
32Sent, pitag. 20 (em Malherbe, Moral exhortation, p. 111). Quanto à pureza da alma bem
como do corpo exigida em alguns santuários, veja as fontes em Nock, Christianity, p. 18-9.
33Porfírio, Marcela 11.191-93,196-98; 19.318-19.
34Porfírio, Marcela 19.313-16.
35E.g., Kelly, Peter, p. 91, cita SI 50.14; 51.16-19; 69.30,31; 141.2; Os 6.6; M q 6.6-8; cf.
tb. ISm 15.22; Is 1.11-17; 58.3-7; Am 5.21-24. Temer a Deus é melhor que meros sacrifícios
(Jt 16.16).
36Sl 154.10,11 (llQ P sa 154); 4Q403, frag. 1, col. 1.39-40.
37Eo 3.30; 29.12; 35.4. Cf. tb. esmolas no islamismo (Mbiti, Religions, p. 330).
38Eo 35.1-5.
3,Veja Or. sib. 4.29-30, possivelmente da era helenística.
40Cf. Filo, Noéagr. 126; cf. Knox, Gentiles, p. 32. E possível, contudo, que o interesse de Filo seja
especialmente na oposição aos sacrifícios inúteis dos ímpios (Noé agr. 108,124), visto que, em outros
textos, ele se refere de modo positivo aos sacrifícios piedosos. Filo atesta que alguns outros alegori-
zam todas as leis, uma prática que ele reprova (Migração 89-93; Sanders,Judaism, p. 53).
41Filo, Moise's 2.108.
42Filo, Leis esp. 1.201,271-72,290; cf. Interp. aleg. 2.56; Imutável 8.
43Filo, Maus 21; cf. Sacrifícios 27; Sonhos 2.72. A alma daquele que oferece sacrifícios deve
estar livre de paixões (Leis esp. 1.257).
44Veja de modo mais completo também em Richardson, “Sacrifices”, p. 9-14.
UM A M EN TE R E N O V A D A (R M 12.1 -3 ) 225
No tocante aos essênios, aqueles que não faziam parte do movimento discutiam
se os membros desse grupo ofereciam seus sacrifícios longe do templo45 ou se não
sacrificavam de modo algum, dedicando, em vez disso, sua mente à reverência.46
Embora os essênios provavelmente dessem valor aos sacrifícios literais,47 os textos
de Qumran também apontam para sacrifícios espirituais.48 E possível que, para os
membros da seita, seus sacrifícios espirituais fossem o verdadeiro equivalente dos
sacrifícios do templo até o surgimento do novo templo esperado na era futura.49
Já na era helenística,Teofrasto, discípulo de Aristóteles, parecia estar cien-
te da espiritualização dos sacrifícios judaicos.50 Essa atitude aparece na Carta
de Arísteas׳. “H onrar a Deus [...] não por meio de ofertas e sacrifícios, mas pela
pureza de espírito”.51 Em Sabedoria de Salomão, Deus aceita os mártires como
sacrifícios.52 Portanto, o conceito de sacrifícios espirituais não era, de maneira
alguma, uma simples adaptação à destruição do templo.53 Contudo, esse con-
ceito se tornou necessariamente mais central após o templo ser destruído.545
Depois disso, mestres judeus deram continuidade à tradição de oração,35 à con-
fissão de pecados,56ao coração contrito,57ao possível martírio,58 ao sofrimento,59
45Conforme Josefo, Ant. 18.19; na opinião de alguns, Josefo desejava apenas mostrar que
os essênios tinham uma atitude positiva em relação ao templo, que ele valorizava (Nolland,
“Misleading statement”). Há quem proponha que os ossos de animais cm Qumran, que ou-
tros atribuem a sacrifícios, são, em vez disso, de animais consumidos numa refeição comunitária
(Laperrousaz, “Dépôts”) ou simplesmente de um sacrifício raro, como, e.g., uma renovação anual
da aliança (Duhaime, “Remarques”). Não há evidências inequívocas de que os ossos encontrados
ali tenham sido usados em rituais (Donceel, “Khirbet Qumran”).
46Filo, Hom. ■virt. 75. É possível que se trate de uma idealização de Filo. De acordo com
Heger, “Prayer”, a ideia de que a oração substituía os sacrifícios é um caso de projeção retroativa
dos rabinos posteriores nos Manuscritos do Mar Morto.
47Veja CD 9.14; 11.17-19; 16.13; Davies, “Ideology”.
48IQS 9.4-5; CD 11.21; Gartner, Temple, p. 30,44-6. Quanto a ofertas de louvor, veja, e.g., IQS 10.6.
*9Yhisszt, Judaism, p. 39-44. Cf. Arnaldich,“Sacerdocio”.
s0Stern ,Authors, 1.8-11.
51 Car. Arts. 234 (tradução para o inglês de Hadas, p. 193).
52Sb 3.6; veja tb. 4Mc 17.22.
53Gathercole, Boasting, p. 205; cf. Sanders, Judaism, p. 253. Roetzel {Paul, p. 7) chega a propor
influências farisaicas sobre o conceito paulino de sacrifício espiritual. Os fariseus eram meticulo-
sos quanto à pureza, mas não procuravam alcançá-la no mesmo nível que os sacerdotes (Sanders,
Jesus to Mishnah, p. 131-254).
54O judaísmo já defendia os sacrifícios espirituais, mas Guttmann (“End”) provavelmente
exagera o desprezo dos fariseus para com o templo como instituição.
55E.g., b. Ber. 15a.
S6B. Sank 43b.
i?Pesiq. Rab Kah. 24.5.
stGn. Rab. 34.9.
55SipreDt. 32.5.2.
226 A M EN TE D O E S P ÍR IT O
S a c rifíc io vivo
Em Romanos 12.1, Paulo descreve o sacrifício do corpo com três adjetivos: vivo,
santo e agradável ou aceitável a Deus.
O fato de o sacrifício ser vivo talvez seja uma alusão a um tipo especial de
oferta do Antigo Testamento,66 mas é mais provável que exerça a função de
oximoro ou paradoxo com a finalidade de chamar a atenção.67 Os gregos tinham
histórias de animais que se ofereciam voluntariamente para ser sacrificados,68mas
a maior parte dos povos considerava os sacrifícios humanos uma abominação.69
Apolodoro, Bibl. 2.5.11; 3.15.8; Licofron,Alex. 229; Ovídio, Metam. 13.447-48; Virgílio, Eneida
10.517-20; Lívio 22.57.6; Sêneca J., Troianas 360-70; Quinto 4.3.23; Apiano, G.C. 1.14.117;
Arriano, Alex. 1.5.7; D. Crisóst., Discursos 8.14; Tácito, Ann. 14.30; Plutarco, H paral. 35, Mor.
314CD; Tertuliano, Apol. 9.2. No pensamento judaico, a morte individual podia fazer expiação
em favor de outros (veja, e.g., Schenker, “Martyrium”; Baslez, “Martyrs”; Thoma, “Frühjüdische
Martyrer”; Haacker, Theology, p. 133-4; Mek. Bah. 6.142-43; SipreDt. 32.5.2,5; 310.4.1; 311.1.1),
mas “sacrifício” (como aqui) é uma categoria mais ampla que expiação.
70Na literatura paulina, cf. E f 5.2; Fp 2.17; 2Tm 4.6; talvez 1 C 0 5.7.
71Cf. o ensinamento de Jesus retratado em Mc 8.34 e especialmente a aplicação em Lc 9.23;
cf. tb. expressões que se referem a participar do batismo de Jesus e beber de seu cálice de sofri-
mento (Mc 10.38,39; cf. 14.23,24,36; Lc 12.50) e a imagem paulina do batismo na morte de
Cristo (Rm 6.3,4; cf. o cálice em lC o 10.16; 11.26). Quanto a sacrificar pelo modo de viver, veja
J. Crisóstomo, Hom. Rm. 20.1 (sobre Rm 12.1), citado em Burns, Romans, p. 292.
72E.g., Epíteto, Diatr. 2.14.12; 4.12.11; no judaísmo, e.g.,Jub. 2.22; 23.10; T b 4.21; Sb 4.10;
9.10; T.Dã 1.3; T. 'Abot 15.14 A; cf. Eo 2.16.
73Em religiões gentílicas, era possível determinar esse fato ao examinar os órgãos internos
do animal depois do sacrifício (deSilva, Honor, p. 252). A expressão “aceitável a Deus” não é
incomum no grego coiné (Moulton; Milligan, Vocabulary, p. 259, que citam Priene, 114.15; e,
posteriormente, P.Fay. 90.17; P.Flor. 1.30.30; P.Stras. 1.1.9; P.Gen 1.15.2; Jewett, Romans, ρ. 729,
seguindo Foerster, “Ευάρεστος”, ρ. 456). Quanto a esses termos e outros aplicados a sacrifícios,
veja Porfírio, Marcela 17.282-86; quanto a sacrifícios inaceitáveis, veja Luciano, Sacrif. 12-13
(com sarcasmo); Fugitivos 1.
74E.g., Gn 8.21; Êx 29.18,25,41; Lv 1.9,13,17 e passim■, Nm 15.3; Ed 6.10; SI 20.3; 119.108; Is
56.7; cf. tb. lE d 1.12; Eo 35.8; 45.16; 50.15;/«A 6.3; 7.5; 21.7,9; 49.9; 1QS 3.11; 8.10; 9.4; 2Q24,
frag. 4.2; 11Q J 27.4; Filo, Leis esp. 1.201; Josefo,Ant. 4.34,311; 6.149; 7.334; 10.64; 12.146.
75E.g., G n 4.4,5; Jr 6.20; 14.12; Ez 43.27; Am 5.22; M l 1.10; 2.13; Jub. 4.2; Filo, Leis esp.
1.223; Josefo, Ant. 5.266.
228 A M EN TE D O E SP ÍR IT O
Sacrifício racional
O termo grego λογικ ό ς tem grande abrangência semântica e pode ser tradu-
zido de diversas maneiras em diversos contextos; a RSV, NRSV, ASV, a versão
revisada da NAB e a ESV trazem “espiritual”, tanto aqui em Romanos 12.1
quanto em 1Pedro 2.2; a NIV traz “verdadeiro e apropriado” em Romanos
12.1 e “espiritual” em lPedro 2.2; a CEB traz “apropriado” no primeiro caso e
“da palavra” no segundo; tanto a NASB quanto a versão mais antiga da NAB
preservam “espiritual” no primeiro caso e “da palavra” no segundo (a NASB
mantém a tradução da KJV no segundo caso); a G N T traz “verdadeiro” no pri-
meiro caso e “espiritual” no segundo; a N CV traz “espiritual” no primeiro caso e
“simples” no segundo; a KJV traz “que exerce o raciocínio” ( rational) no primeiro
caso e “da palavra” no segundo (mantendo a ligação com λ ό γο ς em lP e 1.23); e
a Douay-Rheims traz “apto para raciocinar” (reasonable) no primeiro caso e “que
exerce o raciocínio” (rational) no segundo.
76Quanto ao elemento racional, associado à mente em Rm 12.2, veja tb., e.g., Cranfield,
Romans, 2.602 (que observa o uso estoico); Byrne, Romans, p. 366; Schreiner, Romans, p. 645;
Cobb; Lull, Romans, p. 161; Bryan, Preface, p. 195, nota 5 (que cita Epiteto, Diatr. 2.9.2); Hultgren,
U M A M EN TE R E N O V A D A (R M 12.1 -3 ) 229
ato inapropriado era errado para um ser “racional” (λογικ ώ ),77 ou seja, para os
seres humanos.78 Os estoicos viam uma relação entre os seres humanos como
λο γικ ό ς e Deus como λ όγος, em outras palavras, entre a razão humana e a
razão que estruturou o cosmo.79 Com base nisso, alguns estoicos consideravam
“apenas a adoração logikos [i.e., racional]” verdadeira adoração, em contraste
com as superstições das massas.80 Esses termos também não eram limitados
aos estoicos,81 embora, como escola filosófica mais popular no tempo de Paulo,
os estoicos continuem a ser relevantes como reflexo do meio intelectual da
época. Alguns judeus da Diáspora também aplicavam essa terminologia a sa-
crifícios apropriados.82
Em outras palavras, em Romanos 12.1 o corpo é oferecido como sacrifício
a Deus de modo racional, por meio da razão: a mente determina como o corpo
servirá.83Tendo em vista 12.2,3, isso significa que a mente renovada discerne a
vontade de Deus (12.2), inclusive o lugar em que o indivíduo pode ser produtivo
no corpo de Cristo (12.3-8).
Romans, p. 440; Kruse, Romans, p. 463; Barclay, Gift, p. 509; anteriormente, veja, e.g., Tomás de
Aquino, preleção 1, sobre Rm 12.1, citado em Levy; Krey; Ryan, Romans, p. 249. Alguns citam,
em vez disso, o uso antigo que corrobora o sacrifício meramente “espiritual”, em contraste com o
sacrifício de animais (Hunter, Romans, p. 108), ou consideram que se refere à vida como um todo
(Bornkamm, Experience, p. 41, em oposição ao uso semelhante ao dos estoicos aqui).
77Dídimo 2.7.8a, p. 52.21-22. Somente um ato apropriado pode ter “uma defesa sensata
[εύλογον α π ολογία ν]” (2.7.8, p. 50.36-52.1; tradução para o inglês de Pomeroy). Cf. 2.7.10a,
p. 56.23-25 (embora essa passagem observe que o uso técnico estoico da terminologia é diferente
do uso comum).
78Epíteto, Diatr. 4.7.7; Dídimo 2.7.6, p. 36.25; cf. 2.7.11m, p. 90.9-10.
79Thorsteinsson, “Stoicism”, p. 23. Jewett (Romans, p. 730) segue corretamente Cranfield
{Romans, 2.602, que cita Epíteto, Diatr. 1.16.20; 2.9.2; Marco Aur. 2.16) ao traduzir com respeito
à razão aqui, como no estoicismo, mas, infelizmente, Jewett faz uma aplicação restrita demais à
missão na Espanha (p. 731); contextualmente, podería se aplicar de modo mais geral à unidade
(como em Rm 12.4-6).
80Aqui, Moo {Romans, p. 752) cita Kittel, “Λ ογικός”, 142; Ortkemper, Leben, p. 28-33.
81Os médio-platônicos faziam distinção entre as partes “racionais” e “irracionais” da alma
(Dillon, Middle Platonists, esp. p. 174, sobre Filo); posteriormente, em Porfírio, o “corpo”da “mente”
(νους) é a “alma racional” (ψυχήν λογικήν; Porfírio, Marcela, 26.412). Filo se refere à alma “racio-
nal” criada à imagem de Deus {Noéagr. 18) e à “força espiritual dentro de nós, moldada de acordo
com a forma arquetípica da imagem divina” {Leis esp. 1.171; tradução para o inglês de Colson,
LCL, 7.197). Em Platão, embora muito mais desenvolvido em Filo, cf. Aune, “Duality”׳, p. 221.
82Aqui, Moo {Romans, p. 752) cita Filo, Leis esp. 1.277. Cf. a piedade racional em 4Mc (em confor-
midade com Janzen, “Approach”, embora a proposta de dependência pareça excessivamente otimista).
83Quanto a culto “racional”, embora use terminologia grega diferente, veja, e.g., Jâmblico,
Pitágoras 33.229: a amizade “dos deuses com os seres humanos por meio da piedade e do culto
científico” (tradução para o inglês de Dillon; Hershbell, p. 227).
230 A M EN TE D O E SP ÍR ITO
84Os dois verbos não incluem um jogo de palavras, como em nossa língua, mas é possível que
Paulo esteja usando raízes cognatas como termos sinônimos ou próximos quanto a seu sentido
(cf. μορφή e σχήμα, Fp 2.7).
85Bryan, Preface, p. 196. Cf. o estoico Epíteto, segundo o qual ninguém muda de ideia ins-
tantaneamente; leva tempo para transformar uma pessoa (Epíteto, Diatr. 1.15.6-8). Os estoicos
ainda sentiam a atração exercida por memórias antigas, mas estavam decididos a manter a pers-
pectiva correta (Engberg-Pedersen, Paul and Stoics, p. 72-3). Verbos gregos são notoriamente
difíceis de traduzir para categorias temporais em nossa língua, mas é possível que a observação
esteja correta nesse caso.
86Bryan, Preface, p. 196.
87O verbo “ser conformado” (συσχηματίζω), porém, talvez funcione mais como voz ativa
(cf BDAG). Quanto à obra de Deus em conjunto com a rendição ou cooperação humana na
transformação, veja e.g., Cranfield, Romans, 2.607; Kruse, Romans, p. 464; Gorman, Cruciformity,
p. 134. C f tb. o subjuntivo passivo aoristo em G14.19 (em concordância com Gorman, Inhabiting,
p. 169, que cita Bonhoeffer, Discipleship, p. 284-5).
88E.g., Filo, Abraão 38; Max. Tiro, Or. 1.7-8.
89E.g., Musônio, frag. 41, p. 136.22, 24. Para muitos filósofos, as massas não filosóficas
eram Toucas”, não pensavam de modo sensato; veja, e.g., Epíteto, Diatr. 1.12.9; 1.21.4; Dídimo
2.7.5bl3, p. 26.28-30; 2.7.5bl3, p. 28.1-2.
90E.g., Sanday; Headlam, Romans, p. 353; Taylor, Romans, p. 92; Nygren, Romans, p. 418;
Furnish, “Living”, p. 194-5; Gorman, Cruciformity, p. 354, 365; Hultgren, Romans, p. 441; cf
Cullmann, Time, p. 45.
91Veja, e.g., 1QS 3.23; 4Q171, frags. 1-2, col. 2.9-10; 4Q215a, frag. 1, col. 2.4-6; 4 E d4.35-37;
6.7-9,20; 7.31,47, 50,113,14; 8.1,52; 2Br 15.8; t. Ber. 6.21; Peak 1.2-3; SipreNm. 115.5.7; Sipre
Dt. 29.2.3; 31.4.1; 32.5.10; 34.4.3; 48.7.1; Abot R. Nat. 5,9 A; 22, §46 B; Pesiq. Rab Kah. 4.1; b.
U M A M EN T E R E N O V A D A (R M 12.1 -3 ) 231
Hag. 12b; y. Hag. 2.1, §16; Pesig. Rab. 16.6; 21.1; 25.2; Gn. Rab. 1.10; 53.12; 59.6; 66.2,4; 90.6;
95 (msv); Êx. Rab. 47.3; Lv. Rab. 2.2; 3.1; Dt. Rab. 1.20; 2.31; 3.4; Ec. Rab. 4.6, §1; Ct. Rab. 2.2,
§6; Lm. Rab. 1.5, §31; 3.3, §1; 3.18, §6; 3.22, §8; Tg. de Ps.-J. sobre G n 25.32; cf. Or. sib. 3.367-
80; Pryke, “Eschatology”, p. 48; Ferch, “Aeons”; Charlesworth,/«ar within Judaism, p. 43; Grant,
“Social setting”, p. 140. Posteriormente, cf. tb. Qumran, 16.107,122; 29.64. Para a presente era
de mal, veja, e.g., CD 4.8,10,12; 6.10,14; 12.23; 14.19; 15.7,10; IQ S 4.18; 4Q271, frag. 2.12;
4Q301, frag. 3ab.8; 4Q510, frag. 1.6; 4EdA.T7.
,2Quanto à inversão escatológica, veja, e.g., 1QM 14.4-7,10-15; 4Q215a, frag. 1, col. 2.3-6;
lEn 46.5-6; 96.8; 104.2; Or. sib. 3.350-55; 2Br 83.5; t. Tdan. 3.14; Sipra Behug. pg. 3.263.1.8;
SipreDt. 307.3.2-3; Abot R. Nat. 39 A; 22, §46; 44, §123 B; Pesig. RabKah. 6.2; 9.1; b. Yoma 87a;
y. Sank 6.6, §2; Gn. Rab. 21.1; Êx. Rab. 30.19; Lv. Rab. 13.3; 23.6; 33.6; 36.2; cf. 4Ed 6.20-24;
T. Judá 25.4.
,3É possível que Paulo também se refira ao fato de os crentes estarem no ponto de interseção
das eras (lC o 10.11); veja Epp, “Imageries”, p. 104; mas, para uma interpretação diferente, cf.
Ladd, Theology, p. 371.
,4Quanto à relação com lC o 7.31, veja tb. Jewett, Romans, p. 732, embora ele especifique
excessivamente a aplicação nesse caso. Cf. Teodoreto, Comentário 12.2 (sobre Rm 12.2), citado
em Burns, Romans, ρ. 293.
,5Veja Stowers, “Resemble”, ρ. 92; quanto à conversão filosófica, esp. Nock, Conversion.
,6Entendo o tempo presente “temos” em 2C0 5.1 associado à certeza de posse em vista da
presença do Espírito escatológico em 5.5; veja Keener, Corinthians, ρ. 179.
232 A M EN T E D O E SP ÍR IT O
A escolha que Paulo faz das palavras a respeito da reorientação da mente não é
acidental. A nova mente é afetada pelo antegozo do mundo vindouro em Cristo.
Como foi observado anteriormente, “renovar” (άνακαινώσει) sem dúvida é uma
alusão à “nova” vida obtida pela união com o Cristo ressurreto (cf. καινότης em
Romanos 6.4; contrastar com a “velha pessoa”em 6.6) e pelo Espírito (cf. καινότης
em 7.6; contrastar com 0 aspecto arcaico do código escrito também em 7.6).
Portanto, a mente renovada enxerga o mundo do ponto de vista da era vin-
doura (cf. IC o 2.6-10); as ações e inações presentes devem ser avaliadas à luz de
suas consequências eternas (Rm 13.11-14, esp. à luz de lT s 5.2-9; cf. Rm 2.6-
10; 14.10-12).100 Mais que isso, porém, experimenta um antegozo do mundo
por vir, uma experiência que Paulo associa àqueles nos quais o Espírito habita
(1C0 2.9,10; 2Co 1.22; 5.5).
A mente renovada de Romanos 12.1-3 contrasta nitidamente com a mente
corrompida de Romanos l . 101
*Quanto ao contraste entre culto racional aqui e culto irracional em Rm 1, cf. tb. Palinuro, "R m 12,1-2".
M ente e transformação
104Esse termo não ocorre na LXX e, portanto, é atribuído por vezes aos mistérios
(Reitzenstein, Mystery-religions, p. 454, sobre 2C0 3.18); o sentido, porém, é bem diferente nos
mistérios (Sheldon, Mystery religions, p. 86). A terminologia costumava ser usada na mitolo-
gia para a transformação de divindades e de outros (observado por Jewett, Romans, p. 732; veja
Blackburn, “ΑΝΔΡΕΣ”, p. 190; uma variedade de fontes referentes a transformação citadas em
Keener, John, p. 1189-90; Keener, Acts 1.667-8, 720; Keener, Matthew, p. 437). Esse significado
não se harmoniza com o presente contexto tão bem quanto as concepções judaicas mais próximas.
105Sêneca J., Luctlio, 94.48 (tradução para o inglês de Gummere, LCL, 3.42-43). Em Lucilio,
6 (em Malherbe, Moral exhortation, p. 64), Sêneca afirma que está passando por uma transfor-
mação, embora ainda não esteja completa (Thorsteinsson, “Stoicism”, p. 24-5). Vining (“Ethics”)
considera a ênfase de Paulo sobre a razão e a ética paralela à mesma ênfase estoica, mas não
dependente dela.
106Veja Nock, Christianity, p. 55, a respeito de ideais cognitivos, em contraste com a ideia
das religiões de mistérios. O indivíduo honra a Deus ao tornar seu pensamento semelhante a
ele (Porfírio, Marcela 16.265-67), por meio da virtude, que atrai a alma para junto daquilo que é
semelhante a ela (16.267-68); uma mente semelhante a Deus move-se em direção a ele (19.315-
16; quanto à lei divina gravada na mente, veja 26.410-11,419-20). A transformação por meio da
reencarnação platônica (Ateneu, Deipn. 15.679A) é muito menos relevante.
107Porfírio, Marcela 11.199-201 (tradução para o inglês de O ’Brien Wicker, p. 55).
108E.g., Marco Aur. 10.8.2 (e fontes comparáveis citadas por Haines em LCL, p. 270, nota 1).
109Filo, Criação 144; cf.Abraão 87; Decálogo 73; Virtudes 168. Filo emprega o verbo έξομοιόω
e seu substantivo cognato 46 vezes, em algumas ocasiões com referência à conformidade da na-
tureza à natureza de Deus. Os estudiosos da Judeia também enfatizavam a importância da forma
correta de pensar a respeito da lei (e.g., 1QS 9.17; 4Q398, frags. 14-17, col. 2.4).
U M A M EN T E R E N O V A D A (R M 1 2.1-3) 235
(252); ser praticante do bem é uma dádiva de Deus (231; cf. 278), pois ele dirige as ações humanas
(195). Deus provê entendimento (Sb 8.21; 1QS 4.22; lQ H a 18.29; 19.30-31; 20.16; 4Q381, frag.
15.8; 4Q427, frag. 8, col. 2.18).
120Veja, ainda, a discussão sobre 2C0 3.18 adiante, nas p. 293-304.
121Dunn (Romans, p. 713) cita aqui, com respeito à ressurreição futura, D n 12.3; lE n 104.6;
IC o 15.51-53; Fp 3.21; Mc 12.25; 4Ed 7.97; 2Br 51.5; e também uma ocasional transformação
“decorrente de ser levado para o céu ainda em vida, particularmente no caso de Enoque (lE n
71.11; 2En 22.8; Asc. Is. 9.9)”. De acordo com Jewett (Romans, p. 732), paralelos apocalípticos
são mais distantes que os paralelos míticos gregos; a distância, contudo, é principalmente léxica
(dado o fato de a maioria dessas fontes não ser escrita em grego), ao passo que, do ponto de vista
conceituai, se harmonizam melhor com o uso que Paulo faz. Embora o sentido aqui talvez não
abranja escatologia futura (Jewett, Romans, p. 733), inclui escatologia realizada. Segal (Convert, p.
63-5) propõe que a ênfase de Paulo sobre transformação presente e futura provavelmente reflete
modelos apocalípticos. Quanto à transformação à imagem divina no misticismo judaico, veja
Morray-Jones, “Mysticism”.
122O autor talvez adapte termos mitológicos gregos para esse fim (cf. Filo, Embaixada 80).
Paulo emprega o mesmo termo (μετασχηματίζω) para falsas aparências (2Co 11.13-15), mas
também para transformação escatológica para ser semelhante a Cristo (Fp 3.21); o termo é cog-
nato com