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Universidade Federal Do Pará

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas


Faculdade De História
Disciplina: História da Amazônia II
Docente: Profª Dra. Cristina Cancela

Trabalho Referente à Avaliação Parcial da Disciplina “História da Amazônia II”


Ministrada pela Profº Dra. Cristina Cancela

Gil Fernando Gonçalves da Silva


10375000901

Belém-Pa
2011
A EXPERIÊNCIA DO IMIGRANTE CEARENSE EM SOLO PARAENSE

Gil Fernando Gonçalves da Silva


Graduando em História (Bach./Lic.) pela UFPA

LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-


1916). Tese de doutoramento. São Paulo: USP, 2006. PP. 259-318.

Franciane Gama Lacerda é doutora em história social pela Universidade de São Paulo.
Atualmente, é professora adjunta da Universidade Federal do Pará, pesquisando história da
Amazônia, com ênfase nos temas: memória, imigração e cidades (séculos XIX e XX).
Em sua tese de doutorado, Franciane Lacerda trata sobre a experiência vivida pelos
imigrantes cearenses que chegaram ao Pará entre 1889 e 1916, sob influência da economia da
borracha e do interesse em desenvolver a agricultura. Esses indivíduos – quer tenham se
deslocado por causa da seca ou atraídos pelas possibilidades de trabalho na região –
desempenharam importante papel na ocupação desse espaço.
A autora examina os diversos significados atribuídos a essas experiências pelos
imigrantes cearenses, desde sua saída do Ceará até seu assentamento nos núcleos coloniais, na
capital paraense ou nos seringais. Além disso, busca entender quais os sentidos que o poder
público dava a esse processo migratório. Como parte da historiografia retratou os imigrantes
nordestinos como “pobres flagelados pela seca” ou “semi-escravos dos seringais”, essa tese
visa também desconstruir essa imagem, demonstrando outras dimensões da experiência
migratória, como nela estão presentes a luta pela sobrevivência, pelo trabalho, pela posse da
terra, muitas vezes gerando conflitos e revelando laços de afetividade e redes de
solidariedade.
O trecho acima citado é referente ao quinto e último capítulo da tese, intitulado:
Migrantes cearenses e colonização. O foco do debate é o imigrante envolvido no processo de
colonização e povoamento, em particular da chamada zona bragantina do Pará.
A autora inicia o capítulo com um trecho do relato do literato Rocha Moreira, de
quando este viajou de trem pela zona bragantina no ano de 1915 em visita a uma jazida de
granito na região de Quatipuru. Tal relato, embora diga respeito às observações de Rocha
Moreira sobre os trabalhadores da firma de granito, revela muito do trabalho feito pelos
grupos de imigrantes sertanejos – em larga medida, cearenses – que, ao lado de imigrantes
estrangeiros, foram pioneiros no desbravamento dessa área e tinham a tarefa de transformar a
floresta em espaço considerado “civilizado”, através da produção agrícola.
Durante a virada do século XIX para o XX, o Pará encontrava-se em meio à euforia
surgida com os negócios da borracha e uma crescente preocupação com a produção de
gêneros agrícolas. Para o poder público era importante ocupar e colonizar o vasto território
paraense. Segundo a autora, tal preocupação mostrava-se presente nos pronunciamentos
oficiais, tanto provinciais quanto republicanos, tendo sempre alguma referência à colonização
é à produção agrícola em todas as Mensagens entre 1889 e 1916.
Nesse sentido, o início da colocação dos trilhos da “Estrada de Ferro de Bragança”, em
1883, representou para o poder público o grande marco de desenvolvimento da região, pois se
acreditava na chegada do povoamento e da conseqüente “civilização” nos caminhos que o
trem percorria. E é nesse contexto, de acordo com Franciane Lacerda, que a busca por mão-
de-obra para trabalhar nas grandes extensões de terras tornou-se apelo comum nos relatórios
dos poderes públicos.
Franciane Lacerda, então, demonstra nessa parte do quinto capítulo quais as medidas
implementadas para atrair os imigrantes nacionais ou estrangeiros e qual o perfil do imigrante
esperado – e nem sempre aquele alcançado. Deveriam ser “trabalhadores rurais, homens
honestos, sóbrios, com hábitos do trabalho e da disciplina, com família e com princípios de
economia”1.
De acordo com a autora, tal política, baseada na noção de despovoamento do Estado e
da falta de produção, indica ainda um desconhecimento do próprio Pará na medida em que os
grupos indígenas e os pequenos lavradores paraenses não são pensados nesse contexto. A
preocupação com a produção em larga escala e em povoar áreas pouco habitadas também
revela a intenção de demarcar o domínio sobre o território com a presença do Estado, levando
aos lugares mais longínquos a “civilização” e, conseqüentemente, a “ordem e o progresso” –
ideários da instituição da República. Nos lugares distantes da capital paraense, tal processo se
deu através dos núcleos coloniais. E é a este tema que se dedica a autora na próxima parte do
capítulo.
Para a formação dos núcleos coloniais era necessário criar a estrutura para receber o
grande número de imigrantes que para lá se deslocavam. Isso se dava desde o arranjo de
passagens, até a instalação e recebimento de lotes e ferramentas para trabalhar a terra.
Franciane Lacerda afirma que essa organização acontecia também concomitantemente à

1
LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). Tese de
doutoramento. São Paulo: USP, 2006. PP. 263.
chegada dos imigrantes, desse modo, muitos destes, após sua chegada, começavam a trabalhar
na construção de barracões, casas de taipa e galpões para o recebimento de mais pessoas.
Nesses núcleos coloniais, os imigrantes tinham que enfrentar vários tipos de
intempéries, como epidemias, a luta diária travada com a natureza e o abandono por parte do
poder público. E ainda, as péssimas condições das habitações e da qualidade da alimentação
ocasionavam um grande número de mortalidade infantil.
Segundo a autora, as famílias, ao chegarem aos núcleos coloniais, deveriam receber
ajuda do governo nos primeiros seis meses, tempo para que o colono começasse a produzir.
Entre os gastos com os colonos estava: “alimentação, roupa, medicamento, materiais para
reparos de alguns alojamentos e construção de outros, ferramenta para o serviço de campo,
utensílios e transporte de imigrantes e gêneros” 2. Todavia, foram feitas muitas denúncias nos
jornais sobre a situação em que eram obrigados a viver os imigrantes após serem abandonados
nas cercanias dos trilhos da estrada de ferro, fazendo muitas vezes com que os colonos
dependessem da caridade uns dos outros para sobreviver – o que revela a criação de laços de
afetividade e redes de solidariedade nesses núcleos.
A parte seguinte da tese se dedica a estudar a produção de gêneros nesses núcleos
coloniais. De acordo com a autora, a principal função reservada aos colonos que viviam
nesses lugares era a produção agrícola. Ela afirma, ainda, que não é exagero dizer que essa era
a própria razão de ser dessas frentes de colonização. Sendo assim, quando havia alguma
dificuldade na produção, o poder público se antecipava em culpar os colonos e sua falta de
habilidade no cultivo da terra – esquecendo-se, é claro, de mencionar que as técnicas
atrasadas de agricultura se deviam em grande parte às precárias ferramentas que eram
entregues aos imigrantes pelo próprio governo.
A autora destaca, nesse contexto, que nos núcleos coloniais não se pode pensar um
exclusivismo da produção agrícola em contraposição, por exemplo, ao extrativismo da
borracha – sempre tão idealizado pelos poderes públicos paraenses. A zona bragantina teve,
além da cultura agrícola, outra fonte de produção: a extração de madeiras. Para Franciane
Lacerda, essa atividade assumiu quase a mesma importância que a agricultura, ocupando
muitos imigrantes nacionais e estrangeiros, uma vez que seus resultados eram mais imediatos,
tornando-se uma lucrativa fonte de renda.
Sendo assim, se havia por parte do poder público uma diretriz a ser seguida pelos
colonos – que deveriam se dedicar ao povoamento e ao desenvolvimento agrícola da região –,

2
LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). Tese de
doutoramento. São Paulo: USP, 2006. PP. 283-284.
os imigrantes, por sua vez, chegavam ao Pará em busca de melhores condições de vida, sejam
elas alcançadas pelo cultivo de gêneros ou pela prática de diferentes tipos de extrativismo.
Segundo a autora, nesse cenário de preocupação com a produção diária, seja ela
extrativista ou agrícola, os imigrantes seguiam suas vidas, construindo relações cordiais ou
conflituosas com os variados grupos que por ali habitavam. Assim, surgiram conflitos
envolvendo a posse e exploração da terra envolvendo imigrantes nacionais e estrangeiros e
algumas vezes até membros da administração pública. Além disso, a vida dos colonos
também continha variadas festas e práticas sociais que compunham a experiência de se viver
nessas frentes de colonização da virada do século XIX para o XX. É a isto que se dedica a
ultima parte do capítulo.
A convivência nos núcleos coloniais trazia à tona conflitos sobre variados temas, a
autora exemplifica alguns: contenda entre vizinhos de roça; abuso de poder por parte de
membros da administração pública; disputa pela posse de terras; discriminação racial e
problemas cotidianos relacionados aos padrões de comportamento estabelecidos nesses
lugares. Mas nem só de conflito e trabalho viviam os colonos, Franciane Lacerda também
demonstra como entre as práticas de socialização encontravam-se festas, comemorações
religiosas e atividades lúdicas, fundamentais na construção desses espaços na zona bragantina.
Esse capítulo da tese, então, tinha por objetivo demonstrar a experiência vivida pelos
imigrantes cearenses nos núcleos coloniais, analisando quais as atividades econômicas
predominaram nessas áreas, que tipo de organização e estruturação foram necessárias para
mobilizar tal volume de pessoas, e quais as práticas sociais cotidianas eram partilhadas nesses
espaços. Trata-se, ainda, de uma análise histórica que não generaliza a imagem do imigrante
como aquele que partia do nordeste rumo sempre aos seringais da Amazônia.
A autora demonstra que, mesmo no período de intensa produção de borracha, havia a
preocupação e o esforço por parte do poder público aliado às ações dos imigrantes em praticar
outros tipos de produção no Pará. Nesse ponto, a dissertação de Luciana Batista 3 se aproxima
da tese tratada aqui no sentido em que ambas, em contraponto com a historiografia
tradicional, defendem que o crescimento da economia gomífera não anulou ou eclipsou outros
tipos de produção na Amazônia.
Luciana Batista afirma, através da análise do crescimento da produção de diversos
gêneros agrícolas comparadas com as da borracha, que não houve uma desestruturação da
agricultura como as fontes oficiais costumavam propor. Embora esta dissertação trate de um

3
BATISTA, Luciana Marinho. “Muito além dos seringais: elites, fortunas e hierarquias no Grão-Pará, c. 1850 –
c.1870”. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. PP. 63-104.
período anterior ao tratado por Franciane Lacerda, ambas apontam para o fato de que não
houve um abandono da agricultura por parte dos trabalhadores que, como foi exposto por
Lacerda, partiram também rumo aos núcleos coloniais e se dedicaram também a outras
atividades que não a extração do látex.

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