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José Martins

OS LIMITES DO IRRACIONAL
globalização e crise econômica mundial

edit a Fio do Tempo


© Editora Fio do Tempo, 1999

Edição: Fio do Tempo


Capa: Daniel Assan Piwowarczyk
Revisão Técnica: Robson Molino de Santana e Andreia Christina dos S. Mariano
Revisão do Texto: Maria Inês de Castro
Editoração Eletrônica: .COM Assessoria e Publicidade Ltda
Há algo que se possa entender plenamente
ou julgar com correção, se as causas e
princípios que estão em sua origem não se
tornarem manifestos?

Richard Hooker, Of the lau/cs of ecclesiastical


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) politie (Sobre as leis da comunidade
ecl esiá st i ca]
Martins, José
Os limites do Irracional - globalização e crise econômica internacional

I.Economia mundial 2. Comércio exterior 3. Finanças internacionais


4. Relações internacionais 5. Investimentos estrangeiros 6. Ciclos econômicos
7. Economia brasileira 8. Política internacional

Editora Fio do Tempo


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CEP 5315-970
São Paulo, SP
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e-rnail: marts@ihlll.nct

Impresso no Brasil
setem bro de J 999.

4 5
Índice Geral

Índice das tabelas e quadros estatísticos : II


Agradecimentos 15
Prefácio 17

Primeira Parte - O Mundo Gira

CAPÍTULO I - Uma festa capitalista 21


"A economia mundial é meu país" 24
"Exuberante irracionalidade" 25
A velha dama está de volta 27
Quem organiza é o mercado 'E

CAPÍTULO Il - Estado Político e Estado-capital 31


O neoliberalismo 32
A fúria das ruas 35
Viva o livre mercado 37
Eleito pelo capital 40

CAPÍTULO 111 - Perdidas ilusões 44


Trabalhadores produtivos e tendência à queda da taxa de lucro 48
Sonhando com os "Ciclos Longos" 52
Uma visão burocrática do processo 53
Os "trinta anos gloriosos" 56
Decretando o fim do trabalhador produtivo 61
A crise permanente do romantismo burocrático 64

CAPÍTULO IV - Os liberais e os desdobramentos do irracional 67


As vulgaridades do Sr Thurow 67
Assustados com a velocidade do irracional 70
A acumulação primitiva é um espetáculo moderno 73
Ajustes fiscais para a "exuberante irracionalidade" 75

Segunda Parte - O mundo é organizado pelo capital

CAPÍTULO V - Trabalho, terra e capital 81


Enfoque pragmático X4
6
7
Um americano por três ou quatro chineses &>
Uma indústria de contradições 171
173
O trabalho globalizado 89
Teoria vulgar e keynesiana 174
Como se emprega a população mundial <J2
O peso de uma indústria reguladora 176
Urbanização acelerada 95
Lei da gravidade 178
"Limpeza" no campo lJ7
Superprodução de máquinas 180
CAPÍTULO VI - Brasil: uma economia tão grande quanto seu O comércio da superprodução .
subdesenvolvimento 101
CAPÍTULO XI - A crise golbal se manifesta primeiramente nas economias
Que bela economia 103
dominadas........................................................................................................ 183
181
Riqueza e capital ICXí
Um tigre chamado Tailândia 186
Prêmio Nobel em pobreza 108
Tudo que sobe tem que carr 187
Uma plctora de capital : : 188
CAPÍTULO VII - Produção de alimento e luta de classes no Brasil 111
A podridão é o laboratório da VIda <J2
Vidas secas III
Concorrência, moedas e c hiIpS . 1
A hora de produzir 120
Alimento de base 124
CAPÍTULO XII - O vulcão japonês pronto para uma grande erupção 1~
Produção não rima com propriedade 127
.
Um resistente Esta d o naciona I 198
Anemia produtiva ..... 201
1
CAPÍTULO VIII - A China mostra sua cara 131
Perdendo a velha competitividade ·····203
De Ming a Xiaoping 131
Crise asiática ou crise global'? .
Condenada a crescer 133
Além da muralha 135
CAPÍTULO XIII - China: a crise econômica se espraia na nação mais POPUlos~6
Muito emprego e muito desemprego 137
.................................................. 2
A outra guerra 138 ..I.C. ·:l•• ~·~·i:;~·;·é·;~·p
domAuodo..·mI··.a.p..o..I·I:t ..l;·;~·~~~·~:;enteà realidade da crise 207
Americanos e chineses 140 econo 'b 208
A crise "muda de natureza" 211
A armadilha da miséria 141
Pastel chinês com receita do FMI .
.. 211
CAPÍTULO IX - Os salários e os trabalhadores também são globalizados 143
Quem come mais Big Mac? 143
Greve na GM em Flint, Estados Unidos
Produzindo o mesmo automóvel nos Estados Unidos e no Brasil; onde se
produz mais?
Os trabalhadores morrem, a GM renasce
147

148
151
~~\\iiI{l~I~~EO lli
'I
CAPITULO XIV - A ro eta russa 222
22
A verdadeira produtividade 154
Do dominante para os d omma . d·os 2
224
Como a GM compara seu lucro global 155
Crise parcial ou depressão global'? 225
S6 uma crise global pode parar a GM 157
O contágio aumenta 226
Terceira parte - O mundo ameaça parar Alargamento imperialista 228
Europa do leste: de isolados a dominados ··..······················
..·········229
Desabamento da produção 231
CAPÍTULO X - Estados Unidos: os limites da produção global são criados na
Desemprego para todos 2i2
economia de ponta do sistema 163
Breve balanço social 2i3
O fator X 163
Reformando e acumulando 2is
Hegel e a máquina reguladora 164
Uma economia de guerras 166 Quem lucra corre riscos ::::::::::::::::::::::: 236
Quem emprestou quer receber :.... 3
No ninho da superprodução 167
Não chorem por mim L8
8
9
Rumo a Paris 240

CAPÍTULO XV - Europarasitismo e crise global 241


Uma reação ideológica 242
Um importante fenômeno 243
Dois importantes fundamentos
As moedas sentem o peso
244
245
Índice das Tabelas e Quadros Estatísticos
. Consequências nacionais 246
Misterioso comércio 246
Masterricht: a euroburocracia se movimenta 247 Tabela 1- Estados Unidos: Produto Nacional Bruto (PNB) e Participação dos Inves-
Superproduzindo pelo mundo 251 timentos Produtivos (Períodos selecionados) 55
Sinistra contabilidade 252
Eurocatástrofc 254 Tabela 2 - Estados Unidos: Evolução da Produção Industrial- 1947-1995 (variação
anual média) 57
CAPÍTULO XVI - Furacão na América Latina 256
A desigualdade se aprofunda 258
Tabela 3 - Estados Unidos: Taxa de Crescimento do Investimento Fixo Real das
Petróleo demais 2ffl
Empresas sobre os Nove Primeiros Trimestres da Retomada Cíclica (1954 - 1992)
Alimentos de menos 0.0 •••••••••••••••••••••••••••••• 262
(variação anual média) 59
Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos 2M
O muro da globalização 265
Tabela 4 - Estados Unidos: Estrutura c Evolução do Emprego no Período Pós -
Do lado de cá do muro 267
Guerra(1950-1990)(emmil) 62
A "nova indústria" no Brasil e na Argentina 268
Vulnerabilidades e ajustes 270
Tabela 5 - Economia Mundial: Área, população e produção - grupos de economias
Pai nosso que estais em Washington 272
selccionadas ( 1993) 86
Bancos, moedas e câmbio 274
Perspectivas ::::: ::::::: ::::::::::::::::: ::::: :::::::: :::::: :::::: ::::: :::::: :::::::::: 276
Tabela 6 - Força de Trabalho Mundial, por região e grupo de renda 88

CAPÍTULO XVII - Blecaute no Mercosul 279


Privatizações selvagens 279
Tabela 7 - Participação (%) da Agricultura, Indústria e Serviços no Produto Bruto
"Moedas fortes" mas sem nenhuma qualidade 283 Mundial - blocos de países selecionados (1970 e 19(3) 93
O monopólio em processo 284
U ma confraria de protecio~i~~;~·~ "iib~'~;;~':
::::::::::::::::.::::::::::::::::::::::::::::.:::: 285 Tabela 8 - Evolução da Força de Trabalho Mundial e da População Urbana (blocos
Ilusões flutuantes 287 de países selecionados- 1970-19(3) %
Réquiem da dolarização 290
Tabela 9 - Brasil: Produção de Grãos
CAPÍTULO XVIII - Desdobramentos da crise nos Estados Unidos 293 Principais produtos - 1993/1 997(em milhões de toneladas) 114
O direito do capital 294
Julgamento dos nobres 295 Tabela 10 - Brasil: Área Plantada e Produção dos Principais Alimentos (por Regiões
Falta de trabalhador nos Estados Unidos m e diferentes produtos) (Safras 96/97 e 97/98) 117
O capital não vive só de juros 298
O fogo eterno não pode apagar 2<J9 Tabela 11 - Brasil: Custo Pecuário - (média por cabeça/I 8 meses em regime de pasto
extensivo) 12.')
Bibliogafia Geral 303
Tabela 12 - Distribuição Mundial da Produção e Comércio de Cereais (trigo, milho,
e arroz) - países e blocos selecionados, 1995 126

10 11
Tabela 13 - Brasil: Índü.:e de Mecanização da Agricultura (período 1960/95) ..... 129 Tabela 29 - Japão, Estados Unidos e Alemanha: Formação Bruta de Capital Fixo das
Empresas, em volume - 1992 a 1995 - (% período anterior) 199
Tabela 14 - China: Mudança das Posições Relativas na Economia Mundial (parte %
do produto mundial) 134 Tabela 30 -Japão, EUA e Alemanha: Volume das Exportações e Importações - 1992
a 1995 - (% período anterior) 200
Tabela 15 - China: Emprego da População Trabalhadora (milhões de pessoas, em
1980e 1995) 137 Tabela 31 - Japão: Investimento Direto em Diversas Áreas da Economia Mundial -
1989 a 1995 (U$ bilhões) 200
Tabela 16 -Preços Mundiais: minutos de trabalho necessários para comprar I hamburguer,
I kg. de pão ou I kg. de arroz - Blocos de economias selccionadas, 1997 143 Tabela 32 - China: Principais indicadores econômicos 1990-1997 (US$ bilhões) 213

Tabela 17 - Preços Mundiais: Salários, preços de alimentos e aluguéis (em US$), Tabela 33 - China: direção do comércio exterior (destino das exportações e origem
1997 144 das importações) 1994- US$ bilhões) 215

Tabela 18 - Preços Mundiais: Salários Brutos Anuais, diversas categorias profissi- Tabela 34-China: valor e uso do Investimento Externo 1997 - 1995(US$ bilhões) .... 216
onais (em milhares de US$), 1997 145
Tabela 35 - China: Índices das Bolsas de Valores - 1997 e 1998 219
Tabela 19 - Quanto se produziu na indústria automobilística nos Estados Unidos e
na General Motors do Brasil (de 1987 a 1996) 149 Tabela 36 - Leste Europeu e outras áreas selecionadas: Produto Interno Bruto nos
anos 80 e 90 - (média anual- % ano) 230
Tabela 20 - Como se produziu na indústria automobilística dos Estados Unidos e na
GM do Brasil (de 1987 a 1996) 153 Tabela 37 - Leste Europeu: Desemprego Registrado (percentagem da força de traba-
lho) 231
Tabela 21- Estados Unidos: Duração Média (em meses) de cada Ciclo Econômico-
1854a 1991 166 Tabela 38 - Rússia, Leste europeu e outras áreas dominadadas: Exportações e Im-
portações de Mercadorias em 1996 (US$bilhões) 234
Tabela 22 - Estados Unidos: Produção de Capital na Indústria de Manufaturas - em
períodos selecionados de expansão 169 Tabela 39 - Leste europeu: quem vende e quem compra na área -participação (%) no
total do comércio da área em 1996 235
Tabela 23 - EUA: Produto Industrial Bruto ("bens duráveis") (% sobre ano
anterior) 175 Tabela 40 - Empréstimos do Sistema Bancário Internacional às Àreas Dominadas,
segundo prazo de maturação. (posição dez/97) 236
Tabela 24 - EUA: Investimentos em Equipamentos de Produção - 1994-98
(% sobre ano anterior) 179 Tabela 41 - Empréstimos do Sistema Bancário Privado Internacional às áreas
dominadas, segundo a nacionalidade dos Bancos credores (posição de dezcm-
Tabela 25 - Mundo e Estados Unidos: Exportações/Importações de Mercadorias .... 100 bro/97) 237

Tabela 26 - Ásia: Taxas de Crescimento do PrB (países e períodos selecionados) ..... 183 Tabela 42 - Valor do Marco e do Iene frente ao Dólar (abri 1/95 a abril/98) 245

Tabela 27 - Produto Interno Bruto dos "Tigres" e das Economias Dominantes _ Tabela 43 - União Européia, Estados Unidos e Japão: Dívida Pública Líquida em
média anual de diversos períodos (em %) 190 1985, 1990e 1995 (%PrB) 249

Tabela 28 - Japão, EUA e Alemanha: Produto Nacional Bruto - 1979 a 1997 _ (% Tabela 44 - União Européia, Estados Unidos e Japão: Juros Líquidos em 1985, 1990
período anterior) ................................................................................................ 199 e 1995 (%PrB) 2)()

12 13
Tabela 4S - Europa, EUA e Japão: Distribuição de Empréstimos Bancários, de acor-
do com a nacionalidade dos bancos envolvidos 2'52

Tabela 46 - Os "pontos quentes" e o grau de envolvimento dos bancos privados


alemães, americanos e japoneses (dezJ97) US$ bilhões 253
Agradecimentos
Tabela 47 - América Latina: a repartição capitalista do produto, do comércio e da
população (% no total mundial) não é uma coisa natural 2'57

Tabela 48 - América Latina: o PIE não consegue recuperar as elevadas taxas anuais
dos anos 70 2'59 Todos os trabalhos expostos neste livro foram realizados com o
objetivo de atender as necessidades de desenvolvimento teórico da
Tabela 49 - América Latina: petróleo e metais são muito pesados para a agricultura classe trabalhadora. No próprio momento em que eram elaborados e
e a produção industrial 262 concluídos, estes trabalhos foram imediatamente expostos em bole-
tins, jornais operários, palestras e testados em debates com o movi-
Tabela SO- América Latina: os déficits externos aumentam, as reservas caem e as
dívidas externas de curto-prazo ficam impagáveis 275 mento operário de norte a sul do país.
A edição deste livro tem aquele mesmo ohjetivo. Foi o próprio
movimento operário que possibilitou também esta edição. Esta não
teria sido possível sem o apoio material de diversos sindicatos de
combate, cuja principa' I característica é a defesa dos indissociáveis
interesses imediatos e gerais da classe trabalhadora, o que
corresponde, necessariamente, a uma inflexível recusa ao
colaboracionismo com as classes proprietárias do capital, seus
ideólogos e seus governos de plantão. Só deste tipo de sindicato rece-
bi apoio para esta edição, o que também me tranqüiliza quanto a
seriedade do trabalho.
É longa a lista de companheiros, companheiras, associações e sin-
dicatos que participaram da produção deste livro. Agradeço a todos
que, diretamente ou anonimamente, contribuíram para a sua realiza-
ção. Tanto aos que leram meus textos, dehateram em nossas pales-
tras e que, de alguma forma, deram vida a minha atividade, nos últi-
mos três ou quatro anos, quanto aos que se uniram nos últimos três
ou quatro meses para que a edição deste livro fosse possível.
Estou muito orgulhoso com o fato de que a edição deste livro,
dedicado totalmente aos trabalhadores, tenha sido possível tamhém
por obra dos próprios trabalhadores.

José Martins
Setembro de 1999.
14
15
Prefácio

Este livro trata, de maneira prática, dos princípios e dos movimentos


mais gerais da acumulação capital ista. Essa tarefa não pode ser realizada
com definições e postulados isolados dos movimentos concretos da pró-
pria acumulação, quer dizer, das formas com que se manifesta a totalida-
de do ser capital.
Essa totalidade se realiza, em um primeiro momento, na forma de um
processo de alargamento e aprofundamento do mercado mundial. É o
momento idílico do processo. Mas o seu resultado logo se apresenta
como uma preparação, para o momento seguinte, de explosões perió-
dicas, de crises econômicas que atingem cada vez mais pesadamente
todo aquele edifício capitalista que até então parecia construído em ba-
ses muito sólidas.
São essas crises econômicas globais que revelam os fundamentos do
ser capital. Aparecem como limites criados pela exuberante expansão
anterior do mercado e que se manifestam exatamente no ponto mais ele-
vado de um determinado ciclo econômico.
Essas crises econômicas, que se repetem periodicamente, como uma
pletora de capital, são portanto momentos privilegiados e muito impor-
tantes para a investigação econômica e o conhecimento da realidade ma-
terial. Esses momentos são importantes porque permitem estabelecer não
apenas a anatomia, mas principalmente a necrologia deste modo de pro-
dução, quer dizer, a necessidade de ser substituído por uma forma supe-
rior de produção social.
Nos últimos três anos, abriu-se mais um desses momentos privilegia-
dos. Desde os anos 20, a natureza da crise capitalista não aparecia com a
mesma clareza dos últimos três ou quatro anos. Isso facilitou decisiva-
mente as investigações e sistematização dos trabalhos que compõem este
livro. Nos últimos anos, acompanhando diariamente os desdobramentos
desta "exuberante irracionalidade", tivemos as condições materiais mais
16
17
favoráveis para a verificação e aprofundamento de estudos que eu vinha
fazendo há mais de vinte anos.
É próprio da natureza humana que teoria e movimento material for-
mem uma unidade indissociável. A investigação dos movimentos objeti-
vos do capital e dos seus limites exige que se verifique, simultaneamente,
as idéias que os economistas e demais ideólogos deste sistema de domi-
nação fazem daqueles movimentos e daqueles limites. O leitor poderá
verificar que, quando os limites do atual regime se tornaram cada vez mais
manifestos, nos últimos dois anos, a perplexidade e a impotência tomaram
conta das mentes normalmente tão confiantes dos economistas.
O que se pode verificar, finalmente, de forma totalmente oposta àquela
decadência do pensamento econômico oficial e burocrático, é a cres-
cente atualidade da economia política dos trabalhadores, designação
que Marx dava a sua própria teoria. Essa atualidade não se verifica em
uma ou outra idéia que se possa espalhar ao vento das opiniões pesso-
ais. Neste Iivro, pude comprovar praticamente a capacidade de previ-
são da economia política dos trabalhadores e sua mais do que suficiente
capacidade explicativa dos ciclos econômicos característicos do capital
Primeira Parte
deste final de milênio cristão.
A anatomia do homem é a chave para se esclarecer a anatomia do O Mundo Gira
macaco. O objetivo mais procurado deste livro foi o de contribuir para o
entendimento da relação entre teoria e movimento material da sociedade.
Se a unidade do pensamento da economia política e da realidade material
capitalista afunda com as crises do regime atual, de um lado, do outro a
economia política dos trabalhadores reforça sua capacidade de previsão.
Não apenas para aquele destino catastrófico de crises cada vez mais po-
tentes, em que necessariamente desembocará o desumano regime atual.
A previsão mais importante da economia política dos trabalhadores é a
de que a humanidade só terá se libertado da catástrofe capitalista quando
uma grande revolução social tiver enquadrado os resultados desta época
burguesa, o mercado mundial e os meios de produção modernos, quando
então o progresso humano deixará de se assemelhar àquela odiosa divin-
dade pagã que só bebia seu néctar no crânio de suas vítimas.

José Martins
Setembro de 1999.

19
18
CAPÍTULO I
Uma Festa Capitalista

Se alguém tentar descrever a paisagem atual da economia mundial,


certamente não poderá ignorar a fusão de dois movimentos altamente
corrosivos do velho mundo estabelecido no pós-guerra e que sobreviveu
até poucos anos atrás. O primeiro é a facilidade com que se movimenta
por todos os cantos do mundo as novas condições tecnológicas e produ-
tivas do capital globalizado. O segundo é a mesma facilidade com que
circulam enormes massas de capitais para a construção de fábricas
incontáveis pelo mundo afora.
O resultado é que hoje é tão fácil se colocar em funcionamento uma
fábrica de automóvel, de computador ou uma petroquímica, como se mon-
tava há algumas décadas uma loja de sapatos, de camisa ou de botões. E o
mais fantástico é que o mesmo automóvel que se fabrica em Flint (Estados
Unidos) ou Frankfurt (Alemanha), também já está sendo fabricado na Ci-
dade do Cabo (África do Sul), em Bangcoc (Tailândia), em Jacarta
(lndonésia) ou em São José dos Campos (Brasil). Os mesmo drive de
disco e micro-processador Pentium da lntel podem ser fabricados tanto
em San José (Califórnia), ou Stokolmo (Suécia), quanto em Penang
(Malásia), na periferia de Bombain (Índia) ou em Rosário (Argentina).
A revista americana Business Week COITeatrás dessa nova paisagem:
"Uma década atrás, os parques industriais de Penang, na Malásia, torna-
ram-se uma meca para a Seagate Technology lnc e outras gigantes da in-
dústria de alta tecnologia, graças a autoridades locais superatenciosas, in-
centivos fiscais imbatíveis, centros de treinamento subsidiados e uma abun-
dância de trabalhadores que aprendem rápido e ganham menos de US$ I
por hora. Hoje centenas de milhares de malásios montam de tudo, desde
microprocessadores Intel até computadores Dell. Agora, com índice de
desemprego da ordem de 2% na Malásia, os salários em geral estão cres-
cendo à velocidade duas vezes maior do que a produtividade. Para compor

20 21
o quadro de pessoal de sua" sete fábricas no país, a Seagate contratou cem toridades locais "superatenciosas", prontos para oferecer incentivos fiscais e
ônibus para transportar, diariamente, as operárias que moram em aldeias à nenhuma resistência para a entrada e saída de capitais e outros "fatores de
distância de até duas hora" de viagem. Os gerentes percorrem a região rural produção" necessários para, livremente, produzir e superproduzir capital.
da Indonésia para recrutar funcionários. Para aumentar a produtividade sem O ano de 1996 foi mais um ano de produção mundial desenfreada de
adicionar novos empregados, a Seagate manda trabalhadores malásios, que capital. Longe de idéias equivocadas que não conseguem enxergar além
recebem US$ 10 por dia, até Bloomington, no estado de Minessota (Esta- da superfície do capital monetário e das taxas de juros, a acumulação de
dos Unidos), para serem treinados a operar os mais recentes robôs. 'Esta- capital se expande no ritmo da taxa de lucro que nasce no chão da fábri-
mos crescendo tão depressa quanto o mercado de trabalho permite, mas ca, na fértil relação entre capital fixo, matérias primas e insumos, de um
não é o suficiente', comenta Timoty Harris, diretor executivo da Seagate lado, e bilhões de corpos que encarnam a capacidade de trabalho, de
Industries de Penang". (Business Weekl G. Mercantil, 7/12/96). outro. A taxa de juros nunca foi tão subordinada à taxa de lucro como nos
A Malásia é uma pequena área de terra encravada na ponta do sudes- tempos atuais de aprofundamento da globalização.
te asiático, ao sul da Tailândia e Camboja e a leste do arquipélago da Mas não basta se produzir com salários baixos. A liberdade do capital
Indonésia. Tem pouco mais de 18 milhões de habitantes. Até 20 anos significará sempre a contraditória combinação entre extensão e intensifi-
atrás era apenas uma área marcada pelas florestas úmidas tropicais e suas cação do trabalho. Mais importante do que a quantidade produzida é a
principais atividades econômicas eram a exploração da borracha e a pro- produtividade com que se produz. O problema dos "tigres asiáticos" e de
dução de pimenta-do-reino. Hoje, a indústria de transformação repre- todas as demais "economias emergentes" é que salários baixos represen-
senta 45% da sua produção nacional. Nos Estados Unidos a indústria tam também produtividade baixa. E, à medida que estas economias mais
representa apenas 28% do seu PIE. No prazo de cinco anos estarão se abrem para as novas condições produtivas e financeiras mundiais, mais
sendo produzidos na Malásia 1,5 milhão de automóveis por ano, pouco aumenta sua vulnerabilidade aos próximos choques de superprodução na
menos do que o Brasil produz atualmente. economia mundial: "Em toda a região do Leste Asiático, a reforma dos
Todo aspirante a "tigre" tem um status a ser alcançado: ter sua própria mercados financeiros é uma tarefa urgente, já que o ingresso de recursos
montadora nacional. A Malásia já possui a sua, que se propõe a produzir estrangeiros poderá não continuar no mesmo rítimo. Em ocasiões anteri-
500 mil unidades do seu sedã Proton até o ano 2000. Do mesmo modo ores, o ingresso de capitais foi impulsionado pela valorização do dólare,
que a Indonésia, Tailândia, China, todos instalando dezenas de linhas de depois do iene, lançando as empresas industriais dos Estados Unidos e
montagens de automóveis. Até o Vietnã, o último dos candidatos a "ti- do Japão numa corrida para instalarem plataformas de exportação de
gre", com uma frota nacional que não chega a IO mil automóveis, já apro- baixo custo na China e no Sudeste Asiático. Mas os custos já não são tão
vou a instalação de lI linhas de montagem no seu território! atraentes como antes. (... ) Os asiáticos vão percebendo que exportar
Todos procuram estabelecer metas cada vez maiores de produção. "Cres- produtos manufaturados para o mundo inteiro não é o suficiente para ga-
cer tão depressa quanto o mercado de trabalho permite", como diz mister rantir o crescimento econômico no futuro." (Business Week, idem)
Timoty Hanis da Seagate Industries. Este é um painel revolucionário de pro- A globalização é o caminho mais rápido para a superprodução de
dução, inimaginável até 15 ou 20 anos atrás. O capital se estende e se capital, essa "exuberante irracional idade" que, já no final de 1996, come-
rejuvenece onde houver populações dispostas a receber um salário de no çou a bater na porta da principais bolsas de valores do mundo. A euforia
máximo 2 dólares por hora ( o que já se considera como um elevado custo de da superprodução se transforma em pesadelo quando os custos aumen-
mão de obra, para os padrões atuais da globalização); sindicatos e partidos tam, os mercados encurtam e a taxa de lucro começa a cair. A análise do
políticos dispostos a colaborar com esse "banco de sangue"; governos e au- atual estágio da acumulação mundial tem que levar em conta as diferentes

22
23
condições de valorização do capital industrial nas diferentes áreas geo- divisa, nos últimos anos, do que os americanos. E nenhuma economia se
econômicas. E aí começam a se revelar os clássicos limites da valorização beneficiou tanto com o novo mundo da globalização e livre mercado do
do capital, mais ou menos abafados naquele velho mundo do pós-guerra. que a economia americana. Isto já provocou uma nova mudança na clas-
Agora, esses limites podem se manifestar com mais visibilidade, do mes- sificação de quem é quem entre as maiores empresas industriais do m~n-
mo modo que produzir um automóvel atualmente ficou tão fácil quanto do. "Desde que a Business Week lançou pela primeira vez seu ranking
produzir um par de botinas cinqüenta anos atrás. das corporações de mais valor, em 1988, a economia mundial de tran~-
formou. Mais países se abriram ao comércio internacional e aos investI-
"A economia mundial é meu país"- Os lucros da acumulação mun- mentos do que em qualquer época anterior. Para os colossos corporativos,
dial se concentram nas principais economias. Muita gente imagina que as maiores oportunidades estão muito além de seus mercados nacionais
esta transferência se realiza principalmente na esfera do capital financeiro, ( ...) Dos Estados Unidos até o Japão, passando pela Europa, as compa-
do capital de crédito, na forma de juros pagos sobre empréstimos exter- nhias que estão subindo nas classificações são as que se tornaram nomes
nos, etc. Esta é realmente uma forma importante de transferência de re- de âmbito mundial em tecnologia, indústria de transformação e bens de
cursos das economias dominadas para as economias dominantes do sis- consumo. Como nos últimos anos, os Estados Unidos voltam a se colocar
tema. E mesmo as empresas industriais mundializadas se utilizam desses no centro das atenções em 1996. Mais uma vez a América Corporativa
mecanismos financeiros para ganhar muito dinheiro, especulando nos pa- elevou seu grau de liderança sobre os concorrentes japoneses e euro-
íses em que estão instaladas. Mas essa não é a sua principal fonte de peus. A list; das 1000 maiores contém um recorde de 422 companhias
extração e transferência de capital. norte-americanas, em relação às 396 do ano passado. Os Estados UnI-
Atualmente, a ação do capital financeiro é apenas uma forma secundá- dos respondem atualmente por 46% do valor de US$ 11,2 trilhões de
ria dentro da exploração imperialista. A principal é a geração, acumula- todas as 1000 maiores, comparados com os meros 30% de 1988. E,
ção e centralização dos lucros industriais criados nas incontáveis indústri- pela primeira vez na história de nove anos de ranking das 1000 n:~iores,
as de transformação espalhadas pelo mundo. Isso pode ser verificado na uma companhia norte-americana - a General Eletric Co - cla;<;slfIca-se
contabilidade nacional das principais economias. Vejam, por exemplo, em primeiro lugar, com um valor de US$ 137,3 bilhões ( ...) E umjogo
como são contabilizados os lucros operacionais da indústria dos Estados muito diferente se comparado ao final da década de 80, quando o pode-
Unidos, a economia de ponta do sistema. Segundo o Departamento de roso Japão estava alargando rapidamente seu poderio. Na primeira edi-
Comércio daquele país, em 1996 os lucros operacionais da indústria ame- ção do ranking das 1000 maiores, as companhias japonesas respond~am
ricana (relacionados apenas às atividades próprias das empresas, dife- por 48% do valor da lista da época, US$ 5,7 trilhões. Juntas, elas valiam
rente de lucros financeiros ou extra-operacionais) será de aproximada- cerca de 60% mais do que as companhias norte-americanas da lista. Agora,
mente 556 bilhões de dólares. Mas eles discriminam esse lucro em duas são os colossos norte-americanos que valem 95% mais do que as suas
partes. A primeira indica o lucro doméstico, gerado nas atividades indus- congêneres japonesas. O Japão responde por apenas 23% do valor da
triais internas daquela economia: 438,5 bilhões de dólares. A segunda 1000 maiores. Na Europa, as companhias de primeira linha como a
parte diz respeito ao lucro recebido do resto do mundo: 118,3 bilhões Siemens, a Heineken e a L.M. Ericsson dispararam. Mas devido à anêmi-
de dólares. Certamente estão contabilizados nesta segunda rubrica boa ca recuperação da economia registrada na Europa, as companhias euro-
parte dos lucros da Seagate Industries de Penang, Malásia, da General péias como um todo resvalaram ainda mais." (Busi~ess Week, 8/07/96).
Motors do Brasil, de São José dos Campos, etc.
"A economia mundial é meu país". Ninguém tem praticado mais esta "Exuberante irracionalidade" - Há poucos dias, o presidente do

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Banco central americano declarou que o mercado de ações do seu país nas Bolsas de todo o mundo, não foi certamente desprovida de funda-
estava vivendo uma "exuberante irracional idade". Foi o suficiente para mento. Ele é o primeiro a receber os dados básicos conjunturais daquela
que os valores da Bolsa de Nova York caíssem quase 3% em um só dia. economia que comanda o resto do mundo. Os últimos dados que pude-
T~das as demais bolsas do mundo caíram junto. Nos dias seguintes en- mos verificar sobre a conjuntura econômica dos Estados Unidos,
saiou-se uma recuperação. Na verdade, a Bolsa de Nova York está vi- publicadas no fim de novembro deste ano (1996) pelo Banco Central
vendo um dos momentos de maior valorização da sua história, tudo por americano, indicam uma certa exaustão do longo período de expansão
conta daquela reviravolta das empresas americanas, que voltaram a co- iniciado na virada de 1992 para 1993.
mandar os principais ramos da indústria mundial. A utilização da capacidade instalada está nos mesmos níveis elevados
Os lucros das empresas são a base para a valorização das ações ne- que precederam os choques de 1980-82, de 1986-87 e principalmente,
gociadas nas bolsas de valores. Entre outubro de 1991 e novembro de o de 1990-92. Tanto a produção industrial quanto os lucros e os inves-
1996 as ações da Bolsa de Nova York subiram 111,4%. Isto corresponde timentos em máquinas também começaram a se desacelerar nos últimos
a uma taxa anual de crescimento de 13,3%. No mesmo período, a Bolsa meses. A previsão é de que a produção americana deve ser menor em
de Frankfurt subiu menos que a metade da de Nova York: 51 %, ou taxa 1997, apontando para um novo período de desaceleração e crise. O va-
anual de 7, 1%. A Bolsa de Tóquio, no mesmo período, regrediu, sinali- lor das ações será o grande termômetro dessa próxima crise. Quando o
zando uma profunda desvalorização do capital das empresas japonesas: Banco Central americano anunciar a elevação das taxas básicas de juros
menos 13%, ou queda de 2, I % ao ano. daquela economia, o que normalmente ocorre nos momentos que prece-
Não foi por acaso, também, que a recuperação cíclica da economia dem os períodos de queda das taxas de lucro e crise econômica, estará
mundial, iniciada em 1993, foi quase toda monopolizada pela produção acionado o botão que liga o incinerador de montanhas de papéis que
nos Estados Unidos. Enquanto o PIB e a Produção Industrial dos Esta- ainda ostentam orgulhosamente aquele distintivo de "exuberante
dos Unidos cresceram a taxas médias anuais de 2,3 e 2,4%, respectiva- irracional idade" de que falou o Sr. Greenspan.
mente, o PIB alemão e japonês cresceu apenas 1,5 e 1,7 %. O mais
importante, entretanto, é que a produção industrial regrediu nos dois prin- A velha dama está de volta - O fenômeno mais marcante da econo-
cipais concorrentes dos Estados Unidos, à taxas médias anuais de menos mia mundial em 1996,foi o reaparecimento de uma velha dama da acumu-
0,8% na Alemanha e menos 0,4% no Japão. lação e da" crises capitalistas: a deflação. De um lado, aumento do valor do
Esta evolução representa mais do que aquela profunda mudança no qua- capital, de outro diminuição dos preços da" mercadorias. Esta relação tinha
dro de repartição do poder econômico mundial. Ela indica que tanto a Europa desaparecido naquele período do pós-guerra marcado pela regulação e
quanto o Japão estão muito vulneráveis para receber o próximo choque cíelico protecionismos nacionais. Agora, com a crescente predominância das re-
de desaceleração e crise na economia mundial (o último foi entre 1990 e gras do livre-mercado, ela reaparece em todos os cantos do mundo. Em
1993). A evolução da produção das três maiores economias nos anos 90 1990, os índices de preços ao consumidor variavam 6% ao ano, em mé-
indica que uma grande desorganização produtiva, acompanhada de uma crise dia, na União Européia. Em 1996estão próximos de 2%. Um quadro pare-
social sem precedentes no período pós-guerra, atingirá em cheio o continente cido aconteceu nos Estados Unidos. Os preços no atacado caem mais
eu.ro~eu e toda área do leste e sudeste asiático (atingindo, além do Japão, rapidamente: na França caiu 5,2% no ano de 1996, na Alemanha subiu
principal mente a China, o leste Europeu e a América Latina). apenas 0,9% e no Japão 0,3%, até o mês de outubro. Só nos Estados
A chegada desta nova crise cíclica não está muito distante. A declara- Unidos houve aumento significativo de 3%. Esta variação dos preços no
ção do Sr. Greenspan que provocou nos últimos dias um pequeno abalo atacado representa mais de perto a situação de rentabilidade nas diferentes

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áreas e países. Mostram que só na economia americana ainda se mantém mentos públicos, as famigeradas reformas fiscais. Isto, na visão liberal
condições favoráveis de lucro das empresas. Por enquanto. predominante, comprova as grandes virtudes do regime do livre-merca-
Os preços internacionais das matérias primas acompanham este movi- do. No entanto, no lado mais determinante da economia, as empresas
mento de queda. Segundo o índice de preços decommodities da revista perdem o poder de estabelecer preços, o desemprego aumenta livremen-
The Economist, até final de novembro deste ano as matérias primas ti- te, as fraquezas das empresas e das economias nacionais ficam mais evi-
nham acumulado no período de 1990-96 uma elevação de apenas 8,7%. dentes. Nos últimos 3 ou 4 anos, a deflação foi acompanhada daquela
Exatamente 1,4% ao ano. Mas no ano de 1996 ocorreu uma queda de "exuberante irracionalidade" de valorização do capital. Os anos de 1996
6,5% nos preços. Os metais, em particular, estão com um nível de preço e 1997 marcarão seu ponto de mais elevado. Mas, do mesmo modo que
10% abaixo do que se verificava em 1990. Só no ano de 1996já ocorreu estão caindo os preços das mercadorias, não tardará o momento em que
uma queda de mais de 13% nos preços dos metais! a deflação terá que atingir também o preço do capital cotado nas bolsas
Se há um componente crucial na evolução da economia latino-ameri- de valores de todo o mundo. O verdadeiro sentido de um processo
cana é também este reaparecimento do velho fenômeno da deflação. Os deflacionário entrará na cabeça dos liberais na sua forma mais didática
índices de preços ao consumidor caíram de uma média na região de qua- possível. E os abalos sísmicos anunciando uma desorganização catastró-
se 200% ao ano, para apenas 19% no ano de 1995. Neste ano, esta fica da produção, dos mercados e das finanças mundiais não servirão
média estará próxima dos 10%. Na Argentina a inflação será menor do para demonstrar apenas a irracionalidade deste atual regime de produ-
que I% e no Brasil menor do que 10%. A queda dos preços, e mesmo a ção. Servirão principalmente para demonstrar as possibilidades e a ne-
tendência à deflação, na América Latina, têm sido até agora comemora- cessidade de revoluções capazes de substituir a civilização do capital pela
das como um grande feito destas economias dominadas. No entanto, é comunidade internacional de produtores livremente associados.
ela quem comanda a abertura do mercado, a rigidez do crescimento eco-
nômico, os déficits dos Balanços de Pagamentos e, finalmente, a perda de Quem organiza é o mercado - A expansão do capital mundial se
competitividade no comércio internacional. real iza na cadência de uma enorme máquina impessoal. É como se fosse
A época da inflação desapareceu com a diminuição do Estado regu- uma fantasmagórica sonda de prospecção e extração de petróleo, do
lador e da autonomia das economias nacionais. Isso representa também o tamanho aproximado do globo terrestre. A diferença é que com a sonda
fim de qualquer veleidade dos que ainda acreditam na reversão política capitalista a prospecção e a extração vão além da exploração de recursos
deste profundo processo material. Política industrial, projeto nacional de naturais. Seu objetivo é encontrar, organizar e extrair o máximo possível
desenvolvimento, política social de distribuição de renda, política de em- de sangue humano de bilhões de trabalhadores de todo o mundo,
prego. Tudo isso faz parte apenas da imaginação daqueles que não enten- enfileirados nas linhas de produção de capital nas fábricas, fazendas, mi-
dem quase nada sobre o verdadeiro motor da acumulação de capital e nas, transportes, etc. E o sangue humano extraído nesta globalização se
que se limitam a repetir idiotices como "financeirização", "detentores de metamorfoseia, se coagula nas formas sucessivas de valor, mais-valia,
riqueza" de um lado e "não-detentores de riqueza" do outro, empregados mercadorias, lucro,juros, impostos, renda fundiária, aluguéis e outras for-
de um lado e excluídos do outro, etc. mas de existência da irracional idade, quer dizer, do ser capital.
A época da deflação traz também novos elementos para o desenvolvi- A impessoalidade da máquina capitalista se manifesta necessariamente
mento da conjuntura mundial. As mercadorias ficam mais baratas no mer- nas formas sociais da propriedade privada, do mercado, das classes so-
c.adomundial, as taxas de juros ficam mais baixas e a única meta de polí- ciais e da população espalhada desigualmente nos diferentes territórios
tica econômica dos governos nacionais passa a ser a redução dos orça- do globo terrestre. Também se manifesta na forma política de Estados

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nacionais, instituições internacionais, governos, exércitos, partidos políti-
cos, cidadãos, sindicatos, justiça, polícia, imprensa, universidades, cen- CAPÍTULO II
tros de pesquisas e desenvolvimento científico, arte e cultura.
A expansão contínua e ampliada do capital mundial é a condição tam- Estado Político e Estado-capital
bém necessária para que todas essas formas sociais, políticas e ideológi-
ca" continuem funcionando nos trilhos estabelecidos pela dominação das
classes burguesas e proprietárias sobre a classe assalariada e produtora
de capital; é a condição da própria existência daquelas formas de organi- Dos Estados Unidos ao Japão, da Dinamarca à África do Sul, do
zação da civilização burguesa. E quando aquela expansão se desacelera México à China, da Rússia ao Mercosul, as dificuldades da burguesia
ciclicamente, periodicamente, apresentam-se ao mesmo tempo rachadu- para aprofundar o liberalismo econômico são muito parecidas. Mudam
ras maiores ou menores nos trilhos da dominação. São momentos de cri- apenas os mecanismos de compensação anti-cíclica em cada economia
se econômica, em que se abrem possibilidades tanto para as reformalizações nacional. Esses mecanismos se exprimem de acordo com os diferentes
sociais e políticas burguesas para garantir a retomada da valorização ca- poderes econômicos nacionais e, consequentemente, dos respectivos
pitalista em nível superior, quanto para a recusa de quem produz cotidia- posicionamentos na hierarquia imperialista mundial. No coração do siste-
namente todas aquelas condições materiais de sustentação do processo ma (área euro-norteamericana e Japão) os mecanismos financeiros, mo-
de valorização. netários, tecnológicos e comerciais são mais concretos e efetivos do que
Nos últimos anos, tanto a valorização do capital quanto as interrup- em áreas mais periféricas ou dominadas (leste europeu, leste asiático,
ções cíclicas têm aumentado de intensidade. A devastação neoliberal nada América Latina, África, Oriente Médio e outras áreas menores)
mais é do que a plena aplicação das leis que comandam o funcionamento O que se presencia até agora é um avanço tortuoso da burguesia para
da máquina capitalista globalizada. O chamado neoliberalismo não é uma implantar as reformalizações liberais. O problema é que a classe burguesa
mera política da burguesia ou a personificação de quem quer que seja. É é geneticamente nacional. E essas refonnalizações não rimam com proje-
o próprio movimento de alargamento da base de exploração e valoriza- tos nacionais. Os governos burgueses que se desfazem de suas raízes
ção do capital. É a ampliação e aprofundamento da históricas leis do nacionais não duram muito tempo. Por isso, eles avançam como um exér-
livre-mercado, quer dizer, da livre exploração das classes proprietárias cito poderoso mas amedrontado com as futuras batalhas. sem a coragem
sobre a classe trabalhadora nos mercados nacionais e da livre exploração de explodir as pontes enferrujadas do velho Estado nacional que são obri-
imperialista das nações dominantes sobre as nações dominadas no mer- gados a deixar para trás. Do outro lado, suando sangue com as
cado mundial. A burguesia e seus colaboradores apenas se encarregam restruturações produtivas, os trabalhadores apenas resistem, por enquan-
de garantir as reformalizações sociais e políticas para que a liberalização to, aos indecisos projetos burgueses de abertura dos mercados internos,
se realize o mais rapidamente possível. E isso não é uma tarefa muito fácil. de privatização das empresas públicas, dos sistemas de saúde e da Previ-
Ao contrário, essas reformalizações liberais são cada vez mais difíceis, na dência, de f1exibilização do mercado de trabalho, e de outras
medida em que as expansões e os choques cíclicos também são mais desregulamentações do desgastado aparelho estatal.
intensos e, consequentemente, mais exigentes para mais uma retomada O neoliberalismo é o mais popular dos fenômenos da globalização,
econômica. sua forma institucional e política mais visível. Consiste no enfraquecimento
de importantes mecanismos nacionais e burocráticos das diferentes bur-
guesias nacionais. Agora esses mecanismos de regulação e protecionis-

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mo são pouco a pouco desmantelados para dar lugar ao livre-mercado, a ras nacionais é determinado por essas massacrantes exigências do Esta-
uma maior liberdade para o capital. Para tentar a superação de choques do-capital, que nada mais é do que o mercado em expansão, do capital
cada vez mais potentes, as regras mais profundas da acumulação preci- ampliado, do irracional em processo.
sam ser aplicadas sem cerimônias. A globalização se livra daquelas redes Mas as instabilidades políticas aumentam no ritmo dessa diluição do
políticas de regu Iação que organizavam a exploração dos trabalhadores Estado pol ítico em Estado-capital. No fim de 1995, por exemplo, acon-
no pós-guerra. Eis a razão de tantas saudades dos "economistas de Esta- teceram enormes manifestações populares na França, como veremos a
do" e dos "sociólogos do fordismo" dos "trinta anos gloriosos", dos quais seguir, que acabaram impedindo a reforma da previdência social preten-
estaremos tratando mais à frente. dida pelo governo Chirac. Este acabava de chegar, depois que o Partido
Socialista de Mitterand se mostrou incapaz de continuar atendendo as
o neoliberalismo - Para se analisar o fenômeno neoliberal é preciso exigências do capital com a mesma competência que já tinha demonstra-
levar em conta uma importante diferença entre os proprietários dos meios do durante mais de dez anos no poder. Ao aplicar o programa neoliberal
de produção de capital e o próprio capital. Enquanto classe proprietária, em uma esfera tão sensível como a previdência social, o novo governo
qualquer burguesia é geneticamente nacional. Não existe burguesia inter- conservador despertou as greves e mostrou que a velha luta de classes
nacional. O capital, por seu lado, é geneticamente internacional. É um poderá ser mais intensa e polarizada daqui para a frente. Também no
bicho que não sobrevive muito tempo no cativeiro nacional. Muito cedo Japão encontramos essas dificuldades políticas para a adaptação do Es-
ele se debate ferozmente e arrebenta as grades desse isolamento. Essa tado nacional à acelerada marcha capital ista. O que se verifica naquele
diferença pesa bastante nos atuais conflitos políticos, alterando contradi- velho Estado corporativista é uma grande resistência da sua burguesia em
toriamente as formas e regimes institucionais (reformas do Estado, etc.). abrir a economia e jogar com a própria sorte, levando ao mesmo tempo
Desde os anos 70, se intensifica o movimento de desregulação nos Esta- toda a área asiática para a desaceleração da acumulação e para os pri-
dos nacionais. A globalização levaria, no limite, a uma homogeneização meiros conflitos sociais nos badalados "tigres asiáticos".
completa do mercado mundial, sem as barreiras protecionistas nacionais. No Brasil, vão a pleno vapor as aventuras burguesas do resto do mun-
Como um processo idealizado e que procura se concretizar, não deveri- do. Começou para valer com Collor, excessivamente voluntarista; conti-
am existir mais formas polfticas nacionais, só a cultura do mercado mundi- nua com Cardoso, mais articulado com o Congresso, mídia, latifúndio,
al, do capital totalmente globalizado. Essaé a utopia da substituição do burocracia sindical de pelegos e neopelegos, Consenso de Washington,
Estado político pelo Estado-capital. FMI, etc. Não se deve subestimar a violência liberal que está só come-
Essa radical idade burguesa, restaurada dos pri mórdios da acu mu Ia- çando no Brasil. Já ocorrem transformações na indústria, no campo, no
ção capitalista, encontra em seu caminho cada vez menos muros e mura- sistema financeiro, etc .. A indústria dos anos 80 está se fundindo com a
lhas nacionais e cada vez mais limites criados pelas próprias leis internas indústria mundializada, Todas as multinacionais automobilísticas vão se
da ~cumulação. Mas a luta pela superação das crises capitalistas sempre instalar no Brasil nos próximos dois anos. São altamente mecanizadas e
lera a forma de uma luta política das diferentes burguesias nacionais. Em robotizadas, com efeito dinamizador quase nulo para o emprego e o mer-
primeiro lugar, para impor patamares superiores de exploração sobre os cado interno. Os setores eletro-eletrônico, eletro-mecânico, etc., trans-
trabalh~d~res. Em segundo, para reestruturar a propriedade das empre- formam o que havia de indústria produtora baseada no mercado interno
sas capitalIstas, públicas e privadas, necessariamente mais concentradas em indústria montadora globalizada. Um novo tipo de indústria. A econo-
n:ais int~macionalizadas e mais impessoais no fim de cada ciclo de expan~ mia é transformada em uma imensa Zona Franca de Manaus. O Mercosul
sao e cnse do capital. O hipotético desaparecimento das antigas frontei- também age nesse sentido. Uma outra estrutura de mercado, com desern-

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prego crescente, diminuição do salário e das garantias sociais, aumento produção e aos seus colaboracionistas dificuldades crescentes para subs-
da exploração e aprofundada marginalização política. A nova especiali- tituir aquelas antigas políticas nacionais de regulação da economia, aque-
zação imposta à economia brasileira condena também a velha agro- les procedimentos de políticas social-democratas e de organizações esta-
indústria. Na nova ordem globalizada, o agrobusiness internacional es- tais estalinistas de administração da luta de classes e da exploração dos
colheu a Argentina como único pólo agro-industrial viável na América trabalhadores.
Latina. São sucateados setores inteiros da agricultura de base no Brasil: O mais importante é que doravante todos esses movimentos de
arroz, trigo, algodão, milho ... Não por acaso, a questão agrária e a luta reformalizações do Estado terão que se acelerar, serem mais decididos,
dos trabalhadores sem terra ressurgem com toda sua força nos estados principalmente quando nos próximos dois anos explodir mais uma inter-
mais ricos da economia. rupção cíclica da acumulação mundial (começando pela economia de
As burguesias nacionais terão cada vez mais problemas. A cirurgia ponta, os Estados Unidos). Então, os confrontos sociais mudarão tam-
neoliberal, como vimos, não é simples nem mecânica. Além dos percal- bém de qualidade, e a história da luta de classes também será necessari-
ços políticos que ela acarreta nas próprias fileiras das classes dominan- amente acelerada. Até lá, provavelmente continuará o quadro atual de
tes, está levando a economia a uma situação muito mais catastrófica quedas de primeiros-ministros e de presidentes, com mais e mais escân-
que a atual. A amarração política que sustenta essa devastação nunca dalos de corrupção, que têm marcado ultimamente as justificativas bur-
será suficientemente forte para levá-Ia até o fim. A política econômica guesas para trocar seus governantes de plantão.
de Cardoso é muito frágil. A chamada "estabilização monetária" é algo
parecido com o padrão-ouro que existia até os anos 30. Agora, a única A fúria das ruas - Alguns dirigentes das principais economias mundi-
diferença é que as reservas internacionais não são mais constituídas de ais já sentem na pele essas novas dificuldades. É o caso da União Euro-
metal, mas de 60 bilhões de dólares especulativos, de curto-prazo. Uma péia, a parte mais rica do velho continente, cujo destino traçado pela
quebra desse sistema, como ocorreu no México, simultânea ao próxi- atual expansão capitalista é se aproximar cada vez mais da pobreza e da
mo choque na economia mundial, levará a luta de classes no Brasil para regressão social do Leste, dos Balcãs e do Terceiro Mundo em geral.
uma nova situação, com novas possibilidades de ação para a classe "Cerca de 1,3 milhão de pessoas fizeram ontem várias manifestações em
trabalhadora. Aquilo que já se mostra embrionariamente nos trabalha- toda a França, contra o plano de reformas sociais proposto pelo primei-
dores do campo poderá tomar forma e se general izar nos trabalhadores ro-ministro francês, Alain Juppé (...) Marc Blondel, líder da Força Ope-
industriais e de serviços públicos. rária, a outra das duas grandes centrais sindicais que conduzem a greve,
As perspectivas deste novo tempo são ricas de contradições. Não afirmou que "Juppé se comporta como se fosse um patrão do interior: diz
existe crise permanente para o capital, mas vão acontecer choques cíclicos que negocia só quando a greve acabar' ( ... ) Juppé disse ontem que a
de crise cada vez mais pesados na economia mundial. Os Estados nacio- reforma da Previdência será realizada com negociação (...) O premiê fran-
nais, embora não possam desaparecer enquanto existi r o regime capi tal is- cês recuou em quase todos os pontos do seu programa de reforma ( ... )
ta, tendem a se enfraquecer, qualquer que sejam seus regimes ou formas Ofereceu con versações sobre pri vatizações e abertura do mercado das
de governo. O neoliberalisrno acirra as contradições da civilização capi- estatais francesas, exigidas pela unificação européia".( Folha de S.Paulo,
~alista. Amplia a polarização entre as classes ao diminuir a força da 13 dezembro 95)
IIltermediação estatal, dos partidos populistas, das burocracias corruptas O Partido Socialista Francês apóia as reformas neoliberais da dupla
do peleguismo sindical, etc. Estamos entrando em uma nova época, em Chirac-Juppé, as mesmas reformas que Mitterand gostaria de ter feito e
que as crises capitalistas levarão aos grandes proprietários dos meios de não conseguiu, como já descrevemos anteriormente. Mas a burguesia e

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as classes médias da França já começam a execrar seu primeiro-ministro entre a diferentes classes burguesa nacionais e o capital internacional.
por suas concessões aos grevistas. E também se preocupam e se ame-
drontam com a "fúria das ruas". É o caso de um elegante e sofisticado Viva o livre mercado - Em meados de junho de 1997, um bando de
intelectual, Gilles Lapouge, que escreve: "Domingo e segunda-feira o cambaleantes dirigentes europeus e japoneses aterrissaram em Denver,
primeiro-ministro Alain Juppé fez, afinal, concessões à rua, abandonando Colorado, cidade do meio-oeste americano. Chegavam para mais uma
quase todo seu plano de reforma do setor ferroviário. Apesar dessa reti- reunião do grupo das sete maiores economias do mundo (o G-7). No
rada tardia, mas precipitada, ontem a rua estava mais vociferante do que meio deles uma nova e estranha criatura, Boris Ieltsin, presidente da Rússia,
nunca. Às centenas de milhares, os manifestantes submergiram a França convidado de última hora dos Estados Unidos para participar deste que
(... ) Essas multidões, após 20 dias de greve e protestos, estão mais deci- já foi um seleto clube de poderosas economias.
didas do que nunca (... ) Há alguns dias o movimento vem mudando de Foram recebidos e hospedados por um caubói orgulhoso de suas ar-
natureza. Originalmente, tratava-se de um problema social: os projetos de mas e da sua incontestável superioridade econômica. Um caubói arro-
Juppé inquietaram os trabalhadores. Hoje, a questão social parece ultra- gante, que não mediu palavras para intimidar seus nobres e decadentes
passada. A prova é que Juppé renunciou à maior parte de suas reformas convidados, ao decretar-Ihes a única lei a ser obedecida na atual econo-
e, mesmo assim, a agitação continua no auge. Não se deve, pois, concluir mia globalizada: " Clinton faz inflamada defesa do livre comércio - O
que o problema se tornou rigorosamente político? A questão que se colo- presidente dos EU A fez ontem em Denver o mais veemente discurso em
ca hoje não é mais a do estatuto dos ferroviários, e sim a da demissão do favor do Iivre comércio, desde que inaugurou o seu segundo mandato em
governo".( O Estado de S.Paulo, 13 dezembro 95) janeiro deste ano( ...) Afirmou também que seu governo decidiu há quatro
Tal vez por sua origem de classe, o Sr. Lapouge exagere nas suas pre- anos liderar o livre comércio no mundo. 'Nos últimos quatro anos nos
ocupações com uma ainda pequena e limitada erupção da classe traba- tornamos líderes em exportações e o desemprego diminuiu. Temos a me-
lhadora. Esta é uma greve que ainda não se generalizou para todos os nor taxa (4,8%) em 24 anos. Nosso esforço é para abrir mercados. Es-
trabalhadores industriais da França. Também exige, apenas defensiva- colhemos não ter medo da concorrência e abraçar as possibilidades da
mente, a não aplicação das reformas neoliberais, o que significaria tam- economia global. Queremos estar seguros de que o mundo trabalha para
bém a queda de Juppé. Mas o que dirá o Sr. Lapouge quando uma os cidadãos americanos', completou o presidente americano." (Gazeta
verdadeira greve geral, envolvendo todos os trabalhadores industriais da Mercantil, 22junho 97).
França, exigir o fim do regime burguês, como fizeram na Comuna de Não é preciso muito esforço para descobrir o verdadeiro personagem
Paris? Esta última é um espectro do qual a burguesia francesa nunca con- material que está por trás desse palavreado de livre comércio, concorrên-
seguiu se livrar, e que deve estar atormentando o espírito delicado do Sr. cia, cidadãos americanos, etc .. Antigamente eram os franceses e ingleses
Lapouge. Entretanto, enquanto a Cornuna não ressurge nas ruas de Paris, que se encarregavam de inundar o mundo com o discurso do livre comér-
a recusa à devastação capitalista se manifesta apenas timidamente, de- cio. Isso foi há muito tempo, quando a Europa inventou o regime capita-
fensivamente. Mas não deixa de ser um belo começo, que poderia ser lista de produção, quando ainda comandava o sistema colonialista mundi-
imediatamente seguido pelos demais trabalhadores do mundo. al e, posteriormente. o primitivo sistema imperialista. Agora, com exce-
Por outro lado, a queda de um primeiro-ministro nos regimes parla- ção do imbecilleltsin, os dirigentes europeus e japoneses sentem um
mentaristas dos países centrais, do mesmo modo que de alguns presiden- indisfarçável mal estar com o arrogante e moderno fervor liberal do presi-
tes de regimes presidencialistas da América Latina, tem sido muito menos dente americano.
devida à pressão das massas trabalhadoras que à contraditória unidade Até alguns anos atrás, os representantes da problemática União Euro-

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péia (Alemanha, França, Itália e Inglaterra), do mesmo modo que os ja- catos; acordos de rigidez cambial e de taxas de juros facilitando o livre
poneses, ainda podiam aplaudir alegremente esse tipo de discurso. Mas tluxo de capitais, etc .. Mais recentemente, como corolário desse proces-
os tempos mudaram. É claro que ninguém pode dizer que eles não conti- so, o ataque sobre os sistemas de providência, a f1exibilização das leis
nuam muito empenhados, em seus respectivos países, em abrir a econo- trabalhistas, e, por último, a famigerada moeda única eliminando total-
miae em convencer seus cidadãos das vantagens da velha doutrina libe- mente a autonomia já bastante enfraquecida de políticas fiscais e monetá-
ral. O problema é que essa tarefa está, como vimos anteriormente, cada rias dos di versos países. É frente a tudo isso que a Europa é apresentada
vez mais difícil. A crescente recusa da população européia e japonesa ao pelos neoliberais como uma fortaleza protecionista e resistente à liberda-
liberalismo econômico está colocando em xeque a estabilidade dos seus de do mercado e à iniciativa privada.
governos. As considerações políticas nacionais se opõem às determina- Os representantes da União Européia não chegaram cambaleantes à
ções econômicas do capital internacional. Por isso, com as velhíssimas reunião do G-7 por acaso. Ainda não estavam refeitos dostress provo-
orientações liberais impostas pelos Estados Unidos, no final daquela reu- cado por uma reunião em Amsterdã, Holanda, três dias antes, quando
nião do G-7, os dirigentes das velhas potências voltaram para casa um por pouco não desmoronou o projeto do euro. A maioria das principais
pouco mais cambaleantes e preocupados com seu próprio futuro. economias européias está sendo governada por social-democratas. Es-
Os problemas dos europeus, por exemplo, se concentram em uma ses "governos socialistas" fazem a propaganda demagógica de uma sínte-
ficção monetária que tem até um nome: euro, a moeda única européia, se entre o projeto de estabilização monetarista e liberal doeuro e algum
necessária para concretizar uma idéia de unificação econômica que se tipo de regulação estatal para a retomada do crescimento e a diminuição
arrasta desde a virada dos anos 40 para os 50. Agora essa idéia materi- do desemprego. No final da reunião, pressionados pela Alemanha, assi-
aliza antes de tudo baixo crescimento, desemprego, redução de salários, naram um documento que dá uma sobrevida ao projeto da moeda única.
incontroláveis dívidas públicas, perda de competitividade no comércio Para tanto, tiveram que trair todos os eleitores que os colocaram no go-
internacional. O projeto da moeda única é a expressão burocrática e libe- verno poucas semanas atrás. É o caso do primeiro ministro francês Leo-
ral da eurodecadência, como analisaremos mais detalhadamente na última nel Jospin, que assinou um documento totalmente contrário às suas pro-
parte deste livro. messas eleitorais. Vejam o que diz o editorial do jornal Le Monde, sobre
Mas há um mito neoliberal de que essa eurodecadência é devida ao essa "fragilidade" do Sr. Jospin: "No decorrer da campanha eleitoral, Leonel
excesso de regulamentações, protecionismos estatais, rigidez nos merca- Jospin tinha prometido 'reorientar a construção européia'. Tornando-se
dos de trabalho e ... salários abusivos, previdência social excessivamente primeiro-ministro descobriu a dificuldade da manobra. O compromisso
generosa e ... dispendiosa, etc. Ficção econômica e fantasias ideológicas ao qual a França se juntou - a assinatura, firme, de um pacto de estabili-
caminham sempre juntas. Esse mito neoliberal sobre a eurodecadência é dade completado por boas intenções, muito genéricas, favoráveis ao em-
primogênito do pensamento único, que impede a observação de fenô- prego - atende às exigências alemãs, no que realmente conta. O docu-
menos econômicos que se verificam a olho nu no velho continente. Ao mento assinado segunda-feira pelos Quinze revela entretanto profundos
contrário do que propaga o pensamento único, a hi stória da un ificação desequilíbrios. Os socialistas franceses e seus aliados tinham denunciado
econômica européia se resume a um processo de liberalização sem pre- veementemente, durante a campanha eleitoral, o "pacto de estabilidade e
cedentes: derrubada paulatina das barreiras comerciais e alfandegárias crescimento", esse "cabresto absurdo" que se tornou o símbolo da estra-
dentro de um bloco marcado por históricas rivalidades e guerras; privati- tégia monetarista imposta pela Alemanha ao conjunto da Europa, essa
zações generalizadas de empresas c propriedades públicas; unificação do concessão feita pela direita aos dogmáticos de Frankfurt. Para salvar o
mercado de trabalho europeu, rebaixando salários e corroendo os sindi- euro, Leonel Jospin o assinou finalmente, sem a menor modificação. Como

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contrapartida a França só obteve vagas promessas favoráveis ao cresci- Mas nem a situação econômica de 1992, nem a que veio depois,
mento e ao emprego" (Le Monde, 18junho 97)." deve grande coisa à influência ou intervenção ativa dos governos da-
Na viagem de Amsterdã para Denver - saboreando a mais recente quele país. Tanto o executivo quanto o legislativo governam cada vez
traição aos trabalhadores europeus - esses oportunistas liberais, menos os rumos da economia e da sociedade americana. A mediocri-
travesti dos de reformadores sociais, devem ter especulado sobre o pre- dade política parece ser cada vez mais a pré-condição para o sucesso
sente ideal que poderiam receber do presidente americano para se man- econômico. Do mesmo modo que se passou com o débil republicano
terem à tona em seus respectivos países. Lembraram com saudades do Reagan, nos anos 80, esta regra se confirma agora com o inexpressivo
esgotado Plano Marshall, que cinqüenta anos atrás estabeleceu as ba- e oportunista democrata Clinton.
ses para o sanguinário projeto da "unificação européia". Talvez Clinton Tudo isto pode até confundir a cabeça de um lúcido economista, mas
Ihes recebesse com um providencial "novo plano Marshall", o que faci- que resiste a aceitar tanto determinismo econômico. "Nessas eleições
litaria a continuidade do seu trabalho sujo na Europa, Japão, etc .. O Clinton reinventou-se com vigor e inteligência. Por certo, o fato de que
jornal O Estado de S. Paulo, de 24/06/97, relata o presente que ganha- a economia americana passe por uma fase de prosperidade ajudou, mas
ram em Denver: "Líderes europeus rejeitam virar caubóis - nunca os há outros fatores". (Álvaro Antônio Zinni Jr., Folha de S.Paulo, 10
europeus saíram tão irritados de uma reunião do Grupo dos Oito novembro 96)
como desta vez, em Denver, Estados Unidos, quando o presidente É notável que as resistências idealistas às atuais transformações das
Bill Clinton chegou ao cúmulo da ousadia, tentando vestir seus hós- relações entre mercado e política ocorram principalmente entre os eco-
pedes europeus com roupas de caubôis durante uma festa típica. nomistas. Mas deveriam ser eles os primeiros a anunciar a grande novi-
Desta vez nãofoi o presidente francês, Jacques Chirac, o primeiro dade da civilização neste final de século: a massacrante determinação
a reagir, recusando a calçar botas. O chanceler alemão, Helmut do mercado sobre o idealismo, do capital sobre o Estado, da economia
Kohl, era o mais irritado, não apenas com a brincadeira, mas prin- sobre a política. Afinal, são eles que lidam com as categorias abstratas
cipalmente pela tentativa do Clinton de impor o modelo de desen- mais diretamente envolvidas com o movimento real do mercado -lucro,
volvimento econômico aos europeus. " juro, salário, renda, impostos, etc. Por outro lado, há uma demagógica
confusão dos economistas que são mais obtusos: "O grande problema
Eleito pelo capital- Na última eleição presidencial nos Estados mundial é o do desemprego, para o qual os economistas têm apresenta-
Unidos, menos de 25% dos eleitores americanos votaram em Bill Clinton. do mais justificativas do que soluções (...) Essa questão coloca um gra-
A ignorância, a apatia e o capital estão bem representados. A reeleição ve problema para os que vêem toda ação do Estado como deletéria
de Clinton como presidente dos Estados Unidos é mais uma lição da para a economia e para a moral. Se houver qualquer imperfeição no
massacrante determinação material sobre o idealismo político. A pri- mercado de trabalho (e as há), a solução 'mercadista' será ineficiente!
meira vitória de Clinton sobre Bush, em 1992, não aconteceu devido às Só a ação do Estado pode suprir esta deficiência ( ...) O que é preciso é
suas virtudes pessoais e nem às suas propostas políticas. Aconteceu construir mecanismos que reduzam o custo do trabalho para as empre-
porque a economia patinava no fim de mais um período cíclico, o que sas sem cortar o salário dos trabalhadores, o que também exige alguma
acabou prejudicando o então presidente Bush. Agora, a vitória eleitoral ação do Estado". (A. Delfim Neto, "Capital Humano e Mercado", In
de Clinton sobre Dole acontece porque todo seu primeiro mandato co- Carta Capital, 13 novembro 96)
incidiu com uma das maiores retomadas da valorização do capital mun- As contradições (que o economista vulgar chama de "imperfeições")
dial no período pós - guerra. dos mecanismos do mercado inquietam osneopopulistas. As velhas ide-

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ologias das harmonias econômicas são então reembaladas e apresenta- homem angustiado que recebera () hilhete azul, mas a 'madrinha do fute-
das como uma oportuna cortina para se esconder a única trajetória possí- boi', cujo carro de tração nas quatro rodas, pedidos de emprego e de
vel para conservar e ampliar o mercado: desemprego, miséria para a mai- assistência em bem cuidados campos de futebol sugeria uma prosperida-
oria da população e, finalmente, crises cíclicas que ameaçam a própria de prejudicada apenas por uma crônica falta de tempo"
existência da sociedade. Já em 1975, na aurora deste massacrante processo, um ideólogo ame-
Na cidade de Chicago, por exemplo, no coração da indústria pesada ricano decretava: "A operação eficaz de um sistema democrático precisa
americana e da área agrícola mais produtiva do sistema capitalista mundi- em geral de um certo nível de apatia e de não participação de certos
al, onde se localiza também a maior Bolsa de Mercadorias do mundo, indivíduos e grupos". (S. Huntington "The Crisis ofDernocracy", New
21 % da população vive abaixo do índice oficial de pobreza. Em doze York University Press, New York, 1975)
bairros da cidade, onde vive predominantemente a população negra, aquela A irrelevância das eleições americanas é uma manifestação do avanço
proporção varia entre 40% e 72%. De acordo com o relato do jornal da sociedade material na qual as idéias, a participação, as virtudes cívi-
francês Le Monde Diplomatique, novembro/96, alguns meses antes da cas, etc., cedem necessariamente lugar para a ignorância e a apatia que
reeleição de Clinton, durante a convenção do seu Partido Democrata, em caracterizam a civilização e a democracia neste final de século. A reelei-
Chicago, o governo retirou de circulação mais de uma centena de ônibus ção de Clinton é apenas a expressão deste vazio político, preenchido
que servem os habitantes dos bairros operários daquela cidade. O obje- aceleradamente pela ditadura pura e simples do mercado sobre a socie-
tivo foi proteger os congressistas e jornalistas no bairro em que se realiza- dade. Ou, na expressão mais recente de outro prestigiado ideólogo ame-
va a convenção. Normalmente, ali predominam as gangs e a criminal idade ricano, "Hoje e no futuro previsível, a única civilização internacional mere-
é particularmente elevada. Naquele bairro, nas chamadas Casas Henrv cedora desse nome é a cultura econômica que governa o mercado mundi-
Horner, alojamentos sociais em vias de demolição, os moradores vivem ai". (R. Rosecrance "O Surgimento do Estado Virtual", In Foreign Affairs,
com 10% do rendimento médio do município. novembro/96)
É estranho, portanto, que uma pessoa inteligente como Álvaro Zinni
descubra em Bill Clinton duas qualidades que, segundo ele, acabaram
determinando a sua reeleição: "Duas qualidades do Presidente são im-
portantes: a primeira é empatizar com os mais pobres. Segundo, Clinton
foi eleito para ser presidente nesta época em que a globalização traz mui-
tas incertezas e o radicalismo exaltado assusta. O eleitor deixou claro que
deseja uma máquina governamental mais enxuta, mas sem jogar o custo
disso nos mais fracos". (A. Zinni, idem)
De que eleitor o nosso amigo Zinni está falando? Menos da metade
dos eleitores americanos compareceram para votar. E menos da metade
dos que compareceram deram a vitória a Clinton. Quantos operários
amontoados nos insalubres bairros operários e nos alojamentos coletivos
de Chicago se dirigiram às urnas e votaram por "uma máquina governa-
mental mais enxuta"? Muito poucos, ajulgar pelo que constata a conser-
vadora revista inglesa The Economist: "o típico eleitor não era mais o

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um "ciclo longo de estagnação". Para defenderem essas afirmações, apre-
CAPÍTULO 111 sentam apenas suposições: nos "trinta anos gloriosos" os investimentos, a
produção, a acumulação, o mercado de trabalho e os salários teriam cres-
Perdidas Ilusões cido em harmonia e sem interrupção. E um amontoado de tolas conclu-
sões: aquela harmoniosa marcha de crescimento regulado e organizado
teria possibilitado uma benéfica incorporação de progresso técnico e de
grandes massas de trabalhadores na produção. Desemprego, barbárie,
A chamada globalização é um movimento do capital que se movimenta destruição e ... "horror econômico" teriam chegado só depois.
em dois tempos. O primeiro, é o aumento brutal da exploração dos traba- Escrevemos uma série de textos sob o título O Mundo Gira, publica-
lhadores em todos os cantos do mundo, nos últimos 20 ou 25 anos. Pare- dos na Análise Semanal da Conjuntura Econômica- NEP 13 de Maio, no
ce uma explicação muito simples para uma realidade com tantas rnudan- decorrer do ano de 1995, onde já expusemos as razões da nossa diver-
ças, mas aí está a chave para se decifrar os variados fenômenos que com- gência com essas suposições e tolas conclusões. Com dados dos Depar-
põem esse processo. Essa exploração aprofundada da classe operária tamentos do Trabalho, do Comércio e da Agricultura dos Estados Uni-
mundial, cuja realidade nem o mais fanático neoliberal é capaz de negar, dos, Banco Mundial, OCDE, FMI, etc - verificamos preliminarmente,
como veremos nos demais capítulos deste livro, é uma necessidade do naqueles textos, que nos vinte anos iniciais do pós-guerra o sistema capi-
processo de valorização e acumulação do capital. Não é apenas uma talista já enfrentava ciclos periódicos de expansão e crise. Isso pode ser
mudança das políticas executadas pelas burguesias nacionais, as chama- confirmado principalmente nos índices de produção industrial, investimento
das reformas neoliberais do Estado. O neoliberalismo, como já verifica- em máquinas e equipamentos, preços no atacado, lucros das empresas,
mos, é só mais um daqueles fenômenos da globalização. etc. Naqueles ciclos periódicos do primeiro período do pós guerra o
O segundo tempo da dança globalizada é o aumento da exploração emprego produtivo crescia a taxas modestas nas principais economias, se
das economias dominantes sobre as economias dominadas no mercado comparadas com o período que vai de 1975 até os anos 90. Aquelas
mundial. Tanto a exploração dos operários quanto a exploração imperi- nossas investigações preliminares serão complementadas e reafirmadas
alista não poderiam ter sido aprofundadas se o capital não fosse capaz de com mais precisão de dados nas demais partes deste livro.
se apropriar de novas condições tecnológicas e produtivas para, em se- Dizer que naquele primeiro período o sistema crescia sem parar e in-
guida, ampliar o crescimento econômico global. No mundo todo - com corporava grandes massas de trabalhadores na produção não passa de
algumas poucas exceções de nações ainda marginalizadas do grande mer- um mito criado pela imaginação daqueles economistas que estamos falan-
cado - está acontecendo um dos períodos com maior taxa de acumulação do. O que se verifica, em qualquer verificação mais criteriosa daquele
do capital e de investimento na produção. período, é que os trabalhadores já eram sistematicamente expulsos da
Essas não são idéia" totalmente aceita" no que convencionalmente cha- produção e deslocados para os setores improduti vos da economia (servi-
mamos de esquerda. Muitos economistas marxistas ou social-democra- ços, etc), E esse processo não vai se aprofundar depois dos anos 70 por
tas afirmam que o capitalismo teve um "ciclo longo de crescimento" até o que a acumulação se enfraqueceu mas, ao contrário, por que ela se revi-
começo dos anos 70. Depois entrou em permanente estagnação e deca- gorou, se ampliou. Se globalizou com mais liberdade de ação na renova-
dê~cia. Afirmam que houve dois períodos distintos no pós-guerra: no pri- ção dos instrumentos tecnológicos, financeiros e estatais. Foi um ataque
meiro, o tranquilo "boom do pós-guerra" ou, para aqueles mais entusias- sem precedentes sobre o mercado de trabalho de todos os ramos produ-
mados, "trinta anos gloriosos". No segundo período -dos 70 até hoje- tivos e economias dominadas do também renovado sistema imperialista.

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Esse recente aumento da exploração não quer dizer, portanto, que nos corrompíveis e por último, mas não menos importante, com salários que
"trinta anos gloriosos" as contradições próprias do regime capitalista não muitas vezes não passam de 20 centavos de dólar/ hora (no Vietnã, por
se manifestavam periodicamente, ameaçando a existência de toda a hu- exemplo, onde meninas de 10 anos fabricam em estrutura') tecnológicas de
manidade, e muito menos que os trabalhadores tenham vivido um período ponta os famosos tênis Nike, em jornadas de 14 a 16 horas).
de paz e bem-estar. Só quem procura amarar os trabalhadores e colabo- O aumento da nova massa trabalhadora produzindo mais-valia abso-
rar com a expansão do capital é capaz de adulterar tanto a realidade e luta nas áreas e economias dominada" mais que compensa a desaceleração
propagandear a velhíssima ideologia burguesa da possibilidade de melho- do emprego da tradicional massa trabalhadora produzindo mais-valia re-
rar a vida dos trabalhadores no capitalismo. Basta se verificar seriamente lativa nos Estados Unidos, Japão e Europa ocidental. É claro que essa
a evolução deste regime de produção para concluir que a situação da situação de um exército industrial de reserva mais mundializado do que
classe trabalhadora mundial piorou muito entre os anos 40 e 70. E que, o nunca é a mais favorável para a reprodução ampliada do capital. Nessa
que muito surpreende os antigos e novos possibilistas e colaboracionistas, situação, a produção capital ista também é favorecida por um contingente
no período entre os anos 70 e 90 piorou ainda mais. de desempregados que cresce sem parar, rebaixando ainda mais as já
Não dá para detalhar aqui todos os dados daquela série de boletins inaceitáveis condições salariais e de trabalho anteriores. E esse aumento
referidos acima. Pode-se salientar, entretanto, que o crescimento anual da da exploração globalizada ocorre também, e com muita rapidez, nas eco-
produtividade da força de trabalho industrial nos Estados Unidos foi de nomias centrais, no coração do sistema imperialista.
1.6% nos anos 50; na década seguinte subiu para 2.41 %; entre J 970 e Os enormes investimentos capitalistas na produção são a base materi-
80 foi de 2.09%; entre 1980 e 88, bateu o recorde do pós-guerra, com a al das atuais reestruturações produtivas de mais-valia, que se reproduzem
taxa de 3.76% ao ano. Na média de todos esses períodos houve queda e se renovam sem parar. Não existe apenas uma reestruturação do pro-
dos salários industriais. Nos capítulos finais deste livro precisaremos me- cesso de trabalho, como afirmam os sociólogos e economistas embasba-
lhor esses dados, com especial destaque para o período do último ciclo cados com tantas modificações nas estruturas técnicas e no mercado de
de expansão e crise dos anos 90. trabalho. Essas reestruturações se multiplicam como cogumelos, na medi-
Nos anos 80, as taxas de investimento em máquinas e equipamentos da e na velocidade exatas em que se aprofunda e se amplia globalmente o
industriais no centro imperialista - Estados Unidos, Europa Ocidental e Ja- processo de valorização do capital. As incessantes mutações das condi-
pão - foram muito mais elevadas do que nas décadas anteriores. A produ- ções de trabalho no interior das fábricas - assim como as das inúmeras
ção industrial, naturalmente, acompanhou essa farra do boi capitalista. Si- camadas de trabalhadores que são movimentadas pelo capital no interior
multaneamente a esse aumento da taxa de acumulação do capital mundial, do exército industrial de reserva - apenas se subordinam e se limitam a
verifica-se também um aumento do emprego nas indústria" espalhada" pelo acompanhar os movimentos do processo de valorização, que nada mais
globo. Ao contrário de outras suposições, muito na moda, de que o capital são do que movimentos de extração globalizada da mais-valia e das cor-
não precisa mais do peão de fábrica para se valorizar. Esse crescimento respondentes massas de lucro.
absoluto da massa mundial de trabalhadores produtivos ocorre tanto nos Há também uma enorme confusão entre crise do capital e miséria dos
~stados Unidos, ponta do sistema, quanto especialmente em áreas como trabalhadores. Muita gente não se convence que o capital pode crescer e
Asia, Oceania, Índia, América Latina, partes da África e do Leste Europeu. acumular, pois o que se vê é que o desemprego cresce, os salários caem,
Todas essa" áreas dominadas são marcadas por abundância de população, a miséria aumenta, a humanidade se desagrega, etc. É bom lembrar que
dependência da política econômica às instituições financeiras internacionais, nada disso quer dizer crise para o capital, mas apenas miséria para os
dóceis governos, burocracias sindicais e lideranças políticas facilmente trabalhadores. O aumento das desigualdades, para falar na linguagem dos

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beneméritos ideólogos da cidadania, sempre foi um ótimo indicador de to fundamental, pois todos os ramos da economia devem diferenciar pelo
saúde para o capital. A~ coisas não seriam assim apenas se não fossem menos entre consumo produtivo e individual. As tradições clássicas e
exatamente essas as regras de existência do capital. Ou, para falar como marxistas fazem também a distinção entre trabalho produtivo e trabalho
Lênin, se o capital deixasse de ser capital. não produtivo e, portanto, entre produção e consumo social. Com esta
Essa ignorância do que é o ser capital deve estar na raiz daquelas distinção aparece um caminho substancialmente diferente de medição do
visões equivocadas de que estamos falando. Mas imaginar que a acumu- nível e progresso da riqueza das nações" "Measuring the wealth of nations:
lação capitalista está vivendo um "longo ciclo de estagnação" desde o the political economy of national accounts" (Medindo a riqueza das na-
começo dos anos 70 é mais do que falsear a realidade. Aquela suposição ções: a economia política da contabilidade nacional) - A.M. Shaikh e
grosseira de que existe uma permanente queda da taxa de lucro esconde E.A. Tonak, Cambridge Universiiy Press, 1994.
a verdadeira dinâmica da acumulação capitalista. Isso é muito importante É recomendável que se leia este livro. Trata-se de um trabalho que am-
para o que se discute neste livro, pois é justamente a luta do capital para plia efetivamente as bases para o estudo das transformações recentes do
reverter a tendência à queda da taxa de lucro - que se materializa em regime capitalista de produção. Partindo corretamente da economia de ponta
ciclos periódicos de grandes investimentos seguidos de choques de des- do sistema, os Estados Unidos, seu vasto levantamento empírico aprofunda
valorização e crises cada vez mais pesadas - que comanda as a compreensão dos principais detenninantes da acumulação- investimentos
reestruturações produtivas, as mudanças no mercado de trabalho, no co- industriais, produtividade da força de trabalho, emprego produti vo e impro-
mércio internacional, no deslocamento espacial das indústrias dutivo, taxa de exploração da força de trabalho, massa e taxa de mais-
multinacionais, nos constantes desdobramentos do sistema financeiro in- valia, massa e taxa de lucro, crescimento da produção industrial, etc.
ternacional, nas "reformas do Estado", etc. O árduo trabalho dos autores esclarece muitos pontos importantes da
Ao não considerar os ciclos periódicos como o verdadeiro motor das evolução mais profunda do organismo capitalista. Salienta-se, particular-
transformações econômicas globais, aqueles economistas perdem ao mente, a relação direta entre o inchamento das atividades improdutivas e o
mesmo tempo a capacidade de anal isar os fenômenos que constituem a grau de exploração da classe operária. Com esta verificação puderam che-
globalização. E o mais importante, acabam retirando da classe operária a gar, por exemplo, ao estudo do importante fenômeno da tendência à queda
capacidade de se posicionarpositivamente frente aessas pesadas oscila- da taxa de lucro, ponto de partida para a aceleração recente da globaliza-
ções periódicas de expansão e retração do capital, que não têm nada a ção do capi tal e as consequentes mudanças no sistema capital ista.
ver com "ciclos longos de expansão ou estagnação" e outras perdidas No período 1948 a 1980, selecionado pelos autores, observa-se uma
ilusões daquele desgastado pensamento burocrático e regulacionista. elevação da taxa de mais valia ao ritmo de 0,6% ao ano. A taxa geral de
lucro caiu no mesmo período ao ritmo de I% ao ano. Em 1980, a taxa de
Trabalhadores produtivos e tendência à queda da taxa de lucro lucro tinha caído aproximadamente 30% em relação àquela de 1948.
- Em toda verificação dos movimentos da economia mundial, é muito No período de 1980 a 1989, que corresponde às novas condições da
importante a distinção entre atividades produtivas e improdutivas, entre acumulação globalizada, a taxa de mais- valia foi três vezes maior do que no
trabalho produtivo e improdutivo. Sem esta distinção não há possibilida- período anterior. Cresceu ao ritmo de 1,8% ao ano. Este aprofundamento
de de se empreender uma análise séria das mudanças recentes na acumu- da exploração foi a base para a expansão subsequente da acumulação do
lação capitalista. É assim que pensam também os autores de um recente capital e, finalmente, para a recuperação da taxa geral de lucro, que nos
trabalho sobre a evolução da economia dos Estados Unidos nos últimos anos 80 elevou-se ao ritmo de 1.2% ao ano, recuperando aproximadamen-
50 anos. "A distinção entre atividades produtivas e improdutivas é o pon- te 7% do seu nível inicial (1948 ). Estes dados podem ser conferidos mais

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detalhadamente nas páginas 122 a 127 do livro citado. a se defender e se contrapor à desvalorização do capital, desenvolvendo
A maior parte dos dados que verificamos anteriormente são confirma- mecanismos que correspondem à própria realidade imediata da acumula-
dos no livro de Shaikh e Tolak. O mais importante, entretanto, além da ção. É o caso, como veremos com mais detalhes no decorrer deste Iivro, da
coincidência do método de investigação daqueles dados, são essas con- ampliação da base de exploração dos trabalhadores mundiais, das transfor-
clusões acerca da taxa de lucro. A recuperação da taxa geral de lucro nos mações tecnológicas, das reestruturações produtivas, das reorganizações
anos 80- dentro do movimento de longo prazo da economia de ponta do do mercado de trabalho, da mundialização do exército industrial de reserva,
sistema- também coloca por terra aquela ilusão dos estagnacionistas de etc. O liberalismo econômico, a globalização, etc, são manifestações políti-
que haveria uma queda permanente da taxa de lucro. cas desses mecanismos econômicos que, ao mesmo tempo que são repro-
O que se pode demonstrar é que as expansões e contrações cíelicas duzidos para se contrapor à tendência à queda da taxa de lucro, alargam e
da economia são acompanhadas por correspondentes expansões e con- aprofundam a" condições produtivas de capital a nível mundial.
trações da taxa geral de lucro. Infelizmente, Shaikh e Tolak adotam um À diminuição relativa da população trabalhadora nas principais econo-
método que aplaina estas oscilações cíclicas da taxa de lucro. "Como mias dominantes (G7), desenvolve-se uma ampliação absoluta na" econo-
estamos tratando aqui com tendência de longo prazo das taxas de lucro, mias dominadas. Troca-se um operário americano por 10 chineses. O au-
toda" relações medidas estão ajustada" frente às flutuações cíclicas'' pg.122. mento da taxa de mais-vai ia é então acompanhado pelo aumento da massa
Em resumo, ignoraram os ciclos periódicos, indexando a taxa de lucro de de valor e mais-valia que se produz em escala ampliada nas economias
longo prazo à taxa de utilização da capacidade de produção instalada. dominadas. A unidade entre mais-valia relativa e mais-valia absoluta apare-
Isso leva os autores a importantes equívocos quanto às oscilações cfclicas ce, assim, no movimento desigual e combinado do mercado mundial.
e periódicas do regime capitalista. O resultado é aquela falsa visão de Nos tempos atuais, a internacionalização do capital corresponde a bases
ciclos longos e de estagnação produtiva nos últimos vinte e cinco anos. materiais ampliada" de exploração e de existência da classe operária mun-
Com isso, ficam incapazes também de analisar concretamente as trans- dial. A luta dos capitalistas contra a tendência à queda da taxa de lucro
f~n~ações ocorridas com o aprofundamento recente da globalização ca- generaliza um exército industrial e uma superpopulação relativa em escala
pitalista. A verdadeira superprodução de capital fica irremediavelmente global. Essas novas bases materiais de exploração e de reprodução da
obscurecida; a crise do capital aparece então como um mero problema classe trabalhadora situam-se em um nível muito mais elevado do que em
de desequilíbrios entre as esferas da produção e da circulação, entre pro- períodos anteriores. E, à medida em que se desenvolve este processo de
duto e demanda, como manda a economia vulgar e keynesiana. A crise valorização globalizada do capital, as condições de explosões periódica"
de superprodução de capital acaba assim sendo substituída pela da acumulação capitalista também são mais elevadas, são mais e mais
"fi~a~ceirização", transformando-se finalmente em uma crise do capital potencial izadas e destrutivas.
fictício, em uma mera crise financeira. Tudo isso tem um resultado perfeitamente determinado: uma aceleração
Se os autores não tivessem adotado essa simplificação metodológica, descontrolada das contradições próprias ao liberalismo econômico, quer
o que apareceria no período] 948/80 não seria apenas uma queda contí- dizer, ao livre desenvolvimento do capital, polarizando mais claramente o
nua da taxa de lucro, mas principalmente uma tendência à queda da taxa antagonismo social entre os capitalista", de um lado, e o proletariado mun-
geral de lucro, que é o que realmente determina importantes mudanças no dial, ameaçado pela destruição, do outro lado. O aumento da exploração
modo de produzir capital. da classe trabalhadora mundial, a mundialização do exército industrial e da
O que deve ser observado é que a queda da taxa de lucro não é perma- super-população relativa, a tendência à queda da taxa de lucro, tudo se
nente, ma'! uma tendência, exatamente porque os capitalista'! são obrigados concentra em renovadas bases materiais e se acelera em um gigantesco

50 SI
redemoinho de superprodução de capital, de crises e, como corolário de lismo estaria vi vendo atualmente.
tudo isso, de novas possibilidades para a emancipação do proletariado. - aquele período idílico do capitalismo teria desmoronado de repente.
É por isso que agora, quando se aproxima mais um choque cíclico A partir da "primeira crise do petróleo", a economia mundial teria entrado
e periódico na economia mundial, devemos aprofundar a investigação em um longo período de estagnação (os períodos dos regulacionistas são
dos princípios que comandam a superprodução e a explosão das cri- sempre longos). Produção, investimentos, emprego, taxa de lucro, tudo
ses capital istas. teria entrado em uma verdadeira "crise permanente". É o período que o
economista francês François Chesnais, por exemplo, um dos muitos se-
Sonhando com os "Ciclos Longos" - O período atual da acumulação guidores desta ideologia regulacionista, denomina "crise do modo de de-
capitalista, com a explosão de oceanos de lucros na maior parte do mundo, senvolvimento". Qual a causa? Simples. Segundo Chesnais, a "fase de
não serve apenas para aumentar a euforia dos operadores da Bolsa de bom funcionamento" do capitalismo do pós guerra, com seu "regime de
Nova York. Ele também destrói uma certa visão baseada em mecanismos acumulação fordista" foi se esgotando, se esgotando e ... pronto, entrou
"regulacionistas", que sob diferentes forma de apresentação (com maiorou em uma prolongada crise! E pelo jeito o Sr. Chesnais e seus seguidores
menor radicalismo político) tem predominado na" anál ises das transforma- esqueceram de avisar os operadores da Bolsa de Nova York e de outras
ções recentes da economia mundial. Portanto, antes de entrarmos na avali- partes do mundo que o regime capitalista está vivendo uma longa fase de
ação das condições do ciclo atual, iniciado em 1992, é importante uma estagnação e declínio há pelo um quarto de século!
rápida verificação de algumas mudanças recentes no mundo do capital.
São várias as categorias utilizadas pelos "regulacionistas": modelo de Uma visão burocrática do processo - Vejam como a tecnocracia
acumulação, padrão tecnológico, estruturas hegemônicas ou de domina- regulacionista, tão elegantemente vazia, reproduz aquele discurso de crise
ção, estilo de desenvolvimento, amadurecimento das condições do "período de bom funcionamento" do regime capitalista: "Já no início da
tecnológicas, esgotamento dos mecanismos de regulação, e por aí a fora. década de 70 (e fim dos anos 60) começam a surgir os primeiros sintomas
Resumidamente, a visão regulacionista diz o seguinte: do esgotamento do ciclo expansivo do após guerra, iniciando um processo
que logo irá levar a economia mundial a um persistente período de estagna-
- tudo ia muito bem para acumulação capitalista no período entre ção econômica, desorganização política e institucional e instabilidade. Apa-
1945 c 1970, aproximadamente. Foram os ;'30 anos gloriosos" de um rentemente confirmando a teoria dos ciclos longos, os fatores promotores
ciclo longo de crescimento. Para construir essa imagem, a maioria dos da fase expansi va das décadas anteriores começam a perder a força e ca-
economistas reproduzem ideal mente a realidade através da lente da "teo- pacidade impulsionadora, comprometendo as bases do modelo de acumu-
ria dos ciclos longos", de Kondratiev, um economista russo que viveu nos lação e do modo de regulação prevalecente." Conselho Nacional de Pes-
anos 20, e que poluiu a história do pensamento econômico deste século quisa Científica e Tecnológica - CNPq "Cenários Econômicos, Políticos
com uma das visões mais mecanicistas e mais vulgares do estudo da dinâ- e Tecnolágicos Mundiais" .jnimeo. Brasília, 1989.
mica capitalista. Para os regulacionistas, as perspectivas do sistema capitalista são as
- até começo dos anos 70 teria havido um quase pacífico crescimento, mais malthusianas e desequilibradas possíveis: "Pressão inflacionária,
ininterrupto, com elevadas taxas de investimento, uma grande incorpora- recessão, desequilíbrios cambiais e comerciais, são alguns dos sintomas
ção de progresso técnico, ampliação do emprego e do mercado consu- estritamente econômicos do processo de estagnação econômica do ciclo
midor, aumento dos salários reais, etc. É a imagem de um período com recente, considerado pelos teóricos dos longos ciclos como a quarta lon-
grande vigor, ao contrário do período anêmico e estagnado que o capita- ga depressão da história do capitalismo (Kondratiev, Schumpeter, Mandei)

52 53
... Como vimos, o esgotamento do padrão tecnológico e a insuficiência Tabela 1- Estados Unidos: Produto Nacional Bruto (PNB) e
dos instrumentos institucionais e organizacionais predominantes nestas úl- Participação dos Investimentos Produtivos (Períodos selecionados)
timas décadas dificultam a continuidade do processo de desenvolvimento
Períodos P!'IB·variação Participação do Investimento Privado no PNB(O/C)
e interrompem o ciclo expansivo. Portanto, a produtividade entra em anual investimento Fixo Equipamentos de Estruturas não
Real das Empresas Produção + Residenciais
declínio, a taxa de lucro e a acumulação de capital diminuem, declinando
também os investimentos produ tivos, envol vendo a economia mundial num 1945·1949 -f--- =--f-.----~ . __
. __-----="--2__________ 3.3 __
19:'i0-1954- - 90 5.4 3.6
prolongado período de estagnação. Não se trata apenas de uma crise 19~~1~'i9_ _ 3.95..__ __ 9.2 .... __ 5,3 4,0
estrutural convencional, mas de uma interrupção profunda de um ciclo 1-960·1964 4,67 9.1 5,1 3.9
19(i'i.:.1 ~i)9_t---. _~ _ __10.6 _ __ 6,4 _ 4,2 __
que prepara a emergência de novos padrões de crescimento e de organi- 1-970-1974 3.02 10,5 6.7 3.8
197~:1279 3_51 10.-4. J 3 3.1
zação da atividade econômica". (CNPq, idem.) 19XO·19X4 2.0) I 1,5 X.I 3,4
J~5.J9X9 _L_}.12. '-- . .- _. --------'----
__ ._-. :.=-- ---.-1
Defrontamo-nos então com uma visão puramente tecnológica do pro-
cesso, portanto alienada do verdadeiro processo de valorização do capital. Fonte: U.S, Departrncnt ofCommercc, Survey ofCurrent Business.
A produção é substituída pelo produto, as relações de produção são subs-
tituídas por relações tecnológicas, o processo real da valorização do capital Verificam-se várias coisas importantes nestes números que represen-
é alienado e substituído pela organização burocrática dos "padrões tam a produção e os investimentos industriais nos Estados Unidos no lon-
tecnológicos". Assim, de padrão em padrão caminha o capitalismo idealiza- go período do pós-guerra, mas completamente diferentes de toda base
do pelos regulacionistas, pelos economistas de Estado Mas, nesta românti- de argumentação dos regulacionistas:
ca busca do tempo perdido, de um Estado pacificador que restabeleça o - os dados revelam uma aceleração do crescimento da massa de capi-
sagrado equilíbrio dos tecnocratas, coisas muito diferentes daquilo que eles tal produzida no decorrer do período analisado. Mesmo considerando as
imaginam aconteceram, estão acontecendo e deverão acontecer. taxas de variação anual do PNB em termos absolutos, não se verifica uma
Vamos por partes. Comecemos pelo período do "bom funcionamento". grande diferença entre o período de "bom funcionamento" e o período
Entre os anos 50 e 70, o próprio regime capitalista se desenvolveu muito posterior de "descontrole e estagnação". Nos períodos 1975-79 e 1985-
diferentemente das fantasias que eles fazem da realidade. A primeira afir- 89, por exemplo, as taxas de crescimento repetem (e até superam) as dos
mação dos regulacionistas é que naquele período a acumulação caminhava períodos de "bom funcionamento de 1955-59 e de 1965-69.
com elevadas taxas de crescimento e de investimentos produtivos, ao con- - estas taxas devem ser analisadas de preferência em termos relativos.
trário do período posterior iniciado nos anos 70, em que predominaria a Quer dizer, elas se referem à uma determinada base produtiva instalada
estagnação da produção e principalmente dos investimentos. Supõe-se que que, no caso, aumentou aceleradamente no decorrer do tempo. Nestas
o "esgotamento de um padrão tecnológico" deva significar principalmente a condições, as taxas de crescimento deveriam ser progressivamente me-
diminuição absoluta e relativa dos investimentos em novas máquinas e equi- nores, pois uma taxa de I % sobre 20 representa o dobro de uma taxa de
pamentos na produção. Ou, falando mais seriamente -longe do embriaga- 2% sobre 5. Qualquer estudante universitário de Teoria do Desenvolvi-
do tecnologismo de Kondratiev e consortes - não se pode comprovar a mento Econômico sabe que uma base econômica menos desenvolvida
pretensa estagnação da acumulação sem que se comprove também a que- apresenta, em geral, taxas de crescimento e de acumulação muito maio-
da na taxa de acumulação. Façamos então lima primeira prospecção para res do que as das economias que já apresentam grandes estoques de
verificar o que se passa na econom ia de ponta do sistema, que representa a capitais instalados (a mesma coisa acontece com as taxas de lucro, que
dinâmica quantitativa e qualitativa do sistema global. são nominalmente maiores nas economias subdesenvolvidas).

54
55
Foi o que aconteceu com a reconstrução do capitalismo europeu no capitalista teria entrado em uma longa fase de declínio à partir dos anos
pós-guerra (incluindo a Rússia stalinista e o Leste europeu subdesenvolvi- 70 não se realizou. Pelo menos é o que mostra a evolução da economia
do) e principalmente o Japão, nos anos 50 e 60, que apresentaram eleva- capitalista no período do pós-guerra. Ao contrário, houve uma grande
das taxas de crescimento e de investimento. A mesma coisa ocorreu com expansão do produto e dos investimentos industriais. Mas ficou pen-
economias latino-americanas como o Brasil, Argentina, México, etc, onde dente uma outra afirmação dos filhos de Kondratiev, aquela de que até
pipocaram "milagres econômicos" até os anos 70. Nos anos 80 foi a vez os anos 70 a economia teria vivido um pacífico desenvolvimento,
das economias dos chamados "tigres asiáticos". Nos anos 90 foi a vez da ininterrupto, os famosos "30 anos gloriosos", o longo ciclo expansivo
grande China apresentar seu "milagre". E já despontam outras economi- da "acumulação fordista" do pós-guerra. Também aqui a realidade da
as na fi Ia dos milagres, como Vietnã, Cuba, etc. acumulação desmente a fantasia regulacionista.
Mesmo com essas condicionantes teóricas, a economia mais madura
do sistema, aquela que sozinha representa pelo menos 25% da produção Tabela 2 - Estados Unidos: Evolução da Produção Industrial
mundial, acelerou sua produção depois dos anos 60 sem qualquer cons- 1947-1995 (variação anual média)
trangimento de se comportar como uma adolescente subdesenvolvida VAR. ANUAL MEDIA %
PERIODOS - ANOS
qualquer. Ao contrário do que afirmam os regulacionistas, a acumulação 1947-49 - 1,84
do capital nunca cresceu tanto quanto nas duas últimas décadas. 1950 - 53 8,93
- os números indicam também uma aceleração vertiginosa da taxa de 1954 - 5,80
acumulação. Os investimentos em capital fixo constituíram uma parte cres- 1955 - 57 5,90
1958 -6,41
cente do PNB, principalmente os investimentos de equipamentos de pro-
1959 - 66 6,76
dução (máquinas). Ao contrário, também, do que dizem os regulacionistas,
1967 - 2,0
não houve nenhuma "tendência ao declínio dos investimentos produtivos, 5,44
1968 - 69
envolvendo a economia mundial num prolongado período de estagna- - 3,04
1970
ção". Na verdade, os investimentos em equipamentos de produção nos 1971 - 73 6,40
anos 80 são quase 50% maiores do que no período 1945/64, exatamente 1974 - 75 - 4,40
aquele período endeusado pelos regulacionistas como um período de "vi- \976 - 79 5,62
goroso dinamismo". 1980 - 82 - 2,9\
1983 - 85 6,63
São esses movimentos quantitativos e qualitativos da acumulação do
1986 - 0,87
capital que estão na base de todas as transformações recentes da econo-
\987 - 90 3,25
mia mundial. E na medida em que os regulacionistas imaginam essa reali-
1991 - \ ,90
dade de ponta cabeça, com as instituições burocráticas e a consciência 4,10
1992 - 95
estatal determinando a vida social, eles são incapazes de entender o ver-
dadeiro sentido da crise do capital e a sua solução positiva por quem Fonte: OCDE - Econornic Outlook (vários números)

sofre todo o peso da acumulação, a classe trabalhadora mundial. Federal Reserve Bullctin (vários números)

Os "trinta anos gloriosos" - A "teoria dos ciclos longos" não pas- Ao invés de uma expansão permanente, o período 1945-70 apresenta
sa de uma quimera. A suposição dos regulacionistas de que a economia uma produção industrial caminhando em ciclos periódicos permanentes.

56 57
Pelo menos em cinco oportunidades, a superprodução de capital se ma- no tecido social, geo-político e de luta de classes que poderiam surgir
nifestou na forma de interrupção e queda da produção e dos investimen- doravante com maior intensidade. São justamente essas suposições que
tos. É o que se pode verificar na tabela acima: continuam sendo propagandeadas por uma economia política que ainda
- até o final dos anos 40 havia uma grande instabilidade da produção está longe de esgotar o seu longo ciclo de vulgaridades.
industrial. No período 1947-1949 houve uma queda com a velocidade Em 1970, a indústria era 2,5 vezes maior do que em 1950. Além de
média de 1,84%. Os investimentos caíram a uma taxa média de I ,96% uma enorme base produtiva, as condições econômicas revelavam as
ao ano no período. potencial idades de grandes reestruturações da produção e, principalmen-
- de 1950 a 1953 houve uma vigorosa retomada (8,93% ao ano). E te de um processo mais pesado de superprodução de capital. Não foi
os investimentos cresceram ainda mais fortemente: 15,83% ao ano. preciso esperar muito tempo. Em 1976 inicia-se um novo período de
- em 1954 um novo e mais potente choque: queda de 5,8 % no nível expansão e superprodução de capital, que vai ser fechado no período
da produção e de 11,54% nos investimentos. 1980/82. E as condições materiais de superprodução de capital foram
- a partir de 1955 inicia-se mais um período de expansão, que se permanentemente elevadas. Em um ritmo, diga-se de passagem, muito
prolonga até 1957. Agora com menos ímpeto que no ciclo anterior, po- mais acelerado do que nos "30 anos gloriosos".
rém com taxas bastante elevadas.
- em 1958 explode outra crise, com forte queda da taxa da produção Tabela 3 - Estados Unidos: Taxa de Crescimento do
( - 6,41 %), mas principalmente dos investimentos ( - 11,5% ). Investimento Fixo Real das Empresas sobre os Nove Primeiros
- em 1959 inicia-se um novo ciclo, com um período de expansão que Trimestres da Retomada Cíclica ( 1954 - 1992 )
vai durar sete anos ( 1959/66 ). Variação anual média ( % )
- o ano 1967, entretanto, serviu para emitir sinais anunciadores de que
a distância percorrida tinha sido longa demais: queda de 2% na produção Trimestre Investimento Equipamentos I nstalações
Fixo das d~ Industriais
e de 7,41 C;{) nos investimentos em máquina e instalações industriais. Correspondente ao
Empresas Produção
Fundo do CicIo
- nos dois anos seguintes (1968 e 1969) mais um período de tensão e 7,5
1954 - II 7,2 8,1
alongamento da acumulação. 4,9
1958 - II 4,6 5,3
- 1970: a super produção de capi tal transborda novamente, com uma 1967 - III 6,4 10,0 2,2
queda de 3% na produção e de 7,5 % nos investimentos. 1970 - IV 9,5 13,0 3,6
- de 1971 a 1973, a produção é retomada euforicamente, explodindo 1975 -I 6,5 8,1 2,7
várias artérias da circulação do sistema. 1982 - IV 13,2 15,8 7,4
1986 - IV 7,5 9,74 2,3
- 1974/75: a super produção de capital volta a explodir, agora mais
1992 - II 6,9 11,0 -1,2
estrondosamente do que em 1967 e 1970. Queda de 4,4% anual média
da produção industrial e de quase 15% dos investimentos. Este é o ciclo
em que os rcgulacionistas, assustados com a violência dos últimos cho- Fonte: OCDE - Estudos ECOnlJll1icos - 19X5
ques decretam o fim do "período de ouro", de "bom funcionamento do Federal Reserve Bulletin ( dez. 1993 )
capitalismo" c a entrada em um "período de trevas", de interrupção da
m.archa da acumulação. Tudo isso eram apenas suposições, imagens ide- A taxa de acumulação do capital representa a parcela da mais valia
ahzadas pela burguesia assustada com a perspectiva de abalos incontroláveis extorqui da dos trabalhadores e que é transformada em novos instrumen-

58
59
tos de produção e em ampliação da massa do capital instalado. É claro Decretando o fim do trabalhador produtivo - Ao contrário de
que a elevação da taxa de acumulação não pode deixar de ser acompa- uma grande quantidade de modemos marxistas, Marx não tinha nenhuma
nhada pela transformação qualitativa das condições de trabalho, de ex- ilusão quanto às possibilidades de sobrevivência dos trabalhadores sob o
ploração dos trabalhadores. A elevação da taxa de acumulação é a única domínio da acumulação capitalista. Principalmente de uma melhoriaatra-
possibilidade de elevação da produtividade da força de trabalho (quer vés do aumento da quantidade de força de trabalho empregada na produ-
dizer, da taxa de mais valia), de elevação de lucro e de sobrevivência do ção de capital ou de melhorias nas condições de trabalho. Para ele, tra-
regime capitalista de produção. É a única possibilidade oferecida aos ca- tava-se de uma grande ingenuidade teórica- geralmente acompanhada de
pitalistas, mesmo que isto Ihes traga novos problemas de desorganização um deslavado oportunismo- acreditar que a expansão capitalista pudesse
política do Estado e de descontrole sobre os movimentos sociais. conviver com um aumento proporcional de força de trabalho, progressi-
As transformações produtivas da economia mundial podem ser en- vamente incorporada à produção.
tão medidas pela intensificação dos investimentos em equipamentos de A crescente exploração dos trabalhadores no curso da acumulação
produção, o que pode ser ilustrado pelos dados da tabela acima. Veri- capi tal ista pode ser constatada pri ncipalmente no movimento prático de
fica-se que no final de cada ciclo de expansão e superprodução de ca- redução relativa do emprego de trabalhadores produtivos frente ao des-
pital, que poderia representar a paralisação catastrófica da produção proporcional crescimento da produção de mercadorias e de capital. A
capitalista, ondas mais intensas de investimentos em máquinas, progres- eliminação de postos de trabalho não acontece de forma episódica, marcada
so técnico e aperfeiçoamento dos métodos produtivos são introduzidas por ciclos longos de emprego ou de desemprego. Para se falar em uma
na rota da acumulação. linguagem própria dos ideólogos regulacionistas, o "desemprego estrutu-
Essas são as condições para a superação da crise cíclica capitalista. ral" não é uma coisa que pode ser controlada, administrada, regulada, e
Na medida em que aumentam as pressões da pletora de capital, aumenta muito menos eliminada, pois faz parte da natureza mais essencial do de-
também a Il:agnitude da massa e da qualidade do capital produtivo de senvolvimento capitalista.
mais valia. E por isso que esse procedimento da marcha capitalista tem Portanto, soa muito estranho aquele argumento de que, até os anos
sido rotineiro nos últimos 50 anos da economia mundial. Mas essas são 70, em que pesou bastante a intervenção estatal na economia, a acumula-
condições necessárias também para a cclosão de choques periódicos cada ção do capital era acompanhada de um pacífico aumento do emprego e,
vez mai~ pesados, que levam à paralisação e à desordem do sistema pro- corolário do charlatanismo stalinista e social-democrata, de uma melhoria
dutivo. E por isso, também, que não passa de uma outra grande bobagem das condições econômicas do proletariado: demanda crescente por tra-
dos regulacionistas as especulações sobre um "novo ciclo longo de cres- balho, qualificação, incorporação de grandes massas na produção, au-
cimento" ou de um "desenvolvimento sustentado", como sonham a maio- mentos salariais correspondentes, estabilidade de emprego. Em resumo,
ria dos economistas oficiais do Banco Mundial, FMI, e outras instituições o doce paraíso do "fordismo" (ou, na versão stalinista, do "stakanovismo")
estatais de controle e regulação do mercado capitalista. saboriado por uma estável e até certo ponto feliz classe trabalhadora.
Em 1995, a base industrial capital ista era também 2,5 vezes maior do Entretanto, os fatos tem a cabeça dura. Aquele "período de ouro"
q.ue em 1970, quando se presume que tenha terminado os "30 anos glo- que se prolongou até os anos 70 e que os regulacionistas sonham em
nosos", Na realidade, em 1995 a base produtiva de capital era 5 vezes restaurar e adaptar às atuais condições de globalização e liberalização
maior do que em 1950! Resta verificar apenas algumas outras bobagens mais intensas da economia capitalista, não fugiu nem um pouco das leis
dos regulacionistas, como a diminuição da produtividade, dos lucros e o gerais da acumulação: estagnação do emprego industrial e agrícola, ex-
desaparecimento da classe trabalhadora. pulsão dos trabalhadores da produção, inchamento dos empregos nas

60 61
esferas improdutivas, fragmentação política da classe e, como resulta- ciclo de estagnação" repetiu-se a mesma taxa média anual do "período
do, aumento da exploração do proletariado mundial (incluindo-se, evi- clorioso": 0,3 (70 ao ano.
e>

dentemente os proletários submetidos às famigeradas "economias cen- Os dados da economia americana confirmam uma lei geral da acumula-
tralmente planificadas"). ção capitalista.já perfeitamente enunciada por Marx, há mais de 150 anos:
A evolução da estrutura de emprego na economia de ponta do sistema paralelamente a uma redução relativa dos trabalhadores produtivos, ocorre
pode ilustrar melhor aquela processo. uma ex plosão de empregos na esfera improdutiva da economia (onde cer-
tamente estão instalados os teóricos dos "ciclos longos" do capitalismo).
Tabela 4 - Estados Unidos: Estrutura e Evolução do No período 1950-70 os empregos improdutivos cresceram a uma taxa
Emprego no Período Pós -Guerra (1950-1990) (em mil) anual média de 3,4 % e no período 1.970-90 a uma taxa de 4,4 %.
Havia pleno emprego antes dos anos 70 e muito desemprego depois?
Ano TOlal Esfera Produtiva Esfera Desempregn
força Também é desmentida pelos fatos essa simplificação dos regulacionistas
de traba-
Improdutiva
_ sejam eles liberais, keynesianos, "marxistas" ou, o que é mais provável,
lho
Total A!:ricult Minas Manu- TOlal '7c sobre as três coisas ao mesmo tempo. Na verdade, a evolução da taxa de de-
Constr. faturas força de
TOlal Comércio Govcr- trabalho semprego total nos Estados Unidos é muito parecida nos dois períodos:
Transp.
Finanças no
Serviços em 1950 era de 5,3 9'0 do total da força de trabalho; em 1960 era de 4,4
1950 62.20H 29.(í()9 7.160 7.26X 15.241 e2.713 16.687 6026 3.28X 5.3
1%0 6'J.62X 29.XX5 5.-158 7.601 16.796 29.836 21AR3 KJ5.' H52 -IA
9'0 e, em 1.970, de 4,9 %. Finalmente, em 1990, a taxa de desemprego
Ino X2.715 .11,474 .1,462 X.6ó.l 19.349 42.909 -I.<J
I9XO 10-1.719
.\0.348 12 ..)61 -I.OXX voltou aos níveis de 1950, abaixo da década de 80 e um pouco acima das
34.172 DIO 10.56e 2(UOO 59 704 H45'i 16.2-19 7.448 7.1
1990 12·US7 .13.884 .1.186 11.622 19.076 78.722 60AI8 18 ..\04 6.X74 55 décadas de 60 e 70. Veremos mais adiante que, no final da década de 90,
Fonte: US Department of Labor, Montly Labor Review. vários números. esta taxa de desemprego americana tinha caído para o nível mais baixo de
todo o período pós-guerra.
Alguns pontos importantes podem ser salientados nestes números. Um Não existe mais a "tradicional classe operária"? Esta outra simplifica-
deles é que, ao contrário da moeda corrente dos regulacionistas, verifica- ção veiculada pelos ideólogos estagnacionistas também não pode ser
se que a taxa de expansão do total de empregos na economia de ponta do verificada nas cifras disponíveis. O que se verifica é que a massa de "blue
sistema, no período 1950-70, foi muito menor do que no período poste- colors" cresceu 6, I % de 1950 a 1970. No período de 1970 a 1990
rior 1970-90. Na década de 50 a massa de ocupados cresceu 149'0, na cresceu 7,7 %. Estes números ilustram a clareza conceitual de que a valo-
década de 60 cresceu 24,6 %, na década de 70 cresceu 26,2% e, final- rização do capital não pode ocorrer sem uma classe produtora de valor,
mente, 39,4% na década de 80. Quer dizer, no "período glorioso" dos mais-valia e capital. Mesmo que a sua quantidade e a sua deformação
nossos economistas a massa de ocupados aumentou a uma taxa anual não sejam adequadas ao paradigma burocrático e populista que ainda
média de 1,9 %. No "longo ciclo de estagnação" a taxa foi de 3,0% ! comanda os "marxistas de Estado" - estes ideólogos que procuram no
Quanto à evolução do emprego na esfera produtiva, na década de 50 desenvol vimento científico e tecnológico, no "conhecimento" dos especi-
ele cresceu apenas 0,7 %, praticamente estagnado. Na década de 60 alistas universitários e dos burocratas bem amestrados, no capital finan-
cresceu 5,3 %. Quer dizer, no "longo ciclo de crescimento", ou "30 anos ceiro e na "financeirização", na regulação estatal e nas políticas econômi-
gloriosos", houve uma expansão média anual do emprego produtivo de cas, etc, novas formas de valorização do capital que não sejam depen-
apenas 0,3 % ! Na década de 70 houve um crescimento de 8,6 % e na dentes de uma massa de escravos assalariados que labutam nas linhas de
década de 80 uma redução de 2,9 %. Portanto, no decorrer do "longo produção crescentemente mundializadas. Estes que procuram com a "te-

62 63
oria dos ciclos longos" deslocar e abafar com a idéia (refletindo grossei- do em um "capitalismo declinante". E não vão além disso. Não vão além
ramente a prática do capitalista comum) o papel principal de uma classe dessas meras expressões (já bastante destorcidas) de PIB e de outras vari-
que carrega nas costas todo o edifício social capitalista e que, portanto, é áveis que não são determinantes para se verificar a verdadeira evolução da
a única capaz de garantir, sem intermediários, seu definitivo desabamento. produção capitalista. Não verificam nunca como andam as variáveis direta-
mente ligadas à produção de capital, como a produção industrial, produtivi-
A crise permanente do romantismo burocrático - A diminuição dade da força de trabalho, investimentos em equipamento de produção,
relati va da quantidade da classe produtiva apenas confirma a marcha ca- custo salarial, preços de produção, massas e taxas de lucro, etc.
tastrófica da produção capitalista. Revela a contradição básica de um Mas, mesmo em suas medidas limitadas e altamente distorcidas da
sistema em que uma quantidade cada vez menor de trabalho vivo tem que acumulação, o Sr Minsberg falsifica os dados, do mesmo modo que to-
garantir a valorização e o funcionamento de uma massa descontroladamente dos os demais regulacionistas. Verificamos no início de nossa investigação
crescente de capital. Ao contrário do que pensava Malthus e estes seus que, ao contrário do que imaginam os Minsbergs e consortes do roman-
modernos epígonos de que estamos falando, a diminuição do consumo tismo burocrático, mesmo considerando as taxas de variação do PNB em
produtivo do capital e o aumento desproporcional do seu consumo im- termos absolutos, não se verifica Limagrande diferença entre o período de
produtivo (o que é mostrado pelo acelerado aumento do emprego na "bom funcionamento" e o período de "descontrole e estagnação". Nos
esfera improdutiva da economia) não é suficiente para se evitar as crises períodos 1975-79 e 1985-89, por exemplo, as taxas de crescimento do
periódicas de superprodução de capi tal. E na medida em que essas crises PNB americano repetem (e até superam) as dos períodos de "bom funci-
se repetem com mais intensidade, abrem também períodos de maior ex- onamento" de 1955-59 e 1965-69.
ploração e de empobrecimento da classe trabalhadora mundial. Verificamos também outros dados que ilustram os movimentos mais
A crise permanente ainda não chegou para o capital. Em compensa- profundos da acumulação capitalista no período. Em primeiro lugar,
ção, já está solidamente instalada na ideologia romântico-burocrática, um uma aceleração da taxa de acumulação, constatada no fato de que os
corpo onde duas almas gêmeas caminham de mãos dadas: a vulgaridade Investimentos em Capital Fixo constituíram uma parte crescente do
teórica e a falsificação da realidade. As fantasias desses órfãos de um PNB, principalmente aqueles em equipamentos de produção (máqui-
Estado pacificador e equilibrado se chocam visivelmente com o movi- nas). O crescimento da acumulação de máquinas e equipamentos ocor-
mento real da marcha capitalista dos últimos cinqüenta anos. E deslocam re ciclicamente, com elevação nos períodos de retomada da produ-
completamente a possibilidade de se verificar rigorosamente as chamadas ção e com queda nos períodos em que começa a se manifestar a pletora
"mudanças estruturais do capitalismo", mesmo que para tanto se utilizem de capital. Do mesmo modo ocorre com a expansão e contração da
até falsificações grosseiras dos números daquele movimento. Vejam mais Produção Industrial, uma variável muito mais significativa do que o
um exemplo desse charlatanismo. "A taxa de crescimento anual e global Produto Nacional Bruto, onde são computadas toda sorte de ativida-
da economia dos países da OCDE na média geral foi: durante a década des improdutivas (comércio, finanças, governo, prostituição e servi-
de 60 de 5,3% anual. Nos anos 70, este índice desceu a 3,5% anual, para ços em geral).
passar nos anos 80 a 2% anual. E nos três primeiros anos da década de Como o romantismo burocrático não dá muita importância aos movi-
90, o crescimento foi de apenas 1,65% anual." N.Minsberg "EI impacto mentos materiais da produção social (misturando constantemente traba-
de Ia globalisacion: ia encrucijada econômica dei Siglo XXI" Ed.Letra lho produtivo e improdutivo no mesmo saco de ilusionismo), os seus
Buena, Buenos Aires, 1995, pag.16. ideólogos são incapazes também de enxergar que as expansões e contra-
É este tipo de "comprovação" que eles utilizam para continuar pensan- ções da produção, dos investimentos industriais, da produtividade da for-

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ça de trabalho, da taxa de lucro e até do ilusório Produto Nacional Bruto,
ocorrem no ritmo de cicIos periódicos em permanência. Caso tomassem CAPÍTULO IV
essa precaução metodológica, seriam obrigados a revelar que isto ocor-
reu em todo o período do pós-guerra, tanto nos "anos de bom funciona- Os Liberais e os
mento" quanto nos "anos de descontrole e estagnação".
Tudo isso contradiz, ao mesmo tempo, toda idéia de crise perma- Desdobramentos do Irracional
nente. Não existe crise permanente do capital, mas crises periódicas em
permanência. É isso que comprovamos nos capítulos anteriores, verifi-
cando que a indústria de 1970 era 2,5 vezes maior do que a de 1950 e,
em 1995, a base industrial capitalista é também 2,5 vezes maior do que Não se faz mais economistas como antigamente. Desde meados do
em 1970. Isso quer dizer que a atual base produtiva de capital é 5 vezes século passado, coincidindo com a dominação real do regime capitalista
maior do que a de 1950. É com base nessa realidade material que pu- de produção, fechou-se uma era em que economistas como William Petty,
demos concluir que a elevação da taxa de acumulação é a única possi- François Quesnay, Adam Smith e David Ricardo ainda se preocupavam
bilidade para a elevação da produtividade da força de trabalho, para a com um esclarecimento mais ou menos desinteressado dos fundamentos
elevação da taxa de lucro e para a sobrevivência do regime capitalista econômicos da vida social. Depois vieram seus epígonos neoclássicos,
de produção. É a única possibilidade a ser seguida pelos capitalistas, keynesianos e, mais recentemente, os monetaristas e neoliberais. Estes
mesmo que isso Ihes traga novos problemas de desorganização política dedicaram-se exclusivamente à formulação de um amontoado de vulgari-
do Estado e descontrole sobre os movimentos sociais. dades sobre a dinâmica econômica. Ora escondendo deliberadamente as
Tudo muito diferente e muito distante das afirmações dos ideólogos bases reais de exploração do atual regime, ora compondo receitas para o
malthusianos da crise permanente e do desaparecimento das bases histó- controle e a governabilidade da sua acidentada corrida de acumulação e
ricas de produção de capital. Bases que pouco se importam com as idéias crises periódicas de superprodução.
que delas fazem aqueles ideólogos, e que não pararam de se ampliar e
muito menos de aprofundar a estrita aplicação de suas leis de funciona- As vulgaridades do Sr Thurow - O mais recente exemplo dessa
mento. Aquela ignorância teórica se manifesta como a incapacidade de entediante profissão de mistificação ideológica - que eles chamam de
entender por que, paralelamente a uma redução relativa dos trabalhado- "ciência econômica" - é fornecido pelo economista americano Lester
res produtivos, deve ocorrer uma explosão de empregos na esfera impro- Thurow, em seu novobest seller(mais de 1milhão de exemplares vendi-
dutiva da economia. E essa incapacidade de relacionar os interesses anta- dos) "O Futuro do Capitalismo - como asforças econômicas de hoje
gônicos entre as necessidades do capital, de um lado, e da classe operá- moldam o mundo de amanhã?- Ed. Rocco, RJ. 1997. Seu objetivo é
ria, de outro, que impede também a estes economistas de Estado enten- ambicioso: "Este livro é uma tentativa para se entender os movimen-
derem o sentido da crise capi talista e os seus desdobramentos catastrófi- tos das placas econômicas que jazem sob a superfície visível da nos-
cos para os verdadeiros produtores de valor e de capital. Em seu lugar, sa terra econômica" (pg. 35). O novo mundo a ser desvendado se cha-
são obrigados a repetir monotonamente a ladainha da crise permanente e ma economia global: "Pela primeira vez na história humana, qual-
do catastrofismo malthusiano - teoria dos ciclos longos, padrão de cres- quer coisa pode ser feita em qualquer parte e vendida em qualquer
cimento, modo de regulação, esgotamento do padrão tecnológico, parte. Em economias capitalistas isto significa produzir cada compo-
fordismo, toyotismo e outras vulgaridades econômicas. nente e executar cada atividade na região do globo em que isto pode

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ser feito a um custo menor e vender os produtos e serviços resultan- seus coadjuvantes: "Se uma economia global seria ou não construída
tes onde os preços e lucros sejam os mais altos" (pg. J 54). sem a presença de uma ameaça comunista é algo que precisa ser deba-
Tanta erudição pode certamente responder a uma outra pergunta. O tido, mas isso não muda a realidade atual- a existência de umaecono-
que está na origem da globalização? "A ideologia lançou o mundo ca- mia global" (pr;. 159).
pitalista numa direção glohal, que foi mais tarde reforçada pela tec- O mais difícil, entretanto, é mostrar o admirável mundo novo sem
nologia (...) Os sistemas sociais flutuam (sic) sobre um magma de escapar da descrição de uma sociedade cada vez mais parecida com os
ideologias e tecnologias compatíveis" (pgs 155 e 395). primórdios do capitalismo. O centro dessa dinâmica global se situa exa-
Essa visão de sentimentos morais comandando a história valeu uma tamente na economia de ponta do sistema, nos Estados Unidos. "É pro-
severa reprovação do professor Celso Furtado: "O que mais chama aten- vável que nenhum país que não tenha passado por uma revolução ou
ção do leitor corrente dessa obra é que o autor ignora, na caracterização uma derrota militar seguida por ocupação tenha tido um aumento de
do capitalismo - sistema de dominação social - a dimensão mais específi- desigualdades tão rápido e generalizado como os Estados Unidos nas
ca deste, que é a luta de classes. A "tecnologia" e a "ideologia" seriam duas últimas décadas. Nunca antes os norte-americanos viram o atual
simples aflorações, sem raízes profundas na lógica do sistema( ...) Escapa padrão de reduções nos salários reais diante do PNB per capita em
a Thurow que a sociedade moderna não é uma criação do capitalismo, e ascensão" (pg.65).
sim uma resultante histórica de um complexo processo de luta de classes. O problema maior é justamente as condições de trabalho, onde a sa-
Forças econômicas cavalgando o avanço das técnicas criaram o crescen- crossanta identidade da economia vulgar de qualificação (ou habilidade)
te fluxo de riquezas, levando a crises periódicas que exigiram a ampliação igual a nível salarial, se transforma em uma incontrolável espiral descen-
dos mercados (...) Ignorar o papel da luta de classes e dos conflitos soci- dente. "Um trabalhador americano irá descobrir que, a cada nível de ha-
ais na moldagem das sociedades democráticas e atribuir o dinamismo bilidade ele precisa trabalhar em troca de salários condizentes com o sa-
destas a forças e alheias ao contexto histórico, emanações da tecnologia lário pago na Coréia do Sul para esse nível. Ajustados pelas habilidades,
dominante é resvalar para uma visão da história em que os homens são os salários sul-coreanos irão subir e os norte-americanos descer, até igua-
simples joguetes do destino" (Celso Furtado, "De onde vem a utopia", in larem. Até o início dos anos 70 não existia uma economia verdadeiramen-
Jornal de Resenhas, Folha de S. Paulo, 9/08/97). te global e os americanos não-qualificados recebiam mais simplesmente
Para o Sr.Thurow, a globalização econômica surgiu no pós-guerra e porque eram americanos. Mas essa diferença está acabando - e irá desa-
como resultado de um embate entre dois sistemas ideológicos rivais: parecer totalmente" (pgs. 108 e 109).
"Na esteira do Sputnik, quando Khruschev estava batendo com seu O Sr. Thurow se defronta então com um paradoxo para suas convic-
sapato em sua mesa nas Nações Unidas, quando acreditava-se que a ções vulgares de que o desenvolvimento tecnológico aumenta a demanda
União Soviética estivesse crescendo economicamente mais depressa que por trabalhadores mais qualificados, mais educados, etc, o que também
os Estados Unidos, a ameaça global do comunismo era levada a sério. elevaria os salários desses trabalhadores. Mas, na verdade, as novas
As respostas capitalistas de um só país eram claramente insuficientes. tecnologias desqualificam os trabalhadores, de nada valendo uma maior
Algo de global precisava ser instalado (sic) 'para conter' o comunismo escolaridade para garantir melhores salários, pois agora eles terão que
global" (pgs 156 e 157). ocupar suas melhores habilidades em funções anteriormente ocupadas
Nosso bravo economista não se intimida quando lhe passa pela ca- pelos não-qualificados. E o problema do aumento das diferenças salariais
beça a dúvida se a globalização teria acontecido mesmo que não exis- torna-se uma enigma: "o alargamento das disparidades salariais deve ser
tisse aquilo que ele chama de "ameaça comunista", ou seja, a URSS e atribuído às alterações na tecnologia que provocaram uma demanda mai-

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or por uma força de trabalho mais qualificada. Ninguém duvida da exis- mercado de grandes economistas como Smith, Ricardo, etc, se concreti-
tência dessa mudança em relação às habilidades. Mas ela também deixa za na forma de uma irracional idade sem fronteiras. E preocupa alguns
muitos dos fatos inexplicados, além de haver fatos contrários àquilo que ideólogos mais inteligentes da burguesia. É o caso de Robert Reich, inte-
ela poderia prever. Se uma mudança rumo às habilidades fosse a origem lectual do Partido Democrata americano e atual secretário do Trabalho
do problema, os salários reais dos trabalhadores qualificados deveriam no governo Clinton: "Os países estão transformando-se em regiões da
ter subido. Ela não explica por que os salários daqueles com melhor for- economia global; seus cidadãos, em trabalhadores dentro de um mercado
mação escolar (entre os homens, os salários caíram até para aqueles com global. As corporações nacionais estão transformando-se em teias glo-
diploma superior), por que tantos foram afetados (as quedas deveriam se bais, cujas atividades padronizadas de larga escala são executadas em
concentrar mais naqueles diretamente afetados pelas novas tecnologias), qualquer lugar do mundo onde o trabalho for mais barato". R.Reich - "O
ou por que as diferenças salariais entre trabalhadores igualmente qualifi- Trabalho das Nações" ed. Educator, S.Paulo. 1994, pg. 286.
cados estariam crescendo (...) Os salários de equilíbrio que se supõe existir Outro, um conhecido historiador inglês, está amargurado com os de-
na teoria econômica (remuneração igual para trabalhadores e trabalho mônios que podem saltar dacaixa de Pandorra do livre-mercado: " ... a
iguais) simplesmente não existe. Por exemplo, apenas cerca de 10% da sociedade mundial de hoje, mais ainda do que sua predecessora há 60
variação em ganhos individuais poderiam ser explicados por diferenças anos, enfrenta a tarefa de conciliar a mudança tecnológica e a integração
de escolaridade" (pg. 223 e 231). econômica com as estruturas políticas tradicionais, a consciência nacio-
Por baixo da globalização do capital corre simultaneamente a globaliza- nal, as necessidades sociais, os dispositivos institucionais e as maneiras
ção da força de trabalho assalariada, esta sim uma base mais universal para habituais de fazer as coisas. Além disso, os esforços para harmonizar as
a verdadeira ameaça comunista, agora sem aspas. Quando os economistas estruturas econômicas e políticas serão complicados por tendências que
salientam apenas os fenômenos da concentração de renda, da exclusão, da não eram evidentes há três gerações, mas hoje ameaçam agravar as rela-
diminuição da escolaridade e da marginalização social, eles estão preocu- ções sociais sob todos os aspectos, e podem até mesmo ameaçar a exis-
pados em primeiro lugar com os efeitos da destruição das bases tradicionais tência da própria humanidade, a longo prazo". Paul Kennedy - "Prepa-
de controle e governabilidade da luta de classes (sindicatos controlados rando para o Século XXI" ed. Campus, R. Janeiro, 1993, pg. 336.
pela aristocracia operária, classes médias, cidadania, etc). Mas, além disso, Não se trata, para os nossos autores, de uma escolha entre o sistema
estão preocupados em esconder que a acumulação ampliada (ou globalizada) protecionista, mais ou menos parecido com o que existiu nos últimos 60
do capital só pode ser garantida com uma pauperização absoluta da classe anos, e o sistema de livre mercado. Eles apenas exprimem a preocupação
trabalhadora, através de um processo de exploração em que as inovações com o fato de que o pensamento mais ou menos protecionista, centrado
tecnológicas representam mais do que nunca a expropriação do conheci- no crescimento econômico nacional, encontra cada vez menos corres-
mento de quem produz e o fim de qualquer vestígio de comunidade huma- pondência na movediça base material do livre-mercado. O que ocorre é
na. É por isso que as explicações da economia vulgar para o mundo em que que a globalização do capital torna cada vez mais difícil a crença em "pro-
vivemos e para o mundo que precisamos são mais do que nunca insuficien- jetos nacionais", alianças de classes e outros expedientes políticos tradici-
tes. O livro do Sr.Thurow é apenas a comprovação mais recente dessa onais, que se apoiavam na falsa idéia de que os interesses das grandes
decadência da ideologia econômica. empresas nacionais e do seus proprietários capitalistas poderiam repre-
sentar, de algum modo, a possibilidade de melhoria do padrão de vidada
Assustados com a velocidade do irracional- O mundo gira e ... o população em seus respectivos Estados nacionais.
capital se global iza. O ideal da economia política, o pressuposto do livre Nas condições atuais, as idéias de que os trabalhadores poderiam se

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beneficiar com o crescimento da suas economias nacionais são mais do tensos. "Entre 1970 e 1980, o número de pessoas subnutridas nos países
que nunca desmentidas pela prática do capital mundializado. "Não há em desenvolvimento (exceto a China) elevou-se de 650 milhões para
mais qualquer razão para os Estados Unidos- ou para qualquer outro 730 milhões. Desde 1980, as taxas de crescimento econômico das maior
país- proteger, subsidiar ou de alguma outra forma apoiar suas parte desses países sofreram gradual redução e os salários reais declina-
corporações em relação às estrangeiras, como muitos argumentaram. ram continuamente. Na África e na América Latina, as rendas per capita
Tampouco tem fundamento reduzir os investimentos governamentais e reduziram-se substancialmente entre 1980 e 1990. Os preços das merca-
cortar os impostos para permitir aos cidadãos disporem de mais dinhei- dorias básicas e matéria primas ( commodities ) despencaram; a dívida
ro para investir, um argumento em voga entre aqueles que têm uma fé junto aos bancos mundiais golpeou a maioria das economias subdesen-
quase que religiosa no livre-mercado. Nem a lucratividade das volvidas, enquanto mais do que US$ 50 bilhões são transferidos a cada
corporações nacionais, nem o sucesso de seus investidores, elevam ne- ano para os países desenvolvidos. A devastação provocada pelos
cessariamente o padrão de vida da maioria de seus cidadãos. Daqui desmatamentos, pela erosão e pela agricultura em larga escala cobrou seu
para frente, corporações e investidores garimpam o globo atrás de opor- tributo da maior parte dos países do Terceiro Mundo. Enquanto isto as
tunidades de lucro". R. Reich, idem, pg 8. populações pobres mundiais têm filhos a taxas muito mais elevadas do
Reich, do mesmo modo que Kennedy, sente um grande desconforto que as populações ricas. Sessenta por cento das 12000 crianças que
com o desmoronamento daquelas velhas idéias e seguras instituições nascem a cada hora no mundo pertencem a famílias cuja renda per capita
baseadas em um Estado econômico que era fortemente demarcado pe- anual é inferior a US$ 350 dólares. Em 1990, mais do que 5 bilhões de
las fronteiras nacionais. "Estamos vivendo uma transformação que irá criaturas humanas habitavam o planeta; prevê-se que o seu número alcan-
reestruturar a política e a economia do próximo século. Não haverá çará os 8 bilhões em 2025, e os 16 bilhões no fim do século vinte e um. O
produtos ou tecnologias nacionais, nem corporações nacionais e nem número de pessoas pobres aumentou dramaticamente no Brasil, Chile,
tampouco indústrias nacionais. Não haverá mais economias nacionais, Gana, Jamaica, Peru e Filipinas. A expectativa de vida diminuiu em nove
pelo menos da forma como costumávamos entender tal conceito. O que dos países africanos do sub-Saara; o número de crianças que morrem em
continuará enraizado dentro das fronteiras nacionais serão apenas as decorrência de desnutrição aumentou". Paul Kennedy, idem
pessoas que constituem a população do país (...) A tarefa política bási-
ca de cada país será lutar contra as forças centrífugas da economia glo- A acumulação primitiva é um espetáculo moderno - Enquanto
bal, que rompem com os vínculos que mantém os cidadãos juntos- isso, próximo à times Square, no centro de Nova York, existe um grande
conferindo riqueza ainda maior aos mais aptos e de maior conhecimen- placar eletrônico que não para de transmitir o montante da dívida pública
to, ao mesmo tempo que condena os menos aptos a um padrão de vida americana. Na primeira semana de novembro de 1996, a contagem ti-
em declínio (...) A questão fundamental está relacionada ao futuro da nha sido imobilizada no exato valor de US$ 4.985.567.071.200,00. É
sociedade americana, distinta da economia americana, e ao destino da o equivalente a quase dois anos da produção industrial daquele pais.
maioria dos americanos, que estão tornando-se perdedores na competi- Até que Congresso e Executivo cheguem a uma solução para o impasse
ção global". R. Reich. Idem, pgs. 8 e 9. do orçamento para 1996, o montante da dívida estampado no placar
Se nas economias de ponta do sistema - Estados Unidos, União Euro- de Times Square continuará congelado. Enquanto isso não se resolve,
péia e Japão - a exploração dos trabalhadores aumenta muito mais nesta enquanto não se autoriza mais endividamento do governo, não haverá
época de derrubadas de fronteiras econômicas, nas economias domina- dinheiro para manter funcionando os serviços públicos daquele pais.
das a devastação capital ista se apresenta com contornos ainda mais in- Na terça-feira, o governo americano fez um grande estardalhaço, fe-

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chando grande parte dos serviços públicos e dispensando temporaria- nas conferem tranqüilamente, em seus terminais de computadores, que
mente do trabalho milhões de servidores. O governo americano amea- o saque executado sobre o produto social está sendo religiosamente
çou parar os serviços públicos. depositado em suas contas.
O espetáculo é grandioso. A maior economia do mundo não tem di- A liberdade do capital depende do empobrecimento ininterrupto da
nheiro para manter funcionando sua máquina governamental. Doentes população. Como se arrecada impostos e, principalmente, com que se
podem ficar sem tratamento, desempregados e aposentados podem ficar gasta esses impostos, sempre foi um mecanismo importante para se lim-
sem receber seus irrisórios seguros e benefícios, crianças podem ficar par o caminho para a acumulação capitalista. E para se produzir novos
sem escolas, centros de pesquisas podem fechar, etc. No entanto, há uma capitalistas. O chamado "equilíbrio fiscal", aquele objetivo colocado pelos
coisa mais sagrada do que tudo isso, que não pode nem de brincadeira se tecnocratas e políticos de se gastar apenas o que se arrecada, a
imaginar que possa parar: o pagamento dos juros da dívida pública. famigerada "eli minação do déficit público", etc, tudo isso não passa de
Nisso, o governo da maior economia do mundo nem pensa em amea- um tapa-olho para a opinião pública não enxergar as verdadeiras cau-
çar parar. Segundo o secretário do Tesouro daquele país, o governo sas do empobrecimento da população e o correspondente enriqueci-
americano já tem garantido os recursos suficientes para fazer o paga- mento dos capitalistas.
mentos dos juros da dívida que vencem nesta semana. O valor da con- A medida em que aumenta a divida pública americana, do mesmo modo
ta? Pouco mais de US$IOO bilhões. Juntaram este dinheiro nos fundos que nas demais economias, aumenta também aquela parcela da produção
de pensão dos funcionários públicos federais, administrados pelo go- social que é apropriada pelos velhos e novos traficantes do livre mercado.
verno. Não são recursos do orçamento. "Isso não é jeito de uma gran- Por intermédio dos governos e das políticas econômicas liberais, os salá-
de nação administrar seus negócios financeiros", reconheceu o secretá- rios diretos e indiretos são reduzidos. A produção de capital aumenta e,
rio. "Mas é muito melhor do que uma moratória", tratou de consertar. junto com ela, o desemprego dos trabalhadores. A acumulação primitiva
(O Estado de S. Paulo, 16/1 1/95) Além da fanfarronice de Clinton, é ressuscitada e travesti da de modernidade. Os mercados se expandem
fechando serviços públicos e dispensando servidores, a moratória e,junto com eles, as dividas públicas e privadas. Os juros, os dividendos
americana ainda não aconteceu. As bolsas de valores continuaram su- e o preço das ações aumentam.
bindo , o dólar manteve-se relativamente estável, o mercado financeiro Mas os lucros gerados na produção nunca serão suficientes para acom-
mundial ainda respira confiança. panhar tanta acumulação. O mundo gira e a superprodução aumenta.
É assim que funciona a sociedade espetáculo. Bilhões de espectado- Estão aparecendo nesta semana, na economia de ponta do sistema, si-
res, em todo o mundo, assistem estarrecidos a encenação da incapaci- nais de pletora de exploração e de dívidas no sistema de circulação san-
dade financeira do governo mais rico do mundo continuar prestando guínea da sociedade. Mas o placar eletrônico de Times Square tem que
elementares serviços à população, crucificada como a grande respon- se mover como antes. Caso contrário, o cristal da valorização capitalista
sável pelas dívidas e pelos desequilíbrios financeiros da economia. En- pode trincar.
tretanto, os outros ato-és da verdadeira história não aparecem nem de
leve nos noticiários das televisões. São os mi Ihares de novos capitalistas Ajustes fiscais para a "exuberante irracionalidade" - Depois de
(empresários industriais, banqueiros e operadores financeiros) espalha- uma retomada das negociações entre C1inton e o Congresso americano,
dos pelo globo, e criados diariamente pelo Estado encarnação da cha- em torno do que eles chamam de "equilíbrio do orçamento para os próxi-
mada globalização econômica, representantes do livre mercado, defen- mos sete anos", voltaram a funcionar os serviços públicos fechados na
sores fanáticos da liberdade do capital e da iniciativa privada. Eles ape- semana passada. Provisoriamente, entretanto, até que se aprove em defi-

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nitivo o novo orçamento para 1996 e o novo teto para endividamento do péis. É verdade que grande parte dessa valorização das ações é fictícia,
governo. Até lá, o placar de Times Square - aquele que informa aos tran- é acumulação monetária pura e simples. Mas o aquecimento da especula-
seuntes do centro de Nova York a evolução diária da dívida pública ame- ção só acontece com mais intensidade nos momentos em que a produção
ricana - continuará marcando o mesmo valor da semana passada. O que também se aproxima do ponto máximo dos ciclos periódicos. É provável
não ficou travado foi um placar bem mais importante, instalado a poucos que é neste ponto que se encontra atualmente a economia líder do sistema
metros de distância de Times Square. Exatamente na famosa Wall Street, capitalista mundial.
onde funciona a maior bolsa de valores do mundo. Este ponto máximo do ciclo quer dizer, também, que de agora em
"Down Jones bate recorde. Bolsa de Nova York atinge 5 mil pontos". diante a superprodução de capital vai agir mais claramente, de acordo
Essa foi uma das manchetes do jornal Gazeta Mercantil de 21111/95. com os princípios da lei da gravidade: uma massa cada vez maior de
Logo a seguir, os detalhes deste histórico acontecimento: "A perspectiva capital encontrará maiores dificuldades de ser valorizada com a mesma
de redução dos juros pelo Federal Reserve ( Fed, o banco central norte- taxa de lucro que a impulsionou para as alturas dos 5 mil pontos da segun-
americano) fez o índice Down Jones de 30 ações industriais alcançar pela da-feira passada. O período que se abre doravante deverá ser de queda
primeira vez o patamar recorde de 5 mil pontos. A possibilidade de bara- da taxa de lucro e, consequentemente, de possibilidades maiores de des-
teamento do crédito nos EU A foi levantada após o acordo fechado no valorização do capital acumulado e crise.
domingo entre o presidente Bill Clinton e o Congresso sobre o equilíbrio A possibilidade de desabamento é o próximo capítulo dessa dinâmica
do orçamento no próximos sete anos." cíclica. E junto, uma grande queda dos investimentos produtivos, do em-
A elevação dos valores das ações representa a valorização do capital. prego, do comércio e das condições de reprodução da força de trabalho
Isso quer dizer que o capital está crescendo, que as condições produtivas social. A concretização desse desabamento da economia americana -e
estão muito favoráveis para a geração de mais-valiae de lucros apropri- por extensão de toda a economia mundial - deverá ocorrer em algum
ados e acumulados pelos capitalistas. Para tanto, há necessidade também momento dos próximos dois anos.
de que as condições do mercado financeiro estejam perfeitamente sincro- O "barateamento do crédito" e a valorização recorde do capital
nizada" com a exploração executada nas esferas em que o capital assume dependem em grande parte da política de gastos públicos do governo.
a forma de processo produtivo (indústria, agricultura, transporte, minera- Dependem de cortes ainda maiores de salários indiretos e das despe-
ção, etc). Assim, uma parte maior do dinheiro circulante poderá se sas públicas em setores É a tal da política fiscal agindo de
sociais.
metamorfosear em capital-dinheiro, sair da mera acumulação monetária e acordo com a-política monetária. É isso que está sendo decidido nas
se encaminhar para a exploração produtiva. Por isso o "barateamento do discussões e no acordo entre Clinton e Congresso. "O acordo prevê
crédito" é tão importante para a valorização do capital (e das ações nego- o equilíbrio orçamentário dos EUA por volta do ano 2002, como de-
ciadas nas bolsas de valores, títulos de propriedade por excelência do sejam os republicanos. Clinton, no entanto, frisou que os setores de
capital social). saúde pública, educação e proteção ambiental devem ser priorizados.
A euforia capitalista está.no auge. Mais importante do que o recorde A afirmativa vai contra as propostas do Congresso, dominado pelos
histórico dos 5 mil pontos do índice Down Jones, é verificar que só neste republicanos, de cortes draconianos dos gastos públicos em muitos
ano de 1995 as ações da Bolsa de Nova York já se valorizaram 30% ! setores sociais como forma de equilibrar o orçamento nos próximos
Quer dizer, em menos de onze meses o valor do capital cresceu quase 1/ sete anos" Gazenta Mercantil, idem.
3 com relação ao valor de dezembro do ano passado. Não basta se dizer A saúde do capital depende do "equilíbrio do orçamento". Mas isso
ingenuamente que tudo isso é especulação, apenas manipulação de pa- quer dizer, na teoria Iiberal, uma livre destruição das estruturas públ icas

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de reprodução da população. A contradição do processo de valorização
- em que os limites do capital se encontram no fato de que uma quantida-
de relativamente menor de trabalho vivo tem que valorizar uma massa
crescente de eapital- se manifesta agora como uma contradição política:
a reprodução ampliada das condições materiais em que se apóiam o po-
der e o Estado das classes dominantes - lucro empresarial, dividendos,
juros, aluguéis, ete - encontra seus limites na necessária e desproporcio-
nal destruição das condições sociais de reprodução da população. A ex-
pansão doeapital depende do rebaixamento da vida social. A economia é
cada vez mais intensamente economia política.

- Segunda Parte
O Mundo é organizado
pelo Capital

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CAPÍTULO V
Trabalho, Terra e Capital

"Nós temos uma escravidão encoberta aqui nos Estados Unidos"


declarou enfurecido o gentil intelectual e secretário do Trabalho dos Esta-
dos Unidos, Robert Reich, segundo relato do jornal Financial Times de 4
de dezembro de 1995. A equipe de investigação do seu ministério tinha
descoberto na cidade de EI Monte, Califórnia, uma fábrica de roupas
onde 72 imigrantes tailandeses trabalham 18 horas por dia em "condições
subumanas" para fornecer mercadorias para algumas das maiores com-
panhias varejistas dos Estados Unidos. A fábrica de EI Monte era apenas
mais uma das chamadassweatshop (setores da indústria e comércio que
exploram os empregados com muito trabalho e pagando um salário de
fome). Reich acabava de descobrir que o seu país está cada vez mais
parecido com Brasil, China, Malásia, ou qualquer outra infel iz região mun-
dial integrada naquilo que ele mesmo chamou, como vimos anteriormente,
de "teia global" das corpo rações nacionais, onde "atividades padroniza-
das de larga escala são executadas em qualquer parte do mundo onde o
trabalho for mais barato".
A sabedoria liberal não encontra uma justificativa para a proliferação
das sweatshop , esta última novidade da luta pela eficiência e
competitividade da economia mais poderosa do mundo. Apenas
contabilizam a novidade: "JeffHermason, da Union ofNeedle Trades,
Industrial, and Textile Emploeyees (UNITE), afirma que as "sweatshop"
estão se tornando uma regra e não mais a exceção. Um relatório feito
em 1994 pelo General Accounting Office (Escritório Geral de Conta-
bilidade) observou que a atual situação do setor de vestuário dos E.U.A
difere pouco daquela observada na virada do século." Financial Times,
4 dez 1995.
O que fazer? Reich limita-se a prometer uma "lista branca" daquelas
empresas que "estão se esforçando honestamente" (sic) para acabar com

81
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esse problema. E espera que a mídia americana divulgue em seguida, por o aumento da produtividade alcançou seu nível mais elevado nos anos
dedução, uma "lista negra" das outras, esperando com isto um boicote 80, enquanto o emprego e os salários ficaram simplesmente estagna-
dos consumidores para os produtos origi nados dessas empresas que se dos! Nas partes seguintes deste Iivro, quando aprofundarmos o estudo
utilizam de trabalho escravo. A impotência do professor Reich frente a do último ciclo econômico nos Estados Unidos, detalharemos com mais
essas explosões da modernidade capitalista não diz respeito apenas a exatidão esses dados.
uma dificuldade política pessoal, à sua condição de alto burocrata e de A produtividade da força de trabalho é a chave para se compreen-
ideólogo da sofisticada (e cada vez mais escravagista) classe empresa- der a fatal correlação entre produção do capital e condição de existên-
rial americana. Parece tratar-se de uma irremovívellimitação teórica cia dos trabalhadores. Na medida em que os trabalhadores assalaria-
frente a afirmações como aquela do prático Sr. Hermanson, de que as dos aumentam a produção de capital, eles não produzem apenas mer-
sweatshop estão se tornando uma regra e não uma exceção, ou do cadorias. Produzem também condições técnicas superiores que permi-
frio relatório da General Accounting Office de que a atual situação tem enormes reduções da quantidade de força de trabalho consumida
do setor de vestuário dos E. U.A é muito parecida àquela observa- na produção. Nisto consiste a possibilidade de aumento da produtivi-
da na virada do século. dade e de uma consequente quantidade maior de valor e de mercadori-
O problema é como administrar o que está realmente na base de as, que devem, finalmente, se transformar em uma quantidade maior de
fenômenos como globalização (ou "teias globais, para se utilizar a ino- capital e de lucros.
vação do prof. Reich): reestruturação produtiva, mundialização, etc. Mas Outra idiotice econômica muito comum é se imaginar que pelo menos
antes se deveria esclarecer porque tanta coisa nova não passa de uma parte deste aumento da produtividade poderia se transformar em aumen-
restauração aprofundada de primitivos procedimentos capitalistas. E, o to dos salários. Acontece que a repartição deste aumento da riqueza já é
mais importante: por que tanta coisa nova acaba se transformando em decidida no momento em que uma parte crescente da força de trabalho
explosões que só poderiam ser patrocinadas pelo livre desenvolvimento social é transformada em população excedente às necessidades da valo-
do mercado? rização do capital. Isso acontece quando se estabelecem as condições
Uma investigação nos próprios dados publicados pelo Departamento gerais de produção de capital e à qual os trabalhadores são submetidos,
do Trabalho dos Estados Unidos pode ajudar naelucidação destes proble- quer dizer, empregados. Daí para a frente, os trabalhadores produzem
mas. O que se verifica é que a evolução ascendente da produção industrial continuamente as condições para sua própria expulsão do processo da
americana, no longo prazo, não foi acompanhada de um correspondente produção, aumentando ao mesmo tempo a produtividade da sua própria
aumento do emprego e dos salários. O que se verifica é exatamente o con- força de trabalho. Do outro lado, o aumento da superpopulação relativa
trário. O aumento da produção foi acompanhado de uma desproporcional se transforma em aumento de lucros e de capital. Isto é exploração.
desaceleração da quantidade de força de trabalho consumida na produção, A compreensão dessa relação entre produção de capital e da repro-
e também do preço daquela mesma força de trabalho. dução da população trabalhadora poderia evitar as fantasias dos opor-
Já verificamos que, frente a esta realidade da acumulação, os econo- tunistas que não cansam de pregar a possibilidade de uma justa ade-
mistas são obrigados a inventar uma suposta diminuição da produção e, quação entre o número de trabalhadores e a produção de capital ( po-
principalmente, da produtividade. Os dados mostram o contrário: além lítica de emprego, combate ao desemprego, etc). Esta adequação aca-
da expansão desmesurada da produção, uma gigantesca expansão da ba sendo realizada, de qualquer modo, pelo próprio movimento da acu-
produtividade da força de trabalho nos diversos períodos investigados. mulação, através dos ciclos periódicos que sempre desembocam em
Verifica-se, então, na indústria manufatureira dos Estados Unidos, que uma situação de superprodução de capital e crises sociais. E a repeti-

82 83
ção destes períodos de expansão e interrupções da valorização do ca- naquela economia. Os japoneses, por seu lado, sabem que sem as "duras
pital produz, ela mesma, um rastro cada vez mais congestionado de condições" trabalhistas das mulheres, também no seu país o capital não se
pobreza, de sofrimento, de embrutecimento, de degradação moral e ... sustentaria: as mulheres representam no Japão 40% da mão-de-obra e
de escravidão assalariada. recebem menos da metade dos salários dos homens. São condições que
Os números sobre a produção, emprego, produtividade e salários na se alastram por todo o G7 e seria realmente uma falta total de
indústria da economia americana representam fatos que estão determi- "pragmatismo" destes senhores, reunidos em Lille, França, condenar o
nando o futuro da economia mais poderosa do planeta. E aquilo que está resto do mundo por práticas que eles mesmos não são capazes de conter
acontecendo em EI Monte, Califórnia, é a pré-figuração daquele futuro, nos seus próprios países.
de uma utopia grosseira do livre desenvolvimento do capital (globaliza- Por isso, eles são obrigados a assumir publicamente suas verdadeiras
ção, mundialização, reestruturação produtiva ... liberalismo). convicções, dei xando de lado a postura demagógica dos beneméritos sociais
e irem direto ao que interessa ao capital. O melhor, então, é apelar para
Enfoque pragmático - O grupo das sete maiores economias do mun- que as coisas tenham seu livre curso, não atrapalhando aquilo que faz
do (G7) fez uma reunião de cúpula na França, no começo de 1996, para parte da ordem natural do mercado mundial. "No comunicado, o G7 re-
discutir saídas para o desemprego mundial. Como era previsível, não se afirma seu compromisso com a estratégia de abertura comercial, além de
chegou a nenhuma proposta concreta para o problema: "A reunião do apelar aos ministros que mantenham seu apoio ao livre comércio, durante
Grupo dos Sete - França, Alemanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Itália, a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), marcada para
Japão e Canadá - terminou ontem, sem que os ministros da Economia e Cingapura" O Estado de S.Paulo, idem.
do Trabalho, que participaram da conferência em busca de uma solução Não é por acaso que a próxima reunião da OMC será realizada em
para o desemprego e de estabelecer normas básicas de trabalho em todo Cingapura. Esta antiga feira asiática de pimenta-do-reino é o modelo de livre
o mundo, definissem, na declaração final, propostas concretas sobre os comércio que os países imperialistas querem mostrar às burguesia" dos países
níveis mínimos de condições de trabalho, segurança no emprego e bene- dominados. Cingapura tem uma população de 2,8 milhões de habitantes (me-
fícios sociais" O Estado de S .Paulo, 3/4/96. nos do que ada zona leste da cidade de São Paulo). E 100% da sua popula-
Não foram capazes de dizer qualquer coisa sobre a chamada cláusula ção se encontra, evidentemente, na área urbana, mesmo porque lá não existe
social, que trata do trabalho de crianças, de prisioneiros e do massacre área rural. Cingapura não passa de uma zona livre. Por isso, ela consegue
de mulheres na" linhas de produção. Nosso sempre presente Robert Reich, apresentar anualmente estatísticas como Produto Nacional Bruto de US$ 55, 1
secretário do Trabalho dos Estados Unidos, estava lá. Declarou apenas bilhões, importações de US$ 85,2 bilhões e exportações de U$ 74,0 bi-
que é necessário manter um "enfoque pragmático" em relação a países Ihões!! É um belo exemplo de milagre de livre mercado: em 1993, conseguiu
que não respeitam os direitos dos trabalhadores. Quer dizer, é melhor não a proeza de produzir US$13,5 bilhões de produtos industrial izados e expor-
mexer em coisas que são fonte de oceanos de lucro para o capital tar US$ 63 bilhões!' Cingapura acumula reserva" intemacionais de US$ 48,3
rnundializado. bilhões e a sua taxa de inflação anual não passa 2,5%. Modelo perfeito,
Como já vimos anteriormente, Reich sabe perfeitamente que no seu tam bém, agora para orientar as pol íticas econômicas daquel as que são co-
próprio país a livre exploração de tailandeses, mexicanos, etc, é funda- nhecida<;pelos tecnocratas como' 'economia" emergentes".
mental para manter funcionando aquela economia de ponta do sistema. Só duas "economias" no mundo conseguem estes esdrúxulos resulta-
Se existisse verdadeiramente respeito aos direitos dos trabalhadores em dos econômicos: Cingapura e Hong-Kong. E tanto uma quanto a outra
geral nos Estados Unidos, há muito tempo o capital já teria desabado não têm território, população, nem produção propriamente dita. Por isso,

84 85
representam a utopia realizada do livre comércio, cultuada e imposta pelo Os números acima estão listados de acordo com áreas e grupos de
sistema imperialista às economias dominadas do mercado mundial, onde economias que dão a verdadeira dinâmica da globalização capitalista. A
o que não falta é terra, população trabalhadora e produção de capital. soma do Grupo dos Sete Ricos (G7) e do Grupo dos Sete Pobres (g7)
representa a metade do território mundial, mais de 60% da população e
Um americano por três ou quatro chineses - Os capitalistas ima- quase 80% da produção. O mais importante é que, tanto as economias
ginam o mundo como uma imensa Cingapura. E o que se pode verificar do G7 quanto aquelas selecionadas por nós para compor o g7 dos po-
é que, na busca daquela imagem perfeita de livre comércio, construída bres, determinam também a dinâmica de acumulação e crise das demais
pela sabedoria do G7, estão se processando rápidas mudanças economias que se espalham pelas suas respectivas áreas geo econômi-
populacionais e produtivas nas chamadas "economias emergentes", onde cas. Quanto ao g7, em particular, temos a China dando o ritmo para a
se concentra a reprodução de 85% da população mundial. Comecemos Ásia Oriental e Pacífico; a Índia e Indonésia para a Ásia Meridional; a
a verificação dessa realidade pelos locais onde se distribuem o território Rússia, para a Europa do Leste e Ásia Central; a África do Sul, para a
e a população global. África Subsaariana; finalmente, Brasil e México para a América Latina e
Caribe.
Tabela 5 -Economia Mundial: Área, população e produto O que salta à primeira vista é uma clara desproporção entre os dois
nacional bruto (PNB) - grupos de economias selecionadas (1993) grupos. O G7 ocupa apenas 16% do território, 12% da população e, no
entanto, concentra quase 70% da produção mundial. O g7 é o outro lado
crritório tf(' do População % PNIl 9í til!
Mundo! grupo de países (mil Total (milhões) do US$ hi Tolal da moeda: 32% do território, metade da população e menos de 10% da
Totul
Km2)
produção global. É na combinação desta desigualdade que se desenvolve
Mundo 1:l.1.~<)O 11M)
IIXI )501 LU 11 100
também uma característica ampliação da força de trabalho mundial.
Grupo dos 7 Ricos (G7)* 21.(>lX 11> M)~ 11 15.91-1 69
Substituir o trabalho de um americano pelo de três ou quatro chi-
neses, de três indonésios, de três sul-africanos, ou de três brasileiros,
esta sempre foi a utopia sonhada pelos capitalistas. Para tanto, basta-
43 )20 :\2 27.1(, -1'1 ~.1J15 ~ ria uma crescente adaptação do mercado mundial às determinações
Grupo dos 7 Pobres (g7)*
mais precisas do livre-mercado. Demorou pouco mais de cem anos,
desde a "época de Marx", para que a aplicação daquelas leis mais
Resto do Mundo (lX,)52 52 2_1113 ::w 5.0XJ " profundas da acumulação realizasse aquela utopia. Uma utopia que
agora se apresenta travestida da popular globalização e mundialização
* Grupo dos 7 Ricos (G7) =Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, ltália.Ingla- dos mercados nacionais.
terra e Canadá. Neste nosso estudo sobre as transformações recentes da economia
*Grupo dos 7 Pobres (g7) = China, Índia. Rússia, Brasil, Indonésia, México e mundial. na primeira parte deste livro, faltou verificar a evolução global
África do Sul do emprego nos últimos trinta anos. Esta verificação, que começamos
pela economia de ponta do sistema, a americana, é muito importante
Fonte: Banco Mundial- "Relatório sobre Desenvolvimento Mundial 1995" , Wa- para esclarecer a inépcia de uma visão muito difundida ultimamente,
shington, 1995. segundo a qual estaria acontecendo um estreitamento absoluto da clas-
se trabalhadora mundial, com a tendência ao seu próprio desapareci-

86 87
mento. Em termos mais propriamente econômicos, o que se afirma - e mente entre as diversa" regiões do mundo: 38% nas economias desenvol-
apenas se afirma, o que para seus autores já vale como comprovação- vidas ( OCDE); 127% na América Latina e Caribe: 110% na África'
/ "
é que, ao contrário dos" trinta anos gloriosos" encerrados no início dos 115% na Asia Oriental e Pacífico; 93% na Ásia Meridional' 32% na Eu-
anos 70, o capital não é mais capaz de expandir o emprego e, mais ropa e Ásia Central 176% no Oriente Médio e África do ~orte. Pelas
taxativamente, pode até continuar existindo e acumulando independen- projeções do Banco Mundial, até 2025 haverá praticamente uma estag-
temente do trabalho produtivo de valor e mais valia. Verifiquemos a nação do crescimento da força de trabalho nos países ricos (OCDE) e
realidade dessa afirmação. exatamente 99% do crescimento ocorrerá nas chamadas economias de
Em termos gerais, embora não existam disponíveis dados tão detalha- renda baixa e média!
dos quanto aqueles da economia americana, pode-se recorrer a alguns
relatórios oficiais (Banco Mundial, ONU, OIT, etc ), que fornecem dados o trabalho globalizado- O editorial do Jornal do Brasil, de 14 de
mais agregados sobre a evolução e estrutura da população trabalhadora outubro de 1997, é um verdadeiro calhamaço de otimismo com a visita
mundial. De qualquer modo, pode-se verificar por estes dados agrega- do presidente dos Estados Unidos ao Brasil: "A globalização da econo-
dos, a nível mundial, tendências de ampliação do mercado de trabalho mia é fato irreversível e tanto Bill Clinton quanto Fernando Henrique cer-
que se relacionam àquelas já verificadas nos Estados Unidos. tamente estarão aliados para tirar dela o melhor proveito e evitar proble-
Em primeiro lugar, uma importante constatação: "A força de trabalho mas que possa trazer nesse processo de aprendizagem.( ...) As cartas es-
mundial cresceu desmesuradamente nas últimas décadas. Em 1995 esti- tão na mesa. Os EUA sabem que o Brasil é o mercado que mais cresce
mava-se em 2,5 bilhões o número de homens e mulheres em idade de para suas exportações e o que oferece as oportunidades mais lucrativas
trabalho integrados neste contingente, ou quase duas vezes mais do que para os investimentos americanos. Nessa perspectiva otimista, o Brasil dá
em 1965. As estimativas projetam um aumento global adicional de 1,2 as boas vindas ao presidente Bill Clinton"
bilhão de pessoas até 2025". (Banco Mundial "Relatório sobre Desen- O que este otimismo das classes dominantes brasileiras esconde é
volvimento Mundial 1995" Washington, 1995). Vamos aos números: uma coisa tão irreversível quanto a sua festejada globalização: o
aprofundamento da velha ordem imperialista, agora com instrumentos
Tabela 6 - Força de Trabalho Mundial, por região e grupo de renda mais aperfeiçoados de exploração da classe trabalhadora mundial. Ve-
jamos alguns elementos desse movimento. Para que não paire nenhuma
Grupo de Renda ou Milhões de Trabalhadores Percentagem do Total suspeita sobre a fundamentação dos nossos comentários, nos apoiamos
Região (faixa etária de 15 aos 64 anos)
19\)) lO:!5 ]t;fí5 1l)()5 2025 sobre um recente relatório de uma das mais importantes instituições da
Mundo I j29 2.476 :'.()~6 IIXI IIHJ IIXI
ordem imperialista mundial, intitulado "O Trabalhador e o Processo de
17.1 \x. 20 15 10
Alta Renda. OCDE 26<)
no
lruegração Mundial" - Banco Mundial, Washington, setembro 1995,
América Latina e Caribe 71, 166

Africa Subsaariana ]02 214 517 15 273 pág. Aliás, nossos comentários terão apenas o caráter de anota-
Asia Oriental e Pacífico 44x l)()4 l.lO] 34 :'9 11

Asia Meridional 22X 440 77!) 17 IX 21 Ções marginais a esse relatório.


Euroua c Asin Central I XO
231.) 2XI 14 10
Oriente Médio L' Africa do lI) XO 20-.!. Em primeiro lugar, o capital cria aceleradamente a base necessária
Norte para sua valorização planetária: "A força de trabalho mundial cresceu
Fonte: Banco Mundial, idem. desmesuradamente nas últimas décadas. Em 1995, estimava-se em 2,5
bilhões o número de homens e mulheres em idade de trabalho integrados
Desde 1965, o crescimento da oferta de trabalho se diferenciou clara- nesse contingente, ou quase duas vezes mais do que em 1965. As estima-

88 89
tivas projetam um aumento global adicional de 1,2 bilhão de pessoas até renda do país importador desses capitais. A maior liberdade de movimenta-
2.025. Ademais, do ponto de vista geográfico, essa expansão tem sido ção do capital globalizado explica essa novidade, que aumenta como nunca
desigual. Desde 1965, o crescimento da oferta de trabalho variou consi- a dominação imperialista sobre a base da velha divisão do trabalho: "
deravelmente entre as regiões: de 40% nas economias de alta renda para Atualmente, os fluxos IED reagem rapidamente à novas oportunidades de
93% na Ásia meridional e 176% no Oriente Médio e na África do Norte. lucro, transferindo a produção para lugares onde os salários são baixos
Além disso, 99% do projetado crescimento da força de trabalho, de hoje em relação à produtividade potencial. É importante para os países atrair
até o ano 2005, ocorrerão nas atuais economia" de renda baixa e média." capital com base em sólidos fundamentos econômicos e não através da
Mas a globalização não quer dizer que a velha divisão internacional proteção dos mercados internos, que as multinacionais ficam mais do que
do trabalho possa desaparecer. Ao contrário. O crescimento econômi- satisfeitas em explorar (sic). Antigamente, os IED fluíam principalmente
co se concentrou com uma rapidez espantosa nas economias dominan- para os países com amplos e ricos mercados internos, como os Estados
tes (que eles chamam de "economias de alta renda"), aumentando muito Unidos e o Reino Unido, tal como se evidencia pela forte correlação entre
mais a distância com as economias dominadas (que eles chamam de os estoques de IED e a renda per capita. A tendências dos fluxos mais
"economias de baixa e média renda"}: "O coeficiente da renda per recentes tem sido a busca de plataformas de exportação mais baratas,
capita dos países mais ricos para a dos mais pobres aumentou de 11 em tendo praticamente desaparecido a relação entre o tamanho dos fluxos de
1870 para 38 em 1960 e para 52 em 1985. Essa relação divergente IED (como porcentagem do investimento) e a renda per capita. Atual-
entre o desempenho do crescimento e o nível inicial de renda per capita mente, os fluxos de comércio transfronteiriço dentro da mesma empresa
não se aplica apenas aos casos extremos, mas é empiricamente válida geram aproximadamente um terço do comércio mundial, e é possível que
em média para uma mostra de 117 países. A análise do crescimento de cheguem a 15% do PNB mundial"
renda per capita confirma a importância dos níveis iniciais: os que co- Liberdade total para o capital e aumento vertiginoso da população de
meçaram mais ricos cresceram mais depressa." baixos salários. É com isso que "as multinacionais ficam mais do que
Quem era rico ficou muito mais rico, quem era pobre ficou muito satisfeitas em explorar", como ensina o Banco Mundial. Para concluir
mais pobre. Esse maior distanciamento econômico não estaria ocorren- essa nossa participação nos festejos da visita de Clinton a três "economi-
do se fosse verdade o mito liberal de que" a poupança externa é muito as emergentes" da América do Sul - Venezuela, Brasil e Argentina-
importante para a complementação dos investimentos internos e a dimi- deixamos a palavra final com o Banco Mundial: "Com a expansão das
nuição da pobreza". Porém, voltando ao relatório do Banco Mundial, manufatura" intensiva" de mão de obra, o comércio internacional atingiu a
"no total, a transferência de recursos dos países ricos para os pobres maioridade( ..) É no comércio internacional que a maioria dos países sen-
desempenhou papel apenas moderado na complementação da poupan- tem primeiro o impacto da integração econômica. Os volumes de bens e
ça interna nos países em desenvolvimento: cerca de 1I % da formação serviços comercializados através das fronteiras cresceram tremendamen-
de capital nos países em desenvolvimento no período 1970-90 poderi- te nos últimos anos, gerando cerca de 45% do PIE em 1990, em compa-
am ser atribuídos ao efeito cumulativo da mobilidade do capital (um ração com 25% em 1970. Os controles de capital foram relaxados e, de
montante equi valente a apenas cerca de 2% do estoque de capital com- qualquer modo, são fáceis de infringir. Hoje o capital se transfere mais
binado dos países industrializados)." facilmente para os países bem sucedidos, saindo daqueles onde os retor-
O investimento estrangeiro direto (IED) tem aumentado seus fluxos para nos dos investimentos são suplantados pelos riscos( ... ) As empresas
as economias dominadas, mas não para modernizar o capital destasecono- multinacionais tem sido um veículo da grande importância para a global i-
mias. Atualmente, o IED não guarda mais nenhuma relação com o nível de zação da manufatura, ao equipar uma mão de obra relativamente barata

90
91
nos países em desenvolvimento com capital e técnicas modernas, tanto de Tabela 7 - Participação (%) da Agricultura, Indústria e
administração de armazenagem e telecomunicações quanto de produção. Serviços no Produto Bruto Mundial - blocos de países
Recentemente, a maior parte da expansão das companhias multinacionais selecionados (1970 e 1993)
tem ocorrido em países em desenvolvimento: 5 dos 8 milhões dos empre- Países Agricultura Indústria Serviços
gos criados por multinacionais entre 1985 e 1992 foram localizados no 1970 1993 1970 1993 1970 1993
G7 4,5 2,2 42,0 34,6 53,2 63,4
mundo em desenvolvimento. Hoje o número de trabalhadores emprega- ,,7 26,0 14,6 31,0 38,4 42,8 46,6
dos por multinacionais nos países em desenvolvimento chega a 12 mi- Total Médio 15,3 8,4 36,5 36,5 48,0 55,0
lhões, mas o verdadeiro número daqueles que devem seu sustento (sic) às
multinacionais talvez seja o dobro, devido a prevalência dos subcontratos Fonte: Banco Mundial
( ...) Entre 1970 e 1992, a percentagem da mão-de-obra mundial corres-
pondente aos países de renda baixa e média subiu de 79% para 83%, Nos países dominantes (G7) há um claro deslocamento relativo do
mais a sua parcela de mão-de-obra especializada (trabalhadores com pelo capital, no sentido da agricultura e indústria para o setor de serviços.
menos instrução secundária) saltou de um terço para quase a metade do Esta é uma forma de se amortecer o ritmo da taxa de acumulação e,
total global. Sua participação no estoque de capital total também subiu com isto, o peso das crises periódicas. Quer dizer, a superprodução do
mais continua pequena, tendo aumentado de 9% para 13% do total mun- capital é refreada com a diminuição relativa daquela parte da mais-valia
dial( ...) Todavia, não se pode garantir que os padrões de vida dos traba- que poderia ampliar os investimentos industriais, os únicos capazes de
lhadores mais pobres vão melhorar. Nem todos compartilharam do au- criar novas massas de capital. O crescimento da participação do setor
mento da prosperidade das últimas décadas - de fato, foi pequeno o de serviços quer dizer que partes maiores da mais-valia estorquida dos
aumento da renda per capita de muitos países e até regiões inteiras. A trabalhadores são esterilizadas fora da produção. Quer dizer também
desigualdade, tanto entre regiões como dentro dos países, continua sendo que partes crescentes do trabalho social são consumidas improdutiva-
uma característica marcante da economia global." mente, quer através do consumo individual (bens de luxo, etc), quer na
mera sustentação do valor das propriedades em geral. O resultado é
Como se emprega a população mundial- Nos últimos trinta anos uma concentração cada vez maior da superpopulação em atividades
houve grandes deslocamentos do emprego tanto no G7 (grupo das sete comerciais, financeiras, burocráticas, ideológicas, etc. Em resumo, a
grandes economias- Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Itália, superpopulação relativa gerada pelo próprio desenvol vimento da pro-
Inglaterra e Canadá), quanto no g7 (grupo das sete maires "economias dutividade da força de trabalho industrial se concentra na esfera da cir-
emergentes"- China, Índia, Rússia, Brasil, México, lndonésia e África do culação e distribuição do sistema, onde não se cria nenhum átomo de
Sul). Estes deslocamentos da população trabalhadora podem ser verifi- valor, mais-valia e capital.
cados pela evolução da participação relativa dos diferentes setores eco- Este é um movimento que caracteriza a natureza mais íntima do pro-
nômicos- agricultura, indústria e serviços - na produção global das dife- cesso de valorização e acumulação do capital. A diminuição relativa da
rentes áreas da economia mundial. Esta também é a melhor maneira de se classe operária é verificadacom facilidade no desenvolvimento histórico
verificar como vem sendo atualizado o desenvolvimento desigual e com- do regime capitalista. Sempre foi assim. Já verificamos anteriormente este
binado no mercado mundial, com a adaptação do emprego da população fenômeno na economia de ponta do sistema, os Estados Unidos, princi-
mundial às necessidades de valorização do capital global e de compensa- palmente no período 1945-1970, também chamado de "30 anos glorio-
ção à tendência de superprodução e crises periódicas. sos" pelos economistas oficiais.

92 93
o problema é que a intensificação deste movimento de diminuição relativa Por outro lado, no bloco do g7 como um todo, a diminuição relativa do
do trabalho produtivo não tem aquele único papel de amortecer e prorrogar o setor agrícola foi acentuada no período anal isado, porem não com a mesma
máximo possível aeclosão das explosões periódicas de superprodução e crise rapidez encontrada no G7. O mais importante, entretanto, é que enquanto a
no sistema. Contraditoriamente, este movimento está também na base do pro- participação relativa da indústria desabava no G7 (de 42% em 1970 para
cesso de desvalorização do capital, em que uma quantidade menor de operá- 34,6% em 1993), ela aumentava no g7 (de 31 % para 38,4%). Isto quer
rios têm que conservar e incrementar, com uma determinada taxa de explora- dizer que, enquanto no G7 a expansão do emprego se deslocava para o
ção, a massa desproporcional mente maior de valor na forma de capital e de setor de serviços (de 53,2% para 63,4%), no g7 o setor de serviços cres-
propriedades em geral. O que existe de novo neste movimento de emprego ceu em uma velocidade relativa muito menor (de42,8% para 46,6% ).
capitalista., nos últimos trinta anos, é que esta contradição inerente ao processo Verifica-se na média do total mundial que ocorreu desigualdade e combina-
de valorização/desvalorização do capital tem se apresentado com maior clare- ção entre as economias dominantes e dominadas. A agricultura diminuiu sua
za, na medida em que as pressões da superprodução de capital são também participação relativa na produção total (de 15,3% para 8,4%), a indústria man-
cada vez mais pesadas devido a uma expansão mais Iivre da produção mundial. teve exatamente a mesma participação (36,5%) e os serviços se elevaram de
Mas a impossibilidade de se conviver etemamente com uma massa crescen- 48,0% para 55,0%. Em resumo, o livre mercado e a globalização do capital foi
te de superpopulação improdutiva está na base do desmoronamento do Estado um poderoso instrumento de expansão da base produtiva nos países do g7, o
malthusiano, regulacionista, planejador dos movimentos do mercado e do ritmo que de alguma maneira compensou a sua diminuição relativa no G7.
de acumulação do capi tal. A reemergência do Iiberal ismo econômico reflete
apenas o aumento do apetite do capital por mais valor e, consequentemente, da Urbanização acelerada - No começo de 1996, o sistema financeiro
também, necessária extensão dos mercados. Se as pressões do livre-mercado internacional tinha vários e bons motivos para estar apaixonado pelaecono-
realizam o desmantelamento do "Estado do bem-estar social" nas economias mia brasileira .Uma da" maiores corretoras de valores do mercado mundial ,
dominantes, colocando os recursos fiscais à disposição do tráfico das altas fi- a americana Merrill Lynch, em relatório publicado no mês de abril daquele
nanças (material izado principalmente em um descomunal crescimento da dívida ano, recomendava a seus clientes que aproveitem os gordos lucros que os
pública) e destruindo as tradicionais condições de reprodução social do perío- esperam nesta generosa economia. No topo dos bons motivos que justifi-
do do pós-guerra, aquelas pressões aparecem nas economias dominadas na cam esta recomendação, a corretora salienta que apesar do "grande e pos-
forma mais concreta da globalização e da decidida aplicação de investimentos sivel mente crescente desemprego, por causa da reestruturação das empre-
destinados à reprodução ampliada de valor, mais-valiaecapital. sas, a força do trabalho tende a se deslocar para o setor informal ou
Pode-se verificar nos números acima que a evolução do emprego ca- terceirizado da economia e isso ajuda a manter o atual nível de salários".
minhou diferentemente no interior das economias dominantes e das eco- (Folha de S.Paulo, 08/04/96) Quando se trata de se enriquecer, os capita-
nomias dominadas. O Japão foi o único país do G7 que apresentou uma listas baseiam suas análises naqueles coisas simples que realmente são a
redução relativa da produção agrícola e industrial muito abaixo da média fonte da acumulação do capital. A chave para a Merrill Lynch, corretamen-
dos seus parceiros dominantes. Mas as condições internacionais que lhe te, é a massa de força de trabal ho e as condições em que ela é explorada.
permitiram este "luxo" já desapareceram. Esta é a razão dos sobressaltos A quantidade antes de tudo. A massa de valor produzida pelo trabalho
que têm marcado a coesão social e cultural daquele país asiático nos últi- humano determina a valorização do capital e o nível de salário o grau de expie
mos quatro ou cinco anos. O desmantelamento do seu rígido regime ração em que se desenrola aquela valorização. Para o capital, uma hora de
corporativista, louvado até pouco tempo como o modelo perfeito de trabalho no Brasil vale tanto quanto uma hora de trabalho nos Estados Unidos.
regulação econômica e social,já apresenta uma adiantada deterioração. Ma" é necessário um permanente aprofundamento da globalização do capital

94 95
para que se realize plenamente aquela igualdade. Quer dizer, é preciso que se o nível dos salários nog7 (Grupo dos Sete Pobres) não passa de 1/5
elimine protecionismos nacionais e, com a maior liberdade possível, se aplique daquele do G7 (Grupo dos Sete Ricos). Por isso, não se deve estranhar
aquela lei capitalista segundo a qual tempos iguais de trabalho dispendidos na que enquanto a massa de trabalhadores do G7 cresceu 23% entre 1970 e
produção de mercadorias correspondem a quantidades iguais de valor. 1993, no mesmo período cresceu ~5% no g7. Em termos absolutos, hou-
Parece complicado, mas não é. O importante é que se veja as coisas ve um aumento de 60 milhões de trabalhadores no G7 e 605 milhões no
como elas são, como fazem os capitalistas da Merrill Lynch quando estão g7. Isto quer dizer que para cada "força superior e mais cara" do G7
garimpando lucros no Brasil, e não como seus ideólogos economistas, foram criadas dez "forças inferiores e mais baratas" no g7. Na "época de
que propagam com toda desenvoltura que a "fase da globalização" Marx" se substituía um americano por três chineses. Um século depois de
corresponde ao fim do trabalho ou, nas manifestações mais sofisticadas, globalização (e de tendência à baixa da taxa de lucro) se substitui um
que o capital não precisa mais do trabalho para se valorizar, e outras americano por dez chineses.
idiotices da moda. No entanto, o que se pode verificar é que a chamada O grau de urbanização das diferentes áreas geo-econômicas indica a
global izaç ão está agindo justamente para aumentar o número de trabalha- rapidez com que se realiza a globalização do mercado de trabalho capita-
dores empregados, através da substituição de uma força de trabalho su- lista. Nos números acima, verifica-se entre 1970 e 1993 pequenas altera-
perior e mais cara por di versas forças inferiores e mais baratas. ções no grau de urbanização no G7, onde há muito tempo já havia se
realizado aquele movimento de desenraizamento das populações espa-
Tabela 8 - Evolução da Força de Trabalho Mundial e da lhadas pelo campo e a sua concentração nas grandes cidades, No g7, por
População Urbana (blocos de países selecionados- 1970 -1993) seu lado, observa-se no mesmo período uma clara transformação da pai-
sagem populacional. Brasil, Rússia e México alcançaram praticamente o
I·Grupo de Países Força de Trabalho
Imilhões) mesmo grau de urbanização existente no G7. No caso do Brasil e Méxi-
co, o seus elevados níveis de urbanização foram acompanhados também
Crescimento anual(o/c)
1970 1993 1970·93 I I lHO 1993 pelas maiores taxas de crescimento anual da força de trabalho dentro do
,I
l-Grupo dos
Sete Ricos (G-7) I g7 : 2,7% no Brasil e 3,6% no México. A velocidade de urbanização da
1.6
Estados Unidos 87 125 74 76 China e Indonésia, entretanto, é maior do que a dos restantes dos países
Japão 5:\ 63 O,~ 71 77
Alemanha 43 42 1-)0,1 KO ~6 do g7, o que indica que na" próximas duas décadas estarão tão urbanizadas
França 12 26 O,H 71 7.'
Itjlia 21 2.1 11,4 ó4 67 quanto Brasil, México e Rússia, Na África do Sul, a metade da popula-
lnglarerrc 26 28 0,4 89 K'J
Canad.i 09 14 2,0 76 77 ção já se concentra nas cidades, enquanto a Índia é a mais resistente, seja
Tolal G-7 261 321 0,9
em termos de velocidade do crescimento da força de trabalho, seja do
2-Grupo dos Sete
Pobres (g-7) I
I
I
I grau de urbanização, Entretanto, a India compensa a sua lentidão relativa
China )35 ! 1'2:' 2.6 17 29 de expansão da massa de força de trabalho e do grau de urbanização pela
225 ,\41 I.X 20 2ú
índia
gigantesca expansão da massa absoluta: de 1970 a 1973,jogou na forna-
Rússia 55
,\I.X
I
I
76
.')lJ
I 1.04
2,7
63
56
75
71
Brasil I 17 .l.1 lha do mercado capital ista 116 mi Ihões de candidatos a cidadãos, mais do
lndonésiu 45,9 76 I 2,2
14,6 )) ),c, 59 74
México
Africa do Sul
X,I I 1.1
I
2, I 4X 50 que toda a massa ampl iada no período por Brasil, Rússia, México, lndonésia
Tolal ~-7 716
I 1121 2,7
e África do Sul em conjunto.
i I

Fonte: Banco Mundial, idem tabela anterior. "Limpeza" no campo- "Somos trabalhadores". Este foi o último

96 97
grito dos trabalhadores sem-terra, na metade da manhã de 17 de 2.3% e na África do Sul praticamente dobrou ( 2,7% ao ano).
abril de 1996, frente a frente com a policia militar, na encruzilhada de Estes números mostram, portanto, que as duas maiores economias da
duas rodovias que passam pelos latifúndios da região de Eldorado América Latina e Caribe se anteciparam, na década de 70, o que somen-
dos Carajás, sul do estado do Pará, norte do Brasil. te nos anos 80 foi acelerado também nas restantes áreas geo-econômicas
Não deu tempo para mais nada. Aquele último grito não foi suficiente do g7. Em resumo, somente nos anos 80 e 90, começa a ocorrer em
para convencer os militares de que os trabalhadores devem ser respeita- todos os países do g7 uma expropriação camponesa tão pesada quanto
dos. A resposta foi dada com as metralhadoras, encamação política mais aquela que já tinha se iniciado nos anos 70 na América Latína e Caribe.
acabada de um Estado capitalista dominado pelo parasitismo da globali- Pode-se verificar o impacto deste processo mais acelerado no Mé-
zação e governado por uma burguesia improdutiva. Na base do aconteci- xico e no Brasil analisando-se, na mesma tabela, os dados referentes à
do existe um desenvolvimento material e histórico. Foi no Brasil que se População Urbana. Atualmente, tanto o México quanto o Brasil,junto
deu um dos mais sangrentos processos de expropriação camponesa nos com a Rússia, são os países mais urbanizados dentro do g7. Enquanto
últimos trinta anos. O objetivo foi a criação de uma população e de uma China, Índia e lndonésia têm uma população urbana próxima dos 30%
superpopulação de trabalhadores assalariados, para serem jogados no da população total, México, Brasil e Rússia já têm mais de 70% das
turbilhão de um mercado mais e mais globalizado. respectivas populações amontoadas nas cidades. Não é por acaso que
As características daquele processo são as mesmas do que tem se a Cidade do México e São Paulo já são computadas como as duas
desenrolado nas demais "economias emergentes", dominadas no merca- cidades mais populosas do mundo. Estes países já apresentam níveis de
do mundial. Mas, entre os países que compõem o que estamos chaman- urbanização da força de trabalho semelhantes aos das economias domi-
do deg7 (China, Índia, Rússia, Brasil, Indonésia, México e África do nantes no sistema (o chamado G7).
Sul), houve diferentes ritmos de expropriação camponesa e formação da Nota-se também que a velocidade de urbanização da China e
população trabalhadora assalariada. Isto pode ser verificado pelos dados Indonésia é atualmente maior do que a dos restantes dos países do g7,
da tabela acima. o que indica que nas próximas duas décadas estarão tão urbanizadas
México e Brasil, nesta ordem, foram os dois países que tiveram, no quanto Brasil, México e Rússia. Na África do Sul, a metade da popula-
período 1970/93, a expansão mais acelerada da força de trabalho: 3,6% ção já se concentra nas cidades, enquanto a Índia é a mais resistente,
ao ano no México e 2,7% no Brasil. A violência deste processo de seja em termos de velocidade do crescimento da força de trabalho, seja
desenraizamento da população fica mais evidente se verificarmos como do grau de urbanização. Entretanto, a Índia compensa a sua lentidão
isso aconteceu no decorrer do período analisado, conforme dados for- relativa de expansão da massa de força de trabalho e do grau de urba-
necidos no mesmo relatório do Banco Mundial que estamos utilizando nização pela gigantesca expansão da massa absoluta: de 1970 a 1993,
neste capítulo. jogou na fornalha do mercado capitalista 116 milhões de candidatos a
Nos anos 70 (1970-80), a taxa de expansão da força de trabalho foi cidadãos, mais do que toda a massa ampliada no período por Brasil,
de 4,3% no México e de 3,4% no Brasil. Nos demais países do g7, essas Rússia, México, lndonésia e África do Sul em conjunto.
taxas foram bastantes inferiores: China (2,4%), lndonésia (2, 1%), Índia O grau de empobrecimento dos trabalhadores na América Latina fica
(1,7%) e África do Sul (1,3%). Nos anos 80 e 90, a taxa mexicana bai- mais evidente quando se verifica, no período 1979-93, que a evolução da
xou com relação a da década anterior, mas ainda se manteve em níveis taxa média anual da produção de alimentos per capita no Brasil (1,2%) e
muito elevados (3, I % ao ano). No Brasil caiu para 2,2%, na China man- no México (-0.9%) ficou muito abaixo do ritmo de urbanização da classe
teve-se estável (2,0%), na Índia aumentou para 1,9%, na lndonésia para trabalhadora. Enquanto se moldava no México e no Brasil uma ampliação

98
99
da massa trabalhadora, à disposição do capital industrial e urbano, as
respectivas burguesia" foram incapazes de compensar a "limpeza" do cam- CAPÍTULO VI
po com um aumento correspondente da produção e da produtividade na
agricultura de alimentos. Esta é uma situação imposta às economias domi-
Brasil: uma economia tão grande
nadas, que não pode ser eliminada (ou reformada) no quadro do livre
comércio e seu corolário, o aprofundamento das condições de valoriza- quanto seu subdesenvolvimento
ção e acumulação do capital globalizado. São estas condições, próprias
ao desenvolvimento desigual e combinado do mercado mundial, que de-
terminam um permanente rebaixamento dos salários reais nestas econo-
mias dominadas. Mas, para que se garanta estas características de valori- Os jornais do dia 22 de julho de 1999 mostram as fotos de dois co-
zação do capital global, é necessária uma gigantesca população trabalha- nhecidos estadistas latino americanos. Cardoso, presidente brasileiro, em
dora suando sangue nas linhas automatizadas de produção e uma visita ao Peru, troca gentilezas e sorrisos com seu colega Fujimori, presi-
superpopulação estagnada nos morros, favelas e cortiços das cidades, ou dente do país anfitrião. Entre os dois existem mais do que simples afinida-
na beira das rodovias que margeiam os latifúndios improdutivos. des ideológicas. Peru e Brasil estão classificados entre os países mais
Foi na confluência de duas destas rodovias que centenas de proletári- miseráveis da América Latina. É o que mostra o relatório de 1999 do
os, proletárias e suas proles reivindicavam na manhã de 17 de abril passa- Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (ONU), publica-
do o direito ao acesso à terra (emprego), à produção (de alimentos) eà do no começo do mês. Ele mede a qualidade de vida das pessoas em 174
vida (condições dignas de existência). Foi quando se defrontaram com a países do mundo, de acordo com as condições de saúde (esperança de
forma política mais concreta da lei e da ordem de um sistema genetica- vida ao nascer), de educação (alfabetização e taxa de matrícula), e de
mente podre nas suas raízes. renda (PIE per capita) de cada um desses países. Os países de Cardoso
e Fujimori estão embolados láem baixo da classificação geral: Brasil em
79° lugar, e Peru em 80°.
No relatório do ano passado, o Brasil aparecia em 62° lugar da classi-
ficação geral. Neste último, desabou para o 79°. Verifica-se no relatório
mais recente que as populações brasileiras e peruanas vivem em condi-
ções piores do que as de países como Malásia, Líbia, Rússia, Tailândia,
Samoa Ocidental, Macedônia, Cazaquistão, Filipinas, etc.
E, suprema vergonha para aqueles orgulhosos brasileiros que sempre
quiseram negar a sua condição de latino-americanos, imaginando-se ha-
bitantes de um país de "primeiro mundo". Na classificação da ONU, o
Brasil está muito atrás do Chile (34°), Argentina (39°), Uruguai (40°),
Costa Rica (45°), Trinidad e Tobago (46°), Venezuela (48°), Panamá (49°),
México (50°), Granada (52°), Colômbia (57°), Cuba (58°), Suriname (64°)
e Equador ( 72°).
Pior ainda, o Brasil foi rebaixado neste ano para a segunda divisão

100 101
deste sinistro campeonato, onde a disputa é para se decidir quem é mais Entre 1980 e 1994, na média, os 20% que ganham mais na população
e quem é menos miserável na ordem capital ista mundial. Dos latino-ame- brasileira tiveram uma renda anual de US$18,5 mil, enquanto os 20% que
ricanos só Chile, Argentina e Uruguai participam da sua primeira divisão. ganham menos receberam apenas US$578 por ano. Ou seja, "os de cima"
O que vale neste campeonato não são as condições absolutas de existên- ganharam 32 vezes mais que "os de baixo". No governo Cardoso, acon-
cia das respectivas populações nacionais. Em todos os países, começan- centração da renda continuou crescendo no Brasil. Entre 1992 e 1997,
do pelos líderes da classificação geral (Canadá, Noruega e Estados Uni- os 10% mais ricos da população brasileira aumentaram de 46,28 para
dos) e terminando com os lanternas (Etiópia, Nigéria e Serra Leoa), as 48,21 % sua participação da renda nacional. E os 40% mais pobres caí-
condições reais de existência são muito ruins. Mas uns são mais miserá- ram de 7,80 para 7, 10%, no mesmo período, e assim por diante.
veis do que os outros. Então, o que essa classificação da ONU mostra é Já seria então um grande feito político (ou pelo menos propagandís-
que a população de Serra Leoa, a lanterninha, se reproduz em condições tico) de Cardoso se fosse eliminada essa diferença entre a pobreza do
relativas muito mais miseráveis do que a população canadense, a menos Brasil e a do Perú. Talvez ele tenha aproveitado a sua viagem desta
miserável de todas as demais concorrentes. O que vale, então, é a com- semana para receber do seu querido colega Fujimori a receita para al-
paração relativa do nível de vida entre os países, quer dizer, quem é mais cançar aquela almejada distribuição de renda do país vizinho. Alcan-
(ou menos) miserável que o outro. çando essa ambiciosa meta até o final do seu atual mandato, ele poderia
Como a miséria global sempre é tratada relativamente, ela deixa de fazer a propaganda de que houve "grandes melhoras" no combate à
ser definida na sua forma absoluta, concreta e real, mas apenas como pobreza no Brasil. .
uma comparação temporal de diferentes níveis de miséria, em diferentes
situações territoriais ou nacionais. Nesse jogo permanente de compara- Que bela economia -Em todo relatório internacional, com qualquer
ções e de mudanças no ranking mundial das diferentes nações e regiões, metodologia de avaliação, sempre aparece uma inevitável constatação: a
a miséria real sai de cena para ser substituída por imagens virtuais, por miséria da população brasileira é uma das maiores do mundo. Fome,
jogos burocráticos de desigualdades relativas. Enquanto os conceitos mortalidade infantil, doenças em geral, baixa escolaridade, massacres de
congelados de pobreza, de miséria, de concentração de renda, de qua- crianças, desamparo dos idosos, condições catastróficas de moradia, de
lidade de vida, etc, se movimentam para cima e para baixo, ao sabor fornecimento de água, de saneamento básico. Em todos os quesitos me-
das metodologias de pesquisa, das publicações dos relatórios e das pro- didos neste macabro carnaval globalizado, o Brasil sempre está entre os
pagandas oficiais, de um lado, de outro se amontoam os corpos de piores do mundo. E a cada ano cai ainda mais na classificação geral e
bilhões de miseráveis exauridos ou mortos pela massacrante ordem ca- também perante os vizinhos latinoamericanos.
pitalista globalizada. Desde sempre a propaganda oficial tentou relati vizar essa incômoda
Neste sentido, no Peru essas desigualdades não são tão grandes como realidade. "A economia vai bem, mas o povo vai mal", já dizia o general
no Brasil. Pelo menos no quesito "concentração de renda", o país de Médici, o mais popular (e o mais sanguinário) dos presidentes da antiga
Fujimori não está tão ruim quanto o de Cardoso. O relatório da ONU ditadura militar, no auge do "milagre econômico" brasileiro dos anos 70.
indica que, enquanto os 20% mais ricos do Perú concentram 51 ,3% da "A economia brasileira é desenvolvida, o problema é que ela ainda é mui-
renda nacional, os 20% mais ricos do Brasil concentram bem mais: 63,4%. to injusta", diz agora o sociólogo Henrique Cardoso, atual presidente da
E enquanto os 20% mais pobres do Peru recebem 4,4%, os 20% mais República.
pobres do Brasil recebem bem menos: 2,5% da renda nacional. Em resu- "A ferida profunda é a alta concentração de renda, conferindo ao Bra-
mo, o Peru é menos injusto que o Brasil. sil um triste troféu. Mais ainda, quando se tomam os dados de crescimen-

102 103
to econômico do país, contados não por décadas, mas pelo último sécu- ração com os vizinhos mais próximos? Há sempre uma tendência de cul-
lo, verificamos que o problema brasileiro não reside na falta de desenvol- par elites gananciosas, de visão estreita e destituídas de espírito público,
vimento, mas na má distribuição dos seus frutos", conta-nos o historiador por nossa situação de maior injustiça social. As elites merecem todos
Boris Fausto, um graduado representante da estupidez pós moderna que esses qualificativos e até mais alguns, mas a explicação de seu comporta-
empesteia mais e mais as universidades, a mídia e outros centros de pro- mento está longe de se esgotar no plano ético. Sua insensibilidade ou
pagação ideológica do regime. maior clarividência dependem da formação cultural de um país, da
Para eles, é importante a idéia que o problema não está na produção interiorização de valores de responsabilidade social, em nosso caso só
da renda, mas na sua má distribuição. Quer dizer, de um lado uma fulgu- recentemente reconhecidas como importantes por setores empresariais.
rante economia capitalista, produzindo uma enormidade de benditos fru- Ao mesmo tempo, a sensibilização das elites se relaciona com as pres-
tos; de outro, um acidente, uma imperfeição que proíbe o acesso dos sões de baixo para cima, provenientes da classe trabalhadora e da classe
pobres nos supermercados, nas feiras livres, nos shoping centers, nas média. Os contingentes populares em países como a Argentina e o Uru-
revendedoras de automóveis, nas lojas de informática, nas livrarias, nas guai - países do século 19,em que a escravidão era um fenômeno secun-
faculdades, nos aviões que voam lotados para Miami, e por aí afora. dário- tiveram maior capacidade reivindicativa e de pressão sobre o
Os responsáveis por essa imperfeição? Não caiam na tentação de sistema político, garantindo uma distribuição de renda razoável. No Bra-
apontar as classes dominantes. Não sejam tão tendenciosos, rumina o Sr sil, nem a massa de ex-escravos nem os migrantes internos tinham míni-
Boris Fausto. Na nova língua dos pós modernos, as classes dominantes mas condições de cumprir esse papel" (B. Fausto" A Ferida Profunda",
desaparecem até como categoria sociológica e histórica. Sobraram ape- TnFolha de S Paulo, 19/07/99)
nas as "elites", esse resíduo nebuloso que serve para designar qualquer Descobrimos então, através da douta exposição do Sr Boris, os res-
coisa que esconda de uma só vez as classes sociais e as condições mate- ponsáveis pela insensibilidade das elites brasileiras e, de um só golpe,
riais de reprodução de qualquer economia capitalista. Assim, em total pelo triste papel de um país campeão mundial de desigualdades e injus-
acordo com um desgastado sociologismo funcionalista anglo-americano- tiças: os negros e os nordestinos! Justamente aqueles que ele chama de
que, nos últimos cinquenta anos, prosperou com a mesma rapidez que a ex-escravos e migrantes internos. Descobrimos também que a ideologia
exploração capitalista nas chamadas ciências sociais, incluindo aí a cha- liberal e pós moderna não inventa categorias sociológicas apenas para
mada ciência econômica - existem apenas os de baixo e os de cima, camuflar as condições reais do desenvolvimento histórico. Ela substitui,
camadas de baixa e de alta renda, contingentes, escalas e estratos sociais, no final das contas, o movimento histórico da luta de classes pelo racis-
comportamentos, valores éticos e culturais, agentes econômicos, empre- mo puro e simples.
gados e empresários, geração de emprego, excluídos e cidadãos, Boris É mais ou menos essa a reação de um comerciante da cidade de
Fausto, Lu Iae B resser Perei ra.. Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, na semana passada, co-
Com essa armadura ideológica, e preocupado com as boas classifica- mentando os resultados de uma pesquisa que mostrou um crescimento
ções do Chile, Uruguai e Argentina, naquele relatório da ONU sobre a rápido da pobreza em todo aquele estado, outrora um dos mais desen-
qualidade de vida em 174 países, o Sr Boris Fausto discorre sobre essa volvidos do país, em termos de qualidade de vida, etc. Hoje, vastas
imperfeição entre a sua reluzente economia brasileira, de um lado, e a regiões daquele estado estão em condições piores ou parecidas com as
concentração da renda, de outro, essa injustiça que cobre de vergonha o do Piauí, aquele triste estado nordestino que sempre foi o campeão na-
orgulho dos bons cidadãos e contribuintes brasileiros. "Porque isso ocorreu cional de miséria e subdesenvolvimento. Para essa fulminante decadên-
ao longo do tempo, deixando o país em posição desfavorável nacompa- cia gaúcha, a explicação do comerciante gaúcho, que parece ter estu-

104 105
dado história através dos manuais do Sr Boris, é sintética e cristalina: mias pesquisadas. Foi construída, finalmente, a tabela de classificação
"O problema é que todas essas cidades do interior são habitadas por entre as 59 economias pesquisadas.
muitos pelo-duro" (Folha de S Paulo, 25/07/99). Para quem não sabe, Para quem está acostumado com aquelas idéias de "oitava economia
"pelo-duro", no sul do país, é um termo pejorativo utilizado para desig- do mundo", "a maior economia da América Latina" e outras ilusões bara-
nar índios e negros, ou a mistura dos dois. tas, ficará muito decepcionado com a classificação final do Brasil. Está na
E se alguém dissesse para o Sr Boris que as elites brasileiras não são 51a posição, atrás de países como Indonésia, Filipinas, Jordânia, África
tão insensíveis, como ele diz, mas, na verdade, absolutamente impotentes do Sul, Tailândia, China, Vietnã e Egito. Na América Latina, fica atrás de
para garantir um desenvolvimento econômico decente no Brasil? Impo- Chile (21°), México (31 0), Costa Rica (34°), Peru (37°), Argentina (42°),
tentes para produzir uma determinada massa de renda pelo menos sufici- EI Salvador (46°) e Venezuela (50°).
ente para garantir a reprodução básica da população? Longe de nós que- A economia brasileira é a maior economia da América Latina. Em
rer culpar as "elites gananciosas", essa tendência que o Sr Boris recrimina tamanho. Da mesma forma que seu território, sua população e suas rique-
com tanta ênfase. Mas é exatamente isso que está dizendo mais um mal- zas naturais. Mas não adianta ter muita terra e muitos bois, muito capital e
dito relatório internacional, publicado dois dias depois daquele da ONU. muito FMI, muita Fiesp e muita cerveja, muito trabalhador e uma miserá-
vel riqueza. Isso não quer dizer muita coisa em termos de desenvolvimen-
Riqueza e capital - Para quem não leva em conta a contradição entre to econômico, de qualidade produtiva e de participação no bolo capitalis-
produção de riqueza e de capital terá muita dificuldade de entender por ta mundial. Nestes termos, como apontado pelo relatório do WEF, a eco-
que a China, a Índia, o Brasil, a Arábia Saudita, a Rússia, etc, que produ- nomia brasileira está entre as piores da América Latina.
zem muita riqueza - ou mu ita "renda" , como diz a econom ia pol ítica vul- Enquanto a propaganda oficial diz que a burguesia construiu uma bela
gar predomi nante - estão entre as economias mais pobres e menos com- economia no Brasil, uma confiável base para a solução da crescente po-
petitivas do mundo. O "Relatório de Competitividade Global", divulgado breza da população, o que se verifica é que não é só o povo que vai mal.
no dia 13 de julho de 1999, pelo Fórum Econômico Mundial (WEF), Também aquela bela economia não passa de uma calamidade social. Como
com sede em Davos, Suiça, faz uma boa fotografia dessa realidade. É um nas demais economias e áreas dominadas do sistema imperialista, no Bra-
relatório aprovado pelos capitalistas no mundo todo, para acompanhar as sil também uma economia estufada de capital determina um correspon-
economias que estão subindo ou descendo na competição internacional. dente excesso de pobreza e de miséria para a população trabalhadora.
Desta vez, a preocupação não é comparar diferentes graus de pobre- Em um polo, uma fantástica superprodução de capital; no outro polo,
za entre os países, como aquele da ONU que vimos anteriormente. Trata- uma miserável produção de alimentos e de esfomeados.
se agora de uma comparação de diferentes graus de desenvolvimento Mas parece que a miséria ainda é pouca. Como se ainda não estives-
capitalista, da qualidade maior ou menor da produção de capital entre 59 sem satisfeitos com a sua grande obra do passado e do presente, os capi-
países pesquisados. Exatamente aquele lado da equação que Médici, talistas preparam uma desagradável surpresa para o futuro do Brasil. É o
Cardoso, Boris Fausto e.consortes sempre garantiram que o Brasil está próprio relatório da WEF que antecipa um enfraquecimento catastrófico
muito bem, de que aqui a economia é desenvolvida, e outras bobagens. da economia brasileira nos próximos anos. Vejam as perspectivas de cres-
O relatório da WEF leva em conta uma grande quantidade de variá- cimento que ele aponta, para os próximos oito anos, do PIB per capita
veis que, segundo seus autores, separ.irarn as premissas de crescimento (produto dividido pelo número de habitantes). Trata-se de uma medida
de longo prazo dos fatores de curto prazo. Tudo computado, chegaram a grosseira da produtividade nacional, mas que não deixa de indicar a ca-
um determinado "índice de competitividade" para cada uma das econo- pacidade produtiva e competitiva de uma economia. Para não sermos

106 107
acusados de tendenciosos, deixemos esse registro para o jornal Gazeta "riqueza", e outras nebulosas categorias.
Mercantil, de 13/07/99: "O documento do WEF também faz projeções É por isso que hoje em diaessadisciplinase transformou em urn amon-
sobre o crescimento anual do PIB per capita dos países para um período toado de asneiras apologéticas que escondem o caráter catastrófico do
de oito anos - de 2000 a 2008 - baseado na experiência do mesmo desenvolvimento capitalista sobre a população mundial. É o caso do eco-
período anterior. Nesse 'ranking', o Brasil aparece em 54° lugar (de uma nomista indiano Amartya Sen, "especialista em economia da pobreza",
lista de 59 países), com uma expansão do PIB per capita de 1,69%, atrás que trabalha nos Estados Unidos, e que acabou sendo o sortudo ganha-
do Equador (1,76%), da Argentina (1,92%), do Zimbábue (2,05%), da dor do prêmio Nobel de 1998. Qual foi a sua contribuição para o pro-
Bolívia (2,11 %), da Costa Rica (2,88%), da Índia (2,96%), do Chile gresso da ciência econômica? A afirmação (apenas a afirmação, que para
(3,54%), da China (3,59%) e do Peru (3,34%)" . esse tipo de gente já vale como comprovação) de que a fome que existe
Neste última etapa da pré-história da humanidade, em que as rique- no mundo não é por que a produção capitalista é incapaz de produzir
zas de um povo só podem existir nas mais variadas formas do capital, o alimentos suficientes para a população mundial, mas porque as os famin-
futuro sempre será mais ameaçador que o presente, do mesmo modo tos não conseguem ter acesso aos alimentos!
que o presente é do passado. E as classes dominantes só poderão con- Para o Sr. Amartya não existe nenhum problema nas condições capi-
tinuar mandando e dirigindo o destino de cada nação enquanto forem talistas de produção. Como sediz na linguagem vulgar da economia polí-
capazes de esconder esse curso catastrófico. No Brasil, na Índia, na tica, não existe o problema de "escassez de alimentos". Para o nosso
China, etc, a propaganda dos seus economistas e ideólogos em geral é laureado burocrata da ONU, os problemas se localizam apenas nas esfe-
um importante meio para esconder que as suas respectivas populações ras de distribuição, quer dizer, na dificuldade de acesso dos famintos aos
estão enclausuradas em uma embarcação toda podre e cheia de furos, frutos da maravilhosa produção capitalista de alimentos. Mas como seus
em uma economia que só pode garantir uma coisa: que a pobreza e a conterrãneos indianos, por exemplo, poderiam ter acesso a esses aIimen-
fome vão se acelerar ainda mais nos próximos anos. Mas eles não têm tos que, segundo ele, inundam o mundo? Com educação, cidadania, von-
nem o mérito de serem originais em suas falsificações desta realidade tade política dos dirigentes, impostos contra a pobreza e outras jóias do
econômica. Apenas copiam um padrão de ideologia globalizada pela tipo "vamos distribuir a renda", cada vez mais na moda nas burocracias
burocracia da ONU, Banco Mundial, ONGS, e outras usinas de das ONGs e outros lixos mentais da globalização.
processamento desse lixo ideológico. O Sr Amartya também apresenta "propostas concretas" contra a
fome. É dele, por exemplo, como responsável pelas políticas da ONU
Prêmio Nobel em pobreza - No atual estágio da pré-história da hu- contra a fome no mundo, a idéia de um imposto global sobre as mensa-
manidade, em que predomina o regime capitalista de produção, não basta gens da Internet, que já tem até um gracioso nome, o "imposto bit": "O
produzir muita riqueza para uma economia nacional ser desenvolvida, 'imposto bit', de um centavo de dólar sobre cada cem mensagens ele-
poderosa e competitiva na economia mundial. O que conta é sua capaci- trônicas longas, criaria uma receita superior a US$70 bilhões por ano.
dade de produção de capital. As produções de riqueza e de capital cami- A arrecadação seria canalizada para programas destinados a facilitar o
nhamjuntas, mas não são a mesma coisa. Isso é mais do que uma diferen- acesso dos mais pobres à Internet. O conceito aplicado seria o do uso
ça, é uma verdadei ra contradição em processo. A economia pol ítica sem- coletivo dos computadores, nas comunidades carentes" (O Estado de
pre tentou resolver esse problema, mas sem sucesso. Os economistas ora São Paulo, 11/07/99).
confundem riqueza com capital, ora capital com riqueza. No fim acabam A formação, a integração e a expansão do mercado mundial compli-
chamando tanto uma coisa como a outra apenas de "produto", "renda", cam ainda mais aquela contradição criada pela produção conjunta de ri-

108 109
queza e de capital. Enquanto se propagandeia que não existe problema
com a produção do capital, mas apenas com a má distribuição dos seus CAPÍTULO VII
frutos, algumas poucas poderosas nações capital istas continuam
aprofundando a sua dominação sobre a produção e o mercado mundial.
Produção de Alimento
Do outro lado, a grande maioria das nações- onde se concentram mais
de 80% do território, das matérias primas e da população mundiais- con- e Luta de Classes no Brasil
tinuam sendo cada vez mais dominadas e rebaixadas para a situação de
meros territórios econômicos, de campo de caça daquelas poucas áreas
e nações dominantes.
Essa realidade é ainda mais incompreensível para quem acreditava que o regi me capitalista de produção é incapaz de aIimentar a população mun-
o subdesenvolvimento era resultado de uma carência, uma insuficiência de dial. Pelo menos um terço dessa população passa fome. Trata-se daqueles
capital. Para essas pessoas, uma economia seria subdesenvolvida porque que os burocrata" chamam de "parte da população que vive abaixo do nível
ainda não era plenamente capitalista. Mas hoje ninguém mais pode negar de pobreza". E pelo menos outro terço da população - que estatisticamente
que quanto mais essas economias se globalizam, quer dizer, quanto mais estaria um pouco acima daquele "nível de pobreza" - se alimenta mal em
quantidade de capital elas produzem, mais subdesenvolvidas elas ficam. quantidade e, principalmente, em qualidade.
Para se resolver esse paradoxo, encerrando antigas discussões da teoria Em resumo, bem mais da metade da população humana não é atendida
do desenvolvimento, bastou um decreto dos pós-modernos: a economia em sua necessidade básica de reprodução. Contingentes populacionais enor-
não é subdesenvolvida, ela é apenas injusta! A esquerda e a direita, mes morrem de fome a todo momento. Outros, só porque são sub-nutri-
keynesianos e liberais, todos estão de acordo com isso. Também a maioria dos, são também alvos fáceis para epidemias de cólera, sarampo, dengue,
dos "economistas marxistas", que acreditam queo predominante, no Brasil, etc, e acabam também morrendo.
não é a produção de mais valia absoluta, mas a de mais valia relativa. Essa incapacidade genética de produzir alimentos do atual regime apa-
Para os "especialistas em pobreza", essa realidade do desenvolvimen- rece de forma mais clara nas áreas dominadas da economia mundial. Nessas
to capitalista desigual e combinado não existe. Não deixam de ser coe- áreas, a marca registrada é a fome e a catastrófica reprodução populacional.
rentes, mesmo que se trate de uma coerência de falsários. Afinal, para Mesmo naqueles países com grande território, terras férteis, florestas e
quem nega a existência de exploração de classes sociais no interior das rios em abundância, clima propício, população numerosa e com conheci-
nações, onde existiriam apenas desequilíbrios e injustiças, é mais do que mento de produção dos principais cereais, etc, É o caso da Índia, China,
natural que também se negue a exploração de uma nação sobre outra na Indonésia, México, Nigéria, Rússia, etc.
economia internacional. E aqui eles também só vêem desequilíbrios e in-
justiças, ou, para fal ar na sua nova língua, "assi metrias da globalização". Vidas secas - O Brasil também faz parte daquele catastrófico clube
Como resíduo dessa merda toda, enquanto o capital se expande de grandes e famintos. Aliás, aquela incapacidade genética do regime ca-
por todos os poros do globo, os capitalistas nacionais e seus eunucos pitalista produzir alimento se manifesta de forma cada vez mais trágica n»
fazem gracinhas com a fome da população. Como o Sr Amartia Sen, que maior economia da América Latina. É o caso da atual explosão de fomc ,
ganhou o Nobel de economia dizendo que a fome é um problema de sede na região Nordeste do país, com mais de nove milhões de deserdados
acesso dos famintos aos alimentos, e que agora propõe, cinicamente, um da terra invadindo as cidades e clamando por comida, águae trabalho.
imposto para que eles tenham acesso à Internet. Quem acredita nas informações e imagens criadas pela grande im-

110 III
prensa brasileira deve estar tranquilo, convencido de que esse país está Em cidades como Jaguaruama, Quixeramobim, Iracema e Tabuleiro
passando por um exuberante momento de crescimento econômico e so- do Norte, por exemplo, os cearenses não andam de carro importado,
cial. Mesmo na região Nordeste, a mais pobre do país. Como em Forta- não comem pizza e não vão às compras nos shoppings centers. E agora
leza, capital do estado do Ceará, um dos maiores daquela região: "Em eles não possuem mais nada, a não ser a fome, a sede e a perspectiva
Fortaleza, os programas mais conhecidos são passear pela orla das imediata de morte para as crianças e de suicídio para os adultos. Andam
praias de Iracema e do Futuro, o encontro no restaurante Colher de a pé dezenas de quilômetros e se reúnem em multidões. Cercam os arma-
Pau distante alguns quarteirões da praia, ou andar pelas lojas da Ave- zéns da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), os super-
nida Monsenhor Tabosa, que funciona como um shopping a céu aber- mercados, bloqueiam as rodovias e partem para o saque. Às vezes, ainda
to no centro da cidade. Em todos esses lugares, a credencial é o car- encontram algum resto de estoque naqueles armazéns e supermercados.
ro. Ser visto com um carro último tipo não é apenas um prazer. É uma É o suficiente para que suas famílias sobrevivam por mais alguns dias. E
mania cearense que faz a alegria dos revendedores de veículos; em quando não encontram, ainda resta uma última alternativa: os lixões das
apenas dois anos, a frota de carros importados do Ceará quase do- cidades, onde catam o que podem de restos de comida apodrecida,
brou. Subiu de 13700 para 26500 unidades. desperdiçada e jogada fora por alguma daquelas felizes famílias que fa-
A presença de Fortaleza no topo do ranking das cidades que, pro- zem a alegria dos revendedores de carros e motocicletas importadas do
porcionalmente, mais compram carros importados se deve ao cresci- exuberante estado do Ceará.
mento da economia cearense nos últimos anos. O Estado, que era um Mas para as classes dominantes e seus ideólogos, a fome absoluta de
dos mais pobres do Brasil na década passada, tem hoje alguns dos mais de nove milhões de nordestinos é apena s um acidente da natureza. Do
melhores índices de desempenho na Região Nordeste. Nos últimos "EI Ninho", principalmente. Para propagandear a excrescência ideológica
sete anos, 563 empresas foram instaladas no Ceará, com investimen- da "ordem e progresso", de que o Bra sil tem uma vibrante economia e uma
tos de 5,8 bilhões de reais e a criação de mais de meio milhão de população feliz, a fome só pode ser explicada pela ação de acidentes da
empregos, diretos e indiretos. A renda per capita dos cearenses, de natureza ou pela corrupção de um ou outro político nordestino. Sua propa-
2227 reais, é ainda bem inferior à média nacional, mas quase dobrou ganda perderia todo sentido se admitissem que, por trás do brilho das mo-
em dez anos. O resultado mais visível disso pode ser observado em tocicleta s e dos carros importados, da ••milhares de fabriqueta s mundializada s
Fortaleza, onde nova e próspera classe média compra avidamente de bens de luxo que se espalham por toda s as regiões do país, dos mi Ihares
apartamentos na orla marítima e no bairro de Aldeota, lota novos de edifícios de luxo sendo construídos à beira mar, dos shoppings centers e
shopping centers e frequenta um infinidade de restaurantes, bares, dan- do consumismo insaciável das cla ••ses dominantes e outros parasitas, o que
ceterias e lojas de franquias variadas inauguradas nos últimos anos." se passa na economia bra sileira é uma crise agrária de grandes proporções.
(Revista Veja, 22/04/98) Uma crise que eles mesmos semearam, e que não tem nada a ver com esse
Recentemente, alguns acontecimentos sociais obrigaram os grandes ou aquele fenômeno natural.
jornais e revistas nacionais a interromper subitamente essa obscena pro- A impotência das classes dominantes bra sileiras para uma produção de
paganda de um país de luxo, fartura e alegria. E tiveram que passar a uma alimentos capaz de aiimentar a população trabalhadora é um verdadeiro tabu
pauta muito mais indigesta às classes dominantes e aos órgãos de repres- para seus economistas e seus ideólogos em geral. O que se propagandeia é
são do Estado. Acontece que, não muito longe da orla marítima de Forta- que "O Plano Real engordou a mesa dos brasileiros mais humildes" (Veja,
leza, na sua periferia de bairros miseráveis e no imenso interior agrário, 15/04/98). Essa é a forma mais popular de se dizer aquilo que os economista s
encontra-se a outra face daquela propagandeada modernidade neoliberal. e o governo chamam de "âncora verde" do Plano Real: a estabilização dos

112 113
preços teria sido o resultado de uma enorme elevação da produção e da . feijão: (-) 22,3%
produtividade agrícola nos últimos quatro ou cinco anos. Teria havido assim o . trigo: (-) 5,8%
aumento da oferta de alimentos, a queda dos preços e, consequentemente, A queda do total do produção brasileira de grãos poderia ser
aumento do consumo da população. É necessário, portanto, que toda a gran- muito maior, se a elevação de 20% na produção da soja não com-
de imprensa continue tratando a safra atual (97/98) como uma "safra genero- pensasse a queda de 10,31 % no restante dos grãos (mi lho, arroz,
sa" (Veja, 15/04/98), "Brasil repete uma boa produção agrícola" (Gazeta feijão, etc). Mas deve ser lembrado que aproximadamente 80% da
Mercantil, 29/04/98), etc. É preciso continuar martelando que a "âncora ver- produção de farelo de soja é destinada à exportação, não agindo
de" está "forrando a mesa dos brasileiros". portanto no aumento da oferta interna de alimentos. É com essa re-
Vejamos mais de perto a real evolução da produção agrícola brasilei- alidade que o governo e a imprensa continuam falando de "safra ge-
ra nos últimos anos. Primeira constatação: a produção de alimentos na nerosa", "âncora verde" e outras bobagens.
economia brasileira está estagnada desde 1994, com a tendência a uma Mesmo que estagnada pelo Plano Real desde 1994, pode-se con-
diminuição absoluta da produção total. É como se o fenômeno "EI Ninho" siderar a produção anual de 70 a 80 milhões de toneladas de grãos
já estivesse agindo sobre a produção agrícola nacional desde 1994! uma grande produção para um país como o Brasil? É claro que não.
Trata-se de um volume de produção indecente para a quantidade de
Tabela 9 - Brasil: Produção de Grãos terra agriculturável e a população disponível neste país. Os Estados
Principais produtos -1993/1997(em milhões de toneladas) Unidos, por exemplo, que tem uma quantidade e uma qualidade de
terra semelhante ao Brasil, e com uma população não muito maior,
Ano Milho Arroz Feijão Soja Total produz anualmente mais de 500 milhões de toneladas de grãos. A
93 33,1 10,5 3,2 25,0 71,8 União Européia, a mesma coisa.
94 37,4 11,2 3,1 25,9 77,6 Para ficar em um exemplo mais próximo, a produção de grãos na
95 32,4 10,0 2,9 23,1 68,4 Argentina deverá totalizar na safra atual cerca de 65 milhões de to-
96 35,7 9,5 2,9 26,1 74,2 neladas, de acordo com a última estimativa oficial do governo da-
97* 31,5 8,8 2,2 31,3 73,8
quele país. Outra coisa importante: ao contrário do Brasil, as colhei-
Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) têm sido recordes nos últimos anos. "No prazo
tas do país vizinho
*safra 97/98 - 4" levantamento atualizado em 02/05/98 de cinco anos, de 94 para cá, a produção argentina de grãos
saltou 55%". (Agrofolha, 31/03/98).
Se forem acrescentados à tabela acima os outros produtos que com- ão se deve esquecer que a população argentina é de pouco
põem a categoria de grãos (trigo, algodão, amendoim, etc), poderá ser mais de 30 milhões de habitantes, e a do Brasil de mais de 160 mi-
colhido na safra atual (97/98), um total de 78,226 milhões de toneladas lhões. E o Brasil tem uma quantidade de terras próprias para a cul-
(dados oficiais da CONAB). Trata-se de um volume um pouco abaixo tura pelo menos cinco vezes maior que a Argentina. Assim, se o
da última safra 96/97 (78,421 milhões de toneladas). O mais importante Brasil produzisse na mesma relação produção/habitantes da Argen-
é que apenas a soja terá um significativo aumento da produção: 20% a tina, a safra brasileira atual de grãos deveria seria de 300 milhões de
mais do que na última safra. Quanto aos demais quebra generalizada: toneladas, pelo menos, e não essa merreca de 78 milhões atuais.
milho: (-) 11,7% A impressão que fica é que os dirigentes brasileiros vêem o que
arroz: (-) 7,0% realmente está acontecendo com a produção argentina de grãos e

115
114
dizem que tudo aquilo está acontecendo é no Brasil. De qualquer Oeste. Isso tem provocado dois movimentos simultâneos: primeiro,
modo, uma grande parte da produção argentina acaba desembocan- uma forte diminuição da área ocupada com a produção de alimentos
do no Brasil. Acontece que para compensar a queda persistente da destinados ao consumo interno. Segundo, uma diminuição da pro-
produção de alimentos para o mercado interno, o governo brasileiro dutividade (produção por hectare utilizado) nas colheitas dos ali-
tem acelerado nos anos do Plano Real a importação desses produ- mentos de base e aumento da produtividade na produção de soja.
tos. É da Argentina que vem a maior parte das importações brasilei- Vejamos o que aconteceu nas duas últimas safras.
ras de alimentos.
Segundo as últimas previsões oficiais (CONAB), o Brasil estará Tabela 10 - Brasil: Área Plantada e Produção dos Principais
importando aproximadamente 10 milhões de toneladas de grãos neste Alimentos. (Por Regiões e diferentes produtos)
ano. Mas com a catastrófica safra atual, cujos números finais mos- (Safras 96/97 e 97/98)
trarão um estrago muito maior do que já foi mostrado pelo último NO/NE = Norte e Nordeste
levantamento da CONAB, podemos fazer uma previsão mais realis- C-SUL = Centro Oeste, Sudeste e Sul
ta: algo próximo das 15 milhões de toneladas de importações para
este ano. De onde virá esse acréscimo de importações? Acertou Produto Região Area Plantada Produção
(mil/ha) (milhões tOI1)
quem pensou Argentina. Acertou também quem pensou que a tão
96/97 97/98 96/97 97/98
badalada "âncora verde" deveria finalmente assumir suas verdadei- Milho NO/NE 3417 2976 3,31 2,31
ras cores, passando a ser justamente chamada, de agora em diante, C-SUL 8183 6979 28,39 24,11
de "âncora azul e branca", as cores da bandeira argentina.
BRASIL 11600 9956 31,70 26,42
Em 14 de maio de 98, o pai da "âncora verde" protagonizou uma Arroz NO/NE 1538 1371 2,48 1,80
jornada grotesca. Vejam o que aconteceu: "FHC 'comemora' que- C-SUL 1954 2006 7,03 7,04
bra de safra - O presidente Fernando Henrique Cardoso esteve BRASIL 3493 3378 L),51 8,84
ontem no sudeste goiano para comemorar o 'sucesso' da safra Feijão NO/NE 2513 1724 1,08 0,40
(2' safra) C-SUL 640 0,51
de algodão - que era esperado mas mio se confi rmou. Apesa r do 648 0,55
BRASIL 31ól 2365 1.59 0,L)5
resultado frustrante da colheita, os produtores mantiveram a
Soja NO/NE 619 768 1,32 I,M
festa. Os produtores da região esperavam colher I ROarrobas de
C-SUL 10762 12366 24,83 29.70
algodüo por hectare, /1U/S só clieg aram a produzir 70 arrobas _.

BRASIL 11381 13135 26.15 31,34


por hectare. Houve casos em que a produção foi de 50 arrohas/
lia. Além disso, o preço do algodão caiu 25%. Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), 1998, idem tabela anterior
A festa da colheita serviria para FHC dar mostras de que o
país conseguiu reverter a tendência de abandon ar o plantio de O milho é o alimento de base da agricultura brasileira. Até o ano pas-
a!godüo. Em vez disso, apesar das faixas de boas-vindas, os pro- sado, era a principal cultura em termos área plantada e volume de produ-
du[oresjizeram muitas queixas" (Folha de S. Paulo. 15/05/98). ção, Na safra atual, foi pela primeira vez suplantado pela soja, tanto em
Há muito tempo as classes dominantes e o governo atual estão área quanto em produção. Além do simbolismo dessa inversão, ela está
concentrando a produção de grãos em produtos para a exportação na base de um pesado processo de destruição da agricultura de alimentos
(soja) e em grandes empresas, principalmente na região Centro- para o consumo interno, cujas manifestações mais imediatas encontram-

116
117
se na falência de milhões de pequenas propriedades e no agravamento da inexplicável capricho da natureza essas desgraças só tenham sido ruins
fome absoluta para a população trabalhadora. para a produção dos alimentos destinados ao consumo da população
No mesmo sentido do milho, a área ocupada e a produtividade tam- daquela região, e muito benéficas para as plantações de soja e outros
bém estão diminuindo progressivamente nas culturas de arroz, feijão, tri- produtos destinados ao consumo externo, às exportações.
go, etc. E nas suas áreas desocupadas se expande a soja, a pecuária Entretanto, uma expl icação mais terrena, despida de mitos e supersti-
extensiva, acana de açúcar, a fruticultura e outros produtos que não criam ções, pode ser encontrada no fato que milho, arTOZe feijão são produzidos
empregos para os pequenos proprietários falidos e nem elevam a oferta predominantemente por pequenos proprietários, e a soja por grandes em-
de alimentos para a população. presas agro-pecuárias associadas aos latifundiários da região. E que são só
Quanto a região Norte-Nordeste, especificamente, os dados da tabela essas grandes empresas que contam com sistemas modernos de irrigação,
acima mostram que, da última safra para a atual, houve uma diminuição na de recuperação do solo, de informações meteorológicas via satélite, de
área plantada de 12,9% para o milho, de 10,9% para o arroz, e de 31 ,4% annazenamento, transporte, etc. E que, para terem tudo isso, só essas em-
para o feijão. Simultaneamente, desabou a produção: milho (- 30,2 %); ar- presas contam com a grande fatia do crédito oficial, além de linhas de cré-
roz (-27,5%); feijão (-61,9%). dito internacionais e mercados garantidos da" empresa" multinacionais (Cargil,
Para aqueles que ainda imaginam que estes resultados catastróficos ete) que controlam o mercado global desse produto. São só essas grandes
devem ser explicados apenas pela seca nordestina ou, mais recentemen- empresas que contam com o que eles chamam de "agricultura de precisão".
te, pelos efeitos do famigerado "EI Ninho", pede-se que eles verifiquem, Aqui, os resultados não dependem dos caprichos da natureza.
por exemplo, a evolução da produção de feijão na cidade de Irecê, Bahia. O desenvol vimento desigual e combinado na agricultura brasileira - onde
Até o começo desta década, esta cidade centralizava a segunda maior a regressão da área plantada e da produção de alimentos para o consumo
região produtora de feijão do Brasil. interno corresponde à expansão da área plantada e da produção para a
Nos últimos cinco anos, a decadência da produção, acompanhada da exportação - provoca ao mesmo tempo uma crônica redução da produtivi-
falência de milhares de pequenos produtores, incorporou aquela região dade, uma queda da qualidade global da produção agrícola brasileira.
no grande mapa da fome. As cenas de trabalhadores catando restos de Mas isso não é tudo. Esse desenvolvimento desigual e combinado que
comida nos lixões, a que nos referimos no começo deste boletim, e que encontramos na estrutura agrária brasileira está na base da totalidade da
foram passadas em um documentário da televisão (SBT) na noite de 8 de sua estrutura econômica e social. E serve como exemplo de um grande
maio último, foram filmadas exatamente no lixão de Ireçê. país capitalista e dominado na ordem imperialista mundial. É por isso que,
É importante também que se compare a propaganda oficial com a além da queda da produção de grãos, a diminuição da área plantada é a
evolução da última safra da soja na região Norte/ Nordeste. Neste expressão de um processo muito pesado de travamento e regressão das
caso, a situação é bem diferente do feijão, milho, arroz, etc. A área forças produti vas sociais na economia brasi leira. Ela tem um impacto di-
plantada da soja cresceu 24,2% e a produção 23,9%! A produtivida- reto na produtividade da força de trabalho, na elevação dos custos de
de na cultura da soja no Norte/Nordeste é comparável à do Centro- produção e, consequentemente, na redução da competitividade dos in-
Oeste e Sul do país, e portanto à média do mercado mundial (Estados dustriais brasileiras no comércio internacional. Esse é o aspecto que inte-
Unidos, Argentina, etc). ressa à manutenção da ordem imperialista mundial.
Assim, para se acreditar na propaganda oficial de que os problemas Concretamente, e em termos estritamente econômicos, o mercado inter-
da agricultura nordestina devem-se às fatídicas secas, e na última safra às nacional de grãos jamais poderá suportar um novo produtor de 300 a 400
desgraças do El Ninho, teria que se acreditar também que por algum rnilhões de toneladas por ano. É claro que isso poderia significar uma sensível

118 119
diminuição da fome no mundo e no Brasil. Mas, no atual regime de produção, que está sendo atacado por uma mortífera crise criada pelos capitalistas:
esse grande aumento da oferta mundial de aiimentos representaria antes de diminuição da produção, fechamento de indústrias, desemprego, falência
tudo uma irremediável crise de superprodução, quer dizer, reduziria os preços de multidões de pequenos agricultores e de assalariados do campo e das
e os lucros a um nível insuportável para a Bolsa de Cereais de Chicago, cidades. A globalização e a correspondente pol ítica neoliberal dos ban-
Estados Unidos, que centraliza mundialmente o mercado de grãos. queiros internacionais e das classes dominantes no Brasil escancararam o
A impossi bi Iidade de uma reforma agrária capi tal ista no B rasi Ivale tam- mercado agrícola interno para os concorrentes estrangeiros muito bem
bém para aqueles outros grandes e famintos que listamos acima - China, protegidos por seus respectivos governos. Dados do Ministério da Fa-
Índia, Indonésia, Rússia, Nigéria, México, etc - que em maior ou menor zenda indicam que em 1996 a importação de cereais e produtos da indús-
medida, sofrem também as desgraças do desenvolvimento desigual e com- tria de moagem aumentou 27%; a dos alimentos industrializados subiu
binado da globalização imperialista -e de maneira mais intensa, ainda, nes- 15%; a de algodão, fios e tecidos 34%, e assim por diante. E a produção
tes tempos de restauração radical do velho liberalismo econômico. nacional de grãos continuou caindo no ano passado:
Mas essa regressão produti va se manifesta também socialmente: as ver- Na BR-285, rodovia que liga o Brasil à Argentina, a população das
dadeiras forças produtivas - a terra e os trabalhadores - estão sendo impe- Missões presencia diariamente a passagem de mi Ihares de caminhões que
didas de se reproduzir. Nas condições atuais de produção, a terra é destruída vêm da Argentina carregados de trigo, milho e arroz, para serem jogados
em larga extensão pelas secas, pela poluição dos rios e do ar, pelas queima- no mercado interno. No ano passado, segundo dados da Sociedade Ru-
das, pela desertificação crescente de imensas áreas do globo terrestre. A ral Argentina, aquele país vizinho das Missões colheu a maior safrade
ociosidade forçada da terra corresponde, ao mesmo tempo, à destruição grãos da sua história: 52, I milhões de toneladas. A Argentina tem 33
da sua fertilidade. Os trabalhadores também são separados da terra. A sua milhões de habitantes; o Brasil, com 150 milhões, colheu apenas 73,5
força de trabalho também se transforma em capacidade ociosa. A capaci- milhões de toneladas. Caiu 9,26%. Nesse ritmo, em poucos anos a pro-
dade de fecundação do trabalho humano, concreto, se perde junto com a dução argentina terá alcançado a brasileira.
fecundidade da terra. A terra se desertifica, as vidas ficam secas e morrem. Enquanto isso, na margem de cá do rio Uruguai, a falências das pe-
quenas propriedades, cooperativas e agro- indústrias alastram-se como
A hora de produzir - O território das Missões, no noroeste do esta- um câncer. Mas essa crise da estrutura agrária capitalista não é problema
do do Rio Grande do Sul, Brasil, não formam uma região qualquer. Com para o governo e nem para as grandes empresas agrícolas. O governo
suas terras férteis e seus belos rios que afluem do rio Uruguai, estabele- segue empilhando empréstimos externos para pagar as importações de
ceu-se ai i uma das mais importantes produções de cereais no B rasi I. Além grãos. Os grandes proprietários e o agro-business expandem a pecuária
da fertilidade da terra, a sua população é formada por agricultores da ex tensi va, a exportação de gêneros (café, soja, açúcar, etc) e a agricultura
melhor tradição, que sabem como ninguém produzir coisas fundamentais de artigos de luxo (mamãozinhos, tomatinhos, uva itália, nobres hortali-
como arroz, trigo, milho, etc. Por isso, quando se ouve o nome de suas ças, peixes ornamentais, etc). Essas atividades exigem muito menos in-
populosas cidades - Passo Fundo, Carazinho, Cruz Alta, Sto. Ângelo, vestimentos e riscos que a produção de alimentos de base. Por isso,junto
Sta. Rosa, Palmeiras das Missões, Ijuí e tantas outras - sempre vem à com a queda desta última, a produção de máquinas agrícolas desabou de
mente a paisagem do maior celeiro de alimentos básicos do Brasil. Mas 51 mil unidades para 18 mil no ano passado. A capacidade ociosa do
aquela gente não aprendeu apenas plantar e colher. Soube também inte- setor é de 70% (dados do BNDES). Essa crise revela o moderno
grar as colheitas com milhares de agro-indústrias espalhadas pela região. parasitismoque a burguesia e os grandes proprietários territoriais utilizam
Pois é o coração deste painel de ricas condições naturais e humanas para seu enriquecimento e que seus ideólogos sempre utilizaram para

120 121
propagandear o fim da questão agrária no Brasi I. Entretanto, não é por ai de um pedacinho de chão para plantar mandioca e criar algumas galinhas.
acaso que a rebelião dos sem-terra prolifera exatamente nas regiões em Por isso, foram obrigados a transformar a luta pela terra em uma luta mais
que também se concentra o grosso do capital agrário do país. ampla de conquista da democracia. Sabem que, para substituir a impotên-
Em Sto. Antônio das Missões, uma pequena cidade localizada à mar- cia burguesa que gerou a atual crise agrária, precisam também conquistar o
gem da BR-285, está se formando o maior acampamento do Brasil. É o poder de decidir o que a nação deve produzir, como produzir e para quem
que noticia em 31/01/97 o jornal Zero Hora, de Porto Alegre: "Os 250 produzir. E sabem, mais que tudo, que só a união do povo e dos trabalha-
quilômetros que separam Júlio de Castilhos e o recém-formado acampa- dores pode realizar esta revolução permanente no Brasil.
mento de agricultores sem-terra de Sto. Antonio das Missões estão sen- O jornal O Estado São Paulo se espanta e reage contra essas necessi-
do percorridos a pé desde ontem por 2,5 mil pessoas. A caminhada de dades. É o que aparece no seu editorial de 23/01/97, intituladoA hora de
protesto começou às 7h30min, quando 200 famílias de Encruzilhada do chamar a polícia: "No sábado, invadiram uma fazenda em Pereira
Sul e 1,2 mil de Júlio de Castilhos organizaram uma fila dupla e partiram Barreto. No domingo descansaram. Na segunda, invadiram uma fazenda
do acampamento montado a 14 quilômetros da cidade de Júlio de em Sto. Anastácio. Na terça, invadiram a sede do lncra em São Paulo. É
Castilhos. Os colonos devem chegar a Santo Antonio das Missões, onde este o ritmo que o Movimento dos Sem-Terra está impondo a seu projeto
estão acampada" 2,7 mil famílias, na segunda quinzena de fevereiro. 'Com revolucionário de mudar as relações de produção no Brasil. Não é só a
a chegada das 1,4 mil famílias, Santo Antônio será o maior acampamento velocidade com que o MST organiza invasões de Terra que espanta. O
do país', diz Adelar Portela, da coordenação do Movimento dos Traba- objetivo e a qualidade das invasões também estão mudando. Os 200
lhadores Rurais Sem Terra (MST)." homens que invadiram o lncra querem pressionar o governo para que
Como atualizados Quilombos de PaI mares, esses movimentos se or- liberem recursos para compra de uma pequena fábrica de fécula, em
ganizam pela base e se multiplicam como ondas de futuro no tecido podre Sandovalina. Os sem-terra, uma vez 'assentados', se transformam em
daquele pretensamente estável mundo agrário burguês. Como em Lon- sem-indústrias, e se dispõem a obtê-Ias pelos mesmos meios pelos quais
drina, norte do Paraná, onde se encontra um dos solos mais férteis do pleiteiam seu pedaço de chão. Executam assim os propósitos já declara-
planeta - como o dapampa úmida na Argentina, o do meio-oeste ame- dos dos ideólogos do MST de impor ao País a mudança revolucionária
ricano (não por acaso conhecido como "cinturão do milho") e o de certas da propriedade. E autorizam, dessa forma, a expectativa de que, nem na
áreas na Ucrânia. Vejam o que noticia a Folha de Londrina, 31/01/97: hipótese miríficade estarem 'assentados' um dia, todos os 4 milhões que
"Seguranças da Fazenda Nossa Senhora da Salete em Ibiporã (14 quilô- eles afirmam ser, teremos a paz restabeleci da no campo."
metros de Londrina) dispararam ontem vários tiros para o alto em repre- Esses ideólogos da imprensa oficial sabem que seus senhores só têm
sália às 22 famílias sem-terra que estão acampadas no local desde setem- duas alternativas para restabelecer a paz no campo. A primeira é aban-
bro do ano passado( ...) Apesar da ameaça os sem-terra afirmam que não donar seu modo parasitário de explorar o campo e começar a trabalhar
vão deixar a área( ... ) O grupo estaria ainda articulando a ida de outros pela produção e por uma digna reprodução da sociedade. A segunda
trabalhadores sem-terra de outros acampamentos da região para reforçar alternativa é ade chamar a polícia. Mas eles não têm escolha; sabem que
a segurança da famílias ameaçadas". a primeira alternativa só pode ser comandada pelos trabalhadores, pois
Um pouco mais ao norte, encontra-se o Pontal do Paranapanema, em os grandes proprietários provaram mais uma vez, com a atual crise agrá-
São Paulo, onde os trabalhadores também ampliam os acampamentos e ria, que não nasceram para ser produtores mas apenas proprietários. Por
ocupações. Ma" os sem-terra, em todo território nacional, aprenderam que isso, a burguesia é obrigada a recomendar a segunda alternativa. Do mes-
na realidade capitalista brasileira não é suficiente ter a propriedade individu- mo modo que os sem-terra são obrigados a lutar pela primeira.

122 123
Alimento de base - Em Sandovalina, Pontal do Paranapanema, no Junqueira, engenheiro agrônomo e consultor de empresas rurais, pode-se
estado de São Paulo, os trabalhadores sem terra ocuparam no final do verificar a repartição entre lucro e renda fundiária na pecuária extensiva
segundo semestre de 1996 a Fazenda São Domingos, um latifúndio impro- brasileira, base do "setor moderno" da agricultura brasileira. Junqueira ex-
dutivo. Aproveitaram a ocupação para trabalhar. E fizeram o que mais sa- põe primeiramente como o custo de produção de um boi.
bem: plantaram 280 alqueires de milho. Logo foram expulsos pela polícia,
deixando para trás a plantação. Mas ela cresceu e deu frutos. A terra ali é Tabela 11 - Brasil: Custo Pecuário - média por cabeça! 18 meses
tão fértil que, mesmo sem cuidados para capinar o mato, as sementes ger- em regime de pasto extensi vo
minaram, os pés de milho cresceram e uma grande quantidade de espigas
Item custo em R$ % total
maduras ficou pronta para ser colhida. Em 23 de fevereiro de 1997, os
Mão de obra 7,20 8,45
trabalhadores resolveram colher o fruto do seu trabalho. Foram recebidos a
Vacinas 5,22 6,73
bala pelos jagunços do latifundiário. Oito trabalhadores foram atingidos,
Sal e outros 9,54 11,82
entre homens, mulheres e crianças. Não houve a colheita.
Aluguel do Pasto 59,40 73,00
Aqueles trabalhadores poderiam ter plantado mu ito mais no ano passa-
Total 18 meses 81,36 100,00
do, se tivessem a posse definitiva da terra e a tranquilidade para encher
todo aquele latifúndio improdutivo com a cultura que eles puderam apenas Fonte: Junqucira (P.O), trabalho citado.
iniciar. Mesmo assim plantaram bastante. É muito difícil se encontrar atual-
mente no estado de São Paulo, o mais rico e o que tem as terras mais férteis Junqueira coloca erradamente a renda fundiária (aluguel do pasto) como
do Brasil, uma lavoura contínua de 280alqueires de milho. A produção de um custo de produção, pois a renda é derivada do lucro do capitalista, e
grãos é muito reduzida em São Paulo. Há muito tempo os capitalistas pau listas não o contrário. Vejamos mais de perto este movi mento, com os valores
deixaram para trás as grandes plantações de arroz, feijão, milho e outros utilizados pelo autor mas evitando seus erros teóricos.
cereais. No lugar do café, que também desapareceu, ocuparam o espaço O capitalista adianta um capital de R$ 241,96 (ao pagar R$ 220,00
com novos gêneros de exportação e com a especulação imobiliária. No por um boi magro de 10 arrobas e gastar R$ 21,96 com os custos de
lugar dos cereais, ocuparam com as pastagens e pecuária extensiva. produção - salários, vacinas, vermífugos, sal mineral e outros). Dezoito
Neste processo surgiu um novo latifúndio, uma vel ha criatura agora revi- meses depois, com 17 arrobas, o boi que era magro engordou. O lucro
gorada pelas suas relações econômicas com as empresas ou investidores do capitalista engordou junto. Agora ele precisa vender o boi. É a que ele
do chamadoa!,'Tobusiness. Sua base é a renda fundiáriacapitalista, que os faz, realizando R$374,00 (I arroba = R$22,00). Com a venda, o capita-
latifundiários recebem alugando pastos para os arrendatários capitalistas. lista recupera o capital adiantado e ainda realiza um lucro de R$132,04 (
"Um negócio comumente utilizado nessa atividade é o arrendamento (alu- montante da venda menos capital adiantado). Mas esse lucro não é
guei) de pastos. O investidor aluga a pastagem por período determinado, crnbolsado apenas pelo capitalista. Ele transfere para o proprietário da
podendo pagar por cabeça colocada no pasto, mediante antecipação ( terra uma renda fundiária (aluguel do pasto) de R$59,40. Sobre o capital
mensal, trimestral, semestral e ou anual), um valor que varia em média de investido de R$ 241,86 materializou-se um lucro que se reparte da se-
10% a 24% do valor da arroba do dia do pagamento. Os custos inerentes guinte maneira: R$72,64 para o capitalista e R$59,40 para o latifundiá-
ao custeio (mão de obra, vacinas, etc) também são pagos pelo arrendará- rio. Essas porções da mais-valia social representam uma taxa de lucro
rio" (Paulo D. Junqueira -"Investir em boi pode ser um mau negócio", anual de 19 ,13 % e uma taxa de renda fundiária de 15,71 %. Poucas
Suplemento Agrícola de O Estado de S.Paulo, 29/01/97). Neste estudo de alividades econômicas no mundo dão tanto lucro e ... tanta renda.

124 125
A moderna franco-maçonaria de burgueses e latifundiários é China, Índia e Brasil. O importante é sua produtividade (produção por
determinante para a economia brasi leira como um todo. Ela está na ori- habitante). Ela revela a verdadeira capacidade de um país garantir uma
gem do peso desmesurado dos diversos tipos de renda sobre a produ- reprodução menos custosa da sua força de trabalho, elevando assim a
ção nacional, diminuindo a produtividade da força de trabalho, aumentan- produtividade nacional como um todo.
do os custos e corroendo a competitividade de todas mercadorias brasi- Os blocos ou países que detêm a maior produtividade de cereais são
leiras no mercado internacional. justamente os que conseguem superávits no comércio internacional (ex-
Mas o "setor moderno" está sendo também o primeiro da economia portações menos importações), impondo sua competitividade na concor-
a enfrentar uma pesada crise. A causa é sua forma de exploração da rência internacional. São também nestes países - Estados Unidos, Cana-
terra, própria dos países atrasados, que deixou a capacidade produtiva dá, Argentina, França, Alemanha, Itália, etc - que estão se concentrando
agrícola nacional muito vulnerável frente à globalização e à concorrência o grosso da tecnologia e dos capitais para a nova agro-indústria mundial e
internacional. Sem uma agricultura de alimentos básicos com alta produti- aqueles investimentos dirigidos para a atividade agrícola propriamente dita.
vidade nenhum país será admitido no clube dominante do novo agrobusiness Além de tecnologia e capitais, também se concentram aí, naturalmente,
globalizado. E o Brasil está muito mal das pernas nessa exigência. os mais pesados subsídios.
O governo brasileiro luta por uma sobre-vida do "setor moderno" da agri-
Tabela 12 - Distribuição Mundial da produção e Comércio de cultura brasileira. Não parou de reclamar, nos últimos dias, dos subsídios à
Cereais (trigo, milho, e arroz) - países e blocos selecionados, 1995. agricultura naqueles países que dominam o comércio mundial. Por trás destas
reclamações estão os interesses e as pressões dos exportadores de soja,
Produção Produtividade Exportações laranja, frango, carne, fumo, etc: "Representantes do agrobusiness cobram
(milhões (produção por r-) postura mais agressiva do Itamaraty nas negociações comerciais. O setor
B loco ou País de ton.) hab. em kg) Importações
(milhões de ton.) agrícola brasileiro acha que será prejudicado pela estratégia de negociação
Nafta* 308 840 + 85 do Itamaraty com os outros 33 países da Área de Livre Comércio da Amé-
ricas (Alca). Os representantes do agrobusiness insistem que, para eles, me-
Argentina 21 636 + 10 lhor seria negociar já a redução de tarifas e a eliminação de subsídios, que
CEE* 82 424 + 14 prejudicam sua" exportações" (Gazeta Mercantil, 23/02197).
Leste Europeu 110 350 NO Internamente, o governo autoriza a repressão e a matança daqueles
China 400 343 -4 que mostram da forma mais didática possível quem realmente sabe o que,
Brasil 49 326 -8 como e para quem produzir. Como em Sandovalina, onde 280 alqueires
India 195 219 NO de milho continuam esperando pela colheita: "A colheita do milho é sagra-
Resto do
da. É líquido e certo que os trabalhadores vão colher aquele milho, custe
Mundo 440 180 NO
o que custar. O governo sabe, o fazendeiro sabe, a polícia sabe", garante
Fonte: dados originais da ONU-FAO Zclito da Silva, trabalhador sem terra do Pontal do Paranapanema.
*NAFTA = Estados Unidos, Canadá e México;
*CEE = França, Alemanha e Itália; Produção não rima com propriedade - O que querem os trabalha-
dores sem terra, no Brasil? A propriedade ou a produção? Os economis-
Não basta uma produção de cereais aparentemente elevada, caso da tas burgueses não têm uma resposta segura para esta questão. Repetem

126 127
apenas velhas fórmulas demagógicas que estão presentes também nos economia desde o início do Plano Real. A agricultura sofreu com a impor-
discursos de Cardoso, Jungman e de todos os fazendeiros e latifundiários tação de alimentos, como estratégia para comprimir os índices de inflação,
do país. Para o professor Ricardo Abramovay, da Universidade de São as taxas elevadas de juros internos e valorização da taxa de câmbio". Mas,
Paulo, por exemplo, "ninguém quer interferir na produção das grandes como toda classe capitalista e seus governantes, o professor Mello não
empresas agropecuárias, mas, com pouco investimento, pode-se fixar a quer parecer com um latifundiário qualquer, contrário à reforma agrária. E
família no campo com sucesso. O núcleo de produção familiar é mais conclui realisticamente: "É melhor assentar de maneira planejada do que
competente e produtivo do que a empresa agrícola baseada no trabalho deixar que as invasões ameacem ainda mais a agricultura"( Folha, idem).
assalariado" (Folha de S. Paulo, 21/04/97). A opinião do professor José O professor Mello, do mesmo modo que seus colegas, até concorda
Graziano da Silva, da Universidade Estadual de Campinas, vai na linha do com uma" planejada distribuição de propriedades" para os sem-terra,
romantismo econômico. Tem como base a idéia do "welfare state" - esta- desde que ela que não altere em nada a atual estrutura produtiva da agro-
do do bem estar- do início do século na Inglaterra. " O Welfare state teve indústria brasileira. Esta última não pode ser questionada. Ao contrário,
origem no Reino Unido, no final do século passado, quando os proprietá- deve ser protegida e ampliada.
rios de indústrias rurais perceberam (sic) que os trabalhadores precisa- Mas porque eles não podem garantir nem essa simulação de reforma
vam ter moradias dignas". Conclusão: "A saída é reestruturar o núcleo agrária, como fizeram no Japão, na Coréia do Sul, e em outras regiões
familiar como unidade de produção e consumo". (Folha, idem). conflagradas da antiga geo-politica imperialista do pós-guerra? Exata-
Querem uma prova do sucesso da "agricultura familiar" no Brasil? O mente porque a potencialidade produtiva da agro-indústria brasileira é

professor Abramovay tem uma (apenas uma, infelizmente) na ponta da muito grande para caber na atual ordem mundial globalizada. Para que
língua: a plantação de fumo no Sul do Brasil! Com certeza a estrutura esta última se desenvolva, a agro-indústria brasileira tem que ficarestaci-
agrária da produção de fumo no Rio Grande do Sul não ameaça nem um onada, não reformada.
pouco os lucros da Souza Cruz e dos grandes exportadores de fumo. Os números de uma recente pesquisa do Instituto de Economia Agrí-
Isso deve tranquilizar o espírito do professor Abramovay. Mas também cola, da Secretaria da Agricultura do Estado de S. Paulo, mostram essa
não quer dizer que aqueles infelizes pequenos proprietários - mais peque- real idade de estagnação da agricultura.
nos assalariados com um pequeno lote de terra do que qualquer outra
coisa- sirvam como exemplo de uma verdadeira reforma agrária. Tabela 13 - Brasil: Índice de Mecanização da Agricultura
E o que dizer que da maioria dos atuais trabalhadores sem terra, que (período 1960/95)
eram organizados até pouco tempo em "núcleos famil iares de produção e
Ano Área Cultivada Frota de Tratores lndice de Tratorização
consumo", exatamente na forma ideal izada pelos nossos professores? Que (milha) (unidades) (ha/trator de rodas)
eles viviam nessa forma até serem expropriados e expulsos da terra, até 1960 25.673 62.684 410
serem amontoados nas periferias da" grandes cidades, próximos das indús- 1965 31.637 76.691 413
1970 34.912 97.160 359
trias e, finalmente, concentrados nas barracas de lona preta dos acampa- 1<.J75 41.811 273.R52 153
mentos? 1()/l0 47.641 480.340 99
1()85 49.52() 551.036 90
O professor Fernando de Mello, também da USP, joga água fria na 19()0 92
47.666 515.R 15
fervura demagógica dos seus dois colega". "No mundo inteiro, o número de 1995 50.038 481.316 104
pessoas ocupadas em atividades agrícola" está caindo. Para que os empre-
gos surjam, o governo tem de desatar o nó que emperra o crescimento da InstilulO de Economia Agrícola, São Paulo, 1997.

128 129
A partir da segunda metade dos anos 70 a agricultura brasileira parou
de crescer. Isso pode ser verificado pela estagnação da área cultivada, Capítulo VIII
acompanhada pela estagnação da mecanização agrícola. Essa realidade
se agravou nos últimos dez anos. Desde 1985 a área cultivada permanece A China Mostra Sua Cara
a mesma, em torno de 50 milhões de hectares. No mesmo período a frota
de tratores diminuiu em termos absolutos! O estudo do IEA destaca que
o índice de mecanização em 1993 no mundo foi de 52,2 ha por trator. No
Brasil, o índice em 1995 era de 104 ha para cada trator. Também em 93, A imprensa mundial está cobrindo a transferência da colônia inglesa de
a média mundial de colheitadeiras foi de 349 ha por máquina. No Brasil, Hong Kong para o domínio da China com a mesma leviandade com que
esse índice foi de 834 ha por uma colheitadeira. Os engenheiros agrôno- se comemorava o "trator japonês" dos anos 80. Naquela década, estava
mos que realizaram este estudo, verificaram também que "a maioria dos na moda a ilusão de que o Japão substituiria os Estados Unidos na lide-
agricultores brasileiros trabalha com uma frota sucateada de máquinas rança das superpotências econômicas mundiais. Naquela mesma época,
agrícolas. Sem condições de adquirir novos equipamentos, estão refor- o historiador Paul Kennedy publicou um excelente trabalho, com o título
mando ou comprando máquinas agrícolas usadas de grandes agriculto- Ascensão e Queda das Grandes Potências. Ao contrário daquele ôba-
res". (Agrofolha, 2/04/97). O desabamento do índice de mecanização ôba com o Japão, Kennedy concluía que até 2020 a China apareceria
significa que a produtividade daagro-indústria brasileira entrou em queda como a nova grande potência econômica mundial. Para chegar a essa
livre nos últimos dez anos. conclusão, ele fez um criterioso levantamento histórico, desde a dinastia
Essa é a base real da perda de competição com os produtos agrícolas Ming (séculos XIX e XV), que implantou a moderna China, até a primeira
externos. Por isso é pura demagogia dos economistas o argumento de metade dos anos 80 deste século.
que a perda de competitividade da agro-indústria nacional se deve ape-
nas à abertura do mercado interno, aos impostos, às elevadas taxas de De Ming a Xiaoping - Quando Kennedy fez aquela afirmação, a
juros e ao protecionismo externo. Tudo isso sempre existiu. Atualmente, perestroika ainda não tinha se iniciado na Rússia, o muro de Berlim ainda
apenas concretizam aquela sua causa básica: a incapacidade dos grandes estava bem sólido, se falava muito na decadência dos Estados Unidos,
proprietários agrícolas de elevar, no atual estágio da globalização, a taxa nas potencial idades da unificação econômica européia e, dando colorido
de acumulação do capital agrário nacional e, consequentemente, a inter- a tudo isso, as faiscantes bugigangas japonesas inundando sem maiores
rupção da crise agrária. resistências as cidades e lares de todo o mundo.
A força que impulsiona os movimentos dos sem-terra nasce dessa im- Nada mais natural, naquele ambiente, que a aposta de Kennedy pela
potência do moderno sistema capitalista restaurar um rápido crescimento ascensão da cinzenta e atrasada China fosse recebida com menosprezo
da agricultura brasileira. Por isso, sua luta não pode ser interrompida em pelos fabricantes de moda. Mas não foi preciso muito tempo para que a
ilusórias políticas de distribuição de pequenas propriedades pela bur- estrela japonesa perdesse seu brilho. No início dos anos 90 reafirmou-
guesia. A luta dos sem-terra tem que ir, necessariamente, até a raiz dessa se a liderança americana, ao mesmo tempo em que Europa e Japão
miserável realidade, arrancando o controle da produção agro-industrial começaram a deslizar perigosamente para a decadência política eo
das mãos improdutivas da burguesia c transferindo-o para a fértil coletivi- desfalecimento econômico. As razões do infortúnio europeu e japonês?
dade dos trabalhadores Iivremente associados. As mesmas que sustentaram a restauração dos Estados Unidos e, sur-
presa geral, a emergência da China, agora os dois peso-pesados da

130 131
economia mundial do século XXI. financeiro e de capitais instalado na ilha de Hong Kong está entre os três
Kennedy formulou seus cenários com base na relação entre os cus- maiores do mundo. Por ele circula 70% do investimento estrangeiro na
tos militaristas e os investimentos econômicos das grandes potências: China. A mesma integração ocorre com Singapura e Taiwan.
"Dada a natureza anárquica e competitiva das rivalidades entre as na- Os burocratas de Pequim devem estar se divertindo bastante com a
ções, a história das questões internacionais dos últimos cinco séculos futilidade das discussões atuais sobre o futuro da "liberal, ricae democrá-
tem sido, com demasiada frequência, uma história de guerras, ou pelo tica" economia de Hong Kong, que a Inglaterra, ingênua e temerariamen-
menos de preparação para a guerra - e ambas consomem recursos que te, passou para o controle dos "comunistas" no último dia 1 de Julho.
0

as sociedades podiam usar para outros 'produtos' quer públicos ou Eles sabem que todas essas tolices divulgadas pela imprensa mundial so-
privados. Qualquer que seja a fase de desenvolvimento econômico e bre "diferentes sistemas", etc, são extremamente úteis para cobrir sua
científico atingida, cada século testemunhou, portanto, um debate sobre verdadeira estratégia econômica: aproveitar até onde for possível a apa-
as proporções em que a riqueza nacional deve ser usada para fins mili- rente trégua de rivalidades militaristas com Rússia e Japão para reforçar
tares" (Kennedy, obra citada, pg 509). sua estrutura econômica.
Depois da 2a Guerra (1939-45), Alemanha e Japão foram obrigadas a Eles sabem também, como as demais superpotências rivais, que os
exagerar suas prioridades nos pratos da balança econômica nacional: quase pratos da economia nunca podem pender demasiadamente apenas para
nada de com despesas com canhões e soldados de um lado e, de outro, um dos lados, canhões ou manteiga, que essas coisas só podem existir
mais investimentos para a produção de mercadorias correntes. O contrário para uma superpotência como coisas absolutamente iguais. Aquele poder
ocorria com a China. Com o fim da "guerra-fria" e com a Rússia deixando militar dos seus antepassados Ming, que lhes permitiu construir a Grande
de ser uma grande ameaça (pelo menos no imediato), o cenário de Kennedy Muralha e dominar o mundo, ficou enfraquecido por mais de cinco sécu-
pode se realizar com rapidez: tanto os Estados Unidos quanto o a China los, causando-lhes miséria econômica e sucessivas humilhações militares.
puderam aliviar suas despesas no prato de canhões e soldados, de um lado, Durante esse longo período, nunca se ofereceu uma trégua tão propícia
e aumentar seus investimentos no prato da produção civil de outro. como a atual para restaurar aquele antigo poder. E para que essa trégua
Nos anos 90, a situação da concorrência econômica internacional se não seja desperdiçada, eles pensam que não se trata, desta vez, de cons-
alterou bruscamente. Até segunda ordem, o capital vai se movimentar por truir uma nova muralha, mas lima ampla e moderna auto-pista para
uma auto-pista global que começa nos Estados Unidos e termina na Chi- recepcionar o capital sem fronteiras. Com muita paciência. Sabem que
na. As estatísticas da economia chinesa são estonteantes, como veremos nas rivalidades entre as superpotências tudo se resolve no "túnel do tem-
a seguir. Há quase vinte anos o capital pisa fundo no acelerador da explo- po" e não nas tolas divagações dos economistas e jornalistas que acabam
ração das novas fronteiras asiáticas, preponderantemente camponesas. de cobrir a reanexacão de Hong Kong pelo Império do Meio.
Nesse processo, Coréia, lndonésia, Tailândia, e outros "tigres asiáticos"
já mostram sinais de fadiga. Sobrou a China para oferecer ao capital Condenada a crescer - O ambiente econômico na China é de guer-
globalizado sua principal fonte de lucros e de reprodução ampliada. ra: "A Kodak prepara um contra-ataque à Fuji, na China". É com essa
Hong Kong, Singapura e Taiwan, sem território, sem população e, manchete que a Bloomberg News, 23/03/98, noticia que os americanos
principalmente, sem status de potência militar, não passam de entrepostos da multinacional Kodak vão investir mais de US$I bilhão em produção,
comercias e fi nanceiros para a produção de capi tal na Ch ina. Pelo tráfego distribuição e participação majoritária em duas estatais chinesas. A guerra
de mais de 35 milhões de contêineres/ano desses entrepostos passa mais entre os americanos da Kodak e os japoneses da Fuji é mundial. Mas é a
de 90% do comércio chinês. Não é por acaso, também, que o sistema batalha na China que vai decidi •.a supremacia - e até mesmo a sobrevi-

132 133
vência - de uma ou da outra no mercado global. Hoje as duas dominam mias dominadas, dos investimentos multinacionais para a produção de
pedaços iguais no mercado chinês, que cresce 20% ao ano. O atual bens de luxo. O segundo movimento, simultâneo ao primeiro, foi uma
contra-ataque da Kodak tem motivações globais: " A empresa quer inaudita expansão do comércio internacional: "Há 25 anos, o comércio
estancar a queda dos lucros e a perda de participação no mercado pro- mundial, avaliado em termos nominais, era de US$300 bilhões. No ano
duzindo e vendendo filmes no país mais populoso do mundo ( ... ) A passado chegou a US$5 trilhões - um ganho assombroso de mais de I7
empresa informa que, se apenas metade das pessoas da China usarem vezes." (FinanciaI Times, 22/01/98)
um filme de 36 poses por ano, será o equivalente a adicionar outro país Resumo da Era Deng : o explosivo crescimento da economia chinesa é
como os Estados Unidos ou o Japão ao mercado mundial de fotogra- cada vez mais dependente de aportes a taxas geométricas de investimen-
fia", noticia a Bloomberg. tos externos e de repetidos recordes anuais de expansão do seu comércio
Se depender de algumas projeções feitas para a economia chinesa nos exterior (exportações e importações). O FMI parece não dar muita im-
próximos anos,já estão garantidos os 600 milhões de consumidores de portância para esses inseguros condicionantes do "milagre chinês" nas
filmes de 36 poses por ano que a Kodak está esperando. Vejam, por suas ousadas projeções. Por exemplo, que no ano de 2006 - daqui a oito
exemplo, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) faz suas proje- anos -, a participação relativa do produto chinês na economia mundial
ções sobre a participação das economias nacionais no tabuleiro da pro- será exatamente a mesma da economia de ponta do sistema, os Estados
dução mundial. Unidos - 17,1 % de cada lado. N as suas projeções, feitas antes da crise
que já atinge a quase totalidade da área asiática, o FMI também arrisca
Tabela 14 - China: Mudança das Posições Relativas na que, naquele mesmo ano de 2006, mais da metade da produção mundial
Economia Mundial (parte % do produto mundial) estaria sendo executada nas áreas das economias dominadas - Ásia,
América Latina, Leste da Europa, África, Oceania, etc. Em 1972, essas
Ano Estados Unidos Ja ão Rússia China
áreas participavam com apenas 35% da produção mundial.
1972 25.1 8, I 3, I 4,1
1980 22,1 8, I 3, I 4,1 Eis aí um cenário para a economia chinesa capaz de estimular ao má-
1990 22,1 9,1 4,1 7, I
1997 20,1 8.1 1,1 12.1
ximo os espíritos dos estrategistas em relações internacionais. É isso que
2006* 17,1 7,1 2.1 17.1 está acontecendo. As projeções do FMI apenas confirmam o que há um
2015* 14,1 6,1 2.1 25,1
bom tempo já se transformou no cenário mais provável dos formuladores
*projeções da política externa para o próximo século, principalmente nos Estados
Fonte: FMI - World Economic Outlock 1997 Unidos, Japão e potências européias. A evolução da economia chinesa
passou a ser considerada nessas formulações e estratégias a coisa mais
Nos últimos dezessete anos, período em que a China vi veu a chamada importante a acontecer no ambiente internacional nessa virada de século.
Era Deng - referência ao nome do seu dirigente Deng Xiaoping, recente-
mente falecido - de abertura e integração à economia globalizada, a sua Além da muralha - Quem procura as condições de funcionamento
participação na produção mundial pulou de 4, I % para 12,7%. Essa tra- da economia chinesa, logo verifica que elas se desdobram sobre uma
jetória assombrosa- que também ocorreu, embora em menor medida, rígida di visão regional e populacional. São duas regiões. A primeira é a
com os "tigres asiáticos" - foi possível porque a China pegou carona em Costa Leste, litorânea, que inclui oito províncias - Liaoning, Hebei,
dois movimentos característicos da globalização da economia mundial. O Shandog, Jiangsu, Zheijiang, Fujiau, Guandong e Hainan; uma região au-
primeiro, foi um significativo deslocamento, em direção às áreas e econo- tônoma - Guangxi; e duas cidades diretamente subordinadas ao governo

134 135
central- Tianjin e Shangai. Segundo o China Business Guide, publicado milhões de habitantes, 8 milhões vivem em uma grande pobreza e sub-
pelo governo chinês, a Costa Leste cobre uma área total de 1,344 mi- alimentados, com rendimentos oficiais inferiores a 50 dólares por ano. A
lhões de quilômetros quadrados, aproximadamente 14% do território chi- alimentação diária se reduz a um pouco de legumes, de arroz e gorduras
nês. No fim de 1994, a população dessa região alcançava 478 milhões de de porco. Para os homens adultos, a estratégia de sobrevivência compre-
pessoas, representando 40% da população total da China. Estão locali- ende a difícil procura de um trabalho na cidade, ou em quebra-galhos,
zadas nessa região cinco Zonas Econômicas Especiais, quatorze cidades como o engaiolamento de pássaros da região, que farão a alegria dos
abertas e a Nova Área de Desenvolvimento Shangai-Pudon. Esta é a colecionadores urbanos (...) A migração para os canteiros de obras de
região economicamente mais desenvolvida da China, a que está aberta Guandong e outras províncias costeiras mobiliza normalmente três quar-
para o mercado mundial. A grande maioria das empresas estrangeiras tos dos homens adultos, que deixam as mulheres cuidando dos trabalhos
estão estabeleci das nessa região. do campo. Os 110 a 220 dólares por ano enviados por esses operários
A segunda grande região da economia chinesa é a do Meio Oeste, sub-contratados - quando não são ludibriados - representam um comple-
mais para o interior. Cobre todas as províncias do interior, as cidades e mento importante para essas famílias em dificuldade. Quanto às moças,
regiões autônomas do centro e do oeste da China. É uma região com um recebem às vezes propostas de trabalho humilhantes por agenciadores
vasto território agrícola e recursos primários abundantes. Mais de 700 profissionais, que as vendem em seguida em outras províncias, onde elas
bilhões de toneladas de carvão estão depositados e distribuídos em pro- devem no melhor dos casos se casar ou, no pior, se prostituir". ("A Gran-
víncias como Shanxi, Inner Mongolia, Ningxia e Xinjiang. Outros varia- de Pobreza Chinesa" in Le Monde Diplomatique, outubro de 1997) .
dos tipos de recursos minerais estão também depositados nesta região.
Por exemplo, os depósitos de vanádio, titânio e magnetita da província de Muito emprego e... muito desemprego - A migração das populações
Sichuan são calculados em 10 bilhões de toneladas, o que corresponde a camponesase seu amontoamentona CostaLeste foimuito grande nos anos 90
mais de um terço dos depósitos conhecidos do mundo. O Meio Oeste e se acelerouainda mais no períodomais recente.O impactodesse movimento
fornece mais de 50% da energia elétrica e também mais de 60% das aparecenas rápidasmudanças da repartiçãodoemprego naquelaeconomia no
matérias-primas necessárias para a produção industrial da Costa Leste. breve espaço de quinze anos.
As empresas estrangeiras são em pouca quantidade nesta região, predo-
minando o emprego agrícola e uma variedade enorme de pequenas e Tabela 15 - China: Emprego da População Trabalhadora
grandes empresas estatais, a maioria em estado de falência ou em vias de (milhões de pessoas, em 1980 e 1995)
serem privatizadas.
1980 % total 1995 % total Variação % 1995/1980
A modernização da economia chinesa ainda não começou no Meio
Oeste. Ao contrário. Do mesmo modo que com as matérias-primas e à Agricultura 291,22 68,75 330,18 52,92 13,38
Indústria 67,14 15,85 109,93 17,62 63,73
energia, a região se transformou em um passivo fornecedor de força de Outros 65,25 15,40 183,77 29,46 181,64
trabalho barata para as províncias e Zonas Econômicas Especiais locali- Total 423,61 100,00 623,88 100,00 47,28
zadas na Costa Leste. A província de Guizhou, a oeste da província cos-
teira de Guandong, é um exemplo da miséria e desesperança em que se China: Depart. de Estatísticas Governamentais, 1998

encontra a grande maioria dessa população.


"Nos últimos quinze anos, a renda per capita da província de Guizhou Em 1980, existiam 67 milhões de chineses trabalhando nas fábricas.
caiu de 50% da média nacional a aproximadamente 30%. Dos seus 35 Em 1995,já existiam mais de 110milhões. Um aumento de 43 milhões de

136 137
trabalhadores industriais em quinze anos. Só esse acréscimo corresponde diferente. É sombrio. Os trabalhadores chineses em geral estão em apu-
ao dobro dos operários industriais empregados nos Estados Unidos. Fren- ros (. ..) No período anterior às reformas, o salário dos gerentes represen-
te a esses números, não se pode deixar de pensar naqueles ideólogos da tava apenas três ou quatro vezes o dos trabalhadores comuns. Hoje che-
"era do conhecimento", do "pós-fordismo", da "financeiração", do "fim gam a ganhar até 300 vezes mais. E não são apenas as disparidades sala-
do trabalho" e outras bobagens muito em voga nos círculos acadêmicos e riais que alimentam o ressentimento dos operários. Sob a manchete 'Não
jomalísticos, que procuram demonstrar que a exploração do trabalhador agüentamos mais', o Diário dos Trabalhadores, de Pequim, publicou em
no chão da fábrica deixou de ser importante para a vida do capital. 17 de abril de 1996 uma reportagem feita após o jornal ter recebido uma
O crescimento do emprego na China caminha junto com o do de- carta animada por 24 trabalhadores de uma 'joint venture de Guangdong,
semprego. Isto é mais do que uma contradição, é o próprio movimento a indústria de calçados Zhaojie, administrada pela parceira taiwanesa, a
do exército industrial de reserva, da organização do mercado de traba- Calçados Zhongjie: 'A companhia nos espanca, nos maltrata e nos humi-
lho capitalista. E é assim que esse movimento se apresenta na China, é lha à vontade', escreveram os operários. O jornal descobriu que, entre as
assim que ele se globaliza. As avaliações quanto à atual massa de de- punições corriqueiras, estava a de obrigar os trabalhadores a pular como
sempregados na China são muito próximas para diferentes fontes: en- sapos, colocá-Ios de pé com o rosto virado para a parede ou em cima de
tre 130 e 190 milhões de pessoas em idade de trabalho. "Se a China um banquinho, ou no pátio sob o sol a pino. Violando a legislação traba-
criou numerosos empregos, ela também perdeu muitos. Assim, a mão- lhista, os empregados eram por vezes forçados a trabalhar a noite toda
de-obra excedentária no campo oscila entre 100 e 150 milhões de pes- para atender a encomendas urgentes. Sob a vigilância constante de uma
soas. Nas cidades, existem de 30 a 40 milhões de pessoas que estão no centena de seguranças, os 2,7 mil empregados da empresa, na maioria
desemprego, completo ou parcial. Sem contar, é claro, as multidões de mulheres (algumas com menos de 16 anos), raramente recebem autoriza-
jovens que se preparam para entrar no mercado de trabalho" (Le Mon- ção para deixar o complexo industrial, no qual vivem em dormitórios. Um
de Diplomatique, março/97) trabalhador, ao ver negado seu pedido de demissão, tentou fugir escalan-
"Com o nível de desemprego talvez dez vezes acima do índice oficial do o muro da fábrica e morreu esmagado por um trem. Problemas se-
de 3%, a situação seria muito pior sem uma crescente economia clandes- melhantes são abundantes em toda região do litoral Sudeste, o laborató-
tina e uma economia privada em pequena escala que se expande nas fissuras rio inicial das reformas de Deng. O avesso do milagre econômico foi re-
do setor estatal". (The Econornist, 19/03/98) velado não apenas por nossas pesquisas nos próprios locais, mas tam-
bém por sindicatos,jornalistas baseados em Hong Kong e, às vezes, pe-
A outra guerra - Por trás dos fatos e números da geografia econômi- los próprios meios de comunicação chineses. C ..) Cercada de 17 milhões
ca da Era Deng se esconde uma outra guerra. Ela é muito mais importante de chineses trabalham nas fábricas instaladas na região litorânea por inves-
para se entender os fundamentos do crescimento da economia chinesa do tidores na região litorânea por investidores estrangeiros, principalmente de
que aquela que se trava entre as gigantes multinacionais, como a Kodak e Taiwan, Hong Kong e Coréia do Sul. Os trabalhadores, quase sempre
a Fuji, pelo domínio do seu mercado e dos seus lucros. mulheres vindas de área" rurais, fabricam calçados, brinquedos, roupas e
"Para os executivos financeiros que acompanham os indicadores da outros produtos para exportação, muitas vezes sob condições da mais bru-
economia global nos arranha-céus da Wall Street, os altos índices de cres- tal exploração. Os salários irrisórios não são, contudo, o pior problema
cimento registrados pela economia chinesa inspiram confiança.justifican- dessas operárias. Mais repugnantes são as punições físicas e até mesmo
do novos investimentos. Visto pelos homens e mulheres que trabalham espancamentos por supervisores e guardas particulares, alguns dos quais
nas fábricas da República Popular, porém, o quadro econômico é bem carregam cassetetes elétricos.

138 139
Em alguns casos, as regulamentações coercitivas impostas pela admi- americano produz 40% a mais em 1994 do que ele produzia em 1980. Em
nistração, e vál idas não só durante o horário de trabalho, mas também nas resumo, o nível de exploração (mais-valia) sobre o trabalhador americano
horas de folga, são incrivelmente detalhadas: não é permitido conversar aumentou mais rapidamente do que o seu salário real, que mede apenas o
nem mesmo às refeições; no interior do complexo fábrica-dormitório, os seu nível de miséria. Neste processo, o próprio salário real do trabalhador
trabalhadores só podem circular por um caminho demarcado; eles são americano - medido na forma de preço - pode aumentar em certos perío-
proibidos de sairdocompIexo sem permissão especial; as mulheres não dos, sem afetar o nível de exploração (medido em valor) - isso acontece
podem engravidar, se casar ou mesmo noivar. Em uma das fábricas, todas geralmente no auge da expansão cíclica, como neste momento nos Estados
as operárias que precisam ir ao banheiro mais de duas vezes durante a Unidos, o que leva o presidente do Banco Central e os capitalistas daquele
jornada de trabalho são descontadas em quase 20% do salário mensal. país a temerem pela "inflação". Essa é a forma alienada com que eles expri-
Transgredir uma dessas regras pode acarretar não apenas multa como mem o prelúdio de mais uma crise dei ica de superprodução.
castigo físico, pressões psicológicas ou mesmo demissão - caso em que o O aumento da exploração dos trabalhadores nas economias dominan-
empregado perde no mínimo duas semanas de salário." (Anita Chan e tes (mais-valia relativa) se combina com o aumento da miséria dos traba-
Robert A. Senner, "O Sofrimento do Trabalhador Chinês", in Foreign lhadores nas economias dominadas (mais-valia absoluta). O aumento da
Affairs - traduzido na edição brasileira da G. Mercantil, de 11/abriI/97). taxa de mais-valia global- que leva à tendência a queda da taxa de lucro,
Não é assim que se aumenta a produtividade da força de trabalho. à desvalorização do capital instalado e à crise, no decorrer de um ciclo
Mas essa produção de capital na forma de mais-valia absoluta - prolon- econômico-é combinado com o aumento da massa de mais-valia, que
gamento dajornada e pagamento do salário abaixo do valor da força de se contrapõe àquela tendência à queda da taxa de lucro global.
trabalho - é a forma necessária para o funcionamento do desenvolvimento Isso é possível porque a composição orgânica do capital nas econo-
desigual e combinado na economia mundial. É a base para a reprodução mias dominantes, onde predomina o capital constante - máquinas e maté-
e aprofundamento de uma rígida divisão entre economia" dominantes, com rias primas - é mais elevada do que nas economias dominadas, onde pre-
elevada produ tividade da força de trabalho, e economias dominadas, com domina o capital variável (força de trabalho). Nesse processo global de
produtividade relativamente mais baixa. valorização do capital, a quantidade de trabalhadores industriais cresce
mais (e principalmente) em economias dominadas como achinesa. É por
Americanos e chineses - Na "Comparação Internacional do Custo isso, também, que a participação das economias dominadas não pára de
Horário dos Trabalhadores da Produção Industrial", do Departamento aumentar na produção global, como foi verificado - e não explicado-
de Trabalho dos Estados Unidos, aparece que a relação entre o custo de um pelos números e projeções do FMI que mostramos acima.
trabalhador industrial chinês, comparado com o de um trabalhador america- Para o capital global, se a taxa de mais-valia é mais elevada nas econo-
no, subiu de 15% em 1980para21 % em 1990 e, finalmente, para 28% em mias dominantes, a taxa de lucro é mais elevada nas economias dominada".
1994. Isso não quer dizer que os salários reais dos trabalhadores chineses Nesse sentido, a Kodak age racionalmente quando procura se instalar na
aumentaram no período. Os custos horários dos trabalhadores americanos é China para "estancar a queda dos lucros" (vide notícia da Bloomberg
que sofreram uma grande desaceleração, aumentando a taxa de lucro dos News, acima). Vê-se assim que não é a concorrência que provoca a queda
investimentos em território americano. Assim, ainda de acordo com a fonte da taxa de lucro, mas é essa queda que leva a um aumento da concorrência.
citada, em 1980 um trabal hador industri aI americano vai ia sete trabal hadores
chineses; em 1994 valia menos que quatro chineses. A armadilha da miséria - A economia chinesa é tão grande quanto
Isso tem à ver com a produtividade da força de trabalho: o trabalhador a miséria da sua população. Dados do Banco Mundial mostram que apro-

140 141
ximadamente 350 milhões de pessoas - 30% da população chinesa-
viviam em 1993 com uma renda abaixo de 1 dólar por dia. Na China, CAPÍTULO IX
como de resto em qualquer economia dominada da Ásia ou da América
Latina - os capitalistas procuram compensar inferioridade competitiva
Os Salários e os Trabalhadores
(baixa produtividade nacional) frente às economias dominantes,
aprofundando a miséria da população. Essa fusão global de exploração e também são Globalizados
miséria se apresenta como um verdadeiro inferno produtivo de capital,
pois quanto mais aumenta a diferença entre os níveis de produtividade Quem come mais Big Mac'? - Acaba de ser publicada uma interes-
internacionais, o aumento da miséria tem também que ser acelerado. Pode- sante pesquisa: "Preços e Salários no Mundo -uma comparação inter-
se assim se entender a aparente irracionalidade dos capitalistas de países nacional do poder de compra", Dep. de Pesquisa Econômica do UBS
onde existem os menores salários do mundo, como China, Brasi I,México (União de Bancos Suíços), Zurique, agosto/1997, 44 pgs. Para melhor
etc., que estão sempre frente ao dilema dos "elevados salários" e perda aproveitar as informações e dar a elas um sentido analítico e comparativo
da competitividade no comércio internacional. mais coerente, organizamos os dados dispersos e descoordenados das
A coisa piora ainda mais quando, como na China, a taxa de câmbio é 56 grandes cidades do mundo cobertas pela pesquisa. Selecionamos e
fixa, condição necessária para se receber os investimentos externos. Neste agrupamos as cidades de acordo com os grupos e áreas geoeconômicas
caso, a pressão sobre os salários aumenta ainda mais. E qualquer econo- abaixo, calculando finalmente suas respectivas médias:
mista mediano sabe, por experiência prática, que "com câmbio fixo a única -Grupo dos 7(G-7), representando o bloco econômico dominante do
possibilidade de se manter a competitividade é rebaixar os salários". mundo. As cidades são: Nova York, Chicago, Houston, Los Angeles,
Mas nessa luta para se manter a tona - exportando, atraindo investi- Berlin, Frankfurt, Paris, Londres, Milão, Montreal, Toronto e Tóquio;
mentos externos, se endividando e crescendo - sempre chega um mo- Leste Asiático: Hong Kong, Jak.u ta, Kuala Lumpur, Manila, Bangkok,
mento, que geralmente coincide com os primeiros sinais de mais um perí- Bombain, Seul, Shangai, Singapura e Taipé; Leste Europeu: Moscou,
odo de crise global, em que mesmo um baixo salário não garante mais o Budapest, Praga e Varsóvia; América Latina: Buenos Aires, Caracas,
crescimento dos investimentos em novas fábricas e novos empregos. Já Bogotá, Cidade do México, Panamá, Rio Janeiro e São Paulo. Para esta
verificamos, bem antes que os "tigres asiáticos" estourassem na crise última área, destacamos especialmente o Brasil.
atual, que os capitalistas americanos já se preocupavam com a elevação
dos salários na Malásia, onde os operários ganham menos de 1 dólar por Tabela 16 - Preços Mundiais: minutos de trabalho necessários
hora para montar desde microprocessadores Intel até computadores Dell, para comprar 1hamburguer, 1kg. de pão ou 1kg. de arroz-
como vimos no primeiro capítulo deste livro. Agora, com a explosão do Blocos de economias selecionadas, 1997.
"modelo asiático", pode-se confirmar que os limites dessas condições de G7 América Brasil*
Item Leste Leste
,
acumulação estão na sua base podre de valorização, e não em supostos Asiauco Europeu Latina
I hamhurguer 14 4X 76 56 38
desequilíbrios causados pelo "capital especulativo", corrupção dos diri- I
I

gentes e outras bobagens. I kg de pão 13 46 32 32 34


,

I kg. de arroz 12 35 60 21
~

*Brasil = São Paulo e Rio

142 143
Tabela 18 - Preços Mundiais: Salários Brutos Anuais, diversas
Para ter o direito a 1 Big Mac, 1 Kg. de pão ou I Kg. de arroz,
categorias profissionais (em milhares de US$), 1997
os trabalhadores das áreas dominadas têm que dar em troca um equi-
valente de tempo de trabalho duas a quatro vezes maior do que o Categoria G-7 Leste Asia Leste Europa América Latina BrasiI(SP-Rio)
Gerentes(l) 61,0 25,6 10,0 30,6 57,2
trocado pelos trabalhadores localizados no G7. Para se comprar um 6,4 23,5 33,4
Engenheiros(2) 47,0 21,6
saco com 1 Big Mac + 1 Kg. de pão + I Kg de arroz é preciso o Bancários(3) 38,0 11,8 6,3 15,8 16,0
34,9 10,5 2,7 5,5 5,3
equivalente a 39 minutos de trabalho no G7; a 129 minutos na Ásia; Professor(4)
Operário qualif(S) 31,9 13,5 4,0 8,8 14,6
a 168 no Leste europeu; a 109 na A. Latina; e a 86 no Brasil. O Motorista(6) 30,1 10,1 3,8 7,4 8,3
significado dessas diferenças fica mais claro quando se verifica que Operário(7) 21,8 6,8 2,5 3,6 3,9
()perária(S) 18,7 5,9 1,7 4,0 3,8
os trabalhadores recebem-na forma salário - uma quantidade de
equivalentes a 1 hora de trabalho que também é muito diferente en-
(I) Gerente de produção (indústria metalúrgica) - (2) Engenheiros e Técnicos (lnd.
tre as diversas áreas.
elétrica) - (3) Bancários (escriturários) - (4) Professor primário - (5) Operário
metalúrgico qualificado - (6)Motorista de ônibus - (7) Operário construção civil- (8)
Tabela 17 -Salários, preços de alimentos e aluguéis
Operária (mulher) da indústria têxtil.
(em US$), 1997
ITEM G-7 Leste Asia Leste Europa América Latina Brasil (SP-Rio) Nas funções de direção e controle (gerentes, engenheiros e técni-
Salário (I) 15,0 4,6 1,7 3,9 5,3
Alimentos(2) 404 359 254 278 338 cos), verifica-se uma certa convergência de salários. Mas os fossos sa-
Aluguelt J) 800 726 307 607 795 lariais entre os trabalhadores produtivos do G7 e os das áreas domina-
das são muito profundos. O mesmo ocorre entre as áreas dominadas e
(I) Salário Bruto Médio por hora (em US$)
dentro de cada área. Assim, no Brasil um gerente de produção recebe
(2) Preço de uma cesta de 39 Itens (em US$)
um salário praticamente igual ao dos seus colegas do G7, mas compa-
(3) Aluguel mensal médio ("maioria das casas", em US$)
rado com seus "colegas" brasileiros, seu salário é 3,5 vezes maior do
que o de um bancário; 4 vezes o de um operário metalúrgico qualifica-
No Leste asiático os salários equivalentes a uma hora de trabalho
do; 7 vezes o de um motorista de ônibus; 10 vezes o de um professor
correspondem a apenas a 30% do G7; no Leste europeu correspondem
primário; e, finalmente, 15 vezes o de um peão da construção civil ou de
a 11%; na América Latina a 26% e no Brasil a 35%. Mas os preços dos
uma operária da indústria têxtil.
alimentos ou do aluguel de uma casa não são proporcionais àquelas
Pode-se ver que essas comparações de salários e preços no mundo
diferenças de salários. Para comprar uma cesta de alimentos com 39
não devem ser vistas como um campeonato de video-game, como fazem
Ítens idênticos, o trabalhador da Ásia paga 89% do que é pago pelo
a imprensa e o próprio UBS. Isso pode criar, por exemplo, uma imagem
trabalhador do G7; o do Leste europeu paga 63%; o latinoamericano
de que os trabalhadores localizados nos países imperialistas (que
68% e o brasileiro 84%! Para o aluguel de um filipino paga 91 % do que
correspondem em nossa divisão ao G7) são os vencedores e vivem muito
paga um alemão; um polonês paga 38%; um argentino paga 76% e um
bem, até com um certo luxo, enquanto que os trabalhadores localizados
brasileiro 99%!
nas áreas dominadas são os perdedores e encontram-se, digamos assim,
Quanto ás diversas categorias de trabalhadores produtivos, não te-
apenas em pior colocação que seus "competidores" dos Estados Unidos,
nham dúvidas de que as diferenças também são muito grandes.
Europa ocidental e Japão.

145
144
Como qualquer imagem, esta também é falsa. Por trás desses efeitos do G7, ou seja, no próprio coração do sistema. Pois é exatamente isso
mistificadores de diferenças salariais e de preços, a classe trabalhadora que já começa a acontecer nos Estados Unidos, com uma greve na Gene-
mundial vive muito mal. O poder de compra (salário real) relativamente ral Motors, a maior montadora do mundo.
maior dos trabalhadores localizados no G7 quer dizer apenas que eles
recebem o mínimo de salário, quer dizer, apenas o necessário a uma razo- Greve na GM em Flint, Estados Unidos - A senhorita Cristiane
ável reprodução física. Não confundir com o "salário mínimo", muito mais Chaves - 23 anos, nascida e criada na pequena cidade de Campo Largo,
baixo, que é estabelecido legalmente nos Estados Unidos em US$5, 15 a no interior do Bra.;;il- está muito feliz com o novo emprego que conseguiu
hora, depois do reajuste de 8,4% concedido pelo governo no último dia na nova fábrica da Chrysler instalada recentemente na sua cidade. Cristiane
0
1 de setembro. sempre viveu na casa de seus pais, nunca tinha visto uma fábrica de auto-
Não se pode dizer que um operário metalúrgico dos Estados Unidos móveis em sua vida. Foi sua mãe que lhe informou que a Chrysler estava
ou da Alemanha, que ganha um salário médio de 2.500 dólares ao mês fazendo seleção de funcionários. Depois de passar por seis testes e entre-
(como é informado pela pesquisa da UBS), tenha uma vida folgada. Pode- vistas, fez parte do treinamento de trinta pessoas, com estágios de duas
se dizer apenas que ele pode comer alguma coisa próxima do necessário, semanas na fábrica da Chrysler da Argentina e de um mês na sede da
se transportar, morar em uma casa modesta, tratar precariamente da saú- empresa, nos Estados Unidos. Foi treinada para ser "team leader" (chefe
de e garantir as coisas básicas para a reprodução da sua prole. de célula) da seção de pré-montagern da picape Dakota. Agora, ela está
Para concluir, é importante salientar que essas diferenças de salários e muito feliz com seu salário: entre 2 e 3 dólares por hora, o que lhe propor-
preços entre diferentes áreas do território econômico mundial já foram cionará um salário mensal entre 500 e 700 dólares. O seu largo e ingênuo
muito maiores no passado. Foram também um poderoso instrumento de sorriso é a própria imagem de uma cidadã globalizada.
divisão, controle e dominação da classe trabalhadora mundial. A própria Bem longe dali, nacidade de Puebla, México, também é possível se
estrutura sindical, assentada sobre o poder de uma aristocracia operária, encontrar muitas outras cidadãs globalizadas como Cristiane. Do mesmo
foi um instrumento dessa dominação burguesa. Essa estrutura sindical foi modo que o Brasil, o México se transformou no "novo paraíso das
generalizada também para as áreas dominadas. Aqui, o grande instru- montadoras", segundo a expressão do jornal The Wall Street [ournal
mento de manipulação sempre foi a ilusão vendida pela burocracia sindi- das Américas, de 23/06/98. Segundo o jornal, "A Chrysler Corporation,
cal de que um dia os trabalhadores do terceiro-mundo poderiam ir ao com sede nos EUA, vai investir US$I ,5 bilhões nos próximos cinco
paraíso, quer dizer, alcançar o mínimo de salário do primeiro-mundo. anos em suas oito fábricas no México. Os recursos serão investidos
Agora a realidade mudou: o atual ímpeto da globalização é de rebaixa- em equipamentos e treinamento de mão de obra ( ... ) O vizinho ao
mento do mínimo de salário no G7, em direção dos níveis salariais das lado, os Estados Unidos, são o maior mercado do mundo e o México
áreas dominadas. Contraditoriamente, o capital precisa abdicar daquele paga salários tão baixos que fazem os trabalhadores das linhas d~ pr~-
poderoso instrumento de dominação e controle econômico da luta de dução esbravejarem de Detroit a Stuttgart ( ... ) A produção por funci-
classes para garantir a sua própria reprodução globalizada. onário em Puebla excede a produtividade na Alemanha, onde o novo
Não será necessário esperar que o mínimo de salário do G7 se cruze contrato do sindicato com a Volkswagen faz com que um funcionário
com os níveis existentes nas áreas dominadas. Muito antes disso, os aba- médio trabalhe apenas 28 horas por semana. Os funcionários de Puebla
los dessa nova repartição de preços e salários no mundo capitalista serão trabalham cerca de 42 horas por semana. e o salário é em média de
acompanhados pela reemergência e pela revolta da mais tradicional par- US$ 13,50 por dia, quase o que se paga por hora numa fábrica
cela da classe proletária mundial, exatamente aquela situada no território automotiva nos EUA"

146 147
Na cidade deFlint, na~ proximidades de Detroit, Estados Unidos, por tentes na GM do Brasi I representam os principais estímulos para a lucra-
enquanto não existem cidadãos globalizados. Foi ali que 9000 trabalha- tiva globalização da produção capitalista.
dores de duas estratégias fábrica" da General Motors entraram em greve
no dia 5 de junho. Seis semanas depois, a greve já tinha praticamente Tabela 19 - Quanto se produziu na indústria automobilística nos
bloqueado a produção de 26 fábricas da GM nos Estados Unidos e imo- Estados Unidos e na G. Motors do Brasil (de 1987 a 1996)
bilizando o trabalho de cerca de 170 mil operários da maior montadora
mundial. Tinha impedido a produção de 225 mil carros e caminhões, e
reduzido, até aquele momento, US$I, 18 bilhões dos lucros da GM.
Mas o que une Campo Largo, Puebla e Flint? A greve operária inicia-
da em 5 de junho está mostrando que é um avançado caso de globaliza-
Gi\l Brasil n.d 11.0 n.d
ção industrial e seu característico método de valorização do capital. E que
a indústria automobilística instalada no maior mercado nacional do mun-
do, os Estados Unidos, tem urgência da segunda etapa do processo de
globalização industrial em curso.
A greve dos trabalhadores da GM está mostrando que os capitalistas
americanos precisam fazer imediatamente, no seu próprio país de origem,
o que eles já fizeram em países dominados como Brasil e México. Está
mostrando que nesta última etapa do processo civilizatório, é exatamente
a General Motors, a maior empresa mundial, que deve globalizar também
os trabalhadores do seu país de origem, torná-Ios também cidadãos
globalizados, cidadãos iguais aos de Campo Largo e Puebla.
Fontes Primárias dos Dados:
Produzindo o mesmo automóvel nos Estados Unidos e no Brasil. ESTADOS UNIDOS: a) US Department of Commerce - Bureau of Census - "

Onde se produz mais? - Para avaliar as possibilidades desse arriscado AII/llWI Survey ofManufactures - lndustry Statistics", 1998.
trabalho, é importante tirar uma radiografia das condições atuais de valo- h) General Motors Corporation - "GMs 199(j Annual Report" , 1997.
rização da indústria automobilística globalizada. Pode-se verificar quanto GM do BRASIL: DIEESE / Suhseção de S. José dos Campos c Região - "Indica-·

e como se produz capital na indústria automobilística dos Estados Unidos dores de Emprego. Produtividade e Salário Médio - General Motors do Bra-

- onde a GM concentra mais de um terço da produção de automóveis- sil" abril/98.


e nas principais fábricas daquela empresa no Brasil que, como eles mes- Notas: 1- Operários dos Estados Unidos inclue apenas os horistas; para a GM

mo dizem, é "o campo mais avançado de experimentação e treinamento Brasil, inclui horistas e mcnsalistas (funcionários).
para os executivos da GM". 2- Os dados da GM Brasil compreendem as unidades de SJosé dos Campos e São

Podemos assim considerar- para efeito de uma análise de conjunto Caetano


do atual estágio de globalização do capital- que as condições da produ- 3- US$ = valores correntes.
ção de automóveis nos Estados Unidos representam as condições atuais
de valorização do capital no centro do sistema. E que as condições exis- De uma maneira geral, o que se verifica é uma diminuição sistemática

148 149
do emprego e uma grande expansão da produção de capital. E que o não tiveram outra saída senão aumentar as contratações (+4,5%). Horas
"enxugamento'' da quantidade de operários nas linhas de produção é uma trabalhadas e novas contratações variaram proporcionalmente desde 1987.
tendência inevitável do processo de globalização de uma empresa. Por Entre 1987 e 1992, o emprego caiu 5,22% e as horas trabalhadas tam-
enquanto, essa tendência é menos visível, nos Estados Unidos, onde o bém caíram 3,04%. Entre 1992 e 1997, as horas trabalhadas cresceram
emprego praticamente se manteve inalterado no período 1987/96, com 6% e as contratações cresceram junto, mais 4,5%. Isso demonstra uma
uma leve redução de 0,97% nos postos de trabalho. No Brasil, o ação positiva do UAW (United Auto Workers), sindicato dos trabalha-
"enxugamento" foi mais intenso: quase I0% de postos de trabalho a me- dores metalúrgicos na indústria automobilística americana. Conseguiu evi-
nos, no mesmo período. tar a mais catastrófica consequência da jornada flexível de trabalho: o
Deve-se salientar que, mesmo entre 1992 e 1996 - um período de aumento da concorrência entre os trabalhadores de uma indústria, o que
grande expansão cíclica da economia mundial e particularmente da os torna presa fácil para sanguinárias jornadas de trabalho.
produção de automóveis - o nível de emprego subiu apenas 4,5% nos
Estados Unidos e caiu quase 2% na GM. do Brasil. No mesmo perí- Os trabalhadores morrem, a GM renasce - No Brasil, entretanto,
odo, a produção de automóveis subiu 5,5% nos Estados Unidos e a realidade das horas extras, da flexibilidade da jornada diária e dos
107,9% no Brasil! famigerados "bancos de horas", se apresenta com sua face mais concreta:
Em resumo: nos Estados Unidos, onde as condições mais profundas "O metalúrgico Paulo Donizete Alves, 42, morreu ontem de madrugada
da globalização ainda não tinham sido plenamente instaladas, ainda se ao ser atingido, na barriga, durante a troca da ferramenta de uma prensa.
podia imaginar a possibilidade de se manter o nível de emprego com o O acidente aconteceu na unidade da Mercedes-Benz, em São Bernardo
aumento da produção. Mas no Brasil, esse "laboratório avançado dos do Campo (São Paulo). Em protesto contra o acidente, 6.000 dos 9.500
métodos globalizados", verificou-se a inevitabilidade do processo: em funcionários da montadora não trabalharam durante a manhã de ontem ".
apenas quatro anos dobrou-se a produção e ... o nível de emprego caiu. (Folha de São Paulo,_08/07/98 )
Em 1996, uma quantidade menor de operários estava produzindo na GM Só no ano de 1996, aconteceram 428 mil acidentes de trabalho no
do Brasil o dobro de automóveis que se produzia em 1992. Essa é ape- Brasil, segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho. Segundo a mes-
nas uma das inevitabilidades do Prol.:L'~SO de globalização contra a qual os ma fonte, aconteceram naquele ano um total de 5.538 acidentes com
trabalhadores da GM estão em greve nos Estados Unidos. mortes, cerca de I% do total de acidentes; um acréscimo de 40% sobre
Os dados sobre horas trabalhadas não são fornecidos pela GM do o ano anterior.
Brasil. Não é por acaso que a empresa esconde esses dados. Prolonga- No México, no mesmo ano de 1996, ocorreram 444 mil acidentes de
mento dajornada, trabalho noturno e nos feriados, etc, é regra nas eco- trabalho. Ocorreram 1.222 mortes, cerca de 0,3% do total de acidentes.
nomias dominadas. Na GM do Brasil, os trabalhadores sofrem umajor- Nos Estados Unidos e Canadá, no mesmo ano, ocorreram 3,3 milhões
nada que é determinada pelas oscilações da demanda pelos veículos. A de acidentes de trabalho, sendo registrada" 1.027 mortes, cerca de 0,003%
jornada flexível adapta os trabalhadores da mesma forma que o sistema do total de acidentes. Deve-se lembrar que a produção nacional conjunta
"just-in-time" adapta as peças, componentes e matérias primas às neces- de Estados Unidos e Canadá é oito vezes maior do que a produção con-
sidades variáveis da produção dos carros. junta de Brasil e México.
Aumento das horas trabalhadas e diminuição da quantidade emprega- A evolução do volume de faturamento e da massa salarial é a ~orma
da de operários são as duas faces de uma mesma moeda. Nos Estados mais concreta da produção de capital em uma empresa individual. E com
Unidos, no período de 1992/96, ess.. equação ficou travada. Os patrões essa evolução que os capitalistas calibram a massa de lucro gerada nas

150 151
linhas de produção da empresa. Um determinado volume de faturamento capital, que comanda as decisões de investimento dos capitalistas: onde
deve trazer para o capitalista um valor a mais do que aquele capital que eles devem colocar ou retirar seu capital, onde eles devem implantar no-
ele adiantou para cobrir os custos de produção de uma mercadoria qual- vas fábricas e fechar antigas, etc.
quer. Mas, se no final de um período de produção, não se corporificar Para avançar nesse entendimento, é preciso verificar não apenas o
aquele mais-valor sobre o capital materializado em prédios, máquinas, quanto se produz, como fizemos até agora, mas principalmente como uma
matérias primas, força de trabalho, etc, o capitalista interrompe o proces- indústria produz nos diferentes países.
so de produção e manda muita gente para o olho da rua.
Assim, para todo capitalista a evolução do faturamento - do preço que Tabela 20 - Como se produziu na indústria automobilística dos
ele recebe para as mercadorias produzidas - é muito mais importante do Estados Unidos e na GM do Brasil (de 1987 a 1996).
que a quantidade ou tipos de mercadorias
que, para o operário, a evolução
produzidas. Do mesmo modo
do seu salário - preço que ele recebe
l_'==--=--.~_~--==_-í~~1II~~.-===~~.~,__
• Produção por Trabalhador (n" de veículos)
~~~? ,.T~__ l')~-=- ~:?~.__
Estados Unidos 22,()'J 2..U7 24.42
pela venda da sua força de trabalho - acaba sendo muito mais importante i
I IO.4X 22.21
G:\ll1ra••il X.76
I
do que o valor de uso (um Corsa, por exemplo) que ele faz ou deixa de ! Futuramente por Trabalhador (t:S$ I11j1)
Estudos Unidos
.1.1.1 ..tW 510

fazer na linha de produção. rzn


! C:~1 Urasil tJ:! 361

No período 1987/96, o faturamento da produção de automóveis cres- i:\'assa salarial no Futuramente (%)
E.s tados Unidos 9,0 ~J 7,x

ceu 21,3% nos Estados Unidos. Na GM do Brasil cresceu 290%! Essa !: (;:\·1 Urasil 9,J I :<,2 5,7
i
, Massa salarial por Trabalhador
disparidade entre o faturamento nos Estados Unidos e no Brasil apareceu ! (ou Salário :\lédio) uss
mil !
.11,1~) .'~,72 405.1
Estados tinidos
I
apenas no período mais recente de aprofundamento da global ização. No
período 1987/92, o faturamento ainda crescia mais rapidamente nos Es-
I (;!\lllrasil X,711 9,X7 i 20,X2 I
tados Unidos do que no Brasil (21,3% contra 20,3%). Mas, com a im- Notas e Fontes Primárias dos dados, idem tabela anterior.
plantação do "laboratório avançado de métodos da globalização" na GM
do Brasil, a situação se modificou completamente: entre 1992 e 1996, o Em 1987, um trabalhador da indústria automobilística americana pro-
faturamento cresceu 23,6% nos Estados Unidos e 224,2% no Brasil! duzia 22,69 carros por ano e no Brasil, ele produzia 8,76 carros, Em
Quanto à massa salarial, um custo de produção que no final das contas 1992, ele produzia 24, 17 carros nos Estados Unidos e 10,48 no Brasil.
determina a própria rentabilidade do capital, ocorreu a seguinte evolução: Em 1996, finalmente, um trabalhador produzia 24,42 carros nos Estados
no período 1987/92, crescimento de 11,9% nos Estados Unidos e de Unidos e 22,2\ no Brasil. Essa brutal elevação da capacidade de produ-
4,9% no Brasil. No período 1992/96, crescimento de 15,3% nos Esta- ção da força de trabalho na GM do Brasil e uma lenta (porém persistente)
dos Unidos e de 106,24% no Brasil. Verificaremos, mais à frente, por que elevação nos Estados Unidos, faz parte da natureza da globalização da
essa flagrante inversão de gastos com massa salarial nos Estados Unidos indústria automobilística mundial.
e Brasil está relacionada com o nível de lucro gerado também desigual- Esse nivelamento da capacidade da força de trabalho produzir merca-
mente entre os dois países. dorias se transforma, em primeiro lugar, em uma máquina infernal de pro-
Essas disparidades entre evolução do faturamento e da massa salarial dução de capital. Ao mesmo tempo, é utilizado como uma armadilha em
entre fábricas de uma mesma empresa, porém em diferentes países, é que todos os trabalhadores - tanto nas economias dominantes quanto nas
uma das chaves principais para se entender o que determina a globaliza- economias dominadas - são forçados a aceitar condições produtivas que
ção industrial. É esse desenvolvimento desigual, para massas iguais de os encaminham necessariamente para um aumento da exploração e,

152 153
consequentemente, para um rebaixamento das suas condições de exis- mente existentes nos Estados Unidos (e, em menor medida, na União
tência física e espiritual. Européia, onde o processo já está mais avançado em países como a
Espanha, Irlanda e outros periféricos daquela área). Só com a derrota
A verdadeira produtividade - A exploração no processo de traba- dos trabalhadores americanos a GM poderá alcançar o seu ideal de
lho das linhas de produção é comandada pela relação entre faturamento integração planetária, de tornar efetivamente mundial a sua produção, ad-
das empresas, a força de trabalho empregada e o estratégico custo de ministração, compras, modelos, vendas, etc.
produção chamado massa salarial. É a relação entre esses três elementos
do processo de valorização do capital em uma empresa isolada que ex- Como a GM compara seu lucro global -O faturamento é o pre-
prime melhor a evolução da produtividade da força de trabalho de uma ço do capital produzido e a massa salarial é o preço da força de traba-
indústria globalizada. Essa relação de valores e preços envolvidos expri- lho que produziu aquele capital. O mais importante para o capitalista é
me muito melhor a produtividade da força de trabalho do que a simples que o faturamento suba em relação à massa salarial, não importando
relação física produção/trabalhador, que acabamos de verificar no item muito quanto o faturamento e a massa salarial subam em termos absolu-
anterior. Em outras palavras, as relações no processo de trabalho (produ- tos, separados um do outro.
ção de valores de uso, "reestruturações produti vas", etc) são subordina- Para o capitalista, o que importa é a relação entre massa salarial e
das e determinadas pelas relações no processo de valorização (produção faturamento, que a massa salarial vá caindo dentro da massa do fatura-
de uma massa de valor, de preços e de lucro). mento. Isso indica não apenas que a produtividade da força de trabalho
O faturamento por trabalhador na indústria automobilística americana está aumentando, mas que o lucro também está aumentando. O capita-
é muito elevado, mas tem se desacelerado nos últimos dez anos. Cresceu lista compara esse resultado entre as diversas unidades da sua indústria
28% no período 1987/92 e 18,5% no período 1992/96. Na GM do espalhadas pelo mundo. Entre 1987 e 1992, a massa salarial no fatura-
Brasil, o faturamento por trabalhador cresceu 30% no período 1987/92, mento caiu de 9% para 8,3% na indústria automobilística americana, o
portanto no mesmo nível que nos Estados Unidos. Mas, no período mais que quer dizer que o lucro aumentou. Mas no mesmo período, na GM
recente 1'992/96, cresceu quase 300%, comparados àqueles 18,5% da do Brasil, a massa salarial no faturamento caiu de 9,4% para 8,2%. Isso
indústria operando nos Estados Unidos. Isso indica que a globalização de quer dizer que no Brasil também o lucro aumentou. Mas aumentou mais
uma indústriaé um poderoso instrumento para transformar os seus traba- que nos Estados Unidos. Naquele momento, a nível global, a decisão
lhadores nas economias dominadas em competitivos produtores de mer- de onde investir começou a pender mais pelo Brasil, México, Argenti-
cadorias e de capital. na, China, etc.
Quando essa relação estiver igualada - quando um trabalhador na GM Entre 1992 e 1996, comprovou-se que a decisão da GM implantar
do Brasi I estiver produzindo o mesmo faturamento de um trabalhador da novas fábricas na América Latina estava mais favorável aos seus interes-
GM dos Estados Unidos - se terá alcançado uma situação ideal de igual- ses. Neste último período, a relação entre massa salarial e faturamento
dade também nos preços unitários da" mercadorias (automóveis) produ- caiu nos Estados Unidos de 8,3% para apenas 7,8%, enquanto no Brasil
zidas. A GM do Brasil terá alcançado um grau de competitividade de caiu de 8,2% para 5,7%.
"primeiro-mundo" no comércio intemacional. A relação entre massa salarial e trabalhadores empregados indica o
Mas, para que isso seja efetivamente realizado, a globalização da in- salário médio em uma determinada fábrica ou indústria. Em 1987, o salá-
dústria automobilística tem que cumprir aquela sua segunda e última eta- rio médio anual na indústria automobilística americana era de US$ 31 mil;
pa. A globalização industrial tem que arrebentar os entraves sociais atual- na GM do Brasil era US$ 8,7mil. Quer dizer, há dez anos atrás o salário

154 155
médio no Brasil era pouco mais de um quarto do que existia nos Estados para o Brasil, México, Argentina, Tailândia, China, etc.
Unidos. Em 1996 era de US$ 40mil nos Estados Unidos e de aproxima- A GM tem pressa. Ela se encontra, neste momento, frente a duas
damente US$ 20 mil no Brasil. A relação caiu para a metade. Isso ameaças fatais à sua liderança na produção mundial de automóveis. A
correspondia, em 1996, a um salário médio mensal de aproximadamente primeira, é a queda das vendas e da taxa de lucro, com a aproximação
US$ 1.500 na GM Brasil e de US$ 3.330 nos Estados Unidos. de mais um período de superprodução mundial de capital.
Uma leitura superficial desses dados pode dar a ilusão de que o salá-
rios reais dos trabalhadores subiram nos dois países. E mais ainda no Só uma crise global pode parar a GM - Os primeiros sintomas
Brasil. Mas não se deve confundir salário médio com salário real. de uma grande crise industrial já estão sendo detectados nos Estados
O salário médio não é um rendimento, mas um custo de produ- Unidos pelo governo e analistas de mercado daquela economia. Uma
ção. Portanto, ele não pode ser confundido com o salário real- um crise que se confunde com a própria greve que atinge aquela empresa:
rendimento a ser recebido pelo trabalhador, que indica o poder de "Os estrategistas do Federal Reserve (Fed, Banco Central Ameri-
compra do seu salário nominal. O salário médio se liga ao salário cano) decidiram deixar as taxas dejuros inalteradas na reunião de
relativo. O salário relativo é uma taxa, uma relação entre o quanto ontem, dadas as novas evidências de uma considerável
custa a força de trabalho (massa salarial por trabalhador, ou salário desaceleração do crescimento econômico dos Estados Unidos nos
médio) e o quanto ela produz (faturamento por trabalhador). É nada últimos meses (...) No mês passado, a atividade industrial do país
mais, portanto, do que a participação da massa salarial no faturamen- declinou pela primeira vez. em dois anos, uma vez que os efeitos da
to, que já verificamos no item anterior. crise financeira asiática passaram a ser estendidas mais profunda-
O salário médio varia no mesmo sentido da produtividade e do mente e a greve na General Motors prejudicou a produção em todo
lucro do capitalista. Sua diminuição indicaria uma diminuição simultâ- o setor industrial" (Gazeta Mercantil, 2/07/98). Trataremos dessas ma-
nea da produtividade e do lucro. Seu aumento, como se verificou no nifestações gerais em nossos próximos boletins.
período que estamos analisando, indica que houve aumento da produ- A indústria automobilística americana está na comissão de frente da
tividade e do lucro. superprodução de capital. Entre 1992 e 1997, a produção industrial ame-
Mas o salário relativo varia no sentido inverso da produtividade e do ricana cresceu, na média, 24,5%. A sua indústria automobilística cresceu
lucro do capitalista. Assim, a sua diminuição indica um aumento da pro- 33,3%. A utilização da capacidade - desde 1994, auge do ciclo atual- já
dutividade e do lucro. Vamos relembrar como ele evoluiu no período caiu para 81 ,7% naquela indústria, como um todo, e para 73,4% na sua
que estamos analisando. Em 1987, o salário relativo era 9 nos Estados indústria automobilística. O resultado mais visível é uma inundação de
Unidos contra 9,4 no Brasil; em 1992, estava igualado nos dois países estoques de automóveis encalhados em todo o mundo, particularmente
(8,2); em 1996, era 7,8 nos Estados Unidos contra 5.7 no Brasil. nos Estados Unidos;
Em resumo, nos dois países, e ao mesmo tempo, o salário médio Com a superprodução de capital, a queda da taxa de lucro e a inunda-
subiu e o salário relativo caiu. O arrocho do salário relativo foi muito ção do mercado, ferve a concorrência entre as principais montadoras
pesado nos Estados Unidos. Mas, foi mais pesado ainda na GM do mundiais de automóveis. A primeira manifestação desse aumento da con-
Brasil. Quer dizer, a produtividade e o lucro cresceram com muito mais corrência e de luta para se manter no mercado, é que o setor passa nos
rapidez no Brasil do que nos Estados Unidos. Se for mantida essa últimos meses por um processo acelerado de reestruturações e mega-
disparidade de ritmo de aumento da exploração entre os dois países, a fusões, ameaçando cada vez mais ele perto a posição de liderança da GM
GM tem que fechar suas fábricas nos Estados Unidos e transferi-Ias na produção física, nos mercados de consumo e, principalmente, nos vo-

156 157
lumes de faturamento e lucros. rão decidindo o seu futuro. No meio do turbilhão da crise global, a enor-
Esse é o segundo desafio que a GM terá que enfrentar imediatamente. me queima de capitais em todo o mundo envolverá o destino de todos os
Sua liderançajá está seriamente ameaçada até nas suas operações no trabalhadores mundiais.
território americano. Segundo dados dos últimos balanços, a sua compe- O desenvolvimento dessa crise capitalista será acompanhada dos me-
tidora mais importante, a Ford, já conseguiu nos últimos dois anos se canismos clássicos para o capital superar suas crises: reestruturações dos
igualar a ela em volume de faturamento e em lucros líquidos. Na base grandes setores industriais e financeiros, aumento da concentração e cen-
dessa corrosão de liderança da maior produtora mundial de automóveis, tralização do capital mundial e, finalmente, um patamar superior da globa-
encontram-se custos de produção elevados. Comparado com as demais lização, que nada mais é do que um patamar superior de valorização do
montadoras americanas, o custo com trabalhadores para cada carro da capital e de exploração da classe trabalhadora mundial.
GM fica, em média, em US$2.765, o da Ford é de US$2.322, e o da Mas, a reestruturação e recuperação da acumulação capitalista para
Chrysler, US$2167, (Folha de São Paulo, 15/07/98) novo ciclo de expansão, naquelas novas bases de globalização e ex-
No último balanço mensal publicado pela GM, aparece que seu lucro ploração, não será um acontecimento automático e muito menos ga-
líquido no primeiro semestre deste ano focou em US$389 milhões, bem rantido que aconteça. Ao contrário. O turbilhão da crise global está
menor que os US$2, I bilhões embolsados no primeiro semestre de 1997. apenas se formando, apenas agora está se aproximando da economia
Neste momento, a estratégia global da GM se defronta com um ponto de ponta do sistema.
crítico. Não é mais possível se prorrogar uma definição quanto às suas Não podemos ainda saber o tamanho e a profundidade deste choque.
fábricas nos Estados Unidos. Se os trabalhadores de Flint forem derrota- Mas, com certeza, tudo será decidido no seu ponto máximo, quando a
dos e obrigados a elevar sua produtividade - quer dizer, forem submeti- luta de classes também terá criado a definitiva conformação e
dos às mesmas condições de trabalho existentes no México, Brasil e Ar- posicionamento dos dois exércitos que vão decidir, em todos os conti-
gentina - os capitalistas decidirão que os investimentos serão aumentados nentes, se o capital poderá retomar ou não mais um ciclo de expansão.
naquele país. Se os trabalhadores forem capazes de resistir, os capitalis- Assim, a greve dos trabalhadores de Flint será lembrada, nos Estados
tas fecharão aceleradamente aquelas fábricas e deslocarão os seus inves- Unidos e outras partes do mundo, como a primeira movimentação con-
timentos para fábricas nos países dominados. creta para o desenvolvimento deste pesado período da luta de classes.
A greve americana continua. Em 14 de julho, a GM entrou com um
processo na corte federal de Detroit para que se declare ilegal a greve das
duas fábricas de Flint. Segundo a empresa, o UAW (U nited Auto Workers),
o sindicato dos trabalhadores em greve, está desrespeitando um acordo
coletivo assinado em 1996, onde se estabelecia que a empresa poderia
acelerar a mudança dos métodos de trabalho para adequar os métodos
produtivos aos padrões mundiais da GM, aqueles mesmos que existem no
Brasil, México, Argentina, África do Sul, lndonésia, China, etc.
Por enquanto, a greve iniciada em 5 de junho não apresentou nem
vencedores, nem perdedores. E nem tem data para terminar, pois não se
trata de uma greve comum. Trata-se do início de uma batalha, em que não
serão apenas os trabalhadores daquela indústria automobilística que esta-

158 159
- Terceira Parte -
O Mundo Ameaça Parar

160 161
CAPÍTULO X

Estados Unidos: Os limites da


Produção Global são Criados na Econo a
de Ponta do Sistema

Alguma coisa desconhecida nos últimos cinqüenta anos está se mexendo


e fazendo barulho nos subterrâneos da economia mundial. Quando tudo
indicava que era hora de comemorar o enorme crescimento da economia
de ponta do sistema, a economia americana, aumentam as preocupações
com a possibilidade de que tudo aquilo desabe como um castelo de areia.
A natureza da crise capitalista - seus ciclos econômicos, a queda da taxa
de lucro, a deflação e a possibilidade de explosão de grandes depressões
globais - não era um assunto que interessava até pouco tempo aos capita-
listas, aos governos e aos seus economistas. Mas a própria evolução das
coisas, nos últimos dezoito meses, está transtornando muitos espíritos aco-
modados à idéia de que as crises globais eram eventos do passado.
É o caso do Sr Alan Greenspan, presidente do Banco Central ameri-
cano. Como uma pessoa inteligente, antes de decidir por alguma redução
das taxas de juro na sua economia, ele deve estar pensando no caso do
Japão, que há quase um ano não pára de reduzir a taxa de juros, a ponto
de neste momento já estar abaixo de zero, sem no entanto ter resolvido a
depressão que já toma conta de uma boa parte daquela economia.
O melhor, então, é ser mais cauteloso do que nunca, para não provo-
car ainda mais certas forças econômicas misteriosas, desconhecidas no
pós-guerra e que agora não saem da sua cabeça.

o fator X - Mas que forças econômicas misteriosas são essas? O Sr


Greenspan procura dar uma resposta. Ele está preocupado com aquilo que
ele resolveu chamar de fator X, "um fenômeno econômico que ninguém
pode determinar, mas que deve tornar-se evidente depois dos fatos consu-

162 163
mados".( Revista Fortune, 18/07/98) Outros tentam decifrar melhor esse ma financeiro, ataques especulativos, corrupçâo, excessos ou insuficiên-
misteriosofator X: "o economista John Makin, do American Entreprise cias de intervenção do Estado na economia, ou qualquer outra determina-
Institute considera a atual expansão como uma 'idade de ouro', impulsiona- ção externa ao processo de valorização e acumulação do capital.
da por investimentos e a ausência de inflação, situação semelhante à vivida O limite do capital é ele mesmo. Isso quer dizer que a crise do capital
pelos Estados Unidos nos anos 20 e pelo Japão nos anos 80. As duas acontece, paradoxalmente, devido exatamente ao seu enorme sucesso. E
bonanças acabaram mal, porém não terminaram provocando um aumento ela não acontece em algum ponto mais baixo da acumulação, mas exata-
da inflação. James Panlsern, diretor geral da Norwest Investment mente no seu ponto mais elevado. Hegel, bem antes de Marx.já explica-
Management, recua a um período ainda mais distante: o dos Estados Uni- va perfeitamente esse desenvol vimento das contradições e a forma como
dos durante a segunda metade do século XIX. Essa era uma época sem elas são resolvidas: através de grandes explosões, não de um lento declínio.
inflação, com grandes avanços tecnológicos, com enormes fluxos de capital Se as explosões devem ocorrer no ponto mais elevado das con-
em escala mundial e com um crescimento rápido da economia, embora tradições, pode-se dizer sem medo de errar que o ponto mais eleva-
também caracterizados por devastadores períodos de deflação. do do sistema capitalista está localizado na economia americana. Ela
Isso ajuda a explicar porque é tão importante a busca do fator X: se tem o maior mercado, a maior e mais produtiva indústria, a moeda
existe em algum canto uma poderosa força deflacionária, o FED deveria de reserva internacional, o maior poder militar, etc. E do mesmo
preocupar-se mais com a queda dos preços do que com os aumentos. O modo que o internacionalismo elos valores ideológicos, éticos, cultu-
problema é que esse tipo de coisa não aparece com facilidade. Pode ser rais e artísticos, daquele país, a sua economia é mais do que uma
que Alan Greenspan e todos os demais que tentam decifrar a economia simples economia nacional. Ela representa e determina a própria
podem também estar enfrentando a mesma dificuldade para rastrear o fator internacionalidade do capital.
X. A verdade realmente está em algum lugar. Mas isso não quer dizer que a É por isso que, em um correto artigo sobre as causas da crise asiática,
gente vai descobri-Ia". Justin Fox - "O Fator X' (Fortune, idem). com o título O Pano de Fundo da Crise Asiática, o comentarista Jim
Assim, o problema dos americanos que pensam é o seguinte: por que Rohwer pode afirmar acertadamente que "É certo que a crise asiática se
a economia dos Estados Unidos chegou a níveis tão elevados de solidez, manifestou em urgentes problemas monetários, bancários e creditícios.
estabilidade e perfeição e, quando tudo estava armado para se comemo- Mas, no fundo, o que há de trás dessas dehilidades é algo mais funda-
rar esse grande feito, a sensação crescente é de que tudo pode desabar? mental: o fracasso das companhias asiáticas, tanto industriais como finan-
É esse evento aparentemente inexplicável que eles estão chamando de ceiras. em gerar rendimentos sobre o capital que satisfaçam aos
fator X, nome que o astrônomo Percival Lowell deu no início do século padrões mundiais estabelecidos pelos Estados Unidos" (Fortune,
a um objeto invisível que parecia exercer uma atração gravitacional sobre 28/03/98, grifo nosso).
Netuno. Seja como for, como acontece no programa de televisão que faz A economia americana estabelece a nível mundial o que chamamos de
muito sucesso nos Estados Unidos, "Arquivo X", a verdade tem que es- preço de produção regulador de mercado, aquele criado pela empre-
tar em algum lugar. sa mais produtiva de um ramo de produção. Essa empresa possui uma
composição orgânica superior média do ramo. Pode vender suas mer-
à

Hegel e a máquina reguladora -Ofator X pode parecer uma coisa cadorias com preços abaixo do seu preço de produção individual e mes-
surrealista. Mas pode ser também uma contradição. Este talvez seja o mo assim conseguir uma taxa de lucro acima da taxa média, quer dizer,
caso. Ao contrário do senso comum, crises econômicas capitalistas não um super-Iucro. É dela que se originam as pressões para a queda da taxa
são provocadas pela natureza, por desequilíbrios provocados pelo siste- geral de lucro e, consequentemente, a crise.

164 165
Utilizaremos esses elementos teóricos quando tratarmos mais a frente das o estudo salienta uma coisa importante. Em épocas de grandes guer-
condições concreta s de concorrência, que man ifestam a queda da taxa geral ras - guerra ci vil americana, as duas grandes guerras mundiais, a da Coréia
de lucro e a deflação dos preços neste final de mais um período de expansão e a do Vietnã -, os ciclos do capital são marcados por períodos de ex-
e início de mais um período de retração e crise na economia mundial. Antes, é pansão prolongados, muito acima da média histórica, e por períodos de
importante que tratemos rapidamente de dois assuntos. Em primeiro lugar, contração muito CUl10s.
alguns elementos sobre os ciclos econômicos no pós-guerra. Assim, entre dezembro de 1914 e agosto de 1918, primeira Guerra
Em seguida, também uma rápida verificação do funcionamento da in- mundial, ocorreu nos Estados Unidos uma expansão de 44 meses e uma
dústria manufatureira americana. contratação de apenas 7 meses; no período de junho de 1938 a fevereiro
de J 945. segunda Guerra mundial, a expansão econômica americana du-
Uma economia de guerras - De acordo com um estudo publicado rou 80 meses e a contração apenas 8 meses; no período de fevereiro de
pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos, nos últimos cin- 1961 a dezembro de 1969, guerra do Vietnã, a expansão durou 106
qüenta anos ocorreram nove ciclos econômicos naquela economia de ponta meses e a contração apenas 8 meses.
do sistema capitalista. Na média, as expansões duraram mais de quatro Pode-se concluir que esses períodos de grandes guerras são os mais
anos (50 meses) e as contrações pouco menos de um ano (11 meses). adequados para sustentar por longo tempo a expansão da produção ca-
Assim, somando-se os períodos de expansão e de contração, cada ciclo pitalista e para encurtar suas crises. Assim, as crises de superprodução
completo se repetiu a cada cinco anos. do capital podem ser neutralizadas por bom tempo quando se aumenta
Sempre de acordo com aquele estudo, os 31 ciclos ocorridos desde desmesuradamente as ações bélicas das principais economias e Estados
meados do século passado tiveram as seguintes durações médias. do sistema capitalista mundial. Em outras palavras: supondo-se a hipótese
absurda de que o mundo vivesse permanentemente em guerra, pode-se
Tabela 21: Estados Unidos: Duração Média (em meses) dizer que o capital teria eliminado completamente suas crises. Esse é o
de cada Ciclo Econômico - 1854 a 1991 verdadeiro caráter do atual regime de produção, em que a destruição da
humanidade é a condição necessária para o seu saudável desenvolvimen-
Período Contração Expansão to. Essa é a mãe de todas contradições.
1854-1991 18 35 Mas seja em tempos de guerra ou em tempos de paz, enquanto existir
(31 ciclos)
a produção de capital as condições internas da acumulação e das crises
1854 - 1919 22 27
cíclicas não se modificam. Isso pode ser verificado concretamente pela
(16 ciclos)
evolução da produção de capital na indústria manufatureira americana,
1919 -1945 18 35
exatamente aquela que responde não apenas por aproximadamente um
(6 ciclos)
terço da indústria mundial mas, determina o próprio padrão de rentabili-
1945 - 1991 11 50
(9 ciclos) dade, de preços c de concorrência em todo o mundo.

Fonte: "US Business Cycle Expansions and No ninho da superprodução - O que salta aos olhos ao se fazer a
Contractions"- Expansões e Contrações do Ciclo primeira verificação do funcionamento daquela exuberante máquina in-
de Negócios dos Estados Unidos. US Dcpartment dustrial americana, nos últimos 50 anos, é a quantidade de operários em-
ofCommcrce, 1994. pregados na sua produção de manufaturas,. Tomamos como base dessa

166 167
Tabela 22 - Estados Unidos: produção de capital na indústria de
verificação o estudo Statistics for ALI manufacturing Stablishments
manufaturas - em períodos selecionados de expansão.
Including Auxiliaries: 1996 and Earlier Years- Estatísticas de Todos
Estabelecimentos Manufatureiros, Incluindo os Auxiliares: 1996 e Anos Item 1962/69 1982/90 1991/96
Anteriores -" 1996 Annual Survey ofManufactures", US Department of Taxa de 219,0 350,0 420,0
Commerce, 1998. Vejam os números: Mais-Valia
Taxa de 10,4 9,7 9,1
Ano Milhões de operários Acumulação
empregados Capital Fixo
1955 12,9 (% média 9,9 8,7 6,1
anual)
f-1960 12,2
Produto
1970 13,5
Industrial 7,8 6,4 5,4
1980 13,9
(% média
1990 12,2 anual)
1996 12,1
Fonte: U.S. Department of Commerce "1996 Annual
Survey 01' Manufactures" - estudo citado acima.
Dos anos 50 aos anos 90, uma massa praticamente constante de
operários tproduction workers) se encarrega de produzir e reproduzir
Chegamos a essas taxas utilizando os seguintes dados daquele estudo
de forma cada vez mais ampliada aquela máquina industrial do centro
(os nomes em inglês entre parênteses referem-se aos dados como são
capitalista. Aqui, é impossível deixar de lembrar daquela ridícula posi-
grafados na fonte utilizada): Valor Agregado (Value added bv
ção de que no período de 1945 a 1970 - chamado de "boorn do pós-
manufactures) - trata-se da produção industrial, medida em valor; Salá-
guerra" por uma grande parte dos economistas - o crescimento do ca-
rios (wages) - trata-se dos salários dos operários envolvidos na produ-
pital teria sido acompanhado de uma correspondente absorção de tra-
ção (production workers); Despesas com capitais adicionais (new
balhadores na produção, caracterizando-se então uma situação de qua-
capital expeditures) - trata-se da medida disponível pelas estatísticas
se pleno-emprego -.
oficiais que mais se aproxima dos investimentos adicionais - além da
O que se verifica, entretanto, é que não aconteceu nada parecido com
reposição do capital já existente - em capital constante - capital fixo e
o que afirma essa tendenciosa ideologia econômica. Na verdade, o pa-
parte constante do capital circulante - .
drão de emprego e desemprego não foi modificado com a expansão do
Calculamos as taxas da seguinte forma:
capital em todos os períodos analisados do pós-guerra. Os números aci-
taxa de mais-valia = mais-valia -:-salários, em que mais-valia =
ma ilustram bem essa realidade.
valor agregado - salários
A economia política dos trabalhadores ensina: permanecendo cons-
Taxa de Acumulação = Despesas com Capitais Adicionais -:-
tante o número de trabalhadores e as horas trabalhadas, a massa de
Mais-Valia
lucro (ou de mais-valia) só pode aumentar quando se aumenta a pro-
Capital Fixo = variação média anual das despesas com novos capi-
dutividade (ou taxa de mais-valia) da força de trabalho empregada.
tais (médias nos ciclos selecionados)
Foi exatamente isto que aconteceu 110S últimos cinqüenta anos, na in-
Produção Industrial = variação média anual do Valor Agregado
dústria americana.

169
168
(médias nos ciclos selecionados) representa um fabuloso crescimento do capital a ser valorizado com uma
Podemos então fazer as seguintes observações preliminares. A quase adequada taxa de lucro. Representa também um elevado ritmo de con-
totalidade da massa de mais-valia (ou de lucro) produzida na indústria centração do capital.
americana foi através da intensificação do trabalho, dado que a quantida- A variação do Capital Fixo apresentada na tabela representa a vari-
de de operários e as horas trabalhadas não sofreram grandes alterações ação anual média dos investimentos em novas máquinas, equipamentos,
em todo o período do pós-guerra. Esse método de extração de lucro instalações, etc. São necessários para modernizar, modificar e adaptar o
caracteriza a mais-valia relativa, em que o valor da força de trabalho processo de produção, elevando as forças produtivas e, ao mesmo tem-
(salários dos operários) é continuamente reduzido na relação com o valor po, a produtividade da força de trabalho empregada e consequentemente,
do sobre-trabalho (mais-valia ou lucro). a taxa de mais-valia ou de exploração. Representa uma composição or-
A evolução da taxa de mais-valia (lucros/salários) é impressionante gânica superior do capital, em ljue a aparte materializada em meios de
naquela indústria. Suponhamos que, em uma jornada de trabalho de 8 produção e matérias primas é cada vez maior em relação à quantidade de
horas, aqueles trabalhadores dispendessem a metade da jornada para trabalho em função.
produzir uma massa de mais-valor (ou lucro) para o capital. Neste caso, A variação média anual do Produto Industrial apresentada na ta-
a taxa de mais-valia que apareceria seria igual a 100. Quer dizer, a taxa de bela representa o crescimento anual médio do Valor Agregado (soma
mais-valia seria de 100%, o lucro produzido seria igual a 100% do valor da massa de valor e de mais-valia) nos períodos selecionados. Essa é
da força de trabalho (ou do salário). a melhor medida para a produção rnanufatureira, pois exclui a dupla
No ciclo 1962/69, a taxa de mais-valia era 219, e as relações contagem de meios de produção e intermediários que foram importa-
entre trabalho pago e trabalho não pago eram as seguintes, supon- dos ou não produzidos naquela indústria específica. Trata-se portanto
do-se uma jornada de oito horas: 2,51 horas para produzir o salário do valor produzido apenas naquela indústria. Em 1996, o Valor Agre-
e 5,49 horas para o capital. No ciclo 1982/89 (taxa de mv 350) = gado da indústria manufatureira americana foi de US$I ,75 trilhões. E
trabalhava-se 1,78 horas para o salário e 6,22h para o capital. Fi- trata-se apenas da indústria de manufaturas, aquela que produz os
nalmente, no atual ciclo (taxa de mv = 420) trabalha-se I ,54h para o chamados "bens duráveis" e "uão duráveis". Neste valor não está in-
salário e 6,46h para o capital! Em nenhuma economia do mundo cluído, portanto, o Valor Agregado, ou produto, de outros setores
acontece este grau de exploração. Ele corresponde à mais elevada produtivos daquela economia, como agricultura, minas, construção,
produtividade industrial do mundo, base do poder capitalista ameri- transporte e utilidades públicas (comunicações, eletricidade, gás e ser-
cano sobre o mercado mundial. viços sanitários).
A taxa de acumulação apresentada na tabela indica a parte da mais- Até agora verificamos os principais elementos da expansão do capital
valia total, ou massa de lucro total, que os capitalistas separam para am- na indústria americana. Resta verificar como esses elementos podem de-
pliar e acumular o capital produzido. Mede a ampliação do valor do Ca- sembocar ciclicamente em explosões e depressões globais.
pital Total e das suas instalações produtivas, não apenas sua reposição. O
valor total do capital cresce em função dessa taxa. Se os capitalistas des- Uma indústria de contradições - Da mesma forma que a economia
tinassem a totalidade da mais-valia apropriada para a produção, a taxa de dos Estados Unidos regula a produção capitalista mundial, o presidente
acumulação seria de 100%. O normal, historicamente, é que essa decres- do seu Banco Central, Sr. Alan Greenspan, regula o estado de espírito de
ça velozmente, à medida que cresce o valor do capital total. Por isso, a todos os capitalistas. E suas últimas declarações não têm sido muito ani-
permanência da mesma taxa na indústria americana nos últimos 50 anos madoras. Quando ele declara, por exemplo, que "virulentas forças

170 171
detlacionárias podem atingir o mercado financeiro dos Estados Unidos e mente dentro dos limites impostos pelas relações de produção capitalis-
arrastar a economia", o espírito dos capitalistas se deprime um pouco tas explode periodicamente em crises econômicas que, como uma epi-
mais. Oscila entre a perplexidade e o pânico. demia inexplicável, paralisam o processo de trabalho e os elementos
Greenspan se apressa a minimizar uma situação em que as manifesta- concretos da produção, ameaçando catastroficamente a própria exis-
ções da crise global se multipl icam perigosamente no próprio território tência da espécie humana com o desemprego generalizado, a fome e as
daquela fortaleza econômica, que até poucos meses atrás era tida como o guerras entre os povos.
porto seguro dos que fugiam das turbulências das "economias emergen-
tes". E tenta explicar: "Se a economia dependesse apenas de elementos Teoria vulgar e keynesiana - O Sr. Greenspan está cada vez mais
concretos, não haveria razão para pânico". enrolado com aqui 10 que ele mesmo chamou de "fator X", alguma coisa
Ele tem razão. Os elementos concretos geralmente caminham muito inexplicável, mas que se manifesta claramente na forma de deflação, de
bem. A prova? Vejam o desenvolvimento da forças produtivas, a fabri- uma queda generalizada dos preços das mercadorias e das proprieda-
cação de massas gigantescas e diversificadas de valores de uso, a ex- des capitalistas. O Sr. Greenspan e todos os capitalistas do mundo não
pansão ainda maior dos meios de transporte e de comunicações, o alar- conseguem decifrar a origem ela deflação dos elementos mais abstratos
gamento civilizatório do mercado mundial, etc. Se dependesse apenas da produção capitalista: preços das mercadorias, lucro, etc. Quem não
do trabalho concreto, da quantidade de meios de produção e da fabri- entende a diferença entre valor de uso e de valor de troca e, principal-
cação de valores de uso, o regime de mercado não teria nenhum limite. mente como essas duas coisas se relacionam, não pode explicar como
Seria, como no ideal dos primeiros economistas, um modo de produ- eles se manifestam na superfície ela economia real: produção ele merca-
ção absolutamente revolucionário, que teria eliminado completamente dorias, preços de produção, preços de mercado, comércio internacio-
seu caráter histórico e transitório. nal, taxas ele câmbio. sistema financeiro, taxas de juro, bolsas de valo-
Acontece que a economia capitalista não é feita só de elementos con- res, concorrência, etc.
cretos. Ela se estrutura e se movimenta através de seus elementos abstra- O Sr. Greenspan tenta se aprofunelar. Em recente, palestra na Uni-
tos. Os mais importantes: trabalho abstrato (salários e preços), o valor versidade ela Califórnia, em Berkeley. no dia 4 de setembro passado,
abstrato (tempo de trabalho) e a mais-valia (lucro). Eles predominam so- ele procurou a causa dos fatores econômicos. Essa palestra foi reescrita
bre aqueles elementos concretos. Nisto reside a contradição desse regi- na íntegra pelo jornal O Estado de São Paulo, 13/10/98, páginas 14 e
me social de produção: as forças produtivas entram permanentemente em 15. Quanto à origem do lucro e da taxa de lucro, ele repete velhas
choque com as relações capitalistas de produção. O processo de traba- asneiras da economia vulgar:
lho - a qualidade dos elementos concretos da produção, da socialização "O valor de qualquer instalação de produção física, depende do valor
das forças produtivas e do trabalho humano concreto - é cada vez mais percebido dos bens e serviços que a instalação foi projetada para produ-
submetido e organizado pelo processo de valorização - pela quantidade zir. Mais formalmente, o valor atual da instalação pode ser considerado
do tempo de trabalho (valor), pela competição e pelos lucros. como a soma do valor descontado de toda~; as futuras produções, des-
Nada é natural na indústria capi tal ista. Muito menos na maior delas, cartando os custos (... ) Quando o grau de confiança no julgamento do
aquela que regula o mercado mundial. Tudo é capital: aumento perma- futuro é elevado, os valores descontados do futuro são também elevados
nente da exploração dos operários, superprodução e luta contra a que- - e elevados são também os preços das ações li UC, naturalmente, são os
da da taxa geral de lucro. títulos dc direito sobre nossos bens produzidos".
Essa impossibilidade das forças produtivas se desenvolverem livre- O lucro como o "valor descontado" sobre todas as fuun as produções,

172 173
e o capital como a soma desses "valores descontados". Da mesma forma Tabela 23 - EUA: Produto Industrial Bruto
que os economistas vulgares e keynesianos, o Sr.Greenspan entende a ("bens duráveis") - % sobre ano anterior
economia capitalista como um enorme banco; e o capital como se fosse
um papel, um título de dívida financeira que tem seu valor de face e que 94 95 96 97 984 92/985
Preço 9,3 5,4 5,3 4,6 7,6 6,63
vai alternando seu rendimento de acordo com o "grau de confiança", quer
corrente'
dizer, crédito no mercado, até sua data de vencimento. Quanti 7,1 , 5Jl 6.3 6,8 10,0 6,86
Para eles, o lucro se confunde com os dividendos ou juros, e varia dade '
Preço de 2.0 0,4 - 0,9 -2,0 - 2,2 -0,21
de acordo com o estado de confiança dos capitalistas ou, no que dá produção-
na mesma, de acordo com a situação do mercado financeiro ou de
crédito. O processo de produção de capital não passa então de um Fonte: : USo Dcpartment oíCommerce -- Bureau

"processo de financeirização": a "dimensão financeira" é a que predo- Econornics Analysis (BEA): "Survey of Current
mina e determina a marcha da economia. Nada mais natural, portanto, Business", set/98
que nessa visão o capital seja um elemento que se valorize por si mes- 1- US$ corrente
mo, e a crise seja apenas uma crescente desproporção entre a produ- 2- Quantidade - usamos o conceito "chain-type quantity indcx"
ção e a esfera financeira. Ou, na vertente mais burocrática deste pon- 3- Preço - usamos o conceito "chain-type price indcx'
to de vista vulgar, a crise não passa de um resultado da má condução 4- primeiros seis meses de ]998

da política econômica do governo, das taxas de juro, ou da "falta de 5- 92-98= % média anual do período.
ações coordenada dos governos" para corrigir em tempo os
"desequilíbrios'' e "exageros" do mercado. Na tabela acima, o item Preço de Produção representa as variações
De todo modo, com essa visão o "fator X" continua indeterminado. E ocorridas nos preços recebidos pela indústria pela venda dos seus produ-
as "virulentas forças deflacionárias" vão tomando cada vez mais corpo na tos. Corresponde ao Producer Price /ndex (PPI's) - Índices do Preço
economia mundial. de Produção -coletado primariamente pelo Departamento do Trabalho
dos Estados Unidos. tBureau os Labor Statistics - BLS). Trata-se então
o peso de uma indústria reguladora -O capital não se preocu- da medida oficial que mais se aproxima ao conceito de Preço de Produ-
pa com a ignorância dos seus economistas e muito menos com os julga- ção da economia política dos trabalhadores, que consiste do custo de
mentos morais que se faça deste ou daquele aspecto das suas inúmeras produção somado à taxa média de lucro. O item Quantidade representa o
formas de existência. Ele apenas segue o seu curso. Inflação de valores volume de mercadorias (valores de uso) produzidas e vendidas pela in-
de uso simultânea à deflação de valores de troca. É exatamente isso que dústria. O item Preço Corrente, finalmente, é a medida oficial que mais se
marca o curso do capital nos seus ciclos periódicos. É o que se passa, aproxima do nosso conceito de Preço de Mercado. Ele varia em torno
mais uma vez, naquela imensa máquina reguladora da economia mundi- do Prcço de Produção, de acordo com as condições de concorrência e
al, chamada Estados Unidos. Vejamos como essa contradição se de- da oferta e demanda pelos valores de uso (mercadorias).
senvolveu no seu último ciclo de expansão (1992-97). Comecemos com Verifica-se que o SI'.Greenspan não está errado quando declara que
os dados da produção e preços da indústria de manufaturas daquela os "elementos concretos" daquela economia estão muito bem. Podería-
economia. mos acrescentar que nunca estiveram tão bem, nos últimos cinqüenta
anos. Um crescimento médio de quase 7% ao ano do produto industrial

174 175
de", na mesma direção dos preços de produção que, bem antes, junto
(em termos de quantidade) não é para ninguém reclamar. Principalmen-
com os primeiros sinais de superprodução do capital,já estavam com
te, e isso é o mais importante, porque aqui estamos falando da maior
taxas negativas.
economia mundial. Essas taxas de crescimento só ocorrem em econo-
Mas, o que quer dizer exatamente essa "lei da gravidade" que, final-
mias dominadas em início de industrialização pesada - Rússia, Argenti-
mente pode esclarecer a verdadeira identidade do misterioso "fator X"
na e Brasil até os anos 70, Coréia, China e "tigres asiáticos" em geral
que anda atormentando o Sr. Greenspan? Já vimos acima como todo
nos anos 80 e 90, etc.
esse capital é produzido na indústria americana, no último ciclo econômi-
É realmente um "milagre", uma produção industrial de mais de dois
co (1992-96). A sua base está naquela assombrosa elevação da taxa de
trilhões de dólares crescendo à mesma taxa que produções industriais de
produtividade da força de trabalho, a nossa conhecida taxa de mais-valia
duzentos a trezentos bilhões de dólares (China, por exemplo). Seis por
ou de exploração da força de trabalho. Já verificamos, também, que o
cento ao ano de crescimento nos Estados Unidos quer dizer que aquela
produto industrial americano foi criado neste período por uma massa de
indústria aumenta seu nível de produção em aproximadamente 120 bi-
operários e um tempo de trabalho praticamente constantes.
lhões de dólares por ano. É como se a cada dois anos do último ciclo
Nestas circunstâncias, a massa de valor e de mais-valia - ou produ-
tenha sido acrescentada uma indústria brasileira, que é considerada como
ção industrial, medida em valor agregado - só poderia crescer com o
a décima ou décima segunda indústria do mundo. Em 1998, a indústria
aumento da taxa de mais-valia.
americana estava produzindo, em termos de quantidade, quase 50% a
Esse aumento da exploração e conseqüente valorização do capital é
mais do que em 92, ano em que se iniciou a fase de expansão do atual
testemunhado pelo próprio Sr. Greenspan: "Associada ao ritmo mais rá-
ciclo econômico. A indústria brasileira, que equivale a um décimo da ame-
pido do crescimento da produtividade, a moderação dos salários e bene-
ricana, cresceu menos de 20% no mesmo período! Essa é a parte boa da
fícios manteve moderado o crescimento dos custos do trabalho, em ter-
história da economia de ponta da economia mundial. Mas aqui também
mos de unidade durante a atual expansão. Isso manteve a inflação baixa e
começam os seus problemas.
permitiu que as margens de lucro atingissem níveis altos. Essa foi a força
impulsora que, a partir do início de 1995, levou os analistas a revisar suas
Lei da gravidade - No último ciclo econômico, com os dados do
projeções de ganhos a longo prazo, companhia por companhia, para va-
produto industrial americano que expusemos na tabela acima, pode-se
lores significativamente mais altos." (A. Greenspan, palestra citada).
verificar que os preços de produção começam elevados no início do ci-
Não foi apenas este aumento da exploração que ocorreu no período.
clo, caindo progressivamente em seguida. Essa queda foi acompanhada
Outro elemento importante foi o aumento da taxa de acumulação (9,1 %
por um aumento da quantidade de mercadorias produzidas. Essa é uma
ao ano entre 1991 e 96) . Isso quer dizer que o valor do capital total
relação característica entre preços de produção e quantidade produzida.
investido aumentou velozmente, transformando a massa salarial em uma
Fundamenta-se no fato que o aumento da massa produzida de valor e de
fração ainda mais minúscula na composição do capital total. Temos assirn
mais-valia se reparte, no decorrer do ciclo, em uma quantidade
uma quantidade decrescente de trabalho que deve valorizar uma quanti-
desproporcionalmente maior de valores de uso.
dade crescente de capital.
Nos períodos de expansão do ciclo, os preços de mercado acompa-
Mas a relação entre a massa de mais-valia, ou tempo de trabalho não
nham as variações da quantidade. A partir de um determinado ponto,
pago, e o valor do capital total é exatamente a taxa geral de lucro. É
quando a superprodução se manifesta, as quantidades aumentam mais
por isso que ocorre, no decorrer de um ciclo econômico determinado ,
rapidamente que os preços de mercado. Quando explode a crise, as quan-
uma pressão contínua para a queda da taxa geral de lucro e dos preços
tidades e preços desabam, como que movidos por uma "lei da gravida-

177
176
das mercadorias individuais. Como ensina a economia política dos traba- Tabela 24 - EUA: Investimentos em Equipamentos de
lhadores, a tendência crescente de queda da taxa geral de lucro é sim- Produção. 1994-98(% sobre ano anterior)
plesmente uma maneira própria do modo de produção capitalista, de tra-
duzir o progresso da produtividade social do trabalho. 94 95 96 97 98
Preço 11,3 10,6 8,5 8,7 11,6
É claro que a taxa de lucro pode cair temporariamente por outras
corrente
razões; mas é da natureza do modo de produção capitalista que, no de- Quantidade 11,0 11,5 10,9 12,1 17,8
correr de um ciclo econômico determinado, o aumento da taxa média Preço de 0,3 -0,9 -2,2 -3,0 -5,3
geral da mais-valia se traduza necessariamente por uma baixa da taxa Produção
geral de lucro. A massa de trabalho vivo utilizado diminui continuamente Fonte e outras notas: idem tabela anterior.
com relação à massa de trabalho materializado que ela põe em movimen-
to, quer dizer, com relação aos meios de produção consumidos de modo Nos dados acima, verifica-se uma espantosa evolução dos investi-
produtivo; consequentemente, a fração não paga desse trabalho vivo, ma- mentos em mercadorias que materializam os meios de produção. Entre
terializada na mais-valia, deve declinar sem cessar com relação ao valor 1992 e 98, houve um aumento médio anual de 12%, em termos de quan-
do capital total investido. tidade. Essa também é uma "taxa chinesa", acompanhando aquele cresci-
Ora, essa relação entre a massa de mais-valia e o valor total investido mento recorde que já verificamos para a produção industrial como um
constitui a taxa de lucro; esta deve portanto baixar continuamente. todo. Mas, em termos de preço de produção ocorreu uma queda de
Essa lei da tendência à queda da taxa de lucro pode ser verificada no 1,55% ao ano.
último ciclo econômico da indústria americana. A elevação da produtivi- Dentro dos investimentos em equipamentos de produção, destacou-
dade do trabalho naquela indústria, que aumenta a quantidade de merca- se no último ciclo os investimentos em equipamentos de informática e
dorias produzidas, provoca ao mesmo tempo uma baixa dos preços. Ve- comunicação, que apresentaram uma assombrosa taxa de crescimento,
mos nos dados daquela tabela que, enquanto o produto medido em ter- em termos de quantidade. Enquanto isso, em termos de preço de produ-
mos de quantidade cresceu a elevadas taxas anuais durante o ciclo, os ção, houve uma queda de 4,47% ao ano. Dentre esses equipamentos de
preços de produção caíram velozmente a partir de 1996, chegando no informática e comunicação, os computadores e equipamentos periféricos
segundo semestre de 1998 a uma taxa anual de menos 2,2%. se destacaram ainda mais: crescimento de 30,2% ao ano, em termos de
Essa é a base da deflação dos preços de mercado, que agora come- quantidade, e queda de 8,48% ao ano em termos de preço de pro.du?ãO.
çou também a cair. Isso ocorre, porque a massa de lucro por unidade de Esses dados confirmam uma importante lei da acumulação capitalista:
mercadoria diminui progressivamente com a elevação da produtividade no valor do capital total investido, a massa material do capital cons.tante.-
da força de trabalho. quantidade de máquinas, matérias primas e insumos -, cresce mais rapi-
damente que sua massa de valor, tempo de trabalho.
Superprodução de máquinas - A queda da taxa geral de lucro Mas toda superprodução de capital é, em última análise, uma super-
pode ser amortecida, ou mesmo neutralizada por um certo tempo, com produção de meios de produção. Quer dizer, com a tendência à ~ueda da
a desvalorização dos elementos do capital constante - capital fixo, ma- taxa geral de lucro, uma quantidade crescente de máquinas e eqUlpame~-
térias primas, insumos, etc. -. Vejamos então como evoluiu a produção tos, existentes no processo de circulação do capital sob a forma?~ capi-
e os investimentos em equipamentos de produção naquela indústria, no tal fixo encontram cada vez menos oportunidades de serem utilizados
último ciclo. lucrativamente, de acordo com uma determinada taxa de mais-valia.

178 179
Em outras palavras, ao mesmo tempo que essa expansão dos meios Annuel1997
de produção nos Estados Unidos indica uma próxima e proporcional cri- FMI -"World Economic Outlook", 1998
se de superprodução, indica também que a profunda redução dos custos USo Department ofCommerce - Burcau ofEconomic Analysis
de produção dessas mercadorias agiu fortemente para evitar uma queda - "Survey 01' Currcnt Business", set, 1998
mais rápida da taxa geral de lucro naquela economia.
Agiu, portanto, no sentido de reduzir os custos de produção do capi- Até 1997, O momento em que se manifestou a superprodução mundi-
tal total investido, sobre o qual se relaciona a massa de lucro, ou de mais- al, os Estados Unidos conseguiram manter um elevado preço de mercado
valia, para se calcular a taxa de lucro. Assim, aquela indústria pôde au- e expandir o seu volume exportado acima da média mundial. Mas, no
mentar continuamente a taxa de mais-valia (produtividade) com uma mes- mesmo período, seus concorrentes se adaptaram tanto em termos
ma quantidade de trabalho empregada. E o aumento da taxa de mais- tecnológicos quanto em valores monetários, nivelando assim as condi-
valia, com a intensificação do trabalho possibilitada pela instalação de ções de concorrência. O resultado é que nos últimos doze meses ocorre
meios de trabalho cada vez mais aperfeiçoados, pôde elevar a massa de uma profunda reversão das condições de funcionamento dos preços e
mais-valia, elevando ou pelo menos amortecendo a queda da taxa geral das taxas de lucro no comércio internacional.
de lucro. Mas isso não se manteve por muito tempo, como atesta as ma- Durante os anos 80, tanto Japão quanto a Alemanha compartilhavam
nifestações atuais na economia mundial, indicando uma provável depres- o monopólio do comércio internacional com os Estados Unidos. Mas, no
são global para os próximos meses. último ciclo (anos 90), este último retomou a exclusividade. Pôde então
vender suas mercadorias a um preço abaixo do seu preço médio de pro-
o comércio da superprodução - Outro fator que age para amortecer dução mundial mas ainda assim acima do seu preço de produção indivi-
por um certo tempo a queda da taxa geral de lucro é o comércio internaci- dual, recebendo além da taxa média de lucro um lucro extra, um superlucro.
onal. Para as economias mais produtivas, a exportação de capital e de mer- Ao mesmo tempo, a economia de ponta impõe aos seu concorrentes
cadorias permite conseguir na Ásia, América Latina, etc., uma taxa de principais sua própria estrutura de preços e de lucros. Isso obriga o siste-
lucro superior àquela que se consegue nos seus mercados domésticos. ma global a se adaptar ao aumento da produtividade ou redução do pre-
ço de mercado. A primeira imposição se realiza com o aumento dos in-
Tabela 25 - Mundo e Estados Unidos: ExportaçõeslImportações vestimentos na produção dos artigos líderes do comércio internacional e
de Mercadorias (variação % sobre ano anterior) - 1994 a 1998. generalização das técnicas superiores. A segunda se realiza com mecanis-
mos exteriores às produções nacionais, como desvalorização cambial,
94 95 96 97 98 subsídios estatais aos exportadores, tarifas protecionistas, etc.
preço mundo 4,0
13,0 19,5 3,5 -1,2 No mundo real, os dois movimentos se realizam simultaneamente no
corrente
EUA 10,8 14,6 5,9 11,3 -15,0 decorrer do ciclo. Deste modo, todos acabam produzindo e
volume mundo 10,0 8,5 5,0 10,3 3,9 comercializando além da conta. O resultado é que a partir de um determi-
EUA 9,9 12,5 9,7 15,4 -12,3
nado momento do ciclo, abre-se um período de superprodução, seguido
preço mundo 2,5 8,7 -1,4 -6,2 -5,0
unitário de um aumento da concorrência pela realização da mais-valia global. Tudo
EUA 0,8 1,8 -3,5 -3,5 -3,1
isso se manifesta por uma queda generalizada dos preços de mercado,
Fonte: das taxas de lucro e, finalmente, do próprio volume comercializado de
OMC -Organisation Mondiale du Commerce - Rapport mercadorias (valores de uso) .

180 181
Pela primeira vez no último cicIo, tudo cai em 1998: durante os pri-
meiros seis meses do ano, os preços de mercado já tinham caído 1,5% CAPÍTULO XI
no mercado mundial e 15% na economia reguladora, a americana.
Quanto ao volume, a quantidade de mercadorias tinha desacelerado
A Crise Se Manifesta Primeiramente
para 3,9% no geral, e caído 12,3% para os Estados Unidos. Finalmen-
te, os preços unitários - que exprimem o verdadeiro estado dos preços Nas Economias Dominadas
de produção reguladores do mercado e, consequentemente, da taxa
geral de lucro de todos os participantes - continuou o movimento per-
sistente de queda, iniciado em 1996 e aprofundado nos anos seguintes.
É assim que se manifesta, em geral, uma verdadeira crise capitalista. Um tigre chamado Tailândia - Existe trabalho-escravo na
Deste modo se coloca a possibilidade concreta de uma depressão glo- Tailândia? Talvez um pouco mais que no Brasil, talvez um pouco me-
bal para os próximos meses. nos. Mas são outras semelhanças entre essas duas economias que tem
preocupado o governo e os economistas brasileiros. Vejamos as ra-
zões de tanta preocupação.
Até alguns meses atrás, aquele "tigre asiático" de última geração esta-
va entre as economias com as maiores taxas de crescimento do mundo.

Tabela 26 - ASEAN: Taxas de Crescimento do PIB


países e períodos selecionados

85-89 1994 1995


China 9.5 11.8 10.2
Indonésia 7.1 7.3 7.6
Tailândia 9.8 8.6 8.6
Vietnã 6.5 8.8 8.5
Cambodja - 4.0 7.6
Filipinas 3.2 4.4 4.8

Fonte: Banco Mundial

Vejam o que dizia o Relatório do Banco Mundial de 1996:"A Tailândia


experimentou três décadas de impressionante desenvolvimento econômi-
co. A pobreza foi reduzida de 57%, no fim dos anos 60 para menos de
20% atualmente. Outros indicadores sociais, como a segurança alimentar,
educação, mortalidade infantil e expectativa de vida, foram sensivelmente
melhorados. Adotando uma estratégia de abertura econômica favorável

182
183
ao investimento externo, e uma consistente administração macroeconômica Em dois dias, a desvalorização do bath foi de 17,5%." ("O dia em que o
e fiscal, a Tailândia evoluiu de uma economia agrária para uma economia Tigre miou" Revista Veja, 9 julho 1997). Em 1993, tratando das pers-
industrializada de exportação intensiva, com diversificada atividade eco- pecti vas dos "tigres asiáticos", escrevemos texto com o título Os Tigres
nômica e de emprego, uma das economias com o mais rápido crescimen- Estão AtEando. Posteriormente, com o mesmo título, incluímos aquele
to econômico do mundo. A estrutura da economia tailandesa mudou con- texto em nosso livroA Riqueza do Capital e a Miséria das Nações, Ed.
sideravelmente nos últimos quinze anos. Em 1979, a agricultura emprega- Scritta, SãoPaulo, 1994, págs 59-63. A revista Veja demorou quatro anos
va mais de dois terços da força-de-trabalho e participava com mais de 25 para ouvir aqueles miados.
porcento do Produto Interno Bruto (PIE), frente a 20 porcento das ma- Mas o que levou a essa crise tailandesa? Não se trata de uma simples
nufaturas. Atualmente, a agricultura contabiliza menos de 10porcento do crise econômica nacional. Muito menos de meros desequilíbrios
PIE, enquanto a participação da indústria passa dos 30 porcento( ...) macroeconômicos. Trata -se da mesma crise de superprodução de capital
O programa de estabilização foi um sucesso, e a economia floresceu. que durante todo o último ciclo econômico (1992-97) vem emperrando a
O setor industrial- cujas exportações cresceram de 35 porcento para 80 retomada do crescimento do Japão e da Coréia do Sul, as duas principais
porcento do total do total das mercadorias exportadas - é agora o maior economias asiáticas. Os sintomas desta crise se manifestam, por enquan-
dentro da ASEAN. As exportações de bens manufaturadas evoluíram de to, apenas na base do crescimento econômico das últimas décadas na-
25 porcento do PIE, em 1980, para mais de 40 porcento em 1994."(Re- quela área, nas exportações de mercadorias: "Os 13 países mais desen-
latório do Banco Mundial- 1996). volvidos da região presenciam a taxa de crescimento de suas exportações
A Tailândia se localiza no coração da conturbada Indochina, a nordes- mergulhar de 20% em 1994 e 1995 para 4,8% no ano passado", relata o
te da Índia e ao sul da China. Com uma população de 60 milhões de Banco Asiático de Desenvolvimento.
habitantes e área de 513 mil quilômetros quadrados, a Tailândia repre- A Tailândia foi a primeira a acusar esse golpe depressivo no comér-
senta uma economia de carne e osso, e não apenas um fictício entreposto cio exterior. Desde maio de 1995, suas exportações desabaram: de um
comercial e financeiro como Hong-Kong, Singapurae Taiwan. A sua im- crescimento anual de 24,3% a uma baixa de 0,1 % no ano passado.
portância estratégica também é muito grande para o atual avanço da glo- Para financiar um crescente déficit em transações correntes, elevou-se a
balização nos vizinhos Vietnã, Laos e Cambodja. entrada de moeda externa naquela economia. Sua dívida externa pas-
Pois foijustamente essa jóia da modemidade globalizada - com aquela sou de 65 bilhões de dólares, em 1995, para 98 bilhões, no início deste
descrição tão zelosamente lapidada pelo Banco Mundial - que acabou de ano. O problema é que essa dívida foi contraída principalmente pelas
explodir. Aconteceu no dia 2 de julho de 1997, com sua moeda nacional empresas privadas, que ficaram expostas a uma depreciação da moeda
voando em pedaços: sob risco de quebrar, forçada pelos investidores, a nacional, o que acabou se consumando no último dia 2. No dia 8 já
Tailândia desvaloriza a moeda. Ela vinha desfilando havia alguns anos no chegava a notícia que a Alphatec Electronics, fabricante de computado-
bloco dos Tigres Asiáticos com um crescimento econômico impressio- res, não conseguiu pagar os 45 mi Ihões de dólares devidos aos detento-
nante. Na semana passada esse felino derrapou, espalhando pelo mundo res de seus eurobônus, que venceram no dia 7. Se essa corrosão cam-
a impressão de que iria quebrar, como ocorreu com o México em dezem- bial não for imediatamente estancada, é todo o sistema industrial da
bro de 1994. Na quarta-feira, pressionado por um déficit nas contas ex- Tailândia que entrará em falência.
ternas de 7,5% do PIE, o governo tailandês deixou que a moeda do país, Um mês antes da eclosão da crise tailandesa, o correspondente em
o bath, flutuasse livremente. Nos últimos treze anos ela esteve ancorada Bangkok do jornal francês de negóciosLes Echos já descrevia o que iria
numa cesta de moedas fortes, assim como o real está ancorado no dólar . acontecer: " Os especuladores estão convencidos que a moeda está super

184 185
valorizada, e as autoridades financeiras dos países da região se inquie- tor do Credit Suisse First Boston. E as coisas podem ficar ainda mais
tam com as fragilidades estruturais da economia. O modelo de desen- feias, acredita ele"
volvimento tailandês - caracterizado pela exploração de uma mão-de- Tudo cai! Esta é realmente uma boa expressão para o que está come-
obra barata e com fortes investimentos estrangeiros - teria atingido seus çando a acontecer, apenas começando, nas bolsas de valores de todo o
limites. Agora, a Tailândia é um dos primeiros países da região obriga- mundo, a de Nova York puxando a fila. Esses abalos das cotações nas
dos a rever sua cópia. Bolsas exprimem uma queda real das taxas de lucro dos principais ramos
Após os anos de euforia, o país ficou preso em um círculo vicioso. Na e empresas - como as gigantes multinacionais Coca-Cola e Gilette, cujos
verdade, a Tailândia ainda não deu o salto para uma economia de valor lucros esperados pelo mercado não se confirmaram, o que acabou de-
agregado. Para 100 bilhões de baths de produtos elétricos exportados, sencadeando o forte movimento baixista de sexta-feira. As instabilidades
70 bilhões de componentes são importados. Paralelamente, as indústrias nos preços das ações serão doravante mais frequentes e mais profundas,
tradicionais, como a têxtil e a de calçados, muito lentas na modernização, anunciando que a economia mundial está novamente madura para mais
não são mais capazes de resistir à concorrência da China ou do Vietnã, uma pesada crise periódica.
que oferecem salários 6 a 7 vezes mais baratos" (Les Echos, 2/junho/
1997). Em resumo: o modelo tailandês não tem diferenças estruturais com Uma pletora de capital- A economia política dos trabalhadores
nenhum outro país dominado no atual quadro de globalização do capital. ensina que os limites do capital estão nele mesmo. A comprovação prá-
A base da sua ilusória estabilidade é a dolarização; a da sua tica desta tese encontra-se na realidade dos ciclos periódicos de expan-
competitividade externa é a pobreza da sua população. são, desaceleração e tendência ao desabamento do regime capitalista
de produção. Esses ciclos - que nas condições produtivas atuais se re-
Tudo que sobe tem que cair - As manchetes dos jornais de 16 de petem a cada seis anos, aproximadamente - determinam a dinâmica e
agosto de 1997 são espetaculares: "Bolsa de Nova York sofre maior os limites da acumulação global. São eles que comandam as
queda desde 'crash' de 87" (Folha de S. Paulo); "Down Jones despenca reestruturações produtivas, os desdobramentos tecnológicos, as condi-
247.37 pontos, a pior queda em quase seis anos" (G. Mercantil); "Bolsa ções de emprego, desemprego e salários, as transformações da con-
desaba em Nova York e afeta o Brasil" (O Estado de S. Paulo); "Bolsas corrência entre as empresas, ramos e economias nacionais, o apareci-
do Brasil em queda livre" (Jornal do Brasil). mento de novas mercadorias e novas estruturas de demanda, a deca-
A repórter Suzanne MacGee, do The Wall Street Journal, de Nova dência de antigos ramos industriais e o aparecimento dos novos coman-
York, relata em 18/08/97: "Tudo cai! A violenta queda do mercado dantes do processo, a gangorra de moedas, taxas de juros e economias
acionário norte-americano na sexta-feira, mesmo sem que o rendimento predominantes no mercado mundial, etc.
dos títulos públicos subisse, está começando a preocupar alguns opera- Nada é permanente, a não ser a instabilidade e o sentido catastrófico
dores e investidores. A Média Industrial Down Jones, o mais acompa- deste movimento. Os seus limites aparecem ciclicamente, na forma de
nhado indicador de desempenho da Bolsa de Nova York, despencou uma superprodução de capital. Sua origem, como já verificamos anterior-
247,37 pontos, seu segundo maior declínio absoluto na história, encer- mente, está na necessidade de aumento constante da exploração dos tra-
rando uma semana em que alguns dos principais setores e ações do mer- balhadores, combinado com o aumento da exploração imperialista das
cado levaram uma surra. A queda de 3, li % foi a maior, em porcentagem, economias dominadas pelas economias dominantes, base material para
desde 15 de novembro de 1991. 'Eu não acho que isso seja o começo de os aumentos da produtividade e dos lucros acumulados pelos capitalistas.
algum tipo de crash, mas foi um dia horrível' ,diz Mich~el Clark, um dire- Essas condições que levam a uma superprodução de capital se manifes-

186
187
tam periodicamente, de acordo com o tempo de renovação e reprodu- a criar, conta-se que um funcionário do alto escalão do governo bradava
ção do capital fixo nas principais economias. Trata-se de uma espécie pelos corredores da sua repartição: "É preciso reler 'O Capital'" (conta-
de doença genética, que na medicina é conhecida pelo nome depletora do por Luiz Gonzaga Belluzo, In Folha de S. Paulo, 2 novembro 1997).
: uma produção descontrolada e superabundante de sangue no organis- Os últimos choques ocorridos nas bolsas de valores não são
mo, que acaba se defrontando com veias e artérias insuficientes para "desequilíbrios" passageiros do mercado. Também as turbulências nos
sua circulação. preços das ações - papéis que representam a propriedade do capital,
A pletora do capital é uma doença que se manifesta inicialmente nas quer dizer, o direito privado sobre uma parte do trabalho social- não se
suas esferas de circulação (comércio, finanças, mercado de capitais, limitam às bolsas de valores. Essas quedas nos preços das ações em todo
bolsas de valores, etc), para só depois atingir a esfera da produção de o mundo são os sinais anunciadores de que o capital mundial já entrou em
valor e de mais-valia. Seus primeiros sintomas são a deflação dos pre- mais um período de desvalorização, de crise cíclica e periódica de super-
ços das mercadorias e, consequentemente, das taxas de lucro. A causa produção mundial. Os "ataques especulativos" sobre ações e moedas
mais profunda desses sintomas está na forma de produção do valor e de serão mais frequentes e profundos, na exata medida em que o organismo
mais-valia, quer dizer da substância que dá vida ao capital: uma quan- econômico do capital ficar mais enfraquecido, mais vulnerável aos agen-
tidade menor de trabalhadores, relati vamente ao tamanho do capital ins- tes externos à produção propriamente dita do capital.
talado, deve produzir uma quantidade crescente de valor e de mais- Em seguida aos atuais ataques especulativos, abre-se, também uma
valia. Essa verdadeira contradição em processo acaba desembocando temporada de queima de grandes massas de capital, realizando-se as-
em choques periódicos da acumulação capitalista sobre toda a socieda- sim aquela desvalorização do capital global. Essa queima começa na
de, de modo que superação de cada período de desfalecimento e crise superfície do sistema, nas suas esferas improdutivas: bolsas de valores,
do capital quer dizer a preparação de outro mais potente alguns anos finanças públicas e sistema bancário, mercado cambial, comércio exte-
mais à frente. Quer dizer o aumento disto que chamamos de irracional, rior, etc. A tendência é que todos os "ativos" envolvidos nessas esferas
quer dizer, do martírio historicamente imposto pela civilização burguesa improdutivas sofram pesados choques de deflação (queda de preços e
sobre a comunidade humana. lucros), acompanhados por elevação das taxas de juro. Só depois des-
sa primeira fase começa um período de desaceleração dos investimen-
A podridão é o laboratório da vida - As oscilações mais profundas tos produtivos, falências de indústrias, queda catastrófica da produção
das bolsas de valores mundiais no mês de outubro de 1997 comprovam, e desemprego generalizado.
mais uma vez, a capacidade de previsão da economia política dos traba- A queima do capital não começa apenas nas esferas improdutivas.
lhadores e a inutilidade da economia política dos capitalistas. Na semana Tem que se escolher também quem serão os primeiros a serem cremados.
passada, em momento de pânico com a fuga maciça de capitais externos Forma-se a fila. As primeiras economias nacionais a sofrerem os efeitos
e com o fim das veleidades em torno do plano de estabilização brasileiro, da superprodução do capital global são as economias dominadas, da pe-
o presidente do Banco Central do Brasil declarava: "Não existe teoria riferia do sistema, totalmente dependentes dos fluxos de capitais centrali-
que explica esses movimentos .... Não sei o que está acontecendo". Já o zados nas economias dominantes e das orientações de políticas econômi-
presidente da República, velho marxista de cátedra, quando perguntado cas impostas por grandes organismos internacionais como FMI, OMC,
sobre o tempo que vai vigorar a elevação das taxas básicas de juro inter- Banco Mundial, etc.
nas para 42%, respondeu: "Só Deus sabe". Talvez indignado com a im- Nos últimos dias, a simples menção do nome Hong-Kong faz os capi-
potência dos seus chefes frente aos demônios que eles mesmos ajudaram talistas e governos de todo mundo suarem frio. Entretanto até pouco tem-

188 189
po atrás esse era um nome que transmitia a idéia de solidez econômica, financeiro, as bolsas de valores e os entrepostos de comércio do restante
otimismo com os negócios e certeza de lucros. Era o próprio símbolo do da área, principalmente da grande China continental. Por isso, mesmo
"século do pacífico", da globalização triunfante e da modernidade levada sem produzirem nada, a evolução econômica desses centros financeiros
até os confins da China, Malásia, Tailândia, Filipinas, Indonésia e tanto refletem as condições da produção da Chinae dos demais tigres de se-
outros tigres asiáticos de primeira e última geração. Hong Kong e tigres gunda geração. A Coréia do Sul é a economia mais desenvolvida desse
asiáticos se confundem. Foram esses tigres que mais cresceram nas últi- bloco e tem vida própria. O Japão, do qual falaremos adiante, não entra
mas décadas, no período dominado pela globalização dos mercados e neste bloco por uma razão muito simples: é uma economia dominante,
pela mundialização do capital. imperial ista, não apenas na sua própria área geoeconômica asiática, mas
a nível mundial. Faz parte do que se pode chamar de coração do sistema,
Tabela 27 - Produto Interno Bruto dos "Tigres" e das Economias não da sua periferia, como é o caso de todos seus vizinhos englobados na
Dominantes - média anual de diversos períodos (em %). designação genérica de "economias asiáticas" ou "tigres".
Baseados no quase pleno emprego de várias centenas de milhões de
Crescimento do PIB, miseráveis assalariados, produção voltada para as exportações e dispo-
média anual em % nibilidade ilimitada de investimentos multinacionais e importação de mo-
1970- 1980- 1990- dernas tecnologias, os tigres asiáticos se transformaram em verdadeiras
79 89 96 máquinas produtoras de eletrônicos de consumo, automóveis,
Hong Kong 9,2 7,5 5,0 semicondutores, petroquímica, aço, etc. A Formação Bruta de Capital
Singapura 9,4 7,2 8,3 Fixo nessas economias girava até recentemente em torno de 35% do PIB,
Taiwan 10,2 8,1 6,3 quase o dobro do índice da América Latina. Isso ocorreu particularmente
Coréia do Sul 9,3 8,0 7,7 no último ciclo de expansão do capital global (1992-1997). Mas, a partir
Malásia 8,0 5,7 8,8
de 1995, antecipando o que só agora começa a ocorrer na totalidade da
Tailândia 7,3 7,2 8,6
economia mundial, os tigres viram de repente tudo aquilo que era virtude,
Indonésia 7,8 5,7 7,2
eficiência e admiração do resto do mundo capitalista se transformar em
China 7,5 9,3 10,1
pesadelo: a produção se transformar em superprodução.
Filipinas 6,1 1,8 2,8
3,4 Os tigres manifestaram mais cedo os limites da superprodução, devido
Economias 2,6 2,0
à forma capitalista de exploração que predomina na região, a produção
Dominantes*
baseada na mais-valia absoluta. Essa realidade, comum aos países da
*Estados Unidos, União Européia e Japão América Latina, baseia-se em salários muito abaixo do valor da força de
Fonte: FMI. trabalho e no prolongamento da jornada de trabalho. A f1exibilização da
jpr~~p~ ~ generalizada em toda a área. Como cons.C?q~~l1ciad~predo~i-
No último ciclo (1992-96), a produção se acelerou principalmente nância da mais-valia absoluta, em todos os tigres a composição orgânica
nos "tigres de última geração" - China, Malásia, Tai lândia, Indonésia e do capital também é característica de economias dominadas, a parte do
Filipinas. Algumas economias que aparecem na tabela acima - caso de capital variável (força de trabalho) é predominante sobre o capital cons-
Hong Kong e Singapura- não são propriamente economias nacionais, tante (máquinas, instalações e matérias primas): "Em todos os tigres, a
mas cidades- Estado em que o sistema imperialista centraliza o capital quantidade de capital por trabalhador é consideravelmente inferior à das

190 191
economias industrializadas ricas. O sul coreano médio, por exemplo, tra- Hong Kong. As condições macroeconôrnicas daquelas economias se
balha com apenas 40% do capital disponível ao seu colega americano" deterioraram rapidamente na virada de 1996 para 1997: Malásia, Coréia
(The Economistl Gazeta Mercantil, 10/03/97). e Tailândia já apresentavam desde o ano passado uma rápida queda do
Desde o final dos anos 80 os operários coreanos travam uma contí- PIB e déficits em conta corrente entre 5 e 8% do PIB.
nua guerra de classes com os capitalistas dos "chaebols" (corporações) - As taxas de câmbio dessas economias sempre foram rigidamente
da Hiunday, Samsung, Daewoo, Kia, etc. Através de sindicatos indepen- atreladas ao dólar americano. O enfraquecimento do dólar em 1994 e
dentes e não colaboracionistas, greves, manifestações de rua e 1995 ajudou a ampliar as exportações, mas no ano passado a situação se
enfrentamentos, conseguiram arrancar uma elevação real dos salários de inverteu. O dólar subiu 50% em face do iene japonês, corroendo muito
mais de 8% ao ano. Hoje, o nível salarial na Coréiajá equivale a 80% da da competiti vidade dos exportadores asiáticos em relação aos fabrican-
média dos trabalhadores americanos e europeus, sendo maior do que os tes japoneses. Outro fator que deprimiu as exportações dessas economi-
dos ingleses. Na primeira greve geral deste ano, por exemplo, que barrou as foi o seu alijamento do mercado mundial de semi condutores e outros
a decisão do governo de forçar uma maior flexibilização do mercado de produtos eletroeletrônicos, que representam uma parte substancial das
trabalho, os trabalhadores comandaram uma manifestação em 26 de ja- suas exportações. Os preços dos chips de memória, por exemplo, caíram
neiro, no centro da capital Seul, que reuniu 300.000 pessoas. Permanece, mais de 80% em 1996.
entretanto, a antiga.jornada semanal de trabalho legal de 54h30m! (Le Em resumo: desde o ano de 1996, as economias asiáticas entraram em
Monde Diplomatique, fevereiro de 1997). uma profunda depressão de preços e, consequentemente, do lucro das
suas empresas. Desde então várias bolsas de valores da região já come-
Concorrência, moedas e chips - A produção nacional baseada na çaram a se desvalorizar, paralelamente a essa superprodução de capital,
mais-valia absoluta será sempre menos competitiva do que aquela basea- queda da taxa de lucro e pressão sobre o valor defasado de suas moedas.
da na mais-valia relativa, que predomina nas economias dominantes. En- Durante algum tempo, essas fragilidades foram compensadas com um fre-
quanto a superprodução não se generaliza para o mundo, as economias nético endividamento externo, ajustes fiscais recessivos e aumento da ex-
dominadas não encontram maiores problemas para continuar se endivi- ploração dos trabalhadores. A primeira a explodir foi a Tailândia, que
dando, importando, exportando e ... mantendo seus lucros. Assim foi para desde agosto já desvalorizou sua moeda nacional em mais de 80%. Em
os tigres, até 1996. Mas, já no decorrer do ano passado, os limites da- seguida vieram as demais - Filipinas, Malásia, lndonésia. Agora chegou a
quela estrutura produtiva inferior começaram a se manifestar na relação vez de Hong Kong, que nada mais é do que uma manifestação da mesma
dos tigres com o resto do mundo. A medida que o ciclo avançava, redu- crise que já começa a atingir a grande China e a Coréia.
zindo a taxa média de lucro na totalidade da economia mundial, a tão A bacia do Pacífico representa mais de 30% da produção mundial. É
badalada competitividade asiática começou a declinar perigosamente, crucial para a economia americana e européia. Mas é muito mais para o
levando a uma profunda desaceleração das exportações, justamente onde Japão. Nos últimos dez anos, o Japão mergulhou mais do que nunca sua
mais da metade da produção daquelas economias precisa se realizar: se economia na sua própria área geo-econômica. É nela que se concentram'
em 1994 e 95 as exportações dos tigres ainda cresciam a uma taxa de mais da metade dos seus investimentos diretos externos. O comércio se-
20% ao ano, no ano passado elas se desaceleraram para apenas 5%. Em gue o mesmo sentido. Em 1985, as exportações do Japão para os Esta-
97 será de 2%! Segundo dados da The Economist, nos últimos doze dos Unidos eram 30% superiores àquelas destinadas à Ásia. Em 1995,
meses já se acumulam déficits comerciais de US$ 7,5 bilhões em Singapura; aquela relação se inverteu: as vendas japonesas para os tigres são mais de
11,4 nas Filipinas; 12,8 na Tailândia; 15,6 na Coréia do Sul e ... 20,8 em 30% superiores àquelas destinadas aos Estados Unidos. Mais de 40%

192 193
das exportações japonesas vão para a Ásia. ( vide "Japon: L 'Archipel
s 'ancre en Asie", Les Echos, 4/11/96). CAPÍTULO XII
Só uma circunstância ainda mantém a economiajaponesaem movi-
mento: a desvalorização de mais de 50% da sua moeda frente ao dólar
americano, nos últimos dezoito meses. Isso permitiu uma retomada das
O Vulcão Japonês Pronto para
suas exportações para os Estados Unidos e a recuperação de uma parte uma Grande Erupção
da taxa de lucro da sua economia. Mas essa situação será interrompida
quando a crise estourar de maneira mais decisiva na Coréia e na China.
A Ásia soará a sirene de última chamada para que toda a economia
mundial entre em um pesado choque de estagnação e crise na produção. Desvalorização do capital, decadência econômica e depressão. Estes
E pela primeira vez no pós-guerra uma crise cíclica atingirá uma economia são os ingredientes. A segunda economia do mundo está na mira da crise
dominante; chegará até o Japão, no coração do sistema imperialista, não econômica global. A taxa de desemprego no Japão subiu para 3,5% em
se contentando, como até agora, apenas com o sacrifício de áreas e eco- janeiro de 1998. É a maior do pós-guerra. Verificou-se também uma que-
nomias dominadas da periferia. Os resultados serão de grande monta. da de 3,3% na produção industrial, em comparação com o mesmo perí-
Vale a pena, portanto, verificar mais de perto a evolução da economia odo do ano passado. A situação atual da economia japonesa indica que
japonesa no último ciclo econômico. ela está entrando em um período depressivo. Se isso realmente aconte-
cer, os efeitos sobre a totalidade da economia mundial serão devastado-
res, afetando inclusive Estados Unidos e União Européia.
A possibilidade de que a crise parcial e localizada no Leste asiático se
transforme em uma crise geral depende do que vai acontecer nos próxi-
mos meses com a segunda economia mundial. E todo mundo acredita que
o problema deve ser resolvido no interior da própria economiajapo-
nesa, que a solução do problema está nas mãos do governo japonês. Em
um recente relatório, o conceituado Instituto de Pesquisa Daiwa, de
Tóquio, coloca a situação nos seguintes termos: "O que está sendo exigi-
do agora do Japão é que ele evite que o contágio da estagtlação asiática
se estenda na forma de uma pressão deflacionária sobre a economia mun-
dial (...) A presente reversão econômica, que começou no 2° quadrimestre
de 1997, parece que vai ser prolongada. As razões que levam a essa
conclusão são de três ordens. Primeiro: há uma grande possibilidade que
a presente fase de ajustamento não se limitará aos estoques, mas tomará
a forma de uma contração cíclica de investimentos em capital fixo e em
imóveis. Segundo: há pouco espaço para a mobilização de medidas fis-
cais e monetárias para amenizar o impacto da queda cíclica. Além do
mais, alguns fatores que sustentariam a economia não reagem a remédios

194
195
fiscais ou monetários de qualquer tipo. Terceiro: somando-se aos fatores pressão e pela sua seqüência inevitável de desequilíbrios políticos e de
cíclicos, elementos estruturais, extemos e de política econômica estão tam- criativas convulsões sociais.
bém servindo para ampliare prolongar a reversão econômica (...) Por sua Basta abrir os jornais para se verificar que o grande embate político no
vez, os fatores cíclicos referidos sugerem que o ajustamento de estoques Japão, neste momento, é travado entre os liberais e os protecionistas,
dificilmente será completado antes da metade de 1998 (...) A redução do estes ainda em maioria no governo e no Parlamento. Mas esta é uma
produto industrial, por sua vez, varia de setor para setor; a conjuntura outra história. O problema é que ninguém, de dentro e de fora do Japão,
iniciada na metade de 1997 é em geral fraca ou declinante para os setores apresenta medidas de estímulo capazes de reanimar no curto-prazo a eco-
elétrico, máquinas, instrumentos de precisão, produtos metálicos, equipa- nomia japonesa.
mentos de transporte, minerais não metálicos, químico, materiais plásti- É claro que não se pode descartar a possibilidade de que a crise
cos, têxteis e outros. Fatores como o fraco crescimento das encomendas japonesa seja estancada nos próximos meses. Mas são poucos os ele-
de máquinas e o quarto trimestre de declínio do fornecimento de bens de mentos que poderiam justificar esse "panorama otimista". Vejam o que
capital, apontam claramente para a possibilidade de que a desaceleração os liberais receitam: aumento do consumo interno para reativar os negó-
do investimento em capital fixo tenha começado. Se este é o caso, a fra- cios. Mas como isso poderia ser realizado? Segundo eles, com redução
queza da demanda final será prolongada e o ajustamento em duas etapas, dos juros e dos impostos. Quanto a primeira redução, elajá foi realiza-
do tipo que se apresentou em 1991-1993" (Daiwa Institute of Research da há um bom tempo: a taxa nominal de juros do Japão está em torno
"Economic Forecasts e Review" - Tóquio, 5 fevereiro 1998) de 0,5% ao ano. Considerando a inflação de 1% em 1997, estamos
Se o diagnóstico dos economistas da Daiwa estiver correto, a explo- frente a uma taxa real negati va de juros! Podemos ver o que os econo-
são da economia japonesa é o cenário mais provável (e cada vez mais mistas keynesianos chamam de "armadilha da liquidez", uma situação
próximo). Mas se eles são bons de previsões, são muito ruins nos remé- em que, paradoxalmente, uma diminuição da taxa de juros é acompa-
dios que receitam para o grave estado do paciente. A Daiwa Securities nhada por uma diminuição mais do que proporcional da demanda por
é uma das maiores corretoras do Japão. Por isso, suas soluções são tira- dinheiro e, consequentemente, por uma diminuição da "demanda agre-
das inevitavelmente daquele desgastado repertório liberal: gada" (consumo individual, investimentos em capital, importações e gas-
desregulamentação, redução de impostos, abertura da economia, "Esta- tos do governo).
do pequeno" e outras fórmulas inócuas para se enfrentar a erupção de E os impostos? Os liberais se apegam à baixa elevação do imposto
uma crise cíclica. É a visão do FMI, do Tesouro americano, em resumo, sobre o consumo (mais 2%), decretada pelo governo japonês em abril
daqueles que dirigem efetivamente o sistema financeiro internacional. de 1997. Para eles, esta medida teria sido a verdadeira causa da baixa
demanda interna atual no Japão. Nos defrontamos aqui com uma mio-
Um resistente Estado nacional- A economia japonesa é movida pia teórica, acompanhada de uma grave alienação da realidade. Primei-
a monopólios e subsídios. Exigir do japoneses o fim do protecionismo, ro, eles se preocupam aqui apenas com o consumo individual e não com
do corporativismo econômico, da íntima relação entre capital bancário, a demanda agregada da economia. Segundo, os liberais poderiam en-
e industrial e Estado, todos esses elementos estruturais que caracteri- contrar uma explicação mais consistente desta diminuição do consumo
zam não apenas a economia japonesa do pós-guerra, mas todas as suas individual verificando a queda real dos salários em 1997: basta se com-
cópias asiáticas - Coréia, China, Indonésia, etc - é uma solução que parar a elevação nominal dos salários básicos de 1,5%, no ano passa-
poderia dar resultados apenas no longo-prazo. Mas no meio desse ca- do, e a inflação de 2%. Se a essa diminuição real dos salários eles acres-
minho, a economia japonesa estaria passando por uma profunda de- centassem o rápido crescimento do desemprego, os liberais também

196 197
poderiam entender melhor porque o consumo individual não tem se ele- Tabela 28 - Japão, Estados Unidos e Alemanha: Produção
vado naquela economia. Nacional Bruto (% em relação ao período anterior)
Terceiro, ao pregarem uma redução dos impostos, os liberais se es- ,----------,--f\;-;l~é-d;-;--ia-· ~--19-93---·,-----:-:19:-::-'!4-,-----'--:-:-:19-:;-:95:---,--1--c-99,-6--.------:-1 '-'99--=-7-

quecem que o déficit fiscal do governo japonês, em 1997, já tinha se 1979-XS


Japâo J,X 0.3 0.6 1,5 3,9 1,0
elevado a 5,4% do PIB. Uma redução significativa dos impostos, neste E.stados Unidos 2,7 2,3 .1,5 2,0 2,8 .1,8
Alemanha I,S - 1,2 2.7 1.8 1.4 2,3
momento, apenas faria explodir as contas públicas e aumentar o des-
controle, já em estado avançado, das finanças e dos bancos daquela FMI - World Economic Outlook - dezembro/ 1997
economia. Até a revista inglesa The Economist aponta a irracional idade
dessas pressões dos partidários do liberalismo sobre o Japão: "Com as A grande e exuberante economia Japonesa, cujo produto crescia
taxas de juros de 0.5% e o déficit orçamentário desconfortavelmente nos anos 80 a uma taxa anual de 3,8 % ao ano - enquanto os Esta-
grande, o governo do Japão tem pouco espaço para utilizar as taxas de dos Unidos cresciam a 2,7 % e a Alemanha a 1,8 % - nos anos 90
juros ou os gastos para impulsionar a demanda" (The Economist/ desabou para I% ao ano. Enquanto isso, os Estados Unidos cresce-
G.Mercantil,24/09/97). ram a taxas próximas de 3% e a Alemanha de 2 % ao ano. Na base
Esse impasse da economia japonesa talvez possa ser melhor en- dessa anêmica expansão produtiva, encontramos um desempenho
tendido se respondermos por que o atual choque de superprodução ainda mais desastroso em termos de investimentos em capital fixo
mundial está atingindo primeiramente o Japão, enquanto as outras duas industrial.
superpotências econômicas - Estados Unidos e Alemanha, pela or-
dem - ainda continuavam em rota de expansão, no começo de 1998. Tabela 29 - Japão, Estados Unidos e Alemanha: Formação
A resposta pode ser: porque o Japão foi o mais fortemente atingido Bruta de Capital Fixo das Empresas, em volume. (% em relação
pelo golpe da última crise cíclica de 1990-1992. Já discutimos anteri- ao período anterior)
ormente as razões que levaram o Japão à semi-estagnação dos anos
1992 1993 1994 1995
90 (vide, entre outros, "O Fantasma da solidão ", artigo escrito em Japão -4,7 -9,.1 - 8,8 1,2
1992, e publicado no livro já citado "A Riqueza do Capital e a Misé- Estados Unidos 2,0 12,5 13,7 15,5
Alemanha 1,0 - 9,2 0,6 8,4
ria das Nações").
Agora verificamos que um enorme decréscimo produtivo da econo- OCDE - Perspectivas Econômicas da OCDE (junho/l995)
miajaponesa está na base da sua atual vulnerabilidade ao novo e mais
potente choque global, que se iniciou no segundo semestre do ano passa- Nos anos 80, durante os períodos de expansão da economia mun-
do. É esse ponto fraco, comparado aos seus parceiros Estados Unidos e dial, os investimentos em capital fixo na economia japonesa supera-
Alemanha, que explica o fato do Japão ser a primeira das potências do- vam a casa dos 10% ao ano. Agora, no último período de expansão
minantes a ser atingida pelo novo choque cíclico. Vejamos alguns elemen- dos anos 90, a taxa foi negativa: caiu 4,66 ao ano! Enquanto isto, os
tos que ilustram esse processo de decadência da economia japonesa. Estados aumentava 10% ao ano e a Alemanha ficava praticamente
estagnada (0,28% ao ano).
Anemia produtiva - A evolução da economia japonesa no último A resultante foi a baixa produção e queda nos investimentos que
período de recuperação e expansão mundial, foi marcada por uma anê- apareceria necessariamente na perda de dinamismo do comércio exte-
mica expansão produtiva. rior do Japão.

198
199
Tabela 30 - Japão, Estados Unidos e Alemanha: Volume das potência está voltando a ser o que sempre foi até a 2a. Guerra, apenas
Exportações e Importações (% em relação ao período anterior) uma potência regional.
1992 1993 1994 1995
Japão ex 1.6 -1.9 1,6 2.7 Perdendo a velha competitividade -O enfraquecimento produtivo
-0,6 3.8 13,7 13,2
Estados 7,4 4,6 li, 10,2
japonês nos anos 90 se manifesta também em sua participação decres-
Unidos
10,4 11,7
°
15.2 10.2
cente em alguns ramos industriais e outros setores econômicos (dados
Alemanha ex 2.0 -1,7 10, I 9,2 fornecidos pelo Miti - Ministério da Indústria e Comércio Internacional
2,3 -6.3 5,9 7,1
Total da 3,9 2,6 9. 6 8,9
do Japão, 1998)
oeDE Aço - em 1995 o Japão ainda era o maior produtor mundial de aço

OCDE,idem.
4,7 1,6 10,3 8,4
°
do mundo. Mas, dos l l milhões de toneladas/ano de 1990, já tinha
caído para 10 I milhões.
No mesmo período, os Estados Unidos passou de 89,7 milhões de
o Japão não acompanhou o restante das outras economias dominan- tonelada/ano para 93,6 milhões; a China passou de 66,3 para 93 milhões;
tes (Total da OCDE) na recente explosão de mercados e de comércio. a Coréia passou de 23, I para 36,8 milhões.
Foi a economia do núcleo dominante que menos expandiu suas exporta- Segundo os dados mais recentes, em 1996 a China produziu 100,4
ções e a que mais expandiu suas importações. A velha agressi vidade ja- milhões de toneladas e o Japão tinha recuado mais um pouco, para 98,8
ponesa nos mercados intemacionais é agora apenas um mito, bem utiliza- milhões de toneladas. A China é a nova liderança mundial.
do pelos dirigentes americanos e europeus para aumentar suas pressões Automóveis - em 1995, o Japão passou os Estados Unidos, pela
sobre a cambaleante economia asiática. primeira vez na história, na produção de veículos (de passageiros, cami-
Acrescente-se que os fluxos de investimentos diretos de empresas ja- nhões e ônibus.)
ponesas no exterior perderam a antiga vitalidade. Em 1990, o Japão alcançou sua maior produção anual: 13,49 milhões
de veículos. No mesmo ano, os Estados Unidos produziu 8,29 milhões.
Tabela 31 - Japão: Investimento Direto em Diversas Áreas A partir de 1991, a produção japonesa não parou de cair. Em 1995,
da Economia Mundial (U$ bilhões) tinha produzido apenas 10,2 milhões. E a produção americana não parou
de crescer: em 1995 produziu 11,97 milhões de veículos, retomando as-
Area 1989 1990 1995 1995/1989 (%)
América do Norte 33.9 27,1 22,7 - 33% sim a sua tradicional posição de líder mundial na indústria automobilística.
Europa 14,8 14,2 8,4 - 43%
Asia 8,2 7,0 12,2
Televisões a cores - na produção e exportação de televi sões, cons-
+49%
América Latina 5,3 3.9 4,0 -24% tatamos outra história da decadência industrial japonesa.
Oulros 5,3 4,7 3,3 -37%
Tolal 67,5 56,9 50,6 - 25%
Em 1985, o Japão era quase absoluto no mercado mundial: produziu
17,8 milhões de aparelhos e exportou 8,88 milhões. A Coréia, então
Fonte: Ministério das Finanças do Japão, 1998 segunda colocada, produziu 4,35 milhões de aparelhos e exportou 3,56
milhões. A China, no mesmo ano, produziu 4,35 milhões e exportou
Em 1995, os investimentos diretos japoneses no exterior tinham recu- 236 mil.
ado em todas as regiões do mundo, com exceção da área asiática. Isso Em 1990, a Coréia empatou com o Japão na produção (12,4 milhões
mostra mais do que um simples recolhimento espacial. Indica que a velha de aparelhos contra 12,2 milhões do Japão) e já ganhava de longe na

200 201
exportação ([0,7 milhões, contra 3,7 milhões do Japão). A Chinajá apa- Japão. Em 1996, o valor destas exportações agrícolas americanas para o
recia no retrovisor: [0,3 milhões de aparelhos produzidos e 3,6 milhões Japão (US$ 11,88 bilhões) foi maior do que a soma das exportações
exportados. agrícolas americanas para o conjunto das economias da União Européia
Em 1995, o Japão já estava se transformando em um produtor e ex- (US$9, 18 bilhões).
portador marginal de televisão: 7,8 milhões de aparelhos produzidos e Serviços - A importância estratégica do mercado japonês para os
2,8 milhões exportados. A Chinajá estava bem na frente na produção, Estados Unidos aparece também no comércio de serviços em geral. Em
(19,9 milhões de aparelhos), mas com exportações estagnadas em torno [996, o Japão pagou US$ 42,1 bilhões e recebeu US$ 20,2 bilhões na
de 3 milhões de aparelhos. A Coréia produziu [2,3 milhões de aparelhos balança de serviços com os Estados Unidos.
e exportou 10,20 milhões. E, surpresa,já aparecia até um "emergente" na
frente do Japão. A pequena e úmida Malásia produziu 9,5 milhões de Crise asiática ou global? -O enfraquecimento produtivo e a perda
aparelhos e exportou toda produção! de dinamismo da economia japonesa não se caracterizou, até pouco tem-
Semicondutores - Em 1990, o Japão dominava 46% do mercado po, como uma verdadeira crise econômica; ao contrário, enquanto se
global destes produtos. Os Estados Unidos vinham atrás com 39%, a desenrolava o período de expansão (1992-1996) do atual ciclo econô-
Europa com II% e as economias asiáticas com 4%. mico mundial, ela continuou funcionando, produzindo, e suas variáveis
Em 1995, a participação do Japão tinha caído para 39,5% do merca- macro-econômicas (preços, finanças públicas, setor externo, emprego,
do, os Estados Unidos aumentando para 39,8%, a Europa caído para etc.) permaneceram razoavelmente estabilizadas. A crise econômicaja-
8,6% e as economias asiáticas subido para 12, I%. ponesa só começou a se manifestar com maior clareza nos últimos doze
Tecnologia -O Japão é um importador líquido de tecnologia. A mai- meses, como a primeira economia do núcleo dominante a anunciar o
or parte dessas importações vêm dos estados Unidos. Em 1995, as ex- fechamento de mais um ciclo de superprodução de capital à nível mundial.
portações de tecnologia dos Estados Unidos para o Japão alcançaram o A crise da segunda economia mundial- do mesmo modo que das demais
valor de US$2,95 bilhões, cerca de 70% das importações japonesas de economias asiáticas - aconteceu com alguma antecedência à crise que
tecnologia. poderá se manifestar também nos Estados Unidos e Alemanha.
Manufaturas Americanas -O mercado de manufaturas importadas No mês de janeiro de 1998, respondendo àquelas demandas de
pelo Japão também é amplamente dominado pelos produtos americanos: americanos e europeus para que o Japão evite o contágio da crise asiática
computadores (31 ,8%); turbinas (60%); aparelhos de medição (65,7%); para o resto do mundo, o vice-ministro das Finanças do Japão disparou:
instrumentos e aparelhos médicos (57,1 %); microcomputadores, "Essa não é uma crise asiática. É uma crise do capitalismo global". É
processadores, etc. (43,7%); equipamentos de telecomunicações (42,7%); muito difícil para os capitalistas aceitarem essa realidade; a revista ameri-
automóveis (37,1%), etc. Em 1996, os Estados Unidos exportaram cana Business Week, da primeira semana de março, tenta responder: "Seria
US$67,5 bilhões para o Japão. É mais do que a soma das exportações a crise financeira asiática na realidade uma crise do capitalismo global?
para Alemanha, Inglaterra e Itáliajuntas (US$63,2 bilhões). O Japão é o Há um coro crescente, do qual fazem parte o vice-ministro das Finanças
segundo mercado importador de mercadorias americanas (11 % do total do Japão Eisuke Sakakibara, o administrador de fundos George Soros e
das exportações americanas). o primeiro ministro da Malásia, Mahathir Mohamad, para o qual a res-
Alimentos - Um colapso da economia japonesa teria um impacto posta é "sim". Eles crêem que as instituições financeiras globais precisam
significativo sobre a produção agrícola americana: aproximadamente 20% de uma nova "arquitetura" para govemar o capitalismo. Argumentam que
do total de exportações agrícolas dos Estados Unidos é absorvido pelo a globalização liberou quantias incontroláveis de capital que inundam as

202 203
economias nacionais e deixam em seu rastro a destruição do crescimento As desvalorizações cambiais só são uma conseqüência dessa satura-
e dos empregos. Dar suporte ao Fundo Monetário Internacional é condi- ção dos mercados, em que cada um procura jogar para o outro, de acor-
ção necessária, mas não suficiente. Novas instituições, leis e impostos do com seu poder geo-político, uma cota maior de realização das monta-
devem ser criados para "domesticar" o capital global. nhas de estoques encalhados. Mas, deve-se lembrar que não se tratam de
Não pensamos assim (...) Uma nova arquitetura financeira global não meros estoques de mercadorias, de bens, mas de mercadorias-capital.
resolverá esses problemas. O capital global tem que poder mover-se li- No movimento de desvalorizações cambiais competitivas, que levam às
vremente, mas tem de pagar por seus erros. Uma lição a ser tirada da guerras comerciais, esconde-se o elemento mais fundamental e causa de
crise asiática é que muito capital fluiu para a Indonésia, Tailândia e Coréia, toda essa irracional disputa para ver quem paga a maior parte da conta: a
embora os riscos fossem óbvios (sic). desvalorização do capital global, que aparece à luz do dia como deflação
Dolorosa como possa ser, a crise asiática está agindo como um solvente, (queda dos preços dos artigos de comércio decisivos) e dos lucros das
eliminando o autoritarismo num país após o outro. Está tornando os mer- empresas de ponta do sistema global: "Intel derruba ações em todo o
cados mais flexíveis e vigorosos, e as sociedades mais democráticas. O mundo - O índice Dow Jones de 30 ações industriais caiu 94,91 pontos,
capitalismo global está fazendo aquilo que vem sendo feito há séculos- ou 1,I% ontem, para 8.444,33 pontos. A desvalorização, puxada pela
destruindo o velho e criando o novo. O capitalismo global não está em Hewlett-Packard e pela lBM, ocorreu porque a lntel, maior fabricante de
crise".( Businnes Week, 1a sem. de março/98). Espera-se que a própria "chips'' do mundo, anunciou que sua previsão de lucro para o primeiro
evolução do ciclo econômico dê uma resposta adequada a essas vulgari- trimestre deverá cair I0%. O anúncio afetou as bolsas de todo o mundo,
dades imperialistas. porque a empresa é considerada um importante parâmetro dos lucros
Ao falar em "eliminação de autoritarismo" e "sociedades mais demo- globais do setor privado. Criou-se a expectativa de que pudesse haver
cráticas" à Businnes Week, o responsável pelo comércio dos Estados um menor crescimento econômico em âmbito internacional. As ações da
Unidos declarou recentemente que os japoneses devem parar de se pre- Intel caíram US$ 10,875 para US$ 75,562." (O.Mercantil, 6/03/98)
ocupar com seus problemas fiscais, que devem expandir imediatamente
sua demanda interna. Todos temem a possibilidade de uma avalanche de
produtos japoneses e chineses invadindo seus mercados: "Sir Leon Brittan,
o comissário da União Européia para questões comerciais, advertiu on-
tem durante uma reunião de cúpula EUA- Japão, em Tóquio, que a UE
não vai tolerar uma nova elevação em exportações japonesas para a Eu-
ropa" (Financial Times 13/01/98.)
Pura hipocrisia. Vimos anteriormente que os Estados Unidos e Europa
aumentaram muito mais que o Japão os seus volumes de exportações no
último cicIo. E que o Japão aumentou com muito mais rapidez que os
Estados Unidos e a Alemanha os seus volumes de importação. As causas
da crise atual não devem ser procuradas nas balanças de comércio, servi-
ços e de capitais; os desequilíbrios do comércio internacional apenas ex-
primem o fato de todos produziram além da conta e, portanto, que todos
comercializaram demais.

204 20S
nas para a Ásia, mas para toda a economia mundial. Em uma interes-
CAPÍTULO XIII sante matéria publicada pela revista Veja, com o título O Perigo Glo-
bal, podemos ler: "A Ásia pode ser a espoleta de uma contração eco-
China: A Crise Econômica se Espraia nômica mundial semelhante a de 1929. O detonador pode ser a China.
O país não está crescendo a taxas suficientes para gerar empregos na
na Nação Mais Populosa do Mundo quantidade necessária e as desvalorizações na Ásia comprometem suas
exportações e a capacidade de criar vagas. Já existem 150 milhões de
chineses desempregados, mínimo que deve subir para 200 milhões até
o final de 1998, com o fechamento de estatais deficitárias. Para Pequim,
o último ato da tragédia asiática será encenado por dois atores a solução lógica seria desvalorizar o yuan, o que equivaleria ajogar
principais: Japão e China. Quanto ao Japão, os desenvolvimentos mais benzina na fogueira". ( Veja, 1I fevereiro 98)
recentes daquela economia confirmam um pesado agravamento da situ-
ação. Nos dez primeiros dias de abril de 1998, os preços no atacado A economia política vulgar é impotente frente à realidade da
(ou preços para os produtores) caíram 2,1 % em relação ao mesmo crise -Se depender dos pronunciamentos quase diários dos dirigentes
período do ano passado. Na matéria do jornal Financial Times/ chineses, o vuan nunca será desvalorizado e o mundo pode dormir tran-
G.Mercantil, de 22/04/98, com o título Japão: Surgem Graves Sinais qüilo. O problema é que os seus argumentos são os mais frágeis possí-
de Deflação, é informado que "Eiichiro Kinoshita, gerente da agência veis. Para falar da taxa de câmbio e outras considerações sobre o que
de Osaka do Banco do Japão afirmou que' é um exagero dizer que está acontecendo na China e na Ásia, a burocracia chinesa apenas re-
começou uma espiral deflacionáriaclássica. Entretanto, Masaru Hayami, pete a ladainha teórica do Fundo Monetário Internacional (FMI), da
presidente do Banco do Japão, admitiu que a demanda dos consumido- economia política vulgar. Essa forma de abordar a economia é altamen-
res continua fraca, a produção em queda, o desemprego sobe e os sa- te ilusória e cada vez mais desmentidas pela evolução dos últimos acon-
lários diminuíram. A avaliação de Hayami foi corroborada pelos relató- tecimentos econômicos na Ásia.
rios das agências do Banco, que indicaram que várias regiões entraram Essas deficiências teóricas têm conseqüências práticas, como na re-
em recessão". cente e fracassada tentati va do FMI de por um fi m na chamada crise
Acomodada em um bitolado quadro macro-econômico, onde bri- asiática. "É possível que o FMI, em vez de comandar um esquema de
lham apenas as políticas monetárias e fiscais, as taxas de câmbio, de recuperação financeira a nível regional na Ásia, esteja, na realidade,
juros e os movimentos do capital financeiro, a economia vulgar não tem contribuindo para agravar a crise?" exclama o Sr. Brian Gold, editor da
nada a dizer sobre o reaparecimento de fenômenos ligados à superpro- Foreign Affairs, uma revista que representa o pensamento do Departa-
dução de capital como a deflação, a queda da taxa geral de lucro e o mento de Estado americano. Ta mesma edição daquela revista, o co-
desabamento da produção, todas essas coisas que já estão claramente nhecido economista Martin Feldman - professor de Economia da Uni-
ocorrendo no Japão. A não ser, como diz o senhor Kinoshita, que "é versidade de Harvard e presidente do National Bureau of Economic
um exagero dizer que tudo isso esteja acontecendo"! Research, também do governo americano - é taxativo: "Na crise mo-
Se o Japão é o ator, a China aparece para o mundo como a atriz netária asiática, o Fundo Monetário Internacional vem colocando em
principal de uma catástrofe asiática. E ajulgar por algumas manifesta- risco sua eficácia tanto pela forma com que definiu o seu próprio papel
ções na imprensa, o destino dessa personagem não é importante ape- como pelo seu modo de lidar com os problemas dos países afetados."

206 207
As "incertezas" tomam conta dos atormentados espíritos dos econo- gravidade sobre a totalidade da economia, todos esses fenômenos se
mistas do FMI. É por isso que eles confessam, em seu último relatório, embaralham e se transformam em incertezas para todos aqueles investi-
sua incapacidade de explicar o que determina os preços, o valor das dores e economistas que acreditam na eficácia de implantar adequadas
moedas e a taxa de câmbio das economias do sistema capitalista inter- políticas fiscais, monetárias e cambiais para se evitar a crise econômica.
nacional: "As incertezas estão baseadas em parte na dificuldade de iden- Para os economistas dos desequilíbrios macroeconômicos e das
tificar os determinantes dos movimentos da taxa de câmbio (...) A rela- incertezas, uma crise econômica sempre obedece a um mesmo roteiro:
ção que se espera encontrar entre taxas de câmbio e as taxas de juros os governos fazem coisas erradas, através de má política fiscal e mone-
com outros indicadores do ciclo econômico às vezes pode ser observa- tária. Os governos criam assim grandes déficits orçamentários e aca-
da, e muitas vezes não pode. Existe teoricamente uma relação natural bam sendo obrigados a financiá-los de maneira inadequada. Pressio-
entre movimentos da taxa de câmbio e divergências internacionais da nam então o Banco Central para imprimir moeda. As taxas de juros são
atividade econômica. Entretanto, as pesquisas econométricas têm ge- mantidas artificialmente baixas, ou negativas, em termos reais, e perde-
ralmente falhado em estabelecer uma firme correlação entre a taxa de se o controle da oferta de moeda. Resulta então a aceleração da infla-
câmbio, o ciclo econômico e outras influências fundamentais da econo- ção, a perda de competi tividade, um grande déficit na balança corrente
mia". (FMI - World Economic Outlook - Panorama Econômico Mun- e um colapso nas contas externas: queima de reservas, fuga de capitais,
dial - de 13/04/98, pgs 80 e 81). desvalorização cambial, etc.
O ciclo econômico e as "influências fundamentais da economia" são Mas o que aconteceu recentemente na área asiática desmente es-
um verdadeiro mistério para toda a economia política vulgar. Depondo sas galimatias econômicas. É o que relata o presidente do Banco
perante o Congresso dos Estados Unidos, em 30/01/98, o todo pode- Central da Austrália, I.J. Macfarlane, discursando sobre o temaA
roso Alan Greenspan, presidente do FED, o Banco Central dos Esta- Mudança da Natureza das Crises Econômicas: "A crise econômica
dos Unidos, procura responder sobre as causas das súbitas mudanças asiática não foi causada basicamente por má política fiscal ou má po-
das taxas de câmbio e das condições do mercado: "A mudança da taxa lítica monetária. Uma das razões pelas quais eu tenho muita simpatia
de câmbio não resulta de novos conhecimentos sobre a deterioração pelo países asiáticos no momento é que eles não foram apanhados
dos fundamentos econômicos, mas do seu oposto. Resulta do detonador pelo tumulto atual por causa de uma indisciplinada política fiscal. Sua
de incertezas destruidoras do conhecimento tradicional de como o mun- política monetária, no sentido convencional, era muito boa. Isso é
do funciona". Se a crise cíclica, até agora circunscrita na área asiática, mostrado pelo fato de que suas condições orçamentárias são em mé-
se generalizar e explodir na economia americana, os burocratas do FMI dia muito melhores que as das economias da OCDE, e muitas têm
não ficarão mais sozinhos no purgatório em que eles estão sendo colo- taxas inflacionárias muito baixas para economias em desenvolvimento.
cados. Terão a ilustre companhia dos senhores Alan Greenspan, Martin Na realidade, a natureza da crise é financeira, e não de fracas políti-
Feldman e uma multidão de economistas do mesmo naipe. ' cas macroeconômicas. Sua dinâmica central é o ciclo de crédito e
seus principais agentes são companhias e bancos, ou de maneira mais
A crise "muda de natureza'<- Fenômenos como valor internacio- geral instituições financeiras". ("Mr. Macfarlane discus~es the
nal das moedas, diferentes níveis de taxa de câmbio, de taxas de juros, changing nature of economic crises" - O Sr. Macfarlane dlSC?rre
etc, resultantes dos fundamentos econômicos, podem ser medidos e sobre a mudança na natureza das crises econômicas - BIS Review,
controlados pelos diferentes governos apenas nos períodos de prospe- Genebra, abril/98).
ridade do capital. Quando eclode a crise, funcionando como uma lei da O Sr Macfarlane prefere não se arriscar além da mistificadora es-

208 209
fera do capital financeiro e do crédito. De todo modo, é nessa esfera cia dos bancos. Não se trata basicamente de uma falência das contas
que a superprodução do capital se manifesta em primeiro lugar e na governamentais. "
sua forma mais concreta- derrocada comercial, fuga de capitais, que-
da das ações, desvalorização das moedas, etc - antes de se manifes- Pastel chinês com receita do FMI - Para informar como anda sua
tar na esfera da produção do capital, onde se encontram aqueles mis- economia, os burocratas chineses fazem de tudo para encobrir a reali-
teriosos "fundamentais". dade e diferenciar a China do resto da área asiática. A melhor forma?
Mas como profundo conhecedor das particularidades econômicas Fazendo um duvidoso pastel com a receita do FMI. Em uma entrevista
asiáticas, o australiano Macfarlane faz interessantes observações práti- coleti va no dia 16/01/98, o presidente do banco Central Chinês, Sr. Daí
cas de como a crise tem se desenrolado naquela área. As principais: Xianglong, declara: "Considerando a posição do Balanço de Pagamen-
- "a crise lança suas raízes no período em que a economia ia muito tos e a performance macroeconômica, não há possibilidade que o yuan
bem, crescendo rapidamente, aumentando a confiança dos investidores seja depreciado".
e emprestadores"; E enumera o que ele considera como "quatro razões" que garantem
- "normalmente, mas nem sempre, um forte ingresso de capital ex- essa fantasiosa estabilidade da sua moeda nacional. A primeira é que
terno faz parte do processo"; nos últimos anos o yuan foi valorizado simultaneamente a superávits
- "se a economia cresce fortemente, ao mesmo tempo em que au- comerciais e crescentes ingressos de capital externo, o que elevou as
menta o ingresso de capital externo, como normalmente acontece, é reservas internacionais para US$ 160 bilhões. A segunda, é que as pers-
como se todo mundo pudesse ganhar dinheiro"; pectivas macroeconômicas para este ano são altamente favoráveis. A
- "uma boa parte do capital financeiro é investido 'prudentemente' e terceira, é que "o nível da taxa de câmbio é determinado pela demanda
obtém um bom lucro. Mas é inevitável que uma grande parte seja e oferta do comércio externo", ensina orgulhosamente o Sr. Xianglong.
investida de maneira 'temerária': muita coisa vai para propriedades imo- Ele até concorda que as desvalorizações das moedas do sudeste asiá-
biliárias ou para indústrias que já se encontram em situação de super- tico vão pressionar as exportações chinesas, mas lembra que os merca-
oferta"; dos chineses de exportação são muito diferentes daqueles do sudeste
- "em um ponto qualquer, alguma coisa acontece (sic), e a totalidade asiático (mas não se esforça nem um pouco para precisar melhor essas
do processo é revertida"; diferenças). A quarta, e talvez a mais sugestiva das razões apontadas
- "no caso do sudeste asiático, o que impulsionou a reversão foi a pelo Sr. Xianglong para garantir em definitivo que o yuan jamais será
realização do fato de que suas moedas (inicialmente o bath da Tailândia) desvalorizado, é que na China o custo salarial é significativamente me-
tornaram-se super-valorizados, porque essas moedas estavam atrela- nor do que nos países do sudeste asiático". ("Statement by Mr. Dai
das na forte apreciação do US dólar"; . Xianglang on the stability of the chinese yuan" - "Pronunciamento
- "o mecanismo pelo qual ocorre a reversão é a saída de capitais"; do Sr. Dai Xianglong sobre a estabilidade do yuan" - BIS Review,
- "mesmo sem um choque no Balanço de Pagamentos (câmbio, co- Genebra, abril/98).
mércio e capitais) pode ocorrer a reversão (o autor cita o caso do Ja-
pão como essa exceção )"; Socialismo de mercado - Comecemos pela última das razões des-
- "os preços dos ativos caem, com as atenções focalizadas no mais tacadas pelo Sr Xianglong. Já verificamos anteriormente as condições
visível indicador dessa queda, o índice de preços das ações"; de existência e de salários dos trabalhadores chineses. Podemos então
- "a crise aparece predominantemente no setor privado e na falên- confirmar que é verdadeira a sua afirmação de que os trabalhadores

210 211
chineses estão entre os mais pobres do mundo. Aliás, o governo chinês Tabela 32 - China: Principais indicadores econômicos 1990-1997
é muito prático na tarefa de prorrogar ao máximo a estabilidade do (US$ bilhões)
yuan: aplicam atualmente uma redução dos salários dos trabalhadores
industriais, de 10% ao ano. "Segundo o economista Chen Zhao, especi- 90 93 94 95 96 97
PIB % anual 3,9 13,5 12,6 10,2 9,7 8,5
alista em Asia do Bank Credit Analyst Research Group, de Montreal,
Inflação % 1,3 14,5 24,2 16,9 8,3 8,5
Canada, a economia chinesa está tentando sair de uma grave crise. Houve
Export. 61 90 121 149 153
um evidente recuo e os preços no varejo estão em queda há mais de 162
Import. 52 103 115 129 137 149
quatro meses, seguindo a tendência dos salários na indústria de manufa-
turados, que apresentam uma queda anual de 10%" (San Francisco Balança 9 -12 6 20 16 12
Comercial
Chronicle/ O Estado de S.Paulo, 24/02/98).
Reservas 28 21 51 73 105 130
Também nos fundamentos econômicos os dirigentes do "socialis- Internacionais
mo de mercado" agem como seus demais colegas das economias do- Dívida Externa 52 84 100 115 130 145
minadas do mundo. Como no Brasil, onde o governo também trava Serviço Dív. 6 10 11 12 13 14
uma árdua luta para manter sua indústria competitiva no comércio in- Externa
ternacional e evitar a desvalorização do real, sua moeda nacional. Em Câmbio 5,2 5,8 8,4 8,3 8,3 8,2
yuan x US$
sua edição de domingo, 26 abril 1998, o jornal O Estado de São
Paulo destaca confiantemente, em manchete de primeira página: "Sa- Fonte: PERC - Political and Economic Risk Consultancy (abriI/98)
lário cai e indústria brasileira fica mais produtiva" E explica: "O custo
salarial em dólar está caindo na indústria e permitindo que as empre- Todo cuidado é pouco quando o assunto se refere às estatísticas econômi-
sas se tornem mais competitivas. O custo da mão-de-obra, ajustado cas chinesas. Os dados disponíveis daquela economia são os menos transpa-
pela produtividade, diminuiu 14,2% em 97 em relação a 96. A queda rentes do mundo e tão manipulados e mentirosos quanto os discursos dos
foi provocada pelo aumento de 11 % na produção por trabalhador, seus dirigentes. Apesar disto, é possível se verificar as tendências mais gerais
principalmente por causa do corte de pessoal, pela correção gradual da economia. Os números acima, por exemplo, mostram que entre 1993 e 97
da defasagem da moeda e pelos reajustes salariais menores". E, sem a economia cresceu estrondosamente. Verificando-se outros dados, como os
nenhuma ironia, acaba dando uma verdadeira lição de economia polí- investimentos em capital fixo, etc., confirma-se também que as taxas de
tica: "O salário é um dos principais custos das empresas e em alguns expansão da indústria chinesa foram superiores às já enormes taxas de cres-
setores ele é o maior custo. À medida que as empresas diminuem esse cimento do PIB que aparecem nos números acima. Mas, em termos de ciclo
custo, em dólar, podem diminuir os preços (especialmente nas expor- econômico, sabemos que um acelerado e recorde crescimento da produção
tações) ou aproveitar para aumentar o lucro. Os maiores ganhos com é uma excelente pré-condição para uma equivalente derrocada. A exuberân-
ajuste de produtividade foram observados nas indústrias química, me- cia produtiva chinesa dos anos 90, apontada pelos capitalistas de todo o
cânica e de plásticos. Nesses setores, a redução salarial ficou próxima mundo e pela burocracia dirigente de Pequim como um enorme sucesso eco-
de 20%". Nada mais fundamental. nômico, pode ser ao mesmo tempo aquele terreno fértil em que germinam e
Quanto às demais razões apontadas pelo Sr Xianglong, referentes se espraiam as raízes da próxima reversão e crise econômica. Se foi assim
ao desempenho macroeconômico da economia chinesa, podemos con- para os 'tigres asiáticos", como bem observou o senhor Macfarlane, não há
feri-Ias começando pelos seus principais indicadores econômicos. nenhum motivo especial para que não seja também para a China.

212
213
Moeda e comércio - A taxa de inflação chinesa, que caiu para o Tabela 33 - China: Direção do Comércio Exterior (destino das
patamar de 8,5% ao ano a partir de 96, não é tão baixa para os padrõe s exportações e origem das importações) 1994- US$ bilhões
asiáticos. Ela mostra apenas que a taxa real de juros está próxima de
Pa ís de origem Exportação Importação Balança
zero ou mesmo negativa, considerando a taxa de juros nominal atual de Comercial
9%. Isso quer dizer que o arsenal de política monetária para uma Es t. Unidos 38,9 9,5 29,4
reativação da demanda e dos investimentos também está zerado, como Ja pão 29,3 19,4 9,9
está acontecendo no Japão. E, como no naquele país, os pacotes mo - Un ião Européia*. 26,3 15,2 11,10
netários recentemente divulgados pelo governo chinês para reativar sua Ou tros 26,5 71,58 - 45,08
To tal 121,0 115,2 5,4
cambaleante economia, estão certamente sendo engolidos e esteriliza-
dos por um sistema bancário tecnicamente falido: "Até a Standard & Uni;ao Européia" = Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Bélgica, Espanha e Holanda.
Poors, uma das entidades de classificação de crédito muito criticada Font e: Jetro - Agência de Intercâmbio e Coméreio Internacional do Japão
por subestimar as dificuldades dos bancos da Ásia, calcula os créditos
duvidosos da China em até 60% do PIB. Avaliados apenas em propor- Quase 60% da corrente de comércio (exportação + importação) são
ção do PIB, talvez sejam duas vezes mais graves que os problemas feit os com as economias dominantes. A aceitação da Chinacomo mem-
bancários da Coréia do Sul" (The Economist, 19/março/98). Isso mos- bro efetivo da Organização Mundial do Comércio (OMC), cujas negoci-
tra também a enorme vulnerabilidade daquela economia às pressões açõ es se arrastam há muito tempo, imporia regras de comércio (fim de
atuais de um crash global. pira taria de patentes, de dumping, diminuição das tarifas protecionistas
O comércio exterior chinês é outro elemento de sucesso daquela eco- nas importações, etc.) que reduziriam significativamente as facilidades
nomia. Os dados que aparecem na tabela acima, referentes às exporta- tole radas até agora, por razões geo-políticas, pelas economias dominan-
ções, importações e balança comercial, dizem respeito apenas à contabi- tes e, consequentemente, os estrondosos superávites comerciais da Chi-
lidade do comércio exterior do continente. Se forem computados os va- na com aquelas economias. Como se pode verificar pelos dados da Ba-
lores intermediados pelo entreposto de Hong Kong, esses números de- lan ça Comercial, na tabela acima, a China tem conseguido superávites
vem aumentar em pelo menos 40%. cre:scentes só com os Estados Unidos, Japão e União Européia. Com o
As exportações chinesas são compostas predominantemente por rest o do mundo, o que inclui os tigres asiáticos, Coréia, América Latina,
mercadorias de consumo individual de baixa qualidade, que a econo- etc. , seu comércio exterior é deficitário.
mia vulgar chama de "bens de consumo duráveis". É uma estrutura A maior parte das importações da China são de economias domina-
exportadora similar aos tigres asiáticos: "As exportações chinesas não das e compostas principalmente de matérias primas, insumos e alimentos.
são diferentes das dos países asiáticos. Vestuários, produtos eletrôni- Do, s Estados Unidos, Japão e União Européia, a China importa princi-
cos de baixo custo e outros.artigos da indústria leve competem direta- paI!nente máquinas, equipamentos e componentes industriais, e também
mente com vários países da região, especialmente com a Indonésia" mUlto alimento dos Estados Unidos.
(The Economist, idem) Com as novas condições cambiais no sudeste asiático e Japão,
Do mesmo modo que os tigres asiáticos, ao contrário do que afirma o as previsões do próprio governo chinês é que neste ano ocorra uma
burocrata Xianglong, as exportações chinesas são extremamente depen- red ução das exportações daquela economia. O cenário mais prová-
dentes dos mercados das principais economias dominantes (aproximada- vel . considerando-se os resultados do primeiro trimestre deste ano,
mente 80% das suas vendas externas). éq ue ocorra um déficit comercial, o que não aparecia nas contas

214
215
externas daquele país desde janeiro de 1994, quando ocorreu uma
sem do ano de 1995, quando o assunto é investimento externo. Segundo
desvalorização do yuan de mais de 30% frente ao US dólar. Consi-
um longo estudo da Jetro (Agência de Intercâmbio e Comércio Internaci-
derando outras variáveis que analisaremos mais a frente, como uma
onal do Japão), que leva o título "Global Foreign Direct Investiment
abrupta diminuição dos ingressos de capital externo, vai ser muito
Shows Negative Growth in /996" - Investimento Direto Externo Global
difícil que a China espere terminar este ano sem outra rodada de
Apresenta Crescimento Negativo em 1996 - pode-se verificar resumi-
desvalorização do yuan.
damente que:
-{)s investimentos diretos externos globais, que são investimentos prin-
Reservas ilusórias - A existência de um grande estoque de reservas
cipalmente dos Estados Unidos, União Européia e Japão no resto do
internacionais não assegura que a China possa suportar as adversas con-
mundo, totalizou em 96 um valor de US$ 331,9 bilhões. Com relação ao
dições externas que se abriram a partir do segundo semestre do ano pas-
valor do ano de 95, apresentou uma queda de 0,7%.
sado. Além das receitas do comércio externo, o que aumentou acelera-
- pela primeira vez, desde 92, aqueles investimentos diretos globais
damente suas reservas internacionais, a partir de 1993, foram os volumo-
não cresceram. Nos três anos anteriores eles registraram uma gigantesca
sos ingressos de capital externo, principalmente na forma de investimen-
expansão: 17,3%em93; 16,0%em94e27,5%em95.
tos externos diretos (novas fábricas, imóveis, privatizações, etc.).
- Estados Unidos e União Européia são responsáveis por mais de
70% desses investimentos. Em 96, os investimentos diretos externos
Tabela 34 - China: valor e uso do Investimento Externo
dos Estados Unidos cresceram apenas 1,2%. Os da União Européia
1997 -1995 (US$ bilhões)
caíram 4,6%, sendo que os dirigiram para fora dos países da UE caíram
Anos Total Empréstimo Investimento Direto 16,2% frente a 95.
- em 96, as economias asiáticas, exceto o Japão, receberam 20%
Externo
1979-1983 14.438 11.755 1.802 (US$68,3 bilhões) dos investimentos globais. A China recebeu US$ 40,1
1984 2.705 1.286 1.258 bilhões, o que representa quase 60% da Ásia e 12% dos investimentos
1986 7.258 5.014 1.874 globais. Para se ter uma idéia, a América Latina como um todo recebeu
1988 10.226 6.487 3.194 naquele mesmo ano apenas 7, I% dos investimentos globais. A maior parte
1990 10.289 6.534 3.487
foi para a União Européia (29%) e para os Estados Unidos (23%).
1991 11.554 6.888 4.366
- as atuais projeções indicam uma redução ainda maior do ritmo dessa
1992 19.202 7.911 11.007
1993 38.960 11.189 27.515 globalização dos investimentos. A partir do segundo semestre de 96, por-
1994 43.213 9.267 33.767 tanto antes da eclosão da crise na Ásia, que se concretizou apenas no
1995 48.133 10.327 37.521 segundo semestre de 97, se iniciou na Ásia uma grande retração dos in-
vestimentos diretos externos. A Jetro compara os resultados do primeiro
CCPIT - China Council Promotion Investiment and Trade, 1998
semestre de 97 com os do mesmo período de 96 e verifica uma queda na
Tailândia (- 21,3%), na Malásia (- 43,3%) e na lndonésia (- 22,9%). A
Esta evolução dos investimentos diretos externos na China tem sido
queda dos investimentos na China foi a mais acentuada: - menos 50%!
utilizada pelos dirigentes chineses para demonstrar a força e a grande
A revista The Economist, frente a essa reversão dos investimentos di-
diferença daquela economia com relação às outras economias asiáticas.
retos na China, invoca os espíritos para se resguardar de uma explicação
Mas é muito sintomático que as estatísticas oficiais daquele país não pas-
mais trabalhosa: "Foi Deng Xiaoping quem abriu a economia chinesa ao
216
217
mundo exterior. Então talvez seja apenas apropriado que sua morte tenha geral mas, principalmente, aquelas ações negociadas livremente em
coincidido com uma redução na torrente de investimentos na China" (The Shezhen e Xangai.
Econornist, 10/março/97)
Tabela 35 - China: Índices das Bolsas de Valores (em 1997 e 1998)
Bolsas declinantes - A retração dos investimentos externos na Chi-
na é um resultado da desvalorização do capital instalado na sua economia Tipo de Agosto/97 outl97 abriV97
Índice
e começou a se manifestar ao mesmo tempo que no restante da área
China H 1558 832 695
asiática. O centro desse terremoto se localiza no eixo Tóquio-Seul-Pe-
Xangai 88 67 54
quim e, em menor escala, no ramal que vai até Jacarta, capital da Indonésia.
B
O seu momento mais visível foi a derrocada dos preços das ações na
Bolsa de Hong Kong no dia 24 de outubro do ano passado. Este foi o Shenzhe 198 118 90
nB
acontecimento mais marcante, até agora, da chamada crise asiática.
Hang 15.400 11.100 1l.342
Mas como explicar o terremoto naquela cidade que existe apenas
como centro financeiro e comercial da gigantesca economia chinesa? Evi- Seng
dentemente, pelas condições de valorização e desvalorização do capital Fonte: News letter of the Chine Finance Association
instalado na China. Essas condições aparecem na evolução dos preços (diversos boletins de 1997 e 1998)
das ações chinesas negociadas nas bolsas de Xangai e Shenzen, no con-
tinente chinês. O desabamento da Bolsa de Hong Kong, em outubro de 97, foi uma
Existem três Bolsas de Valores importantes na China. A de Xangai, conseqüência do que já vinha acontecendo desde agosto nas Bolsas de
onde são negociadas ações de todos os tipos de empresas localizadas Xangai e Shenzhen. Verificamos então que a desvalorização do índice
na China, principalmente das indústrias nacionais mais tradicionais- Hang Seng na última semana de outubro/97 se acomodou quase que au-
estatais e privadas. Seus principais índices são o China H Share, que tomaticamente à desvalorização dos índices China H e Xangai B, ocor-
mede a variação dos preços das ações das empresas estatais. Existe rida no período compreendido entre agosto e outubro de 97 (entre 24 e
também o índice Xangai B Share, que mede a variação dos preços 28%). Naquele mesmo período, o índice Shenzen B se desvalorizou qua-
das ações das empresas estatais e privadas (inclusive multinacionais) se o dobro das outras Bolsas asiáticas (- 40%).
que podem ser compradas e vendidas livremente também pelos capi- No período recente, entre outubro de 97 e abri Ideste ano, o Shenzen
talistas estrangeiros. B sofreu uma desvalorização adicional de 24%, e as ações negociadas na
A Bolsa de Shenzhen, cidade chinesa localizada próxima de Hong Bolsa de Pequim tiveram desvalorizações entre 15e 20%. Enquanto isso,
Kong, é onde se negociam livremente ações das multinacionais instaladas o Hang Seng se valorizou 2, 18%. Mas, do mesmo modo que no mês de
na China e também das principais estatais em vias de privatização. Seu outubro de 1997, o Hang Seng deverá reagir proximamente ao que já
índice Shenzhen B Share representa mais de perto as reais condições de está acontecendo nas Bolsas do continente e sofrer uma novae pesada
valorização do capital instalado na China e é por isso que os jornais de desvalorização. Uma desvalorização que poderá coincidir com a tão te-
negócios de todo mundo publicam diariamente a sua evolução. mida desvalorização do dólar de Hong Kong e do yuan, moedas cada
Finalmente, o conliecido índiceHang Seng da Bolsa de Hong Kong, vez menos representativas do nível de corrosão que pressiona a econo-
que mede a variação dos preços das ações de empresas asiáticas em mia chinesa.

218 219
A queda nas Bolsas do continente é resultado da deterioração que se crise global, ainda parcial e localizada na Ásia, poderá ou não se genera-
generaliza na economia chinesa. No último dia 24 de abril, a agência lizar na forma de um crash global.
Bloomberg News transmitiu o seguinte despacho: "A crise asiática pro- O que está acontecendo na China, no Japão e em outros atores meno-
vocou a desaceleração do crescimento da economia chinesa para 7,2% res da crise asiática apenas antecipa o que poderá acontecer na economia
ao ano no primeiro trimestre, em meio a violenta queda dos lucros indus- mundial em sua totalidade. Como o que aconteceu na virada do mês de
triais e acúmulo de montanhas de mercadorias estocadas (...) A queda maio parajunho de 1998.
dos lucros observada é muito pior que a esperada e representa uma dete-
rioração da eficiência das empresas. Na avaliação dos técnicos, a crise
que abalou as economias vizinhas do Leste e Sudeste asiático reduziu as
exportações chinesas e, após a grande desvalorização cambial das divi-
sas, reduziu a capacidade de Pequim de competir no mercado global,
especialmente nos Estados Unidos"

Contágio global- As pressões para uma reversão cíclica na China


são globais e não apenas asiáticas. A redução dos investimentos produti-
vos de mais-valia e de lucro globais, que verificamos anteriormente com
os dados da Jetro, é a expressão de uma correspondente queda da taxa
geral de lucro a nível mundial.
A partir do segundo semestre de 96, as taxas de lucro em todo o
mundo já estavam menores do que nos anos anteriores. Verificaremos
posteriormente como isso aparece, não apenas nos dados referentes aos
lucros das principais empresas do mundo mas, principalmente, nos pre-
ços de atacado, ou preços para os produtores e, na conseqüente e miste-
riosa deflação dos preços no mercado internacional.
Nestas condições, é uma grande incoerência se falar de uma "crise
asiática" ameaçando co~tagiar a economia mundial. Na verdade, é nessa
área dominada que a crise se manifestou em primeiro lugar, por razões
que já tratamos anteriormente. O que acontece ou deixa de acontecer nas
taxas de câmbio, nos juros, na balança comercial, nos preços dos "ati-
vos" como ações, imóveis, etc, na área asiática, são meros resultados
daquele processo mais fundamental de superprodução global de capital.
Isso não quer dizer que essas manifestações fenomenais da crise não se-
jam importantes. Ao contrário, em primeiro lugar, elas representam as
formas concretas que assume a crise de superprodução. Segundo, é no
controle ou no descontrole dessas formas concretas que se decide se a

220 221
trário. Como na Coréia do Sul, onde a quebradeira do sistema produtivo
CAPÍTULO XIV é cada vez maior. Três mil empresas quebram por mês, e a economia
ameaça entrar em colapso: "A economia coreana registrou queda de
A Roleta Russa 3,8% no primeiros três meses, a primeira recessão em 18 anos. A contra-
ção da economia está prejudicando o desempenho das companhias, que
não conseguem obter lucros operacionais que cubram suas dívidas". (The
Economis, 26 maio 98)
o agravamento da situação da economia japonesa contagia a China e Os preços das ações coreanas já desabaram para seu pior índice em
a Rússia foi jogada no caldeirão da crise para ser cremada. A conjuntura II anos. O índice de desemprego naquela economia já atingiu quase 7%
muda de qualidade: a crise global se acelera e já se aproxima da rica, em abril. A Daewoo, a segunda maior empresa automobilística do país,
poderosa e imperialista União Européia. Na virada de maio para junho de iniciou no dia 25 de maio um plano de "demissão voluntária" para cortar
1998, o mercado global sofreu mais um pesado abalo. Quedas generali- grande parte dos seus 17 mil trabalhadores. "Analistas afirmam que a
zada" nas bolsas de valores asiáticas e ocidentais. Anúncio oficial do go- implantação do plano de demissão voluntária é o ponto de partida para a
verno japonês de que o Produto Interno Bruto (PIB) daquela economia demissão em massa, uma vez que a nova legislação trabalhista do país,
encolheu 5,3% nos últimos doze meses. O desemprego se alastra aprovada em fevereiro, permite a dispensa de funcionários caso a empre-
descontroladamente por toda a Ásia. A moeda japonesa (yen) está se sa tenha feito anteriormente 'todos os esforços para evitá-Ia" (Folha de S.
desvalorizando em queda livre frente ao dólar americano - no dia 12 de Paulo, 25 maio 98). As manifestações dos trabalhadores de Coréia estão
junho de 1998 já estava batendo nos 150 yens por dólar. crescendo. O segundo maior sindicato do país convocou 550 mil traba-
lhadores para mais uma greve contra o desemprego e a atual política do
Do dominante para os dominados - A desvalorização da moeda da FMI implantada naquele país.
principal economia asiática pode levar nos próximos dias a mais uma ro- O mais importante nesta "crise asiática de segunda geração", que foi
dada de desvalorizações competitivas em toda aquela área. Internamen- inaugurada nos últimos dias, é que o contágio japonês chegou com viru-
te, essa desvalorização do iene enfraquece ainda mais a situação do seu lência redobrada na Bolsa de Hong-Kong: "Os mercados acionários mais
setor financeiro, que se defronta com uma montanha de créditos podres, afetados foram os de Tóquio (-2,23%) e o de Hong-Kong (-3,61 %),
de en:p~esas que não conseguem produzir lucros suficientes para pagar influenciados pela divulgação de um levantamento pessimista entre princi-
sua dívidas. Calcula-se que estes créditos podres sejam superiores a pais bancos e companhias japonesas listadas na Bolsa (. ..) Uma das eco-
US$580 bilhões! Na derrocada da Bolsa de Tóquio, são as quedas das nomias mais afetadas pela crise japonesa é a de Hong- Kong, que há dé-
ações do setor bancário que se sobressaem. O número de falências au- cadas depende do crédito de bancos japoneses" (Folha de S. Paulo, idem).
mentou 36% em maio. Cerca de 1791 empresas se declararam insolven- "As ações das empresas controladas pelo continente e negociadas na
tes, elevando-se em 37,5% acima do mesmo período de 1997. É o nível Bolsa de Hong-Kong caíram, realçando os temores de que uma redução
mais alto para um mês de maio desde 1945, segundo cálculos do Instituto no valor do yen japonês pode forçar a China a desvalorizar sua moeda. O
Teikoku Databank.
índice para as ações de subsidiárias de empresas do continente chines
Esses movimentos de desagregação da economia japonesa demons- caiu 8,6% ontem. As ações H, ações de empresas estatais chinesas
tram. que o chamado "contágio" da crise não se propaga das economias registradas na Bolsa de Hong-Kong caíram 6,8% (...) O sentimento vi-
domInadas para as dominantes, mas ocorre exatamente no sentido con- rou-se contra a China, com as pressões chegando a um ponto crítico. Os

222
223
investidores repentinamente ficaram temerosos com relação ao yuan" tras áreas geo-econômicas dominadas, cercando cada vez mais o cora-
(Financial Times, 11junho 98) ção do sistema, aumenta a possibilidade de uma crise geral. Por outro
O nosso já conhecido Sr. Dai Xianglong, presidente do Banco Central lado, quanto mais profundas e mais demoradas forem as crises parciais,
chinês - que até algumas semanas atrás repetia como um papagaio que" localizadas, menos profunda e menos demorada será a possível crise ge-
não há possibilidade que o yuan seja depreciado"- nos últimos dias estava ral, sendo assim menos provável uma depressão global. No ponto em que
com aquelas suas rígidas convicções seriamente abaladas. Vejam a forma nós estamos (junho 98), a única coisa que podemos dizer é que a possibi-
bem mais modesta com que ele anda fazendo suas declarações: "Os ajustes lidade de uma crise geral é quase certa, e que uma depressão global con-
econômicos no Leste asiático, uma economia japonesa apática e particular- tinua sendo possível. Tudo vai depender de que a propagação das mani-
mente a desvalorização do yen, estão tendo um efeito bastante desfavorável festações concretas na Ásia transbordem imediatamente para as outras
sobre as exportações chinesas e a capacidade do país de atrair investimen- duas grandes áreas dominadas - América Latina e Leste europeu. E que
to estrangeiro, disse Dai Xianglong. Ele disse também que a moeda chinesa até a virada deste para o próximo ano se instalem, finalmente, na ponta do
se manterá estável, mas não retomou a promessa oficial feita anteriormente sistema - Estados Unidos e União Européia.
de que ela não seria desvalorizada. Alguns analistas distinguiram nesta sutil
colocação uma indicação de que Pequim pode se dispor a desvalorizar o contágio aumenta -o acontecimento mais importante nos últi-
gradualmente o yuan" (FinancialTimes, idem) mos dias, além da perspectiva de que a China está prestes a desvalori-
O presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, estará visitando a Chi- zar o yuan e o dólar de Hong-Kong, foi a entrada triunfal de mais uma
na no mês de junho. Resta saber se a burocracia de Pequim autorizará a importante área dominada no caldeirão da crise mundial: "Rússia perde
temida desvalorização do yuan e do dólar de Hong-Kong antes ou logo capital e bolsa retoma aos níveis de 1996 - os mercados da Rússia
depois daquela visita imperial. despencaram ontem, depois que o governo triplicou as taxas de juros-
que passaram de 50% para 150% ao ano. A medida tem como objeti-
Crise parcial ou depressão global? - Começa a aparecer uma certa vos defender a moeda local, o rublo, e estancar a saída de capitais do
sensação de pânico na economia mundial. Os economistas já começam a mercado financeiro do país. Foi o segundo aumento dos juros em dez
falar em uma depressão econômica global. Mas já é possível se afirmar dias. A alta gerou insegurança junto aos investidores e provocou uma
com toda segurança que a economia mundial vai sofrer uma depressão queda de 10,5% no principal índice acionário do país. Os investidores
global nos próximos meses? Ainda não. Depressão global quer dizer pa- têm retirado seus recursos da Rússia, que apresenta uma situação eco-
ralisação catastrófica da produção e do comércio mundiais. É uma crise nômico-financeira frágil e instável, para recolocá-Ios em aplicações mais
geral que se realiza com o desabamento absoluto da acumulação do capi- seguras. O índice acionário do país, o RTS, já acumula queda de 53%
tal. É como se, por um certo período, todas as formas de sustentação desde o início do ano e já registra a pior performance do mercado
material do regime capitalista de produção desaparecessem. acionário mundial. Em 1996 e 1997, a Bolsa de Moscou estava entre
Essa possibilidade de uma depressão global só poderá se realizar se os melhores desempenhos mundiais. A baixa no mercado russo atingiu
as manifestações concretas da crise global não permanecerem localiza- as principais bolsas mundiais, especialmente os investidores em merca-
das, circunscritas a apenas uma área dominada, como estamos prestes a dos emergentes como América Latina, que abriram seus pregões em
presenciar na área asiática, com a entrada da China na dança nos próxi- forte baixa". (G. Mercantil, 28 maio 1998)
mos dias. Em apenas um mês, entre 11de maio e 11de junho de 1998, o índice
À medida que essas manifestações concretas se alastrarem para ou- RTS da Bolsa de Moscou, na Rússia, caiu exatamente 44,43 %. Quer

224 225
dizer, foi queimado quase a metade do capital que circulava naquela lu- OMC e outras instituições controladoras globais. Mas o resultado de
crativa praça. A crise global finalmente transbordou da área asiática. Agora tudo isso foi bem diferente de tudo que é propagandeado pelos liberais.
está faltando a América Latina entrar no caldeirão, o que precisa ocorrer Além de discursos com belas palavras e promessas para o futuro, não
nos próximos três ou quatro meses, para que a ponta da crise geral não há nada que indique uma verdadeira disposição dos ocidentais de alar-
seja cortada, quer dizer, amortecida, quando União Européia e Estados gamento da União Européia para abrigar em pé de igualdade os seus
Unidos começarem também a queimar capital. maltrapilhos primos orientais.
A revista inglesa The Economist adota uma postura bastante cautelo- "Na realidade, nenhum dos múltiplos problemas institucionais e finan-
sa: "A economia russa pode realmente desmoronar. O rublo pode ser ceiros que seriam colocados por um tal alargamento receberam o mínimo
desvalorizado, o déficit orçamentário deve aumentar, a inflação descolará começo de solução. As promessas para o futuro dos discursos, que os
novamente, com isso o padrão de vida deve cair ainda mais, e a recupe- interessados estariam totalmente enganados se elas fossem levadas a sé-
ração do país pode retroceder em vários anos." (The Economist, 12ju- rio, é uma indicação a mais da inexistência de um verdadeiro projeto co-
nho 1998. mum europeu dos quinze países da União Européia". ( Peter Gowan
Apesar de correta no diagnóstico de que a economia russa pode real- "Elargissement à l'Est, un saut dans l'inconnu pour l'Europe" - [Alar-
mente desmoronar, a veneranda e liberal revista inglesa mistifica com a gamento para o Leste, um salto no desconhecido para a Europa] In Le
imagem de uma economia que teria passado os últimos anos na rota do Monde Diplomatique, outubro de 1996)
crescimento, melhorando o padrão de vida da sua população, etc. É com- Até agora, a ação da UE com seus vizinhos do Leste pode ser resu-
preensível. Afinal, para o pensamento liberal não é conveniente revelar a mida em uma única palavra: ocupação imperialista. Aconteceu que, no
verdadeira situação que suas famigeradas reformas criaram na Rússia e início dos anos 90, as economias do Leste estavam desesperadas por
em toda área do Leste europeu. No entanto, é importante saber um pou- duas coisas muito importantes para sua sobrevivência: mercados e cré-
co da realidade daquela área nos anos 90, para melhor compreender a ditos. Com o desmantelamento dos seus mercados regionais
crise econômica atual e seus possíveis desdobramentos globais. (COMECON), sua única saída era ter acesso aos mercados da União
Européia. E endividadas até o pescoço, imploravam de joelhos e com
Alargamento imperialista- Há uma série de ilusões sobre a evolu- um pires na mão os créditos dos bancos europeus. A essa dependência
ção econômica do Leste europeu nos anos 90. Uma delas é que estaria econômica se encaixava, como um luva, a identificação ideológica
ocorrendo uma fraterna acolhida das economias daquela área pelas ricas neoliberal dos novos dirigentes do Leste e seus colegas do Ocidente.
e poderosas economias da União Européia (Alemanha, França, Inglater- Nestas condições, "a União Européia e os Estados Unidos se coloca-
ra, Itália, etc.). Outra é que o livre-comércio e as reformas liberais estão ram facilmente de acordo sobre como comandar as políticas interiores
resgatando as economias daquela área do subdesenvolvimento em que daqueles países: seriam aplicadas as técnicas do 'ajuste estrutural' já
elas se encontravam até os anos 80. experimentadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco
Vejamos as coisas mais de perto. É verdade que nos anos 90 as Mundial na América Latina .. O conjunto Ihes seria apresentado como
reformas liberais foram muito intensas na Europa Central e Oriental: dispositivo de 'reformas' indispensáveis à passagem para a economia
privatizações, abertura das economias ao comércio internacional, mo- de mercado. Para que a mensagem fosse bem entendida, deixaram em
dernos mercados financeiros e de capitais, estabilização monetária e suspenso a ameaça de privá-los do acesso aos mercados e aos capitais
cambial, ajustes fiscais pelo FMI, etc. Tudo isso já está praticamente do ocidente, assim como dos programas de ajuda da Comunidade e da
concluído. Todas as economias da área são membros efetivos do FMI, Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico

226 227
(OCDE)" Peter Gowan, idem. das de baixa tecnologia, com baixo valor agregado e elevada intensida-
de de mão de obra" (John Sheehy, "The Economic Interpenetration
Europa do leste: de isolados a dominados - Até o começo dos Between The Euro p ean Union and Eastern Europe" - A
anos 90, as economias do Leste dispunham de capacidade exporta- Interpenetração Econômica entre a União Européia e a Europa do Les-
dora em setores que concorriam com os produtos da Europa ociden- te - In European Economy n06, Bruxelas, 1994.
tal: aço, têxtil, confecções, agricultura, produtos químicos e carvão. É com base nesta determ inação imperial ista da Europa ocidental que
Pressionadas pelas medidas de ajustes estruturais do FMI e Banco se pode concluir que "O futuro das empresas do Leste europeu é o de se
Mundial, e pela conseqüente recessão, só lhes restava uma saída: des- transformar em sub-contratadas das empresas do ocidente europeu, atra-
valorizar suas moedas e exportar, gerando assim as divisas necessári- ídas por custos salariais que desafiam qualquer concorrência (...) Os acor-
as para reembolsar as dívidas contraídas no exterior. Mas esse mode- dos europeus devem ser considerados como instrumentos de implanta-
lo latino-americano dos anos 80 não poderia funcionar, principalmen- ção de um novo regionalismo Norte-Sul, diferente do antigo regionalismo
te porque a concorrência dos seus produtos era uma ameaça direta a Norte-Norte. Os povos dos países do Leste, que acreditavam nestes
produtos similares de amplos setores internos da União Européia. Por acordos como uma etapa para se reencontrar o Norte, estão de fato em
isso, os sucessivos "acordos europeus" entre a União Européia e o vias de reencontrar o Sul". Peter Gowan, idem.
Leste passaram a ser, na verdade, cláusulas comerciais que permitiam Finalmente, os capitalistas dos dois lados da Europa parecem ter chega-
o bloqueio de importações provenientes do Leste e favoreciam as do a uma conclusão bastante realista quanto ao problema do alargamento
exportações para aquela região. da União Européia para o leste. "As exportações dos países da União Eu-
Até 1994, o comércio entre as duas regiões era equilibrado: as ex- ropéia para o Leste aumentaram consideravelmente a partir de 1990 (...)
portações e importações da UE para os países do Leste giravam em Dezenas de empresas ocidentais aumentaram seus lucros graças à sub-
torno de US$ 67 bilhões. Mas, em 1996, as exportações já tinham contratação nos países do Leste, aproveitando-se de matérias primas a
subido para US$ 104,19 bilhões e as importações para US$ 85,94 preço de banana e de uma mão de obra barata. Lucros formidáveis. Em
bilhões. Um superávit de mais de US$ 18 bilhões. (dados da Organiza- resumo, o custo do alargamento deve ser comparado com os lucros acu-
ção Mundial do Comércio - OMC - Relatório Anual 1997). Assim, os mulados nos últimos cinco anos. Lucros que, nas palavra" do Sr. Jack Wolsky,
países do Leste tornaram-se um mercado importante para os exceden- o vice ministro polonês para a integração européia, devem crescer ainda
tes comerciais da UE. mais. Chegou-se a um ponto em que muitos já perguntam se a União Euro-
E aqueles setores tradicionais mais avançados da economia do leste péia não deveria tomar a medida mais acertada do ponto de vista puramen-
foram incapazes de reorientar suas vendas para o ocidente. Quanto aos te econômico, de renunciar a qualquer alargamento" Karel Bartak "Querelles
setores de alta tecnologia, foram adquiridos por capitalistas ocidentais de Procédure et enjeux stratégiques" (Discussões de procedimento e jo-
ou encerraram suas atividades. As instituições de pesquisa científica e gadas estratégicas) in Le Monde Diplomatique, outubro de 1996.
desenvolvimento tecnológico, do mesmo modo que as infra-estruturas
de educação foram abandonadas, tudo em nome das privatizações e Desabamento da produção -Os resultados da ação imperialista da
dos ajustes fiscais de cortes de despesas do orçamento. É isto que per- União Européia sobre o Leste europeu aparece com clareza nos dados
mitiu ao Sr. John Sheehy, alto funcionário da Comissão de Bruxelas, da produção e do desemprego naquela área. Basta comparar a evolução
decretar que "a curto e médio-prazo, a vantagem comparativa dos pa- da produção no Leste europeu com a das demais economias mundiais.
íses da Europa Central e Oriental vai consistir em produções padroniza-

228 229
Tabela 36 - Leste Europeu e outras áreas selecionadas: Produto Para a Produção Industrial, os dados são ainda mais catastróficos. No
Interno Bruto nos anos 80 e 90 - (média Anual - % ano) caso da Rússia, por exemplo, que concentra pelo menos 80% da indús-
tria daquela região, a produção caiu a uma taxa de 7% ao ano entre 1990
Area Média-Anual Média Anual
e 95: a produção industrial da Rússia caiu para a metade do que era em
1980-89 1990-96
1989! (Dados da ONUIECE, Statistical Division)
Economias 2,7 1,9
Dominantes'
Desemprego para todos - A destruição da produção se refletiu ne-
(G-7)
Economias 4,3 5,9 cessariamente em uma explosão do desemprego naquela área.
Dominadas-
Asia 7,0 8,3 Tabela 37 -Leste Europeu: Desemprego Registrado
América Latina 2,2 3,0 (percentagem da força de trabal ho)
Africa 2,6 2,3
País 1993 1995 1996
Leste Europeu! 2,9 -4,17
Albânia 24,4 13,9 11,6
Bulgária 16,3 12,0 12,7
Fonte: FMI - World Economic Outlook, 1998
R. Tcheca 3,5 4,0 4,5
1_ Economias Dominantes = Estados Unidos, Alemanha, Ja-
Hungria 12,1 12,0 11,0
pão, França, Itália, Inglaterra, Canadá
Polônia 15,7 15,5 15,0
2 _ Economias Dominadas = África, Ásia (excluindo Japão) e
România 10,2 12,0 12,5
América Latina
Slovênia 14,4 14,0 13,0
3_ Leste Europeu = Europa Central, Oriental e Antiga URSS
Rússia 5,7 12,0 14,0
(incluindo Transcáucaso e Ásia Central)
Fonte: OCDE - Economic Outlook,junho 95.
Durante os anos 80, o PIB do Leste europeu crescia a uma taxa anual de FMI - World Economic Outlook, maio 98.
2,9%. Durante os anos 90, ocorreu uma profunda regressão produtiva naquela
área, com queda de 4, 17% ao ano! Sóem 1997 houve uma leve taxa positiva Essas taxas de desemprego são publicadas pelos respectivos gover-
de crescimento para a região: 1,7%. No ano passado, o PIB da economia russa nos. São, portanto, necessariamente manipuladas para baixo.
cresceu a uma taxa "milagrosa" de 0,7%. Deve ser a essa "recuperação" que a Correspondem, no Brasil, àquelas taxas publicadas pelo IBGE, que gi-
revista The Economist se refere, quando ela lamenta que, com a crise atual, " a ram em torno de fantasiosos 5 a 8%! Não computam, por exemplo, o
recuperação do país pode retroceder em vários anos". chamado "trabalho informal", onde predomina o desemprego aberto e o
No mesmo período dos anos 90, até a África aumentou seu PIB, a subemprego. A OCDE salienta em uma nota explicativa da sua tabela que
uma taxa anual de 2,3%. O conjunto das economias dominadas cresceu "tendo em conta a amplitude das atividades do setor informal, o número
5,9% nos anos 90. Em resumo, enquanto o conjunto da economia mundi- de desempregados está sem dúvida subestimado". Nas economias do
al crescia a taxas superiores às dos anos 80, as economias do Leste euro- Leste europeu, calcula-se que o "trabalho informal" já atinja mais de 50%
peu desabavam. A produção atual da área equivale a 67% da que existia da popu lação economicamente ati va.
em 1989: encolheu exatamente um terço daquilo que existia em }{9!

230 231
Breve balanço social- Uma das conseqüências sociais daquela destrui- do que dobrou. Na Eslovênia, em 1994, mais de 155 dos consumidores de
ção da produção e do emprego, é que agora a morte está chegando mais drogas pesadas (injetáveis) tinham menos de 14anose 72% de 15 a 19 anos.
cedo para a população: no caso da Rússia, a maior das economias da região,
o índice "expectativa de vida ao nascer" dos homens passou de 69,3 anos em Reformando e acumulando - A destruição imperialista no Leste eu-
1990, para 58,0 anos em 1995 !(dados da ONUIUNECE, Statistical Division). ropeu, nos anos 90, foi comandada principalmente pelos capitalistas da
Segundo dados publicados pelo FMI em um trabalho que ostenta o sugestivo Europa ocidental, que recuperaram a posse daquele seu antigo território
título "Progress With Fiscal Reform in Countries in Transition" (Progressos de caça particular do início deste século.
com a Reforma Fiscal nos Países em Transição), maio/98, pg Ii O, existem O que aconteceu nos últimos anos naquela área comprova uma preciosa
66, I milhões de pobres ("abaixo da linha da pobreza") na Rússia. Isso regra da economia do imperialismo: o grau da orgia capitalista sobre uma
corresponde a44% da população daquele país. Na Ucrânia, um país onde se determinada área dominada é diretamente proporcional ao grau da sua fra-
situam as terras mais férteis do mundo - semelhantes às do meio-oeste dos gilidade produtiva. Assim, sobre os escombros da recente destruição eco-
Estados Unidos, do norte do estado do Paraná, no Brasil, ou da "pampa nômica e social do Leste, foi possível a realização dos ideais econômicos
úmida" da Argentina-existem 32,7 milhões de pessoas vivendo na pobreza, do liberalismo e de uma inacreditável acumulação do capital globalizado.
o que corresponde a 63% da população total daquele país! Até pouco tempo atrás, do mesmo modo que os "tigres asiáticos", o Leste
Para as crianças, a situação é ainda mais ameaçadora. Basta verificar europeu aparecia como um verdadeiro eldorado para o capital internacional.
alguns dados publicados no trabalho "Les enfants en danger en Europe Isso era mostrado principalmente nas suas bolsas de valores, onde se ganhava
centrale e orientale: périls e promesses" (As crianças em perigo na Euro- mais dinheiro do que em qualquer outra parte do mundo. Vejam o que dizia a
pacentral e oriental: perigos e promessas), Unicef, Paris, 211abri1l97. revista The Economist de 14/out/96: "A Rússia e a Hungria são os principais
- Na Europa Central, a proporção de crianças que vivem na miséria mercados emergentes deste ano. Entre 29 de dezembro de 1995 e 30 de
dobrou durante os anos 90. Para cada duas crianças da Romênia e da setembro deste ano, as ações da Hungria cresceram mais de 100% em
Bulgária, uma se encontra "abaixo da linha de pobreza". Na Rússia, essa dólares, e as da Rússia em 96%". E fornecia o mapa do ouro, com a classifi-
porcentagem passa de 75%. cação, naquele momento, deste sinistro campeonato mundial de valorização.
- A subnutrição se generaliza na região. Na Polônia, 60% das crian-
ças sofrem de alguma forma de subnutrição. A tuberculose e a difteria Hungria 100% China 35%
retomaram com toda violência na Rússia. Rússia 96% Rep. Checa 28%
--:.. Entre 1990 e 1995, devido à deterioração da saúde e à diminuição da Polônia 70% Taiwan 19%
"expectati va de vida ao nascer", aumentou em 700.000 as crianças que, no Venezuela 65 % Filipinas 18%
conjunto da região, perderam prematuramente seu pai ou sua mãe. Dobrou a Brasil 40% México 17%
quantidade de jovens autuados pela justiça, com um número significati vo dos
homicídios na Europa do leste. Os crimes cometidos sob o efeito do álcool Das "dez mais" acima, quatro bolsas de valores representavam as co-
subiram 121%. Na Rússia, comparando-se o ano de 1994 ao de 1989, triplicou res do Leste europeu, três do Leste asiático e três da América Latina.
o número de adultos presos por encaminhar jovens a ações criminosas. Os Como se bombeava tanto capital para ser acumulado pelo sistema
abusos sexuais e a prostituição já são coisas comuns. A metade das mulheres financeiro internacional? Através de alguns mecanismos aparentemente
prostituídas na fronteira da Alemanha com Polônia têm menos de 18 anos. independentes da vida social. Através das privatizações, por exemplo,
- Em toda região, a taxa de suicídios de jovens entre 15 e 19 anos mais capazes de corporificar e dar vida ao capital financeiro fictício: no Leste

232 233
europeu, mais de 80% das médias e grandes empresas já são empresas Fon te: Organização Mundial do Comércio (OMC), Relatório Anu-
privadas. Como vimos anteriormente, grande parte dessas empresas fo- ai, I997
ram adquiridas por grupos internacionais para serem desativadas, de acordo
com a estratégia global de mercado dos seus novos donos. O Lest e europeu, incluindo Rússia, é um mercado equivalente ao chi-
Outro importante mecanismo de bombeamento de capital são os nês.Eo mercado isolado da Rússia equivale ao Mercosul (Brasil, Argen-
famigerados ajustes fiscais comandados pelo FMI e União Européia: os tina, Urug uai e Paraguai).
recursos fiscais desviados da infra-estrutura social - saúde, educação,
seguro-desemprego, salários, moradias, assistência à infância e aos ido- Que m lucra corre riscos - Uma paralisação das economias do
sos, pesquisa e desenvolvimento, etc. - são encaminhados diretamente Lesteeur opeu atingirá principalmente os lucros daquelas áreas ou paí-
para os cofres dos bancos que financiam a dívida pública, dos investido- ses que e stão mais diretamente envolvidos no comércio daquela área.
res em ações e outros parasitas do sangue social. Vejamos então quem vende ou compra mais naquela área.
Uma das conseqüências das privatizações e do "esforço fiscal", é que
os salários de uma grande parte dos trabalhadores russos estão atrasados Tabel a 39 - Leste europeu: quem vende e quem compra na
há mais de seis meses. Em 23 de maio, haviam 50.000 mineiros em greve área - participação (%) no total do comércio da área em 1996.
0xigindo o pagamento dos seus salários atrasados. Os protestos se espa-
lharam pelas principais cidades e regiões russas. Area Quanto Quanto Compra
Frente àqueles movimentos, o novo primeiro-ministro, Sergei Kiriyenko, de- Vende
clarou: "Não podemos resolver os problemas sociais atuais produzindo ainda Un ião Euro éia 65,4 56,9
mais dívidas públ icas". Destacou também que a maior parte da dívida com os Es tados Unidos 4,6 4,9
assalariados tem origem em mineradoras controladas pelo capital privado. E con- Ás ia-incl Japão 8,7 10,7
cluiu: "As empresas mineradoras estão se sentindo incapazes de honrar seus com- Int ra-Re ião 18,4 18,7
promissos, não apenas com seus funcionários, por estarem vendendo carvão a Ou tros* 2,9 8,8
preços abaixo dos custos de produção" (O Estado de S. Paulo, 22/05/98). Fon te : OMC- Relatório Anual 1997
Outro importante mecanismo de acumulação do capital global naquela *0 utros: Oriente Médio, América Latina e África.
área é o comércio internacional. Grande parte dos empréstimos bancári-
os internacionais para a Rússia são destinados às operações de importa- É fácil verificar as economias mais expostas comercialmente à crise no
ções e exportações daquele país. Esse mercado é um dos maiores das Leste eur opeu. São as economias da União Européia que praticamente
economias dominadas. Vejam o seguinte quadro comparativo: monopoli zam o comércio naquela área. São as únicas, também, que têm
um enor me superávit comercial - vendem mais do que compram - , ao
Tabela 38 - Rússia, Leste europeu e outras áreas dominadas: contrário dos Estados Unidos e Ásia, que têm um comércio deficitário
Exportações e Importações de Mercadorias em 1996 (US$bilhões) com aque Ia área (compram mais do que vendem).
País ou Região Exportação Importação Indivi dualmente, a Alemanha é a mais envolvida com o Leste. Em 1996,
Europa do Leste 168,8 174,2 ela expoi 10u US$42,91 bilhões e importou U5$37,59 bilhões. Isso equi-
Rússia 68,7 42,7 valeama is de 8% do seu comércio externo total, e a mais de 22% do seu
China 151, I 138,8 comércio fora da Europa Ocidental. São valores superiores ao que a Ale-
Mercosul 74,7 86,4
234
235
manha tem em seu comércio com os Estados Unidos, por exemplo. É a ção, O que corresponde a 65% do total; a situação do Brasil se assemelha
economia ocidental que mais tem lucrado com o comércio do Leste. É, mais com a da Coréia, são os dois casos mais críticos. De qualquer modo,
portanto, a que mais vai sofrer com a crise que se abre naquela área. as autoridades econômicas brasileiras continuam afirmando que a situação
A Itália é a outra economia da União Européia mais exposta a uma do seu setor externo está sob controle. E também torcendo para que nin-
crise no Leste: 6% do seu comércio total e 16% do comércio fora da guém confira suas afirmações tranqüilizadoras com o que está contabilizado
Europa ocidental é com o Leste europeu. no BIS, o chamado Banco Central dos Bancos Centrais.
No caso da Rússia, há um volume de US$ 33 bi Ihões que vencem no curto
Quem emprestou quer receber - A exposição da União Européia prazo. É urna situação menos apertada, relativamente, que a do Brasil, da Coréia,
à nova fase da crise aberta nos últimos dias aparece também no balanço e da China (52%). Mesmo assim, é uma situação altamente explosiva.
do sistema bancário internacional com as diversas áreas dominadas. Estes dados do BIS referem-se a dezembro passado. Corno nos últi-
mos 5 meses os bancos foram obrigados a rolar e a ampliar essas dívidas,
Tabela 40 - Empréstimos do Sistema Bancário Internacional às para evitar uma declaração formal de insol vência desses países, os dados
Áreas Dominadas, segundo prazo de maturação - (posição dez/97) atuais (junho/ 98) devem ser muito mais catastróficos do que aqueles da-
dos de dezembro. O próximo passo, certamente, será a quebradeira ge-
Areas e Total Curto Médio
Países (US$bi) Prazo* Prazo* ral, como já aconteceu com a Coréia, Indonésia e cia.
US$bi US$bi Mas onde estão localizados os bancos credores dessa massa falida
Europa 123 53 <)

Oriental ou, no mínimo, em situação pré-falimentar? Vejamos os dados abaixo.


Rússia 72 33 4
América 283 154 12 Tabela 41-Empréstimos do Sistema Bancário Privado
Latina
Brasil 76 49 3
Internacional às áreas dominadas, segundo a nacionalidade
Argentina 60 34 3 dos Bancos credores (posição de dezembro/97)
México 61 28 2
Asia 381 230 20 Áreas e Total Nacionalidade de Bancos
US$b; Credores
China 63 34 4 Países
Europa Japão Lsrados
Coréia 94 60 5 Unidos
Indonésia 58 35 4 Europa 123. 87.5 4.0 8,5
Tailândia 58 39 4 Oriental
Rússia 72, SS,5 0,5 10,5

Fonte: BIS (Banco Internacional de Compensa- América 2S3, 68,5 5,0 26.5
Latina
ções) Brasil 76, 69,5 6,5 24.0

* Curto Prazo = de I ano Argentina 60, 77.0 2,5 20.5


33.0
* Médio Prazo = de I a 2 anos México 61. 59,5 7,5
.10,0 10,0
Asia 381. 60,0
6:1, 63.5 .11.0 5,5
China
13,0
Do total de empréstimos do sistema bancário pri vado fornecidos às três Coréia 94, 65,5 21,5

lndonésia 58, 5.1.5 3S,O 8,5


principais áreas dominadas da economia mundial (US$ 787 bilhões), mais 5,5
Tailândia 58, .17.5 57,0
de 55% (US$ 437 bilhões) vencem no curto prazo, quer dizer, no decorrer
de um ano. No caso do Brasil, há um total de US$ 49 bilhões nesta situa- Fonte: BIS (Banco Internacional de Compensações)

236 237
Os bancos europeus são os mais expostos à crise das áreas e econo- para informações segundo as quais a Rússia poderá buscar novos em-
mias dominadas. Na dívida total com a Rússia, por exemplo, 88,5% dos préstimos internacionais como paliativos temporários, tiraram o impacto
créditos em avançado estado de decomposição veste a camisa azul-es- de uma proposta de Yeltsin para desmantelar os velhos submarinos nucle-
tre\ada da fulgurante União Européia. Apenas 10,5% portam a cartola do ares russos na região do mar de Barents e criar ali uma 'zona de seguran-
Tio Sam e 0,5% o branco depressivo da economia japonesa. ça', se a Noruega oferecer créditos a Moscou" (Reuters/G. Mercantil,
Essa exposição dos bancos europeus fica apenas um pouco menos 27/05/98).
incômoda na América Latina (68,5 Glo) e na Ásia (60%), mas mesmo as- É devido a essa importante natureza geo-política da Rússia, principal-
sim continuam muito mais na frente da linha de tiro que os japoneses e mente para os europeus ocidentais, que aquele país participa pela metade
amencanos. no seleto Grupo dos 7 (G-7), que reúne as sete maiores economias mun-
diais - Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Inglaterra, Itália e
Não chorem por mim - Até agora, se imaginava que a era da globa- Canadá. Pela metade, apenas, porque a Rússia só participa da primeira
lização e do liberalismo sem freios seria a receita perfeita e infalível para a parte das reuniões do G-7, quando se discute e se decide problemas
redenção do histórico atraso econômico do Leste europeu e, mais espe- gerais, principalmente geo-políticos. Quando está para se iniciar a segun-
da parte das reuniões, em que se discute os problemas e decisões para a
cialmente, da Rússia. A julgar pela ótica da ideologia imperialista, a crise
economia mundial, o representante russo é convidado a se retirar e voltar
que agora se abate sobre a Rússia deve ser lamentada como um grande
para Moscou.
azar: "A Rússia tem tido muito azar. Toda vez que está prestes a atingir
Uma economia dominante no grande mercado mundial tem que ser ao
uma recuperação econômica convincente algo acontece que joga para
mesmo tempo uma potência militar. Mas, desde Pedra, o Grande, a Rússia
longe essa perspectiva. Teve azar mais uma vez. Sua melhor resposta,
sempre ficou travada nesta equação. Sempre foi uma verdadeira potência
entretanto, deve ser a de fortalecer ainda mais os fundamentos econômi-
militar, sem nunca ter se livrado da triste condição de uma economia atra-
cos. O país já percorreu um longo caminho. Se seu governo continuar na
sada e dominada.
rota atual, merece o apoio do exterior" (Financial Times, 26/05/98)
Essa anomalia genética não foi resolvida nem durante o longo período
Esse jornal deve ter razões muito fortes para lamentar o" azar da entre 1917 e 1989, em que a Rússia procurou se isolar o quanto pode
Rússia." O problema é que um dos fundamentos econômicos mais impor- dos elementos altamente dissolventes do livre-mercado mundial. A aven-
tantes da Rússia é seu gigantesco gasto militar. Segundo dados do Institu- tura liberal da Rússia, nos anos 90, pode ter sido um período bem mais
to Internacional de Estudos Estratégicos, a lista das economias com mai- breve do que os estrategistas ocidentais imaginavam. Sob o peso da crise
ores gastos com a Defesa, em 1996, era encabeçada pelos Estados Uni- econômica que se abriu nos últimos dias, a "rota atual" a que se refere o
dos (3,6% do PIB), Rússia (7,5% do PIB) e China (7% do PIB). jornal Financial Times pode ser bruscamente abandonada pelos russos.
Nos anos 90 não faltaram empréstimos internacionais para as privati- A importância particular da crise econômica no Leste europeu, dife-
zações e para a reforma do Estado russo. Mas essa "benevolência" dos rente de uma crise na América Latina ou na África, por exemplo, é que ela
Estados Unidos e União Européia sempre teve um objetivo: o pode se transformar imediatamente em uma crise geo-política. Afinal, para
desmantelamento de um antigo e gigantesco aparato de armas nucleares. uma potência militar que tem o azar de ser sempre umaeconomiadomi-
No meio dacrise russa atual, o presidente russo recebeu o rei da Noru- nada, é normal que ela confunda mercados com territórios, trabalhadores
ega e não perdeu a oportunidade para convencer o seu visitante a lhe com soldados, mercadorias com armamentos e concorrência econômica
conceder mais empréstimos: "Os problemas econômicos, pano de fundo com guerra pura e simples.

238 239
Neste sentido, as bolsas de valores da Europa e Estados Unidos logo
estarão sendo afetadas por outros tipos de explosões na Rússia, além CAPÍTULO XV
daquelas provocadas pelo atual desabamento dos seus frágeis fundamen-
tos econômicos, experimentado com tanto fracasso nos anos 90. Europarasitismo e Crise Gl al
Rumo a Paris - A contaminação da crise colocou a Rússia e a Euro-
pa Oriental na fila das economias a serem cremadas na fogueira da super-
produção global. Esse fato provoca LImareviravolta qualitativa na conjun- o problema dos capitalistas e seus economistas é que não é só nos
tura: as manifestações concretas da crise global transbordaram finalmente "tigres asiáticos", na Rússia ou na América Latina, que a crise de super-
da área asiática. Depois do Japão, o incêndio está muito próximo de uma produção do capital se manifesta. Se fosse assim, eles poderiam dormir
outra parte importante do coração do sistema capitalista mundial: a rica, tranqüilos. Bastaria aplicar o conhecido receituário de ajuste do FMI aqui
imperialista e reluzente União Européia. A crise, que até poucos meses e ali e produzir mais algumas dezenas de milhões de mexicanos, brasilei-
atrás era predominantemente amarela, pela primeira vez começa a se ros, argentinos, russos e chineses a serem cremados no inferno dos "ex-
mesclar de branco. Vale a pena, portanto, que direcionar o foco das in- tremamente pobres" da população.
vestigações para o eixo Londres - Frankfurt - Paris, onde os primeiros Aplicado este ajuste, a crise global seria mais uma vez evitada. E o
sinais de fumaçajá começaram a aparecer no começo do segundo se- capital, no mundo das maravilhas, poderia caminhar de novo com sua
m~stre de 1998 (elevação ?a taxa de juros na Inglaterra, mal estar gene- costumeira tranquilidade. Mais uma crise estaria automaticamente supe-
ralizado nas Bolsas, etc.). E o que faremos no próximo capítulo. rada. Afinal, foi com essa "capacidade de adaptação" que todas as crises
cíclicas dos últimos cinqüenta foram superadas.
Todo capitalista ou economista imagina que as crises periódicas
são sempre superadas, que esse sistema sempre teve e sempre terá
meios de adaptação e superação do que eles chamam de
"desequilíbrios passageiros". Mas acontece que a crise atual não
nasceu na Tailândia, na China, na Rússia, no México ou no Brasil.
Trata-se de uma grande bobagem ideológica se falar de "contágio
da crise asiática", "crises dos países emergentes", etc. A crise ape-
nas se manifestou antecipadamente nessas áreas dominadas. Só de-
pois, em caso de crise geral, ela poderá se manifestar no coração do
sistema, no núcleo imperialista formado pelo G-7, o grupo das sete
maiores economias do mundo, localizado geograficamente na Amé-
rica do Norte, na União Européia e no Japão.
São os movimentos que ocorrem naquele núcleo imperialista que de-
terminam a superprodução e os ciclos periódicos globais. São os movi-
mentos de valorização que ocorrem na produção, no comércio e no siste-
ma financeiro daquelas economias imperialistas que determinam a

240
241
subsequente desvalorização periódica do capital global, a magnitude da decreta que não haverá deflação mundial, negando assim que possa acon-
deflação dos preços e a profundidade da queda da taxa de lucro em tecer uma queda da taxa geral de lucro seguida de uma depressão econô-
todas áreas da economia mundial. mica global. Além do mais - ainda de acordo com sua sapiência burocrá-
Depois dos avanços do ciclo atual, no mês de agosto de1998, aumen- tica - ele garante que a crise atual não deve se manifestar, "como no início
taram bastante as possibilidades de uma derrocada econômica das áreas do século", nas duas pontas mais importantes do núcleo imperialista, Es-
européias e norte-americana (como já se iniciou no Japão, como vimos tados Unidos e União Européia.
no capítulo 13 deste livro ). A eclosão da crise nestas duas áreas e sua Vale a pena verificar mais de perto essas galimatias econômicas do
relação com uma depressão global ainda não tinham aparecido tão inti- nosso pretensioso "Economista do Ano". A análise da reluzente União
mamente no presente cicIo. Européia e seu sucesso monetário chamado Euro é um bom começo.

Uma reação ideológica - Os capitalistas e seus economistas tem Um importante fenômeno - Se os capitalistas europeus olharem
que jogar todas suas fichas na economia americana e União Européia, para trás, eles vão sentir muita saudade. Basta olhar para as suas produ-
transformadas nos últimos meses em "fatores de segurança" contra uma ções nacionais no período 1985 a 1990. Naquele período - que
crise geral: "A economia dos Estados Unidos continua saudável e vigoro- corresponde grosso modo ao penúltimo ciclo de expansão e crise na eco-
sa, depois de crescer por mais de sete anos com inflação baixa. Enquanto nomia mundial- a produção industrial alemã, puxando o resto da União
assim permanecer - e nada parece indicar mudança importante, a curto Européia, cresceu a uma taxa de 2,6% ao ano. No mesmo período, a
prazo - será um fator de segurança contra impactos da crise no Oriente produção dos Estados Unidos cresceu ao ritmo de 1,4%.
(...) As causa" básicas do vigor norte americano - forte investimento pri- De acordo ainda com dados da Organização para o Comércio e o
vado, rápida inovação tecnológica, mercados flexíveis e uma considerá- Desenvolvimento Econômico - OCDE - os investimentos das empresas
vel melhora nas contas públicas - permanecem atuantes. Parece reduzi- privadas em capital fixo cresceram naquele período a uma taxa de 6, I %
do, portanto, o risco de uma recessão no mercado norteamericano, como ao ano na Alemanha e de apenas 0,7% nos Estados Unidos. Em 1991,
consequência da persistente crise na Ásia. Essa crise (...) dificilmente cau- a taxa de desemprego era de 4,2% na Alemanha e de quase 7% nos
sará maiores danos a uma economia com fundamentos tão sólidos: equi- Estados Unidos.
líbrio fiscal e monetário, competitividade, mercado de trabalho altamente A acumulação de capital industrial foi tão intensa, na Europa, que aquele
dinâmico e potencial de consumo só comparável ao da União Européia". cicIo se prolongou até o ano de 1993 para Alemanha, França, Itália, etc.
(O Estado de S. Paulo, 6 agosto 9~). Nesse meio tempo, a economia americana já tinha entrado em queda
O economista José Roberto Mendonça de Barros, secretário do desde 1990. Uma queda que foi logo foi revertida, exatamente quando as
Comércio Exterior do governo brasileiro, e eleito "Economista do Ano" principais economias européias entravam em um período depressivo que
pelo Conselho Regional de Economia de S. Paulo, é taxativo: "Há uma só foi revertido para a Itália em 1994, para a França em 1995, e para a
discussão sobre a possibilidade de o mundo estar caminhando para um Alemanha em 1996.
processo de deflação à Ia anos 30 (...) A resposta do governo é não (...) Aconteceu então o fenômeno mais importante do cicIo atual- 1990 a
A força da economia norte-americana e o sucesso do Euro são indicado- 1997: os papéis se inverteram no comando da produção no centro impe-
res de que a situação mundial hoje é muito diferente da do início do sécu- rialista. Já verificamos no capítulo 13 a rápida perda de posição da pro-
lo" (In O Estado de S. Paulo, 22 agosto/98) dução industrialjaponesa na economia mundial. Isso ocorreu também com
Para negar a possibilidade de uma crise geral, o "Economista do Ano" a produção européia: em dezembro de 1997, a produção industrial ame-

242 243
ricana estava 30% acima do nível de 1990, enquanto a da Alemanha tinha condição de competidor real frente aos Estados Unidos. Essa é a razão
se expandido apenas 2%, a da França 8% e a da Itália e Inglaterra 10%. mais profunda da sua crise atual. Com a Alemanha aconteceu o mesmo
Em 1997, a taxa de desemprego tinha subido para 11,5% na Alemanha e processo, embora com uma velocidade menor que a do Japão.
caído para 4,9% nos Estados Unidos.
Neste último ciclo, a produção industrial da União Européia foi mais As moedas sentem o peso - Até o primeiro semestre de 1995, tanto
acentuada apenas na sua periferia, em países como Espanha, Irlanda, Di- Japão quanto Alemanha se encontravam com taxas de câmbio relativa-
namarca, Finlândia, Noruega, Turquia, etc. Mas a soma de todas essas mente elevadas. No mês de abril de 1995, o dólar americano valia 83,7
economia menores não chega aos 30% da produção total daquele bloco. ienes e 1,38 marcos alemães. Foram as taxas cambiais mais elevadas
As quatro grandes - Alemanha, França, Inglaterra e Itália - representam dessas duas moedas na década de 90. Pode-se dizer que essas taxas
mais de 70% da produção. ainda refletiam as condições produtivas e de concorrência do ciclo eco-
nômico anterior.
Dois importantes fundamentos - Como resultado da superioridade Coincidência ou não, o fato é que a partir de abril de 1995, tanto o
produtiva americana nos anos 90, OCOITeu uma pesada perda daposição iene quanto o marco sofreram grandes desvalorizações frente ao dólar.
de concorrência dos produtos europeus e japoneses frente aos america- Vale a pena registrar essa evolução.
nos. Com dados da mesma OCDE, pode-se verificar que o custo relativo
de mão de obra industrial teve a seguinte evolução entre 1990 e 1996: Tabela 42 - Valor do Marco Alemão e do Iene frente ao Dólar
(abri1l95a abri1l98).
Estados Unidos: (-)15%
Japão: Data Iene Marco
(+)57%
abril/95 83,7 1,38
Alemanha: (+)13%.
abril/96 107,2 1,50
abril/97 125,6 1,71
Quanto aos preços relativos de exportação, aconteceu no mesmo
abril/98 131,7 1,81
período a seguinte evolução:
Fonte:Federal Reserve Bank de Nova York (FED)
Estados Unidos: (-) 17%
Japão: (+)41% Em abril de 1995, um dólar americano comprava 83,7 ienes ou 1,38
Alemanha: (-) 2% marcos. Três anos depois, podia comprar 131,7 ienes ou 1,81 marcos. O
iene tinha se desvalorizado 36,5% e o marco 23,7% no decorrer daque-
Os dados acima refletem a situação da produtividade da força de tra- les três últimos anos.
balho nas três principais economias mundiais. Tanto para o custo relativo Não há nada pior para uma economia nacional do que uma desvalori-
da mão de obra quanto para os preços relativos de exportação, lima zação cambial, a popular desvalorização da sua moeda,. Ela querdizer
queda significa aumento da produtividade, com conseqüente diminuição que a força do capital instalado dentro das suas fronteiras está caindo na
dos preços unitários das mercadorias produzidas. Um aumento significa, concorrência internacional, se desvalorizando.
ao contrário, queda da produtividade e aumento dos preços unitários. Embora possa garantir por um certo tempo o aumento das vendas
Pode-se entender assim por que o Japão perdeu completamente sua externas, uma desvalorização da moeda revela, ao mesmo tempo, um

244 245
elevado custo de produção nacional c, consequentemente, uma baixa va- do internacional. Mas em 1996 começaram acair: (-)3,2%. Em 1997,
lorização (ou queda da taxa de lucro) do capital instalado naquela deter- desabaram ainda mais: (-)9,2%.
minada economia nacional. Isso quer dizer, em termos gerais, que quanto mais se produz mais se
aumenta o volume do comércio. Mas em um ciclo econômico não existe
Conseqüências nacionais - Esse enfraquecimento produtivo tem duas apenas produção e consumo de mercadorias. Existe também produção e
conseqüências. A primeira, é que a economia fica sujeita a uma queima de consumo de capital. A crise periódica se manifesta quando, em um deter-
capital e falências generalizadas, pressionando o sistema bancário e a ca- minado ponto do desenvolvimento do ciclo, a produção de capital se
pacidade de consumo interno (investimentos, emprego, gastos públicos, transforma em superprodução. E mesmo que o consumo de mercadorias
etc). A segunda conseqüência é que o preço do capital nacional (das continue aumentando, como ocorreu ininterruptamente e em volumes re-
terras, das empresas, etc) fica relativamente barato para os capitalistas de cordes, nos últimos três anos, os preços unitários dessas mesmas merca-
outras economias que estão em uma posição produtiva superior. Essa dorias começam a cair.
queda do preço do capital nacional se manifesta, mais cedo ou mais tar- Esta queda dos preços unitários das mercadorias começou a se mani-
de, na queda do preço das ações negociadas nas bolsas de valores. festar a partir de 1996 e se aprofundou em 1997. Neste ano de 1998 está
Se a economia for aberta, sem regulamentações estatais, protecionis- aumentando a concorrência entre as principais economias no comércio
mos, etc, os capitalistas de outras nações podem se tornar os novos pro- internacional. Esse aumento da concorrência é determinado pela queda
prietários da economia, através de fusões, incorporações e outras formas da taxa de lucro e deflação global, e não o contrário, como poderia ima-
de controle das propriedades nacionais. É essa abertura que os america- ginar um observador mais apressado.
nos querem impor ao Japão neste momento, exigindo deste país reformas A deflação dos preços é uma expressão não apenas da superprodu-
do sistema bancário, do mercado de capitais, etc. A única dificuldade, ção global do capital mas, fundamentalmente, da queda da taxa de lucro
evidentemente, é que o Japão não é um Paraguai ou um Brasil qualquer. global. Esses fenômenos são verdadeiros mistérios para os capitalistas e
Nas economias dominadas, aquelas duas consequências estão sempre se seus notáveis economistas. A sua única reação - como faz o nosso "Eco-
concretizando, com maior ou menor intensidade. Mas no caso do Japão e nomista do Ano" - é negar com palavras, apenas com palavras, que esses
União Européia, economias dominantes, elas são coisas absolutamente fenômenos não existem! Antes de escancarar o caráter catastrófico do
inaceitáveis para a sua existência nacional. atual regime de exploração - e portanto a necessidade da sua eliminação
- uma crise de superprodução do capital revela o caráter vulgar, ideológi-
Misterioso comércio - Aquelas desvalorizações japonesas e alemãs, co e puramente especulativo dos seus economistas.
iniciadas no começo de 1995, tiveram um efeito imediato. Já no decorrer
daquele ano, as exportações globais alemãs aumentaram 22,5% sobre o Masterricht: a euroburocracia se movimenta - A chamada União
ano anterior, e asjaponesas 11,9%. Mas no ano seguinte, as exportações Européia (UE) é um projeto burocrático envolvendo quinze economias
alemães e japonesas vol taram a cair: (-) 0,5 % e (-) 7,2 %, respecti vamente. da Europa ocidental: Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Bélgica, Espanha,
E as exportações americanas continuaram subindo: +6,9%. Holanda, Dinamarca, Irlanda, Grécia, Portugal, Áustria, Finlândia, Suécia
O volume de comércio global cresceu 9,5% em 1995, mais 6,6% em e Luxemburgo.
1996 e mais 9,4% em 1997. O mais importante é que, no mesmo perío- O objetivo da UE seria a convergência dessas economias em uma
do, os preços das mercadorias tiveram um comportamento diferente: em unificação econômica e monetária, um espaço econômico que funcio-
1995, os preços dos produtos manufaturados subiram 10,3% no merca- naria como um "Estados Unidos da Europa": haveria uma mesma moe-

246 247
da, uma mesma taxa de juros, uma mesma taxa de câmbio, etc. O gran- burguesia alemã: de um lado, reforçar o poder do sistema bancário e
de teste desse projeto será a moeda única para seus participantes. A financeiro privado do continente no interior do sistema global de emprés-
entrada em vigor dessa nova moeda, batizada de Euro, está marcada timos e de movimentos de capitais. De outro, reduzir o ritmo da acumula-
para o dia 10 de janeiro de 1999. Assim, dentro de pouco mais de ção industrial e do emprego nas três principais economias do cuntinente-
quatro meses, moedas nacionais como marco alemão, franco francês, Alemanha, França e Itália - e executar um pesado deslocamento das suas
lira italiana, peseta espanhola, etc, começariam a desaparecer e dar lu- indústrias para as economias menores da Europa ocidental, Europa do
gar à moeda única, ao Euro. leste, Ásia, América Latina, etc.
Se dependesse apenas das condições econômicas mais superficiais Com essa estratégia, a burguesia européia procurou se adaptar às no-
dos últimos anos, seria possível que a ilusão de uma moeda única euro- vas condições de mercado e de concorrência no centro imperialista. As-
péia poderia se tornar em uma grande vitória das burguesias da UE. O sim, com muito mais intensidade do que os seus colegas japoneses, os
problema é que o desenrolar das condições econômicas mais europeus conseguiram expandir a presença dos seus bancos e das suas
detenninantes não depende de bem sucedidos projetos burocráticos ou empresas em todo o mundo. Na base do Euro, encontra-se o assalto das
mesmo de bem implantadas políticas econômicas dos governos. Portan- finanças públicas por um punhado de velhos e novos parasitas do sistema
to, para se falar das possibilidades do Euro, é importante que verifique bancário europeu. Veja-se, por exemplo, a evolução das dívidas públicas
alguns importantes elementos mais especificamente europeus da crise nas principais economias européias, frente a Estados Unidos e Japão.
que se abre agora sobre a economia mundial. Pode-se presenciar assim uma das mais perfeitas realizações do tratado
Até agora, a única coisa efetivamente cumprida pela burocracia de de Masterricht e suas metas de redução do déficit público.
Bruxelas (sede da UE) foi a imposição de uma série de medidas
macroeconômicas e administrativas, comandadas e impostas pelo gover- Tabela 43 - União Européia, Estados Unidos e Japão: Dívida
no alemão às economias da UE. Mesmo assim de maneira desigual, de- Pública Líquida em 1985, 1990 e 1995 (%PIB)
pendendo do peso político da economia a ser atingida. A Inglaterra, por 1990 1995
País 1985
exemplo, não aceitou participar da festa de lançamento do Euro. Conti- 27,1 31,5 37,6
USA
nuará com sua velha e segura moeda nacional, a libra. A City de Londres 9,5 13,2
Japão 26,5
- o mais importante centro financeiro da Europa, o segundo do mundo- 22,1 45,8
Alemanha 20,8
continuará com suas próprias taxas de câmbio, de juro, etc. A burocracia 10,8 16,3 36,0
França
de Bruxelas e seus patrões alemães aceitaram passivamente esta recusa 81,9 99,0 120,0
Itália
de Londres, fingindo que isto não representa a própria confissão de que o 46,6 28,8 47,1
Inglaterra
Euro não passa de uma fantasia. 27,5 31,8 49,9
Espanha
De qualquer modo, as metas macroeconômicas estabelecidas pelo
famigerado Tratado de Masterricht, no começo dos anos 90, produziriam OCDE - "OCDE Economic Outlook, n057", 1995
seus resultados. Masterricht passou a ser o símbolo de uma enorme lista
de medidas de ajuste das contas públicas e de rígidas metas de déficit A dívida pública é, em geral, a correia de transmissão dos recursos
público, geralmente receitadas pelo FMI às economias dominadas públicos _ gerados com a arrecadação de impostos, taxas, etc - para os
A política econômica unificada foi apenas a expressão de uma estraté- cofres do sistema financeiro privado
gia mais ampla das diferentes burguesias européias reunidas em torno da Os dados acima mostram que nas grandes economias européias essa

248 249
correia de transmissão girou a uma velocidade impressionante nos últimos
Essa é a base da capitalização dos bancos europeus e do seu proeminente
anos. As taxas de juro no continente europeu foram também
papel na superprodução de capital em todo o mundo. É essa massa assom-
desproporcional mente elevadas no último ciclo. O resultado foi um au-
brosa de dinheiro, bombeada anualmente para o circuito financeiro privado
mento correspondente das despesas com juros pagos pelos governos aos
da UE, Estados Unidos e Japão, que vai se transformar em empréstimos e
capitalistas privados.
investimentos produtivos de capital em todos os cantos do mundo.

Tabela 44 - União Européia, Estados Unidos e Japão: Superproduzindo pelo mundo - O projeto do Euro transformou os ca-
Juros Líquidos em 1985,1990 e 1995 (%PIB) pital istas europeus nas mais recentes estrelas do chamado capital globalizado,
País 1985 1990 1995 substituindo os japoneses, as estrelas dos anos 80. A força do novo capital
USA 2,1 2,1 2,1 financeiro europeu aparece com destaque no balanço que se pode fazer dos
Japão 1,7 0,6 0,6 fluxos de investimentos diretos a nível mundial. Entre 1990-96, segundo da-
Alem 2,3 2,0 3,5 dos da OCDE ("Survey of OECD Work on lnternational Investment",
França 2,1 2,4 3,3 janeiro de 1988), só a Alemanha, França e Itália acumularam um estoque de
Itália 7,4 9,1 aproximadamente US$400 bilhões de investimentos diretos no exterior.
11,1
Inglaterra 3,4 2,3 Esses investimentos se materializaram em fábricas, bancos e empre-
2,6
Espanha 2,7 3,3 5,1 sas comerciais, instaladas ou adquiridas recentemente pelos capitalistas
daquelas três economias nas di versas áreas da economia mundial. No
Fonte: OCDE - idem
mesmo período, os Estados Unidos acumularam US$423 bilhões e o Ja-
pão US$173 bilhões no exterior.
Considerando-se os respectivos PIBs nacionais das economias listadas Nos anos 90, entraram nos Estados Unidos US$328 bilhões de inves-
acima, pode-se calcular aproximadamente o quanto os capitalistas
timentos diretos e apenas US$171 bilhões nas três maiores economias
embolsaram apenas no ano de 1995:
européias. O balanço entre saídas e entradas de investimentos nessas eco-
nomias mostra o elevado nível de deslocamento da produção européia
USA US$ 147bilhões
para o exterior, comparado aos Estados Unidos.
Japão US$ 30bilhões
O deslocamento da produção industrial européia para o exterior, re-
Alemanha US$ 84bilhões
petimos, foi a forma daquela burguesia imperialista se adaptar às novas
França US$ 53bilhões
condições de supremacia produtiva da sua parceira americana no núcleo
Itália US$ 120bilhões
dominante da economia mundial. Embora com menor intensidade que as
Inglaterra US$ 29bilhões
três maiores economias européias, o Japão também seguiu essa mesma
Espanha US$ 29bilhões
estratégia de global ização.
O grande risco, tanto para o Japão quanto para aVE, é que e:s~ estraté-
Em apenas um ano, é bom repetir, a acumulação monetária dos capitalis- gia aumentou a vulnerabi Iidade das suas economias aos choques.clcllcos glo-
t~" da Alemanha, França, Itál ia, Inglaterra e Espanha, foi acrescida de apro-
bais, na medida em que suas empresas dependem cada vez mais do~ lucros
xImadamente US$ 315 bilhões. Duas vezes o que foi acrescido aos cofres gerados nas suas atividades fora de suas fronteiras. São lucros produzidos em
dos capiralistas financeiros americanos c mais de 10 vezes aos dosJ'anl\n .
. . pv eses. áreas dominadas como Ásia, América Latina, etc. O problema é que são
250
251
O que se observava, em dezembro passado, é que os bancos euro-
justamente estas áreas que pagam a maior parte da conta nos momentos de
= global. O Japão foi o primeiro a sofrer os efeitos desta arriscada estraté-
peus tinham emprestado para o exterior um montante de US$67 1 bi-
lhões. Pelo menos 90% desses totais se encontravam nas economias do-
gia porque a sua presença exterior se concentrou demasiadamente na área
minadas da Ásia, América Latina, leste Europeu, África, etc.
asiática, a primeira grande área dominada a afundar no atual ciclo econômico.
Observa-se também que os bancos europeus foram os mais "agres-
sivos" emprestadores nos últimos dois anos, e estão muito mais expos-
, .Sinis~ra contab.i1idade- As economias do núcleo imperial ista, que no tos que os bancos americanos e japoneses a uma moratória geral dos
último ciclo globalizaram mais do que nunca a superprodução de capital,
países dominados, seguindo os passos do que aconteceu na última se-
agora devem se preparar para as conseqüências dessa lucrativa aventura.
mana na Rússia.
Principalmente a burguesia da UE que, além da seu reluzente e fantasioso
Essa exposição maior da UE a uma moratória geral fica mais clara
Euro, criou de fato e sem nenhuma festa a maior massa de trabalhadores
com os dados das dí vidas (a maioria de curto-prazo) das principais eco-
desempregados no período pós-guerra naquele centro imperialista. Isso é
nomias dominadas e os respectivos bancos credores.
apenas uma das conseqüências da sua voluntariosa estratégia de desloca-
mento da produção industrial por todo o globo. Agora está chegando a
Tabela 46 _ Os "pontos quentes" e o grau de envolvimento dos
hor.a de prestação de conta<;: pela primeira vez, no pós-guerra, também, os
efeitos da =
~eriódica podem se manifestar com toda força no próprio
bancos privados alemães, americanos e japoneses
(dezJ97) US$ bilhões
centro que IITadlOUa atual superprodução global do capital.
. ': int:nsificação da presença imperialista da União Européia não se
Total Bancos
Maiores
limitou a "exportação de capitais", à desproporcional corrida de investi- US$bi Alemães USA Japão
Devedores
9,5 20,2
mentos diretos no resto do mundo. Ela também se apresenta de forma Coréia 94,1 9,6
15,8 4,9
ainda mais clara nas suas operações de empréstimos bancários, de "ex- Brasil 76,2 10,7
30,4 7,0 0,9
portação ~e moedas e créditos". Comparemos com esses mesmos tipos Rússia 72,1
2,5 19,5
China 63,1 7,9
de operaçoes dos seus parceiros americanos e japoneses. 16,6 4,7
México 61,7 5,8
10,5 1,6
Argentina 60,4 8,5
Tabela 45 - Europa, EUA e Japão: Distribuição de Empréstimos 2,5 33,1
Tailândia 58,8 6,0
4,9 22,0
Bancários, de acordo com a nacionalidade dos bancos envolvidos. 58,3 6,1
Indonésia 106,9
544,7 85,0 69,3
Total Países
Bancos (%) acima
Data Total
US$bi Europeus USA Japão
Fonte: BIS (idem)
jul/96 921,2 53,9 14,2 18,1
dez96 991,4 54,2 15,0 17,1 Os empréstimos dos bancos europeus representam qu.ase 70% do
jul/97 1054,7 55,8 14,2 16,4 total emprestado nos "pontos quentes" das economias ?o~madas, onde
dez97 1119,6 59,6 13,8 14,6 deverão ocorrer a maior parte das moratórias nos proxlmos meses. E
esses créditos cada vez mais podres dos bancoS europeus são "bem dis-
Fonte: Banco Intern. Compensações (BIS) "68th Annual Report"; Basle,
tribuídos" por todas as áreas dominadas. Os do Japão se concentram
8/06/98
253
252
Se a burguesia alemã adaptou o velho im?e:ia1ism~ europeu às nov~
quase que totalmente na área asiática e os dos americanos na América condições de concorrência no núcleo imperialista, registrando e~sa cam
Latina. Ou seja, o choque já sofrido pelos bancos japoneses agora vai se anha com o nome de fantasia de Euro, de agosto de 98 em diante ela
repetir com muito mais intensidade para os bancos europeus e, em menor ~erá que se preparar para justificar o seu fracasso e. para enfrentar a
medida, para os americanos. A derrocada da Rússia, na última semana, já revolta da mais tradicional classe operária do mundo,.Justamente aquela
deu uma pequena mostra dessa trajetória mais recente da crise. delimitada por um quadrilátero que c~meça em Berhm, passa por Lon-
dres, Paris, Milão e ... termina em Berlim.
Eurocatástrofe - De agora em diante, as manifestações concretas da
crise global vão aparecer com maior clareza nas principais economias
européias. A desvalorização de imensas massas de capitais que a burgue-
sia européia espalhou pelo mundo, na forma de investimento direto e em-
préstimos bancários, agora começa a se manifestar com força no valor
das ações negociadas nas Bolsas de Londres, Frankfurt, Paris, Milão,
Madri, etc. Como no último dia 21 de agosto/98, quando ocorreram as
maiores quedas do ano:

Frankfurt - 5,42 %
Londres -3,36 %
Paris -3,52 %
Madri - 5,00 %

Em um primeiro momento, as ações dos bancos são as que vão se


desvalorizar com mais rapidez. Em seguida, serão as ações de empresas
européias que se apropriaram recentemente de grandes empresas estatais
no Leste Europeu e América latina, principalmente. Finalmente, serão
desvalorizadas as ações das grandes multinacionais como Volkswagen,
Mercedes, Fiat, Peugeot, Volvo, etc, anunciando a chegada da crise glo-
bal na produção.
Começa a ruir todo o edifício que sustenta o projeto do Euro, esta
ficção de uma moeda única européia. De qualquer modo, a estratégia da
burguesia européia, comandada pelo Estado alemão, cumpriu um impor-
tante papel no decorrer do último cicIo econômico: organizar e espalhar
pelo mundo as bases da mais gigantesca superprodução de capital do
pós-guerra. A conseqüência é a atual deflação de preços, a desvaloriza-
ção do capital, a queda da taxa de lucro e uma possível depressão global
que poderá se iniciar nos próximos doze meses.
255

254
Nino vitimou milhões de famintos.
Quase no final do ano de 1997, o mesmo El Nino foi a espoleta que
CAPÍTULO XVI fez explodir devastadores incêndios em milhões de hectares de florestas
em Bomeo, que logo se espalharam como uma sufocante nuvem de fuma-
Furacão na América Latina ça sobre a Indonésia, Malásia, etc. No meio do ano de 1998, as inunda-
ções na bacia do Yang-Tsen, na China, provocaram mais de 3 mil mortes
e a evacuação de 14 milhões de habitantes da região atingida. Naquele
momento, outras inundações sem precedentes se repetiram em grandes
Mai~ de um m~s depois da passagem do furacão Mitch, que provo-
áreas dominadas e pobres do capitalismo global. E~ Bangladesh, por
cou mars de 12 mil mortes e 13 mil desaparecidos na América Central
exemplo, com mais de I mil mortos; no nordeste da India, mais de 1800
a população de Honduras e Nicarágua ainda disputa os alimentos que
mortes; no México, mais de 160 mortes, etc.
c~egam em conta-gotas do exterior. Três milhões de pessoas foram atin- Há uma clara relação entre a economia e essas catástrofes detonadas
gidas, 70% da produção agrícola foi destruída e praticamente toda a
pelos movimentos climáticos e da crosta terrestre sobre.as po~ulações
população que deve ser alimentada: 6 milhões em Honduras e 4 5 mi-
excedentes do mercado capitalista. A análise das economIaS latmo-ame-
lhões na Nicarágua. '
ricanas comprova: não existe nada de natural em catástrofes como estas
Honduras se defronta com a mais grave catástrofe da sua história. que acabam de acontecer na América Central. E pode-se prever qu~
Em 1997, o país exportou 33 mil caixas de banana, seu segundo produ-
essas catástrofes aumentarão, com a repetição periódica de pesadas cn-
to d~ exportação, ?o~ um montante de 212 milhões de dólares. A pro-
ses no sistema capitalista mundial. . .
duçao e a cornercialização é feita por duas empresas multinacionais, Essa comprovação começa com a revelação de uma radlOgrafIa das
q~e en:prega~ aproximadamente 15 mil pessoas. Quase toda produ-
diversas áreas no "meio ambiente" econômico mundial.
çao, fOI.de~trUIda pelo furacão. Um ano de exportações perdidas. O
cafe, principal produto de exportação de Honduras sofreu menos, ape- Tabela 47 _América Latina: a repartição capitalista do produto,
nas 20% das plantações foram destruídas. do comércio e da população (% no total mundial) não é uma coisa
Para um funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU) naturaI. ..
"Honduras e Nicarágua recuaram vinte anos em três dias", acrescen-
tando que os dois países necessitam de 3,2 bilhões de dólares para população
Areas PIB* Comércio
reparar o~ ~stragos do furacão. Os dois países já pediram a anulação 20,4 13,7 4,6
EUA 6,4
de suas dívidas externas, que somam 10 bilhões de dólares. Un.Européia 19,8 30,0
No meio dos mortos e acidentados, uma montanha de bananas 7, I 2,2
Japão 7,7
café e dívidas externas. Não é preciso muito esforço para se verifica; 8,4 52,3
Asia 23, I
4,2 7,0
que não existe nenhum fatalismo sobrenatural entre esse tipo de catás- Leste Europa 4,8
2,0 11,5
trofe e os seus resultados para as populações dos países pobres do Africa 3,3
4,4 8,4
planeta. Nos últimos anos aconteceram terremotos, furacões torna- Am. Latina 8,8
dos e inundações em todos os países do mundo. Inclusive nos Esta-
Fonte: FMI- World Economic Outlook, out/98
dos .Unidos, Japão, Alemanha e outros países dominantes do sistema
*PIB: Produto Interno Bruto
capItalista. Mas só no nordeste brasileiro a seca aprofundada pelo El
257
256
As três áreas dominantes - Estados Unidos, União Européia e Tabela 48 - América Latina: o PIB não consegue recuperar as
Japão - concentram 12% da população mundial e quase 50% da elevadas taxas anuais dos anos 70 ...
produção e do comércio. A Ásia dominada (China, Índia, Indonésia, 1980/89 1990/97 1998
Local 1970/80
etc.) concentra metade da população mundial, mas participam com
*
pouco mais de um quinto da produção e nem um décimo do comér- 4,4 3,4 3,3 2,0
Mundo
cio. Na mesma situação, apenas um pouco pior, encontram-se o Leste Am. Latina 6,0 1,5 3,2 2,5
Europeu e a África. Argentina 2,6 -0,9 5,2 2,0
A América Latina-com uma população equivalente ao conjunto da Brasil 8,7 2,3 1,9 -2,0
União Européia e Japão, e ao dobro da população concentrada nos Esta- Chile 2,5 3,4 7,7 1,8
dos Unidos - se reproduz com apenas 8,8% do produto e 4,4% do co- Colômbia 5,6 3,8 4,2 2,0
mércio mundial. A cada década que passa, a América Latina é cada vez Equador 9,4 2,0 3,5 1,0
menos importante para o mercado mundial; é cada vez mais um resíduo México 6,5 2,0 3,1 3,1
do capital global, um mero depósito do lixo que se acumula no centro do Peru 4,0 -0,6 4,1 4,5
sistema e, em cada final de mais um ciclo de superprodução, deve ser Venezuela 4,0 0,7 3,8 1,0
cremado bem longe dali para se evitar o contágio com essas massas
apodrecidas de capital. Fonte: Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), nov/98
*previsão para 1998 - para o mundo e América Latina: FMI, outl

A desigualdade se aprofunda - A divisão hierárquica e desigual 98 c Banco Mundial, nov/98;


para principais economias latino americanas: Banco J.P. Morgan,
entre áreas e populações mundiais mostra quem é quem neste quadro de
dominantes e dominados. Mas não mostra tudo. Há uma coisa mais im- setl98.
portante, que impede qualquer ilusão de diminuição dessas desigualda-
des. Acontece que, além de desigual, essa di visão não é nem um pouco O Brasil apresenta uma desaceleração contínua, depois de crescer
estática. Ela se agrava com um movimento combinado do desenvolvi- quase 9 % ao ano na década de 70, o dobro da média mundial. Era a
mento capitalista global: as economias dominantes devem crescer conti- "China" daquela época. Na última década, cresceu míseros 2% ao ano.
nuamente, no longo prazo, enquanto que as diversas economias domina- Enquanto isso, México e Argentina ensaiaram uma recuperação, que agora
das atingem rapidamente uma "exaustão'' de crescimento para, em segui- deve ser anulada pelo atual choque cíclico global.
da, derrapar para fora da pista e bater no muro de taxas decrescentes e A Comunidade Andina - que depende da evolução das suas duas
mesmo negativas de crescimento. pri ncipais economias, Colômbia e Venezuela - também já ~stá sofren-
A dinâmica latino-americana é determinada pela evolução do México, do uma desaceleração desde o ano passado, o que levara suas eco-
Comunidade Andina e Mercosul. Três grandes economia') centralizam 75% nomias para um nível médio inferior em relação à década de 80. O
da produção na área: Brasil, 36,5% do total; México (22,4%) e Argenti- mesmo deve ocorrer com o Chile, até pouco tempo atrás chamado de
na ( 16, I%). O conjunto da Comunidade Andina - Venezuela, Colômbia, "tigre latino".
Equador, Peru e Bolívia - centraliza outros 15%. Os restantes 10% se As principais economias da área estão estruturalm~n~edes~~nt~ladas,
repartem pelas demais economias da área. depois de mais de duas décadas absorvendo destrUlçoes periódicas de

259
258
capital e adaptando-se à liberalização e globalização do capital. Esse é das suas exportações totais (US$ 23,5 bilhões).
um processo que começa a transbordar com rapidez os limites da econo- O problema é que a superprodução de petróleo e outras matérias pri-
mia e se manifestar em uma complexa decomposição social e política nas mas, como o cobre do Chile, é um fenômeno mundial. Da Rússia à África
principais artérias da América Latina. do Sul, da Nigéria ao Oriente Médio, da Indonésia ao Peru, da Argélia ao
Alasca, todas essas grandes áreas produtoras estão inundando o merca-
Petróleo demais - A perda de energia do crescimento latino-americano do mundial com metais e combustíveis. Esse fenômeno não se deve ape-
não acontece por acaso. Ela se baseia na destruição dos setores produtivos nas à abertura dos países dominados à livre exploração dos seus territó-
dessas economias. Isso tem acontecido com a ação de algumas importantes rios pelas gigantes multinacionais. O que ocorre é um inédito desenvolvi-
mudanças no papel e no funcionamento desta área dentro do sistema capita- mento tecnológico aplicado à prospecção, extração, transporte e
Iista global. Em primeiro lugar, nos últimos vinte anos foi reforçado mais do armazenamento, acompanhado de massas incalculáveis de investimentos
que nunca um tradicional papel desta área: fornecedor de matérias primas e na produção destas mercadorias ("commodities", na linguagem do mer-
de combustíveis para as áreas dominantes. Do último ciclo econômico para o cado). Tudo isso se resume em explosão da produti vidade e a uma cor-
atual, se acelerou a produção de petróleo e de metais na área. respondente queda do custo unitário destes produtos. Para se ter uma
No México, ela passou de 1,0% para 2,6% ao ano; na Venezuela, de idéia, o preço de mercado de um barri I de petróleo está próximo de 10
6,4 para 8,5; na Colômbia, de 3,3 para 5,4; no Chile, de 5,4 para 7,7. dólares, mas a produtividade na Venezuela é tão elevada que o custo de
A produção de petróleo na Venezuela é ilustrativa do que aconteceu produção do mesmo barril não passa de US$2,5! O inferno é o limite.
com os demais países. A Venezuela foi transformada em uma imensa pro- O quadro é de concorrência selvagem entre os produtores, um rápido
víncia petrolífera. Aparentemente inesgotável. As suas reservas compro- processo de fusões e concentrações de empresas, e a perda da antiga
vadas são de 75 bilhões de barris de petróleo, as potenciais de 452 bi- capacidade de fixação de quotas, de cortes na produção e de elevação
lhões. Em 1987, produzia 1,6 milhões de barris por dia; entre 1992/95, a dos preços. O que se assiste, diariamente, é uma queda livre dos preços
produção já tinha se elevado para 2,4 milhões. de mercado e dos lucros do setor: nos últimos dois anos, o preço do
De 1995 em diante, quebraram o monopólio da estatal Petróleo de petróleo já caiu quase 50% no mercado internacional. O cobre, que sus-
Venezuela S.A (PDVSA), e fizeram jorrar livremente concessões para tenta a economia chilena, e que passa por um processo parecido com o
todas as gigantes multinacionais do setor - Shell, Mobil, BP, Total, Amoco do petróleo, a nível mundial, já caiu 30% no mesmo período .
... Elas invadiram o território venezuelano com total liberdade para lavra e Quase a metade das receitas fiscais dos governos da Venezuela, Equa-
extração de petróleo. O resultado imediato foi que em 1997, a produção dor, México e Chile é bancada pelos dividendos e impostos das suas
já tinha subido para 3,5 milhões de barris/dia, superando os 3 milhões do estatais de petróleo e cobre. Agora, com as mudanças na produção, na
México, outro eldorado petrolífero do mundo. O plano de investimentos formação de preços e o novo quadro de concorrência, a queda dos pre-
atuais do governo e multinacionais elevará a produção diária na Venezuela ços e dos lucros daquelas estatais reduz ao mesmo tempo os seus desem-
para 6,2 milhões de barris/dia nos próximos dez anos! bolsos para os cofres dos respectivos governos. No México, por exem-
Tudo isso é altamente estratégico para os Estados Unidos, que conso- plo, calcula-se que a cada dólar de queda no preço do petróleo, ocorre
mem cerca de 80% do petróleo venezuelano e mexicano. O mesmo não uma diminuição de 800 milhões nos cofres do governo. Neste ano, o
pode ser dito de outros países onde é extraído esse petróleo. Aqui, a preço do petróleo caiu de US$17 para menos de US$I O o barril!
estratégia muda de nome. Chama-se dependência: em 1997, as exporta- As receitas dessas estatais se reduzem ainda mais com os volumes
ções de petróleo da Venezuela (US$18,3 bilhões), corresponderam a 80% crescentes de investimentos e de recursos para regular os estoques e a

260 261
produção. Na Venezuela, a PDVSA está gastando US$ 6 milhões por dia
só para compensar o corte de 500 mil barris da produção, em uma tenta- México e Venezuela, dois pesos pesados do petróleo mundial, estão
tiva de segurar os preços e os lucros das empresas operando naquele transformando a sua agricultura em desertos. Para alimentar suas classes
país. Uma despesa inútil, sem o resultado esperado. Os empréstimos in- dominantes e média, eles gastam boa parte das receitas petrolíferas com a
ternacionais se retraem abruptamente. Esses países se defrontam, então, importação de alimentos. Para a população trabalhadora, fica o vazio de
com um descontrolado aumento do déficit público, acompanhado do de- comida no estômago e de salário no bolso.
saparecimento das fontes externas para o seu financiamento. Na Venezuela, No Chile também se verifica que a taxa de crescimento da produção
o superávit fiscal de 7,3% em 1996 deverá inverter o sinal e se transfor- agrícola caiu pela metade: de 8,2% ao ano no período 1988-92, para
mar em um déficit de quase 7,5% neste ano. 4,2% no período 1993-97. E continua caindo. No dia 9 de dezembro
último, o ministério da Agricultura do Chile informava que na safra atual
Alimentos de menos - O mais grave é que o recente aprofundamento serão colhidas 1,2 milhão de toneladas de trigo, enquanto na safra anteri-
da produção e superprodução de matérias primas na América Latina or a produção atingiu 1,6 milhão. A área plantada de trigo sofreu uma
corresponde a uma catastrófica destruição da agricultura de alimentos, e redução de 4,7%. A produtividade caiu junto: neste ano é de 3,38 tone-
a uma desaceleração das manufaturas. ladas por hectare, menos 23% em relação à safra anterior, que alcançou
4,39 toneladas. Com a quebra da safra, o Chile terá que aumentar suas
Tabela 49 - América Latina: petróleo e metais são muito importações de trigo em 1999: deve comprar cerca de 615 mil toneladas
pesados para a agricultura e a produção industrial. do grão, o dobro do volume importado neste ano, 300 mil toneladas.
No Brasil, como já verificamos anteriormente, a produção de grãos
Setor de 1988-92 1993-97
também se encontra estagnada há vários anos. A terra é mais e mais mo-
Producão
nopolizada para a ampliação da pecuária extensiva, a produção de soja
Mineração
1,0 2,6 para a exportação e os mais variados tipos de frutas também exportáveis.
México
Venezuela 6,4 8,5 No estado de São Paulo, o mais capitalizado do país, responsável por
Colômbia 3,3 5,4 30% da produção da agroindustrial nacional, o cenário é devastador: "A
Chile 5,4 7,7 agricultura paulista, detentora da mais avançada tecnologia para o cultivo
Manufaturas da cana de açúcar e maior exportadora de produtos cítricos do mundo,
México 4,5 3,5 exibe sinais de debilidade em muitos setores de atividade. A queda na
Venezuela 2,4 0,9 produtividade e a degradação do solo em grandes extensões do Estado
Colômbia 3,4 0,8 são responsáveis pela perda na qualidade de vida da população e pela
Chile 7,4 5,3 formação de bolsões de pobreza( ...) De um total de 20 milhões de hecta-
Agricultura res de área agriculturáveis no Estado, 11milhões de hectares são destina-
México -O, I 1,2
dos às pastagens( ...) Com tantos bois para alimentar, a agricultura paulista
Venezuela 0,5 0,5
não consegue produzir 50% das suas necessidades de grãos. Para um
Colômbia 3,0 1,9
consumo de 12 milhões de toneladas de grãos, a agricultura só produz a
Chile 8,2 4,2
metade( ...) Em vez de ocupar suas terras com culturas rentáveis, muitos
Fonte - BID - (idem tabelas anteriores) agricultores preferiram manter essas áreas com pastagens, que, com o

262 263
tempo, se foram degradando e se tornando inadequadas à produção" (O culos, eletroeletrônicos, produtos e peças de informática de consumo e
Estado de S. Paulo, 22/11/98). bugigangas em geral. Existem mais de 1500 maquiladoras no norte d~
Na Colômbia, a taxa de crescimento da agricultura também caiu de país. O seu produto representa US$150 bilhões, a metade do PIB mexI-
3% ao ano para 1,9%. Mesmo essa pequena taxa positiva deve-se à cano (US$30 1 bi em 1996, segundo o BID).
manutenção das culturas permanentes, como a do café, que representa Por que as multinacionais vão para o México? Pela mesma razão que
25% das exportações globais do país. Segundo o Departamento Admi- elas vão para o Brasil, Venezuela, Malásia, China, etc. Quanto menor o
nistrativo Nacional de Estatística (DANE), daquele país, para os cultivos salário real de uma economia, mais preparada ela fica para receber as
temporários, como milho, arroz e feijão, a produção colombiana desabou maquiladoras. Com os dados de uma recente pesquisa da empresa de
de 7,6 milhões de toneladas, em 1992, para 4,5 milhões em 1996. E os consultaria Towers Perrin, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 2/
cultivos permanentes (café) cresceram de 11,6milhões para 14,4 milhões 12/98, podemos fazer uma classificação resumida dos salários reais pelo
de toneladas. mundo.
Do mesmo modo que os alimentos, a produção industrial (manufatu-
ras) também retrocedeu na América Latina. Pelos dados da tabela acima, Salário real por hora de um operário da produção, em dólar e
as indústrias da Venezuela e da Colômbia foram as mais atingidas, com para uma jornada de 40 horas semanais.
taxas de crescimento se desacelerando para níveis próximos da estagna-
ção. Além das pressões para abertura dos mercados internos, o que ocor- Japão 21,7 Brasil 7,2
reu foi uma mudança radical na velha estrutura industrial de todas as eco- Taiwan 5,5
Estados Unidos 20,2
nomias latino-americanas, com a emergência das indústrias puramente México 5,3
Alemanha 20,2
montadoras, as famigeradas maquiladoras. Se a Venezuela é o exemplo Venezuela 4,5
Espanha 12, I
típico do que acontece com a exploração do petróleo, o México é o Malásia 3,4
Argentina 9,8
desta nova indústria, que se propaga como uma epidemia também na China 2,2
Coréiado Sul 8,6
Ásia, no Leste Europeu e demais áreas dominadas do mercado globalizado. África do Sul 7,3

Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos - A economia Um operário de uma maquiladora recebe de 5 a 7 dólares por ~ia,
mexicana sempre foi mais ou menos sitiada pela dos Estados Unidos. para uma jornada de trabalho de até quatorze horas, dependendo da SItu-
Mas com a imposição do Acordo de Livre Comércio da América do ação da demanda pelos produtos da empresa. Se forem comput~das as
Norte (NAFTA), que entrou em vigor a partir de janeiro de 1994, ela ..' I I d utro lado da fronteira, em
despesas administrativas e com a ugue, o o
passou aser literalmente ocupada pelo capital americano. Com o NAFTA, San Diego, EUA, o custo é de US$18 a US$25 por hora para cada
foi eliminada a metade das tarifas de importação pelo México. As restan- operário, frente somente US$4 na vizinha Tijuana.
tes desaparecerão até o ano 2000. A sua produção industrial, baseada
nos últimos anos nas famigeradasmaquiladoras, ao norte do país, con- ' - Para'garantir as diferenças salariais entre
O muro d a gIob a Iizaçao - . ~ .
formam um imensocinturão de terceirizaçãoda produção da" multinacionais Estados Unidos e México, e portanto as próprias b~ses ~e eXlste~cla da~
americanas e, em menor medida, das européias e japonesas. As . ., a fronteira dos dOISpaises. Ele Isola os
maqulladoras, existe um muro n ~ .
maquiladoras são empresas de vários tamanhos, que montam peças e . . d NAFTA para que as condições economlcas de um
d OISparceiros o , .
componentes importados, reexportando-os em seguida na forma de veí- lado não se misturem com as do outro, para que elas apenas se combi-

265
264
nem. O muro de Tijuana é bem menos famoso do que o falecido muro de rasantes para localizar os imigrantes ilegais." Carlos Azevedo, "O Muro
Berlim, ou do que a medieval muralha chinesa. Mas é muito mais impor- Americano", in Caros Amigos, Especial n02, maio 1998.
tante. Em Tijuana, como em todo o norte do México, o muro é a manifes-
tação mais concreta da democracia, do livre-mercado e da globalização Do lado de cá do muro - A economia latino-americana começa no
do regime capitalista deste fim de século. Vejamos alguns fragmentos da muro de Tijuana e se estende até a Terra do Fogo, no extremo sul da
descrição de um viajante sobre essa realidade do Estado democrático. Argentina. Mas é no México que as maquiladoras nasceram e, com o
"Dos cerros (colinas), das praias, das ruas centrais, parece que de NAFfA, se desenvolveram plenamente. Essa nova forma de indústria-
qualquer ponto em que se esteja em Tijuana pode-se ver o muro, um marca registrada das economias dominadas e recentemente globalizadas,
paredão metálico de 5 metros de altura. Ele interrompe, costa a cidade também chamadas pelos ideólogos capitalistas de "novos países industri-
bruscamente. E se alonga por 24 quilômetros, atravessando morros e alizados" - ainda está em um estágio mais ou menos embrionário nas
vales, como uma cicatriz aberta, sempre à vista e nunca esquecido, um principais economias da América do Sul. O problema é que o sucesso da
assunto permanente como as notícias de futebol e as corridas de touros. nova indústria, puramente montadora, depende geneticamente de uma certa
O muro emerge do oceano Pacífico, como um grande animal mari- integração com os mercados externos. E esse sucesso só estará garantido
nho, feito de barras de aço cobertas de cimento, verticais e vazadas, se esses mercados externos forem principalmente os das economias do-
escurecidas pela maresia. Já na areia branca corta sem cerimônia a bela minantes.
praia em duas. E logo se converte numa cerca mais baixa de placas de Trata-se de um comércio exterior que se desenvolve no interior das
ferro enferrujadas. Sob essa forma escala a encosta íngreme da primei- próprias empresas multinacionais e não pelos canais tradicionais de co-
ra colina, para de lá se estender por quilômetros, até as montanhas mércio exterior dos países dominados, onde essa montagem de merca-
vizinhas. Forte, impávida, mas não invencível. Ao contrário, todos os dorias de luxo não passa de uma extensão do processo produtivo
dias e principalmente noites é milhares de vezes violada pela obsessão globalizado daquelas empresas.
coletiva de entrar nos estados Unidos. Os imigrantes entortam as cha- Também é muito importante que a nova indústria tenha os acordos
pas de metal improvisam escadas que levam até o topo, ou, quando não regionais de integração de livre comércio como moldura institucional. O
há base de cimento, cavam buracos por baixo. Assim, o muro é um que o capital investido nas maquiladoras mais precisa é de liberdade de
frágil obstáculo. O pior está do outro lado. São as viaturas da Border ir e vir. Precisa de Iiberalização do comércio: fim de tarifas comerciais ou
Control, a migra, no dizer dos mexicanos. Como se fosse uma zona de outros tipos de barreiras que impeçam a liberdade de comercialização
co~bate.do ~uro, do lado americano, é limpa, sem construções, vege- das peças a serem importadas, montadas e reexportadas.
taçao baixa. E toda recortada por estradas de terra por onde circulam Esse processo de circulação do capital não pode ser atrapalha~o por
as pe~uas da polícia de fronteira. E um segundo muro está em constru- nenhum tipo de barreiras (ou muros), na forma de investimentos diretos
ção. E igual ao da praia, com uns 8 metros de altura, de aço e cimento, em máquinas e instalações em geral. É isso que os economistas chamam
todo vazado, de modo que ninguém possa se ocultar atrás dele. Já está alegremente de "investimentos diretos de capital produtivo". .
pronto nas áreas mais centrais de Tijuana. Por toda a extensão do muro O capital dasmaquiladoras precisa também da liberdade ~ara a ~lxa-
estão instalados sensores eletrônicos, aparelhos que permitem ver na ção dos preços de importação e de exportação das mer~ad~nas e,.fmal-
escuri?ão, que denunciam a passagem dos imigrantes. No alto dos pos- mente, para as remessas dos lucros. Em resumo, o capItal. investido na
tes de Iluminação, além dos fortes holofotes há câmaras de televisão em indústria montadora não pode ser atrapalhado por nenhum tipo de regula-
operação con t'inua. Q uan doo aci .
acionados, helicópteros vêm fazer vôos mentação estatal de tributos, tarifas, taxa de câmbio, divisas ou salários.
266
267
Essa liberdade de movimentos é acertada na forma institucional de entre Brasil e Argentina foi a edição das portarias de controle de impor-
acordos regionais de livre-comércio. A generalização do sucesso mexi- tações publicadas pelos ministérios da Agricultura e da Saúde no início
cano e suas maravilhosas maquiladoras para toda a América Latina de- de outubro. O governo brasileiro passou a exigir licença de importação
penderia de um NAFfA para todo o continente. É o que prevê o projeto para os principais produtos agro-pecuários, químicos e farmacêuticos,
do Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), do governo dos acabando com o tratamento diferenciado às mercadorias do Mercosul.
Estados Unidos. O ALCA seria um NAFTA ampliado, absorvendo os As medidas não foram digeridas pelos argentinos, que pediriam expli-
principais acordos regionais de livre comércio, como Mercosul, Comuni- cações formais ao governo( ...) E partiriam para o revide. Anunciariam
dade Andina e Aladi. Enquanto o ALCA não vem, além do México a um acordo bilateral de livre-comércio com o México sem consultar seus
expansão da nova indústria se apresenta como uma preparação e parceiros do Mercosul."
terraplanagem do terreno para a sua chegada. Os capitalistas brasileiros e argentinos precisam do chicote do seu gran-
Esse trabalho prel iminar aparece como a destruição pura e simples da de patrão do Norte para organizar melhor a sua integração regional. Es-
velha indústria nacional. E se instala ainda timidamente em economias im- ses capitalistas, do mesmo modo que seus primos chilenos, colombianos,
portantes da Comunidade Andina, no Chile e no Mercosul. venezuelanos e mexicanos, não foram educados para fazer as coisas por
conta própria. Sempre precisaram de algum corretivo de uma potência
A "nova indústria" no Brasil e na Argentina- a nova indústria colonialista ou imperialista para botar ordem e progresso nos seus gene-
chega limitadamente no Brasil e Argentina, em setores como o automobi- rosos territórios de caça arrendados às economias dominantes
lístico e pequenas áreas do eletroeletrônico de consumo. O entrave maior Nas décadas de 70 e 80, o Brasil, ainda exportava uma boa quantida-
é que essasmaquiladoras do Mercosul ainda se desenvolvem com base de de calçados, tecidos, confecções e outras mercadorias de consumo
nos próprios mercados internos, gerando rivalidades federativas, "guer- para os Estados Unidos e Europa. Agora, só consegue exportar manufa-
ras fiscais" entre Estados de um mesmo país, etc. Não se instalam, como turas para os países do Mercosul, alguma coisa para outros países da
no exemplar modelo mexicano, com uma estratégia necessariamente re- América do Sul e africanos de língua portuguesa. Para as economias do-
exportadora para as economias dominantes. Ao contrário, no Mercosul, minantes, voltou a ser um exportador de matérias primas (minério de fer-
a nova indústria se desenvolve em um viciado e desgastante sistema de ro, alumínio e aço laminado), gêneros agrícolas in natura e semi-manufa-
trocas entre Brasil e Argentina, que ameaça explodir a todo momento turados (café, torta de soja e suco de laranja) e alguns produtos alimentí-
com desconfianças recíprocas, pequenas controvérsias e ameaças de cios (frango, carne e enlatados).
retaliações protecionistas. É o que testemunha o jornal Gazeta Mercan- A Argentina tem aumentado rapidamente sua agro-pecuária na dé-
til, do dia 18111/1998: "Retaliações entre Brasil e Argentina, marcadas cada de 90, principalmente em produtos de exportação que concor-
por retaliações e medidas protecionistas, devem ficar mais intensas (...) rem diretamente com o Brasil no comércio internacional. Enquanto a
Os governos vêm se fechando e criando entraves para proteger seus agricultura brasileira se encaminha para a estagnação, para sua pior
mercados( ...) O novo golpe nas relações entre os principais parceiros crise no pós-guerra, a Argentina colheu na última safra 67 milhões de
do Mercosul acontecerá em janeiro. O Banco Central argentino deter- toneladas de grãos. Enquanto a produção brasileira de grãos ficou
minou aos bancos financiadores que exijam dos importadores o depósi- estagnada, nos últimos oito anos, a da Argentina cresceu 88%. Este é
to de 100% das garantias para realizar as operações. Na prática, a o resultado concreto do Mercosul: Brasil e Argentina voltaram a ser
medida tornará mais difícil a exportação para o mercado argentino, se- aqueles agro-exportadores do começo do século, o que anuncia uma
gundo maior comprador de produtos brasileiros (...) O estopim da crise próxima guerra competitiva entre si nos mercados internacionais. En-

268 269
ciais e dos colaboracionistas de oposição.
quanto isso, a velha indústria está sendo destruída e a nova cresce
Em todas economias dominadas, seus capitalistas e respectivos go-
lentamente, olhando para o seu próprio umbigo.
vernos fizeram exatamente o que manda o figurino capitalista. No período
de expansão do ciclo, executaram tudo aquilo que é mais favorável à
Vulnera~i1idades e ajustes - a nova indústria e a destruição da agri-
valorização do capital global. No auge do período de expansão (1996/
cultura de alimentos aumentam a vulnerabilidade das economias latino-
97), os diversos setores econômicos mexicanos cresceram com enormes
americanas às crises cíclicas globais. Desde 1994, as maquiladorasen-
taxas anuais: o PIE a 6, I % ao ano; Indústria a 10,5%; Construção a
gordam as estatísticas econômicas do México, dando uma falsa idéia de
10,8%; Mineração e Petróleo a 6,3% e, finalmente, a ovelha negra Agri-
crescimento da indústria (10% ao ano), dos investimentos internos brutos
cultura, a apenas 2,6% ao ano.
~25% ao ano) e das exportações (21 % ao ano). Com esta estrutura, as O importante é que os salários reais e benefícios dos operários das
Im~ortaçõe~ crescem no mesmo ritmo, mas no sentido oposto das expor-
manufaturas mexicanas caíram 22% naquele período de expansão. Um
taçoes. Assim, com a volta da crise no ano passado, os fantasmas dos
estudo da Universidade Obrera de México (UOM), divulgado em 23 de
gigantescos déficits comerciais de antes de 1994 - que detonaram a fa-
novembro, indica que nos últimos quatro anos, desde o último colapso do
mosa "crise tequila" - voltam a ameaçar a economia mexicana. Se em peso mexicano, o salário mínimo perdeu 35% do seu poder aquisitivo. E
19~~ ~ 1996, os superávits foram em tomo US$7 bilhões, no ano passa- que cerca de 30% da população economicamente ativa do México rece-
do ja tmham desabado para pouco mais de US$ 600 milhões. Os últimos be um salário mínimo, equivalente a 30 pesos por dia ou algo próximo a
dados (The Economist) mostram uma rápida deterioração: em setembro, US$3,00 por dia de trabalho, pelo câmbio atual. Outros 35% dos traba-
a balança comercial já acumulava um déficit de US$ 6,4 bilhões! lhadores empregados recebem entre dois e três salários mínimos por dia.
O défi.cit_em conta corrente subiu de US$I,9 bilhão em 1996 para Acumulação e superprodução de capital, de um lado; de outro, au-
US$7,2 bilhões em 1997 e, finalmente, para US$13, I bilhões no primei- mento contínuo da miséria e desespero da população trabalhadora. Essas
ro semestre deste ano! Em resumo, o setor externo daquela economia são as duas faces econômicas dos períodos de auge da produção capita-
está derrapando rapidamente em direção do mesmo precipício da "crise lista nas economias dominadas. Mas isso quer dizer também uma corrosi-
da tequila" de dezembro de 1994. Mas o precipício atual é muito maior. va inferioridade produtiva frente às economias dominantes, aquele triste
Acontece que o México está enfrentando uma ameaça que não estava papel subalterno das economias latino-americanas na hierarquia e.na r~-
presente até 1994: a queda livre dos preços do petróleo e das matérias partição da produção e comércio globais. Como expressão dessa inferi-
primas no mercado internacional. O resultado foi, neste ano, uma brusca oridade produtiva e de competição no mercado internacional, a superes-
interrupção dos fluxos de capitais externos. trutura financeira e fiscal de uma economia dominada é também extrema-
Esses desequilíbrios externos, do mesmo modo que as variações das mente vulnerável aos períodos de desaceleração da economia mundial.
taxas de câmbio, não são importantes em si mesmos, mas pelo que repre- Ao primeiro sinal de crise mundial, todo o aparato de aplicações finan-
s~nta~: um enfraquecimento das condições gerais de valorização do ca- ceiras internacionais nas empresas, indústrias, construção civil, comércio
pital mstalado nessas economias dominadas. Um enfraquecimento das e bolsas de valores, começa a se retrair e finalmente faltar para a manu-
taxas de lucro das maquiladoras, da extração de metais e petróleo e,
tenção e lubrificação do sistema econômico nacional. .
finalmente, das condições financeiras do governo e dos bancos privados. No início deste ano, um relatório do Banco Interamencano de Desen-
Essa crise não se origina nos desequilíbrios das contas públicas ou na má volvimento (BID) sobre o desempenho da economia mexicana em 1997
cond~ção dos "fundamentos macro-econôrnicos", na sobre-valorização começava com esta pomposa descrição: "O México registrou em 1997 a
cambial nas elevadas taxas de juro e outras tolices dos economistas ofi-
271
270
maior taxa de crescimento dos últimos 15 anos, o que provocou uma do capital financeiro. Neste ano, com o desaparecimento do capital ex-
importante redução no desemprego. Contribuíram para esse resultado terno, as bolsas latino-americanas foram as que mais caíram em todo o
um bom comportamento das exportações e também uma forte recupera- mundo. As ações caíram na mesma velocidade da fuga do capital exter-
ção da demanda interna. Ademais, a economia se beneficiou de um ambi- no. Até 9 de dezembro último, as principais bolsas latino-americanas apre-
ente internacional favorável, tanto em termos de demanda para seus pro- sentavam as seguintes quedas no ano: São Paulo - 25%; Bogotá - 28%;
dutos de exportação, como de condições propícias de acesso aos mer- Buenos Aires -34%; Caracas - 45%; Lima -19%; México -27% e San-
cados internacionais de capitais. A instabilidade dos mercados asiáticos tiago - 32%. No restante das áreas dominadas do mundo, apenas a bolsa
de fins do ano passado afetou negativamente os mercados financeiros. de Moscou (-94,2%) e a da cidade chinesa de Shinzen (-40,7%) tiveram
Entretanto, graças ao equilíbrio das finanças públicas e nas contas exter- maiores quedas que as latino- americanas. Enquanto isso, no mesmo pe-
nas, assim como ao regime de f1utuação cambial, a economia se recupe- ríodo, a bolsa de Nova York tinha subido 17,8%, a de Frankfurt 22,7% e
rou rapidamente deste choque externo" a de Tóquio 5,3%.
Mas, quando explode a crise, aquele elogiado "desenvolvimento eco- No final de novembro passado, os jornais noticiavam: "O México so-
nômico" anterior é repentinamente substituído pelos "pacotes econômi- licitou um novo empréstimo ao FMI. O crédito destina-se a garantir aos
cos", normalmente acompanhados por desvalorizações cambiais, redu- investidores que a política econômica do governo do presidente Ernesto
ção dos salários reais e ... um desemprego no mínimo dobrado daquele Zeddillo é sólida e o país está salvo de qualquer contágio da crise finan-
que existia no período de expansão. Esse é o preço a ser pago por aque- ceira internacional".
las condições produtivas de baixíssima qualidade, e que apenas se Mas a solidez da política dos senhor Zeddillo tem primeiro que ser
aprofundaram no período de expansão e superprodução do capital naci- testada no parlamento do país. "Essa é uma semana crucial para a apro-
onal. E quando se desacelera o fluxo financeiro internacional anterior as vação, pela Câmara dos Deputados, do mais novo pacote econômico
classes dominantes internas, a burocracia governamental e instituições proposto pelo ministro da Fazenda, José Angel Gurría. O pacote prevê
imperialistas de controle do sistema de pagamentos internacionais - como a criação de um imposto sobre a telefonia, com alíquota de 15%, além
o BID e o FMI - voltam-se para o interior dessas economias de forma da elevação de tributos sobre o consumo e de um aumento no preço da
fulminante: a "poupança interna" tem que compensar, de alguma maneira, gasolina, que desde meados de novembro já subiu 15%. Os preços dos
a ausência da "poupança externa" que acaba de desaparecer. E a única combustíveis podem subir I % ao mês a partir de dezembro, caso a
maneira para essa sábia operação é o famigerado "ajuste fiscal" ou, como proposta seja aprovada. O programa de ajuste do governo mexicano,
eles chamam pomposamente, "plano de estabilização fiscal". que pleiteia novo empréstimo do FMI, prevê ainda o fim do subsídio à
tortilha de milho, alimento básico dos mexicanos, além de aumento das
Pai nosso que estais em Washington - As bolsas de valores da tarifas de energia elétrica, água, gás e dos pedágios (...). A proposta de
América Latina são tão frágeis quanto a sua estrutura produtiva. Na bolsa ajuste apresentada ao Congresso pelo governo do presidente Zeddillo
de valores de São Paulo, a maior do Brasil e da América Latina em é, segundo o ministro da Fazenda, a "única possível", mas vem sendo
épocas normais o volume de negócios diários gira em torno de US$' 500 criticada pelos partidos de oposição que, pela primeira vez neste sécu-
milhões. E 80% das transações se faz em torno de três empresas estatais lo, conseguiram formar maioria no Legislativo desde a eleição de se-
-Telebrás, Petrobrás e Banco do Brasil. Sem uma ampla base produti- tembro de 1997. A oposição garante que o pacote "não passará". (O
va para se exprimir nos valores das ações negociadas, a única coisa que Estado de S. Paulo, 24/nov/98).
comanda o volume dos negócios e as variações dos papéis é a situação A proposta de ajuste é a "única possível" nas palavras do fanfarrão

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ministro das Finanças do México. Frente a queda livre dos preços do sobre todas as transações bancárias. Com o novo pacote do FMI, tam-
petróleo no mercado internacional, o governo de um dos maiores produ- bém em votação no glorioso Congresso nacional, o IMF deverá subir
tores mundiais deste combustível resolve então aumentar em 15% o pre- paraO,38%!
ço intemo da gasolina! A mesma medida está sendo tomada pela Venezuela, O problema dos bancos latino-americanos é o mesmo de qualquer
em seu "plano de ajuste". A tortilha de milho também deve custar mais, o economia real que sofre um processo de redução dos lucros, diminui-
que significa o seu desaparecimento da mesa de milhões de mexicanos. ção das vendas, quebra das cadeias de pagamento e, finalmente, colap-
Tudo em nome da "estabilização", com a mídia nacional explicando que so da confiança entre os credores e devedores. Os governos procuram
essas medidas são as "únicas possíveis" para que se recupere a confiança então restabelecer o mercado de crédito e de meios de pagamento,
dos tão generosos investidores externos. com volumosos recursos públicos injetados nas veias apodrecidas do
sistema bancário. Mas se o choque cíc1ico global for mais prolongado e
Bancos, moedas e câmbio - Um enorme esqueleto capitalista está mais profundo do que o esperado pelo FMI, essa quebra do sistema de
sendo cuidado com muito carinho pelo governo mexicano. Trata-se do crédito pode ser definitiva, abrindo-se então um longo período de crise
seu falido sistema bancário, quebrado pelo elevadíssimo endividamento econômica nacional.
em dólares das empresas mexicanas e dos próprios bancos durante o Neste caso, estaria criada uma situação de rompimento da economia
período de expansão. No meio do pacote de ajuste, o governo mexicano nacional com o sistema financeiro e de empréstimos internacional. Foi o
e o FMI tentam ressuscitar o Fobraboa, um fundo criado após a crise que aconteceu com a Rússia, no mês de agosto passado. Neste momen-
"tequila", em 1995, destinado a resgatar e, vender os créditos bancários to, as maiores economia da América Latina estão em situação muito pró-
podres. Desde 1995, o Fobraboa foi um completo fracasso: conseguiu ximas daquela da Rússia pré-colapso.
recuperar apenas US$60 milhões daqueles créditos podres. Agora, o
governo mexicano assumiu que a recuperação do esqueleto bancário Tabela 50 - América Latina: os déficits externos
mexicano terá que sair de um novo pacote de socorro, a ser financiado aumentam, as reservas caem e as dívidas externas
através de cortes de despesas do orçamento e aumento de impostos. de curto-prazo ficam impagáveis.
N a Colômbia, existe uma coisa parecida, com o nome de Fogafin: "O
presidente da Colômbia decretou estado de emergência econômica e anun- saldo Dívida c.prazo +
ciou que irá recorrer a poderes constitucionais de emergência para tomar
Países comercial amortiz, em % das
US$ bi reservas de 1998
uma série de medidas com o objetivo de socorrer o sistema financeiro( ...)
Brasil - 6,52 175
O governo criou um imposto de 0,2% sobre os saques e todas as transa-
Argentina - 5,75 91
ções bancárias realizadas até dezembro do ano que vem para levantar os
México - 5,70 150
US$ 1,59 bilhões necessários para implementar as medidas. O dinheiro
Colômbia -3,80 104
será utilizado para garantia de depósitos, conhecido como Fogafin( ...) O
Fogafin concederá crédito para bancos que encontram problemas para Fonte: Gazeta Mercantil Latino-Americana, de 2 a 8/
receber empréstimos feitos a pessoas físicas e empresas" Gazeta Mer- nov/98
cantil Latino Americano, 23/11/98).
No Brasil, existe há muito tempo o Proer, além de um Imposto de Os números acima querem dizer que essas economias têm que rever-
Movimentação Financeira (lMF), cobrado até agora na base de 0,2% ter imediatamente seus enormes déficits comerciais em superávits, pois

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essa é a maneira mais rápida de se conseguir divisas para saldar em dia
essa generalização da crise global, o que possibilitaria uma certa recupe-
suas dívi~a~ externas, pelo menos os juros. Para tanto, elas dispõem ape-
ração e controle do sistema financeiro internacional, a produção real da
nas de dOISInstrumentos. O primeiro é promover uma depressão econô-
América Latina já estaria sacrificada pelo menos até o ano 2000. Segun-
~ica interna, de modo a reduzir drasticamente a demanda por importa-
do os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
çoes e forçar as empresas a compensar a queda do consumo interno por
Estatísticas (illGE), do governo brasileiro, a produção industrial de bens
exportações. Os "pacotes de ajuste" do FMI que estão sendo executa-
de consumo duráveis (automóveis, eletroeletrônicos, eletrodomésticos,
dos em toda a área organizam essa depressão a sangue-frio.
etc) já despencou 20,7% no período janeiro-outubro/98. Comparando-
O segundo instrumento, é fazer grandes desvalorizações das moedas
se com o mês de outubro do ano passado, o tombo foi ainda maior: -
nacionais, de modo a "baratear" as exportações e "encarecer" as impor-
32,6%. A produção de automóveis teve uma queda de 48,6% nos últi-
t~ções. Es~e se.gundo instrumento já foi adotado recentemente pelo Mé- mos doze meses. O que significa que o Brasil está produzindo a metade
XICOe Colômbia, aparentemente sem grandes resultados. Devem aumen- de automóveis que produzia há um ano!
tar a .dose nos próximos meses. Brasil e Argentina terão que adotá-I o A hecatombe econômica e social que atinge o território que vai de
proxrmamenrs, o que desorganizará definitivamente o já fragilizado Tijuana à Terra do Fogo, é mais profunda e devastadora do que o furacão
Mercosul.
Mitch que assolou Honduras e Nicarágua, no coração da América Cen-
tral. Mesmo que a economia capitalista mundial recupere seu curso nor-
Perspectivas - Em período de expansão global como o que se pro- mal de acumulação, nos próximos anos, essa possível recuperação global
longou de 1992 a 1997, não são exigidos arriscados malabarismos das exigirá necessariamente da América Latina um aprofundamento daquelas
econo~ias dominada". Quando a acumulação mundial está em expansão, bases apresentadas no último ciclo de expansão global. Assim, uma am-
a confiança dos credores internacionais pelos seus insaciáveis devedores pliação da produção de minérios e metais corresponderá a uma destrui-
é ilimitada. Os prazos de pagamento vão chegando e sendo prontamente
ção ainda maior da agricultura de alimentos. A
r~financiados com novas dívidas. A roda gigante do crédito não para de substituição definitiva das velhas indústrias nacionais pela nova indústria
girar, cada vez mais rápida. Mas quando explode um novo período de
puramente montadora, com a generalização da experiência mexicana e
qu~da da taxa de lucro global e de desaceleração da acumulação mundi- asiática para economias como Colômbia, Brasil e Argentina, corresponderá
al, Instal~-se a desconfiança, os pagamentos passam a ser exigidos no
também a um abafamento ainda mais intenso da indústria de manufaturas,
seu~ vencimemos e os refinanciamentos desaparecem.
acompanhado de uma pesada redução do nível de emprego e dos salári-
E o que está acontecendo neste momento. Os pacotes do FMI são
os da população trabalhadora.
como os últimos e mais potentes antibióticos disponíveis para que se es-
Quase 80% das grandes empresas estatais da América Latina já estão
tanqu~ essa.~e~orr~gia de capital nas economias dominadas. Esse tipo privatizadas, nas mãos do capital financeiro internacional. Neste ~uadro,
de antídoto ja foi aplicado na Rússia, Indonésia, Malásia, e ... não funcio-
e a experiência passada ensina, as condições de produção e supnme.nto
nou. Se também não funcionar na América Latina, todo o sistema mone- de energia elétrica, transporte, água e saneamento básico, saúde pública,
tário e de pagamentos internacionais entrará em parafuso e se espatifará educação, previdência, etc., estarão também sendo desmanteladas e re-
em pedaços nos grandes centros financeiros e bolsas de valores das eco-
duzidas ainda mais.
n~mias dominantes, abrindo-se então a coisa mais temida, uma depres- Mesmo que as economias latino-americanas voltem a se ~rticular com
sao econômica global.
as economias dominantes para mais um ciclo de quatro ou Cll1COanos de
De qualquer modo, mesmo que o sistema imperial ista consiga estancar expansão, estarão preparando tudo de novo, estarão preparando um fu-
276
277
racão mais destruidor logo a frente. Neste cenário, as condições sociais e
políticas da área estarão inevitavelmente dilacerando os Estados nacio- CAPÍTULO XVII
nais e a capacidade de governabilidade burguesa.
Nesta rica perspectiva para a luta de classes, estarão se apresentando B leca ute no M ercosul
para os trabalhadores da América Latina - até agora divididos e encarce-
rados entre o muro de Tijuana e as planícies geladas da Terra do Fogo-
reais possibilidades para a abolição de toda essa pré-história até agora
vivida, para a libertação de um processo que pode desembocar no início Por volta das vinte e duas horas do dia 11 de março de 1999, a luz
de uma verdadeira história da América Latina. apagou para mais de setenta milhões de brasileiros; estava se iniciando o
maior blecaute de energia elétrica acontecido no país: atingiu dez Estados
brasileiros e estendeu-se até o Paraguai.
Primeiro foi em Buenos Aires. Um mês antes, e por onze longos dias,
quase o tempo bíblico do dilúvio, 150mil domicílios daquela cidade tam-
bém ficaram sem luz, atingidos por mais um apagón da Edesur, a empre-
sa pri vada que monopoliza, controla e explora a distribuição de energia
elétrica na capital argentina. E quem controla a Edesur é a Enersis, um
conglomerado financeiro - bancos internacionais, fundos globais de pen-
são e de investimento, e outras instituições parasitárias ~ baseado
territorialmente no Chile. Além de Buenos Aires, a Enersis controla o
capital de outras grandes empresas de energia elétrica no Mercosul. No
Brasil, por exemplo, ela tem grande participação na Companhia de Eletri-
cidade do Ceará (26% das ações) e na Companhia de Eletricidade do
Rio (42% das ações). A oposição argentina mostra o culpado pelo
"apagon" de fevereiro: o processo de privatizaçãodas empresas públicas
do país, executado de acordo com as exigências dos famigerados ajustes
fiscais do FMI e com a orientação neoliberal do governo Menem. E acu-
sa: as empresas privadas responsáveis pelos serviços básicos não inves-
tem o que deveriam em equipamentos e manutenção.

Privatizações selvagens - Em todo Mercosul, pelo menos uma coi-


sa é muito clara: antes de serem privatizadas, os governos diminuem as
despesas de custeio e investimento dessas empresas públicas, por conta
dos ajustes fiscais que redirecionam esses cortes de recursos para o pa-
gamento dos juros das dívidas públicas. Depois são privatizadas, quer
dizer, entregues para o controle de grandes conglomerados financeiros

278 279
Assim, nos ramos de produção de mercadorias como energia elétri-
internacionais. Como em qualquer empresa produtora e fornecedora de
ca, água e saneamento, saúde, educação, transporte coletivo, etc, a taxa
serviços básicos, também nas empresas energéticas esses novos proprie-
de lucro do capital investido é inferior á média social, embora suas massas
tários privados não têm nenhum interesse econômico de investir na ex-
de lucro sejam elevadas. Isso quer dizer que esses ramos produtores de
pansão dos sistemas, em novos equipamentos e em novas despesas
serviços básicos e coletivos encontram-se sempre em uma posição com-
operacionais de funcionamento e manutenção de usinas, subestações e
petitiva desfavorável frente àqueles ramos especializados em mercadorias
redes de transmissão ou distribuição.
mais fáceis de serem produzidas, para os quais se desloca a quase totali-
O resultado é um acelerado processo de deterioração e colapso do
dade do capital industrial. No regime capitalista de produção, a produção
sistema. Na Argentina, o escândalo foi maior quando se soube que os
se concentra progressivamente nas mercadorias mais fáceis de serem pro-
cabos de alta tensão instalados pela Edesur na rede de Buenos Aires, no
duzidas. A produção de serviços básicos - e a de aiimentos, que se choca
ano passado, tinham mais de duas décadas de uso, não passavam de
diretamente com a renda fundiária e os cicIos naturais - é menos atraente
sucata. Pressionada pela opinião pública, a Edesur já concordou em pa-
para o capital, que sempre procura se valorizar com os menores custos
garuma indenização de US$ 60 milhões pelos prejuízos. Mas além des-
de produção e o menor tempo de rotação do capital fixo, daquela parte
sas multas, a empresa enfrenta uma interminável lista de ações que a po-
imobilizada do capital total investido.
pulação está encaminhando à Justiça para ressarcimento real dos danos
Para diminuir a desvantagem competitiva, as empresas de serviços
sofridos. Essa é uma verificação prática do resultado do recente progra-
básicos sempre forçam aumentos exagerados dos seus preços, para di-
ma de privatização no Mercosul. Ao contrário da propaganda neoliberal
minuir o tempo de imobilização do capital investido e aumentar assim a
de Menens, Cardosos e Fujimoris, não se verificou até agora nenhum
sua taxa média de lucro. Como essa" empresas geralmente monopolizam
caso de melhora nos serviços básicos privatizados desde o início da dé-
seu mercado, essas tentativas de aumentar o preço das suas mercadorias
cada atual .. Ao contrário, o que se verifica é o colapso e a perspecti va de
não encontraria nenhuma restrição de mercado. Mas encontram uma enor-
que esses serviços piorem ainda mais com o passar do tempo.
me recusa política e social, pela ameaça que representa esse poder de
Existem razões econômicas para essa incompatibilidade entre a pro-
monopólio de mercado sobre as condições de reprodução e de sobrevi-
priedade de empresas privadas e a produção de serviços básicos, como
vência da maior parte da população. É por essas e outras razões particu-
eletricidade, transporte coletivo, água e saneamento, educação, saúde,
lares do processo de valorização do capital nesses ramos que as empre-
etc. Uma das mais importantes é que essas atividades coletivas são inade-
sas têm que ser fortemente subsidiadas pelos recursos públicos para se-
quadas à aplicação produtiva de capital. De um modo geral, esses ramos
rem viabilizadas economicamente. É por isso, finalmente, que essas em-
de produção dão uma taxa de lucro muito inferior à média de uma deter-
presas se adaptam melhor á forma jurídica de propriedade estatal.
minada economia.
O processo de privatização nas economias dominadas do Mercosul é
Seu funcionamento exige enormes massas de investimentos de capi-
um grande cambalacho. Os capital istas que se apropriam dessas empre-
tal, que deve se imobilizar por um tempo muitas vezes superior à média
sas públicas não estão nem um pouco motivados por uma decisão de
dos demais ramos econômicos. Enquanto o capital fixo de empresas do
investimento produtivo ou industrial. Tratam-se na verdade de operações
setor de energia elétrica, por exemplo, demora de vinte a quarenta anos
meramente financeiras, caracterizadas por um baixo preço de aquisição
para ser consumido e valorizado, em setores produtores de bens de luxo,
de gigantescos ativos fixos que, imediatamente, serão utilizados para
como automóveis, eletroeletrônicos de consumo, etc, esse tempo de cir-
alavancar novas e também gigantescas operações no mercado financeiro
culação do capital fixo não passa atualmente de uma média mundial de
e especulativo internacional. Como essas enormes empresas são inviáveis
cmcoanos.

280 281
economicamente na sua forma privada, os seus novos proprietários pro- "Moedas fortes" mas ... sem nenhuma qualidade - Tanto a eco-
curam se desvencilhar ao máximo de novos investimentos produtivos e de nomia brasileira quanto a argentina são vítimas de uma combinação alta-
despesas de manutenção do sistema. O resultado é o colapso da produ- mente dissolvente de incapacidade produtiva e fragilidade da moeda.
ção e na distribuição dos serviços. Foram estropiadas por uma regra muito rígida do mercado: uma econo-
O que ocorreu na última quinta-feira, no Brasil e no Paraguai, foi uma mia nacional que tem uma indústria e uma capacidade comercial abaixo
repetição ampliada doapa/?óll ocorrido no mês passado na Argentina. da média mundial não tem o direito de ter um sistema de crédito próprio
Sua causa está também na pri vatização do sistema nacional de energia, e, consequentemente, uma verdadeira moeda nacional. Em geral, a capa-
inclusive a coordenação do controle do despacho de carga do sistema, cidade industrial determina as possibilidades do Estado nacional promo-
que treze dias antes tinha sido assumida por uma entidade privada chama- ver a centralização maior ou menor do sistema de crédito (monetário,
da Operadora Nacional do Sistema (ONS). bancário e de capitais). Essa é a base em que se estabeleceu, historica-
Essa é também a avaliação do professor Maurício Tolmasquin, da mente, a posição de dominada ou dominante de uma economia nacional
Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ): "O professor na di visão capitalista internacional.
Maurício Tolmasquin explicou que apenas a Operadora Nacional do Sis- Resumidamente, bem resumidamente, essa divisão capitalista entre
tema (ONS) pode detectar a causa exata do blecaute, mas adiantou que, economias dominantes e dominadas foi decidida de forma irreversível na
com a privatização das distribuidoras de energia, o setor desestruturou- segunda metade do século passado e primeiros quinze anos deste. Na-
se. Se antes só o Estado tomava as decisões na área, agora as empresas quele período ocorreu uma coisa muito importante: a primeira e mais pro-
agem por si e ainda não aprenderam atuar conjuntamente. Além disso, funda onda de globalização do capital; muito mais profunda, diga-se de
havia a expectativa de que os novos donos das empresas energéticas passagem, do que a atual, que vem se aprofundando nos últimos cinqüen-
fizessem investimentos, o que não teria ocorrido. Tolmasquin disse que o ta anos. Desde então, a história econômica de cada Estado nacional pas-
setor energético trabalha normalmente com uma possibilidade de falha de sou a ser rigidamente determinada pelas suas experiências particulares e
5%. Com o aumento da demanda ocorrido nos últimos anos, a falta de pelo seu desempenho internacional naquele período, quando o mercado
investimentos e do diálogo entre as distribuidoras privatizadas, esse risco capitalista mundial passava da fase de dominação formal para a fase da
cresceu para 10% a 15%. A solução virá com investimentos do Estado dominação real sobre todas as formas anteriores de produção e reprodu-
ou da iniciativa privada, mas isso não ocorre." (O Estado de São Pau- ção social. Não se tem notícia de nenhum Estado nacional que tenha per-
10,13/março/99) dido o bonde naquela passagem histórica e se recuperado depois.
Para esconder as verdadeiras causas do blecaute, o governo mente: Naquela vigorosa onda de globalização, foi implantado, pela primei-
tudo teria sido provocado por um raio que caiu em uma subestação da ra vez na história, um sistema monetário verdadeiramente internacional.
cidade de Bauru. Não é preciso muita perspicácia para concluir que, se o E no seleto clube desse sistema só foram aprovadas aquelas economias
sistema elétrico nacional fosse sempre vulnerável a um simples raio, em que, no encerramento daquela passagem histórica, se apresentavam com
uma anônima subestação do sistema, teríamos diariamente pelo menos uma capacidade produtiva acima da média mundial e forte centralização
dois blecautes do tamanho do de quinta-feira passada. financeira nacional. Dentro do clube, acabou ficando um pequeno nú-
Preferimos ficar com as explicações do professor Tolmasquin, Só acres- mero de economias dominantes; de fora, uma grande maioria de econo-
centando que, de acordo com as avaliações econômicas que fizemos aci- mias dominadas.
ma, a possibilidade de falha do sistema, que já cresceu para 10 a 15%, Economias como as do Brasil, Argentina, Rússia, China, México, Ín-
crescerá nos próximos anos para 25%,35%,45% e assim por diante. dia, etc, nunca participaram do comércio internacional com suas próprias

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moedas nacionais, que nunca foram conversíveis no mercado de câmbio nacional. É o que está acontecendo.
internacional, nunca foram divisas reconhecidas pelo resto do mundo, Além de recomendar esse monopólio do sistema financeiro das eco-
nunca tiveram liquidez intemacional. Essa" párias do mercado global sempre nomias dominadas por instituições globais, ele só poderia concluir com o
tiveram que alugar moedas fortes do novo sistema monetário internacio- seu desdobramento inevitável: o modelo monetário panamenho de
nal para circular suas desqualificadas mercadorias pelo mundo. Nunca dolarização para toda América Latina. "Volker sugeriu que as pequenas
conseguiram circular com as tristes figuras de suas moedas nacionais, que economias emergentes deveriam buscar segurança financeira e estabilida-
só têm livre trânsito nos estreitos limites dos seus respectivos mercados de monetária em 'tamanho' e 'diversidade'. Por diversidade, ele quis di-
internos, nos seus guetos monetários. zer uma boa dose de controle acionário estrangeiro no setor financeiro;
Essas provincianas moedas sempre foram escoradas por algum lastro por tamanho, acordos monetários regionais. Os mercados emergentes,
internacional. No século passado, e até começo deste, o lastro principal acredita ele, deveriam se vincular à principal moeda regional, como o
era o ouro. O valor dessas moedas dependia da quantidade de ouro esto- dólar nas Américas (o Panamá, por exemplo, usa o dólar)" (The Economist,
cado pelos seus governos. Este estoque podia ser maior ou menor, de- 2a semana de fevereiro/99).
pendendo dos empréstimos externos ou do saldo do comércio exterior. Mas, ao contrário do que afirma o Sr Volker, não é verdade que a
Com o definitivo funcionamento do sistema monetário mundial, especifi- plena dolarização possa dar segurança financeira e estabilidade monetá-
camente capitalista, entre os anos 20 e 40, o velho lastro-ouro - aquela ria. Ao contrário. Nesses pequenos mercados financeiros nacionais, que
"relíquia bárbara", na expressão util izada por Keynes - foi substituído algumas vezes podem coincidir com grandes mercados internos e grandes
pelas moedas das economias dominantes. As barras de ouro estocadas territórios, como China, Brasil, Índia, etc, a instabilidade monetária e cam-
nos cofres dos di versos Tesouros nacionais foram cedendo lugar a colo- bial sempre foi um problema estrutural, não temporário. E pouco importa
ridos papéis-moeda das economias dominantes. No início do processo, o tipo de regime cambial adotado: flutuante, como no México; semi-fixo
predominava a libra inglesa; depois de 1945, o dólar americano, a moeda como funcionava no Brasil até janeiro último; totalmente fixo (o já popular
nacional da maior potência econômica do sistema. currency boardi, como na Argentina, Hong Kong, China, Djibuti, Brunei,
etc; ou plenamente dolarizado, como no Panamá.
o monopólio em processo - Todas moedas nacionais são uma ex- Nesses regimes cambiais sempre existe também algum nível de
pressão, uma medida concreta dos seu sistema de crédito nacional parti- dolarização. O que muda é esse grau da dolarização, que reflete, tam-
cular. Nas economias dominadas, esses sistemas são muito pequenos, bém, amaior ou menor abertura do mercado e da integração ao sistema
quase insignificantes na grande roleta financeira mundial. O Sr Paul Volcker financeiro global. É claro que a forma de dolarização plena do Sr Volker
ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco Central americano), cos- é a mais adequada para realizar a integração das economias dominadas
tuma repetir que todo o sistema bancário de muitos países dominados ao mercado globalizado. Mas isto não quer dizer que essa forma evitaria
(que ele chama de "emergentes") não é maior do que o de um típico as crises nessas economias. Mudam apenas as formas de explosão.
banco regional nos Estados Unidos. Esses mesmos bancos regionais que,
agora, são também considerados pequenos demais para sobreviver nos Uma confraria de protecionistas e liberais - Nos momentos de
mercados financeiros mundiais, sofrendo um furioso processo de fusão. crise, os economistas mergulham em intermináveis especulações sobre
Segundo ainda o sr Volcker, para se adaptar a esse movimento global e o melhor regime cambial para o país, procurando a explicação nos tipos
aumentar seu tamanho, o sistema financeiro (bancário e de capitais) de de regime cambial adotado, na "sobre valorização" da moeda nacional e
países como Brasil e Argentina devem então passar para o controle inter- outras bobagens. Assim, a própria dolarização dessas economias deixa

284 285
de ser analisada como um processo permanente, concreto, e passa a Eliminada sua teimosia em manter uma "moeda sobrevalorizada", apre-
ser caracterizada apenas como uma opção entre uma ou outra forma de senta-se então um Gustavo Franco recuperado e transmutado em Delfim
regime cambial. Neto. Tudo para que o Sr Schwarrz não precise imaginar um câmbio fixo
O resultado é uma grande confusão acerca do assunto. Órfãos de uma ou valorizado, mas uma flutuação com mini-desvalorizações diárias! Exa-
mesma moeda nacional em plena decomposição, os protecionistas se unem tamente a mesma que existia nos tempos protecionistas da ditadura mili-
aos liberais no bloco patriótico de uma desconexa cruzada contra a con- tar. Neste mundo dos espíritos, a imaginação não tem limites.
fusa idéia que eles fazem da dolarização. Vejam o que diz o economista Mas vejamos o que diz o próprio Sr Franco, a musa do real forte,
Gilson Schwartz, que pelo menos nos poupa daquelas chatices colegiais daquela ilusão que provocou mais um destrutivo período de dolarização
como "minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, as aves que aqui da economia brasi leira: "O leitor que não conhece a expressão inglesa
gorjeiam, não gorjeiam como lá ..." e por aí afora. currency board( ... )fique avisado que não há mesmo nenhuma tradução
No seu artigo "Dolarização daeconomiaé incompatível com o Brasil", decente e é de propósito: como se trata de abrir mão da sua soberania
publicado no jornal Folha de S Paulo, 6/02/99 ele procura defender a monetária, por que traduzir?( ...) A economia dolariza-se, ou seja, põe
claudicante moeda nacional: "Num ambiente de ameaça à soberania na- dólares em circulação, incinera o papel moeda anterior, redenomina os
cional (perder a moeda é perder o Estado), tornam-se justificadas, do contratos e os depósitos nos bancos e não há que se falar em desvaloriza-
ponto de vista estritamente técnico, medidas extremas de controle provi- ção. O país torna-se uma espécie de província (monetária) dos Estados
sório dos fluxos de capitais (...) ações defensivas mais radicais, ainda que Unidos. A falácia do argumento consiste em achar que as províncias não
ao custo de abalar temporariamente a confiança externa". quebram, principalmente as americanas" (G. Franco, "Como terminam
O eclético economista tem razão em afirmar que perder a moeda é os currency boards ". OESP, 23/05/99)
perder o Estado. Mas seria muito esclarecedor que ele nos informasse de Do mesmo modo que o Sr Schwartz, ele faz uma verdadeira salada de
que soberania nacional, Estado e moeda ele está falando. E com que regimes cambiais, assimilando o currency board com a dolarização plena
forças econômicas ele pretende mobilizar para romper com o sistema de uma economia. Outro economista muito conhecido, o argentino Do-
monetário internacional (mesmo que do ponto de vista estritamente técni- mingo Cavallo, deve ficar muito contrariado com essa confusão, pois ele
co, temporário ou provisório, como ele toma o cuidado de salientar). está no momento travando também a sua cruzada particular contra a
Ajulgar pelas conclusões do seu artigo, sua artilharia não passa de dolarização da Argentina, defendendo exatamente a manutenção do
sucatas da guerra do Paraguai; é tão impotente quanto a ridícula moeda currency board que ele implantou em 1991 no país vizinho. Mas nada
que ele procura defender: " O regime cambial de Gustavo Franco não disso é importante. O que importa é que todos acreditem, principalmente
era tão mau assim. O Brasil tem inflação, o câmbio precisa deslizar e os economistas, que tanto o Sr Franco quanto o Sr Cavallo nunca tiveram
cabe ao BC atuar como estabilizador das pressões de compra e venda nada com essa tal de dolarização. Que os dois sempre foram valorosos
de divisas no mercado cambial. Errado, na gestão Franco, foi adiar tei- patriotas preocupados com a perda da soberania monetária dos seus pa-
mosamente a correção da taxa de câmbio( ... ) Mas o mecanismo de íses. Enfim, que nunca colaboraram para que seus países se transformas-
deslizamento da taxa de câmbio (desvalorização gradual), amparado no sem em províncias monetárias dos Estados Unidos!
poder de intervenção do BC nos mercados de di visas (hoje infel izmente
subordinado à tesouraria do FMI), era correto. Na prática, a economia Ilusões flutuantes - Já vimos como os economistas do romantismo
precisa mesmo de uma âncora, cambial inclusive, mas ninguém imagina econômico estão confiantes com o novo regime de flutuação cambial ado-
um câmbio fixo ou valorizado". tado pelo governo brasileiro, depois da explosão do regime cambial for-

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inconversível e retornar á circulação interna da moeda e do crédito, sem
temente dolarizado que sustentava o real. Eles acreditam que o câmbio lastro em dólar" ("O impasse brasileiro", Folha de S Paulo, 9/5/99)
flutuante é o melhor regime para defesa da gloriosa moeda nacional, do Com ou sem lastro em dólar, com mais ou menos dolarização, a moe-
Banco Central e dos seus valorosos bancos nacionais. Mas logo verifica- da brasileira sempre foi e sempre será incapaz de ir além da circulação
rão que a instabilidade cambial é mais ameaçadora quando uma econo- interna. Como propor, então, o retorno para uma circulação que nunca
mia dominada adota esses regimes de flutuação administrada, como estão mudou? Será muito difícil "recuperar o Brasil para os brasileiros" abolin-
fazendo a Rússia e o Brasil neste momento. do idealmente o lastro em dólar para, em seguida, retomar com toda
Na verdade, esse é o regime cambial adotado pelas economias domi- força a essa excrescência de moeda nacional e a seu horroroso Estado.
nantes. Pode-se até imaginar que ele é muito apropriado para economias Acontece que a moeda brasileira nunca foi conversível. Para se ter
dominadas que não querem aceitar aquele "diktat" das instituições finan- uma moeda conversível, primeiro tem que comprovar aquela importante
ceiras globais defendido por partidários da dolarização plena, como o Sr credencial: capacidade produtiva e comercial acima da média mundial.
Volker. Mas só na idéia. Na dura realidade capitalista, para essas econo- Só os peso-pesados da América do Norte (Estados Unidos e Canadá),
mias com minúsculos sistemas financeiros o câmbio flutuante só é viável, a Europa Ocidental e Japão têm essa credencial, permanentemente conferida
longo prazo, se a integração aos mercados globais de capitais for radical- nos duelos da competição internacional. Nestas economias dominantes,
mente desacelerada. nem é preciso se preocupar com exagerados volumes de reservas inter-
No limite, para se manter por muito tempo esse regime de livre flutuação, nacionais. Não é isso que garante o valor das suas moedas nacionais, e
teria que se adaptar os movimentos de capitais externos nessas economi- muito menos a sua conversibilidade. Os Estados Unidos, por exemplo,
as ao tamanho insignificante dos seus respectivos sistemas financeiros in- têm apenas 60 bilhões de dólares de reservas, para um produto nacional
ternos. E isso só pode ser imaginado com um rápido isolamento dessas de oito trilhões de dólares, a Alemanha tem reservas de apenas 80 bi-
economias do resto do mercado mundial, exatamente como sonham aque- lhões, a França e a Inglaterra 35 bilhões, a Áustria 20 bilhões, a Suécia 15
les partidários de um bucólico capitalismo em um só país, de uma bucólica bilhões, e assim por diante.
acumulação nacional de capital ... sem capital. Muda a forma do lastro, mas não mudam os fundamentos da domina-
Uma flutuação livre- normalmente a mais "suja" possível, quer dizer, ção imperialista. Nas economias dominadas, o valor de suas precárias
administrada por intervenções maiores ou menores de poderosos bancos moedas nacionais continuará sempre dependendo do volume de reservas
centrais, que entram comprando ou vendendo divisas no mercado para internacionais. Como no século passado. Para mostrar que têm capaci-
estabelecer uma adequada taxa cambial- só pode existir para moedas dade de pagamento de suas despesas internacionais (comércio de merca-
nacionais conversíveis no mercado monetário internacional. Não é o caso dorias, de serviços e operações de crédito), essas economias têm que
de nenhuma economia dominada do sistema mundial, e muito menos da manter desproporcionais volumes desse lastro de divisas. No ano passa-
Rússiaou do Brasil. do, em plena rota de dolarização, o Brasil chegou a acumular mais de 70
Mesmo a experiente economista Maria da Conceição Tavares- que bilhões de dólares de reservas internacionais. O eqüivalente à soma das
normalmente não tem a mesma lassidão teórica dos seus discípulos, que reservas internacionais da França e da Inglaterrajuntas. Mas nem toda
ela costuma tratar co~o "pessoas de alma pura"- acaba confundindo a essa encenação de segurança e de credibilidade evitou a quebra do real
conversibilidade de uma moeda nacional com a mera relação dessa moe- no começo do ano. O que parecia uma moeda extremamente forte, ple-
da com as reservas internacionais do país, com o seu lastro em dólares: namente "conversível", revelou-se de repente como uma coisa muito fra-
"Para recuperar o Brasil para os brasileiros, não parecem restar muitas ca, quase sem valor nenhum.
opções senão aceitar a dura realidade de que a moeda é de fato
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Réquiem da dolarização - Para os economistas, uma moeda forte monetária e de preços caminha na contramão das reais condições produ-
é aquela que não se desvaloriza frente à moeda que lhe serve de lastro. tivas e comerciais das respectivas economias. E quando tudo parecia eter-
E para não ser desvalorizada, a quantidade de moeda nacional em cir- namente estável, reaparece a verdadeira lei do valor e dos preços das
culação no interior de uma economia dominada, a base monetária, deve mercadorias, cobrando a conta por aquela irracionalidade: os custos de
ser equivalente à quantidade de moeda conversível estocada como re- produção do capital nacional das economias dominadas são muito mais
serva internacional. Esta é a base de todos os famigerados planos de elevados do que a média mundial, enquanto a sua moeda estabilizada
estabilização monetária da América Latina, no período recente. Nessa continua fazendo o perigoso jogo de faz de conta de igualdade, fratemidade
amarração, eles acabam concluindo que a moeda nacional também é e ... conversibilidade com outras moedas fortes, realmente muito fortes,
"conversível". No caso da Argentina, deram até o nome de "Plano de com moedas criadas em economias nacionais que produzem com custos
Conversibilidade" para o regime cambial implantado em 199 I, em que muito abaixo da média mundial. Com essa desqualificação da moeda na-
para cada peso em circulação no interior da economia- só no interior, é cional, medida concretamente pela queda da competitividade econômica
bom lembrar- corresponde a um dólar das reservas internacionais es- no comércio internacional, explode finalmente a desvalorização cambial e
tocadas no banco central. aquela ilusória estabilidade dos preços.
O economista americano Robert Barro- professor da Universidade Periodicamente, essa cobrança vem bater na porta desses aprendizes
Harvard, colunista da revista Business Week e que é apresentado pela de feiticeiro, como o mago Domingo Cavallo, o pai daquele "Plano de
revista brasileira Exame, 3a semana de maio/99, como "nome certo nas Conversibilidade" argentino. Frente à falência da moeda brasileira e às
apostas ao Nobel de economia'<- explica como essa armadilha é o me- fortes pressões em cima do peso argentino, o mago da "conversibilidade"
lhor sistema monetário para os brasileiros. Explica, diga-se de passagem, também é pressionado para se posicionar quanto ao futuro da sua fortíssima
com a mesma delicadeza da sanguinária Madeleine Albright explicando o moeda. Participando de um recente seminário em Santiago do Chile, ele
que é melhor para os sérvios e europeus em geral: "O Brasi I deveria usar declarou que "o peso poderia até flutuar em relação ao dólar, mantendo a
um sistema monetário mais parecido com o da Argentina, em que o go- conversibilidade ... desde que essa situação reflita uma valorização do
verno só pode emitir pesos se tiver o correspondente em dólares. Nesse peso em conseqüência de fatores reais da economia, com ganhos de pro-
modelo, chamado currency board, a desvalorização não é possível( ...) a dutividade, redução de custos internos, etc"
flutuação pode funcionar como uma passagem entre o sistema antigo e um Todos na platéia devem ter raciocinado instintivamente: o peso nunca
currency board. Faz sentido deixar o câmbio livre para que o mercado vai poder flutuar em relação ao dólar e manter a conversibilidade! Talvez
encontre o ponto de equi líbrio ..Quando isso ocorrer, dá para partir para pressentindo esse ceticismo, o esperto economista tratou de emendar,
um sistema mais sério (...) A coisa mais crível no currency board é que as sem conseguir esconder um certo tom de impotência: "Uma coisa é acre-
reservas correspondern á base monetária. Historicamente, o Brasil finan- ditar que a Argentina não pode, hoje, ter uma moeda de qualidade; outra
cia seu déficit fiscal imprimindo dinheiro. É por isso que este problema é é pensar que ela não poderá tê-Ia nunca" (Gazeta Mercantil, 7/06/99.)
tão grave. É como se o déficit fiscal fosse resolvido com explosão mone- Ele acabou não esclarecendo outra coisa importante: depois de nove
tária, desvalorização e inflação. Portanto, não basta avançar no ajuste, o anos como moeda f0I1e, a qual idade do peso foi elevada ou diminuída?
que sem dúvida é muito importante. É preciso também resolver o lado Nem é preciso que ele esclareça. Basta observar a situação daquela eco-
monetário, estabilizando o câmbio e mantendo a inflação baixa. Como nomia, depois de todos esses anos de moeda forte, aliás, fortíssima: "O
conseguir isso? Com a dolarização" sistema financeiro argentino é composto exclusivamente de entidades es-
Mas eles se esquecem do principal: todo esse jogo de estabilização trangeiras, que gozam da maior confiança, pois estão respaldadas por

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seuscontroladores no exterior. Nessa turbulência financeira internacional
mais recente, a Argentina conseguiu manter suas reservas relati vamente CAPÍTULO XVIII
estáveis. Além disso, mesmo em condições mais adversas, o governo
argentino não deixou de captar recursos externos via títulos de mais longo
Desdobramentos da Crise
prazo( ...)Do ponto de vista dos tomadores de crédito, no entanto, as
condições de financiamento pioraram, em decorrência da seletividade e nos Estados Unidos
dos custos mais elevados. Ante a retração econômica e um nível de
inadirnplência mais elevado, as empresas argentinas independentes, não
associadas a capitais rnultinacionais, tendem a enfrentar dificuldades, o
que pode levar a uma onda de desnacionalização( ...)No presente mo- No mês de outubro de 1998, os acontecimentos mais importantes da
mento não há instrumentos de política econômica que possam aliviar a crise global se passaram no próprio coração do sistema. Um deles foi a
situação destes ramos industriais. O mecanismo de subsídio fiscal, que já quebra de uma das maiores instituições de investimento dos Estados Uni-
foi utilizado no passado na Argentina para tornar suas exportações mais dos, o Long- Term Capital Management (LTCM). Trata-se de urna des-
competitivas, não pode ser acionado em proporções significativas, dada sas pragas especulativas, conhecidas como "fundo-hedge", que fizeram
a deterioração da situação fiscal( ...)Diante da forte redução da atuação um grande sucesso nos últimos anos; "hedge", em inglês, quer dizer "se-
do Estado argentino em todas as áreas, qualquer corte de gastos precisa guro" ou "cobertura contra risco".
ser feito, praticamente na sua íntegra, sobre os gastos correntes, já que os Os "fundo-hedge" agem nos chamados "mercados derivativos", que
investimentos se reduziram a 1,5% do PIB. Com isso, os cortes passam a são operações paralelas aos mercados de ações, moeda, crédito, impor-
concentrar-se na própria área social, com o conseqüente desgaste políti- tação e exportação, etc. Como em um seguro de carro, que todos conhe-
co e limites concretos de atuação" (Monica Baer, "Impressões sobre a cem. Se não acontecer nenhum "sinistro", a seguradora ganha tudo que
situação argentina" OESP, 23/05/99). ela cobrou do segurado, digamos 10% do valor do carro. Mas se o carro
Nas áreas dominadas, são cada vez mais frágeis os mecanismos de for roubado e não achado, a seguradora tem que pagar os 100% do valor
compensação monetária e de crédito para se enfrentar os ciclos econômi- segurado do carro.
cos. Por isso os limites do irracional aparecem muito mais cedo nessas Mas, no caso dos "fundo-hedge ", os capitalistas não fazem seguros
economias. Corno grandes explosões no aparelho produtivo e comercial. de carros. Fazem de compras de ações, de empréstimos concedidos, de
Na América Latina, independentemente dos mais variados regimes cam- compra ou de venda de mercadorias, etc. Eles fazem então seguros de
biais, as crises repetem-se periodicamente e como uma fatalidade natural: índices futuros - de futuras cotações de ações, de futuras taxas de juro,
anunciam-se primeiro como crises cambiais, desdobram-se como uma de futuras taxas de câmbio, etc.
crise de crédito e acabam explodindo como depressão e desabamento Digamos que um capitalista americano coloca seu dinheiro em ações
econômico. E sempre que isso acontece, os economistas clamam aos no Brasil, na Rússia ou na China, por exemplo. Nessa operação, ele corre
céus por alguma fórmula milagrosa para suas moribundas moedas c seus o risco de perder parte do seu dinheiro, seja com a queda nos preços das
Estados falidos. E recebem uma sábia resposta: requiem aeternam dona ações que ele comprou, seja com imprevistas desvalorizações do real, do
eis [dai-Ihes o repouso eterno]. rublo ou do yuan. Aí entram os "jundo-hedge", oferecendo um novo
papel, um "derivativo" em cima daquele negócio feito pelo capitalista
americano. O "fundo-hedge" vende um seguro contra aqueles "riscos"

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que podem dar prejuízo ao capitalista. cano, o que significa que o crédito público americano foi usado para so-
Na média, entre perdas e ganhos, o "[undo-hedge" ganha muito nos correr capitalistas privados. Isso em países dominantes pode se transfor-
períodos em que a economia vai bem, quando quase não acontecem mar em escândalo e até derrubar governos. O Sr. Alan Greenspan, presi-
"sinistros". Mas quando a economia vai mal, quando entra em um perí- dente do Banco Central, teve que explicar ao Congresso americano qual
odo de crise global, os "prêmios" a serem pagos ficam insuportáveis foi o envol vimento de recursos públicos naquela operação de resgate.
para esses "fundo-hedge", Os prejuízos globais com "derivativos" aca- No seu depoimento perante os deputados e senadores, ele defendeu-
bam levando esses fundos à falência e à incapacidade de pagar os em- se dizendo que "a impressão que tínhamos era que as consequências de
préstimos que eles tomaram nos grandes bancos para "alavancar" seus uma venda forte desencadeada por falta de pagamento, caso o LTCM
negócios de alto risco. deixasse de honrar parte de suas obrigações, resultaria no risco de uma
O LTCM, que quebrou a poucos dias nos Estados Unidos, tomou forte queda na liquidez do mercado".
emprestado. alguns bilhões de um grande número de bancos dos Estados O presidente do Comitê de Bancos do Congresso, Sr James Leach,
Unidos e Europa para multiplicar seus negócios de alto risco. A sua que- criticou o resgate do LTCM, alegando que o governo americano impediu
bra, que poderia ser acompanhada por uma cadeia de quebras de outros uma solução dentro do próprio setor privado. Colocou assim o dedo na
fundos parecidos, levaria junto os maiores bancos americanos e euro- hipocrisia dos liberais americanos que, segundo ele, "exigem uma política
peus, como o Chase Manhatan, que tem US$ 3,2 bilhões de empréstimos para os países da Ásia em crise, e adotam exatamente o procedimento
sem garantia para esses fundos, o City Bank, o Bankers Trust, o UBS oposto em relação a um banco americano".
suíço, o Deutsh Bank alemão,etc. Até o Banco Central da Itália tinha Essa hipocrisia liberal é histórica. Os capitalistas sempre se socor-
aplicado US$l 00 milhões no LTCM. rem do Estado quando o mercado entra em crise. Aqueles mesmos que
U ma curiosidade. Na diretoria do LTCM estão dois economistas que antes fazem um grande escândalo com as demandas populares de "di-
ganharam o último Prêmio Nobel de Economia. Foram premiados por reito ao trabalho", alegando uma danosa regulamentação legal e indevida
seus manuais econométricos de como administrar com sucesso uma "car- intervenção do governo no livre desenvolvimento do mercado, agora
teira de derivativos", quer dizer, de como apostar com segurança nas defendem sem nenhum remorso o uso do Estado para garantir o "direito
roletas do cassino de preços, índices e opções do mercado financeiro do capital".
global. É nisso que se transformou a utilidade da economia política capita-
lista, que eles chamam sonoramente de "ciência econômica". Julgamento dos nobres - A quebra do LTCM foi o primeiro fato
De todo modo, além de duvidosa, aquela "teoria" premiada acaba de concreto a indicar que a crise global já está se manifestando na economia
comprovar na prática o fracasso da sua utilidade. Agora podemos enten- de ponta do sistema. A queda da taxa de juros decretada pelo Banco
der melhor por que um tal de Sr Krugman, o charlatão de maior sucesso Central americano, no momento em que se executava o resgate da LTCM,
na economia política neste momento, é um dos fortes candidatos ao pró- foi uma medida para baratear o crédito e facilitar as operações de
ximo Prêmio Nobel, como já mencionamos em nosso boletim anterior. redesconto entre os bancos privados ameaçados pela quebradeira.
Mas as coisas não correram como o Sr. Greenspan esperava. No
o direito do capital-Só a moratória do LTCM exigiu um pacote de mesmo momento em que o governo decretava a baixa da taxa de
US$ 3,6 bilhões do sistema bancário internacional para o seu resgate, redesconto do BC, os capitalistas privados de todo o mundo começa-
quer dizer, para evitar sua quebra de forma descontrolada. O problema ram a desconfiar da estabilidade do setor financeiro americano. E a
moral deste pacote é que ele foi coordenado pelo Banco Central ameri- moeda japonesa (yen) e a alemã (marco) começaram a se valorizar ve-

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lozmente frente ao dólar. Em poucos dias o dólar se desvalorizou quase ropéia e Japão: grandes instabilidade nas Bolsas, com altas e baixas exa-
15% frente a moeda japonesa. Imediatamente, começou um movimento geradas nos pregões diários; quanto ao sistema bancário e de crédito em
praticamente inédito no pós-guerra: vendas maciças de títulos do Te- geral, a conjuntura será marcada por pressões dos capitalistas para que
souro americano de 30 anos (T-bonds). Exatamente aquele papel que os governos reduzam as taxas de juros, enquanto o mercado fará pressão
os capitalistas de todo o mundo compravam até poucos dias como o para que elas se elevem, devido ao risco de não-pagamento das dívidas
refúgio absoluto ("risco zero") contra as turbulências dos "mercados em todo o mundo. Finalmente, o ciclo fará sua entrada triunfal no apare-
emergentes" e mesmo do Japão". lho produtivo das economias dominantes, abrindo-se finalmente as portas
para a depressão global.
Agora os T -bonds eram atacados e desvalorizados, do mesmo modo
que os títulos brasileiros (C-bonds) foram nos últimos meses. A descon-
fiança nos plebeus começou a aparecer também para os mais nobres do Falta de trabalhador nos Estados Unidos - O desenvolvimento
sistema imperial. Na semana encerrada em 9 de outubro, sexta-feira, real da economia dos EUA está representando um didático paradoxo
todos queriam se desfazer dos T-bonds. O jornal The Wall Street Joumal, para o senso econômico comum. Diz essa expressão popular da econo-
de 12/ I0/98, descreve aquele movimento na matéria "Efeito Saquê nos mia política que a crise capitalista poderia ser evitada com o aumento do
Títulos Americanos" : "Durante anos, o grande medo do mercado ameri- consumo das massas. Como isso poderia ocorrer? Com o aumento do
cano de títulos de renda fixa era uma saída em larga escala por parte dos emprego, dos salários, da produtividade da força de trabalho e das ven-
investidores japoneses. Agora, isso está em parte finalmente acontecen- das das empresas. Paralelamente a essa elevação das condições de con-
do. Embora as vendas de títulos americanos pelos japoneses seja coisa sumo da economia, o círculo da prosperidade sem limites seria
muito recente, elas ajudaram a esmagar as cotações do Tesouro na sema- complementado por redução de impostos, dosjuros, e desregulamentações
na passada. E o mercado dos títulos do Tesouro americanos era justa- do mercado de trabalho.
mente o único que até agora havia escapado do tumulto global( ...) No fim Éjustamente isso que está acontecendo no último ciclo econômico na
da tarde de sexta-feira, a queda da obrigação do Tesouro americano de economia de ponta do sistema. Uma procura recorde por trabalhadores,
30 anos completou o pior desempenho em três décadas (...) O rendimen- uma rápida elevação dos salários reais, da demanda e da produção inter-
to da obrigação de 30 anos saltou de 4,72% para 5, 12% no período". na. Uma exuberância econômica, como não se via há muito tempo: "Nos
Enquanto o Banco Central americano decretava a queda, o mercado EU A, há uma bonança econômica como não se via há uma geração. A
decretava a elevação das taxas de juros. Enquanto o primeiro queria ga- economia americana acaba de completar o segundo ano consecutivo de
rantir a saúde do sistema, o segundo mostrava o estado de sua avançada expansão em torno de 4% ao ano. O desemprego há dezoito meses está
enfermidade. A conjuntura será marcada de agora em diante por essa abaixo de 5% e a inflação estacionou num modesto 1,6%, também ao
interessante quebra de braço. A instabilidade cambial e das taxas de juros ano. O mercado acionário, pelo menos por enquanto, continua alçado a
das principais economia') mundiais, nos últimos dias, é o anúncio de que o um nível próximo do recorde de todos os tempos. Em outras palavras, o
ciclo começa a concretizar a temida depressão global. A valorização da americano está nadando num mar de dinheiro, empregos e mercadorias
moeda japonesa frente ao dólar era a única coisa que não poderia acon- baratas. O resto do mundo, enquanto isso, chafurda no turbilhão econô-
tecer para a economia japonesa, neste momento. Isso vai comprimir suas mico." (The Wall Street Journal, 08 fevereiro 1999).
exportações, o que ainda mantinha funcionando sua indústria. Mas é exatamente neste momento, no ponto mais elevado do ciclo,
De agora em diante, as ações especulativas deverão marcar que aparece o paradoxo. Ao contrário de uma grande comemoração por
crescentemente os mercados financeiros dos Estados Unidos, União Eu- essa situação ideal de empregos, salários e consumo da') massas, aumen-

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tam as preocupações dos capital istas com a possibi Iidade de uma enorme deu uma lição de economia para o mercado, para explicar porque o ban-
ressaca daquele "mar de dinheiro, empregos e mercadorias baratas". No co central às vezes precisa aumentar o custo dos empréstimos mesmo
centro dessas preocupações, paradoxalmente, o aumento do emprego, quando não há sinais de alta da inflação. Ao tratar dos movimentos dos
dos salários e do consumo das massas. Exatamente aquilo que o senso preços, dos juros, da moeda, da inflação, etc, ele procura demonstrar
comum imagina como a condição para se evitar a crise econômica, trans- onde está o verdadeiro processo de valorização do capital.
forma-se de repente no seu próprio detonador: "É praticamente certo o Isso dificilmente será entendido pelos economistas que navegam na
aumento dos juros nos Estados Unidos, no fim de junho, segundo deu a ideologia barata de uma produção capitalista independente do trabalho,
entender o presidente do banco central norte-americano, Alan Greenspan. do salário e da exploração do operário. Mas nada é mais didático do
Con vém agi r preventi vamente, afirmou, porque a procura de mão de obra que a própria realidade: "trabalho e dinheiro não faltam nos Estados
e os salários em alta apontam riscos de inflação (...) A intensa procura de Unidos, cuja economia continua produzindo e crescendo. O que falta é
mão-de-obra foi apontada por Greenspan como o dado mais preocupante. trabalhador. E é justamente esse desequilíbrio entre oferta e demanda
Os últimos números da inflação - medida pela evolução dos preços tanto de empregos que deverá levar o Federal Reserve (Fed, o banco central
no atacado quanto no varejo - mostram, por enquanto. um quadro bas- dos EUA) a aumentar as taxas de juros no fim do mês." (O Estado de S
tante favorável. Mas é preciso olhar abaixo da superfície, advertiu o pre- Paulo, 20 junho 1999).
sidentedo FED. Em meio àcalma visível, desequilíbrios vêm se acumu- Há uma enorme superprodução de máquinas e equipamentos na eco-
lando no mercado de trabalho, de acordo com a avaliação de Greenspan. nomia mundial, nos EUA em particular. E seus preços de produção não
Enquanto a produtividade crescer mais velozmente que os salários, a eco- param de cair, as máquinas estão cada vez mais baratas. Por que aqueles
nomia estará a salvo da inflação. Mas o aumento de produti vidade, isto é, economistas que acham que o capital pode se auto produzir, que não há
da produção por hora de trabalho, em algum momento será ultrapassado mais necessidade do trabalhador, não juntam aquela pletora de capital, na
pela valorização salarial, se a procura continuar a crescer, observou" (O forma de meios de produção (robôs, computadores, máquinas e equipa-
Estado de S Paulo, 18 junho 1999). mentos em geral) e põe no lugar dos trabalhadores que estão faltando?
É o próprio Sr Greenspan que esclarece o que até agora era camufla- O presidente do banco central americano procura uma solução mais
do na forma de um paradoxo: - as condições de emprego e salários mais realista para o problema. Ele sabe também que não basta aumentar ou
favoráveis para os trabalhadores não coincidem com os interesses parti- diminuir a taxa de juros, aumentar ou diminuir a quantidade de moeda na
culares dos capitalistas; - no ciclo econômico, o ponto mais elevado do economia. Só um tolo pode imaginar que um processo de deflação pode
emprego, dos salários e do consumo das massas é a indicação mais im- ser resolvido só com medidas de política econômica. "É preciso olhar
portante de que está se aproximando mais uma crise do capital; - no abaixo da superfície", adverte o Sr Greenspan. Além das especulações
próprio desenrolar e limites do crescimento econômico capitalista se ma- das teologias econômicas, ele vai buscar a solução naquele território se-
nifesta uma oposição irredutível entre os interesses dos trabalhadores, de creto onde estão as coisas que germinam tudo aquilo que aparece na
um lado, e dos capitalistas, de outro. superfície do mercado. E vasculha a produ ti vidade da força de trabalho e
outras coisas que estão na origem da produção do valor, dos preços, dos
o capital não vive só dejuros - As análises do homem mais pode- lucros, e dos rumos da acumulação do capital.
roso do mundo, o papa da economia mundial, costumam ser intel igentes.
Um dia depois do governo americano ter anunciado que os preços ao o fogo eterno não pode apagar - Não basta produzir mercadori-
consumidor permaneceram inalterados no mês de maio, o Sr Greenspan as c crescer. Continuar indefinidamente neste processo seria o mesmo

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que se produzir apenas inflação. Essa é a maneira prática dos capitalis-
tas exprimirem o fato de que não pode haver apenas uma produção
descontrolada de mercadorias, na qual o salário relativo não corresponde
mais a uma taxa média de lucro que foi sendo corroída no decorrer do
ciclo econômico.
Mais do que apenas mercadorias, há a necessidade de se produzir
capital. As mesmas circunstâncias que aumentaram a produtividade do
trabalho, aumentaram a massa de mercadorias produzidas, alargaram
os mercados, aceleraram a acumulação do capital em valor e diminuí-
ram a taxa de lucro. É o que está acontecendo neste momento nos EUA.
Para usar as palavras do Sr GOreenspan, "o aumento de produtividade,
isto é, da produção por hora de trabalho, em algum momento será ultra-
passado pela valorização salarial". O seu instinto capitalista está alerta:
uma queda do grau de exploração abaixo de um certo ponto provoca
perturbações e paradas no processo de produção capitalista, crises,
destruição de capital.
Continuar expandindo a produção nas mesmas condições atuais de
exploração só agravaria o problema. A superprodução do capital, na for-
ma de meios de trabalho, deve produzir constantemente uma
superpopulação relativa, uma superpopulação de trabalhadores desem-
pregados. O "dado mais preocupante", como salientou acima o Sr
Greenspan, "é a intensa procura de mão de obra". O capital superabundante
não pode mais continuar empregando os trabalhadores por causa do fra-
co nível de exploração do trabalho com que ele seria obrigado a empregá-
los ou, do mesmo modo, por causa da fraca taxa de lucro que esses
trabalhadores proporcionariam ao nível atual de exploração. O exército
industrial de reserva tem que ser readaptado para que o capital não fique
sem o fogo que o faz borbulhar. Como as bruxas disseram a Macbeth,
"Dobra a lida, dobra a aflição/ Queima fogo, borbulha caldeirão".

300 301
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