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Psiquiatria 2018/2019

INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA NO ADULTO

A psicopatologia pode ser explicativa (psicodinâmica e comportamental) ou pode ser descritiva,


incluindo a observação e a fenomenologia.

Fenomenologia: estudo das ocorrências mentais anormais e dos estados subjetivos internos. Os
fenómenos mentais subjetivos incluem: pensamento, sentimento, vontade, perceção e memória.

1. COMPONENTES DO EXAME DO ESTADO MENTAL

 Porte, semblante, olhar, comportamento motor


 Orientação, atenção e memória
 Linguagem: produção, alterações sintáticas e semânticas
 Pensamento: produção, forma, conteúdo, consciência do Eu
 Perceção
 Humor e afetos

2. OBSERVAÇÃO DE CADA COMPONENTE DO ESTADO MENTAL

Porte: limpo, sujo, bizarro, exuberante.

Postura: neutra, regressiva, obstrutiva, hesitante, desconfiada, invasiva, desinibida.

Olhar: vivo, parado, sombrio, fugidio, errático.

Semblante: fechado, aberto, móvel, perplexo, assustado, apático, hipotímico.

Atividade vital: imobilidade, hipocinésia hipercinésia, irrequietude, agitação.

2.1. Comportamento motor:

Maneirismos: movimentos direcionados repetitivos

Estereotipias e tics: movimentos automáticos não direcionados

Sinais catatónicos:
 Negativismo: resistência automática;
 Posturing: doente mantém-se fixo em posições bizarras;
 Flexibilidade cérea: doente assume e mantém as posições impostas pelo observador, como uma
estátua de cera;
 Ambitendência: sequência de movimentos incompletos e repetidos;
 Ecopraxia: imitação automática do observador;
 Copropraxia: gestos obscenos compulsivos.

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2.2. Linguagem

Ritmo, quantidade, volume e articulação da linguagem:


 Volume: hipofónico, altissonante;
 Disartria: alteração da articulação;
 Verbigeração: repetição de palavras ou frases sem sentido
 Ecolália: repetição de palavras ou sons que ouve;
 Palilália: repetição ou eco das palavras que o próprio acaba de proferir;
 Logoclonia: repetição espasmódica de uma sílaba no meio ou no fim de uma palavra;
 Disprosodia/aprosodia: ausência de melodia;
 Logorreia/verborreia;
 Mutismo e pobreza de discurso;
 Taquifemia: discurso sob pressão.

Forma da linguagem:
 Associações por aliteração e rima: “Se tomo topamax? Topamax topa-me isso topa-me essa
cena! Tomo o topamax para a tola dos tolos!”
 Alterações da sintaxe e agramatismo.

Conteúdo da linguagem:
 Parafasias semânticas: palavra trocada;
 Parafasias literais: palavra errada;
 Neologismos: palavra inexistente com significado idiossincrático;
 Merónimos: a parte do todo (“é você o líder do hospital”)
 Estereotipias
 Coprolália

2.3. Pensamento

Alterações da forma do pensamento:


 Pensamento circunstancial: exasperadamente rico em detalhes irrelevantes
 Pensamento ideofugitivo: associação rápida de ideias sem perda da conexão lógica
 Pensamento descarrilado: derivação para assunto secundário ou remotamente relacionado
 Pensamento tangencial: apenas “toca” em aspetos irrelevantes do assunto em causa
 Pensamento paralógico: segue uma lógica incompreensível
 Pensamento sobre-inclusivo ou amalgamado: mistura de assuntos sem relação entre si

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 Perda/afrouxamento de associações
 Pensamento condensado: omissão arbitrária e ilógica de parte de um pensamento
 Salada de palavras
 Bloqueio do pensamento

Alterações do conteúdo do pensamento:


 Preocupações: Hipocondria, solidão e abandono, aparência, financeira, monomania, medo,
mitomania;
 Obsessões: pensamentos repetitivos, egodistónicos, contra os quais o doente luta sem sucesso
(ex: sujidade e contaminação, ordem e simetria, segurança, sexuais, religiosas, agressão,
superstição);
 Fobias: medo desproporcional de um objeto ou situação, com evitação antecipatória (ex:
acrofobia, agorafobia, fobia social, algiofobia, claustrofobia).
 Ideias sobre-valorizadas: ideia persistente, irrazoável, egosintónica, cede à argumentação (ex:
menos-valia, ruína, auto-relacionação, doença, culpa).
 Ideias delirantes: convicção incorreta sobre a realidade externa ou interna, egosintónica,
irredutível à argumentação (ex: humor delirante, perceção delirante, ocorrência delirante
primária, interpretação delirante, falsa recordação delirante, delírio retrospetivo).

Um humor ou perceção delirante é uma sensação vaga de que algo de estranho se passa, até que
um “sinal” faz com que tudo fique claro e passe a fazer sentido: “havia qualquer coisa no ar...as
pessoas olhavam-me com cara de caso...quando fui à varanda a vizinha da frente fechou a janela e
o telefone do lado tocou...percebi que estava a ser vigiado”.

Ocorrência delirante primária é uma convicção delirante vinda “do nada”, sem relação com os
eventos prévios: “estava a tomar chá com a minha mãe quando de repente percebi que sou uma
reencarnação de Nossa Senhora e a minha mãe me estava a tentar envenenar”.

Na interpretação delirante, a realidade é interpretada de acordo com uma convicção delirante


prévia: “deito um cheiro horrível...até fecham as janelas quando passo e no metro ninguém de senta
ao meu lado”.

No delírio retrospetivo, acontecimentos remotos são reinterpretados à luz de um delírio atual:


“quando andava na rua os carros apitavam, agora percebo que estavam a enviar sinais em código a
dizer que eu ia a passar”.

Na falsa recordação delirante, o doente evoca como memória um facto impossível OU um


acontecimento passado é relembrado subitamente como revelador de uma verdade até aí
desconhecida: “fui criado a partir de um tumor na barriga da minha mãe a que puseram uns
olhos...por isso lembro-me de todos os homens com quem a minha mãe teve relações...” OU “de
repente lembrei-me que o meu pai um dia me disse que as aparências enganam...percebi que tinha
sido substituído por um sósia”.

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Ideias delirantes (temas): Perseguição, culpa, ruína, hipocondríacas, ciúme, prejuízo, grandiosidade
(identidade e capacidade) ou auto-relacionação. A auto-relacionação é a perda da neutralidade dos
acontecimentos: “na televisão falam de mim de modo codificado, enviam-me mensagens sub-
reptícias”, “estes helicópteros sempre a passar aqui...andam com certeza a seguir os meus
movimentos...”.

Síndromes delirantes específicos:


 De Capgras ou “dos sósias”: “o meu pai foi substituído por um autómato”, “a minha mãe é uma
impostora...são várias sósias, revezam-se em turnos de 8 horas”;
 De Fregoli: “há aqui um doente que eu sei quem é, é sempre a mesma coisa, persegue-me para
todo o lado com o aspeto de outros que fez desaparecer”;
 De de Clérembault ou erotomaníaco;
 De Cottard ou niilista: “não tenho sangue...o meu cérebro parou...já estou todo podre por
dentro...”
 Trabalho delirante;
 Ideia delirante bizarra: “há um indivíduo que vive dentro da minha perna, tem uma câmara de
infra-vermelhos na cabeça para ver cá para fora”

2.4. Consciência do Eu

Dimensões da consciência do Eu:

 Limites do Eu:
o Eu invadido: inserção e roubo do pensamento: “Obrigam-se a pensar em coisas porcas”,
“tiram-me os pensamentos”;
o Eu transbordante: difusão do pensamento, transitivismo

 Atividade do Eu: experiências de passividade “sou telecomandado por uma vizinha”;

 Unidade do Eu: “os meus olhos não são meus, fizeram-se um transplante de olhos”;

 Identidade do Eu: “Sinto que desde que adoeci fiquei diferente, não sou o mesmo”;

 Vitalidade do Eu: “a metade do meu corpo morreu e está a transformar-se em pedra”.

2.5. Alterações da perceção

 Ilusões: perceção errónea de um estímulo real; podem estar relacionadas com determinado
estado afetivo (ilusões catatímicas). Ex: “Quando estou muito ansiosa parece-me que ouço a
minha filha chorar”.

 Pseudo-alucinações: a perceção ocorre no espaço subjetivo da consciência.

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 Alucinações: a perceção ocorre sem estímulo, mas tem carácter de objeto, isto é, vem de fora.
As alucinações podem ser auditivas, visuais, olfativas e gustativas ou somáticas.
o Auditivas:
▪ Eco do pensamento
▪ Comentário contínuo
▪ Alucinações na segunda e terceira pessoas
o Fenómenos alucinatórios especiais:
▪ Alucinação extra-câmpica: fora do campo auditivo possível
▪ Alucinações funcionais: acompanha um estímulo real
▪ Alucinações reflexas: um estímulo numa modalidade produz uma alucinação noutra
modalidade
▪ Alucinações hipnagógicas: ao adormecer
▪ Alucinações hipnopômpicas: ao despertar

2.6. Emoções

Perturbações dos afetos:


 Apatia
 Afetos embotados
 Hiper-afetividade / desinibição dos afetos
 Afetos achatados
 Incongruência afetiva / inversão dos afetos
 Afetos lábeis
 Afetos restritos

Perturbações do humor:

 Ansiedade
 Depressão
 Irritabilidade
 Disforia
 Euforia: elevação do humor
 Elação: euforia + hiperatividade psicomotora
 Exaltação: elação + grandiosidade

2.7. Vontade

 Avolição
 Abulia
 Anedonia
 Impulsividade
 Desinibição

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