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O Pai para Winnicott

Bem, já vimos em outros vídeos que o eixo central da teoria winnicottiana é sua teoria
do amadurecimento emocional, e que nela o elemento central é a extrema importância dada ao
ambiente no desenvolvimento do bebê. No lugar central da teoria está a figura da mãe real (ou
uma substituta), com destaque essencial ao papel que ela desempenha no desenvolvimento do
bebê nos primeiros tempos de vida. Talvez por conta desse destaque muitas vezes se fala que
Winnicott não leva em conta a função do pai, e que o pai não teria um lugar significativo em
sua teoria do desenvolvimento. Essa acusação, porém, não procede.

Neste texto falo sobre a contribuição que Winnicott deu à Psicanálise sobre o papel do
pai na vida da criança, desde o nascimento até o complexo de Édipo. E repetindo o que
sempre digo, jamais esgotando o assunto.

Quando Winnicott formulou sua teoria do amadurecimento pessoal ele salientou que, a
partir de um certo momento do processo da gestação, a mãe começa a viver um processo de
regressão por identificação com seu bebê. Esse processo vai se tornando gradativamente mais
intenso e Winnicott chamou de preocupação materna primária, e vai se intensificar ainda mais
com o nascimento do bebê. Winnicott é enfático quando diz que esse processo de regressão é
muito importante para que a mãe possa se organizar psiquicamente para o encontro com o seu
bebê. E esse período de preparação psíquica só será possível se ela se sentir protegida pelo pai.
Então, já nesta etapa podemos ver a importância que Winnicott dá ao papel do pai na vida da
mãe e da criança que está para vir ao mundo.

Como um exemplo inicial de que Winnicott dá importância ao papel do pai, há uma


passagem no seu livro The Piggle, no qual ele fala sobre sua experiência no atendimento de
Gabrielle, (Piggle é o apelido carinhoso, que em português significaria gatinha). Piggle tinha
dois anos e cinco meses quando, numa sessão em que o pai estava presente, ela subiu no colo
do pai e foi descendo entre as suas pernas, dizendo “Eu também sou um bebê e desceu de
cabeça por entre as pernas do pai até o chão”. “E continuou “nascendo” do colo do pai para o
chão e ela era o bebê novo”. A compreensão e a intervenção de Winnicott foi que Piggle tinha
necessidade de reconhecimento de ter sido concebida pelo pai.

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Winnicott entendeu o significado simbólico dessa cena como fundamental, já que na
concepção da criança está presente não só um encontro de corpos, mas também o sonhar com
a sua presença onde é importante a participação tanto da mãe como do pai. A ideia que a
criança tem, de que precisa ser concebida e sonhada pelo casal de pais, dá a ela um lugar 2
humano na relação do casal e na transgeracionalidade.

A importância atribuída ao lugar do pai existe sim na obra de Winnicott. Esse lugar
pode até não ser visto claramente, mas existe e está em seus escritos. A verdade é que a
importância do pai pode se tornar invisível por conta de leituras parciais, apressadas ou
superficiais. Leituras assim podem passar a noção equivocada de que ele desvaloriza a função
paterna quando coloca a figura da mãe no centro da teoria, mas nas entrelinhas existe o pai de
extrema importância e necessário para dar sustentação à unidade mãe-bebê.

E para que se possa reconhecer a importância do lugar do pai na teoria de Winnicott é


fundamental não se perder de vista que ele sempre escreveu do ponto de vista do bebê, com
raríssimas exceções.

Para poder melhor esclarecer sobre a importância da presença e da importância das


funções paternas durante o processo de amadurecimento da criança, seria interessante falar de
cada uma das etapas do processo maturacional, mas eu vou focar nos pontos mais
fundamentais desse processo.

Na etapa da dependência absoluta, a fase entre os três ou quatro meses de vida do bebê,
ainda não existe o terceiro, o pai. Na verdade sequer existe o segundo. A mãe como pessoa
separada ainda não existe. Nesse começo da vida, dada a extrema imaturidade, o que o bebê
necessita é de cuidados maternos. Winnicott propõe a ideia de que a mãe e o pai juntos
formam esse ambiente de cuidados, mesmo que o lugar do pai para o bebê, neste momento no
processo seja diferente do da mãe. O pai tem uma existência indireta na vida do bebê, ele
participa assumindo papéis muito importantes, como de mãe substituta, oferecendo
sustentação à mãe, porém como objeto subjetivo. E para exercer essa função de mãe
substituta, os cuidados que o pai deve oferecer ao bebê precisam ter as mesmas qualidades
maternais, tais como comunicação profunda, adaptação total às necessidades, empatia,
estabilidade, constância etc. Winnicott diz: “a relação diádica inicial é aquela entre a mãe ou
substituta, antes que qualquer característica da mãe tenha se diferenciado e moldado na
imagem do pai”. Ou seja, é necessário que o pai desempenhe o seu lado materno, não

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diretamente enquanto pai, eis que somente em sua atuação como mãe substituta que o pai pode
estabelecer uma relação com o bebê.

Um aspecto importante que Winnicott aponta é que a função paterna não precisa
necessariamente ser feita pelo pai biológico, pode ser exercida por um irmão mais velho, um 3
tio, por exemplo, já que o que importa são os cuidados efetivos, as relações reais vividas e o
que resulta dessas relações, ainda que ele saliente que são os pais biológicos os mais
satisfatórios (quando são saudáveis) para o cuidado com o bebê. Essa compreensão se aplica
também à mãe biológica, que por causa do próprio processo de gravidez é a pessoa mais
indicada para exercer uma genuína devoção.

Então, na primeira etapa do desenvolvimento da criança o que importa é o lado


materno do pai. O pai participa dos cuidados do bebê indiretamente enquanto marido e
diretamente enquanto mãe substituta. Winnicott sempre reitera estas ideias dizendo que nesse
começo de vida, o pai não desempenha um papel diretamente com o bebê que possa partir do
seu lado masculino, mas que toda a sua relação com o bebê só pode se dar sendo um
substituto do colo materno para o bebê. O elemento feminino puro do homem,
associado à experiência de ter sido cuidado por sua mãe quando bebê é que pode possibilitar a
ele poder ocupar temporariamente o lugar de mãe substituta. Nas palavras de Winnicott:
“Adequadamente protegida pelo seu homem, à mãe é poupada do trabalho de ter que se ocupar
das coisas externas que aconteçam à sua volta, numa época em que ela tanto precisa
concentrar-se, quando tanto anseia por preocupar-se com o interior do círculo formado pelos
seus braços e no centro do qual está o bebê”.
Mas precisamos nos lembrar de que para Winnicott tudo se dá no tempo. E assim
como o tempo é absolutamente necessário para que o bebê conquiste a possiblidade de poder
reconhecer a mãe como objeto objetivo, também é preciso tempo para que o bebê possa chegar
a reconhecer o pai enquanto uma pessoa do sexo masculino.
Podemos dizer que a função do pai no período da dependência absoluta é igualmente
materna. O pai pode cuidar de seu filho nos seus primeiros meses de vida como uma mãe
substituta e também cuidar mãe para que os problemas do mundo externo não perturbem a
dedicação integral dela ao seu bebê. Winnicott também diz que criança pode apresentar
problemas se o pai falhar nessa tarefa de proteção, uma vez que a devoção da mãe é condição
fundamental no desenvolvimento do bebê. Winnicott é claro neste aspecto: essa tarefa da mãe
depende da presença da figura paterna que possibilita e protege a mãe neste momento.

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Nos estados de quietude característicos da fase de dependência absoluta, o bebê precisa
ser sustentado pela mãe através do holding para que possa ter a experiência de continuidade de
SER e vivenciar a experiência de sustentação. Eventuais falhas paternas nessa etapa interferem
no ambiente total do bebê. 4
Ele enfatiza que os braços maternos, o braço que segura o bebê representa o pai, a
firmeza dos braços da mãe é que dá continuidade do SER ao bebê, que possibilita a sua
integração no tempo, representa a presença paterna no corpo da mãe. Se a mãe se sente
protegida pelo pai de seu filho, ou (marido) ela pode ter tranquilidade e firmeza para cuidar do
bebê. Protegida dos problemas do mundo externo, ela pode lhe oferecer previsibilidade e
confiabilidade que são absolutamente necessárias, principalmente para o processo de
integração neste período da vida.

Já no estado da dependência relativa, o bebê vivencia seu amor primitivo desejando


possuir o corpo da mãe por todos os meios. Winnicott diz que neste momento a figura paterna
deve proteger a mãe do seu o bebê, para não ser devorada por ele, e também proteger o bebê
da mãe, para que ela não o devore. É o pai que dá a referência para que o amor primitivo possa
ocorrer sem riscos. O amor primitivo é o ponto focal para o processo de personalização e
implica na possibilidade de um encontro vivo entre o corpo da mãe e o corpo do bebê, mas
que necessita dessa presença protetora do pai.

A etapa do concernimento, ou consideração, que corresponde ontogeneticamente, mas


não cronologicamente à posição depressiva de Klein, Winnicott a situa entre seis meses e dois
anos de vida. Nessa etapa o bebê está a caminho da independência, e já alcançou a
possibilidade de perceber a mãe e de perceber a si mesma, seus sentimentos e suas ideias.
Neste estágio a criança também vê o pai como um terceiro elemento, diferenciado da mãe e de
si mesma; começa a diferenciar os sexos e, ao notar as diferenças, discrimina o pai da mãe. É a
etapa correspondente à fase fálica de Freud em que novos – e intensos - sentimentos entram no
cenário psíquico da criança, como a ambivalência, rivalidade, amor e ódio. Aqui o papel do
pai é suportar os sentimentos conflituosos do filho, colocando limites e ao mesmo tempo
permitindo à criança vivenciar seus impulsos. É a presença forte do pai que vai garantir que o
ambiente permaneça indestrutível e sobreviva à toda intensidade dos sentimentos da criança.
Quando a criança chega à situação Edípica ela alcança o clímax do desenvolvimento
emocional e isto se dá entre três a quatro anos de idade. Nesta etapa a presença do pai continua
sendo fundamental, porque neste momento a criança já está inteiramente estruturada numa

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unidade capaz de ver os que estão à sua volta como pessoas totais, e em consequência, ela
começa a viver a experiência de triangulação com pessoas totais. E a criança só poderá viver a
experiência edípica se tiver podido integrar todas as etapas anteriores do desenvolvimento e
chegado ao estado de unidade, de sentir que é uma pessoa total, única, diferente e separada de 5
seus pais; ter alcançado e estabelecido uma relação interpessoal com objetos objetivamente
percebidos.

Neste estágio edípico Winnicott considera que a castração simbólica é de total


importância. Porém, ele pensa a castração de forma diferente das propostas anteriores da
psicanálise. Sua proposta é que o medo de castração pelo pai rival, é algo muito bem vindo, e
que é a criança que vai em busca da castração, porque em primeiro lugar serve para acalmar a
angústia que surge da onipotência do desejo da criança. A castração serve de alivio no
momento em que a criança não tem possiblidade de lidar com a intensidade de sua excitação.
Para ele a ansiedade de castração tem um papel constitutivo. Tanto para o menino como para a
menina, a castração é ansiada, buscada, embora do ponto de vista imaginário seja temida.

Ter um pai forte é algo que a criança vê com bons olhos, porque libera o menino para
outras mulheres. Nesse sentido ter um pai fraco é sentido como uma ameaça. Ele diz que a
angústia sentida pela criança diante de um pai fraco não cria psicose, mas cria um homem
incapaz de amar as mulheres, porque tem medo das consequências que o amor pode causar. A
criança não se identifica com o pai.

Winnicott considera que o pai não está implicado no surgimento das patologias
primitivas que levam à psicose, mas está implicado sim com as patologias relativas às
depressões, às paranoias, aos distúrbios anti-sociais, etc. Assim, presença da figura paterna, de
um pai real e forte é que dá à criança a possiblidade de experimentar sua vitalidade tanto
física, por meio de ações, quanto psíquica, por meio do imaginário, e de integrar os impulsos
destrutivos, os impulsos do ódio e os impulsos do amor. Neste ponto o pai passa a ser para a
criança o protótipo da consciência. É a presentificação da consciência, que Winnicott não
denomina de superego, mas de protótipo da consciência.

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Referências Bibliográficas

Abran, Jan – A Linguagem de Winnicott, Rio de Janeiro, Revinter, 2000. 6


Dias, Elsa de Oliveira. Teoria do Amadurecimento de D.W.Winnicott. Rio de Janeiro, Imago,
2003.

Winnicott, D.W. The Piggle – Um relato do tratamento psicanalítico de uma menina. Rio de
Janeiro, Imago, 1979.

-------------------- E o Pai? (1945) A criança e seu mundo. Editora Guanabara Koogan S.A. Rio
de Janeiro, 1982.
------------------ Natureza Humana. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1990.

------------------ A Posição Depressiva no Desenvolvimento Emocional Normal. In: Da


Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro, Imago, 2000.

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