Você está na página 1de 84
ODIGAdONDIONA OINVNOIDIG eee ment SSeS era fe) ee 7) 2 mi Ee J 5 a I) > Lt 2 a 5 mi s ‘Titulo do original em francés Dictionnaire encyclopédique des sciences du langage Copyright © Kaltions du Seuil, 1972. Sedigao Direitos reservados em lingua portuguesa A EDITORA PERSPECTIVA S.A. ‘Av. Brigadeico Lus Antinio, 3025 (1401-000 ~ Sto Paulo SP Bras SUMARIO . Graméticas gerais (O.D.) . Linglisteahistriea no séeulo XIX (0.D,) Saussurianismo (0. Ds . Lingiistica gerativa (0. . Apéndioe: Lingisticn antiga € TT) soe Os DOMINIOS 1. Componentes da descrigio lingitistica (O.D.) 59 2. Geolingiifstica (O-D.). 3. Sociolin (rt)... 4, Psicolingilistica (M. S. de S). 5, Ret6rica ¢ estilistica (T.T.) .... 6. Poética (T-T. 7. Semiética (T.T.).. 8, Filosofia da lingus CD 8 COD.) server 0S CONCEITOS METODOLOGICOS 1. Signo (T.T.)... 101 2, Sintagma ¢ paradigma (O.D.) ..csnseeneeeeee 107 3, Categorias lingtifsticas (.D.) ...ecrssesseesee 13 4. Lingua ¢ fala (O.D. 119 Se Norma (O.D.)evsrsnseennsee 125 6. Arbitrario (0.D.) .. 11 7. Sincronia ¢ diacronia (O.D.). 8. Historia da literatura (T.T.) 9. Géneros literésios (T.T. 10. Aquisicao da linguagem (M.S. de S.). It. Patologia da linguagem (M.S. de S.) ‘OS CONCEITOS DESCRITIVOS 1. Unidades nao significativas (0.D.). 2, Prosédia lingiistica (M.-C. HM)... 3, Versificagdo (TvT.) vsrescestsseseeren 42Bscritura (TT. 4, Unidades significativas (0.D.). 6. Partes do discurso (0.D.) 7, Fungies sintéticas (O.D.) 8. Motivo (T-T.).. 9. Personagem (T.T.)... 10. Regras gerativas (0.D,). 11, Bstraturas superti OD)... : 12, Referéncia (0.D.) cece 13. Tipologia dos fatos de sentido (T.T. 14, O discurso da ficgdo (T.T. 15. Combinatéria semantica (0.D.) 16. Figura (T.T.) .. 17, Relagdes semantic O.D.).. 18, Transformagbes diseursivas (T.T.) 1. 19. Texto (P.T.) sve 20. Estilo (T.T.) 21, Tempo e modalidade na lingua (0.D.) 22. Tempo do discurso (0.D. e T.T.) 23, Enunciacdo (I. 24. Visio na ficeao (T.T) 25. Situagdo de discurso (0.D.) .. 26. Linguagem e acao (0.D.) Em tomo de uma critica do signo 289 293, 301 + 307 325 Indice de autores .ssessseesneev 337 at ep nner enone in eR a INTRODUGAO titulo desta obra comporta duas particularidades, que respondem a duas opedes fundamentais e que preci- samos explicar aqui o plural ciéncias eo singular linguager, Decidimos dar & palavra Hinguagem o sentido res- trito —e banal — de “lingua natural”: nao de “sis- tema de signos”, tio difundido em nossos dias. Nao trataremos, pois, aqui, nem das linguas documenté- rigs, nem das diferentes artes consideradas como lin- sguagens, nem da ciéncia tomada como lingua bem ou mal feita, nem da linguagem animal, gestual etc. Os motivos dessa restrigtio stio miiltiplos. Primeiro, dei xando 0 terreno do verbal, teriamos sido obrigados a tratar de um objeto cujos limites sto dificeis de fi- xar ¢ que corre 0 risco, por sua propria indetermina- ‘40, de coincidir com 0 de todas as ciéneias humanas sociais — sendo de todas as ciéncias em geral. Se tudo ¢ signo no comportamento humano, a presenca de uma “linguagem’”, em sentido amplo, ndo mais permite delimitar um objeto de conhecimento entre INTRODUCAO 9 1. Unidades néo-significativas Inventar a escrita (185 e s.], que permite notar as palavras pronunciadas (e nfo apenas seu sentido), ¢ uma escrita alfabética (que as nota som por som, € no signo por signo), era, para a humanidade, des- cobrir que as palavras e o$'signos utilizados na lin- guagem oral sdo todos obtidos pela combinagio de ‘um pequeno niimero de sons elementares — cada um dos quais 6, em principio, representado por uma le- tra do alfabeto. Descoberta registrada, em seguida, nas obras de Lingiiistica, das quais a maioria comporta. uma descrigdo dos sons elementares da linguagem. Ao descobrir as leis fonéticas [21], ou seja, a0 descobrir ‘que a mudanga fonética se faz de som para som, e n&o de palavra para palavra, a Lingiifstica Historica pa- receu consagrar definitivamente este método de and- lise, que, desta forma, passava a conferir um valor cexplicativo. > Sobre a andlise fondtica da linguagem na Lingistica pré-centitice, poder-s-4 consultar os verbetes dedicados pela Grande Encyclopédie ts diferentes letras d0 alfabeto. (s CONCEITOS DESCRITIVOS - 165 A idéie de unidade distintiva ‘Um paradoxo da histéria da lingiistica moderna que seu iniciador, Saussure, condenow, simultanca- ‘mente, a andlise em sons e formulou os principios que permitiram o seu renascimento. Ele a condena — ou ‘antes a rejeita da Lingtifstica — na medida em que pa- rece admitir como natural que 0s sons clementares sa0, idénticos para todas as linguas (podendo cada uma apenas no utilizar este ou aquele dentre eles), enguan- to exige que a descrigdo lingiistica descubra as espe- cificidades das diferentes linguas. Por isso, para Saus- sure, a abstraciio que delimita 0 objeto lingtistico (¢is- tinguindo, portanto, a lingua da fala [119 e s.]) deve- se fundar na noco de signo: o ingtlista necessita es- tudar apenas os signos e as relagdes entre signos. Ao ‘mesmo tempo, contudo, Saussure abre caminho para ‘um novo estudo das unidades ndo-significativas, pois, 0 refletir sobre o signo, cle Ihe atribui uma natureza peculiar, a opositividade [28], natureza que a lingiis- tica ulterior (principalmente a Fonologia [35]) reco- nheceria mais ainda em determinados elementos do discurso gue nao sfo signos. Tomando, portanto, a prépria opositividade como critério de abstracao, os sucessores de Saussure foram levados a estender a in- vvestigagdo lingtlistica a outros dominios que néo o dos signos. —> Saussure considera o estdo dos ons da linguagem ape- nas como algo prévo & inéagarao lingiistica propriamente d- 1a: Cours de linguistique générale, Pais, 1916, Apéndice& in- ‘odupi. Porém, aesteestudo, spresentado como prélngilis- tico, Saussure chama FONOLOGIA (e FONETICA, quando é Feito de wm onto de vista histérico). Seus sucessores denomi nam Fonolosia um estudo propriamente lingistico — que Saus- sure considerava impossivel. N.B. — Uma passagem, isolada, ‘do Cours sugere, entreanto, rsa fonologia no sentido moder no: 2 Parte, Cap. IV, $3 Ao afirmar que um signo é opositivo, Saussure ‘quer dizer que o importante, tanto em sua significa- ‘do (significado), quanto em sua realidade Fénica (sig- nificante), € aquilo que permite distingui-lo dos ou- tros signos da lingua, op6-lo a eles. Seja descrever 0 aspecto fonico da palavra francesa “dit” (dito). As- sinalaremos, por exemplo, 0 que distingue suas pro- niincias das de du’” (do) ou de “pie” (pega), mas nao 168 DICIONARIO, ENC. OPEDICO. a auséncia de aspiragio do d, pois nao ha palavras, no francis, que se distingam pela espiragdo ou pela auséncia de aspiragao do d. Entretanto, aplicado com todo rigor, este método complicatia a descriedo de for- ‘ma pouco aceitivel: seria necessério deixar de lado 0 caréter sonoro do d de ‘air, sob pretexto de que ne- nhum signo se distingue de “ait” pela auséacia desta sonoridade (pois nenhum se pronuncia #2). Em com- pensagio, esta sonoridade seria retida para o d de ‘doux” (doce), pois ela distingue esta palavra de “tout” (todo). Evitar-se-iam tais anomalias se se apli- case o principio de opositvidade, nao diretamente 20s significantes dos signos (“dit" ou “‘doux””), mas aos sons elementares que compem estes significantes, por exemplo, a d. Reter-seia, portanto, de cada som ape- nas aquilo que, nele, pode ser utilizado para distin guir um signo de outro (0 d francés seria ‘‘sonoro", pois esta sonoridade permite distinguir “doux’? de ‘our, mas nfo ‘“nflo-aspirado”, pois.ndo ha ne- hum signo que possa ser distinguido de outro pela nio-aspiragio do d). Nesta nova abordagem, 0s sons elementares no coztem mais 0 risco de surgir como universais (0 que, para Saussure, os excluiria da Lin- ailstica propriamente falando), pos irdo, em regra.ge- ral, diferir de lingua para lingua, Por exemplo, torne- se impossivel que alguma vogal francesa seja assimi- Jada a uma vogal alema, visto que, no francés atual, atextensGo da vogal ndo tem valor opositivo (embora (0 seja ora longo, cf. “vide” (vazio), ora breve, cf. “vite” (depressa), esta diferenga nunca éo meio para dlistinguir duas palevras): portanto, uma vogal fran- ‘esa ndo seré descrita nem como breve, nem como lon- ‘88, 20 passo queem aleméo toda vogal seré ou longa ‘ou breve, pois esta dicotomia & empregada, constan- temente, para distinguir palavras. As unidades nfo- significativas podem, dessa forma, ser recuperadas nu- rma lingtistica de inspiracdo saussuriana, mas com a condigao de serem consideradas como unidades dis- tintivas — e descritas somente em fungao de seu po- der distintivo. (Os fonemas Foram as primeiras unidades distintivas a ser de- {inidas pelos fon6logos. Um FONEMA é um segmento nico que: (a) possui funcdo distintiva, (b) é impos- <0", ela no pode ter valor Fuchu se tel de es Pout ge 2 bo ge sivel de decompor numa sucesso de segmentos, ten~ do cada um dos quais tal funcéo, (c) s6 ¢ definido pe- los caracteres qu2, nele, t8m valor distintivo, caracte- res que os fondlogos denominam PERTINENTES (em alemao: relevant, 0s ingleses falam de distinctive fea- tures), Alguns eremplos para mostrar como os fone- mas, em virtude desta definigao, se distinguem dos sons, que so objeto da FONETICA (em inglés PHONE. Tes}, e no da Fonologia (PHONEMICS): 1, Em alemdo, toda palavra que comega por vo- gal é precedida por um fechamento das cordas vocais (© que proibe, principalmente, fazer uma ligagao en- tre esta vogal e ¢ consoante terminal da palavra pre- cedente). Pelo fato de ser necessério este “ataque du- istintivo e, em virtude de (@), nao seré considerada como um fonema. Tam- ‘bém nfo se constierard como fonema, em inglés eem alemdo, a aspiracdo que, nestas linguas, segue regu- larmente 0 p, 0 ¢e 0 k. Porém esta mesma aspiracdo, quando aparece diante de uma vogal, constitu o fo: nema h, que disingue, por exemplo, em aleméo, as palavras Hund (“cio”) e und ("2") 2. Em espanol, o segmento fonico representa~ do na ortografis por cli (cf. muicho, em que o ch se pronuncia quase como, na lingua francesa, fch, fo- neticamente 1s) &composto de dois sons distintos; mas como 0 s aparece em espanhol somente apés 0 1, 0 1 de ts ndlo tem fungao distintiva e, em virtude de (b), © grupo fOnico espanhol fs constitui um tinico fone- ma (exemplo dado por Martinet). 3.Os sons ide “vide"” e de “vite”, foneticamen- te bastante diferentes, constituem, em virtude de (c), ‘um tinico fonema, pois os tracos pelos quais diferem nil sio pertinentes (0 que os fondlogos exprimem afir- ‘mando que estes dois sons nao se comutam: a substi- tuiggo de um pdo outro no pode mudar um signo ‘em outro), Na medida em que é a presenga, respecti- vamente, de de de f, que acarreta a extensio ou a bre- vidade do i, dizse que os dois sons sio VARIANTES ‘CONTEXTUAIS (cu combinatérias, ou ainda determi- nadas) do mesimo fonema, 4.0 r francis se pronuncia, conforme as regises, ‘ou mesmo conforme os individuos, ora carregado, ora guturalmente. Mas os dois sons nto se comutam (a0 asso que, em arabe, eles se comutam). Dir-se-4, por- rhe) cathe obits hue tanto, em virtude de (c), que ha um inico fonema fran- c@s suas duas manifestagdes, carregada ou gutural, ngo sendo determinadas pelo meio, so denominadas VARIANTES LIVRES, fim de tornar sensivel a diferenga entre 0 sot 0 fonema, convencionou-se Tepresentar lima TRANS. CRIGAO FONETICA (= em sons elementares) entre col Ghetes, © uma TRANSCRIGAO FONOLOGICA (= em fo- nemas), entre barras dbliquas. Tem-se, Portanto, pa- ra “vide” e “vite”, as transcrigdes fonéticas [vizd] (on de : representa 0 alongamento do i) e (vit), eas trans- crigdes fonoldgicas /vid/ e /vit/. > Sobre. fonema: N.S. TRUBETZKOT, Principe de honologe, ted. fe, 1957, especialmente as pp. 33-46; W. F. TWADELL, “On defining the phoneme”, Language Mono- sraphs, Baltimore, 1935: A. MARTINET, Elément de ings liquesindale, Pats, 1961, $3.17; M. HALLECR. JAKOB SON, Fundamentals af Language, Hua, 1956, 1 Parte (om una Fesena erie, no Cap. I, daspracpalsconorpe6es do fonema). Para uma cific da comatagso, como melo de identi- Ficar as diferentes ccorréncas de tim’ mesmo fonema! N CHOMSKY, Simctessyntaiques, tra. fn Pars 1963, 69.2. N.B. — A escola distribucionista [dl €5.], que se proibe utilizar a comutagio [36] (na medida em que esta com- porta um recurso ao sentido), procurou um proceso puramente distribucional para descobrir os fonemas. Este método constituiria, entdo, uma definicio néo- ‘mentalista do conceito de fonema, ou seja, de acordo com a terminologia neopositivsta, uma “reduedo empi- rica” deste conceito, Primeira etapa na reduso: levanta~ se a hipdtese de que uma descri¢do fonética j& permi- tiria reagrupar a infinidade de ocorréncias fénicas (os son’ efetivamente pronunciados, fie et nunc) num mi- ‘mero finito de classes, das quais cada uma correspon- deria a um som fonético elementar. Segunda etape: uum fonema é definido como uma classe de sons foné- ticos: dois sons pertencem ao mesmo fonema eso cha- ‘maclos ALOFONES, se, ou possuem exatamente a mesma distribuigio (= aparecem nos mesmos contextos: s80, portanto, variantes livres), ou possuem DISTRIBUIGOES COMPLEMENTARES (= jamais aparecem no mesmo contexto: sao, entdo, variantes combinatérias), > _B.BLOCH, “A set of Postulates for Phonemic Analy. is", Language, pp. 3-46, 1948 (artigo completado em Langue 26, pp. 39461, 1953). 08 CONCEITOS DESCRITIVOS 167 Os tragos distintivos A definigo do fonema implica (condig£o 2) a im- possibilidade de dividi-lo em unidades distintivas su- cessivas, Isto ndo impede, porém, de analisé-lo em uni- dades distintivas simultdneas. Ora, ocorre que 08 ca- racteres que permitem a um fonema precncher sua fungao distintiva sfo em pequeno nimero para cada fonema (assim, o /d/ francés tem 0 trago “sonoro”” que o distingue de /t/, o trago “‘oral”” que o distin- gue da consoante “nasal” /n/, 0 trago “dental”, que o distingue de /b/ ede /g/). Alem disso, eles so pou- cos na propria lingua, e, no maximo, é uma dezena de tragos que se encontram, diversamente combina- dos, nos trinta fonemas que uma lingua possui. Dai Co interesse em considerar 0 fonema como um conjunto de unidades mais clementares, 05 TRACOS DISTINTIVOS (ou TRAGOS PERTINENTES, em inglés, DISTINCTIVE FEA- TURES; Benveniste fala de MERISMAS). Embora haja acordo entre os fondlogos sobre 0 principio de uma andlise do fonema, existe, quanto A natureza dos tragos distintivos, uma controvérsia, ‘que opée principalmente os pontos de vista de Marti net e de Jakobson. Duas questdes so particularmen- te debatidas: 1. So BINARIOS os tragos? Podemos, portanto, agrupé-los em pares de tra¢os opostos, cada um dos uais representa, por assim dizer, uma dimenso fo- nética — o que implicaria que todo fonema, se utiliza, esta dimensdo para fins distintivos, deve possuir um dos termos do par? © agrupamento por pares parece impor-se para certos tragos como “sonoridade” e “surdez” (= presenca ou auséncia de vibragées das cordas vocais): 0 primeiro se encontra, em francés, em /b/ /d/, /g/, 0 segundo, em /p/, /A/, /k/. (NO que erefere 20 /1/, "‘sonoridade”’ e ‘‘surdez” nao so distintivas, mas determina apenas variantes combi- natérias.) Em compensagdo, para outras dimensdes fonéticas, por exemplo, o ponto de articulagéo na ca- vidade bucal, parece natural, & primeira vista, consi- derar séries de mais de dois termos (dessa forma, /b/, Za/, /e/ distinguem-se entre si pelo fato de que sua articulagao 6, respectivamente, labial, dental, ou pa- latal). Enquanto Martinet admite, simultaneamente, tragos bindrios e tracos ternérios, quatemnarios etc., 168 _DICIONARIO ENCIC:GPEDICO. Takobson julga que todo trago distintivo ¢ bindrio, Ele ‘acaba por tomar esta tese compativel com a experién- cia utilizando, para caracterizar os fonemas e procu- rar seus tracos distintivos, nao uma descri¢do articu- latéria, como a utilizada aqui, mas uma descrigao aciistica (baseada nas propriedades da onda sonora), ‘que permite mais facilmente destacar propriedades dis- ‘intivas bindrias; 2. Tem os tragos uma realidade fOnica determi- nével? Para Jakobson, cada traco corresponde a uma propriedade precisa da onda actistica — propriedade que pode ser determinada com exaticio nas gravages (entretanto, ele admite que possa, mas de forma aci- dental, intervir um fendmeno de’substituigao, e que propriedades normalmente no-distintivas, ditas tra- 05 redundantes, seam utilizados pelo locutor ou pelo ‘ouvinte quando 0s caracteres normalmente dstintivos seemaranham, tanto na emiss4o, quanto na recepedo). Jakobson pode, em consegiiéncia, supor — a ver ‘car empiricamente — que os tracos distintivos sf0 idénticos para todas as linguas (as linguas diferem ape- nas pelo modo como combinam estes tragos em fone- mas): haveria, portanto, UNIVERSAIS FONOLOGICOS. ‘Ao contririo, Martinet acredita ser fundamentalmente impossivel uma determinacao fisica rigorosa dos tra- 0s distintivos. Para ele, a existéncia, em francés, de um rago “‘sonoridade”, que caracteriza /b/, /d/,/s/, ce deum traco “surde7”, que caracteriza /p/, /t/, /k/, no implica que haja um elemento comum a todas as ‘ocorréncias dos trés primeiros, que estaria ausente das ocorréncias dos trés outros. Ela apenas significa que, num contexto ¢,, diferenca d, entre /p/ € /b/ é idéntica a existente entre /t/ ¢ /d/ ou entre /k/ € /8/, € que ocorre o mesmo com suas diferengas dy, di, d,, 10S contextos Cy Cy, Cy. Mas continua possivel que as diferengas dy, dyp dy d,... 140 sejam idénticas uma Aoutra, Nio é possivel, portanto, dar uma deseric&o fisica da distingdo sonoro-surdo eta francés. Com ces- teza, pode-se falar da vibracdo das cordas vocais, que 6 sua manifestagio mais freqiente, mas isto nada mais 6 que uma comodidade de expresso. A realidade lin- siistica ésimplesmente a correlagdo entre a forma co- ‘mo variam, segundo 0s contextos, os fonemas da sé- rie surda e 0s da série sonora. Donde resulta que a hipotese de tracos distintivos universais € @ Jortiori inadmissivel, j4 que os tracos distintivos de ‘uma determinada lingua ndo podem ser definidos sem referéncia aos diferentes contextos de emprego dos fo- nemas nesta lingia. —>_A. MARTINET especifica sua posiglo com relagio & fonologia jakobsoniana em “Substance phonigue et wats is- Uinctifs, em Bullern de la Soctéeé de linguistique de Paris, 1957-1958, pp. 7285. Critica da distintividade Recusando recorrer & comutacio [36], o distri- bbucionismo tentava reencontrar, por outro método, essas mesmas unidades distintivas que a comutacdo “faz surgir. Ao coatrario, & a propria importineia da distintividade que € questionada pela linguistica ge- rativa [47 es. AFONOLOGIA GERATIVA nega que, na descrigdo de uma lingua, seja sempre necessario dar tum destino particular as unidades e as propriedades distintivas. O componente fonolégico de uma gramde tica gerativa [62] €incumbido de converter cada se- iidncia de morfemas engendrada pela sintaxe (seqién- cia acompanhada da érvore que representa sua orga- nizapdo interna, sua construedo) numa representagio fonética que descreve a prontincia “padrao” da frase correspondente, Ora, no hd qualquer etapa deste pro- cesso em que apareya uma representarao da frase and- Joga ao que seria sua descrigdo fonolégica (= uma des- crigdo que reterie. apenas os tragos distintivos). 4) O ponto de partida nao é fonolégicd no senti- do de que representa antes de tudo a decompasigao da frase em morftmas (por exemplo, ¢ provavel que © adjetivo "grand" (grande) ai seria representado com ‘um d final que, freqiientemente, nao tem existéncia, nem fonética nem fonoldgica, cf. ‘grand gargon”), pois este d parece pertencer ao morfema, como teste munham 0s derivedos (“‘grandeur”, “grandir”). N.B. — Isto nao impede que Chomsky utilize, para repre- sentar os morfemas, 0s tracos distintivos bindrios de- finidos por Jakobson (cada morfema é representado como uma stcessio de fonemas, cles mesmos repre sentados como conjuntos de tracos). Mas é somente porque esta notagao parece econdmica eno por uma vontade de representar os morfemas por aquilo que -distintivo quando de sua realizagao na fala. 1) 0 ponto de chegada também nao & fonolégi co, no sentido de que representa a prépria promin- cia, Desta forma, 0 f de aie (montanha) ai seria re. presentado como surdo, ao mesmo titulo que o ¢ de “ton” (teu, tom), Ora, no primeiro caso, trata-se de uma variante combinatéria, determinada pela proxi- midade de p (por um fendmeno de ASSIMILAGAO, 0 carter sonoro ou surdo de uma consoante é transmi- tido aos sons que a cercam); no segundo, ao contra- rio, 0 cardter surdo é distintivo, e opde “ton” a “don”? (dom). ) Chomsky cré, finalmente, poder mostrar que, durante o funcionamento do componente fonoldgico, ‘lo se obterd em nenhuma etapa uma representagis das frases que corresponda a sua descrico pelos fo- nélogos: ou entao, seria preciso complicar delibera- damente o componente, e, o que é mais grave, deixar de representar, em toda sua generalidade, certas re- gras (como a de assimilacdo) cuja existéncia parece in- contestavel. N.B. — Esta critica mostra menos a ina- ddequasio da representaglo fonolégica, do que sa in- compatibilidade com o modelo gerativo. Portanto, ela poderia ser dirigida contra este modelo se a desericso conforme a distinividade se revelasse, por outro la- do, necesséria. Entretanto, deve-sé-reter que esta des- ‘ctigao — e a abstracao consideravel que ela implica nao tém legitimidade intrinseca, mas devem ser jus- tificadas por seu poder explicativo (explicativo, por exemplo, dos mecanismos de aprendizagem, do fun- cionamento poético, ou ainda da evolucao histérica da linguagem [139 e s.]). —> Sobre a fonologia gerativa, N. CHOMSKY, Current Issues in Linguistic Theory, Hiia, 1964, e Toles in the Theory of Goneraiie Grammar, Hsia, 1966, Cap. IV. Ver também Lan gages, dez. 1967, que contém abundante bibliografia 0S CONCEITOS DESCRITIVOS 169 2. Prosédia lingiiistica Fonemética ¢ prosédia A partir do sentido tradicional da palavra pro- sédia (“‘conjunto das regras relativas & métrica”), desenvolveu-se um sentido especializado com 0 nas- cimento da Lingiistica moderna. Classificam-se na prosédia todos os fatos fOnicos que escapam a andli- se em fonemas ¢ em tragos distintivos. Este desloca- ‘mento de sentido pode ser explicado com bastante fa- cilidade: a prosédia (métrica) grega e latina repousa- va no estudo da duraedo, da altura e eventualmente da intensidade, que atualmente so 0 objeto dos es- tudos lingtisticos de prosédia, Desse modo, na maioria das escolas lingifsticas, ‘opdem-se elementos FONEMATICOS (Fonemas [166] ¢ tragos [167)) a elementos PROSODICOS (terminologia de Martinete da escola fonol6gica), ot elementos SFG- MENTAISa elementos SUPRA-SEGMENTAIS (terminolo- gia norte-dmericana). Freqlientemente, esta oposic&o 6 reforcada pela idéla de que os earacteres prosédicos sto ndo-discretos, ou seja, so capazes de variar de (0S CONCEITOS DESCAITIVOS 171, forma continua. (Alids, foi a nogio de “discrigéo”” {que permitiu 0 corte segmental da comunicagio oral: Sue em fonemas, depois em tragos dstintivos.) Re- cusando este carater discreto aos tragos prosédicos, rapidamente nés 03 assimilamos a fenémenos ‘margi- pals, tanto mais que, se todas as inguas possuem fo- ‘nemas, a utilizagdo das diferentes passibilidades pro- ‘sodicas ¢ muito menos geral e muito menos sistemati- ea Enguanto o encadeamento fonemético parece uma base indispensdvel da comunicagao lingiiistica, deixa- se aos fendmenos prosddicos apenas uma funcdo su- pletiva,e 56 se Ihes concede um papel pertinente [166] ‘quando no se pode encontrar nenhum outro meio de “ _A.MARTINET, Biémonts de tingustique générale, Pa- is, 1961, § 3.24 ¢8, Acara do cardter pertinente dos tragospro- ‘Sédivos: B, COSERI, "Détermination et entourage", em Teoria del Lenguaje y Linglsica general, Madsi, 1962 (Os fendmenos prosédicos considerados sob seu aspecto fisico Seria possivel explicar através de suas manifes- tages fonéticas que os tragos prosédicos sejam con- siderados marginais? Otimbre, a altura, a intensidade e a duracao sa0, ‘0s componentes em geral reconhecidos no estudo dos sons da linguagem. ‘O-TIMBRE deum som é 0 que opie, por exemplo, [a] a fi). Ble se explica, acusticamente, pelas alturas nas 172 DICIONARIO ENRELOPEDICO.. zonas de harménicos reforgadas, ou FORMANTES, pela relacio entre essas zonas (reiapio de freqtiéncia de intensidade). Fisiologicamente, depende da res- sondincia das cavidades que intervém na fonaso. ‘AALTURA de um som é explicada pela freqiién- cia das vibragdes do fundamental deste som. Fisiolo- ‘gicamente, tem sua causa nas dimensdes ¢ na tenséo as cordas vocsis, 0 que explica que a altura de um som varie com 0 sexo, a idade, o tamanho de um i ividuo ete., ¢ varie durante 0 discurso. A INTENSIDADE de um som se deve & amplitude do movimento vibratério da fonte: para uma maior amplitude, tem-se geralmente maior tensio das cor- das, o que explica que, na maioria das lingua, inten- sidade altura estejam ligadas; um acento de inten dade é também manifestado por uma “elevago de vou” A DURAGAOde um som é a peroepeio.que se tem de scu tempo de emissfio. No que se refere aos sons da fala, dificlmente obtém-se uma tensfio constante dos drgios da fonacio, e geralmente se assiste a uma rmodificagao da qualidade de urn som protongado (mo- dificagdo do timbre, cf., por exemplo, fendmenos de ditongacao). ‘Assim definidas, 0s caracteres prosédicas esto Tigados necessariamente a toda atividade fénica, o que explica que seu estudo possa ser considerado margi- nal ou secundério do ponto de vista lingifstico. Des- sa forma, Martinet Elément, § 3.24) observa que os fatos prosédieos so “fatos fonieos necessariamente presentes em todo enunciado falado: quer a energia com a qual se articula seja considerével ou limitada, ela estd sempre ai, a um grau qualquer; t40 logo a Vor se faz ouvir, é preciso que as vibracdes da glote te- inham uma freqiéncia, o que dé acada momento, por todo 0 tempo em que a voz é ouvida, uma altura me- {édica determinada; outro tiago suscetivel de utliza- gio prosédiea & a duragdo que, naturalmente, € um aspecto fisico ineluvével da fala, pois os enunciados se desenvolvern no tempo. Nestas condigées, compre- ender-se-d que lingtisticamente estes fatos quase nfo possam valer por sua presenga ou sua ausénia em um onto, mas antes por suas modalidades varidveis de luma parte a outra de um enunciado” Fungées dos fatos prosédicos Do mesmo modo que se abstrat um fonema do conjunto de suas ranifestagdes fondticas, pode-se con- lerar a colocagéo dos PROSODEMAS, independente- mente das manifetages nas qua eles se encernam, analisando, porém, as diversas fungdes dos tragos pro- sédicos. co Desde Trubetzkéi, & usual distinguir trés fungdes que, dividinco-as entre si diferentemente conforme as linguas, os fatos prosédicos e os fatos foneméticos preenchem: a fungdo distintiva, a fungdo demarcati- va e a fungio culminativa, ‘Um elemento fonico tem uma fungao distintiva ‘Gungio que os foadlogos tendem a crer principal) na ‘medida em que permite diferenciar uma da outra duas tunidades significativas. Dessa forme, ha linguas em «que duas palavras podem ser distinguidas conforme hhaja um /i/ pronunciado em tom ascendente ou /i/ ‘em tom descendente. Um elemento f6nico tem uma fungdo DEMARCA- ‘TIVA, ou DELIMITATIVA, quando permite reconhecer 6s limites de uma palavra, ou, mais geralmente, de uma unidade linguistica qualquer. Este elemento po- de ser fonemiético (exemplo: foncmas que aparecem apenas em lugares fixos do enunciado tal como 0 /h/ inglés, sempre em inicial de morfema), ou prosédico (acento nas linguas de acento fixo: em tcheco, 0 acen- to, aparecendo sempre na primeira silaba da palavra, permite dividir um enunciado em palavras), A Tungo CULMINATIVA & a preenchida por um elemento fénico, que permite “notar a presenga, no cenunciado, de dete-minado niimero de articulagdes im- portantes; ele facita assim a andlise da mensagem”? (A. Martinet, Eiéments, 3.33). Exemplo: 0 acento nas Tinguas “de acento livre" > A respeito dessas funobes, eportar @ TRUBETZKOI, Principes de phonologie, trad. f., Paris, 1957, pp. 31-32 ¢ 290-314, Igualmente ¢ MARTINET, Cap. “Accenis et Tons", em La Linguistique syrchronigue, Paris, 1965. A partir dessas fungdes, € possivel defini rons, en tonagdo e acentos, sendo seu aspecto fisico considerado apenas como manifestacéo acidental de uma fungdo. Cell iat a ‘como unidades distintivas: elas podem permitir dife- renciar dois fonemas, sendo todos os tragos pertinen- tes id€nticos de um fonema para outro, com exclusdo chinés, opor-se-4 /li/ (castanha), pronunciado num tom descendente, a /li/ (pera), pronunciado num tom: ascendente, A altura em que € pronunciado um ele- sender oe pronto um ther, com vozes cujas alturas fundamentais diferem, respeitam ambos as oposi¢des tonais numa determi nada lingua. ag tng ue um none co cen miiltiplas: ao lado de tons pontuais, nos quais s6 conta. para a identificagao um ponto da curva melédica (pon- to mais alto ou mais baixo, ou ponto médio), temos ascendentes-descendentes etc.; distinguem-sc, também, tons que sobem a partir de um nivel baixo, tons que sobem a partir de um nivel médio etc. O sistema de etalon ence cea plexo: determinados dialetos vietnamitas néo compor- De deminer elon —> _Arespeito dos tons, além dos estos jé ctados de Mar- tinet, encontar-se-4 uma anise de conjunto em K. L. PIKE, Tone Languages, Ann Arbor, 1548, A.ENTONAGAO. As variagbes de altura ndo estdo sempre ligadas a unidades distintivas como os fone- ‘mas} podem estar ligadas a unidades pertencentes a outro nivel (por exemplo, a grupos sintaticos, a fre- 563), Falavse entéo de entonaedo. Um mesmo fendme- ico, por exemplo, relativo a altura, pode ser a stacdo simulténea de um tom (nivel fonolégi- co) € de uma entonagio (nivel sintatico), o que torna a analise delicada ¢ exige o recurso a critérios funcio- nais. Kratochvil, por exemplo, mostrou (ef. The Chi- nese Language To-Day) que, ei chines, acentos, tons @ entonacdo, tendo funedes diferentes, se combinavam sem se exchuirem, Essa entonago, que existe em todo discurso e que se deve a tensdo maior ou menor dos érgios articula- (0S CONCEITOS DESCRITIVOS 173 térios, no tem sempre um valor lingiistico pertinen- te: em toda frase enunciativa, 0 esquema \ normal serd simplesmente a manifestagdo do afrouxamento dos érgios em final de enunciado — 0 que permite ‘uma primeira divisao de uma ingua ainda inanalisa~ da. Entretanto, a entonaco pode ser utilizada como ‘meio lingaistico significativo: a entonagio significa, ‘a partir do momento em que hé modificagio da cur- va entonativa “normal”. ‘Acentonacio, que pode ser somente redundante [36] num enunciado, quando o que ela exprime se en- contra jé expresso de outro modo, pode tornar-s¢ pet~ tinente por supressio de um morfema gramatical do enunciado. Dessa forma, em francés, a entonagéo as- cendente, redundante em vienstu? ‘um tipo de morfeaia que exprime it (vem vos!) a JY (pois a ordem das palavras constitu toma-se pertinente em: tu whens? Lf (equi aordem das palavras 6 comum (wost vem) Simao € 8 verges) Pode-se ter interesse, na andlise, em reagrupar ‘com os fenémenos de entona¢do, as pausas significa tivas no enunciado, e os fendmenos ditos de acentua- ‘cao “‘expressiva””. Como exemplo de pausas signifi- cativas, pode-se citar o seguinte enunciado: ‘/kabylanolaklanolakabylo/ ‘que s6 tem um sentido desde o momento em que 0 pronunciamos: ee katby flan olla ge "lan ye o'lakye aby'lo (sau’a bu Vane alae? Lane au.tae a bu Peau) ‘A entonago sera também pertinente para mar- car a oposigdo gramatical que existe em francés entre relativa determinativa e relativa explicativa (especifi- cadora): ““As criangas que trabalharam serio recompen- 174 _DICIONARIO ENGILOPEDICO. sadas"” (enire a classe das criangas, apenas aquelas que trabalharam serio recompensadas) e “As criangas, ‘que trabalham, sero recompensadas” (considerando algumas criangas particulares, afirma-se que, porque elas trabalharam, seréo recompensadas). Esta oposigéio se manifesta graficamente pela pontuagao (virgulas), e, fonicamente, por uma pausa apés eriargas, no segundo caso. > Cf. PIERRE DELATTRE, “L'int6nation par les op- positions”, Le Francais dans le monde, abr.-maio 1969. ‘Quanto aos fendmenos de colocagdo em relevo ‘on de énfase pelo chamado acento de “expressivida- cde", permitem dar, num enunciado, uma informaglo suplementar: comparar em inglés a simples frase enun- ciativa: “1 will go” fs frases acentuadas: alge [ ete agio a fazer, como projeto, como manifesta- “1 will go" | gio dea vontade, por oposicdo & una acl 6 realizada, por exemplo, “Z vill go" (- ag80 de ire nfo, por exemplo de volar, ou de ermanecer etc. Do mesmo modo, ter-se-d em francés: *‘Je ne par- le pas d’ impression mais d’expression”. Esses fendmenos modificam sensivelmente a cur- va entonativa dita normal. Pode-se ter interesse em integré-los entre os fenémenos entonativos e em efe- tuar depois a andlise da curva resultante em unidades discretas de entonacio. —> Para uma andlise sstematica dessesfatos:K. L. PIKE, The Intonation of American English, Ann Arbor, 1945, p. 21; fe sobretudo Z. 8. HARRIS, Siructural Lingulsties, Chicago, 1951, em particular Cap. VI Ci. igualmente R.S. WELLS, “The Pitch Phonemes of English", Language, 1945. Sobre a entona- (fo em francés, consllar ZWANENBURG, Recherches sur la rosodie de la phrase Jrangase, Leiden, 1965, (Os ACENTOS. Sob este termo tinico, agrupam.se fendmenos diversos que variam com as linguas. Ne- ‘nhuma lingua € desprovida de acentuacdo, mas varios tipos de acentos sé0 concebiveis. Compreende-se por acento uma manifestagéo de intensidade, de altura ce/ou de duracao cue, incidindo sobre uma sflaba ou uma MORE (dlenomina-se more todo segmento de si- Jaba, fonema (166), por exemplo, que pode levar 0 acento, nogdo title certaslinguas como o grego an- tigo), ¢ coloce emrelevo com relagdoz suas Vizinhas. O acento de expressividade, de que se falou mais aci- sma e que foi aproximado da entonasao, coloca em re- Tevo-um signo [102], ou seja, uma unidade de dupla face. O acento, tradicionalmente dito “t@nico”, de que ‘ratamos agora, atingindo fisicamente uma silaba co- ‘mo 0 precedente, pde em relevo esta silaba como fi- ‘gura [246] e ndo como signo. ‘A fungao bisica do acento é funezo culminat va. Mas pode-se distinguir dois tipos de linguas, do pponto devista do acento, segundo se tenha como fungZo suplementar a fungdo demareativa(linguas de acento fixo, como o francés e 0 teheco: escolha de critérios fonéticos) ou a fungdo distintiva (lInguas de acento livre, como o inglés ou0 alemao: critéios morfol6gicos), CO acento, apesar das fungbes diferentes que pode preencher incide obrigatoriamente sobre ume unidade ‘o-sgnificativa, complexa ou simples (Slaba ou more). . Garde partiulariza as perspectivas da acentologia: + Uma taxinomia tratard das “unidades acentuais”” nas linguas. — Uma sintaxe funcional da linguagem determinara ‘o queé “‘acentdgeno", 0 que exige sintaticamente © acento. — Uma fonossintaxe determinaré 0 ponto em que se realiza 0 acento, isto é, a “unidade acentuada”, — A fonologia determina a “‘unidade acentuavel”” em cada lingua. Entende-se por “‘unidade acentégena” aquela que exige a presenga de um acento. A unidade acentual 0 morfema, ou grupo de morfemas, que engloba um elemento acentégeno, O acento pode cair numa sila- ba ou numa more: portanto, & preciso saber qual & a.unidade acentuavel numa determinada lingua. A uni- dade acentuada (ou acent6fora) carrega a expresso fisica do acento. Nao é necessariamente a unidade ‘acentégena: pode ser uma unidade que, por um mo- tivo diferente, acontece ocupar o lugar, que é 0 da rea- lizagdo do acento. Dessa forma, em francés, em que a.unidade acentudvel é a silaba, a unidade acentual Prends-le comporta uma unidade acentégena Prends (le sendo n&io-acentogeno, ‘*étono”). Porém, le sera, com efeito, 0 suporte fisico do acento e portanto a unidade acentuada, na medida em que ocupa o lugar da realizacdo do acento (em francés: final de grupo). > _ Para todas essa questbes, ef. P. GARDE, L’Accent, Paris, 1968, Para a nopio de nives da andlise, ver J. P. RO: NA, “Las ‘Partes del Discurso’ como nivel jerirquico det lan ‘Buje, em Littraehispanae et stenae, Munique, pp. 433433. Pode-se particularizar os niveis de anélise, que se- +o comuns aos elementos supra-segmentais ¢ segmen- tais, resumindo num quadro as principais distingdes a efetuar: ‘NIVEIS SEGMENTAL SUPRA-SEGMENTAL ae Fonologia Tonologia 2 oman Morfologia Acentologia 5 hel propesites Sinune Andis de entonaso * Genta) Esilitica Aaslig es contapiex (0S CONCEITOS DESCRITIVOS 175 Embora os tragos prosddicos sejam, de inicio, fe- nOmenos CONTRASTIVOS (: que se ocupam da diferen- {ca existente entre clementos sucessivos da cadeia fa- Tada), stuados portanto no eixo sintagmatico, eles per- ‘item constituir paradigmas [109] de unidades de ni- veis diferentes (unidades em oposig&o no eixo para~ digmético), definindo-se todo paradigma por uma ba~ se comum mais um elemento varidvel (este elemento pode ser 4), . Do mesmo modo que for mam um paradigma, poder-se-Go determinar, por um ‘elemento varidvel “prosédico” numa base foneméti ‘ca comum, paradigmas de unidades nos diferentes ni- ‘eis estabelecidos acima. Por exemplo: tuvins = Gaerne) tu viens (afirmacto) formam um paradigma constituido de unidades do ni- vel “frase”. > _ Cf. L. PRIETO, “Traits oppositionnels et traits con- taastife™, Word, 1954 SINTAXEE PROSODIA. Em apoio da idéia de que aio se pode separar sintaxe ¢ entonacdo (ef. quadro cima), observar-se-4 que o problema da entonagzo s8 colocou desde o inicio da teoria das gramaticas ge- rativas (47 e s.]. Em 1957, Chomsky formula 0s pri- _meiros postulados da teoriae, desde 1960, R. P. Stock- well estuda ‘‘O lugar da entonagdo numa grematica gerativa do inglés”. Este timo, num artigo publicado na revista Lan- ‘guage (¥. 36, n. 3, 1960), coloca a entonagio como Constituinte Imediato [43] (C.1.), e formula a regra sintagmitica [213 ¢ s.. F —> Nuc + IP (Intonation Pattern) (ou seja: Frase —> Nicleo + Modelo de Entonaciio). Dessa forma, ele projeta tratar a entonagio 20 nivel da frase global e nfo separadamente para cada CC. Em conseaiincia, ele precisa que 0 “Tntonation Pattern” intervém no ntvel terminal. Ele se propée entitoestudar este consttuinte “En- tonagdo”. Coloca: 178 _DICIONARIO ENCICLAPEDICO.. IP > C+sP ou seja, “Contorno” + “Juncture Point” (Ponto de ‘Sungdo'= final do morfema ““Contorno”), Stockwell define 0 JP como sendo inalterado por certas trans- formagdes [225 ¢ s.] que vdo ser aplicadas a JP, on- quanto C poderé ser modificado por estas mesmas transformagées. Ao definir os constituintes de IP, de- fine por conseguinte, 20 mesmo tempo, as transfor- ‘mages que iré thes aplicar (embora isto nao seja ex- pilicitado, reencontra-se subjacente a oposido “trans- formagdes singulares’”/"‘transformacoes generaliza- das’: sendo as transformagées singulares aquelas que néo modificam o JP, mas podem modificar 0 C). Por ssua vez, 0 C vai ser analisado segundo duas fungdes essenciais da entonagdo: encadeamento ¢ ruptu (© que implica que seja levantado, para uma determi nada lingua, 0 inventério dos contornos de ruptura € dos contornos de encadeamento. ‘Uma vez efetuada esta descri¢do taxinOmica dos ccontornos entonativos, um JP “neutro” ("‘colorless”) Ecolocado, IP bésico, do mesmo modo que, no com- ponente gramatical, se coloca uma “‘frase-nticleo”” 226] (ou, pelo menos, se fazia numa determinada eta- a das teorias gerativas, a do artigo considerado). Uma vez escolhida este JP basico, formulam-se trans- formagées ao nivel do componente entonativo. Estas transformagdes so formuladas em funcdo do jozo de clementos, tais como os acentos etc. — 0 que pressu- poe uma definigdo destes elementos também na esco- Tha da entonagao basica. Desde 0 momento em que se colocam transfor- mages generalizadas, isto 6, a combinacdo de doi ou mais IP bésicos num tinico JP resultante, a andlise torna-se excessivamente complexa: é af que 0 JP po- de também se encontrar modificado, ¢ que o encon- tro entre componente gramatical e componente ento- nativo, evitado até entdo, toma-se necessario. A tomada em consideriicao da entonaclo como constituinte da frase, com suas coergSes préprias, leva ‘a uma nova definigdo das transformagoes; é afirmar {que a teoria se acha muito profundamente modifica- da pela edigdo deste novo C.I. Isto é uma conseqiién- cia Iégica do fato de que, numa sintaxe gerativa, to- do elemento é definido em fungdo dos outros ¢ a mo- dificacdo de um acarreta uma modificacio do outro. A definigto das transformagbes que é pressuposta pela regra de reeserita: LP. —>" C + JP, com a res- trigio de que J¢ inalterado para certas iransforma- cs, pressupde também uma definig&o do contorno, © qual é funedo das frases obtidas no nivel terminal na sintaxe e, portanto, da parti¢fo prévia efetuada no componente gramatical entre frases de base e frases transformadas. O estudo deStockwel, como todos os estudos de centonagio em gramética gerativa, se ocupa de uma ngua particular: nfo se tem ainda uma teozia geral sistemdtica da ettonagao. Mas, neste dominio, mais {que em qualquer outro (em virtude da negligéncia com ue se consideraram muito tempo os fatos prosédi- £08), sdo necessérios estudos particulares numerasos, antes que possa ser formulada a teoria geral. © crescente interesse dos lingiistas atuais pelos ‘ragos pros6dicos deve, com verossimilhanga, ter con- seqiléncias profundas: no nivel metodologico, sem di- vida, mas também no nivel tedrico: a introdugdo de dacios suplementares to importantes implica uma mo. dificagdo do objeto da teoria, a saber, o préprio con- ceito de lingua. Apés uma etapa “formalista”, pare- ce que, realmente, a lingua nao deve mais ser sé ana- lisada como sistema formal, mas na sua fungdo de co- ‘municagéo. Este retorno a uma nogdo antiga mostra que dificuldades hd em abstrair 0 objeto “Iingua”* do conjunto dos processos de enunciaco, —>__ Sobre a andlse gerativa da entonaco ingles reportar- sea STOCKWELL (art. ctado). Mals geralmente, ver os tra- balhos de SCHANE e de LIBERMAN; “Intonation and the Syntactic Processing of Speech”, em Proceedings of the Sympo- sium on Models for Perception of Speech and Visual Form, Bos- ton, nov. 11-14, 1964, e Intonation, Perception and Language, MALT. Pres, 1957 0S CONCEITOS DESCRITIVOS 177 3. Versificagéo Entende-se por versificapdo 0 conjunto dos fend- menos que definem a especificidade do verso, Nao nos ‘ocuparemos pois aqui de um outro sentido do termo, a saber, “‘o conjunto das regras que ensinam como escrever versos”. Um sindnimo de nossa ‘‘versifica- S80” seria prosddia; mas 0 termo tomou hoje, ex. guistica, um outro sentido [171] Os fatos abrangidos pela versificagdo dividem-se habitualmente em trés grandes grupos, ligados aos conceitos de metro, rima e formas fixas. Mas todos (5 tr@s dependem de um mesmo principio, que per- mite distinguir os versos da PROSA e que receben, em épocas diferentes, nomes diversos: ritmo, periodici- dade, paralelismo ou simplesmente repetiedo. Pode- se dizer, de maneira muito geral, que 0 PARALELISMO ‘constituiivo do verso exige que uma relagao de elemen- tos da cadeia falada reaparega num ponto ulterior des- ta; tal noo pressupde portanto as nogbes de ident dade, sucesso temporal e fonia, Falar-se-é de SIME. ‘TRIA, preferivelmente, quando a disposicao espacial ea grafia estio em jogo. Conforme a natureza dos 08 CONCEITOS DESCRITIVOS 179 elementos que se repctem, distinguem-se precisamen- te os tr8s grupos de problemas assinalados acima. Esta disting#o ndo significa, é claro, a indepen- ‘déncia do metro, da ima e das formas fixas; muito ‘a0 contrério, no podemos defini-los uns sem os ou- tros. Esta interdependéncia ressurge nas relacGes que (0s fatos de versificagdo mantém com as outras pro- priedades lingiifsticas de um enunciado: a versifica- ‘¢d0 ndo funciona isoladamente da signifieaio. Uma teoria, popular no comeco do século XX (Saran, Ver- rier), pretendia que, para estudar o verso, era preciso pér-se no lugar de um estrangeiro, isto é, abstrair-se de seu sentido, para poder observar melhor suas pro- priedades formais. O malogro dessa teoria diante dos problemas reais da versificago ¢ prova do erro con- tido em seu postulado. Hoje, 0s estudos de versificagio nao procuram fazer abstragdo da natureza significativa do enuncia- do. Mas, apesar de haver uma literatura abundante (que se estende por dois mil anos), as nogdes essen- ciais do dominio da versificagao nao tém ainda defi- nigdo rigorosa, As descobertas da Lingiifstica moder- na, e mais particularmente da Fonologia, tornaram cadiucas numerosas regras ¢ leis antigas, sem substitul- Jas, as vezes, por outras novas. Quando o elemento que se repete esté ligado ao acento [175 ¢ s.] ou a quantidade, fala-se de METRO. ‘O metro pode, pois, basear-se em trés fatos lingtisti- cos: a silaba, 0 acento e a quantidade. A s{LaBA é um ‘grupo fonmice constituido por um fonema denomi- nado sildbico e, facultativamente, por outros fonemas no-sildbicos. © primeiro forma o cimo da silaba, en- quanto os outros compaem as margens. A silaba no 1possui realidade lingiistica a nfo ser numa leitura par- ticular, que se chama ESCANSAO. Em frances so as vogais que desempenhiam o papel de fonemas silabi- ‘cos. Quanto ao acento, trata-se de uma énfase dada & durago, a altura ou intensidade de um fonema silébico e que o diferencia de seus vizinhos. A. QUAN- "IDADE, enfim, correspond as diferencas de curacao, fonémica, que assumem, em certas linguas, uma fun- ‘slo distintiva. Em conseqiiéncia, distinguem-se correntemente tr@s tipos de metro: SILABICO, ACENTUAL @ QUANTI. ‘TATIVO, cada qual fundado, respectivamente, na re- 180 DICIONARIO Fneici.OPEDICO. petigiio regular do niimero das silabas, dos acentos ou das quantidades. Contrariamente a uma opinigo di- fundida, o verso nao ilustra em geral um desses tr@s principios isoladamente, mas dois ou até trés a0 mes- ‘mo tempo (€ 0 caso do verso francés, por exemplo). Propde-se is vezes distinguir um quarto tipo de me- tro, 0 TONEMATICO, utilizado nas linguas de tons; mas ‘0 mais das vezes a tripartigao acima satisfaz. ‘Uma seqiiéncia métrica de silabas forma um VER- 0. O verso ¢ delimitado pelo remate de uma figura métrica, que se manifesta por uma PAUSA METRICA; as vezes também marcado pela rima, Graficamente, (0 verso € assinalado por um branco que o separa (en- tre nés) da margem direita da pégina; mas, se se defi- ne o verso como uma entidade métrica, cumpre notar ‘que um verso grafico contém, muitas vezes, dois ou varios versos métricos, e inversamente. Diz-se que um verso tem tantas MEDIDAS (ou “«pés”) quantas silabas que comportam o elemento repetido. Por conseguinte, um verso puramente silé- bico impossibilitaria a diferenciacdo entre medida e verso, No caso do verso acentual e do guantitativo, o nimero de medidas € igual a0 numero de sflabas acentuadas ou longas. A versificagdo antiga codifica- ra as medidas quantitativas mais freqiientes por meio de nomes que tiveram larga extenso e que eram tam- ‘bém aplicadas as medidas acentuais (com assimilagao, do comprimento e do acento). Notando por - uma si- aba longa e por Uuma silaba breve, definem-se as- sim as principais medidas: 1AMBO: U-; TROQUEU: -U; ANAPESTO: UU:; ANFIBRACO: U-U; DACTILO: -UUs BSPONDEU: - +; TRIBRACO: UUU. ‘Uma pausa que separa o verso em dois HEMIST! ‘Qui0s denomina-se CESURA. Como todavia a defini- ‘sho do verso também implica a existéncia de uma pau- sa métrica, 6 na realidade impossivel distinguir rigo- rosamente entre cesura e pausa final e, por conseqiién- cia, entre hemistiquio ¢ verso (a menos que nos ba- sseemos na grafia), A existéncia de tal pausa nfo é con- tradita pelo fendmeno freqiiente do ENIAMBEMENT, {sto é, da ndo-coincidéncia entre pausa métrica e PAU- SA VERBAL (gramatical ou semantica); mais ainda, 0 fenjambement no poderia existir se todas as pausas fossem da mesma natureza, Esta ndo-coincidéncia per- mite duas leituras de versos que comportam enjam- ‘ements: uma, méirica, se faz em detrimento do sen- ‘ido; outra, semdntica, se faz.em detrimento do metro. Pretendeu-se amitide distinguir entre metro ¢ RIT- ‘Mo, sendo o primeiro a sucessdo perfeitamente regu- Tar das silabas acentuadas e néo-acentuadas, Iongas cebreves, a0 passe que 0 segundo, a realizagioido re- fetido esquema na lingua. E entretanto evidente que ‘a diferenga aqui reside apenas no grau de abstragio. [Nao € necessério reduzir 0 metro, por exemplo, &s me- didas canonizadas pelos antigos, e exigir sua repeti- ‘edo regular: isto jamais acontece. A descrigdo métri- cea de um poema, ou de um periodo, ou mesmo de uma siteratura nacional pode ser muito mais refinada. As- ‘sim, recentemente, M. Halle e S. Keyser efetuaram ‘uma nova descricéo do metro ingles cléssico, que per- ‘mite explicar a qcase totalidade dos versos tidos ou- trora como “irregalares”. As descrigdes anteriores fo- ‘am portanto apreximac&es demasiado grosseiras, no descrigdes de um fendmeno diferente: nos dois casos, descreve-se 0 mesmo processo métrico. A teoria do metro padeceu de numerosos mal- ‘entendidos por causa de uma confusio entre o metro do verso ¢ este mesmo metro tal qual aparece no cur- so de uma recitagio particular. R. Jakobson, denun- _G.M.HOPKINS, Phe Journals and Papers, Londees, 1959 (am importante precursor dos estudos modemnos da vers! ‘ieagdo); E. SIEVERS, Rhytmischmelodische Studien, Heide'- ‘per 1912; M. GRAMMONT, Le Vers fants, Pacis, 1913 (cs Jais promotores mais notéveis dos estudos sobre a versifieagao fo inicio deste saute); V. JTRMUNSKI, Iniroduction to Me- fries, the Theory of Verse, Faia, 1966 (edi russa em 1925); B TOMACHEVSKI, O stikhe, Leningrado, 1929 (cf. extratos tradazidos para o francs em Théorie de la litérature, Patis, 1965), W.1. SCHRAMM, Approaches to a Science of Enelish Verse, Towa City, 1985 (apresenta a abordagem actsticn); W.K, WIMSATT e M.C. BEARDSLEY, “The Concept of Meter: an Exercise in Abstraction”, em PMLA, 1959, pp, 585-598; M. JA- NAKIEY, Bulparsko atithoznanie, Sofia, 1960; R. JAKOBSON, ‘Essas de lingustque geval, Pais, 1963: “Linguistique et po? tique"; A. KIBEDI-VARGA, Les Constantes du potme, Hai, 1963; S. CHATMAN, A Theory of Mtr, Hsia, 1965; M, HAL LE eS.J, KEYSER, "Chaucer and the Study of Prosody", Col Tege Engish, dez. 196, pp. 187-219; J. THOMSON, ‘La struc tue lingustique et le vers", em La Pogtique, ta mémoire, Pa- $s, 1970, pp. 22-31; J. ROUBAUD, “Metre et vers”, Poetigue, 7, pp. 354378, 1971. ‘A.tima nfo passa de um caso particular de repe- tigdo sonora, fenémeno muito espalhado no verso, mas também, conquanto de maneira menos sistemé- tica, em prosa. O estudo sistematica das repetigoes so- noras foi empreendido por um dos Formalistas rus- 08, O. Brik, que distinguiu os seguintes fatores: mi- ‘eto de sons repetidos, mimero de repetigdes, ordem dos sons em cada um dos grupos repetidos, lugar do som repetido na unidade métrica. Tomando um pon- to de partida inteiramente diverso, F. de Saussure tam- bém estudou, em trabalhios que permanceeram inédi tos até 1964, as repetigdes dos sons em poesia, que, segundo ele, obedecem ao principio dos ANAGRAMAS: ‘08 sons ou as letras que compdem um nome prOpri estariam disseminados no conjunto do poema. ste papel estrutural (¢estruturante) dos sons de- ve ser diferenciado do papel que Ihes foi tradicional- 182 DICIONARIO.ENExCLOPEDICO. mente atribuido ao se estudar 0 simbolismo fonético [236]. Neste tltimo caso, procura-se uma significacdo inirinseca aos sons, ou uma correspondéncia direta en- ‘treo sentido das palavras ¢ a natureza dos sons que as compdem. Unia tal relago existe porém mais nos tex- tos individuias do que na lingua em geral; ¢ mais nu- ma relagio proporcional que direta. Afora estas cor- respondéncias locais, nfo se podem estabelecer sendo rogularidades extremamente gerais e, portanto, vagas. ARIMA 6 uma repetigio sonora que surge ao fim do verso, A nogtio de rima implica, por conseguinte, fa de verso; mas a0 mesmo tempo, como vimos, a ri- mma serve 0 verso, marcando de maneira particular- ‘mente incisiva o seu fim. Existem porém versos sem imas, 0s YERSOS BRANCOS, ao passo que © inverso do verdadeiro. Distinguiram-se diversas varidveis na rima, o que permitiu numerosas classificagées. Eis as principeis: 1, Conforme o grau de semelhanga entre as duas seqiiéncias Fonicas, distinguem-se: as TOANTES, onde s6 a vogal acentuada € idéntica, por exemplo, ‘ano/amo;, as RIMAS POBRES, onde s6 a vogal acentua- da €idéntica, mas ndo é seguida de nenhuma consoan- te, por exemplo, lei/rel; as RIMASSUFICIENTES, onde ‘a vogal acentuada ¢ as consoantes que a seguem s40 idénticas, por exemplo, égual/real; as RIMAS RICAS, onde, além da identidade presente narima suficiente, observa-se a identidade da (ou das) consoantes que precedem, por exemplo, aval/rival; as RIMAS LEONI. NAS, quando a vogal precedente ¢ também idéntica, por exemplo, sentir/mentir etc. Fala-se de RIMA VI- SUAL quando s4o as Ietras mas ndo os sons que se repetem, 2. Conforme o lugar do acento, distinguem-se: ‘a5 RIMAS MASCULINAS (ou oxitonas), quando o acen- to cai sobre a titima vogal; as RIMAS FEMININAS (Ow. paroxitonas), quando o acciito cai sobre a peniiltimas as RIMAS DACTILICAS (ou proparoxitonas) sobre a an- tepemtiltima; HIPERDACTILICAS sobre a quarta a par- tir do fim etc. 3. Conforme os tipos de combinagdo entre as r= mas na estrofe (ou, mais exatamente, na quadra), distinguem-se: as RIMAS EMPARELHADAS, que Se s¢- guem.na ordem aabb; as RIMAS ALTERNADAS, abba; aS RIMAS CRUZADAS, abab. As outras combinagdes, por exemplo, a quintitha, n&o tem nomes estabele~ cidos. 4, Conforme a relago que mantém com outros ‘elementos do enunciado, costuma-se opor as RIMAS ‘GRAMATICAIS, isto aquelas onde rimam formas gra- maticais idénticas, & RIMAS ANTIGRAMATICAIS; 00 ainda as RIMASSEMANTICAS, onde a aproximagao s0- nora suscita a imoressdo de proximidade seméntica, as rimas ANTISEVANTICAS, onde a mesma aproxima- fo evidencia 0 contraste. De maneira geral, a repeti- ‘do sonora proveea sempre o aparecimento de uma relagdo semantica, «5. Emcertasépocas, os refinamentos da rima sio levados muito longe (¢ 0 caso dos séculos XIV e XV xa Franga); distinguem-se em conseqiéncia grande ni- mero de rimas particulares, que sto, na maior parte do tempo, combinagBes dos casos anteriores. Citemos a titulo de exemplo a RIMAEQUIVOCA, que implica a identidade da palavra fénica e a diferenca de senti- dos, por exemplo, no que eras/sonho das eras. > _0.BRIK, “Zvukovi Povtori", em Michigan Slavic Me- ‘erias, 5 (=: O.M BRIK, Two Essays on Poetic Language), Ann ‘Arbor, 1964; J. STAROBINSKI, “Les anagrammes de Ferdi- rand de Saussure”, Mercure de France, pp. 243-262, fev. 1964; Id., “Les mots cous et mats”, em To honor Roman Jakobson, Hila, 1967, pp. 19051917; Id., “Le texte dans le texte”, Tel ‘Quel, 37, pp. 3-33, 1969 [Estes trés artigos constam traduzidos em As Palasras Sob as Polavras, Perspective, Debates 97]; V.JIRMUNSKI, Rifa, jo istorii i teora, Lesingrado, 1993; \W. K. WIMSATT, “One Relstion of Rhyme to Reason’, em ‘The Verbal con, Lexington, 1954, pp. 153-166; P. DELBOUIL- LE, Pods et Sonortés, Bruxclas, 1961. (Chama-se ESTROFE a sucesso de varios versos (a partir de dois; o limite superior nao é fixado, mas parece que nfo se emprega mais esse termo além dos ‘quatorze versos). Em certo sentido, a estrofe é para © Verso © que 0 verso & para a medida: ela exige tam- ‘bém a repetisio de uma certa figura para que se pos- sa considerd-la concluida. As estrofes de um poema possiem muitas vezes a mesma figura de rimas e me- ‘ros, ou alternam duas figuras etc. Se 0 texto inteiro (© poema) se compde de uma tinica estrofe, ni se po- de mais falar de ozgunizagdo estrofica. Diz-se que uma estrofe € ISOMETRICA se 0S versos que a compéem apresentarem 0 mesmo mimero de medidas; no caso inverso, chama-se HETEROMETRICA. De outro lado, conforme o nimero de versos componentes da estro- fe, distingue-se 0 DISTICO, 0 TERCETO, a QUADRA ete. Se uma estrofe idéntica reaparcce repetidas vezes no poema, fala-se de REFRAO. ‘A combinaclo das estrofes entre si também foi codificada, 0 que produziu as FORMAS FIXAS da ver~ sificago. Entre as mais conhecidas figuram: 0 RON- 6, construido sobre duas rimas, sendo o refrio reto- mado no meio e no fim; 0 TRIOLE, sempre is6metro, de oito versos, rimado na seguinte ordem (as maitis- cculas designam os versos repetidos, isto é, 0 refrac): ABaAabAB; a DALADA, composta de trés estrofes ho- ‘morrimicas e isométricas, e de um envio, uma home- nagem no fim da poesia; o mais das vezes, as estrofes ‘comportam tantos versos quantas sflabas hé em cada verso; 0 envio comporta a metade deles. O mais co- inhecido, enfim, 0 SONBTO, composto de quatorze ver~ 80s, divididos em 4+ 443+ 3ouaindad + 44+ 4 + 2 (soneto shakespeariano) etc., com numerosas variantes na disposicdo das rimas. Estas formas, muito vvivas na poesia medieval e cldssica, so hoje mais raras. => _Alguns tratados de versiticagdo francesa} M. GRAM- MONT, Pett Traté de versfication francaise, Paris, 1960; 3. ‘SUBERVILLE, Histoire et Théorie de versification francaise, Paris, 1956; W.T. ELWERT, Traité de versiicaion frangabe, Pars, 1965, Bibliografia: J. MAZALEYRAT, Pour une érude pms vers ras moderne, Notes biographies, (08 CONCEITOS DESCRITIVOS 183 | 4, Escritura A notacdo grétics HB Escrrtura, no sentido amplo, todo sis mi6tico [103 e s] visual e espacial; no sentido estrito, um sistema grafico de notacao da linguagem*. Mais precisamente, distinguir-se-A na escritura, tomada na acepeio large, a mitografia e a logografia, que coe- xistem hoje, mas a cujo propésito se tentou muitas ‘vezes levantar o problema da anterioridade histérica, A mrroararia é um sistema no qual a notago grifica ndo se refere a linguagem (verbal) mas forma ‘uma relagio simbdtica independente. Se dividirmos os sistemas semidticos conforme a natureza do sentido requerido para a recepeio dos sinais: visio, ouvido, tato (pois 0 gosto'e o olfato no produzem sistemas semisticas elaborados) e, de outro lado, segundo 0 ca- + Bex portugut, alguns ings dtnguem tualment, a dua cep es com oempcego de esrtue para prin cas ¢ est pra 0 Segundo, (do 7. (0S CONCEITOS PESCRITIVOS 185 reiter pontual ou durativo dos signos, a mitografia reti- ne sistemas de signos de cardter durativo que se diri- ‘gem A visio ou a0 tato. A mitografia se realiza de varias formas. Cite-se a representasio por objetos (utilizados como tropos {246} daquilo que sienificam): € 0 caso da famosa men- sagem enderesada aos persas e composta de tum rato, uma ra, um péssaro e cinco flechas. Este tipo de comu- nicagdo parece universalmente difundido: em Suma- tra, os Lutsu declaram guerra enviando um pedago de mateira marcado de entalhes, acompanhado de uma pena, do cabo de um ticdo e de um peixe; isto significa que irdo atacar com tantas centenas (ou millares) de homens quantosentalhes hd na madeira, que serdo tio répidos como o passaro (2 pena), devastardo tudo (0 tigdo) e afogarao seus inimigos (o peixe). Na r do Alto Nilo, os Niam-Niam colocam no caminho, quando um inimigo penetra em seus territorios, uma espiga de milho e uma pena de galinha e, no alto de ‘uma casa, uma flecha; 0 que significa: se vocks toca ‘rem em nosso milho e em nossa criacdo, serdo mortos. Outra forma de mitografia é a notacdo por meio de nds num cordel ou fita, utilizada sobretudo para contas; nosso ‘'n6 no lenco”” é um exemplo disso. Ou- tra ainda: todos os entalhes e cortes euja fungio écon- tar (por exemplo, os dias do ano) ou assinalar a posse (as marcas no gado). Signos “‘naturais”” como as pe- zgadas de animais ou de seres humanos podem figurar nna mitogratia A parte mais importante da mitografia ¢ forma- da pela PICTOGRAFIA isto é, desenhos figurativos, uti- lizados com funcéo comunicativa. Um sistema relati- vamente elaboracio de pictogramas existe entre 0s es- quimds do Alasca que, ao safrem de casa, deixam na porta uma mensagem desenhada, indicando 0 rumo que tomaram ¢0 género de atividade & qual se entre- gam. A vinculagdo de um significado preciso a um de- senho fica estabelecida a partir do instante em que o desenho tende a tomar-se esquemético e estilizado; desde o instante também em que € o tipo de aconteci- ‘mento, muito mais do que 0 acontecitento individual, ‘que se acha representado. O Iugar histérico da picto- ‘srafia continua sendo muito discutido, E possivel ainda agrupar os sistemas mitografi- cos, ndo mais segundo sua substdncia — como aca- bbamos de fazer — mas segundo o tipo de significagdo 186 _DICIONARIO ENDICLUPEDICO... que instauram, Encontraremos enido as mesmas fungdes dominantes quena linguagem verbal: a denominagio, que permite identificar um objeto singular (ef. as marcas eentalhes) ¢a descrieio (cf. 0s desenhos ¢ objetos re- presentativos). Mas é preciso notar que, em nenhum 280, relago coma linguagem verbal é necessétias mais ainda, com freqincia, ela nao € possivel. Nao hd pa- lavras precisas etinicas que devamos vincular a deter- ‘minado desenho ou a determinado objeto; dai por que & precisorejeitar a teoria segundo a qual os pictogra- mas correspondem a frases (a0 contrério de outros signos que designam as palavras ou os sons): as frases como as palavras so unidades linglisticas; @ mitografia € tum sistema semiético auténomo, Apesar de sua extensio universal, a mitografia nunca desempenhou um papel tZo importante quan- toa linguagem. Os sistemas mitograticos cobrem sem- pre setores bastante limitados da experiencia, 20 pas- So que a linguagem tem um alcance totalizante. Pro- vavelmente porque os pictogramas formam séries abertas enio-oreanizadas, enguanto que a linguagem € concebivel coma wma combinatdria: um numero re- duzido de sons produz um ntimero muito elevado de palavras; estas, por seu turno, produzem um niimero infinito de frases. Hoje, a linguagem (verbal) coexiste com sistemas mitogréficos; e nao hé qualquer ra7ao para querer re- duzir uma ao outro na pré-histéria da humanidade. Parece, entretanto, que foi, no essencial, a partir da mitografia que se desenvolveu a LOGOGRAFIA, siste- ‘ma grdfico de notacdo da linguagem. A outra Fonte da logografia seria, segundo Van Ginneken, a lingua- ‘gem gestual. Todas as escritas, no sentido restrito do termo, incliem-se na logogratia. Existem varios principios logograficos, que re- ‘gem, de maneira complementar, as diferentes eseri- tas, Nenhuma escrita, de nenhum povo, obedece a um principio tinieo; cumpre, portanto, no quadro de uma tipologia geral, classificar principios ¢ néo escrituras. I. Primeiro grande principio: 0 que se pode cha- rar de MORFEMOGRAFIA; o signo gréfico denota uma unidade lingiistica significante. Deve-se empregar 0 termo morfemografia em lugar dos termos, desorien- tadores, ideografia ¢ IDEOGRAMA: em nenhum caso 15 signos grdficos denotam diretamente as “‘idéias”” (sto seria mitografia); denotam os morfemas ou, co- mao no caso do chinés eléssico onde os dois coincidem, as palavras. A prova é que 05 sin6nimos ndo sto re- presentados, nesses sistemas, por signos semelhantes. sistema morferiografico, como todo sistema logo- grafico, denota alinguagem, nao o *“pensamento” ou a “experitncia”, IL, Segundo grande principio: a FONOGRAFIA, on- deo signo grifico denota uma unidade lingiistica niio- significante, um som ou um grupo de sons. No pri- meiro caso, falamos de ALFABETOS, no segundo de st LABARIOS. Historicamente, as duas formas parecem “de fato ligadas: encontramos primeiro os silabirios se- miticos; a seguir, uma forma intermedidria, os ALFA- BETOS CONSONANTAIS (dos quais 0 fenicio € do pon- to de vista histdrco o mais importante): nas linguas semiticas ¢ hamitizas, a ndo-notado das vogais € “na tural”, correspondendo estas as nossas desinéncias ¢ sendbo 0 “esquele> consonantal” 0 par do radical. Sao (0 gregos que comecam a notar sistematicamente to- 40s 08 sons, inclusive as vogais (servindo-se para tan- to de letras fenicis com valor de consoante)e formam assim o alfabero, no sentido estrito da palavre. Os al- fabetos mais difindidos no mundo e, em particular, © latim e 0 cirflicn, sao derivados do alfabeto grego. principio fonogratico se articula historicamente 20 prinefpio morfemografico. Bis como: 0s morfemo- ‘gramas puros (que antigamente eram chamados, co- ‘mo vimos, ideogramas ou ainda HIEROGLIFOS), em- ‘bora funcionando como significantes de um morfe- ma, unidade da linguagem, so construidos como uma imagem esquemitica do objeto ou do ato, designado pelo morfema em questo; ou ainda do gesto, “naru- ral" ou convencional, que acompanha esta ou aquela atividade, (Nao se deve exagerar, & claro, nem a se- melhanga da imagem com 0 objeto: 0 desenho se ¢s- tiliza muito depressa; nem o cardter “natural” e “uni- versal” dos signes: nada hé de comum entre os hie- r6glifos sumerianos, chineses, egipcios e hititas rela- tivos a um mesmo objeto.) O mesmo processo ocorre com respeito ao que se chamam AGREGADOS LOGICOS, signos formados de duas unidades jd significantes (co- ‘mo na palavra “arranha-céu": assim em chinés se de- signa @ palavra “‘querela”” pelo signo duas vezes re- petido de “‘mulher”’; em sumeriano, a palavra *co- mer”, pelo signo de “pao” dentro do signo de “bo- ca”. Pode-se observar ainda a presenga do tipo de sim- bolizagdo que se denomina metaférico, onde o signo Go “sol” designa também “brilhante”; de fato trata. se aqui de uma sinédogue). Ore, foi a impossibilidade de generalizar este principio de representagdo que introduziu, mesmo nas ‘scritas fundamentalmente morfemograficas como © chinés, 0 egipcio ou o sumeriano, o principio fono- agrifico. Pode-se quase dizer que tode logografia nas- ce da impossibllidade de uma representacdo icOnica eneralizada; sio os nomes préprios e as nogBes abs- ‘ratas (inclusive as flexdes) que serdo entio notados foneticamente. A introducio do fonografismo ocorre por varios caminhos: 1. Por R#BUS, processo que parece haver desem- penhado 0 papel mais importante, que consiste em notar umia palavra usando o signo de outra, porque fas duas sié homéfonas. Por exemplo, em sumeria- no, 0 signo de “‘flecha””, que se diz ti, servira para designar também “vida”, que se diz igualmente ti. Es- te principio do rébus nao implica a identidade perfei- ta; por exemplo, em egipcio ‘“‘mesire” se diz nb e & rnotado com 0 mesmo signo que 0 de “‘corbeille” que se diz.nb.t, sendo o f 0 signo do feminino. Uma vez estabelecida a relagéo homogrética, 0 locutor sente também (€ provavel) uma semelhanca no sentido: se ‘em chinés se designa por won 0 feiticeiro eo mentiro- so, esquecemo-nos que se trata no caso de um rébus, passando a ver af um parentesco, de acordo com 0 co- nhecido principio da etimologia popular [143]. Nos nomes proprios, combinam-se, por seu valor fonéti- 0, varios hierdglifos, sempre de acordo com o prin: cipio do rébus: por exemplo, entre os astecas, 0 no- me proprio Quauhnavae, que significa “perto da flo- testa” (quauh, “floresta”; nawac, “!perto”), é nota- do por meio dos signos de “floresta” e “fala”, por- que esta palavra se diz naua-t! (ainda aqui funciona © auase). E curioso observar que tal procedimento in- fluenciou mesmo os sistemas mitograficos: se numa lingua designarmos pela mesma palavra “‘anel” ¢ “re- torno”, um anel é enviado a um exilado para cham4- To.de volta.& sua casa. 0S CONCEITOS DESCRITIVOS 187 2, Por empréstimo recebido das linguas estran- ‘gciras. Sabenclo que determinado hieréglifo se pronum- ‘cia de determinada maneira em uma lingua vizinha, pode-se utilizé-lo na prépria lingua para notar os mes- mos sons, embora Ihe dando um sentido diferente. Foi assim qu¢ 08 acadianos tomaram emprestados signos sumerianos. 3, Por ACROFONIA. Cada hieréglifo assume aqui valor do som inicial da palavra que ele designa. As- sim o hieréglifo para “boi” comeca a ser lido como 4, primeira letra da palavra alef que significa “boi”? (6 que explicaria os nomes dados as letras em hebrai- c0, Brego etc.). A generalidade deste processo foi mui- tas vezes contestada, e pareve que se trata, ainda aqui, de uma “etimologia popular": o nome da letra ¢ amiti- de um meio mnemotécnico (como os prenomes que nos server para soletrar ao telefone) para o qual se procura, depois, uma motivacao. III, Um procedimento largamente difundido nas escritas de dominante morfemografica é 0 que 0s his- toriadores da escrita denominam 0s DETERMINATIVOS, ‘SEMANTICOS (on chaves). So signos graficos junta- dos ao hierdglifo clementar, que permitem distinguir (0s homénimos e especificar o sentido da palavra (em nossas linguas, so 0s sufixos que assumem a segun- dda fungo: assim “‘trabalhador” se distingue de “tra- balhar”, comportando a mesma ‘idéia’” de trabalho). ‘Em sumeriano o mesmo signo de ‘‘charrua” signifi- ‘ca, com o signo de ‘madeira’? como determinativo, ‘© proprio instrumento; com o signo de “‘homem"" co- mo determinativo, aquele que 0 utiliza. Esta andlise €particularmente desenvolvida na escrita chinesa, on- de é possivel dispor de 214 determinativos que repar- tem as palavras em classes, a0 modo des categorias ‘semainticas como animado, inanimado etc.; 0s deter- minativos no se pronunciam. Uma tal categorizacio pressupée evidentemente uma andlise ldgica da lingua, (© que justifica 0 seguinte reparo de Meillet: ‘os h ‘mens que inventaram e aperfeigoaram 2 escrita foram ‘grandes lingilistas e foram eles que criaram a Lingiifs- tica””. O alfabeto, de seu lado, pressupde 0 equiva- lente a uma andlise fonolégica da lingua. ‘Nenhuma escrita nacional é a pura encarnagio de um princfpio ou de um processo de escrita. Con- trariamente 20 que se afirma em numerosas especu- 188 _DICIONARIO ENpIELOPEDICO... lagGes sobre a escrita chinesa, esta néo é exclusivamen- te morfemogrdfica (‘‘ideogréfica”); mais ainda, a ‘grande maioria dos signos chineses sao utilizados por seu valor fonético. Do mesmo modo, 0 deciframento dos hieréglifos egipcios patinhou enquanto Champol- lion ndo descobriu que alguns deles tinham valor fo- nético, Inversamente, os alfabetos ocidentais nao sto, ‘como se cré facilmente, totalmente fonéticos: uma mesma letra designa varios sons, e um mesmo som € designado por vérias letras; certos elementos fEnicos (por exemplo, a entonagiio) nao possuem equivaiente grafico, certos elementos graficos (por exemplo, 2 vir- gula) no possuem equivalente f6nico; certos signos ‘srificos (como 0s algarismos) funcionam 20 modo dos hicréglifos ete. > Obras fundamentais: H, JENSEN, Die Schrift in Ver ‘gangenheit und Gegenvart,2* ei, Becim, 1958; J. FEVRIER, Histoire de Péerture, 28 e4., Pars, 1959; |. J-GBLB, A Study of writing, 2 ed., Chicago, 1963; L'Earture et la Paychotogie tdes peuples (Atas de um coléquio), Paris, 1963; A. LEROI- GOURHAN, Le Gear et la Parole, Pasis, 19641965. Bitio- srafia: M, COHEN, La Grande Invention de Pécriture, 2 v "Documentation et index”, Pars, 1958. Sobre a origem da ex rita na linguagem gestual: THANG TCHENG MING, L’Eeri- ture chinolse et le Geste hunain, Pais, 1937; J. VAN GINNE- KEN, La Reconstruction typologique des langues archaiques de Phuunanité, Amsterd8, 1939. Estudos sobre a eseritura no qua- ‘dro da Lingbisienestrtural: J. VACHEK, “Zum Problem det geschriebenen Sprache", nos Travaux du Ceree linguistique de Prague, 8, 1939; H. J. ULDALL, “Speech and writing”, em “Acta Inguistca, 1944; D. BOLLINGER, “Visual Morphemes”, Language, 1946, Fumo a uma gramatologia Os estudos relativos a eseritura tomaram quase sempre a forma de histdria — a menos que sejam con- sagrados aos problemas da decifragao: numerosas ¢s- critas (por exemplo, a dos maias, da Iha de Pascoa tte.) nos so ainda incompreensiveis. Este projeto, es- crever ‘a histéria da escritura”, encontra-se no li te do possivel, visto que a historia pressupde a escri- tura, no sentido amplo: ela é impensével sem a exis- téncia de signos ‘‘durativos”. Infelizmente, todas as histérias da escritura acei- tam até agora como postulados certas afirmativas que a lingiistica contempordnea ou mesmo o simples bom senso tornam susreitas. Assim, @ evolugdo da lingua- gem e da escritura é sempre encarada como um movi- mento do concteto para 0 abstrato: o que é pelo me- ‘nos problemético. Basta pensar nos mimeros, sempre atestados desde os documentos mais antigos. Ou ain- da, postula-se a exsténcia de um movimento teleol6- gico: da mitografia para a logografia, da morfemo- sgrafia para a fonografia, em nome do principio pou- co explicito da eficdcia. Mas a mitografia continua a cexistir em nossos dias ¢ a escrita chinesa néo é hoje mais fonética do que era ha mil anos. Tais postula- dos sto fruto de uma visto etnocéntrica, no de uma observasdo dos fetos. __Actapa histérica da acurmulagio dos fatos deve- ria ser ultrapassada pela claboracao de uma GRAMA- TOLOGIA, ou ciéncia da escritura. A descoberta das Ieis da evolucdo serd apenas uma das tarefas da gra- matologia, a0 lado de uma definicdo do préprio fato dda escritura, no seio de outras atividades semidticas, ede uma tipologia dos princfpios ¢ técnicas graficos. (0 tinico esbogo desta ciéncia positiva se encontra por orano livro de 1.J. Gelb, A study of writing, the foun- dations of grammatology (1952). Na Franca, al es- tudo foi levado no sentido de uma critica filossfica dos conceitos fundamentais da escritura e da lingua- gem em conjunto [309 ¢ s.]. E evidente que se deve encarar o estudo da escri- ‘ura numa perspectiva também etnoldgica. A escritu- ra, mais ainda que a palavra, parece ligada & magia, A religido, A mistica. > _ Estudos filoséficos: M. Y, DAVID, Le Débat sur les écrtures et Uhitroglyphe aux XVII et XVITM sidcles, Pa. 1s, 1965; J. DERRIDA, De la grammatologie, Paris, 1967 (Trad. bras. Gramatologia, Sio Paulo, Perspectiva, 1973, Ex tudos 16,] Estudos etnologicos: F. DORNSEIFF, Das Alpha- bet in Myst und Magie, 2* ed, Betlim, 1925; A. BERTHO- EBT, Dig Macht der Shri Cleuben ned Abergoube, Ber. tim, 1949. (0S CONCEITOS DESCRITIVOS 189, fades significativas Até o final do século XVII, era idéia técita en- tre a maioria dos lingiistas ocidentais que 2 menor unidade lingistica dotada de uma realidade na cadeia falada e, ao mesmo tempo, portadora de significasio, Ea PALAVRA: a frase é feita de proposigtes, feitas par sila vez de palavras. Se se decompuser a palavra, em sanieatis Ho-iaiiativas Gillabas, letras). A defi 0 da palavra permanece, alids, geralmente impli ta. E quea partigdo do enunciado em palavras parece desfrutar de uma espécie de evidéncia, que dispensa toda determinagao explicita. Esta partigdo se apéia, ‘com efeito, no apenas numa tradi¢ao gréfica solida- mente estabelecida desde a Renascenga, mas em fe- némenos de pronunciagao incontestaveis: a palavra é a unidade de acentuagao [174 ¢ s.] (as linguas acen- tuadas nao atribuem em geral mais que ut acento ot, pelo menos, mais que um acento forte a cada pala- vra); além do mais, certas modificacdes 86 se produ- zem nas fronteiras da palavra (por exemplo, em ale- mio, a diferenca dos sons de ¢ €anulada em fim de palavra e somente 14). 0S CONCEITOS DEScRITIVos 191 Foi da Lingiistica Comparativa que impbs una dissosagao palavra em unidades sig- “aificativas mhais elementares. Com efeito;a-compara- “Gao de dias linguas diferentes com o ito de estabele cer seu parentesco nio pode efetuar-se de palavra pa- 1a palavra, mas de parte de palavra para parte de pa- layra. —> _Turpot j asinale(verbote “Btimologia” da Encyelo- pélie, p99, cl. 1) que 0 eimologista deve, sa palavra & um derivado, “teconduztla & sua raiz, despojando-2 do apareiho eterminaOeseinflexdes gramaticais que a cisfarcam; se um composto, é preciso separat as suas diferentes partes. Nomesma espirto, ADELUNG (Mithridates, nota p. Xl, Beclim, 1806) zomba das pessoas qu: aproximam oalemto packen (“pegar”) do grego axary (“omar”) e no percebem que, uma Vez ana: Tisada a segunda palavra aa-ay, nem wm nem outro de seus clementos tema mais algo de semeltante com 0 verbo slemio. -Determinante também foi a descoberta do paren- tesco entre a maior parte das linguas indo-européias atuais ec sdnscrito: em sinscrito, com efeito, a orga- ‘alzagio interna da palavra ¢ particularmente notdvel, tos uns aos outros de maneira evidente, o que levou amitide a pensar que sua distineZio menos nitida nas ‘fnguas atuais nfo ¢ sendio um acidente devido aos aza- res da evolugao fonética. A maioria dos comparatis- va dois tipos de componentes: os elementos que de- signam nogSes ou categorias relatives & realidade (“co me” em ‘‘comerdo”) ¢ as marcas gramaticais que de- signam as categorias de pensamento, os pontos de vista intelectuais impostos pelo espirito a realidade. Os pri- meiros so denominados em alemdo BEDEUTUNGS- LAUTE e, na tradiglo gramatical frances, SEMANTE- MAS (04 RADICAIS); 08 segundos, BEZIEHUNGSTAUTE €-MORFEMAS, Para certos graméticos-fildsofos, a ‘unio dos dois elementos na palavra reflet ciago de um contesido empirico de uma forma a priori que, segundo a tradi¢ao kantiana, caracteriza todo ato do entendimento, No que concerne aos mor- Jemas mesmos, tornou-se habitual também distinguir, centre os morfemas, as FLEXOES —- que entram em sis- ‘temas de conjugacdo ou dectinacdo — ¢ 0s AFIXOS — ‘que sto mais independentes uns dos outros: em sonorizario” onde sonor é 0 semantema, re-do so 192 DICIONARIO ENCICLO¥EDICO. flexbes, ¢ ine iz, afixos. Ademais, conforme o afixo ‘aparece antes ou depois do semantema, & considera- do quer como PREFIXO (in-), quer como SUFIXO (i). Embora conservando a idéia de uma decomposi- ‘do necesséria da palavra, a maioria dos lingtistas mo- demos recusa a classificaedo precedente, alegando que la é valida, quando muito, para as linguas da Anti- aflidade cléssica, que ¢ introduzida nas linguas indo- ‘curopéias modernas pela projecdo do passado no pre- sente (0 que contraria o principio de uma descricio uramente sinerénica [139], ¢ enfim que quase nfo ‘tem sentido na maior parte das linguas no indo-euro- éias. Por isso se tomou habitual dar o mesino nome 4 todos 05 componentes significativos da palavra: os Jingiistas norte-americanos empregam nesta acepeo (0 termos MORFEMA ¢ FORMATIVO. Os europeus falam seja de MORFEMAS, seja de FORMANTES. A determi: nagdo dos morfemas, unidades significativas minimes, choca-se, na prética, com a dificuldade de aie o mor- fema deve set ao mesmo tempo um elemento mate- rial — um segmento da cadeia falada — e 0 suporte de uma significago. Ora, acontece muitas vezes que segmentos materialmente distintos suportam de ma- neira evidente a mesma significagao (como 0 de “sir” €0 va, foneticamente [vam], de vamos, ambos os quais designam o coneeito “ir”, ¢ cuja escolha ¢ automat ‘camente determinada pela pessca ¢ pelo tempo do ver- bo, ou ainda as duas formas peu e puis do presente do verbo ‘‘pouvoir”). De outro lado, é freqiiente um lemento fénico inanalisavel estar carregado 20 mes- mo tempo de varias significagdes claramente distin- tas (como 0 a do latim bona, “boa”, a indicar con- comitantemente que 0 adjetivo é do género “femi 10”, estd no caso “nominative” e no mimero “ gular”). Esta divergéncia entre o aspecto fOnico 0 aspecto semintico do morfema levou certos lingtis- tas norte-americanos a modificarem sua terminologia. ‘Chamam MORFE todo elemento fénico que tenha va- lor significativo endo seja analisavel em elementos f6- nicos significativos menores (assim i, va, a, nos exem- plos anteriores, sio morfes). Redefine-se entéo 0 mor- fema como uma classe de morfes: intuitivamente, trata-se de morfes que fornecem a mesma informa- fo semantica; esta ‘mesma informacao semintica”” intuitiva pode ser distribucionalmente descrita como segue: se dois morfes pertencem ao mesmo morfema, ‘0u sua substituiggo jamais é possivel num mesmo con- texto ou € possivel em todo contexto. Denominar-se4o ALOMORFES os morfes pertencentes ao mesmo mor- Fema (¢ 0 caso de ie va, nunca insubstituiveis, pois fio impostos pela pessoa e pelo tempo do verbo, ¢ & 0 caso também de peux e puis, sempre substitsiveis). Quanto ao morfe incumbido ao mesmo tempo de vé- sias informagdes, embora inanalisdvel em elementos significativos meaores, é considerado membro de vé- rios morfemas diferentes (tornou-se habitual chama- 10 MORFE-CABIDE).. —> Sobre a nogdo de morfema na Lingitstica norte- americana, consulta: CH. F. HOCKETT, A Course in Modern Linguistics, Nova York, 1988, Cap. XXXII, asim como B. P. SHAMP, A Glossary of American Technical Linguistic Usage 1925-1950, Utrecht, 196. Mézodes de determiaasio dos mor ‘emas sio Gados pot. S. HARRIS, Siructural Lingus, Chi- ‘cago, 1951 (retditado sob o titulo de Structural Linguistics), ‘Caps. XM a XIX. Cabeotar que Harris denomina MORPHE- MIC SEGMENT aquilo que foi aqui designado por morfe © ‘MORPHEME ALTERNANT, aquilo que oi aguichamado alo ‘morfe.B preciso disingur culdadosamente, entre todos os usos da palavra morferaque acabamos de apresentar, o que é feito por L. HJELMSLEY (Essais linguistiques, Copenhague, 1959, pp. 152-164, "Essai dune théoris de morphemes” (Trad. bras. Enscios Liigisticos, Séo Paulo, Perspectiva, 1988, Debates 159]). Os MORFEMAS de Hjelmslev sfo elementos da signifi ‘apd, unidades de contedd (0 termo formante€reservado para designar sua expressio material). Ademais, como os morfemas dda tradigfo frances, s20 cles unidades de valor essensilents ‘ranratieale que se opdem As unidades com valor lexical (0s ple- Temas), Finalmente, morfemas e pleremas pertencem, para “Helmsley, a forma da lingua (33): portanto, definem-se ape- nas pelasrelagdes que os ligam 20s outros; 0 trago caracterist odes morfemas, po oposiedo aos pleremas, éque sua presen- ‘2 pode determina a (ou ser determinada pela) presenga de ou- ‘ros morfemas fora do sintagma de que fazem parte dretamen- ‘te alti, urna proposio pode determina a pretenca de um ‘certo caso nesta ou naquela palavra posterior). Certos lingitistas europeus viram alguma gratui- dade — e algum artificio — no esforco dos lingiistas norte-americanos para afirmar que o morfema é uma unidade fonica, dando a0 mesmo tempo um jeito pa- ra que satisfaca critérios de ordem semantica. E esta a razio pela qual A. Martinet elaborou a nogao de MONEMA. O monema ndo é nem de ordem fOnica, ‘nem de ordem semantica: representa um certo tipo de ‘escolha efetuada pelo sujeito falante no curso de um. ato de enunciagdo, O morfema constitui, entre as es- colhas determinadas diretamente pelo contetido da mensagem a comtnicar, a escolha elementar (inana- lisdvel em escolhas mais simples). Assim, 0 @ de ‘A sopa é boa” no corresponde a um monema, pois no éescolhido, mas imposto pelo gnero da palavra ‘s0- pa”. O mesmo sucede com 0 5 de “‘sopa”, porquan- to nao € diretamente determinado pelo contetido: st le foi escolhido, € para produzir a palavra ‘‘sopa” de preferéncia a “popa”, e & somente por intermédio desta palavra que ele participa do propésito de comu- nicapio. A escolha de ‘‘a sopa”, enfim, ndo é um mo- nema, pois € analisével — s6 Se deixa compreender ‘partir das escolhas do artigo definido “a” e de “‘s0- pa”. De forma positiva agora, haveria em nosso exem- plo cinco monemas, correspondentes & escolha 1) do artigo definido, 2)'do nome “‘sopa’”, 3) do verbo “ser”, 4) do tempo ‘presente do indicativo” 5) do adjetivo “bom” (poder se-ia também, mas a questo ‘€ mais controvertida, encarar um sexto monema, re- presentando a escolhia do ntimero “singular” A definico do monema como unidade de esco- Jha permite também descrever sem dificuldade os fe- nOmenos para os quais os americanos criaram 0s con- ceitos de alomorfe e de morfe-cabide. Pois nada im- pede de admitir quea mesma escolha possa ser repre- sentada por segmentos diferentes da cadeia falada, conforme os contextos em que aparece: assim 0 mes- ‘mo monema “artigo definido” sera manifestado, quer por 0, quer por a; conforme o género do nome que segtte, ou ainda 2 escolha correspondente & significa- sao “ic” se realizard fonicamente ora como [i] ora co- ‘mo [va]. Nada impede tampouco que duas escolhas distintas tenham como resultado um segmento inana- lisdvel da cadeia falada: diz-se entdo que os dois mo- nemas s%io AMALGAMADOS (ef. 08 monemas verbo ser” e “presente do indicative” amalgamados no seg- ‘mento 6). Martinet chega, de outra parte, a recuperar a diferenga entre os semantemas ¢ os morfemas da tra- dicdo gramatical francesa. Distingue, com efeito, dois tipos de monemas: @) Os MONEMAS GRAMATICAIS (como “presente do indicativo” ou “artigo definido”) que “pertencem a inventarios fechados”, no sentido de que o apareci- mento de um novo artigo ou um novo tempo fevaria rnecessariamente a modificar 0 valor dos artigos ou dos tempos existentes. 0S CONCEITOS DESCRITIVOS 193, 18) Os MONEMAS LEKICAIS, “que pertencem a in- ventdrios abertos” (0 aparecimento de um novo no- me de alimento no levaria necessariamente a uma mo- dificagdo do valor “sopa”). ‘Mesmo sob a forma muito flexivel dada por Mar- tinet & nogo de unidade significativa minima, a util dade dessa nogdo atualmente posta em diivida por certos lingtistas. Para os transformacionistas, os monemas, mal- grado sua abstrarao, continuam ainda demasiado pré- ximos da estrutura Superficial dos enunciados. Se se admite que as verdadeiras escolhas seménticas dos su- Jeitos falantes se situam ao nivel da estrutura profun- da [227], sua relacdo com a estrutura superficial é ain- da muito mais indireta e complexa do que a relasio de manifestagao que, segundo Martinet, liga os mo- nemas & cadeia falada. De outro lado, uma vez admitida a possibilidade de amélgamas (vérias unidades significatives so ma- 194 nifestadas por um tinico segmento fonico), como dis- tinguir claramente a unidade significativa minima dos elementos semanticos mfnimos (semas) de que falam semanticistas como B. Pottier ou A. J. Greimas (246]? Por que nio dizer que o segmento fénico “sopa”” ma- nifesta, amalgamando-as, as escolhas semanticas “all mento”, “liquido”, “salgado” ete.” Em suma, a srande dificuldade com que nos deparamos ao efetuar ‘uma andlise em unidades significativas minimas € ex- plicar por que, num momento dado, detemos a and- lise. > Sobre. anise dos monsmas, ver especialmente 0 Cap. IV dos Eléments de lingustique générale de Av MARTINET, Paris, 1960, A idéia de que esta andlse se bassia na nogio de “escola” 6 apresentada de manelra explicta em “Les cholx du locuteur”, Revue pillosophique, pp. 271-282, 1966. Encontrar- see uma critica transformacionista é linlistica de Martine, {esobretudo da nope de monsma, na resenha de P. M. POS” TAL dos Ztéments de linguistique générale (Foundations of Lar- _Euage, 1966, pp. 151-186). 6. Partes do discurso ‘Avbusca de uma ordem regular no interior de uma Iingua parece muitas vezes implicar, entre outras ta- Tefas, a classificagao dos elementos da referida lingua. Se se considerar a palavra como o elemento lingiifsti. co fundamental, um dos primeiros deveres do lingtista +ha de ser entdo levantar uma classificagao das pala- vras. Os gramdticos gregos ¢ latinos denominavam PARTESDO DISCURSO (ueqnrovhoyou, partes orationis) as principais classes de palavras que eram levados a distinguir. A determinagdo e a definico de tais clas- ses foram objeto de numerosas discuss6es durante a Antiguidade, sendo as distingOes, que hoje parecem mais claras, percebidas ¢ elaboradas apenas de ma- neira muito progressiva. > _Desta elaboracdo parecem ter participado princpal- mente ARISTOTELES (Podtica, 14570), 0 fl6sofo estcico Cri- S5p0, gramético aletandring Aristarco (cf, com relagd0 a0 dois itimos, QUINTILIANO, I, 4, 18, s.), Apol6nio Discolo (Ge euja obra encontrames fragmenios tadvzidos para o latin ‘ao longo das Insttuclones grarimaticae dz PRISCLANO), VAR- RAO (De Lingua Latina, VI, 36, VII, 44-48), etc. Sobre a hse (0S CONCEITOS DESCRITIVOS 195 ‘t6ria da teotia das partes do diseurso, consultar V. BRONDAL, ‘Les Partes du dscours, Copenhague, 1948 (Introdugdo), bem ‘como o resuma dessa hstéria antes de Varro, dado sob a for- sa de quadro, por J. COLLART, em Varron, grammairon la- tn, p. 158 Dis. Finalmente, o gramético latino Elio Donato (sé- culo IV) estabeleceu, em seu tratado De octo oratio- nis partibus, uma lista que nao sofrea mais, durante ‘quinze séculos, sendo retoques de pormenor: ela foi, afora pouca coisa utlizada pela Grammaire de Port- Royal e serviu de base, hé pouco tempo ainda, a mui- ‘as gramiticas francesas escolares. Contém as oito se- ‘guintes classes: nome, pronome, verbo, participio, conjunc, advérbio, preposicdo, interjeigdo. Em vez de discutir em detalhe esta classificayo, talvez seja interessante salientar, a seu propésito, a dificuldade geral suscitada por toda teoria das partes do discur- 0, € que diz respeito as suas condicdes de validade. ‘© que gerante que uma lista das partes do discurso a boa, ou mesmo que vale mais que outra? 4) Uma primeira resposta possivel seria dizer que ‘uma teoria das partes do discurso, para ser vélida, de~ ve ser universal, que suas categorias precisam estar re- presentadas em todas as linguas. E significativo que (05 graméticos antigos no hajam colocado explicita- mente esta questdo da universalidade. E que, para eles, era evidente, parece, que a sua classificacao tinha va~ Jor universal: viam-na como 0 quadro necessério de toda descricdo lingiistca possive (na terminologia de hoje, dir-se-ia que tal classificagao se Ihes apresenta- ‘va como um prinefpio de lingiitica geral, como um elemento da feoria lingiistca). Ora, uma certa dose de arificio era necesséria para defender essa tese, mes- mo atencdo-se apenas & comparapdo do grego e do la- tim, inguas relativamente préximas. Assim, como 0 a~ tim ndo possui artigos, os graméticos latinos tiveram de introduzir a forga em suas categorias do pronome as duas classes do artigo (agegov) ¢ do pronome (q@unuvpua) aue os gregos como Aristarco distinguiam ‘cuidadosamente. Com razdo maior ainda, a conside- ragio das iinguas “bdrbaras” teria tornado muito di- i -a universalidade da classificagéo. NAo s, como poderia ser de outro modo: se tabelecida a partir de inguas ddesse em seguida ser adaptada de maneira natural a todas as linguas, Mas como, de outro lado, definir par- tes do discurso, se nio pelo estudo das linguas parti- culares? para evitar esse dilema que o lingtista dinamaz- qués V. Bréndal, em sua pesquisa de uma teoria des partes do discurso com valor universal, renuncia a0 procedimento indutivo. Prope ele um mnétodo inver- S0, que consiste em construir uma classificacdo intrin- secamente justificdvel, ¢ cuja aplicabilidade as linguas reais seria, destarte, nevesséria a priori. Bréndal par- te da idéia de que as linguas tfm todas um fundamen- to logico, fundamento que, dada a universalidade da légica, deve ser idéntico para todas. Mas, para ser compatfvel com a experiéncia, a tese exige certas res- trigdes. Ela ndo implica, segundo Bréridal, que todas as partes do discurso, nem sequer que algumas, se apresentem efetivamente em todas as linguas. Trata- se antes de definir por raciocinio um inventatio de to- das as partes possiveis do discurso, ¢ de mostrar a se- guir que as linguas reais escolhem sempre suas partes do discurso no seio desse inventério: como uma and- lise das operag6es intelectuais faz aparecer quatro ca- tegorias fundamentais (a relacdo, 0 objeto, a quanti- dade e a qualidade), cada uma desias categorias to- mada isoladamente, e de outra parte todas as combi nagdes logicamente coerentes de varias delas, permi- tem definir as categorias possiveis do discurso (s80 15 segundo Brdndal); eas categorias realmente represen- tadas nas linguas nunca passardo de manifestagées desses possivels: assim, a classe das preposicdes do francés manifesta a categoria da relacdo, a dos pro- nomes, @ combinacéo entre a categoria do objeto € ada quantidade (visto que o pronome representa um objeto indeterminado, caracterizado apenas como quantificdvel). Vale notar que a dificuldade provoca- da pela classificagio de Brondal ¢ exatamente inver- sa aquela que a classificacdo tradicional suscita; a apli- cabilidade ds linguas particulares corre 0 isco de no ser demasiado diffcil, mas antes demasiado facil, de- do o nivel de generalidade em quese situam as defini- gies das categorias. +) Suponhamos que uma classificagao das par- tes do discurso abandone a pretenséo universalida- dee se limite a descrigo de uma lingua dada. Segundo ‘quais critérios eatdo se deve reconhecer sua validade? ‘Como estar certo de que a reparticio proposta revela ‘alguns tragos intrinsecos da lingua descrita? Uma con- firmacdo interessante seria que a classificacao estabe: lecida se justfica a partir de varios pontos de vista ferentes, e, por exemplo, que consideragdes gemini cas, morfolégicas,sintéticas, convergem pata impor 4 mesina distribuigéo das palavras em classes. Para que esse teste, entretanto, tenha valor indiscutivel, se- ria mister que a distribuicdo pudesse efetuar-se con- forme cada um desses pontos de vista independente- mente dos outros, caso em que o acordo entre eles, impossivel de prever a priori, provaria que a referida Grammaire de Port-Royal, 2! Parte, Cap. Ul. -Encontrare4 um comenticio deste texto no capitulo "Lingui tique” do Panorama des sciences humaines, Gallimard, 1971. A Gramética Transformacional leva, do mesmo modo, a desesperar de toda classificacdo semantica, ‘emesmo sintdtica, das palavras. Numerosas palavras so consideradas por ela, efetivamente; como 0 resi- duo em estrutura superficial de configuragbes profun- das muito diferentes. E 0 caso, por exemplo, quando ‘uma transformagio de NOMINALIZACAO produziu, em estrutura de superficie, um grupo nominal a parti ‘um enunciado inteiro da estrutura profunda [227]. Su ponhamos assim que “‘A construcdo da casa progri- de” tenha por origem ‘a casa é construfda”” e “isto progride”. Nao haveria ento muito sentido em por ‘numa mesma categoria o nome “‘construgdo”, que corresponde a um verbo da estrurura profunda, ¢ 0 nomé “casa”, que ja 6nome em estrutura profunda. les ndo podem apresentar valor semantico — pois este, segundo Chomsky, se léna estrutura profunda. E suas propriedades sintdticas, por sua vez, também diferitdio — pois se ligam grandemente & configura- Ho do eaunciado subjacente (assim “‘construgao", vindo de um verbo passive, poderé ter um agente da passiva “pelos homens", 0 que ndo € 0 caso de “ca- sa”). > _Parauma discussio pormenorizada da transformaao denominalzapio e das propriedades sinttices esematicas dos ‘noms daf provenientes, cf. P. CHAPIN, On the Sax of Word Derivation in English, M.1.T. Phil. Dissertation, 1967. Uma po- solo mais matizada é apresentada por CHOMSKY em sea cr s0 de 1967, Remarks on Nominalzation. Sobre & nominalize- ‘lo em francés, numerosas indicagdes aparecem em J. DUBOIS, Grammaire structurale du francais, la phrase, Paris, 1969. 7. Fungées sintaticas Na terminologia atualmente utilizada pelas gra- méticas escolares francesas, fazer a andlise de uma proposicao (andlise qualificada de gramatical) € indi- ‘car as fungdes desempenhadas pelas palavras ou gru- pos de palavras nessa proposicéo (determinar 0 cue & sujeito, complemento direto etc.). Da mesma ma- neira, efetuar a andlise de uma frase (chamada andli- se Idgiea; deve-se notar que Port-Royal fala disso na Logica, 2! Parte, endo na Gramdtica) & indicar as fur Ges exercidas pelas proposigdes da frase. Os dois exer- Cicios pressupdem que os constituintes de um enun- ciado possuem FUNCOES SINTATICAS diferentes, idéia que comporta, por sua vez, varias teses subjacentes: 1, Do ponto de vista sintatico, a totalidade cons- tituida pela frase néo é um puro aglomerado de ele- ‘mentos, um conjunto (no sentido matemético). Num conjunto, se ndo se Ihe juntar qualquer estrutura par- ticular, a relagio do elemento com o conjunto é idén- tica para todos os elementos, Ao contrério, a sintaxe define certas relagdes entre os elementos da frase © totalidade da frase, relagbes tais que dois elementos 08 CONCEITOS DESCRITIVOS 199 istintos se encontram a maior parte do tempo numa relacdo diferente em face da frase total (um & sujeito, por exemplo, o outro é complemento). 2. Bssa relagdo particular que une um constituin- te frase total pode ser descrita em termos finalistas, como um papel: admite-se que a frase, tomada glo- balmente, tem uma finalidade, ¢ que cada constituin- te se distingue dos outros pela parte que toma na rea~ izagio da referida qualidade. Como num organismo iolgico on social, cada membro da frase traz, su- postamente, sua contribuigdo especifica para a reali- zagio da tarefa coletiva, 3._A funcéo de um elemento nao é diretamente determinada por sua natureza: dois elementos de na~ tureza diferente podem ter a mesma fungéo (Por exe plo, duas palavras pertencentes a diferentes partes do discurso podem desempenhar o mesmo papel: um substantivo e um adjetivo podem ser atributos). In- versamente, consttuintes da mesma natureza podem ter fungGes diferentes (um substantivo pode ser ou su- jeito ou complemento). Os dois tipos de fendmenos parecem atestar a realidade e a autonomia da funcéo intética, como a realidade da funcao é atestada, em biologia, pela polivaléncia dos dreds ¢ pele possibi- lidade de que um supra o outro numa mesma funcdo. ‘O estudo das funroes sintéticas seria entao para o es- ‘tudo das partes do discurso o que a Fisiologia é para a Anatomia. > sobre adistingzo entre oestudo das partes do discurso ceo das fungbes: L. TESNIERE, Eléments de syntaxesiructura- le, Pars, 1965, Cap, 48, ouainda O. JESPERSEN, Philasophy of Grammar, Londses, Nova York, 1924, p. 9668. € Analytic ‘Syniax, Copentague, 1937, Cap. 31 4, Para sustentar enfim que as fungdes sintati- cas dependem da lingua, ¢ para distingui-las das in- tengScs infinitamente variveis dos sujeitos falantes, ‘cumpre admitir que, para uma lingua dada (ou, even- tualmente, para todas as linguas), hd um inventério bem determinado das funcdes sintaticas, e que as mes- mas podem aparecer nos enunciados mais diferentes. Desde a Antiguidade, duas fungies foram destaca- das, a do SUJEITO (indicar 0 objeto de que se fala) ¢a do PREDICADO (afirmar algo a seu respeito), ¢ Port-Royal 200 DICIONAnIO eygaEDICO... retoma esta distingo fundamental (2? Parte, Cap. 1). ‘Mas na medida em que @ andlise de uma frase em su jeito e predicado nao deixa residuo (uma parte do enunciado faz fungdo de sujeito, € todo'o resto, de predicado), a distinco foi durante muito tempo um Obsticulo & descoberta de outras fungSes. Séo os verbetes “Regime” ¢ “Construgao” da Encyclopédie que parecem ter inaugurado uma andli- se funcional que vai além da distinedo entre sujeito € predicado — e isto, introduzindo a nogo de Cont- PLEMENTO. Até este ponto, os problemas da organi- zagdo interna da frase parecem reduzir-se sobretudo ‘205 problemas de CoNsTRUCAO (entienda-se com isso a disposigio linear das palavras), icentificados por Port-Royal com a sintaxe sob o pretexto de que “sin- taxe” significa, etimologicamente, “por em conjun- to”, e aos problemas de regéncia (uma palavra “re- ‘ge” outra quando Ihe impde uma certa forma, por ‘exemplo, um caso ou um género). A noc&o'de fungao sintatica teve portanto, para ser utilizada sistematica- mente, de ser distinguida: a) da nogdo de regéncia (a fungdo “complemento direto”” permanece idéntica, ‘quer © complemento peca um caso particular, como em latim, quer ndo 0 pega, como em francés); 8) da nogio de construgdo (esta distingdo € claramente sa- lientada no verbete ““Construgao” da Encyclopédie; ai Dumarsais defende a idéia de que os enunciados la- tinos Accepi litteras tuas © Tuas accepi litteras, em bora apresentem construgdes diferentes, posto que a ordem das palavras difere, t2m a mesma sintaxe, pois as relagdes das palavras entre si so as mesmas). De uma forma positiva agora, quais fungBes podem de- sempenhar 0s elementos de uma proposicio, postas parte as de predicado e sujcito? Beauzée responde, no verbete “Regime” da Encyclopédie, tecorrendo & ogo de complemento, nogio que se deve a Dumar- sais, As palavras se ligam umas 2s outras na mecida ‘em que algumas se destinam’a “‘compleiar” o sentido, ‘em si mesmo lacunar, de outras. Dai a distingdo de dduas espécies de complementos: COMPLEMENTOS DE RELACAO, quando a palavra completada compreende idéia de uma relacio, ¢ quando a palavra comple- mento designa o objeto desta relacdo ("‘o autor do Mi- ssantropo”, ‘a mae de Coriolano”, **necessirio& vida”), ‘COMPLEMENTOS DE DETERMINAGAO, quando 0 con plemento simplesmente acrescenta determinagdes que especificam 0 que, no completado, fica indetermi- nado: se alguém come, ele come alguma coisa, num certo tempo, num certo lugar ete, e cada tipo de de- terminacao desse género possibilita um tipo particu- lar de complemento (de objeto, de lugar, de tempo ete). ‘ > Sobre a ecboragdo da nocio de fun sintétice nos culos XVII e XVIT, ver J. C. CHEVALIER, Histoire de la _gntaxe, Genebra, 1968, Chevalier mosira que o desenvolvimento da gramatiea franesa desta época se apresenta como uma lenta maturagio do concito de complementes, Este alargamento da nopdo de fungao gragas aos trabalhos de Dumarsais e de Beauzée nao seré mais posto em diivida pela lingiistica ulterior, malgrado certas diferencae de apresentagio. A nogdo se apre- senta aliés como indispensével para a descripao de nu- ‘merosas Iinguas, pois funda 0 conceito de COORDE. NAGAO SINTATICA: dois segmentos de um enunciado slo coordenados quando tém 2 mesma fungao (60 ca- so de “A noite” e “antes do almogo” em “Telefone A noite ou antes do almogo”). Ora, nao se pode dis- pensar a coordenacao se se pretende descrever conjun- ‘Bes como ee ou, que s6 podem ligar segmentos coor- donados: néo se pode dizer, sem efeito de estilo parti- ccular, “Ele trabalha @ noite e seu exame”, nem “Ele trabalha & noitee em Paris’. Em compersacdo, 0 que vai suscitar dificuldade, na teoria de Beauzée, & a justaposigao de dois tipos de fungdes inteiramente heterogeneas: de um lado, as fungdes “‘sujeito” e “predicado” — que parecem vin- culadas propria natureza do ato de julgamento Gulga-se sempre algo de alguma coisa) — e, de ou- tro, as fungdes de complementaréo, que tém um fun- damento de outra ordem, a saber, a impossibilidade de uma palavra exprimir uma idéia completa. Test re, por exemplo, tentard suprimir essa heterogencida- de: para ele, 2 oposigao0 do sujeito e do predicado sé s¢ justifica do ponto de vista “Iégico”, ponto de vis- ta que nao € aceitavel em Lingiistica. Em toda fun- ‘sdo ele verd pois uma complementacdo, ou ainda, se se aceita dizer que 0 complemento ““depende”” do com- pletado, uma relacio de DEPENDENCIA, Descrever a funebes sintéticas realizadas num enunciado é, pois, indicar as dependéncias existentes entre os elementos deste enunciado, Dado que um termo nunca é 40 mes- mo tempo completado ¢ complemento de um mesmo termo, dado que, de outra parte, a unidade da frase se manifesta pela existéncia de um elemento que no & ele mesmo complemento de nada, Tesnitre pode reptesentar a rede de dependéncias, organizando ‘um enunciado por uma espécie de arvore, que ele de- ‘nomina ESTEMA, onde 0 complemento fica sempre co- locado debaixo’ do termo completado, e ligado a ‘le por um traco. Eis 0 exemplo do que seria o este- ma de “Hoje Pedro compra para set filho um trem elétrico”. compra um ‘etre seu © termo superior, que ndo é complemento de na- da, e serve de chave de abdbada para a frase, & 0 PRE- DICADO (¢ em geral umm verbo nas linguas que possuem esta parte do discurso). Cabe-notar a propésito que, tendo definido a funcdo pela dependéncia, nao se po- de mais, a rigor, falar de-func&o “predicado”, visto que 0 predicado ndo depende de nenhum outro ter- mo. De outro lado, o predicado, para Tesnitre, éuma palavra particular, ao passo que, para Port-Royal, uum segmento bem mais longo do enunciado (é tudo (© que ndo & 0 sujeito)., ‘Uma ver constitufdo o estema; é preciso indicar anatureza das relagdes de dependéncia realizadas no enunciado. Tesnitre-distingue primeiro as relacées do primeiro nivel (entre o predicado e seus dependentes diretos) e as relacdes dos niveis seguintes. No segun- do grupo, néo faz classificagio explicita, mas, no pri- meio, estabelece varias subdivisoes. B quea frase re- (0S CONCEITOS DESCRITIVOS 201 presenta, para ele, uma espécie de “pequeno drama’’, ‘onde o predicado representa a ago (no sentido tea- tral), ou ainda 0 “proceso”, sendo os dependentes do predicado os principais elementos dessa agio. Sio de dois tipos: os ACTANTES (designando as persona- _gens) € 0S CIRCUNSTANTES (designando a situagéo). ‘Enquanto os circunstantes podem apresentar-se em ‘qualquer némero (no nosso exemplo, & um s6, *“ho- je", mas seria possivel juntar-lhe tantos quantos se ‘desejassem a fim de permitir no proceso indicagses de lugar, objetivo, causa etc.), ndo pode haver, segun- do Tesnitre, seniio trés actantes: 0 actante 1 é 0 sujei- to (aqui “Petro”), o actante 2 € 0 objeto dos verbos ativos (‘trem’) ou o agente da passiva ¢ 0 actante 3 €0 beneficiério (“filo”). Ao mesmo tempo pois que ‘Tesniéce reduz 0 predicado & condigao de mero ele- mento da frase (e nfo mais a totalidade do que é dito do sujeito), tira do sujeito a espécie de privilégio de que ele gozava até agora: ndo é mais do que um dos actantes, Assim a utilizagio sistemdtica da nogao de complemento faz rebentar a andlise tradicional basea- a na oposig&o do sujeito ¢ do predicado. A, Martinet tenta uma espécie de sintese entre as duas concepedes: a) O PREDICADO, para cle assim co- ‘mo para Tesniére, éum elemento particular do enun- ciado, aquele para o qual convergem todas as relagdes de dependéncia; nesta medida, nao exerce funcdo a ‘bem dizer, pois a funcao de um elemento se define sempre pelo tipo de relacéo que o liga ao predicado, diretamente — se é um constituinte primério (actante ou circunstante segundo Tesnitre) — ou indiretamente —se depende primacialmente de umm outro constituin- te. b) Mas, a0 mesmo tempo, Martinet procura fazer jjustica a esta espécie de preeminéncia de ha muito con- ‘cedida ao sujeito— c isto sem recorrer a uma ani do juizo, que extravasaria o dominio lingiiistico. A solucdo & dada pela teoria da EXPANSAO. E expansio ‘num enunciado todo termo ou grupo de termos que podemos extrair sem que o enunciado deixe de ser um enunciado ¢ sem que sejam modificadas as relagdes muituas dos termos restantes. Apés a ablagio de to- das as expanses, o enunciado residual chama-se “enunciado minimo”, ou NUCLEO (em nosso exem- plo.o micleo ¢ “Pedro compra”). Ora, sucede que em certas linguas (0 francés, mas ndo basco) o micleo 202 DICIONARIO ENGIRHIPEDICO... sempre tem 20 menos dois termos. Um é o predica- do, centro de todas as relacdes da frase; quanto 20 outro, Martinet o denomina suye!T0. Dizer que uma lingua comporta a funcdo sujeito significa pois dizer ue hé nesta lingua um complemento “obrigatorio”. Este cardter de obrigagdo permite assim opor p sujei- to a todos 0s outros complementos, ¢ isto sem recor~ rer aos eritérios “I6gicos”” da tradigaio gramatical, A nogdio de expansio, que permite a Martinet re- ceuperar o sujeito, permite aos distribucfonistas [41 es] norte-americanos reencontrar, as vezes de maneira in- voluntaria, as nodes de fungao e de dependéncia. A espécie de finalidade implicada pela idéia de Fungo parece inteiramente incompativel com a atitude “‘an- timentalista’” da escola em questio. Por isso a pala- vyra quase ndo aparece em seus trabalhos (ainda que Bloomfield a utilize de vez em quando, ef. Langit ge, Nova York, 1933, p. 169). Preferem, como Hoc kett, falar de ConstRUGAO. Suponhamos que se con- siga segmentar em constituintes imediatos [42] todos ‘os enuneiados de uma lingua, e que, ademais, sejam reagrupados em classes todos os constituintes com (mais ou menos) a mesma distribuic&o. Falar-se-4 de ‘uma construcio [4, B; C] se estabelecermos que, jun- tando de uma certa maneira um elemento da classe Anum elemento da classe B, obteremos um elemen- to da classe C, Assim é possivel falar de uma constru- ‘so [grupo nominal, predicado; proposicéo}. Mas a dualidade tradicional entre as fungdes do tipo sujeito ou predicado, e as fungdes de complemen- tagao (verbo — complementos verbais, nome — epi tefo) ressurge de uma certa maneira dentro do estudo das construgées. Representa com efcito um caso pa ticular da distingao entre duas especies de construgdes: ‘as construcdes EXOCENTRICAS onde A ¢ B so ambos diferentes de C (0 caso da construcdo que retine su- jeito e predicado), as construgdes ENDOCENTRICAS onde uma das duas classes constituintes & idéntica & resultante, Assim a construcdo [nominal, adjetivo; nominal] é endocéntrica: “‘bom po” é um nominal do mesmo modo que “pao”. Chamar-se-4 centro (os americanos dizem amitide head) da construcdo en- docEntrica o termo que é a0 mesmo tempo constituinte ¢ resultado: “nominal” ¢ centro da construedo pre~ ‘cedente, Uma tal construcdo corresponde bem & nocao intuitiva de dependéncia (bom depende do centro po). ‘Do mesmo modo, pode-se redefinir em termos de construsio a nogao de coordenagao (relacdo entre pa- avras de mesma fungdo), A coordenago ¢ uma cons- trugdo endocéntrica onde A = B = C: assim os trés segmentos “‘meu primo”, “minha prima” i po nominal”, A teoria das construsdes gera os mesmos proble- mas que o distribucionismo em geral. Ndo supe ela, para ser aplicada de forma razodvel, um recurso, ex- plicito ou nao, a significacdo? E possivel ver duas construgées diferentes em “Ele come noite” e “Ele come bife”, se nto se exigir, para que dois segmentos \representem a mesma construgao, que o efeito de sen- tido”produzido pela conjungdo dos termos em um € outro sejaridéntico? Mas este efeito de sentido pré- prio a um certo modo de combinacao sintatica, é mul- to diferente da fungéo, no sentido tradicional? ‘Sendo um dos objetivos da gramatica gerativa dar uma formulagdo precisa aos conceitos das gramaticas tradicionais, Chomsky teve de se preocupar em EX- PRIMIR A NOCAO DE FUNGAO EM TERMOS DE GRAMA- TICA GERATIVA, isto, embora a drvore que descreve ‘uma frase represente antes de tudo sua repartigao em constituintes imediatos. Dada 2 drvore correspondente uma frase, como deduzir dela as fungSes que ligam as palavras ou morfemas da frase? Seja a arvore se- guinte, correspoadente (mais ou menos) & frase (1) “Pedro compraum livro": s SN es artigo, N Pedro. compra um livre Como ler ai que “Pedro” é sujeito e “livro”, complemento direto de “‘compra”, sem adicionar in: formagées estranhas as contidas nas regras que engen- draram a frase? Basta, por exemplo, colocar como de- finigdo que um segmento X ¢ sujeito de uma frase se for dominado por um nd SN imediatamente domine- do pelo né $ que domina a frase. “Pedro” é portan- to sujeito de (1), Definir-se-4 de mancira andloga a relagio “ser verbo principal de uma frase”, e a sim- ples consideragdo da drvore mostrard que “compra” €0 verbo principal de (I). Basta estabelecer agora que Se X é sujeito de uma frase, e ¥ & 0 verbo principal da frase, entdo X é 0 sujeito de Y, para obter o resul- tado procurado: “Pedro” & sujeito de “compra”. A Gramética Gerativa procura assim reintegrar explicitamente essa nogo de funcio que os distribu- cionistas s6 encontram muitas vezes de modo impli. cito. No entanto, subsistem diferengas com 0 concei- to tradicional. 1, Para Beauzée, Tesniére ou Martinet, a nogdo de fungio ¢ bisica na sintaxe; na perspectiva de Chomsky, ao contrério, trata-se de uma nocio deri vada. A divergéncia reflete duas concepgdes assaz di- ferentes da organizacdo da frase: para os primeiros, tal organizacdio resulta de uma espécie de atragio que 9s elementos exercem uns sobre os outros. Para Chomsky, em troca, ela manifesta um conjunto de es- ‘quemas abstratos resumidos nas regras da gramética, e gue independem das palavras ou morfemas que vi- to preenché-los. 2. Para um chomskista, a representacdo sintéti- ca de um enunciado € dupla (conforme se considere a drvore da estrutura profunda ou a da estrutura su- Perficial); € possivel pois reconhecer também dois ni- veis de funcdo. Assim o enunciado passivo ‘Um li vro é comprado por Pedro”, cuja estrutura profunda € quase igual & de (1), terd por sujeito superficial “um livro” e por sujeito profundo, “Pedro”. Para a maio- ria dos outros linglistas, uma palavra tem ao contré- ro apenas uma funsdo, a que Chomsky denominaria superficial (notese entretanto a distincao tradicional ‘entre “'sujeito real” (i) ¢ ‘sujeito aparente” (place) ‘em “IL reste une place” (Resta um lugar). > _ Sobre a idéa de funpto sitétca na Lingistica moder- 1a, poder-sea consitar, por exemplo: L. TESNIERE, Eléments de syntaxe structurale, Paris, 1965, 1? Parte; N. CHOMSKY, Aspects of the Theory of Syntax, The M.L-T. Press, 1965, Cap. 1, §25 A. MARTINET, Zléments de lnguistique générale, Pa: ris, 1960, Cap. IV, ea Lingustique echronique, Pats, 1955, p. 206-229, Sobre a nose bastante préxima de “construc”, 05 CONCEITOS DESCRITIVOS 203 sa coo cot dias dof o£ seme cnc dn nn Se ttt Chen fa Be SS ME ube et ek 204 _DICIONARIO EygKKdPEDICO. ‘pelo norteamericano K. L. Pik, efetva uma espe de concliae ‘slo entre o Disiibuciontsmo ea tearia tradicional das funebes. ‘Como introduelo &tagmtmica podese consultar RE. LONGA- ‘CRE, Some Fundamental Insights of Tagmemics, sia, 1965. 8. Motivo A pesquisa da menor unidade significante de um ‘texto revela, mais dirctamente que qualquer outra. ligéncia, a escolha de postulados iniciais, por sua vez baseada em pressupostos filoséficos. Nos estudos atuais do discurso (¢ particularmente do discurso li- terdrio), podemos distinguir duas atitudes fundamen- tais. Uma consiste em considerar 0 texto como pre- senga plena, insubstituivel por ess@ncia; procura des- cobrir uma organizagao no préprio texto, preocupan- do-se com as formas lingiifsticas que o constituem. A ‘outra postula que a organizacdo do texto se situa fo- ra dele, que se coloca a um nivel de elaboragto abs- trata e que o texto ¢a manifestacdo de uma estrutura inacessivel @ observacdo direta. A primeira atitude, ao mestno tempo mais empi- rista ¢ mais respeitosa da literalidade do discurso, em ‘compensaco preocupou-se muito pouco em descre- ver seus instrumentos de trabalho ¢, portanto, suas uni- dades de base. Mais que para a frase ou a palavra, uni- dades lingitisticas cuja pertinéncia discursiva é incer- ta, orientar-nos-emos para a LEXIA, unidade de lei- 0S CONCEITOS DescRITIVoS 205 tura que, como esereveu R. Barthes, “‘compreenderé ‘ora alguns termos, ora algumas frases"; € definida co- ‘mo ‘*o melhor espago possivel em que se pode obser- ‘var os sentidos””. As dimensoes da lexia serdo portanto fungao do tipo de leitura adotado. A anilise /éxica se aparenta, de um lado, com a da sonoridade, do rit- ‘mo, das estruturas gramaticais ou estilisticas, na me- dida em gue se prende ao aspecto verbal do texto, as formas lingiiisticas presentes; de outro lado, concer- ne a andlise narrativa ¢ temdtica, porquanto se refere 20 sentido [268]. A outra atitude, a da abstrasao, foi adotada com freqiiéncia bem maior: sempre se procurou dividir 0 ‘conjunto de um texto em unidades menores e mais in- ‘eligiveis; e esta particZo seguiu, a maioria das vezes, as divisdes lingiisticas (tanto no plano do significado quanto no do significante). Assim: um romance divide-se em capftulos — ou em episédios; um poe- ‘ma, em estrofes e em frases; movido pela preocupa~ ‘eGo de obter unidades simples e indivisiveis, procura- se levar a andlise cada vez. mais longe: Tomachévski ia até a proposigio (‘cada proposigo possui seu pré- prio motivo”, isto é, aquilo que é a ‘menor particula do material temitico”); Propp mostrava que, no in- terior de uma proposicao, cada fermo podia corres- ponder a um motivo diferente; Greimas levou a and- lise até os semas, isto &, 2s categorias semanticas cuja conjungao forma o sentido da palavra. Pode-se aceitar que 0 sema seja 0 Atomo seman theo do texto, assim como ele 0 é no interior da frase lingiiistica. Mas para ser aplicavel & andlise discursi- va, € preciso que a nocdo seja especificada. ‘Na medida em que o sema é 0 resultado de uma anélise, nao basta a vontade de chegar a elementos in- decomponiveis; cumpre igualmente precisar a perspec- tiva em que a andlise se coloca. Quando observamos as relagdes de contigiidade e de encadeamento que se estabelecem entre unidades de sentido, colocamo-nos ‘num perspectiva sintdtica e procuramos levantar uma lista de PREDICADOS. Quando, em compensago, nao Jevamos em conta as relagoes de contigtiidade e de cau- salidade imediata, mas nos empenhamos em salientar as de semelhanea (e portanto de oposicdo) entre uni- dades amitide muito distantes, a perspectiva ¢ semén- tica, e obtemos, como resultado da anélise, os MOTI- 206 _DICIOWARIO ENGICLSPEDICO... ‘vos. As mesmas palavras, as mesmas frases serdo pois descritas por meio de semas diferentes, conforme 0 tipo de observacio adotado. > _B. TOMACHEVSKI, “‘Thematique”, em Théorie de la littérature, Paris, 1966; A. 1. GREIMAS, Sémantigue struc- tural, Pais, 1966, £. PALK, Types of Thematic Stractuie, Ci- ‘cago, 1967; R, BARTHES, 5/2, Paris, 1970. ‘A decomposigdo sintdtica é um tema freaiente nos trabalhos dos Formalistas russos. Assim, Toma- chévski se empenha no estudo da menor unidade sin- tatioa (embora ele a denomine “motivo” e a faga coin- cidir com a proposicio); e prope uina primeira sub- divisio dos predicados, ‘‘classificando o$ motivos se- gundo a acdo objetiva que descrevem”: “Os motivos que modificam a situag40 chamam-se motives dind- ‘icos, 08 que néo a modificam, motivos estdticos" Greimas retomard esta oposigao: ‘“Deve-se introdu zit a divisdo da classe de predicados, postulando uma nova categoria classemética, a que realiza a oposigéo estaticismo versus dinamismo. Conforme comportam © sema estaticismo ou o sema dinamismo, os seme- amas predicativos so capazes de fornecer informagdes quer sobre os estados quer sobre os processos concer- nentes aos actantes”’. Essa dicotomia explicita a opo- (0 gramatical entre adjetivo e verbo (a terceira parte lexical do discurso — o substantivo — ¢ aqui assimi- ada 20 adjetivo). Acrescentemos que 0 predicado ¢ dado como anterior ao processo de denominagio, a0 asso que o predicado verbal € contemporineo do mesmo processo; como diria Sapir, 0 primeiro é um “existente”, o segundo, um “‘ocorrente”. ‘A nogio de predicado narrativo aplica-se, assim, a todos os lexemas de uma frase; s6 Ihe fica exterior o sujeito da proposigdo narrativa (sto é, no caso mais simples, 0 nome da personagem) [209 e s.]. Podemos especificar ainda mais as subclasses de predicados a esse nivel, pondo em evidéncia as relagdes de trans- formagao discursiva existentes entre elas [263 ¢ s.]. ‘Tal exame dos predicados tem como limite 0 qua dro da propasiga0. Ora, € possivel situar-se no qua- dro da unidade narrativa superior, a segiiéncia, ¢clas- sificar os predicados segundo 0 papel que ai desem- penham as proposigGes que os contém. Tomachévsk propée, ainda aqui, uma dicotomia: “Os motives de uma obra séo heterogéneos. Uma simples apresenta- ‘eho da fabula revela que € possivel omitircertos mo- tivos sem, no entanto, destruir com isto a sucesso da harragdo, ao passo que outros ndo podem ser omit dos sem que seja aterado o liame de causalidade que une 0s acontecimentos. Os motivos que no se podem ‘excluir so chamados motivos associados; 0s que po- ‘demos descartar sm derrogar a sucesso cronolégica € causal dos eventos, so motivos livres”. R, Barthes retomou essa oposigdo, denominan- do os motivos associados de Tomachévski, de FUN- {GORS, € 05 motives lives, de fNDICES; estes ndo s80 “livres” no sentido de que poderiam estar ausent simplesmente, ndo participam do encadeamento cau- sal imediato ¢ se gam a pontos mais ou menos dis- tantes do texto; da por que Barthes fala de unidades Aistribucionais ne caso dos indices e de unidades in- tegrativas, no das fungSes. Ele subdivide, ainda, em dduas cada uma destas classes; as fungdes Sao micleas ‘ou catélises: uns “constituem verdadeiras dobradicas do relato (ou de um fragmento do relato)”; as outras “nada fazem sendo “preenche”o espago narrativo que separa as funOe-dobradicas””. Os indices, por seu ‘uumo, sfo “dices propriamente ditos, remetendo a ‘um cardter, a um sentimento, a uma atmosfera, a uma filosofia”, ou “irformagdes que servem para identi- ficar, situar no tempo no espaco”. Um predicado pode estar encarregaulo de varios papéis; set, por exemplo, funeio (isto, significar uma ado em relaGo causal imediata com a seqitncia) e ‘indice (caracterizar uma personagem): a polissemia das uunidades sintétices é mais a regra do que a exces. Podemos classificar os predicados a partir deo ‘108 pontos de vista, por exemplo, o de um género; ‘estabelecer-se-dentdo a lista dos predicados constan- tes e varidveis; € 9 caminho seguido por J. Bedier ¢ Propp. —> _B. TOMACHEVSKI, ““Thématique”, em Théorie de 1a littérature, Pais, 1966; V. PROPP, Morphologie du conie, Paris, 1970; A.J. GREIMAS, Sémantique siructurale, Pais, 1966; R. BARTHES, “Introdvetion & analyse scucturale des récits”, Communications, 8, 1965; T. TODOROV, Grammaire ‘du Décaméron, Hale, 196. A descrigdo das unidades da andlise remdtica es- ta pouco elaborada, por ora. O termo motivo é to- ‘mado ao estudo do folelore onde ¢ empregado, toda- via, com um sentido diferente (cf. infra); designard aqui a unidade tematica minima. Na maioria das ve- 2e8, 0 motivo coincide com uma palavra presente no texto; mas pode corresponder também a uma parte (Go sentido) da palavra, isto é, a um sema; outras ve~ zes, a um sintagma ou a uma frase, onde a palavra pela qual designamos 0 motivo nao figura, Cumpre distinguir © motivo do TEMA. Esta no- do designa uma categoria seméntica que pode estar presente em todo 0 curso do texto, ou mesmo no con junto da Literatura (0 “'tema da morte”); motivo ‘tema diferenciam-se, portanto, antes de tudo, por seu agrau de abstracéo e, por conseguinte, por seu poder de denotapao. Por exemplo, as lunetas sio um dos motivos em A Princesa Brambilla de Hoffmann; 0 olhar é um de seus temas. E raro, mas néo impossi- vel, que o tema também esteja presente no texto por ‘meio de um tetmo. Quando 0 motivo reaparece freqiientemente no decurso de um texto, ¢ assume nele um papel preciso, falaremos, por analogia com a musica, de LEITMOTIV (por exemplo, a pequena frase de Vinteuil, em A Busca do Tempo Perdido). Se varios motivos formam uma configuragdo estivel, que retorna amitide na Litera- tra (sem que seja forcosamente importante dentro de sum texto), designamo-la como TOPOS; é justamente ‘© que se chama motivo nos estudos de folclore. Cer- tos fopoi caracterizam toda a literatura ocidental, co- mo E.R. Curtius mostrou (o mundo as avessas, @ crianga velha etc.), outros sdo peculiares a uma cor- rente de Literatura (0s do Romantismo sao particu- larmente conhecidos). A presenga de um mesmo'o- ‘pos (ou de um motivo em geral) em duas obras ndo significa, evidentemente, que um mesmo ‘ema esteja igualmente presente em ambas: os motivos so poli- valentes, eno se pode reconhecer validamente a pre- senga de um tema, a ndo ser apés a andlise do texto em sua totalidade, Frente a este aparelho conceitual pobre, nume- rosas so as tentativas de descricio substancial, e nfo formal, das unidades teméticas. Mas aqui a andlise literdria tropesa numa de suas maiores dificuldades: ‘como falar dos temas ou das idgias em literatura sem reduzir a especificidade desta, sem fazer da literatura 0S CONCEITOS DESCAITIVOS 207 tum sistema de traduso? Na época contemporanea, quase todos os sistemas temdticos se inspitam numa ou noutra tendéncia psicanalitica: a teoria dos arqué- tipos de Jung; a dos componentes materiais da imas nnacdo (os quatro elementos), de Bachelard; a dos ci clos natura (as quatzo estagbes; as horas..), de Frye; dos mitos ocidentais (Narciso, Edipo...), de Gilbert Durand. Tais construgdes, tdo engenhosas quanto fré~ geis, ameacam incessantemente soterrar a especifici- dade literdria: no desejo de englobar toda a Literatu- ra, englobam sempre mais que a Literatura; de outro ado, recusar-se a reconhecer a existéncia de elemen- tos temiéticos no texto literdrio, tampouco resolve 0 208 _DICIONARIO ENGIGzOFEDICO.. problema. E preciso chegar a mostrar a semelhanca entre a literatura ¢ os outros sistemas de signos, a0 mesmo tempo que sua originalidade espectfica; 6 um trabalho que esta por fazer. > _W. KAYSER, Das spracliohe Kunstwerk, Bera, 1948; E.R, CURTIUS, La Littérature européenne et le Moyen Age latin, Patis, 1956; G. BACHELARD, La Poétique de espace, Pars, 1957; N. FRYE, Anatomie dela critique, Pats, 1969: G. DURAND, Le Décor mythique de la “Chartreuse de Parmie”, ‘contribution a 'esthétique du romanesque, Paris, 1961; R. Gi RARD, Mensonge romantique et Vérité romanesque, Paris, 1961; T. TODOROV, Introduction é la liaérature fantasique, Paris, 1970. 9. Personagem Critica, Definigso A categoria da personagem permaneceu, paradoxal- ‘mente, uma das mais obscuras da Poética. Umadasra~ es reside, sem diivida, no pouco interesse que escrito res ¢ critioos concedem hoje aessa nogdo, reagindo contra asubmissdo total a “‘personagem”, que foiaregra do fim do século XIX. (Arnold Bennett: “A base da boa rosa é a pintura dos caracteres, e nada mais”.) ‘Uma outra razao desse estado de coisas é a pre- senga, na nogdo de personagem, de varias categorias diferentes. A personagem néo se reduz a nenbuma delas, ‘mas participa de cada uma. Enumeremos as principais: 1. Personagem e pessoa ‘Uma leitura ingnua dos livros de ficgéo confunde personagens e pessoas vivas. Chegou-se mesmo a es- crever “biografia’” de personagens, explorando até partes de sua vida faltantes no livro (“Que fazia Ham- let durante seus anos de estudo?”), Olvida-se ento 0S CONCEITOS DESCRITIVOS 209 que o problema da personagem é antes de tudo lin- alistico, que ela ndo existe fora das palavras, que € um “ser de papel”. Entretanto, recusar toda relacdo entre personagem e pessoa seria absurdo: as persone ‘gens representam pessoas, segundo modalidades pro- rias & fieedo, 2. Personagem e visio A critica do séeulo XX quis reduzir 0 problema da personagem ao da visio [293 ¢ s.] ou do ponto de vista, Confuso tanto mais f4cil quanto, desde Dos- ‘oiévski e Henry James, as personagens so menos se- 5 “objetivos” que consciéncias das “subjetivida- des”: em lugar do universo estavel da fiesdo cléssica, ‘encontramios uma série de visdes, todas igualmente in- certas, que nos informam muito mais sobre a facul- dade de perceber e compreender, que sobre uma pre- tensa “‘realidade”. Nao obstante, ¢ fora de duivida que a personagem néo é redutivel & viso que ela mesma tem de seu contexto e que numerosos outros procedi- mentos se Ihe vinculam necessariamente, mesmo nos romances modernos. 3. Personagem e atributos ‘Numa perspectiva estrutural, tendemos a estabe~ lecer um sinal de identidade entre a personagem ¢ 05 atributos; isto é, aqueles predicados que se caractei zam por seu estaticismo [206]. Uma vez mais, a rela- ‘cdo entre 0s dois é incontestavel; entretanto, cumpre ‘observar primeiro 0 parentesco dos atributos com to- ‘dos os outros predicados (as aodes) e sublinhar, de ou- tro lado, que as personagens, se s40 dotadas de atri- butos, nfo so atributos elas mesinas. 4. Personagem e psicologia ‘A redusio da personagem & “‘psicologia” é par- tloularmente injustificada; ora, foi ela que provocou a “recusa”” da personagem entre os escritores do sé- culo XX. Para medir o cardter arbitrario dessa iden tificagdo, basta pensar nas personagens da literatura antiga, medieval ou do Renascimento: cogita-se de “psicologia””, quando se diz “Pamiirgio”? A “‘psico- logia”” nao esté nes personagens, nem mesmo nos pre- dicados (atributos ou ago8s); € 0 efeito produzido por 210 DICIONARIO ENCICLZPEDICO... uum certo tipo de relagdes entre proposigées. Um de- terminismo psiquico (que varia com 0 tempo) leva 9 Ieitor a postular relagdes de causa e efeito entre as di- ferentes proposigdes, por exemplo, ““X tem chimes de Y”, dat por que “X prejudica Y”. fa explicitacao deste liame interproposicjonal que caracteriza.o “'ro- mance psicolégico”; a mesma relacdo pode estar pre~ sente sem ser explicta. Mas a personagem no impli- ca forgosamente intervencdo da “psicologiz”. Que definigao se deve dar da personagem, se qui- sermos que o termo conserve um valor de categoria escrtiva ¢ estrutural? Para responder & pergunta, é preciso inserir-se num quadro: a andiise proposicio- nnal do relato [268 ¢ s.]; poder-se-& descrever ento.2 PERSONAGEM em varios niveis sucessivos. Assim: 1. A personagem € o sujeito da proposi¢ao nar- rativa, Enquanto tal, rediuz-se a uma pura fungao sin~ tética, sem qualquer contedido semantico. Os atribu- tos, tal como asacdes, desempentiam papel de pre- ddicaclo numa proposigao e encontram-se ligados a um sujeito apenas provisoriamente. Seré comodo identi- referido sujeito com o nome préprio, que 0 manifesta na maioria dos casos, na medida em que ‘onome nada mais faz sendo identificar uma unidade ‘espicio-temporal sem descrever suas propriedades (po- mos entre parénteses, quando ocorre uma tal identi- ficacdo, os valores descritivos do nome préprio, cf. infra). Certos tebricos do relato divisam mais de uma funcdo sintdtica na proposic&o narrativa; terfamos en- to, do lado do sujeito, fungdes como “objeto”, *"be- neficidrio” etc. (Cf. infra)., 2. Numa acepyio mais particular, podemos de- nominar personagem 0 conjunto dos atributos que fo- ram predicados a0 sujeito no curso de uma relato. Es- te conjunto pode ser organizado ou nao; no primeiro caso, varios tipos de organizagdo so disverniveis. Os atributos combinam-se de maneira diferente em Boc- caccio, em Balzac ou em Dostoiévski. De outra par- te, tal organizacdo pode consfituir-sé em objeto, quer de indicagSes explicitas do autor (0 “retrato™), quér de uma série de indicacdes enderegadas ao leitor, que deverd realizar o trabalho de reconstituico; por fim, cla pode ser imposta pelo proprio leitor, sem estar pre sente no texto: assim se efetua a reinterpretacéo de cer~ tas obras em fungdo dos cédigos culturais dominan- tes de uma época ulterior. 3. Em todo texto representativo, o letor “ero” ‘que @ personagem é uma pessoa; esta interpretagao se faz de acordo com certas regras que se acham ins- WI HARYEY, Character and the Novel, Ithaca & Lon des, 1965; TODOROV, Gramnmalr du Décaméron, Hala, 1963. Tipologias ‘Tentou-se compor tipologias das personagens. Cabe distinguir entre as tentativas as que se apdiam em relagées puramente formais e as que postulam a existencia de personagens exemplares recorrentes 20 Jongo da hist6ria literdria 1. Tipologias formais 4) Opdem-se as personagens que permanecem inalteradas no curso de um relato (estdticas) as que se alteram (dindmicas). Nao se deve acreditar que as primeiras sejam caracteristicas de uma forma de re- Jato mais primitva que as segundas: encontramo-las, ‘muitas vezes nas mesmas obras. Um caso particular de personagem «stética: 0 que se chama TIPO: néo s6 (0 seus atributosmantém-se id@nticos mas so em nii- ‘mero extremamente reduzido e representam amiiide 0 ‘rau superior deuma qualidade ou de um defeito (por exemplo, 0 avarento que nao é sendo avarento etc.). ) Conforme a importancia do papel que ass. mem no relato, as personagens podem ser ou princ ‘Pais (0s HEROIS ou protagonistas) ou secunddrias, con- {entando-se com uma funelo episddica. Estes sio epe- nas dois extremos, sem duvida, havendo numerosos casos intermediarios. +) Conforme seu grau de complexidade, costuma- se Opor as personagens PLANAS &s personagens FSPES. sas. E. M. Forster, que insistiu nessa oposigao, as de- fine assim: “‘O critério para julgar se uma persona ‘gem é ‘espessa’ reside em sua aptido a nos surpreen- der de maneira convincente. Caso jamais nos surpreen- da, ela € ‘plana’.”’ Uma tal definigo se refere, como se v8, as opinides do leitor com respeito a psicologia humana “normal”; um leitor “‘sofisticada” se deixard surpreender com menor facilidade. Dever-se-ia antes definir as personagens “‘espessas”” pela coexisténcia de atributos contraditérios; nisto, elas se assemelham as personagens “‘dinamicas”; com a diferenga, toda- via, de que nestas tltimas tais atributos se inscrevem, no tempo. @) Conforme a relagdo mantida pelas proposicdes com a intriga, podemos distinguir entre as persone- gens submetidas a intriga e as que, ao contrétio, sa0 servidas por ela. H. James chama corde! as do pri- meiro tipo: elas 36 se apresentam para assumir uma fungio no encadeamento causal das acdes. As segun- das se adequam ao “relato psicolbgico” os episédios t8m por objetivo principal precisar as propriedades de ‘uma personagem (encontramos exemplos disto, bas- tante puros, em Tchekhov). 2. Tipologias substanciais A mais célebre destas tipologias se apresenta na commedia dell arte: os papéis ¢ 0s caracteres das per- sonagens (isto é, seus atributos) estio fixados de uma vvez por todas (assim como seus nomes: Arlequim, Pantalone, Colombina), mudando apenas as agdes de acordo com a ocasido. A mesma constelagao de pa- péis, que procede da comédia latina, reaparece na Franga, na época do Classicismo. Mais tarde, no tea- tro de boulevard, cria-se uma nova tipologia: o gala, aingénua, a criada, 0 pai nobre, o como; so EMPRE- Gos cujos tragos se encomtram até hoje. Essa tipologia espontnea ingressa pela primeira vez no campo teérico com Propp: partindo da andl a doconto. ‘dé fads risso; chega 4 delimitacdo de se- “esferas de ago": 0 agressor, 0 doador, 0 auxilier ta prncese ede seu palo mandante,o herdte o falso herdi. Tais esferas de ago reinem, cada qual, um nui- 08 CONCEITOS DESCRITIVOS 211

Você também pode gostar