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Abstract: This article addresses the legal status of Haitians in Brazil since the
beginning of the “permanent visa for humanitarian reasons” concession, by the
federal government in 2012. Apart from legal lessons, the article presents the report
of the experience of the Programa de Pesquisa e Extensão called Refuge, Migration
and Hospitality, which is developed in Federal University of Paraná Law School.
There, students and teachers meet, every Saturdays, numerous Haitians who are
settled in Curitiba area and subsequently they attend their demands. Theoretical
research is done as well, in weekly meetings The aim of the paper is to demonstrate
the legal situation of Haitians in Brazil in connection with the reality, using for
such both theoretical research and reporting of empirical research. The text shows a
paradox. First, it is noticed that advanced international and constitutional principles
are put into practice in Brazil based on an extremely outdated law. Secondly, it
appears that the Brazilian magnitude of social perception and pioneering in gran-
ting permanent visas on humanitarian grounds for Haitian immigrants were not
accompanied by the development of adequate public policies for their welcome.
Keywords: Human rights. Foreign legal status. Migration. Refuge. Haiti. Hu-
manitarian visa.
“We lost our home, which means the Universidade, não para ter aulas, mas
familiarity of daily life. We lost our para atender aos vários haitianos que
occupation, which means the confiden- lá estão e que apresentam uma infin
ce that we are of some use in this world.
We lost our language, which means the
dável demanda por orientações diver-
naturalness of reactions, the simplicity sas, encaminhamentos administrativos
of gestures, the unaffected expression e assessoria jurídica. B. D. A, 30 anos,
of feelings.” (HANNAH AREND. We é haitiana e chegou ao Brasil com visto
Refugees, 1943, p. 3) permanente por razões humanitárias
emitido na Embaixada Brasileira em
Porto Príncipe. Moradora da região
À GUISA DE INTRODUÇÃO: metropolitana de Curitiba, busca au-
RELATOS DE UM COTIDIANO xílio jurídico pois, após ter trabalhado
MIGRATÓRIO como empregada doméstica por vários
meses, recebeu apenas uma parcela do
R.C.M, 17 anos, é estudante do pri- salário convencionado, além de ter sido
meiro ano do curso de Direito da UFPR descontada em várias ocasiões, por mo-
e todos os sábados à tarde, vai para a tivos que desconhece. Tudo isso ela
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Nos últimos quatro anos, o Paraná por uma política migratória de atração
passou a integrar a rota de novos fluxos de trabalhadores para preencher neces-
migratórios compostos por haitianos, sidades do mercado de trabalho ou de
cidadãos de várias nacionalidades afri- outros setores, como ocorreu até o final
canas e, no final do ano de 2013 e início dos anos cinquenta. Em segundo lugar,
do ano de 2014, por cidadãos sírios. porque entre as causas desses deslo-
A diferença entre os fluxos migrató- camentos populacionais se encontram
rios anteriores e os fluxos migratórios os denominados “desastres naturais”,
contemporâneos pode ser estabelecida, a como é o caso dos grandes terremotos
partir do status jurídico que a República no Haiti. Em terceiro lugar, porque o
Federativa do Brasil atribui a esses mi- perfil dos migrantes, em especial dos
grantes, com destaque para os haitianos. haitianos e africanos, se alterou, pois a
Antes, porém, de ingressar na aná- maioria deles é constituída de homens,
lise do status jurídico dos haitianos no incluindo idosos, solteiros ou casados,
Brasil, outros elementos podem indicar que somente agora começam a postular
a diferença entre esses ciclos. Em pri- a reunião familiar, conforme quadro
meiro lugar, porque a presença desses elaborado pelo autor já citado, Caio da
migrantes no Brasil não foi induzida Silveira Fernandes:
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SOBERANIA, REFUGIADOS
• Total de 144 nacionalidades. AMBIENTAIS, VISTO
• 91% se localiza em áreas urbanas. HUMANITÁRIO
• 54% são homens. E HOSPITALIDADE:
CONCEITOS E PRÁTICAS
• 46% são idosos (acima de 70 anos).
EM CONSTRUÇÃO
• 41% jovens (entre 15 e 29 anos).
Elaborado no final da década de
1970, o Estatuto do Estrangeiro apre-
O caso haitiano é relevante, porque senta uma visão extremamente restri
rompe a tradição restritiva da política tiva de direitos e deveres atribuídos aos
migratória brasileira, ao conceder visto estrangeiros no Brasil, vinculando a sua
permanente para um grupo expressivo admissão e permanência ao tema da
de estrangeiros, sem que tenha havido segurança nacional. Há uma evidente
uma mudança significativa explícita ênfase do interesse nacional, do aspecto
dessa política. A par disso, se realizou da soberania, em detrimento do inte-
sem que ocorresse qualquer alteração resse do migrante em permanecer em
legislativa, pois o diploma que rege a território nacional, o que fica evidente
matéria continua a ser a Estatuto do já em seu primeiro artigo:
Estrangeiro, Lei 6.815, de 1980 que
atesta a filiação do Brasil a uma política “Em tempo de paz, qualquer estran-
migratória seletiva, voltada à busca de geiro poderá, satisfeitas as condições
estrangeiros desejáveis, para suprir as desta Lei, entrar e permanecer no Brasil
e dele sair, resguardados os interesses
necessidades do mercado de trabalho nacionais”.
nacional, e repressiva no que se refere
à entrada de estrangeiros, especialmente O artigo segundo também deixa
os que buscavam fugir das ditaduras claro que
militares na América Latina, a partir
da década de 1960. “Na aplicação desta Lei atender-se-á
precipuamente à segurança nacional, à
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REFERÊNCIAS