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Os Motores da Civilização

Ocidental: Capitalismo,
Democracia e Tecnologia
Gilmar de Melo Mendes
Novembro | 2019
SUMÁRIO

1. Introdução ………………………………………………………………………………………………………………………3
2. Como chegamos até aqui ..……………………………………………………………………………………………..5
3. Capitalismo ..…………………………………………………………………………………………………………………11
4. Democracia ..…………………………………………………………………………………………………………………19
5. Tecnologia …………………………………………………………………………………………………………………….31
6. Considerações finais ..……………………………………………………………………………………………………53
Referências ..............................................................................................................................58

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1. Introdução

Capitalismo, democracia e tecnologia são os três motores que permitiram à civilização


ocidental assumir a liderança das grandes transformações nos últimos duzentos anos e
avançar para um tempo de prosperidade sem igual na história. No entanto, vivemos em
tempos de novas transformações, aceleradas, intensas e profundas, que parecem querer
revelar exaustão do modelo assentado nesses três motores que nos trouxeram até aqui e,
assim, oferecem novos e distintos desafios daqueles já vividos. De igual modo, parece que as
soluções devem emergir da capacidade de adaptação desses mesmos três fatores aos tempos
atuais e futuros. Espera-se que deles emerjam as respostas às novas inquietações.

Este texto é destinado a estimular a compreensão dos fenômenos que nos cercam e
interferem fundamentalmente nas decisões presentes e futuras das organizações. Para o
entendimento de transformações dessa magnitude, nenhuma massa de informação será
suficiente, mas algumas são essenciais. Portanto, o propósito aqui é reuni-las em um conjunto
mínimo de autores referenciais cujos estudos, reflexões e propostas lançam luz às principais
questões do contexto atual.

Os desafios, as inquietudes e as grandes transformações de nossa época não são meras


repetições do passado. São fenômenos novos e complexos que exigem esforço de
compreensão tanto do passado quanto do presente e extrema capacidade de estabilizar
informações para as decisões que moldarão o futuro. Hanna Arendt já nos advertia: “A
compreensão. Um empreendimento intelectual que nunca termina”.

Esse mesmo contexto ao envolver organizações revela complexidade. São muitas as variáveis
fundamentais envolvidas nas análises nesses ambientes de negócio. A essa complexidade
costuma-se chamar de “VUCA” (volatility, uncertainty, conplexity e ambiguity) – acrônimo em
inglês que representa ambientes agressivos e desafiadores caracterizados pela volatilidade,
incerteza, complexidade e ambiguidade. Essa forma de sintetizar contextos originou-se na

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Força Armada americana na década de 1990, migrou para os negócios nos anos 2000 e se
firmou como referência em ambientes empresariais com características similares.

Nos dias atuais, diversos autores já fazem referência a outro acrônimo para representar as
grandes demandas por regulação: FATES – fairness, accountability, transparency, ethics e
security. Fairness sendo traduzido por equidade, como preocupação da justiça social. Os
conceitos de accountability, tranparency e ethics, já incorporados pelos bons sistemas de
governança, serão cada vez mais uma preocupação com o aperfeiçoamento da regulação. Por
fim, security (segurança) é a nova grande preocupação, pela possibilidade de proteção seja
individual, seja coletiva, em todos os aspectos, da tradicional à contemporânea, de dados,
comunicação, até a biogenética.

A questão central é identificar e procurar respostas para os elementos determinantes que


estão subjacentes a todos esses fenômenos sintetizados pelos acrônimos mencionados que
conformam os atuais ambientes empresariais. Em outras palavras, responder à pergunta
central: quais são as forças que desestabilizam ambientes de negócio e geram contextos
VUCA, FATES ou quaisquer outros que por certo virão? Uma das possíveis respostas pode ser
encontrada por meio análise do impacto dos três grandes motores da civilização ocidental:
capitalismo, democracia e tecnologia.

Centramos as atenções nesses três grandes impulsionadores da civilização moderna pois


foram eles que permitiram que chegássemos a uma era de prosperidade e qualidade de vida
sem paralelo na história. Mas não para todos. Ainda que seja em suas propriedades básicas,
não ampliamos esses benefícios para a maioria dos povos. Mesmo aqueles que gozam da
prosperidade apresentam inquietações legítimas que desafiam a capacidade de o capitalismo
e a democracia, impulsionados pela tecnologia, proverem as condições de bem-estar e
prosperidade em escala e intensidade almejadas.

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Este texto estrutura-se em cinco capítulos. O primeiro discorre sobre as evoluções dos
motores civilizacionais que nos permitiram, em duzentos anos, alcançar um crescimento
populacional exponencial e ainda assim prover meios de sobrevivência, desenvolvimento e
prosperidade. Ainda nesse capítulo são abordados os fatores determinantes das novas
inquietudes das sociedades contemporâneas e os desafios impostos aos três fatores.

Nos capítulos dois, três e quatro, são descritos os três motores, com uma breve digressão
histórica e abordagens dos mais renomados especialistas com as quais são identificados os
problemas centrais e delineadas as possíveis soluções. São diversos pontos de vista derivados
de uma bibliografia cuidadosamente escolhida, que não tem a pretensão de esgotar o tema
nem mesmo referenciá-lo em definitivo, mas pretende representar os mais refinados
pensamentos que por certo nos ajudarão a forjar uma adequada capacidade de interpretação
do contexto, em amplitude e profundidade condizentes com os novos desafios impostos.

No quinto e último capítulo, são feitas as conciliações finais de tudo exposto e a explicitação
dos desafios impostos aos gestores públicos e privados, responsáveis pela interpretação
desses fenômenos e pela tomada de decisão que moldarão o futuro das organizações.
Emergem daí, também, os desafios da FDC como escola de negócios para prover o
conhecimento demandado por líderes do presente e do futuro.

2. Como chegamos até aqui

Quando observamos a evolução da população mundial até 1700, vemos que ela não
apresentava variações significativas. No entanto, a partir daí, Thomas Malthus, no século XVII,
observou essa correlação entre o crescimento da população e a capacidade de produção de
alimentos. Em sua obra, publicada em 1798, Ensaio sobre o princípio da população, revela em
síntese que, com a população crescendo em proporção geométrica e a produção de alimentos
em uma progressão aritmética, não haveria alimento suficiente para todos. Isso resultaria em

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fome, guerra ou continuação da pobreza.1 Não restava dúvidas de que a superpopulação era
uma ameaça.

Fonte: Life expectancy – James Riley for data 1990 and earlier; WHO and World Bank for data
(Max Roser) OurWorldInData.org/life-expectancy/.CC BY.

Malthus observava essa inflexão que elevou a população mundial para um bilhão de pessoas
em 1800. O que Malthus não conseguia prever eram os avanços dos motores, sobretudo
aquele impulsionado pela tecnologia que permitiu o crescimento exponencial da população
até atingir os sete bilhões de pessoas nos dias atuais e uma projeção de nove bilhões para

1
A versão moderna dessa perspectiva foi publicada em 1972 em The limits to growth por Dornella H.
e Dennis L. Meadows (com Jorgen Randers e William W. Behrens III). Essa versão propunha que, se as
famílias pobres limitassem o número de filhos, a pobreza declinaria. Solução adotada pela China.
Estima-se que, entre 1979 e 2009, com a política de “filho único” o país tenha evitado
aproximadamente duzentos milhões de nascimentos.
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2048. Entretanto, já no século XIX, a expectativa de vida sai de menos de quarenta anos, em
uma curva igualmente exponencial, para 64 anos em 1990, para 70 anos em 2012 e para
próximo de 80 anos em vários países já em 2015. O gráfico abaixo apresenta essa evolução.

Fonte: Life expectancy – James Riley for data 1990 and earlier; WHO and World Bank for data
(Max Roser) OurWorldInData.org/life-expectancy/.CC BY.

Nos últimos duzentos anos, os avanços foram extraordinários. No livro intitulado Utopia para
realistas – como construir um mundo melhor, Rutger Bregman, baseado em diversos estudos,
relata esses avanços e registra que a população mundial ainda vivia na extrema pobreza em
1820, ao passo que, em 1981, a percentagem caiu para 44% e poucas décadas depois está
abaixo de 10%.2 Mas, o autor alerta que, durante séculos, quase nada mudou. Mesmo depois

2
Extrema pobreza significa viver com menos de 1,25 dólar por dia, o que é apenas o suficiente para
sobreviver.

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da Reforma, Galileu, Newton, Colombo, Iluminismo, Revolução Industrial – se fosse colocado
um camponês italiano na máquina do tempo que o transportasse de 1300 para 1820, ele mal
notaria a diferença. Historiadores estimam que a renda média na Itália por volta de 1300 era
de 1.600 dólares, cerca de 600 anos depois, a renda anual era ainda de 1.600 dólares.

Nos últimos dois séculos, mais especificamente a partir de 1880, com as invenções de vários
dispositivos tecnológicos – como o telefone por Alexandre Graham Bell, a lâmpada elétrica
por Thomas Edison, Carl Benz ajustando o primeiro carro, e a geladeira, entre outras
poderosas invenções – se viu um crescimento explosivo tanto da população quanto da
prosperidade no mundo todo. Com isso, a renda per capita hoje é 10 vezes maior que em 1850
e a economia global é 250 vezes maior do que antes da Revolução Industrial. Nick Bostron
utiliza o gráfico abaixo para demonstrar a evolução do PIB mundial desde 1700. Argumenta o
autor que, traçada em uma escala, a história da economia mundial aparece uma linha plana3
que se mantém junto ao eixo “x” até que, de repente, apresenta um pico vertical. Apenas nos
últimos cem anos, mais ou menos, a curva se eleva de forma perceptível acima do nível zero.

3
As diferentes linhas no gráfico correspondem a diferentes conjuntos de dados, que resultam em
estimativas ligeiramente diferentes derivadas dos estudos de Van Zaden (2003); Maddison (1999,
2001), entre outros.
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Fonte: Nick Bostron – Superinteligência (2014)

Nessa mesma linha, Steven Pinker em seu livro O novo iluminismo – em defesa da razão, da
ciência e do iluminismo argumenta que esses avanços podem parecer óbvios e banais. No
entanto, essas transformações originadas pelos princípios do Iluminismo aplicados à razão e
à solidariedade aprimoraram o desenvolvimento humano. Continua o autor observando que
não damos o devido valor às benesses providas e seus efeitos, como recém-nascidos que
viverão por mais de oito décadas e mercados abarrotados de alimentos. Água limpa que surge
em um movimento dos dedos, dejetos que desaparecem, comprimidos que debelam
infecções doloridas, filhos que não são mandados para a guerra, críticos de poderosos que
não são presos ou fuzilados, o conhecimento e a cultura mundiais disponíveis no bolso da
camisa. Tudo isso são realizações humanas sob a égide das grandes transformações.

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A resposta para esse desempenho extraordinário de crescimentos exponenciais de número
de pessoas e expectativa de vida está, como vimos, na combinação dos três motores que nos
trouxeram até aqui: capitalismo, democracia e tecnologia. No entanto, são esses três motores
que são desafiados na busca de soluções para complexas demandas originadas em tudo o
espectro da sociedade, tanto aquela parcela da população que vive em países desenvolvidos
como, no outro extremo, aqueles que vivem na pobreza e desesperança.

Novas inquietações

Novas inquietações emergem. Como relata Paul Coller em sua obra O futuro do capitalismo –
enfrentado novas inquietações, fissuras profundas vêm esgarçando o tecido de nossa
sociedade e as bases sociais dessas inquietações são: geográficas, educacionais e morais. Em
toda a América do Norte, Europa e Japão, as áreas metropolitanas estão dando um enorme
salto em comparação ao restante da nação. Estão se distanciando socialmente e não
representam mais a nação. Isso implica a apropriação dos ganhos econômicos em lado só.
Quem tem se saído bem não são capitalistas nem trabalhadores comuns: são os instruídos
com as novas qualificações.

Segue o autor argumentando que, enquanto as fortunas dos instruídos disparam, elevando
também a média nacional, os menos instruídos das metrópoles ou das demais cidades do país
estão em crise. A globalização transferiu para a Ásia muitos empregos semiqualificados, e a
transformação tecnológica vem eliminando vários outros. A falta de emprego atingiu dois
grupos etários especialmente vulneráveis: os trabalhadores de mais idade e os que estão
buscando o primeiro emprego.

Não somente isso. Outro grande problema se revela na pobreza recorrente presente na vida
de grande parte da população mundial. Ademais, as desigualdades, em um nível extremo,
podem ameaçar os valores democráticos. Somados, constituem-se em problemas
monumentais e ainda pendentes que desafiam o capitalismo e a democracia como

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instrumentos de solução. Portanto, teremos de conviver com problemas antigos e com os
novos, advindos de uma revolução tecnológica sem paralelo na humanidade.

Daqui por diante, serão abordados os três temas que conformam os motores da civilização
ocidental em graus de detalhamento que nos permitam o acesso aos diversos pensadores com
os quais se lança luz sobre as questões cruciais. Cada um deles, a seu modo, apresenta
soluções que combinadas podem oferecer guias para reflexões, compreensões e ações
voltadas ao bem-estar dos povos e das nações.

3. Capitalismo

O capitalismo é um sistema jurídico constitucional baseado em três conceitos fundamentais:


propriedade privada, contratos e o primado da lei. As pessoas têm o direito de possuir
propriedade privada e são livres para fazer contratos com as outras a respeito da utilização de
produtos, serviços e propriedades. Assim, o capitalismo parte de dois princípios. O primeiro,
de que existe um governo constitucional com os poderes legislativo, executivo e judiciário. O
segundo se relaciona com a aplicação do primado da lei.

O capitalismo é o maior sistema de cooperação já desenvolvido pelo homem. O movimento


econômico anterior, o mercantilismo, estabelecia que vencia a guerra comercial quem tinha
uma balança comercial positiva. Isso implicava dizer que o jogo era de soma zero, ou seja, o
que alguém ganha, um país “inimigo” perde. Adam Smith denuncia a ilusão do mercantilismo
de que a posse da moeda é a riqueza e não o trabalho. Smith publica em 1776 A riqueza das
nações. Mesmo ano da Declaração de Independência dos Estados Unidos.

Nesse opus magnum, Adam Smith investiga a natureza das trocas financeiras e comerciais
responsáveis pelo enriquecimento dos indivíduos e dos Estados, bem como os ganhos
revolucionários proporcionados pela divisão do trabalho na produção nas manufaturas.
Ademais, ele aponta para a existência de uma “mão invisível”, espécie de força
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autorreguladora intrínseca aos agentes do sistema capitalista, que garantiria o funcionamento
equilibrado dos mercados de dinheiro, bens e serviços.

O entendimento da obra de Smith, sua importância, seus impactos e o nascimento de uma


ciência que funda os princípios da sociedade capitalista se encontram também na obra Adam
Smith – riqueza das nações e a nova economia. Nela, os autores José Eduardo Balian, Silvio
Miyazaki, Álvaro Bado e Orlando Assunção discorrem sobre as causas da riqueza das nações e
a nova economia. Argumentam os autores:

Sem dúvida alguma Adam Smith teve o mérito do pioneirismo da


sistematização do que hoje chamamos de ‘economia’; notemos que foi a
primeira das ciências humana a se separar da filosofia. Estabeleceu as
principais definições da então incipiente sociedade capitalista: a divisão do
trabalho, as classes sociais, a relação entre o valor e o trabalho para uma
mercadoria, consideração sobre tributação etc.

Com a obra de Adam Smith, estrutura-se um vasto entendimento sobre um novo sistema
econômico que permite que as pessoas e as nações se especializem naquilo que melhor fazem
e gerem valor por seu trabalho. Assim, o sistema de troca se volta para aquilo que se produz.
Para o atendimento de nossas necessidades, será necessário então a produção do outro e
confiamos que isso ocorrerá. Nasce assim um sistema de cooperação em que as pessoas
dependem umas das outras para ter acesso àquilo que precisam. Sobre a essência do sistema
de trocas escreveu Adam Smith em A riqueza das nações:

Quem oferece qualquer coisa à outra pessoa se propõe a fazer isto: Dê-me
aquilo que quero e você terá isto aqui, que você quer; é esse o significado de
qualquer oferta desse tipo, e é dessa maneira que obtemos uns dos outros a
grande maioria dos bons serviços de que necessitamos.

A célebre expressão de Smith sobre essas necessidades a serem atendidas dá a entender um


egoísmo exagerado da natureza humana nesse sistema de trocas:
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Não dependemos da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do
padeiro para termos nosso jantar, mas da consideração que eles têm seus
próprios interesse. Não nos dirigimos à sua humanidade, mas a seu amor-
próprio, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, mas das vantagens
que eles terão.

No entanto, será preciso ser considerado seu pensamento por completo mediante outra
abordagem de natureza filosófica do comportamento humano. Isso é possível pelo
conhecimento de uma obra sua anterior à A riqueza das nações denominada Teoria dos
sentimentos morais. Originalmente publicada em 1759, nela, Adam Smith reduz a conduta
moral dos homens a uma fonte única. Seu princípio fundamental é que o objeto primeiro de
nossas percepções morais é representado pelas ações dos “outros” homens que nós julgamos
segundo nossa capacidade maior ou menor de simpatizar com elas. Logo no início do livro,
Adam Smith afirma essa condição:

Por mais egoísta que se suponha o homem, evidentemente há alguns


princípios em sua natureza que o fazem interessar-se pela sorte de outros, e
considerar a felicidade deles necessária para si mesmo, embora nada extraia
disso senão o prazer de assistir a ela. Dessa espécie é a piedade, ou a
compaixão, emoção que sentimos ante a desgraça dos outros, quer quando
a vemos, quer quando somos levados a imaginá-la de modo vivo. É fato óbvio
demais para precisar ser comprovado, que frequentemente ficamos tristes
com a tristeza alheia; pois esse sentimento, bem como todas as outras
paixões originais da natureza humana, de modo algum se limita aso virtuosos
e humanitários, embora estes talvez a sintam com uma sensibilidade mais
delicada. O maior rufião, o mais empedernido infrator das leis da sociedade,
não é totalmente desprovido desse sentimento.

Juntas, as duas obras de Adam Smith – A riqueza das nações e a Teoria dos sentimentos morais
– formam o sistema pelo qual o autor procura responder à seguinte questão: “De que modo
o homem, como individuo ou espécie, chegou a ser o que é”. Dessa interação entre as duas
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obras-primas de Adam Smith, de cunho econômico e filosófico, se erguem as principais
definições da então incipiente sociedade capitalista. Determina assim sua clássica receita para
o desenvolvimento de uma nação ao realizar uma enfática defesa da liberdade individual e da
concorrência.

Hoje, o capitalismo reina supremo. Mas ele esteve em guerra com outro sistema durante mais
de setenta anos, de 1917 a 1989, com uma economia estatizada de comando e controle
representada em sua plenitude pela União da Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). No dia
9 de novembro de 1989, o muro de Berlim começou a ser derrubado e simbolicamente esse
evento representou sua desintegração. Embora a China também tenha adotado esse regime,
no governo de Mao Tsé-Tung, com a criação da República Popular em 1949, somente
conseguiu desempenho econômico pelas vias do capitalismo, ainda que no chamado
“capitalismo autoritário”. Sobre a comparação entre capitalismo e socialismo, Winston
Churchill considerava: “O defeito inerente ao capitalismo é a divisão desigual dos benefícios;
a virtude inerente ao socialismo é a divisão igual das aflições”.

Com isso há a opinião corrente de que praticamente todas as nações têm uma economia de
mercado com orientação capitalista. Capitalismo, com suas diversas correntes quanto à
intensidade de atuação do governo. No entanto, em sua versão mais liberal, defensores do
laissez-faire como Milton Friedman e Allan Melzer argumentam: “O capitalismo venceu. Ele
se tornou uma história de sucesso ao melhorar a vida das pessoas. E foi capaz de proporcionar
mais crescimento e liberdade do que qualquer outro sistema”.

Não sem problemas. Dos vários, o mais gritante está na geração crescente do nível de
desigualdade de renda e riqueza e poucas soluções para a pobreza persistente. Isso é o que
veremos nas abordagens de diversos autores que se dedicaram a estudar a dinâmica do
capitalismo representada pelo desenvolvimento sem precedentes de alguns países e o imenso
abismo que se abriu perante aqueles que não se beneficiaram dessa prosperidade.

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A pobreza é um dos problemas mais recalcitrantes e vergonhosos que a humanidade teve de
lidar. Nem sempre foi assim. Até o século XIX, os pobres recebiam pouca atenção. A pobreza
era considerada inevitável. O drama dos pobres tornou-se mais visível no século XIX pela obra
de Charles Dickens em 1838 – Oliver Twist – em que dramatizou com muita clareza as
condições de vida e a exploração sofrida pelos pobres. Mas não só. Juntem-se o Os miseráveis
de Victor Hugo em 1862 e O germinal de Émile Zola em 1885 e se tem um panorama das
graves crises urbanas desse século, sobretudo o agravamento causado pela Revolução
Industrial, que potencializou o problema ao atrair para as cidades uma enorme quantidade de
camponeses pobres, o que levou ao surgimento dos cortiços e abrigos de indigentes.

Dos sete bilhões de pessoas que habitam a terra, cinco bilhões são pobres ou extremamente
pobres. Um sexto desses sete bilhões recebe menos de um dólar por dia e dois bilhões
recebem menos de dois dólares por dia. Ainda no século XIX se teve início o conceito de criar
programas antipobreza, que continua até hoje. Já em meados da década de 1960, o Presidente
Lyndon Johnson declarou “guerra incondicional à pobreza” e ajudou a aprovação de leis que
visavam reduzi-la.

Finalmente, em 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu a Assembleia do


Milênio e delineou seu plano multilateral para a redução da pobreza mundial com as Metas
de Desenvolvimento para o Milênio (MDM), que eram especificamente oito objetivos voltados
para reduzir de forma significativa a pobreza até 2015. A primeira meta era reduzir pela
metade até 2015 a proporção de pessoas com renda inferior a um dólar por dia. As demais
metas tratavam de atingir a educação primária universal, promover a igualdade de gênero,
reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater HIV/AIDS, malária e
outras doenças, assegurar a sustentabilidade ambiental e estabelecer parceria interacional de
desenvolvimento. As metas eram ambiciosas e não foram alcançadas, sobretudo por conta da
grande recessão de 2008, que elevou o custo de alimento e energia.

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Não somente isso. Angus Deaton – Prêmio Nobel de Economia em 2015 por seus estudos
sobre pobreza, desigualdades, saúde, bem-estar e desenvolvimento econômico –, no livro A
grande saída, recua 250 anos para traçar o argumento histórico de como diversas regiões do
mundo atingiram significativos progressos, enquanto outras não avançaram e, com isso, se
abriu o abismo de desigualdade de hoje. Argumenta que, desde o fim da Segunda Guerra
Mundial, o rápido crescimento econômico em muitos países resgatou centenas de milhões de
pessoas da miséria. Notadamente, os anteriormente pobres países asiáticos subiram na escala
de progresso. Não obstante, como sempre, o progresso não tem sido uniforme e isso cria o
abismo em relação a muitos países, de forma mais acentuada e visível nos países africanos.

Existem argumentos plausíveis de que a globalização tornou o mundo mais desigual. Surgiram
novas oportunidades para os ricos ficarem mais ricos e, para os pobres, foram poucos os
ganhos – conforme será visto mais adiante nos estudos de Thomas Piketty. Não obstante,
Angus, também defende argumentos que apontam na direção oposta. Graças à globalização,
trabalhadores asiáticos têm acesso inédito em suas histórias a mercados de países ricos e
podem realizar muitos serviços, antes exclusivos desses países, mesmo sem emigrar. Isso em
larga escala. Salários subiram na Ásia e caíram na Europa e Estados Unidos, diminuindo a
desigualdade de renda no mundo.

Entretanto, Angus faz uma séria crítica aos métodos, critérios e forma das diversas ajudas
internacionais concedidas pelos países ricos para a redução da pobreza, o combate à fome e
a epidemias. Afirma, inclusive, que essas ajudas chegam a atrapalhar os países mais pobres a
achar seus caminhos para o desenvolvimento. Cabe então aos países desenvolvidos encontrar
caminhos mais eficazes para reverter as brutais desigualdades.

Não poupa críticas até mesmo à proposta de Jeffrey Sachs, economista e consultor da ONU,
que, no livro O fim da pobreza, defende a adoção de uma longa lista de problemas que devem
consertados de uma só vez, como um “grande impulso”, e contempla áreas como agricultura,
infraestrutura, educação e saúde. Como a soma dos resultados se revelaria superior ao que

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seria dado, estariam aí as justificativas para as intervenções. No entanto, Angus afirma que
não há evidências de que as aldeias do projeto implementado pela ONU com essa concepção
tenham apresentado resultados melhores que de outras aldeias nos mesmos países.

As relações entre o desenvolvimento e as desigualdades, também, são demonstradas nos


estudos do economista francês Thomas Piketty em seu livro O capital no século XXI. Piketty
contribui com uma nova compreensão da dinâmica do capitalismo, ao destacar a contradição
fundamental da relação entre o crescimento econômico e o rendimento do capital.
Apresentando um conjunto inédito de dados de vinte países para os últimos duzentos anos, o
autor demonstra que o crescimento econômico e a difusão do conhecimento ao longo do
século XX impediram que se concretizasse o cenário apocalíptico preconizado por Karl Marx,
no século XIX, para quem a dinâmica de acumulação do capital privado conduz de modo
inevitável a uma concentração de riqueza e de poder em poucas mãos. Tampouco se
concretiza o que acreditava Simon Kuznets, Prêmio Nobel de Economia em 1971, que
relacionava a desigualdade de renda ao crescimento do produto em uma economia na famosa
“Curva de Kuznets”, em que as forças equilibradoras do crescimento, da concorrência e do
progresso tecnológico levam espontaneamente a uma redução de desigualdades e a uma
organização harmoniosa das classes nas fases avançadas do desenvolvimento.

Piketty constata que a taxa de rendimento do capital supera o crescimento econômico, o que
acarreta uma concentração cada vez maior da riqueza. Isso implica dizer que a principal força
desestabilizadora está relacionada ao fato de que a taxa de rendimentos privados do capital
pode ser forte e continuamente elevada do que a taxa de crescimento de renda e da
produção. Assim, a desigualdade faz com que os patrimônios originados no passado se
recapitalizem mais rápido do que a progressão da produção e o dos salários. Essa desigualdade
exprime uma contradição lógica fundamental. O empresário tende inevitavelmente a se
transformar em rentista e a dominar cada vez mais aqueles que só possuem sua força de
trabalho. Uma vez constituído, o capital se reproduz sozinho, mais rápido do que cresce a
produção. O passado devora o futuro.

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Em conclusão, esse círculo vicioso de desigualdades que, a um nível extremo, pode levar a um
descontentamento geral e ameaçar os valores democráticos. No entanto, Piketty ressalva que
tendências econômicas não são forças da natureza. A intervenção política já foi capaz de
reverter tal quadro no passado e poderá voltar a fazê-lo.

Na verdade, Piketty segue as trilhas de um dos pioneiros nas pesquisas sobre desigualdades:
Anthony B. Atkinson – um economista preocupado com as questões de justiça social e
elaboração de políticas públicas –, que argumenta que a desigualdade é um dos problemas
sociais mais urgentes que deve ser enfrentado no mundo contemporâneo. Em seu livro
Desigualdade – o que pode ser feito? de 2007, Atkinson apresenta um conjunto abrangente
de políticas que poderiam causar uma verdadeira revolução na distribuição de renda dos
países desenvolvidos. Ele mostra que o problema não é simplesmente os ricos se tornarem
cada mais ricos e afirma que, também, não fomos bem-sucedidos em combater a pobreza. O
autor propõe novas ideias e recomenda ambiciosas políticas em cinco áreas: tecnologia,
emprego, segurança social, distribuição de capitais e tributação.

Nessa mesma linha do tratamento das desigualdades em países desenvolvidos, Joseph Stiglitz,
Prêmio Nobel de Economia em 2001, acredita que a escolha a ser feita não é entre
crescimento e igualdade, com as políticas certas, ambos podem ser escolhidos. No livro O
grande abismo – sociedades desiguais: o que podemos fazer sobre isso, de 2016, Stiglitz
expande o argumento de sua obra anterior, O preço da desigualdade, e sugere como resolver
o problema no âmbito dos Estados Unidos. Segundo o autor, isso poderia ser feito por meio
do aumento das taxas das corporações e dos mais ricos; da assistência às crianças pobres; do
investimento em educação, ciência e infraestrutura; da ajuda a donos e residências, em vez
de a bancos; e o mais importante, do empenho maior para restaurar a economia de pleno
emprego.

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Paul Collier, professor de Políticas Públicas da Universidade de Oxford, em seu livro O futuro
do capitalismo – enfrentando novas inquietações, inspirou-se em uma extraordinária obra de
1956, de Anthony Crosland, The future of socialism. Com essa obra, Crosland deu consistência
intelectual à socialdemocracia durante seu apogeu e afastou-se definitivamente da ideologia
marxista ao reconhecer que o capitalismo, longe de ser um obstáculo, era essencial para a
prosperidade de massas. Assim, Collier afirma que, para o capitalismo funcionar para todos,
precisa ser gerido de uma forma que traga não somente produtividade, mas também um
propósito. Ou seja, o capitalismo precisa ser administrado, não derrotado.

Collier argumenta que nossas vidas são influenciadas em três esferas. Estado, empresa e
família. É no âmbito dessas três esferas que se trava a luta ente o egoísmo e as obrigações
recíprocas – entre o individualismo e a comunidade. Chama a atenção para o fato de que, em
décadas recentes, o individualismo tem predominado e a comunidade tem retrocedido em
cada uma dessas esferas. Propõe, então, o restabelecimento e fortalecimento da ética
comunitária em cada uma delas, com políticas que reequilibrem o poder. Veremos mais
adiante que esse foco na comunidade, embora com outra abordagem, será dado por
Raghuram Rajan.

4. Democracia

A democracia foi um processo de aperfeiçoamento de deslocamento de poder que trouxe


benefícios de longo prazo às sociedades, ao mesmo tempo que conferiu voz a todos os
cidadãos. Em célebre definição do primeiro-ministro britânico Winston Churchill: “É a pior
forma de governo, à exceção de todas as outras experimentadas”.

Sua capacidade de dar respostas às novas inquietações da sociedade, impulsionada por uma
revolução tecnológica vertiginosa, suscita estudos e publicações com as perguntas que
seguem a emergência do nosso tempo. Tempo esse que encontra suas inflexões nas décadas
de 1930 e 1970, quando estão firmadas as imagens mais contundentes de ameaças ao sistema
democrático.
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Grandes pensadores da filosofia política contemporânea produziram obras extraordinárias
para nos explicar as causas desses ataques e das barbáries produzidas pelos regimes
totalitários e seus horrores. Seguiremos assim. Conciliando o passado com a emergência do
presente e as possíveis construções do futuro. Para melhor entendimento do passado, nada
melhor que nos ancorarmos nas prodigiosas mentes de Hanna Arendt, Ludwig Von Mises,
Joseph Alois Schumpeter, Friedrich Von Hayek, Karl Popper e suas monumentais obras que
moldaram o pensamento político do século XX no pós-guerra. No entanto, a história não anda
para trás. Para entendermos o presente e as possibilidades futuras, seguem os estudos
recentes e importantes que tentam interpretar as profundas transformações dos dias atuais
e suas consequências para o futuro.

Depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o mundo estarrecido com o holocausto e a


capacidade destrutiva dos regimes totalitários na Europa perguntava: como isso foi possível?
Como surgem os regimes totalitários? Em resposta, Hannah Arendt escreveu sua
monumental obra, Origem do totalitarismo, diante das atrocidades do nazismo na Europa. Na
versão de 1950, Arendt afirma:

[...] e se é verdade que, nos estágios finais do totalitarismo, surge um mal


absoluto (absoluto, porque já não pode ser atribuído a atributos
humanamente compreensíveis), também é verdade que, sem ele,
poderíamos nunca ter conhecido a natureza realmente radical do Mal.4

Explica-nos Arendt que os três pilares que produziram e sustentaram esse inferno
encontravam-se no antissemitismo (não apenas o ódio aos judeus), o imperialismo (não
apenas a conquista) e o totalitarismo (não apenas a ditadura). Um após o outro, um mais

4
Jonathan Schell, na apresentação do livro de Arendt Sobre as revoluções, nos explica que Arendt
procurando um termo para descrever a nova realidade utilizou a expressão “mal radical”,
originalmente de Immanuel Kant. Assim, o “mal radical” é aquele que destrói não só suas vítimas,
mas também os meios com que os sobreviventes poderiam tentar reagir.
| 20 |
brutalmente que o outro mostrou que a dignidade humana precisa de novas garantias. Arendt
parte da convicção de que tudo o que acontece no mundo deve ser compreensível. E que
compreender não significa negar nos fatos o chocante, eliminar deles o inaudito, ou, ao
explicar fenômenos, utilizar-se de analogias, generalidades que diminuam o impacto da
realidade e o choque da experiência. Com isso, Arendt não execra somente os homens do
regime totalitário, mas é igualmente implacável na crítica contra a burguesia, bem como
contra as massas ou elites. Enfim, não escapa de suas argutas críticas nenhuma
responsabilidade dos protagonistas ou figurantes dos horrores do totalitarismo.

Entre 1959 e 1962, Hannah Arendt escreve Sobre a revolução e esclarece os mecanismos das
transformações revolucionárias que moldaram a face do mundo contemporâneo. De Platão e
Maquiavel a Marx e Rousseau, discute diferentes formulações teóricas das revoluções tal
como modelada pelos pais fundadores da Revolução Americana (1776 - 1783) e pelos
protagonistas do drama trágico da Revolução Francesa. Nesta, a constituição de um corpo
político radical destinado à vindicação dos oprimidos se opõe à racionalidade elitista dos
revolucionários do Novo Mundo. Arendt identifica na conjugação das duas tendências os
vetores determinantes das revoluções e dos movimentos de independência do século XX,
procurando entendê-los como último refúgio da causa da liberdade em oposição à tirania.

De 1945 a 1989, a pergunta se voltava para qual entre os dois regimes de que a humanidade
dispunha para viver, representados pelo capitalismo e democracia e comunismo e
autoritarismo, seriam capazes de promover desenvolvimento, bem-estar e conciliar liberdade
com igualdade derivados das grandes revoluções do fim do século XVII (Revolução Gloriosa de
1640-1688) na Inglaterra e, sobretudo, das revoluções do século XVIII (Revolução Americana
de 1776 - 1783 e Francesa em 1789-1799).

Os pensamentos contra o socialismo em defesa do capitalismo e da liberdade individual


emergem de obras extraordinárias que não somente marcaram a época como forjaram o
pensamento liberal do século XX em diante. No âmbito das ciências econômicas, Ludwig Von

| 21 |
Mises publica em 1940,5 embora ampliada e traduzida para o inglês em 1949, a monumental
obra A ação humana. Em palavras de Murry Rothbard, trata-se da bíblia da economia para os
homens civilizados. Nela, Mises elabora a ciência econômica sobre a sólida fundação do
princípio da ação individual. Assim, o autor abre o primeiro capítulo:

Ação humana é comportamento propositado. Também podemos dizer: ação


é a vontade posta em funcionamento, transformada em força motriz; é
procurar alcançar fins e objetivos; é a significativa resposta do ego aos
estímulos e às condições do seu meio ambiente; é o ajustamento consciente
ao estado do universo que lhe determina a vida.

Segue Rothbard, A ação humana é o que melhor se poderia desejar; é ciência econômica
completa, desenvolvida a partir de sólidos axiomas praxeológicos, integralmente baseada na
análise do homem em ação, do indivíduo dotado de propósito agindo no mundo real. No que
Rose Wilder Lane6 – escritora aclamada nos Estados Unidos que, juntamente com Ayn Rand,7
defende a liberdade individual – conclui sobre a obra de Mises: “Eu penso que A ação
humana é indubitavelmente o produto mais poderoso da mente humana de nosso tempo, e
acredito que ele irá mudar a vida dos homens para melhor durante os próximos séculos, tão
profundamente quanto o marxismo mudou nossas vidas para pior neste século”.

Outra obra monumental, Capitalismo, socialismo e democracia, de Joseph Alois Schumpeter,


publicada em 1942, procura responder às seguintes perguntas: o capitalismo sobreviverá? O
socialismo pode funcionar? A democracia é compatível com o socialismo? Para responder a
essas perguntas, o autor, teórico heterodoxo, se afasta dos economistas neoclássicos ao

5
Publicada em 1940, a obra foi imediatamente esquecida em meio às preocupações de uma Europa
dilacerada pela guerra. Sua versão ampliada e traduzida para inglês somente ocorre em 1949.

6
Rose Wilder Lane publica em 1943 The discovery of freedom no qual faz uma brilhante defesa da
liberdade individual e da limitação do poder do governo.
7
Ayn Rand, filósofa do objetivismo que, com sua obra – em especial seu livro A revolta de Atlas –
mesmo depois de mais de trinta anos de sua morte, continua a influenciar pensadores liberais da
atualidade.
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contestar o quadro estacionário nos estudos sobre o capitalismo no qual o equilíbrio entre a
oferta e a demanda afasta os monopólios, uma vez que estes deformam o sistema produtivo
e aumentam os preços.8 Joseph Stiglitz, na introdução de uma das republicações dessa obra
de Schumpeter, nos esclarece que, nos termos do autor, o coração do capitalismo era a
inovação, e a inovação exigia um certo grau de monopólio. Assim, a concorrência
schumpeteriana substitui a concorrência no mercado pela concorrência para o mercado. É
nesse sentido que expressões como “concorrência schumpeteriana” e “destruição criativa”
entraram nos dicionários de economia e negócios.

Schumpeter defendia a “destruição criativa” por meio da qual a inovação tecnológica faz, de
maneira simultânea, desaparecer e surgir novas atividades econômicas. Isso faz com que o
capitalismo seja capaz de revolucionar os meios de produção e garantir o crescimento
contínuo, em que pese esteja sujeito a períodos de depressão. Embora Schumpeter fosse
entusiasmado com essa dinâmica do capitalismo, ele considerava algumas tendências da
trajetória desse sistema rumo a colapso. Acreditava que o futuro estava destinado ao
socialismo. No entanto, sua abordagem se opõe à de grandes pensadores, como Karl Marx
(1818-1883), pois considera que o capitalismo não falhará por suas contradições internas, tal
como previa Marx, mas será devorado por seu triunfo. Nesse sentido, Schumpeter também
discorda de Hyek, que veremos em seguida, e não prevê que o socialismo seja acompanhado
da servidão. Para ele o socialismo promoveria uma liberdade, certamente limitada, mas a
democracia estaria preservada pela concorrência eleitoral.

Em contraponto ao pensamento político de Schumpeter, a defesa da liberdade e do


capitalismo emerge com força também pelo pensamento de Friedrich Von Hayek, Prêmio

8
Joseph Stiglitz nos esclarece que no reino da economia, Schumpeter se opôs ao modelo do equilíbrio
competitivo então prevalecente – e prevalecente hoje. Esse modelo muitas vezes chamado de
walrasiano, referência ao economista francês Léon Walras, o primeiro a lhe dar articulação
matemática, ou Arrows-Debreu, alusão a dois americanos laureados com Nobel que estabeleceram as
condições em que havia equilíbrio em tal modelo, e no qual o equilíbrio tinha eficiência de Pareto (ou
seja, era eficiente no sentido de que ninguém podia melhorar sua situação sem piorar a de outras
pessoas). Trata-se do modelo de oferta e demanda em que o monopólio é o flagelo; os monopólios
estorvam a produção e aumentam os preços.
| 23 |
Nobel em 1974. Sua obra publicada em 1944, O caminho da servidão, tornou-se um brado de
alerta contra os movimentos políticos que se expandiram na Europa continental, ameaçando
crescentemente a liberdade e os direitos individuais. Hayek ataca a planificação econômica,
como vertente do pensamento socialista, e a considera a base de alguns Estados totalitários.
Ao se referir à “servidão”, o autor afirma que a liberdade deve ser garantida pelo implemento
do liberalismo econômico e pela garantia das liberdades individuais, o que não se viabiliza
com o socialismo.

Desse modo, Hayek refere-se à utopia socialista:


Se o socialismo substitui o liberalismo como doutrina da grande maioria dos
progressistas, isso não significa apenas que as pessoas tenham esquecido as
advertências dos grandes pensadores liberais sobre a consequência do
coletivismo.
[...]
A promessa de maior liberdade tornou-se uma das armas mais eficazes da
propaganda socialista, e por certo a convicção de que o socialismo traria a
liberdade é autêntica e sincera. Mas essa convicção apenas intensificaria a
tragédia se ficasse demonstrado que aquilo que nos prometiam como
caminho da liberdade era na realidade o caminho da servidão.

Nesse contexto, Karl Popper, um dos mais prestigiados e influentes pensadores do século XX,
em sua vasta obra no campo da filosofia da ciência e do conhecimento, publica em 1945
Sociedade aberta e os seus inimigos. Considerada uma das dez obras que mais profundamente
marcaram, e mudaram, o século XX, a respeito da qual Bertrand Russel afirmou se tratar de
uma espécie de bíblia das democracias ocidentais. Nela, Popper desfere a mais devastadora
crítica ao comunismo. Em um bem-estruturado prefácio à edição portuguesa, o professor João
Carlos Espada, catedrático da Universidade Católica Portuguesa, afirma:

| 24 |
Sob a sua influência, centenas ou mesmo milhares de jovens marxistas
descobriram a fraude intelectual e moral do marxismo ... Essa foi a primeira
mudança fundamental operada por Karl Popper no século XX: a demolição
intelectual e moral do marxismo, em nome da tradição, da liberdade e
responsabilidade pessoal.

Popper lança um fulminante ataque a três grandes filósofos que considerou principais
inimigos da sociedade aberta: Platão, Hegel e Marx. Claro que será preciso conhecer e
interpretar as ideias centrais desses filósofos para entender as críticas de Popper. No entanto,
em linhas gerais, Popper ataca o historicismo, o naturalismo ético e o coletivismo. O
historicismo atribui à história um sentido predeterminado que não é susceptível de alteração
pelos indivíduos. Assim, a única liberdade do indivíduo consiste em compreender as leis
necessárias para o desenvolvimento histórico e contribuir para sua concretização e, se
possível, para sua aceleração. Tal como disseram Hegel e Marx “a liberdade é a consciência
da necessidade”. Popper argumenta que é impossível prever o futuro e, como a previsão
marxista sobre o inevitável advento do socialismo não era susceptível a teste, tratava-se
apenas de uma crença.

Da mesma forma, o segundo inimigo da sociedade aberta é o naturalismo ético, que tenta
reduzir normas a fatos. O naturalismo ético conclui que as normas morais são arbitrárias e
que a única forma de superar essa arbitrariedade consiste em reconduzir norma a fatos. O
terceiro inimigo, o coletivismo atribui ao coletivo uma “essência” independentemente dos
indivíduos que o compõem. Nessa perspectiva, afirma Popper, o coletivismo rouba a
responsabilidade moral do indivíduo – o fato de cada um é responsável por seus atos – e abre
as portas para a tirania, o líder que fala em nome da multidão e, em nome da multidão,
esmaga toda e qualquer oposição individual.

De 1989 a 2010, a pergunta se voltava para como se fazia a transição de um regime autoritário
para o democrático, sobretudo na década de 1980, impulsionado por estudos e publicações
de vários importantes autores. Nos dias atuais, a pergunta é: as democracias tradicionais
| 25 |
entram em colapso? Para tentar responder a essa pergunta, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt,
professores de ciência política na Universidade de Harvard, desenvolveram ao longo de vinte
anos pesquisas e as consolidam no livro Como as democracias morrem, tentando responder
várias perguntas sobre as democracias ao redor do mundo. E o mais interessante não é
exatamente saber como os países atingem suas plenitudes democráticas, mas sim responder
à pergunta síntese sobre a possibilidade de as democracias resistirem às demandas atuais?
Isso implica o fato sintomático de que o tema desperta interesse nas duas mais tradicionais
democracias do mundo.

Da mesma forma, David Runciman, professor da Universidade de Cambridge, no livro Como a


democracia chega ao fim, questiona: a que coisas uma democracia estabelecida não teria
como resistir? E conclui: sabemos que precisamos começar a formular a pergunta. Mas não
sabemos como responder. No entanto, adianta que não crê que estejamos no caminho de
volta para os anos 1930. Isso porque não estamos vivendo uma segunda alvorada de fascismo,
violência e guerra em escala mundial. Argumenta que nossas sociedades são diferentes
demais, prósperas demais, inteligentes demais, e trazemos profundamente arraigado um
conhecimento histórico coletivo do que deu errado àquela altura.

No entanto, convém lembrar um alerta dado por Madeleine Albright, ex-Secretária de Estado
dos Estados Unidos no governo de Bill Clinton, em seu livro Fascismo – um alerta. Nele,
Albright afirma que o fascismo deve ser visto menos como uma ideologia política e mais como
uma forma de se tomar o poder. É assim que o medo se torna a razão de sua penetração na
sociedade, pois o fascismo depende tanto dos ricos e poderosos como dos mais pobres.
Depende tanto de quem tem muito como de quem tem nada a perder. Enquanto as ditaduras
são impostas à sociedade de cima para baixo, a energia do fascismo é alimentada por homens
e mulheres abalados por uma guerra perdida, um emprego perdido, uma lembrança de
humilhação ou sensação de que seu país vai de mal a pior. Assim, conclui Albright, quanto
mais dolorosa for a origem da mágoa, mais fácil é para um líder fascista ganhar seguidores ao
oferecer e expectativa da renovação ou prometer restituir-lhes o que perderam.

| 26 |
Nessa mesma linha, seguem as reflexões de Yascha Mounk, professor da Universidade de
Johns Hopkins, com sua obra O povo contra a democracia – por que nossa liberdade corre
perigo e como salvá-la. Nela, o autor argumenta que, em que pese o sistema de democracia
liberal ter se consolidado depois do fim da União Soviética, e parecia ser inabalável, apresenta
falhas diante das novas demandas sociais, e as tensões daí derivadas permitem que políticos
improváveis dominem a cena política. Mounk, combinando análise política com pesquisas,
identifica três causas para as principais insatisfações dos cidadãos: a estagnação do padrão de
vida, o medo da democracia multiétnica e a ascensão das mídias sociais.

Levitsky e Ziblatt afirmam que o ponto de inflexão a favor da democracia ocorreu a partir de
1989, com a queda do Muro de Berlim e a transição dos países comunistas do Leste Europeu,
como também o impulso dado pelo fim das ditaduras latino-americanas e a criação de
instituições democráticas em diversos países africanos. Segundo o Polity Project – projeto que
classifica o regime político dos países ao longo do tempo – em 1985, havia 42 democracias
onde moravam 20% da população mundial. Em 2015, são 103 democracias abarcando 56% da
população mundial.

Seguem os autores argumentando que o último grande impulso a favor da democracia


ocorreu no fim de 2010 e início de 2011, com a Primavera Árabe. Houve nesse momento o
encontro das insatisfações populares com o poder da tecnologia de massa descentralizada,
com a qual novas redes de indignação foram mobilizadas de forma rápida e intensa. Porém, o
fracasso nos países que a promoveram – apenas a Tunísia conseguiu uma passagem bem-
sucedida – ensejou um dos temas centrais para reflexão política em cujo termo “recessão
democrática”, cunhado pelos cientista político norte-americano Larry Diamond, encontraria o
cerne das preocupações atuais, ou seja, descreveria o fim do processo contínuo de ampliação
de democracias no mundo.

| 27 |
Levitsky e Ziblatt afirmam que durante a Guerra Fria, golpes de Estado foram responsáveis por
quase três em cada quatro colapsos das democracias. No entanto, os autores chamam a
atenção de que existe outra maneira de arruinar as democracias de forma menos dramática,
mas de igual poder destrutivo. Democracia não morre pelas mãos de generais, mas por líderes
eleitos como presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo
democrático que os levaram ao poder. Assim, concluem os autores: “O paradoxo trágico da
via eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as próprias
instituições democráticas – gradual, sutil e mesmo legalmente – para matá-la”.

Manuel Castells, em seu livro Ruptura – a crise da democracia liberal, argumenta que a
democracia liberal que se havia consolidado nos dois últimos séculos – às custas de lagrimas,
suor e sangue contra os estados autoritários e arbítrio institucional – entra em crise. Afirma
que a profunda crise nas democracias liberais não é uma questão de opções políticas de direita
ou de esquerda. Trata-se de uma ruptura da relação governantes e governados e uma
desconfiança nas instituições em quase todo o mundo que, em consequência, deslegitima a
representação política. Trata-se de um colapso gradual de um modelo político de
representação e governança.

Seguindo a linha de vários autores já referenciados o autor remete a origem da crise para a
conjunção de vários processos que se reforçam mutualmente. A globalização da economia e
da comunicação solapou e desestruturou as economias nacionais e limitou a capacidade do
Estado-nação de responder em seu âmbito a problemas que são globais na origem, tais como
crise financeira, a violação dos direitos humanos, a mudança climática, a economia criminosa
ou o terrorismo.

O paradoxal é que foram os Estados-nações a estimular o processo de globalização desde a


década de 1980, nas administrações de Reagan e Thatcher, então líderes da economia
internacional, e são esses mesmos que estão recolhendo as velas neste momento, sob o
impacto político dos setores populares que, em todos os países, sofreram as consequências

| 28 |
da globalização. No que Castells afirma, quanto mais o Estado-nação se distancia da nação
que ele representa, mais se dissociam o Estado e a nação, com a consequente crise e
legitimidade na mente de muitos cidadãos, mantidos à margem de decisões essenciais para
sua vida, tomadas para além das instituições de representação direta.

Tal como vimos e argumenta Collier em sua análise sobre o capitalismo, Castells afirma que
que camadas profissionais de maior instrução e maiores possibilidades se conectam através
do planeta em uma nova formação de classe social que separa as elites cosmopolitas,
criadoras de valores no mercado mundial, dos trabalhadores locais, desvalorizados pelo
deslocamento industrial, alijados pela mudança tecnológica e desprotegidos pela
desregulação trabalhista. A desigualdade social resultante entre valorizados e desvalorizados
é a mais alta da história recente.

E mais, argumenta Collier, a lógica irrestrita do mercado acentua as diferenças entre


capacidades segundo o que é útil ou não às redes globais de capitais, de produção e de
consumo. De tal modo que, além das desigualdades, há a polarização; ou seja, os ricos estão
cada vez mais ricos, sobretudo o vértice da pirâmide, e os pobres cada vez mais pobres. Essa
dinâmica atua ao mesmo tempo nas economias nacionais e mundiais. Assim, embora a
incorporação de centenas de milhões de pessoas no mundo de nova industrialização dinamize
e amplie o mercado global, a fragmentação de cada sociedade e de cada país se acentua.

Essa fragmentação que esgarça as comunidades. Nos argumentos de Collier, as cidades do


norte da Inglaterra foram as pioneiras da Revolução Industrial e suas populações foram as
primeiras a enfrentar as novas inquietações da época. Como resposta, criaram organizações
que colhiam os frutos da reciprocidade para atendimento às novas demandas da comunidade.
Então nascem as cooperativas nas mais abrangentes áreas: do seguro, agrícolas e varejistas,
entre outras. Rapidamente esse movimento se expandiu por grande parte da Europa e serviu
de base para os partidos políticos de centro-esquerda: os partidos da social-democracia.

| 29 |
Esses benefícios de reciprocidade de uma comunidade se ampliaram para a nação e, com a
chegada no pós-guerra de vários desses partidos ao poder, usaram desse dispositivo para
implementar um leque de políticas pragmáticas que atendiam com eficiência a essas
demandas de assistência médica, aposentadoria, acesso ao ensino, seguro-desemprego, entre
outras.

Os argumentos dos que defendem as ideias das comunidades encontram força nos estudos
do professor da Universidade de Chicago, Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI e ex-
presidente do Banco Central da Índia, em seu mais recente livro How the markets and state
leave the community behind. Os três pilares consistem em: o Estado, ou o establishment
político; os mercados, ou a estrutura econômica; a comunidade, o que também inclui
governos locais. Ele alega que as democracias baseadas no livre-mercado estão ameaçadas
pelo desequilíbrio entre essas três forças. Assim como os outros autores já referenciados,
Rajan busca entender por que existe tanta oposição popular em várias partes do mundo
contra a democracia baseada no livre-mercado, esse sistema que tem um histórico de tanto
sucesso.

Segue o autor explicando que, nos últimos anos, o governo central de vários países tem
conseguido concentrar mais e mais poder. Simultaneamente, esses países têm feito parte de
acordos internacionais. Em certa medida, isso teve relação com o poder cada vez maior dos
mercados. À medida que os negócios se internacionalizaram e se tornaram mais globais, a
governança também seguiu esse caminho.

Como solução, argumenta o autor, as comunidades são importantes para balancear os limites
do mercado e do governo. São mecanismos eficazes para a descentralização necessária e
servem de antídoto contra a crescente integração entre mercados e governos. É assim que ele
defende uma volta ao que chama de “localismo”, com a concessão de mais poder e dinheiro
aos municípios. E, com isso, se cria o sistema de defesa contra os políticos populistas que estão
explorando suas plataformas nacionalistas.

| 30 |
Além disso, as comunidades são fatores determinantes para a sustentação identitária da
sociedade. Como explica Castells:

A crise de representação de interesses se une a uma crise identitária como


resultante da globalização. Quanto menos controle as pessoas têm sobre o
mercado e sobre o Estado, mais se recolhem numa identidade própria que
não pode ser dissolvida pela vertigem dos fluxos globais. Refugiam-se em sua
nação, em seu território, em seu deus.

Os efeitos da tecnologia fazem parte da abordagem de todos os autores aqui referenciados.


O mundo digital está provocando, e serão mais intensificadas, as transformações vertiginosas
nos Estados-nações, em novas configurações de blocos de nação, nos ambientes de negócio,
em organizações, grupos, indivíduos. São as características, impulsos e previsões do avanço
desse terceiro motor que veremos s seguir.

5. Tecnologia

A tecnologia como instrumento de mudança da forma de viver humana promoveu profundas


transformações a partir da primeira Revolução Industrial ocorrida aproximadamente entre
1760 e 1840. Eric Brynjolfsson e Andrew MacAfee, no livro intitulado Segunda era das
máquinas, respondem à pergunta: Quais foram as principais evoluções na história da
humanidade? Consideram o ano de 25.000 a.C. como razoável para começar a registrar as
grandes transformações, não fosse pela era do gelo que a terra enfrentava. Portanto, se valem
do trabalho do antropólogo Ian Morris, no livro Why the West rules – for now, no qual rastreia
o progresso da sociedade humana a partir de 14.000 a.C., quando o planeta começou a
esquentar.

Morris desenvolveu um trabalho para quantificar o que denomina desenvolvimento social (a


habilidade de um grupo para dominar seu ambiente físico e intelectual a fim de obter
| 31 |
resultados) ao longo do tempo. Para tanto, é medido ao longo do tempo em uma escala de
zero a 250 em quatro atributos: captura de energia (calorias por pessoa, obtidas do ambiente
na comida e comércio, indústria e agricultura, e transporte); organização (tamanho da maior
cidade); capacidade de guerra (número de tropas, potência e velocidade das armas,
capacidade logística e outros fatores semelhantes) e tecnologia da informação (sofisticação
das ferramentas disponíveis para compartilhar e processar informação e a extensão de seu
uso).

Os resultados são surpreendentes. Ele mostra que nenhum dos avanços desde a domesticação
dos animais – que apressou a transição da caça ao cultivo, um avanço importante já em
andamento desde 8.000 a.C. – até as grandes guerras e os impérios que delas resultaram,
como o mongol, romano, árabe e o otomano, tiveram o poder de produzir alterações
significativas nas evoluções populacional e social. O mesmo ocorreu no âmbito das ideias. Para
explicar a evolução das ideias, o filósofo Karl Jasper define uma “era axial”, que vai de 800 a.C.
a 200 a.C., em que Buda (563-483 a.C.), Confúcio (551-479 a.C.) e Sócrates (469-339) viveram
bem próximos um do outro, temporalmente mas não geograficamente, e trouxeram escolas
de pensamento transformadoras às três maiores civilizações: indiana, chinesa e europeia.
Assim mesmo, os atenienses começaram a praticar a democracia em 500 a.C., e Colombo
navegou para integrar o Novo e o Velho Mundo em 1492.

Em que pesem todos esses avanços, não se detectou nenhum deles que de fato produzisse
alterações tão significativas que impusessem uma trajetória ascendente populacional e social
na história da humanidade. No gráfico a seguir, ilustrando a evolução da população, já
mostrado na primeira seção, e agora incluindo o desenvolvimento social, percebe-se que as
duas linhas são quase idênticas.

| 32 |
Fonte: Brynjolfsson e MacAfee - Segunda era das máquinas (2015)

Brynjolfsson e MacAfee concluem, a partir de Morris, que por milhares de anos a humanidade
teve uma trajetória ascendente muito gradual. Progresso lento e quase invisível. Animais e
fazendas, guerras e impérios, filósofos e religiões fracassaram em exercer uma forte influência
nas curvas populacional e social. Mas, em pouco mais de duzentos anos, algo repentino e
profundo promoveu um alto salto em ambas as curvas. A Revolução Industrial.

Claro que a Revolução Industrial não é o único fator, e já colocamos a democracia e o


capitalismo lado a lado. No entanto, a tecnologia como fator decisivo para a mudança
repentina no gráfico implica dizer que a soma de diversos avanços quase simultâneos na
engenharia mecânica, química, metalúrgica e em outras disciplinas forjaram a Revolução
Industrial. Da mesma forma, entre as tecnologias, o motor a vapor desenvolvido por James
Watt e seus colegas na metade do século XVIII, mais que qualquer outra coisa, permitiu-nos

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superar as limitações da força bruta humana e animal e levou as fábricas à produção em massa
e as ferrovias ao transporte de massa. Levou-nos para a vida moderna e foi a primeira vez
que a tecnologia nos levou às transformações mais profundas que o mundo já viveu, que em
palavras de Morris, “zombou de todo o drama da história anterior”.

Com efeito, vários autores dividem as revoluções tecnológicas em quatro revoluções. A


primeira fase da Revolução Industrial, exatamente essa da máquina a vapor e das ferrovias,
com o início da produção mecânica, compreende o período de aproximado de 1760 a 1840. A
segunda fase, iniciada no fim do século XIX, entrou no século XX e, pelo avanço da eletricidade
e da linha de montagem, possibilitou a produção em massa. A terceira fase começou na
década de 1960 e costuma ser chamada de revolução digital ou do computador. Impulsionada
pelo desenvolvimento dos semicondutores, da computação em mainframe na década de
1960, da computação pessoal nas décadas de 1970 e 1980, e da internet na década de 1990.

A partir do início do atual século, a revolução digital toma novo impulso por uma internet mais
rápida e móvel, por sensores menores, mais poderosos e mais baratos, e pela inteligência
artificial (IA). Essa nova fase, Klaus Schwab , fundador e presidente executivo do Fórum
Econômico Mundial, denomina de quarta revolução industrial.9 No entanto, esse avanço da
tecnologia digital é o que Brynjolfsson e MacAfee denominam de segunda era das máquinas.
Argumentam eles que, assim como o ponto de inflexão gerado pela máquina a vapor levou
tempo para dar força à Revolução Industrial, os motores digitais também levaram tempo para
refinar e seus efeitos irão se manifestar com “força total’ por meio de automação de “coisas
sem precedentes”.

Schwab alega que a quarta revolução industrial não diz respeito somente a sistemas de
máquinas inteligentes conectadas, o que a torna diferente das anteriores é a fusão de

9
A Quarta Revolução Industrial se relaciona com a “indústria 4.0”, termo cunhado em 2011, na Feira
de Hannover, para descrever como essas transformações tecnológicas irão revolucionar as cadeias
globais de valor por meio da cooperação entre “fábricas inteligentes” interligadas por sistemas físicos
e virtuais produzindo produtos personalizados e novos modelos operacionais.
| 34 |
tecnologias e a interação entre domínios físicos, digitais e biológicos. Envolve um amplo
escopo em áreas com desenvolvimentos simultâneos que vão desde energia renovável a
computação quântica e sequenciamento genético até a nanotecnologia. Assim mesmo, essa
revolução tecnológica se distingue das demais por três fatores:

• Velocidade – trata-se de ritmo exponencial e não linear como as anteriores. Por


exemplo, o tear mecanizado levou quase 120 anos para se espalhar fora da Europa.
Diferentemente, a internet levou menos de uma década para se espalhar pelo globo.
O telefone levou 75 anos para chegar a cinquenta milhões de pessoas, a rádio, 38 anos,
a televisão, 13, a internet, quatro anos, o iPhone (completados dez anos em 2107),
três, mais recentemente o Instagram, dois anos, o Angry Birds, 35 dias, e o Pokémon
Go, apenas 15 dias.
• Amplitude e profundidade – combina várias tecnologias e altera paradigmas sem
precedentes da economia, dos negócios, da sociedade e dos indivíduos. Redefinirá o
sistema capitalista, a forma como viveremos e como seremos.
• Impacto sistêmico – impactará relações entre países, dentro dos países, nas empresas
e na sociedade.

Daí por diante, o impacto das tecnologias do mundo digital é abordado por diversos autores.
Para fins da nossa compreensão, foram escolhidas aquelas obras que julgo mais relevantes
aqui expor. Claro está que nem de longe esgota as possibilidades de contribuição de outros
trabalhos igualmente relevantes que, por limitação de abordagens, aqui não foram expostos.

Em um outro livro mais recente, Aplicando a quarta revolução industrial, Klaus Schwab e
Nicholas Davis descrevem 12 conjuntos de tecnologias emergentes, seus impactos potenciais
e por que elas são importantes para os líderes atuais: novas tecnologias de computação;
blockchain e tecnologias de registros distribuídos; internet das coisas (IoT); inteligência
artificial e robótica; materiais modernos; fabricação de aditivos e impressão

| 35 |
multidimensional; biotecnologia; neurotecnologia; realidade virtual e aumentada; captura,
armazenamento de energia; geoengenharia; e tecnologias espaciais.

Da mesma forma, Kevin Kelly, em sua obra Inevitável, lista as 12 forças que mudarão nosso
mundo nos próximos trinta anos. Ele classifica essas forças em 12 verbos como acessar,
monitorar e compartilhar, transmitindo a ideia de ação em andamento que se constituem em
forças aceleradoras. Por exemplo, ao falar do neologismo cognificar para explicar a
codificação cognitiva, Kelly faz emergir temas como inteligência artificial, computação
paralela, big data e assim por diante. Do interior dessas forças, retirei os temas que
complementam os argumentos de Rifkin, os quais veremos em seguida. Portanto, sem a
pretensão de tudo representar, mas de ressaltar algumas coisas, segue uma breve descrição
de alguns temas relevantes, impulsionadores das forças inevitáveis no futuro.

O impacto desses fatores sobre o sistema capitalista é abordado por Jeremy Rifkin no livro
Sociedade com custo marginal zero, em que argumenta que o surgimento da IoT tem levado
à ascensão de um novo sistema econômico – os bens comuns e colaborativos – que está
transformando nosso modo de vida. Explica como a internet das comunicações, da energia, e
dos transportes está convergindo para criar uma rede neural global, conectando tudo a todos
na IoT.

Rifkin apesenta o papel central das novas plataformas tecnológicas que constituem uma
infraestrutura e, ao mesmo tempo, reorganizam a economia e seu gerenciamento. Essas
plataformas envolvem uma matriz de comunicação/energia/transporte que evolui da
seguinte maneira: no século XIX, a prensa movida a vapor10 e o telégrafo11 tornaram-se meios
de comunicação para interligar e gerenciar um complexo de rede de ferroviária movida a

10
Em 1814, a impressora a vapor de Friedrich Koening começou a imprimir páginas do jornal londrino
The Time em velocidade de mil cópias do jornal por hora, comparada às meras 250 cópias produzidas
por impressoras manuais. Em 1832, as impressoras do jornal haviam dobrado a produção por hora.
11
Na década de 1860, foi implantada uma rede de telégrafo em âmbito nacional, possibilitando
comunicação instantânea das empresas ao longo de suas cadeias de suprimento e seus canais de
distribuição.
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carvão e sistema fabril, conectando áreas urbanas densamente povoadas ao longo de
mercados nacionais. No século XX, o telefone, mais tarde, o rádio e a televisão tornaram-se
os meios de comunicação para gerenciar e comercializar em uma rede geograficamente mais
dispersa, suburbana, movida a óleo combustível e motorizada, e para uma sociedade de
consumo em massa. No século XXI, a internet vem se tornando o meio de comunicação para
gerenciar energias renováveis e sistemas de logística e transporte automatizados em bens
comuns globais e crescentemente interconectados.

De forma semelhante, a escolha das obras segue a seleção das tecnologias e seus impactos
que serão brevemente descritos. O critério é apenas o de abrangência, embora seja quase
impossível adotá-lo. De qualquer maneira, trata-se apenas de uma aproximação sucessiva
com todas aquelas tecnologias impactantes referenciadas nas obras dos autores.

§ Internet das coisas (IoT)

Rifkin afirma que o enorme saldo de produtividade será possível porque a IoT é a primeira
revolução de infraestrutura inteligente da história que irá conectar cada equipamento,
empresa, residência e veículo em uma rede inteligente composta por uma internet das
comunicações, uma internet da energia e uma internet do transporte, todas embutidas em
único sistema operacional. A evolução da IoT tende a desenvolver uma linha do tempo
semelhante à da decolagem da world wide web (www) em 1990 até hoje, quando uma curva
exponencial de crescimento resultou na queda vertiginosa do custo de produzir e enviar
informações.

Segue argumentando o autor que o termo internet das coisas foi cunhado por Kevin Ashton,
um dos fundadores do MIT Auto ID Center, por volta de 1995. Nos anos seguintes, a IoT perdeu
força, em parte, porque o custo dos sensores e dos atuadores instalados nas “coisas” ainda
era muito alto e vem decrescendo exponencialmente. Outro obstáculo que prejudicou a
implementação da IoT foi o Internet Protocol, IPv4, que disponibiliza apenas 4,3 bilhões de

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endereços únicos na internet (todo dispositivo conectado à internet deve ter um endereço de
IP). Com a maioria dos endereços de IP já abocanhados pelas pessoas conectadas atualmente
à internet, poucos permanecem disponíveis para futuras conexões. Agora foi desenvolvida
uma nova versão de IP, que ampliará o número de endereços disponíveis para 340 quintilhões
– mais do que suficiente para acomodar os atuais e os dois trilhões de dispositivos que devem
ser conectados à internet nos próximos dez anos.

Nessa linha, Schwab e Davis afirmam que a IoT aprimorará as interações entre humanos e
máquina, e a economia de dados entre máquinas crescerá até ficar maior que a economia
entre humanos. Dezenas de bilhões de dispositivos serão adicionados à IoT na próxima década
e, por meio de aplicações industriais, sua interação poderá adicionar até US$ 14 trilhões à
economia global em 2030.

§ Capacidade de processamento

Da mesma forma, Rifkin segue com argumentos em torno dos custos de processamento.
Afirma que tais custos despencaram exponencialmente nos últimos cinquenta anos. A
invenção dos circuitos integrados (microship) permitiu grande evolução. Enquanto há
cinquenta anos um computador custava milhões de dólares, hoje centenas de milhões de
pessoas possuem smartphones baratos com uma capacidade de processamento milhares de
vezes maior que os poderosos mainframes da década de 1960.

Os telefones celulares atuais pesam alguns gramas, cabem no bolso e custam algumas
centenas de dólares, alguns até são grátis se houver adesão ao plano das operadoras. No
entanto, têm mil vezes mais capacidade de memória que o computador Cray-IA do fim da
década de 1970, que custava perto de nove milhões de dólares e pesava mais de cinco
toneladas. O custo marginal do processamento está caminhando para zero.

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Isso se deve às curvas exponenciais do progresso digital. A evolução de processamento foi
verificada por Gordon Moore, cofundador da Intel, a maior fabricante de chips
semicondutores, e publicada em ensaio famoso em 1965. Nele, Moore observou que o
número de componentes em circuito integrado vinha dobrando a cada ano, desde 1958. Em
sua forma original, a declaração da Lei de Moore: “A complexidade para custos mínimos”, a
qual Brynjolfsson e MacAfee esclarecem: “Aqui queria dizer, essencialmente, a quantidade de
potência de computação do circuito integrado que você poderia comprar por um dólar. Moore
observou que, durante a breve história da sua indústria, essa quantidade tinha dobrado a cada
ano”.

Moore previu que esse padrão continuaria e sua “lei” se cumpriu por quase quatro décadas.
O tempo necessário para a duplicação digital continua em debate. Em 1975, Moore revisou
sua estimativa, aumentando-a em um ano ou dois. Hoje, é comum usar 18 meses como
período de duplicação para a potência geral de computadores.

§ Inteligência artificial A)

Cognificar para Kelly é inserir inteligência artificial (IA) em coisas inertes tendo como resultado
uma revolução em nossas vidas em uma escala jamais vista. De preferência essa inteligência
seria gratuita, tal como os recursos livres da web. Diferentemente do que se imaginava, uma
IA não é abrigada em um supercomputador independente, mas sim em um superorganismo
composto de mais de um bilhão de chips conhecido como internet. Embora planetária, será
também discreta, embutida e livremente conectada.

Por exemplo, o Watson da IBM (nomeado em homenagem ao lendário CEO da IBM, Thomas
Watson) que superou as tentativas anteriores fracassadas de criar uma IA de diagnósticos.
Funciona de verdade e está espalhado em uma nuvem e pode ser apresentado
simultaneamente a usuários em qualquer lugar do mundo, os quais podem acessá-lo por
celular, desktop ou o próprio servidor de dados. Conforme as pessoas o usam, o Watson fica

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sempre mais inteligente. Kelly cita Alan Greene, diretor médico da Scanadu, startup que
desenvolve um dispositivo de diagnóstico com IA incorporada: “Acredito que, em breve, algo
como o Watson será o melhor diagnosticador do mundo, incluindo tanto máquinas como
seres humanos”.

Da mesma forma o Google. Hoje, a busca representa a maior parte das receitas da empresa,
e o uso da IA aparenta ser mais uma melhoria para sua funcionalidade, mas, na verdade, a IA
do Google aprende com a busca e, cada vez que fazemos pesquisa no site, treinamos a IA.
Com mais dez anos, com mil vezes mais dados e cem vezes mais capacidade computacional,
o Google terá uma IA inigualável e, no futuro próximo, o principal produto da empresa não
será a busca, mas a IA.

No que Kelly conclui que a IA que desponta será barata, confiável e está por trás de tudo e
quase invisível. Bastará conectar-se à rede para receber a IA, como se fosse energia elétrica.
Ela dará vida a objetos inertes, da mesma forma que a eletricidade fez mais um século atrás.
Praticamente tudo o que imaginamos pode ser torna algo novo, diferente ou mais valioso com
a aplicação da IA.

§ Computação paralela

Brynjolfsson e MacAfee abordam a computação paralela com o seguinte argumento. O


cérebro interpreta sinais e ativa o pensamento pela combinação de atividades paralelas e
simultâneas de bilhões de neurônios. A rede neural, a arquitetura primária do software de IA,
trabalha com ocorrências simultâneas e cada nó da rede neural imita um neurônio no cérebro.
Isso possibilitou a mudança no computador típico que processava uma coisa de cada vez para
atender a demandas paralelas por meio da criação de um novo chip chamado de unidade de
processamento gráfico (GPU, na sigla em inglês). Projetados inicialmente para os games
funcionaram muito bem e ganharam popularidade.

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No entanto, foi a partir de 2009 que as redes neurais ganharam impulso e amplitude de
aplicação, exatamente quando Andrew Ng, professor de Ciência da Computação da Stanford
University, e uma equipe de pesquisadores perceberam que os chips GPU poderiam rodar em
redes neutrais em paralelo. Hoje, empresas habilitadas nas nuvens rodam redes neurais em
GPUs. Por exemplo, o Facebook para identificar pessoas e o Netflix para fazer recomendações
para seus milhões de assinantes.

§ Big data

Um dos fatores essenciais para o desenvolvimento da inteligência artificial é seu aprendizado


possibilitado pela imensa avalanche de dados coletados pelo mundo. É assim que bancos de
dados gigantescos, automonitoramento, cookies da web, terabytes de armazenamento,
década de resultados de buscas, Wikipédia e todo o universo digital cumprem o papel de
professores da IA. Kelly refere-se aos argumentos de Andrew Ng:

A inteligência artificial e como construir uma nave espacial. Você precisa de


um motor enorme e combustível. O motor da nave espacial equivale aos
algoritmos de aprendizado, mas o combustível é o volume de dados que
alimenta esses algoritmos.

No entanto, César Taurion, em seu livro Big data, chama a atenção que embora se trate de
um conjunto dados derivados de várias fontes – internas e externas às empresas, estruturados
ou não, coletados na mídia social, por exemplo –, somente será possível gerar valor se esses
dados forem validados e tratados na velocidade adequada. Então, o autor afirma que a
fórmula consistente em: big data = volume + variedade + velocidade + veracidade, gerando
valor.

§ Algoritmos

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A IA não é novidade. Desde o fim da década de 1950, trabalha-se em aperfeiçoamento de
algoritmos. O que mudou se refere à utilização de grandes bancos de dados (big data), alta
capacidade de processamento, conectividade individualizada e convergência. O livro
Superinteligência expande a compreensão e a perspectiva futura da inteligência artificial, cujo
autor, Nick Bostrom, argumenta:

Embora modelos simples de rede neural sejam conhecidos desde o final da


década de 1950, o campo de pesquisa experimentou um renascimento após
a introdução do algoritmo de retropropagação (back propagation), que
permitiu treinar redes neurais multicamadas [...] combinados com os
computadores cada vez mais poderosos que estavam se tornando
disponíveis, esses aperfeiçoamentos algorítmicos capacitaram engenheiros
na construção de rede neurais boas o suficiente para serem úteis, na prática,
em várias aplicações.

Em 2006, Geoffrey Hinton, então da University of Toronto, otimizou matematicamente os


resultados de cada camada de rede neural para que o aprendizado se acumulasse mais
rapidamente conforme fosse processado pilha acima. Denominou esse método de
“aprendizado profundo” e foi levado às GPUs. Embora não seja, isoladamente, o único
mecanismo de geração de pensamento lógico complexo, o código de aprendizado profundo
se constitui um componente essencial de todas as IAs atuais como o Watson, da IBM, o motor
de busca do Google e os algoritmos do Facebook.

§ Desmaterialização

O processo de desmaterialização concretiza-se por duas vias. Na primeira, a tendência de


diminuição de peso nos bens físicos facilmente perceptível em vários produtos utilizados nos
nossos cotidianos. Na segunda, está uma nova configuração de organizações horizontais que
prestam serviços e que, ao longo do tempo, constituem ecossistemas de operações,
intermedeiam oferta e demanda de forma inovadora. É o que veremos.

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Brynjolfsson e MacAfee descrevem que a desmaterialização nos bens físicos já vem ocorrendo
como tendência dos últimos trinta anos. Por exemplo, a lata de cerveja de hoje tem um quinto
de seu peso original. Da mesma forma, o peso dos automóveis caiu em média 25%, os
eletrodomésticos e muitos outros produtos, reduziram significativamente o peso. Em valores
agregados, a quantidade de material utilizado por dólar de produto interno bruto (PIB) vem
caindo em ritmo acelerado. Seu efeito pode ser constatado pela relação do PIB por material
utilizado nos Estados Unidos. A desmaterialização dobrou em 23 anos, passou de US$ 1,64 em
1977 para US$ 3,58 em 2000.

No entanto, a tecnologia digital acelera a desmaterialização e migração de produtos para


serviços. Enquanto produtos incentivam a posse, serviços a desestimulam. Por exemplo, os
softwares foram os primeiros produtos independentes a virar “serviços”. A modalidade de
venda SaaS (sigla em inglês de “software as a service” ou software como serviço) tem sido
padrão para a maioria dos casos. Assim, por meio de assinatura mensal, o cliente tem acesso
a softwares sempre atualizados, sem deter a propriedade.

Nessa mesma linha, para além de serviços de acesso a hotéis, como Airbnb, e táxi, como o
Uber, seguem TVs, telefones e uma enormidade de serviços que compreendem saúde,
educação, habitação, entre outros. Esses modelos de negócios incorporam um serviço
descentralizado em tempo real e sob medida operado por uma rede bem-distribuída de
freelancers agregada as empresas. Por exemplo, startups trabalham com ativos ociosos em
boa parte do tempo, como carro parado na garagem, quarto vazio e espaços vagos em
escritórios, e oferecem a pessoas que estão necessitando desses bens, no exato momento.
Não só isso. Para uma compreensão mais ampla do tema, no livro Capitalism without capital,
os autores Jonathan Haskel e Stian Westlake abordam os impactos da economia intangível
não somente pela tecnologia, mas, também, pela utilização dos ativos imateriais de valor
intangível aí incluídos marcas, softwares, capital intelectual, entre outros.

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A tendência à descentralização, e de forma mais acentuada em diversos setores da economia,
demandará organizações mais horizontalizadas. Emerge desse contexto um tipo de
organização chamada “plataforma”, pela qual determinada empresa se constitui como base
para abrigar a construção de produtos e serviços criados por outras empresas. Assim são
formados os “ecossistemas” como denominação dessas plataformas e para evidenciar o grau
de interação e sobrevivência de produtos e serviços abrigados. São caracterizadas pela Co
evolução, um tipo de codependência biológica, uma mistura de concorrência com
cooperação. Portanto, juntas, a desmaterialização, a descentralização e a comunicação em
massa vão impulsionar cada vez mais as plataformas. Os mais prósperos e inovadores modelos
de negócio da atualidade são plataformas, ainda que mais avançadas, como a Apple,
Microsoft, Google e Facebook.

Para melhor entendimento dessas plataformas, Geoffrey Parker, Marshall Alstyne e Sangeet
Choudary publicaram o livro Plataforma – a revolução estratégica. Nele, os autores procuram
responder a perguntas essenciais, entre elas, como o surgimento das plataformas
transformou os princípios norteadores do crescimento econômico e da concorrência
empresarial? Como algumas empresas equacionam o desafio de atrair produtos e
consumidores simultaneamente para uma nova plataforma enquanto outras fracassam de
modo lastimável? Assim, o livro se constitui em um guia de fácil compreensão para o mundo
das plataformas como organizações de negócio de nosso tempo.

Outro aspecto igualmente importante para o impulso das novas tecnologias digitais está na
configuração das nuvens. A grande vantagem da nuvem está no compartilhamento de dados,
em sua capacidade de expandir com facilidade, promover um desempenho de serviço quase
perfeito. Quanto maiores são as nuvens, menores são os dispositivos utilizados por nós.
Juntas, desmaterialização, descentralização, comunicação em massa, plataformas e nuvens
resultarão em redes de globais de comunicação e negócios que seguirão diluindo a ideia de
posse.

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§ Compartilhamento

A ideia de compartilhamento refere-se aos bens comuns. De forma específica, hoje em dia se
denominam bens comuns sociais. Rifkin chama a atenção que a ideia desses bens comuns
sociais já se configuram no século XX pelas atividades da sociedade civil que se tornaram
institucionalizadas como organizações sem fins lucrativos e, portanto, isentas do pagamento
de tributos, e conformam o terceiro setor como uma extensão do mercado e governo. São
igrejas, escolas, hospitais, grupos de apoio comunitário, entre outros, que, guiados por
interesses colaborativos, conectam pessoas, grupos e organizações voltados para a inovação
aberta, a transparência e a busca por comunidade.

Pois bem, Rifkin argumenta que o que torna os bens comuns mais relevantes hoje em dia e
mais relevantes que em qualquer outro momento da história é o erguimento de uma
plataforma tecnológica global, com a qual serão otimizados os valores essenciais e os
princípios operacionais que revigoram essa instituição de gestão de bens comuns quase
milenar. Por outro ângulo, Kelly argumenta que a frenética corrida global para conectar todas
as pessoas o tempo todo está dando origem, sem alarde, a uma versão tecnológica revista do
socialismo.

Os aspectos dos bens comuns derivados da cultura digital podem ser observados, por
exemplo, na Wikipédia como um tipo de coletivismo emergente. Um wiki é a denominação
para um conjunto de documentos produzidos em colaboração que pode ser editado ou
alterado por qualquer um ou por todos. Assim, a adoção de licenças de direitos autorais que
promove o compartilhamento, conhecida como Creative Commons, define um novo padrão
de compartilhamento e reutilização de conteúdos. Ward Cunningham, inventor da primeira
página colaborativa na web, em 1994, estima que existem mais de uma centena de programas
wiki utilizados em vários sites que potencializam a expansão colaborativa.

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No entanto, como bem define Rifkin, a IoT é a “alma gêmea” de um modelo emergente de
bens comuns colaborativos, pois sua lógica operacional é otimizar a produção lateral entre
pares, o acesso universal e a inclusão. São esses mesmos fatores da IoT que são críticos para
nutrir e criar capital social na sociedade civil. Com isso, os bens comuns sociais encontram
uma plataforma tecnológica que os elevam ao patamar de um novo paradigma econômico do
século XXI, pois os colaborativistas estão tomando emprestado as virtudes do capitalismo e
do socialismo e eliminando a natureza centralizadora tanto do livre-mercado quanto do
estado burocrático.

Por outro lado, um exemplo emblemático da transformação de posse em acesso aos bens está
no automóvel, símbolo da propriedade privada do sistema capitalista e, ao mesmo tempo de
status, autonomia e liberdade para gerações. No entanto, a geração digital está
transformando sua relação com o automóvel, preferindo acesso à posse. E assim, à medida
que o compartilhamento de carros cresce, o número de veículos próprios diminui e se reduz
a emissão de gás carbônico. Com efeito, o serviço de compartilhamento de carros também é
o pioneiro da transição para veículos elétricos.

É nesse novo contexto que os grandes fabricantes de automóveis estão aderindo ao


compartilhamento. No curto prazo, nenhuma montadora deixará de se engajar em tal
mudança. No entanto, qualquer que seja o valor que as montadoras agreguem ao
compartilhamento, ele será acompanhado da redução de carros que irão vender. Rifkin cita
estudos de Lawrence D. Burns, vice-presidente corporativo de Pesquisa, Desenvolvimento e
Planejamento da GE até 2009 e atualmente professor da Universidade de Michigan. Burns
admite que seriam necessários 80% menos veículos compartilhados coordenados do que o
número de veículos próprios para proporcionar o mesmo nível de mobilidade, com menos
investimentos.

Para descrever a estrada que levou ao consumo colaborativo, Rachel Botsman, ex-consultora
da GM e da IBM e hoje dedicada à economia do compartilhamento, esclarece que a web social

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passou por três fases. A primeira permitiu que os programadores compartilhassem códigos
livremente. Na segunda, o Facebook e o Twitter permitiram que a pessoas compartilhassem
sua vida. Na terceira, o YouTube e o Flickr permitiram que as pessoas compartilhassem
conteúdos criativos. Agora estamos entrando na quarta fase, em que as pessoas podem usar
a mesma tecnologia para compartilhar bens fora da internet, no mundo real.

Esse argumento coaduna-se com as considerações de Rifkin, quando afirma que a internet das
comunicações, da energia e dos transportes está convergindo para criar uma rede neural
global, conectando tudo a todos na IoT, que pode operar a um custo marginal próximo de zero
e, quando isso acontecer, a produção e o intercâmbio colaborativos crescerão de um nicho
para um paradigma dominante, e o capitalismo será uma reação aos bens comuns e não o
contrário.

§ Biologia

A biologia tem sido impactada de forma extraordinária pelos avanços tecnológicos. De forma
especial, a genética revela um progresso tão intenso e significativo que seus impactos nos
fazem oscilar do entusiasmo a grandes preocupações com as possibilidades de transformação
humana. Passaram-se mais de dez anos para que o Projeto Genoma Humano fosse
completado a um custo de US$ de 2,7 bilhões. Hoje, com a velocidade de processamento
disponível, um genoma pode ser sequenciado por valores acessíveis à boa parte da polução
no planeta.

Em livro denominado Gene – uma história íntima, Siddhartha Mukherjee, professor da


Universidade de Columbia, faz a seguinte afirmação:

Mas e quanto à tenra fantasia da genética humana, a alteração de genes em


células reprodutivas para criar genomas humanos permanentemente
melhorados, a “terapia gênica de linha germinal”? E quanto à criação dos
“pós-humanos” ou “transumanos”, isto é, embriões humanos com genomas
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permanentemente modificados? No começo de 1990, o desafio da
engenharia permanente do genoma humano reduzira-se a três obstáculos
científicos. Cada um deles parecera outrora uma barreira científica
intransponível, porém cada uma está prestes a ser resolvida. O fato mais
notável na engenharia genômica atual não é o quanto estamos longe de
alcançá-la, mas o quanto estamos perigosamente, tentadoramente perto.

As questões futuras não serão de natureza técnica, mas relativas a ética e regulação. No
entanto, sem dúvida, de todos os campos em desenvolvimento sob o impacto da tecnologia,
os maiores desafios estão no domínio biológico. Desde a disponibilização das informações a
respeito de nosso corpo e saúde à edição genética, os avanços, os limites e as possibilidades
ainda são um desafio em aberto. Caberá ao Estado a tarefa de regular e conduzir os limites de
impactos à preservação das condições essenciais humanas de existência.

§ As cidades inteligentes

As configurações urbanas, também, sofrerão fortes impactos gerados pelas novas tecnologias
digitais. A mobilidade será radicalmente alterada pela automação. Nos dias atuais, mais da
população mundial vive em áreas urbanas e esse número continua aumentado. Vimos as
projeções de diminuição do número de carros que circularão nas vias, isso terá como
consequência a liberação de áreas de estacionamento, reconfiguração das infraestruturas
urbanas e avançadas possibilidades de deslocamento populacional para fora das grandes
concentrações.

Schwab utilizando o “Top Ten Urban Innovations” do World Economic Forum 2015, lista
algumas das mais relevantes inovações urbanas em curso:

§ Espaço reprogramável de forma digital: os edifícios poderão mudar sua finalidade


instantaneamente para servir como teatro, ginásio, centro social, boate ou qualquer

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outra coisa, minimizando assim a pegada urbana total. Isso permitirá que as cidades
obtenham mais por menos.

§ “Waternet”, internet das águas: a internet das tubulações irá utilizar sensores nos
sistemas hídricos para monitorar seus fluxos e, assim, gerenciar todo o ciclo,
fornecendo água sustentável para as necessidades humanas e ecológicas.

§ A doção de árvore por meio das redes sociais: estudos mostram que o aumento de
10% das áreas verdes de uma cidade poderia compensar o aumento da temperatura
causado pelas mudanças climáticas: a vegetação ajuda a bloquear a radiação de ondas
curtas e, ao mesmo tempo, a evaporar água, refrigerar o ar ambiente e criar
microclimas mais confortáveis. Copas e raízes de árvores também podem reduzir os
fluxos de água das tempestades e equilibrar as cargas de nutrientes.

§ Mobilidade de próxima geração: os avanços tecnológicos de sensores, sistemas óticos,


processadores embutidos, maior segurança para os pedestres e para o transporte não
motorizado, levarão à maior adoção do transporte público, redução dos
congestionamentos e da poluição, melhor saúde e trajetos mais rápidos, mais
previsíveis e menos caros.

§ Cogeração, coaquecimento e correfrigeração: os sistemas mecânicos de cogeração já


capturam e usam o excesso de calor, causando melhoras significativas à eficiência
energética. Sistemas de trigeração usam o calor para aquecer edifícios ou para resfriá-
los por meio da tecnologia de refrigeração por absorção, por exemplo, a refrigeração
de escritórios que abrigam muitos computadores.

§ Mobilidade sob demanda: a digitalização vem tornando o tráfego veicular mais


eficiente, pois permite informações em tempo real e um controle sem precedentes da

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infraestrutura da mobilidade urbana. Isso abre novos caminhos para alavancar a
capacidade não utilizada de veículos por meio de algoritmos dinâmicos de otimização.

§ Postes públicos inteligentes: lâmpadas públicas de LED de última geração podem servir
como uma plataforma para uma série de tecnologias que coletam dados sobre clima,
poluição, atividades sísmicas, o movimento do tráfego de veículos e pessoas, a
poluição do ar e a sonora. Ao ligar esses postes públicos inteligentes em uma rede,
será possível saber o que está acontecendo em toda a cidade em tempo real e oferecer
soluções inovadoras em áreas como a segurança pública ou identificar onde existem
vagas livres para o estacionamento de veículos.

Esses e outros impactos conjuntos podem ser vistos na concepção de cidades inteligentes
(smart city), que usam tecnologia para promover o bem-estar dos moradores, crescimento
econômico, ao mesmo tempo que melhora a sustentabilidade. Tomemos como exemplo
cidades como Songdo (Coreia do Sul), Barcelona (Espanha), Copenhague (Dinamarca). Bons
conceitos e exemplos de cidades inteligentes podem ser encontrados nas obras: Cidade
sustentável, cidades inteligentes, de Carlos Leite; e Construindo cidades inteligentes, de André
Panhan e outros.

§ Os desafios impostos pela tecnologia

De tudo que envolve as transformações tecnológicas, cabe observar que boa parte do mundo
conviverá com várias revoluções ao mesmo tempo. Por exemplo, a segunda revolução
industrial ainda precisa alcançar 17% da população mundial, pois quase 1,3 bilhão de pessoas
não tem acesso a eletricidade, outros tantos a saneamento básico e a vários equipamentos
essenciais vistos como normais nas economias avançadas. Da mesma forma, na quarta
revolução industrial, quatro bilhões de pessoas vivem em países em desenvolvimento sem
acesso à internet.

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Como considera Klaus Schwabs, não se sabe se a nova revolução industrial aumentará a lacuna
entre os países em relação a renda, habilidades, infraestrutura e demais áreas. No entanto,
parece ser imperativo não deixar que nenhum faixa do globo fique excessivamente para trás
por razões geopolíticas, como o grande problema gerado por fluxos migratórios
desequilibrados. Trata-se de um desafio de grandes proporções, pois o atrativo de mão de
obra barata nas economias em desenvolvimento perde força e a tendência é a migração dos
grandes fabricantes mundiais para as economias avançadas. Para tanto, é fundamental que
líderes dos setores públicos desenvolvam estratégias para melhorar a vida dos povos, que as
pessoas acreditem que seu trabalho é importante para prover sustento a si mesmas e a suas
famílias.

Rifkin afirma que a primeira revolução industrial eliminou a escravidão e o trabalho servil. A
segunda revolução industrial encolheu drasticamente o trabalho artesanal e a agricultura. A
terceira revolução industrial12 está provocando e fim da mão de obra em massa assalariada
nos setores de manufatura e serviços, e o fim do trabalho especializado em grande parte das
áreas de conhecimento.

Por outro lado, o progresso tecnológico deixará para trás muitas pessoas sem habilidades
para a nova era do trabalho. Pessoas com habilidades comuns serão largamente substituídas
por computadores, robôs e outras tecnologias digitais. Isso implica dizer que o inverso é
verdadeiro, nunca houve momento melhor para pessoas com habilidades especiais e
educação certa capazes de utilizar a tecnologia para criar e aprender valor.

Em suma, em um mundo interconectado, as fronteiras desaparecem, as máquinas avançam e


deslocam as oportunidades para trabalhadores de todos os matizes. Gerações mais jovens
costumam ver os empregos corporativos restringirem sua capacidade de encontrar significado
e propósito na vida. Buscam mais harmonia entre o desenvolvimento profissional e a

12
Rifkin denomina de “terceira revolução industrial” o mesmo fenômeno que muitos autores,
incluindo Klaus Schwab, chamam de “quarta revolução industrial” e, nessa mesma linha, Brynjolfsson
e MacAfee definem como “a segunda era das máquinas”.
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qualidade de vida almejada. Resta-nos saber se, no trabalho do futuro, apenas uma minoria
terá direito a tais aspirações.

Especificamente sobre o tema do trabalho do futuro, Lynda Gratton argumenta, no livro The
shift of the future of work is already here, com o lado sombrio do trabalho em suas
características atuais, convivendo com o mundo digital e suas consequências de
fragmentação, isolamento e exclusão. Por outro lado, aponta um futuro mais promissor
voltado para cocriação, engajamento social e o microempreendedorismo. Para tanto, serão
necessárias três fundamentais mudanças no perfil do profissional do futuro: de generalista
superficial para especialista em diferentes áreas; de competidor isolado para um inovador
conectado; de consumidor voraz para um produtor apaixonado.

Brynjolfsson e MacAfee chamam a atenção para os riscos sistêmicos do mundo digital.


Afirmam que a densidade e a complexidade de sistemas dessa natureza carregam duas
fraquezas relacionadas. A primeira está no efeito cascata pequenas de falhas iniciais por meio
de uma sequência imprevisível, tornando-se algo maior e danoso. A segunda relaciona-se com
o alvo que um sistema complexo e acoplado como esse se revela para pessoas que queiram
causar danos. Como exemplo podem-se citar as manipulações da engenharia genética e
inteligência artificial criando entidades horripilantes. Assim mesmo, os avanços científicos no
sequenciamento de genoma podem ser usados para curar doenças, mas, também, espalhar
vírus ou alterações genéticas humanas indesejáveis.

Por fim, no âmbito dos riscos sistêmicos está o desafio de estruturar a governança dos bens
comuns. O sistema capitalista, tendo como um dos pilares a propriedade privada, não está
formatado para lidar com bens comuns no modelo de intercâmbio econômico. Não é por
outro motivo que Rifkin resgata o tema da “tragédia dos comuns” para descrever a gestão dos
bens comuns, embora seja uma abordagem negativa. Trata-se do ensaio publicado em 1968
na revista cientifica Science por Garret Hardin. Nele, Hardin descreve a situação hipotética de
um pasto “aberto a todos”, em que cada um se beneficia para ter o máximo de vacas

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pastando. No entanto, sofre as consequências negativas da deterioração da pastagem, se cada
pastor buscar otimizar seu benefício colocando ali o maior rebanho possível. Assim, a disputa
de curto prazo pelo domínio dita o esgotamento inevitável do recurso.

Em que pesem os vários trabalhos acadêmicos contrários à tese de Hardin, o duro ataque veio
pelos trabalhos de Elinor Ostrom, Prêmio Nobel de Economia em 2009, intitulado Governing
the commons. Nele, Ostrom contradiz a afirmação de Hardin de que “todos” os bens comuns
estavam fadados à ruína em razão do oportunismo e do questionamento econômico clássico
de que cada indivíduo busca exclusivamente seu interesse próprio no mercado (conforme já
descrito anteriormente em Adam Smith, no início do capítulo sobre o tema “capitalismo”).

O que Ostrom constatou em seus estudos foi o contrário. Ao gerenciar os recursos de bens
comuns (common pool resource) – pastagens, áreas de pesca, sistemas de irrigação, florestas,
entre outros –, os indivíduos, com muita frequência, punham os interesses da comunidade na
frente de seus próprios interesses. Manteve-se um modelo de bens comuns por meio dos
protocolos de autogestão acordados e cumpridos pelos membros, mesmo em situações
críticas. Ostrom e sua equipe elencaram os “princípios de boa governança” inerentes à gestão
eficiente de todas as comunidades pesquisadas. Os estudos sugerem que, quando se podem
definir regras próprias para administrar recursos comuns, as pessoas intuitivamente chegam
a alguma variação de princípios de boa governança que estruturam e guiam a gestão dos bens
comuns ao redor do mundo.

6. Considerações finais

Percorremos uma trilha de conhecimento acerca dos três grandes motores da civilização
ocidental: capitalismo, democracia e tecnologia, que moldam o contexto das organizações,
grupos e indivíduos. Foram abordagens fundadas nos mais relevantes autores que tratam dos
temas com várias perspectivas. Isso favoreceu uma ampla visão das vantagens e dos desafios
impostos por cada um desses fatores.

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Vimos que os motores da civilização ocidental nos possibilitaram viver uma prosperidade sem
igual na história. Vive-se melhor nos dias atuais. Temos uma renda per capita dez vezes maior
que em 1850 e uma economia global 250 vezes maior do que antes da Revolução Industrial.
Da mesma forma, recém-nascidos viverão por mais de oito décadas, remédios debelam
infecções doloridas, assim por diante. Esse foi o aprimoramento do desenvolvimento humano.
No entanto, esses benefícios não são para todos e, ainda, os que os têm revelam novas
inquietações.

O capitalismo, como um sistema, apesar de melhorar a vida das pessoas – e sua capacidade
de proporcionar mais crescimento e liberdade que qualquer outro sistema –, ainda convive
com problemas monumentais, e o mais gritante está no célere aumento do nível de
desigualdade de renda e riqueza e poucas soluções para a pobreza persistente.

As respostas para esse problema não se revelam fáceis. As ajudas materiais, tais como vem
ocorrendo, parecem encontrar sérias dificuldades para incorrer em resultados efetivos,
promovidas quer seja por organismos multilaterais quer seja por organizações bilaterais,
conforme o interesse de cada país aportador. No entanto, a magnitude do desafio impõe a
busca incessante de soluções conjuntas, eficazes e replicáveis. Dos vários aqui cotejados, se
extraem proposições, sugestões oriundas de estudos consistentes, alguns mais pragmáticos,
outros no âmbito das ideias, mas o que mais importa é a possibilidade de integrá-los em
soluções convergentes.

Assim mesmo, estão presentes o efeito da globalização, seus benefícios e malefícios. Essa
globalização impulsionada pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, países líderes da economia
mundial na década de 1980, agora se arrefece por influência desses mesmos países, pois eles
estão recolhendo as velas neste momento, sob o impacto político dos setores populares que
no mundo todo sofreram as consequências da globalização. Mas houve seus benefícios, como
aqueles observados de forma mais intensa nos países asiáticos, onde milhões de empregos

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foram gerados e pessoas retiradas da linha de pobreza. De forma especial, a China tem
aproveitado melhor a onda de globalização e o sistema global de trocas. Daí derivam as
tensões atuais nos mercados globais.

Por sua vez, a democracia foi um processo de aperfeiçoamento de deslocamento de poder


que tem trazido benefícios de longo prazo às sociedades, ao mesmo tempo que confere voz a
cada um de seus cidadãos. Em célebre definição do primeiro-ministro britânico Winston
Churchill, é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras experimentadas.

Nos países desenvolvidos, a democracia como sistema representativo absorve e revela o


impacto dessas intensas transformações causadas pela globalização e seus efeitos sobre o
alicerce das comunidades. Vimos que as comunidades voltam ao centro das atenções por
exatamente se revelarem o pivô do efeito da globalização e centro das insatisfações e
inquietações contemporâneas. Não por outro motivo os estudos dos professores Collier,
Raghuram e Castells, em seus distintos caminhos, apontam para as comunidades e para a
recuperação das questões indenitárias como caminhos possíveis em direção às soluções
demandadas.

Quer sob o impacto da globalização, quer pela devastadora corrupção, notadamente nos
países em desenvolvimento e pobres, quer pelos vazios institucionais provocados pela
ineficiência crônica do Estado, a democracia sofre ataques que desafiam sua capacidade de
responder às demandas dos tempos atuais.

Embora a grande maioria aposte em sua capacidade de adaptação, valem as conclusões de


recentes estudos sobre o tema. Levitsky e Ziblatt argumentam que, diferentemente dos
ataques à democracia que seguiram os regimes totalitários que emergiram a partir da década
de 1930 aos autoritários que surgiram na década de 1970, existe outra maneira de arruinar as
democracias de forma menos dramática, mas de igual poder destrutivo. Democracia não

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morre pelas mãos de generais, mas por líderes eleitos, como presidentes ou primeiros-
ministros, que subvertem o próprio processo democrático que os levaram ao poder.

Por sua vez, a tecnologia foi a mola propulsora das transformações que permitiram as
evoluções demonstradas nos gráficos iniciais de população, qualidade de vida, PIB e todas as
condições de benefícios e prosperidade apresentadas no capítulo inicial deste trabalho. No
entanto, o mundo digital é algo totalmente diferente. Em primeiro lugar, nenhuma geração
viveu uma revolução tecnológica desencadeada de forma simultânea entre seus avanços
tecnológicos e seus efeitos.

Mesmo entre aqueles que se beneficiaram diretamente dos três motores da civilização
ocidental, os impactos tecnológicos foram distribuídos ao longo do tempo. Vimos que o tear
mecanizado levou quase 120 anos para se espalhar fora da Europa. Diferentemente, a internet
levou menos de uma década para se espalhar pele globo, o telefone levou 75 anos para chegar
a cinquenta milhões de pessoas, o rádio, 38 anos, a televisão, 13, a internet, quatro, o iPhone
(completados dez anos em 2007), três, mais recentemente, o Instagram, dois anos, o Angry
Birds, 35 dias, e o Pokémon Go, apenas 15 dias.

Essa velocidade irrompe uma revolução tecnológica vertiginosa que altera e alterará mais
ainda os contextos de indivíduos, grupos, comunidades, organizações e governos, ao atingir
os empregos com novas configurações e adoção de tecnologias para a eficácia das políticas
publicas, a segurança dos dados das pessoas, dos grandes sistemas integrados, dos sistemas
compartilhados e sua governança. A capacidade do Estado para regular tudo isso, combinada
com as grandes e avassaladoras potencialidades da engenharia genética, se torna um colossal
desafio.

As grandes questões que se impõem podem ser sintetizados em: governança dos bens
comuns; segurança no uso da tecnologia; ocupação das pessoas, no futuro próximo;
ampliação da aplicação dessas tecnologias em um mundo desigual e seu mesmo uso para

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ajudar a reduzir as desigualdades. Todos juntos revelarão os grandes dilemas impostos pelo
mundo digital.

No início deste trabalho, apresentamos os homens que, por meio da literatura, reproduziram
as angústias de seu tempo e os dramas dos pobres, tais como, no século XIX, Charles Dickens,
Victor Hugo, Émile Zola. No século XX, Aldous Huxley publica Admirável mundo novo, em 1932,
e George Orwell escreve, em 1949, seu romance 1984, nos quais descrevem cenários
distópicos envolvendo a perda da liberdade e o uso da tecnologia para a promoção de
governos déspotas e o controle das informações. Não estamos muito longe disso. Diversos
autores incorporam essas transformações e, em suas ficções, tentam descrever o futuro. Isso
pode ser visto nas obras de William Gibson e, mais recentemente, em 2013, no romance de
Dave Eggers intitulado O círculo, em que ele descreve o impacto da tecnologia levantando
questões sobre memória, história, democracia e os limites do conhecimento humano.

De tudo, extraímos que não se trata de mera repetição do passado. São transformações
profundas nos motores da civilização ocidental que nos trouxeram até aqui. Mas certamente
serão eles próprios, com as devidas alterações, que nos levarão para o futuro.

Aos gestores tomadores de decisão convém conscientizar-se de que não se trata de desafios
incrementais. Estamos diante de profundas transformações que requererão alta capacidade
de aprendizado e realização. Isso ocorrerá melhor pelo exercício da humildade para admitir
aquilo que não se sabe, destreza para compreender, habilidade para ensinar e convencer
pessoas pelo entendimento daquilo que precisa ser feito.

Ensinaram-nos que ninguém vive o tempo dos outros. Nunca isso foi tão verdadeiro. Somos
filhos do tempo. Apropriamo-nos do passado para compreender como chegamos até aqui e
reverenciar os feitos de tantos. Mas o futuro será construído em novas bases que ainda não
sabemos ao certo quais serão. Cabe a nós da FDC fazer os líderes de organizações públicas e
privadas viverem seu tempo. Tempo das vertigens e das novas necessidades insatisfeitas. Que

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sejamos capazes de ver à frente. Que daqui da FDC – templo das ideias, do conhecimento, da
ética e de um humanismo sem-fim – se acendam os faróis para deles o caminho iluminar.

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