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São Paulo e o Nascimento do Ocidente

"Estão prestes a açoitar São Paulo


quando o santo adverte o centurião que
estava suplicando um cidadão romano. O
centurião alarma-se, recorre ao tribuno
e o avisa que aquele judeu que vão
chicotear declarou ser cidadão romano. O
tribuno não indaga se São Paulo o é,
efetivamente, e diz: "Porque eu, para
obter a condição de cidadão romano, tive
de pagar muito dinheiro". E São Paulo
retruca com certa ponta de orgulho: "Eu
o sou, e por nascimento". E não o
açoitam. Creio que esta cena, talvez,
marque o nascimento o Ocidente. Creio
que nesse momento São Paulo funda o
Ocidente. Veremos por quê. São Paulo é
um judeu fariseu, muito seguidor da
doutrina, formado pelo famoso rabino
Gamaliel. É inteiramente judeu: "Somos
judeus e eu ainda mais." Mas este judeu
é cristão, teve a Revelação no caminho
de Damasco e se converteu, tornando-se o
último dos apóstolos. Ele é um judeu
helenizado, que escreve e fala grego e
usa os termos e conceitos da filosofia
grega. E é com esses elementos pensados
na Grécia que irá formular a primeira
teologia cristã conhecida, a teologia
paulina. Finalmente, reivindica o
direito de ser tratado como cidadão
romano, de acordo com os dispositivos da
Lei Romana e assim não ser açoitado: pode
ser até decapitado, e realmente o foi
pouco depois, mas não chegou a ser
açoitado. Portanto, são convergentes em
São Paulo, nesse momento, sua condição
de judeu, sua fé cristã, seu repertório
intelectual helênico, sua apelação ao
Direito Romano. Nesse momento, estamos
assistindo à constituição dessa imensa
realidade histórica, já duas vezes
milenar, a que chamamos de Ocidente."

(Julián Marías, As ameaças ao Ocidente.


O Estado de São Paulo, 15/11/1981)

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