MARCUS ABRAHAM
2019
Dados catalográficos:
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MARCUS ABRAHAM tem Pós-Doutorado na
Universidade de Lisboa. É Doutor em Direito Público pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ (2005),
Mestre em Direito Tributário pela Universidade Candido
Mendes (2000), MBA em Direito Empresarial pela
EMERJ/CEE (1998) e possui graduação em
Administração pela Universidade Candido Mendes (1996)
e graduação em Direito pela Universidade Candido
Mendes (1992). É ex-Diretor da Associação Brasileira de
Direito Financeiro (2006-2013). Foi Procurador da
Fazenda Nacional (2000-2012) e, atualmente, é
Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da
2ª Região. É Professor de Direito Financeiro da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na
categoria de Professor Adjunto de 2006 a 2016, e de
Professor Associado desde 2016, bem como membro da
Diretoria da Escola da Magistratura Regional Federal da
2ª Região (EMARF).
Possui os seguintes livros publicados: Curso de Direito
Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2018; Curso de
Direito Financeiro. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018;
Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017; Governança fiscal e
sustentabilidade financeira: os reflexos do Pacto
Orçamental Europeu em Portugal como exemplos para o
Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018; Princípios de direito
público: ênfase em direito financeiro e tributário. Belo
Horizonte: Fórum, 2018 (co-organizador e coautor);
Direito financeiro na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal – homenagem ao Min. Marco Aurélio. Curitiba:
Juruá, 2016 (co-coordenador e coautor);
Responsabilidade fiscal – análise da Lei Complementar nº
101/2000. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2016. (co-
organizador e coautor); Jurisprudência Tributária
Vinculante: teoria e precedentes. São Paulo: Quartier
Latin, 2015. (coautor); Orçamento Público no Direito
Comparado. São Paulo: Quartier Latin, 2015. (organizador
e co-autor); Estado Fiscal e Tributação. Rio de Janeiro:
GZ, 2015. (co-coordenador e coautor); Tributação e
Justiça Fiscal. Rio de Janeiro: GZ, 2014. (co-coordenador
e coautor); As Emendas Constitucionais Tributárias e os
Vinte Anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo:
Quartier Latin, 2009; Manual de Auditoria Jurídica: Legal
Due Diligence. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
(coordenador e coautor); O Planejamento Tributário e o
Direito Privado. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
AGRADECIMENTOS
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APRESENTAÇÃO
Publicado em 09/07/2015
Publicado em 06/08/2015
Hoje, oferecemos ao leitor uma visão jurídica das pedaladas fiscais à luz
do Direito Financeiro, por uma abordagem didática, sem viés político ou
ideológico, objetivando esclarecer e permitir o acompanhamento consciente e
crítico da apreciação da matéria pelo TCU e Congresso Nacional, o que
acontecerá em breve.
Preliminarmente, devemos ter em mente que estamos tratando de regras
eminentemente jurídicas, estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC
nº 101/2000), norma cogente e imperativa como qualquer outra lei do nosso
país, e não de uma boa prática contábil ou recomendação de ordem
econômica.
Ademais, apesar de as “pedaladas fiscais” estarem hoje em dia sendo
questionadas apenas em relação ao Governo Federal, as regras jurídicas
supostamente violadas são aplicáveis aos três níveis da federação: União,
Estados/DF e Municípios.
E, como qualquer tema jurídico, a aplicação das normas aos fatos não é
incontroversa e nem se opera de maneira simples e objetiva, já que não
estamos no campo de uma ciência exata, razão pela qual devemos respeitar as
opiniões eventualmente divergentes.
No linguajar das finanças públicas, “pedalar” nada mais é do que a
expressão usada para fazer referência a atrasos de pagamento.
Figurativamente, a expressão “pedalada fiscal” também nos lembra o
jargão futebolístico para indicar o drible criativo dado em uma regra do Direito
Financeiro, visando à obtenção de um benefício fiscal para o governo. Aliás,
reza a lenda urbana em Brasília que um dos mentores da prática, um Ex-
Secretário do Tesouro Nacional, que tinha o hábito de ir trabalhar de bicicleta,
mudou o seu meio de transporte para não ser mais visto pedalando.
A manobra das pedaladas consistia na postergação mensal do repasse,
para certos bancos públicos, de recursos financeiros destinados ao
atendimento de programas sociais e previdenciários (bolsa família, abonos,
pensões, aposentadorias etc.), gerando para o Governo, como benefício, um
temporário aumento no superávit primário das contas públicas e uma aparente
maior capacidade de cumprimento das metas fiscais, diante de um real
desequilíbrio fiscal e das sérias dificuldades financeiras que o país atravessa.
Fato é que, no Brasil, assim como em qualquer nação do mundo, o
Estado depende de recursos financeiros para pagar as suas despesas. E,
quanto mais despesas tiver, mais dinheiro será necessário. Assim, se gastar
além do que arrecada, terá déficit nas suas contas; se arrecadar mais do que
gasta, terá superávit; e se mantiver as receitas e despesas no mesmo nível,
teremos o sonhado equilíbrio fiscal.
No início do século XX, o Estado e sua máquina administrativa eram
menores e menos atuantes, oferecendo ao cidadão apenas serviços públicos
básicos, tais como policiamento, justiça, exército para defesa das fronteiras e,
em uma medida mínima, escolas e hospitais públicos. Para tanto, arrecadava-
se pouco, algo em torno de 10% da renda nacional (PIB). Após as duas
grandes guerras mundiais e até os dias atuais, os Estados mudaram o seu
perfil e adotaram uma postura mais atuante e provedora. Ao passarem a gastar
mais, tiveram que arrecadar mais tributos, hoje em torno de 30% a 55% do PIB,
dependendo do país (p.ex., Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha
etc.). No Brasil, a carga fiscal está na ordem de 36% do PIB.
Porém, ainda não era suficiente para fechar a conta, e buscou-se outra
forma complementar de financiamento: o crédito público. E, como todo
empréstimo, ele precisa ser pago (e devidamente remunerado). Para as
nações com economias mais sólidas, o custo financeiro é menor. Já para
países com probabilidade maior de inadimplência, o mercado exige uma
remuneração com taxa de juros maior para compensar o risco: é o caso do
Brasil. Ter uma boa saúde financeira possibilita ao país manter o seu “grau de
investimento” e a confiança do mercado, atrair o capital de investidores e
reduzir os custos da dívida.
Apesar de a dívida pública brasileira não ser das maiores (em torno dos
2,5 trilhões de reais), seu custo de manutenção é muito alto, gerando um gasto
anual de mais de 40% do orçamento público federal apenas com juros e
amortização (cerca de 1,2 trilhões de reais).
Para termos uma ideia desta dimensão financeira, basta dizer que o gasto
federal com educação e saúde gira, respectivamente, em torno de 3,5% e 4,5%
do orçamento. Portanto, o custo da dívida pública é quase dez vezes maior do
que com saúde ou educação. Reduzindo-a, parcela deste gasto poderá ser
redirecionada ao atendimento dos serviços públicos fundamentais e dos
direitos sociais, tais como educação, saúde, segurança, previdência,
assistência social etc.
Por isso, a legislação brasileira, em especial a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), preocupou-se em estabelecer limites para a dívida pública e fixar
metas fiscais de superávit para reduzir parte da dívida pública. Portanto, o tão
propagado superávit primário nada mais é do que a economia feita para pagar
juros e demais encargos da dívida pública.
Muito em breve, o Tribunal de Contas da União (TCU) irá apreciar e
opinar tecnicamente sobre a regularidade das contas do Governo Federal do
ano de 2014, para que, com base no seu parecer, o Congresso Nacional julgue
tais contas.
A Constituição estabelece, nos artigos 70 e 71, que a fiscalização
financeira e orçamentária da União será exercida pelo Congresso Nacional,
com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete fiscalizar e
julgar contas de administradores públicos e de todos aqueles que utilizem
dinheiro público e, neste caso específico, apreciar as contas prestadas
anualmente pelo Governo da República, mediante parecer prévio.
A aprovação ou a rejeição das contas pelo Congresso Nacional (art. 49,
IX, CF), como toda votação que prescinde de fundamentação, será um ato de
natureza política, não estando vinculado - mas tão somente subsidiado - pela
manifestação técnica do TCU, especialmente quanto ao respeito e adequação
às normas da Constituição, às leis do país e, no caso das pedaladas, às regras
da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Neste sentido, constaram do Relatório Prévio do TCU (Acórdão nº
1464/2015, no Processo nº TC 005.335/2015-9), diversas supostas infrações
às leis financeiras, com destaque para indícios de 13 (treze) possíveis
irregularidades fiscais, objeto de pedido de esclarecimentos ao governo e que,
infelizmente, vão além das “pedaladas fiscais”, atingindo os pilares de
sustentação da LRF: planejamento, transparência e gestão fiscal responsável.
Em relação às pedaladas, destaca-se a possível violação ao artigo 36 da
LRF, que proíbe operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o
ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.
Tal infração seria originária dos adiantamentos concedidos para a União pela
Caixa Econômica Federal para cobertura dos programas Bolsa Família, Seguro
Desemprego e Abono Salarial de 2013/2014, dos adiantamentos concedidos
pelo BNDES para a cobertura do Programa de Sustentação do Investimento de
2010/2014, e dos adiantamentos concedidos pelo FGTS para as despesas do
Programa Minha Casa, Minha Vida de 2010/2014 (item 2.3.6 do Relatório do
TCU). Assim, enquanto as instituições financeiras efetuavam os pagamentos
em dia aos beneficiários sem ter recebido o repasse da União, esta, por sua
vez, não contabilizava como dívida o adiantamento, não afetando as
estatísticas oficiais do resultado primário.
A proibição do art. 36 da LRF não é em vão e se justifica por razões de
transparência, de controle e de gestão fiscal responsável. Afinal, quem não se
recorda da crise dos bancos públicos estaduais que o país viveu na década de
1990, jogando-se pelo ralo bilhões de reais com programas de reestruturação
do sistema financeiro, como o PROER?
Ocorre que esta prática das pedaladas fiscais já foi objeto de análise
recente pelo Plenário do TCU no Acórdão nº 825/2015, em que o Ministro
Relator José Múcio Monteiro chegou a equipará-la a um "cheque especial" da
União na CEF, expressando, ao final, a sua perplexidade ao dizer que: "ainda
não compreendo como é que dezenas de bilhões de reais em passivos da
União tornaram-se imperceptíveis ou indiferentes aos olhos do Banco Central".
Pelos cálculos do TCU, as manobras fizeram com que não fossem
contabilizados R$ 40,2 bilhões na Dívida Líquida do Setor Público no ano
passado.
Além das pedaladas, o Relatório Prévio do TCU aponta outras possíveis
violações à LRF, como a falta de contingenciamento em gastos discricionários
de mais de 28 bilhões de reais, diante da queda da arrecadação; a omissão nas
estatísticas da Dívida Pública de 2014 das dívidas da União com o BB, BNDES e
FGTS; a ausência do rol de prioridades no Projeto da LDO de 2014; distorções
nas informações relacionadas a indicadores e metas do PPA 2012/2015; o
pagamento pela União de dívida contratual junto ao FGTS sem autorização
orçamentária em 2014; os gastos superiores ao autorizado no orçamento de
estatais como Telebrás e Furnas; a utilização da execução orçamentária de 2014
para influenciar a apreciação do Projeto de Lei PLN 36/2014 que reduzia a
meta de superávit primário; etc.
Por sua vez, o Procurador Júlio Marcelo Oliveira, do Ministério Público de
Contas junto ao TCU, em sua dura manifestação, destaca que "foram
praticadas graves e intencionais violações à lei de Responsabilidade Fiscal
com o objetivo de expandir gastos públicos, sem sustentação orçamentário-
financeira, com a agravante de terem sido cometidas em ano eleitoral, a indicar
uma incidência em condutas que a LRF veio justamente combater".
Já o Ministro da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, nos
esclarecimentos prestados ao TCU, afirma que não houve descumprimento da
lei e que a prática das “pedaladas fiscais” não se equipararia a uma operação
de crédito vedada pela LRF, já que estaria amparada por um contrato de
prestação de serviços para o pagamento de benefícios com compensação
pelos atrasos, com ganhos para as próprias instituições financeiras.
Argumenta ainda o Ministro Adams que o TCU não considerou irregulares
essas operações em anos anteriores, configurando um padrão jurisprudencial
da Corte de Contas, cuja eventual mudança de entendimento deverá respeitar
o Princípio da Segurança Jurídica e ter efeitos apenas prospectivos, citando o
Acórdão nº 992/2014 do próprio TCU, onde foi dito que: “não seria razoável
classificar como operações de crédito meros atrasos de curtíssimo prazo no
repasse de recursos do Tesouro, previstos e em condições estipuladas
contratualmente, como no caso dos programas sociais pagos por intermédio da
CEF”.
De fato, todos os questionamentos são preocupantes. Porém,
independentemente de como eles e as pedaladas fiscais serão considerados
pelo TCU e pelo Congresso Nacional, acredito que o mais importante é
percebermos que o tema está sendo objeto de amplo debate crítico e
construtivo e, sobretudo, que temos instituições atentas e republicanas, como o
TCU e Ministério Público de Contas, que buscam a aplicação e respeito da
legislação financeira, bem como a própria AGU, que, ao justificar as práticas,
manifesta, com transparência e lealdade, o compromisso de corrigir eventuais
irregularidades fiscais.
Enfim, a Lei de Responsabilidade Fiscal, ao estabelecer um código de
conduta aos gestores públicos, nestes seus 15 anos de vigência, demonstra
tratar-se de importante instrumento de fortalecimento dos valores do Estado
Democrático de Direito. O seu cumprimento precisa ser exigido por todos para
que possa realizar o seu desígnio: oferecer ao cidadão brasileiro e aos
governos os mecanismos necessários para o desenvolvimento econômico e
social, com a criação de uma sociedade mais digna e justa.
Projeto de orçamento em pauta
Publicado em 03/09/2015
Esta segunda-feira que passou foi uma das mais movimentadas neste
ano para o nosso Direito Financeiro.
Isso porque, anualmente, o dia 31 de agosto é a data limite para o Poder
Executivo da União, de todos os Estados/DF e municípios encaminharem o seu
projeto de lei orçamentária anual (LOA) aos seus respectivos Poderes
Legislativos, a fim de ser apreciado, votado e, finalmente, sancionado até o fim
de cada exercício financeiro, para viger já em primeiro de janeiro do
subsequente exercício.
A norma que estabelece esta regra é a contida no inciso III, §2º, art. 35 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da nossa Constituição, ao
prescrever que "o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até
quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para
sanção até o encerramento da sessão legislativa". Embora o comando seja
direcionado à União, em face da simetria das normas constitucionais, as
disposições orçamentárias estabelecidas no texto constitucional aplicam-se,
também, aos orçamentos estaduais, municipais e do Distrito Federal.
Da mesma forma, uma vez a cada quatro anos - no primeiro ano de cada
mandato do chefe do Executivo -, o dia 31 de agosto marca também a data
limite para o encaminhamento do Plano Plurianual (PPA), lei responsável pelo
planejamento estratégico das ações estatais no longo prazo, que vigerá por
quatro anos, até o final do primeiro exercício financeiro do mandato
subsequente.
Importante lembrar que, sem lei orçamentária, não é possível ao Estado
brasileiro gastar nem um centavo sequer, já que é vedada a realização de
qualquer despesa não prevista em lei (art. 167, II, CF), proibição essa,
inclusive, presente no Código Penal (art. 359-D), que estabelece o crime de
"ordenar despesa não autorizada por lei".
Infelizmente, o orçamento público ainda é pouco conhecido e
compreendido por nossa sociedade. Apesar disso, desempenha o papel de um
dos mais relevantes instrumentos de planejamento e controle financeiro,
contemplando, hodiernamente, a participação conjunta do Poder Executivo e
do Legislativo, tanto na sua elaboração e aprovação, como também no controle
da sua execução, configurando um instituto fundamental no Estado
Democrático de Direito contemporâneo. É mais do que um documento
meramente técnico, uma vez que revela as políticas públicas adotadas pelo
Estado ao procurar atender às necessidades e interesses da sociedade,
conjugando-as com as pretensões e possibilidades de realização dos cofres
públicos.
É comum a qualquer cidadão elaborar no seu dia a dia um orçamento
pessoal, contemplando todas as suas rendas, em regra provenientes do
salário, de rendimentos financeiros, de alugueres, de dividendos etc., para
confrontá-las com suas despesas ordinárias e extraordinárias, tais como
habitação, saúde, vestuário, alimentação, educação, transporte, lazer, bens de
consumo etc., visando saber se com elas poderá arcar regularmente, e se
ainda haverá alguma disponibilidade para investir ou economizar. Pelo mesmo
motivo, as empresas recorrem à contabilidade empresarial, a fim de estimar
seu faturamento, suas receitas operacionais e não operacionais, buscando
programar as despesas fixas e variáveis, os investimentos e o pagamento de
lucros aos sócios. E com o Estado não poderia ser diferente; afinal, como
qualquer pessoa ou empresa, precisa administrar seus gastos e saber se
disporá de recursos financeiros suficientes para financiá-los, identificando a
origem de suas receitas e toda a programação de despesas que irá realizar.
Esta lógica contempla o equilíbrio orçamentário entre as receitas nele
previstas, que ingressarão ao longo do ano, e as despesas autorizadas a
serem gastas. Isso porque o equilíbrio fiscal é a regra de ouro das finanças
públicas modernas, indicando que, para toda despesa, haja uma receita
suficiente a financiá-la, a fim de evitar o surgimento de déficits orçamentários
crescentes ou descontrolados, inflação e outros males financeiros.
O equilíbrio fiscal representa o ideal de gestão responsável buscado na
Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), tal como vem previsto no § 1º
do artigo 1º da lei, permitindo a manutenção da estabilidade econômica, um
dos pilares do crescimento sustentado do Estado.
Portanto, conhecer o montante de recursos de que dispõe o Estado na
sua atividade arrecadatória, e determinar a sua destinação, de maneira
equilibrada, responsável, transparente e justa, é fundamental nos dias de hoje
para qualquer nação. Afinal, a administração de tais recursos deve ser feita de
forma eficiente e a sua aplicação precisa ser realizada criteriosamente, para
que se possa atender às necessidades públicas da maneira mais ampla e
satisfatória possível.
Contudo, para que o orçamento público ganhasse a estrutura jurídica que
possui hoje em dia, foi necessário um longo e complexo processo evolutivo no
decorrer dos séculos, cujo marco foi o desenvolvimento da ideia de que o
patrimônio do Estado deveria ser considerado distinto e autônomo em relação
ao patrimônio do imperador, do rei ou do governante, além da necessidade de
se fixarem parâmetros para o exercício de seu poder.
Assim, primeiro surgiram as regras para limitar os abusos na arrecadação
de recursos financeiros pelos governantes em face de seus súditos. Depois,
vieram as normas que disciplinavam a aplicação desses recursos, procurando
prestigiar as necessidades e o interesse público. Como consequência dessa
evolução na área das finanças públicas, tornou-se imperativa a criação de uma
ferramenta que permitisse ao governante identificar o volume financeiro de
recursos a ser arrecadado em certo período, a fim de poder determinar onde,
como e quanto se poderia gastar.
Atualmente, o orçamento público no Brasil é composto de uma tríade
legislativa: a lei orçamentária anual (lei de execução de gastos), a lei de
diretrizes orçamentárias (lei do planejamento operacional) e o plano plurianual
(lei do planejamento estratégico de longo prazo), todas interligadas e
dependentes entre si.
O art. 165 da Constituição prevê que as leis orçamentárias serão
elaboradas por iniciativa do Poder Executivo, o qual tem o dever – iniciativa
vinculada – de elaborar os projetos das leis orçamentárias, recebendo
previamente as propostas dos demais Poderes e órgãos para compatibilização
e unificação, tudo conforme estipulado conjuntamente na lei de diretrizes
orçamentárias, devendo, pois, encaminhá-las ao Poder Legislativo no prazo
legal.
A partir desse momento, a competência para dar seguimento à criação
das leis orçamentárias passa a ser do Poder Legislativo. Assim, temos a
concretização da participação popular no orçamento, através de seus
representantes eleitos, garantindo efetividade ao processo democrático nas
finanças públicas brasileiras.
No Congresso Nacional, a apreciação do projeto de lei orçamentária
ficará a cargo da Comissão Mista permanente, composta de 30 (trinta)
Deputados Federais e 10 (dez) Senadores.
Durante a análise e apreciação do projeto, será possível a todos os
congressistas oferecerem emendas ao projeto de lei orçamentária, a serem
apresentadas na Comissão mista, que sobre elas emitirá parecer, sendo
apreciadas, na forma regimental, pelo Plenário das duas Casas do Congresso
Nacional.
Encerradas as análises, emitido o parecer pela Comissão Mista, o projeto
de lei orçamentária será votado pelo Plenário do Congresso Nacional.
Aprovado pelo Poder Legislativo, o projeto será encaminhado ao
Presidente da República para a respectiva sanção presidencial, promulgação e
publicação no Diário Oficial. Registre-se, entretanto, ser possível ao Presidente
vetá-lo, total ou parcialmente, quando então deverá ser devolvido ao
Congresso Nacional para nova apreciação.
É importante termos em mente que o conteúdo do projeto de lei
orçamentária sob a ótica dos gastos, ou seja, a indicação das despesas que o
Estado pretende realizar no exercício de cada ano - tais como investimentos,
saúde, educação, segurança pública, funcionalismo, pagamento da dívida
pública etc. -, sempre foi tido como uma decisão discricionária e política do
Poder Executivo, a partir da ideia de que tais escolhas "em que gastar"
estariam legitimadas pelo próprio povo por decorrência do processo eletivo
democrático. Da mesma maneira, a execução orçamentária também seguiria
esta lógica, razão pela qual sempre se disse que o orçamento no Brasil seria
meramente autorizativo das despesas e não impositivo, ou seja, não obrigaria à
efetiva realização dos gastos nele previstos.
Entretanto, hoje, percebe-se que há um movimento doutrinário e
jurisprudencial de superação desta compreensão, no sentido da vinculação da
elaboração e da execução das leis orçamentárias aos preceitos constitucionais,
com a preponderância de certas despesas, mais especialmente em relação aos
direitos humanos fundamentais e direitos sociais, uma vez que dotadas de um
caráter diretivo-vinculante ao administrador público. Afinal, como preconizava
Rui Barbosa, a Constituição não contém meros conselhos, avisos ou lições, já
que todas as suas previsões são dotadas de força imperativa.
Aliás, toda a problemática da judicialização das políticas públicas tem
origem num orçamento que não dimensiona adequadamente a despesa com
direitos sociais ou realiza contingenciamentos financeiros imotivados,
acarretando a falta de recursos materiais e humanos para o adequado
atendimento do cidadão.
Esta a razão pela qual tenho afirmado, aqui e alhures, que o orçamento
público não é pautado primordialmente por deliberações de natureza política e
discricionária, mas sim por diretivas constitucionais, sendo impositivo na
elaboração e na sua execução.
A relevância da lei orçamentária foi muito bem traduzida pelo Ministro
aposentado do STF Carlos Ayres Britto (ADI 4048), para quem é "a lei
materialmente mais importante do ordenamento jurídico logo abaixo da
Constituição".
Como se viu, ao final desta segunda-feira (31), a União, através dos seus
Ministros da Fazenda e do Planejamento (Joaquim Levy e Nelson Barbosa),
encaminhou ao Congresso, na pessoa de seu Presidente Renan Calheiros, o
projeto de lei orçamentária anual para o ano de 2016, bem como o plano
plurianual do quadriênio 2016-2019.
Em relação à proposta do Plano Plurianual para o quadriênio de 2016-
2019, constam como eixos estratégicos: a qualidade na educação para a
cidadania e o desenvolvimento social e econômico; a inclusão social e redução
de desigualdades; a ampliação da produtividade e da competitividade da
economia, com ênfase nos investimentos públicos e privados, especialmente
em infraestrutura; o fortalecimento das instituições públicas, com participação e
controle social, transparência e qualidade na gestão. E contempla ações nas
seguintes áreas: saúde, educação, trabalho decente e economia solidária,
agricultura familiar e reforma agrária, comunicações, mobilidade urbana,
transporte terrestre, energia elétrica, petróleo e gás, combustíveis, aviação civil,
portos, moradia digna, mudança no clima, biodiversidade e recursos hídricos.
Por sua vez, em relação ao Projeto de Lei Orçamentária, é feita a
estimativa de receita da União, para o exercício financeiro de 2016, no
montante total de R$ 3.000.324.715.705,00, fixando-se a despesa em igual
valor (art. 1º), assim distribuído: para o Orçamento Fiscal e da Seguridade
Social, a cifra de R$ 2.903.425.049.341,00; para o Orçamento de Investimento,
o valor de R$ 96.899.666.364,00. Entretanto, consta que esta proposta
orçamentária prevê um déficit no resultado primário das contas públicas em
torno de 0,5% do PIB, ou seja, de 30 bilhões de reais, contemplando, ainda, um
crescimento do PIB em torno de 0,2% e uma inflação de 5,4%, além de fixar o
salário mínimo nacional em R$ 865,50.
Enfim, a partir de agora e até o final do ano, assistiremos às intensas
discussões orçamentárias no Congresso, em que se poderá rever a previsão
de receitas e modificar as despesas, inclusive as emendas parlamentares. Até
a transformação final do orçamento em lei, esperemos a superação de
divergências ideológicas e político-partidárias, com a assunção de um
compromisso nacional no sentido de se ampliar a capacidade governamental
em melhor administrar e alocar os recursos destinados à sociedade brasileira,
empregando-os naquilo que nos é efetivamente importante e prioritário,
cabendo a cada um de nós acompanharmos em que se empregará o meu, o
seu, o nosso dinheiro.
Uma radiografia da lei orçamentária
Publicado em 01/10/2015
Publicado em 05/11/2015
Publicado em 10/12/2015
Publicado em 07/01/2016
Publicado em 04/02/2016
No dia 15 de janeiro passado, a Lei Orçamentária Anual de 2016 (Lei nº
13.255/16) foi publicada. Como sabemos, esta é a lei que define e autoriza a
realização das despesas pelo Estado para todo o ano, a partir da estimativa de
receita.
A propósito, não se pode esquecer que a lei orçamentária anual já foi
considerada pelo Ministro do STF Carlos Ayres Britto, no julgamento da ADI
4.048, a lei materialmente mais importante do ordenamento jurídico logo abaixo
da Constituição.
Como vivemos um difícil período de desaceleração da economia, com
uma crescente carga fiscal e excessiva elevação da dívida pública, juntamente
com a eclosão de diversos escândalos de corrupção, de desvio de recursos e
de má gestão no setor público, que agravam ainda mais a já conhecida
incapacidade do Estado brasileiro em garantir aos seus cidadãos o acesso aos
serviços básicos e essenciais de saúde, educação, assistência social,
segurança pública, dentre outros, os temas fiscais vêm gerando maior
preocupação na sociedade e ganhando espaço de destaque nos noticiários em
geral.
Recentemente, assistimos a inúmeras discussões sobre o orçamento
público deste ano, especialmente em relação aos mais de R$ 800 milhões
destinados ao fundo partidário e aos R$ 10 bilhões para emendas
parlamentares, quanto à meta de superávit de R$ 30 bilhões e acerca da
utilização da CPMF ainda não aprovada e da repatriação de dinheiro mantido
no exterior, com o objetivo de fechar as contas. Além disso, também estão em
pauta estudos sobre a aprovação do jogo no Brasil como nova fonte de
arrecadação e a votação da emenda constitucional para a Desvinculação de
Receitas da União (DRU), além das sempre lembradas reformas
previdenciária, tributária e trabalhista.
Para auxiliar os debates, apresentamos e analisamos os denominados
“princípios orçamentários” que parametrizam a atividade financeira.
Diversamente do que se imagina, eles não derivam do bom senso ou de regras
contábeis, mas sim são previstos pelo Direito Financeiro de maneira expressa,
seja na Lei nº 4.320/1964 (Lei Geral dos Orçamentos), seja principalmente na
Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).
O primeiro princípio orçamentário a ser citado é o do equilíbrio fiscal, a
nos indicar que, para toda despesa, deve existir uma receita a financiá-la,
evitando déficits orçamentários crescentes que prejudiquem as contas
presentes e futuras. Afinal, gastos elevados com juros da dívida pública
drenam boa parte dos recursos que poderiam ir para a saúde, educação,
segurança pública, investimentos etc.
Entretanto, cabe esclarecer que não se trata de mera equação financeira
em que se busca uma igualdade numérica ou um "empate" entre receitas e
despesas, devendo ser encarado como um conjunto de parâmetros que
confiram às contas públicas a necessária e indispensável estabilidade e
sustentabilidade fiscal.
O segundo princípio orçamentário que se menciona é o da
responsabilidade, estabelecendo que as estimativas de receitas devem ser
reais e concretas, sob pena de sua não arrecadação frustrar despesas e
programas planejados. Em um momento de desaceleração da economia, com
queda na produção e aumento do desemprego, a redução na arrecadação
tributária deve ser adequadamente considerada.
Como desdobramento temos o princípio orçamentário da limitação, que
condiciona a realização de despesas e a utilização de créditos ao montante
previsto no orçamento, lembrando que a Constituição Federal (art. 167) veda o
início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual, assim
como proíbe a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia
autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes, dentre
outras vedações.
Na sua esteira, temos o importante princípio orçamentário da legalidade,
o qual determina que a Administração Pública realize suas atividades sempre a
partir das previsões de receitas e das autorizações de despesas. Falando em
despesas públicas, estas devem ser realizadas de acordo com o que foi
previsto e autorizado no orçamento, sob pena de se configurar uma conduta
ilícita, prevista no art. 315 do Código Penal, que tipifica o ato de "Dar às verbas
ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei". O Código Penal
ainda tipifica os crimes contra as finanças públicas nos artigos 359-A a 359-H,
com destaque para o art. 359-D, que impõe a pena de reclusão, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, para quem "ordenar despesa não autorizada por lei". Porém,
mais relevante é a limitação prevista no inciso II do art. 167 da Constituição
Federal, que veda "a realização de despesas ou a assunção de obrigações
diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais". Temos,
também, o art. 15 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que considera como "não
autorizada, irregular ou lesiva ao patrimônio público" a geração de despesas
em desacordo com a lei.
Outro princípio que merece destaque é aquele que informa que o
orçamento deve ser transparente, coibindo a existência de despesas obscuras
ou imprecisas, em que as previsões de receitas, despesas, renúncias fiscais ou
programas sejam facilmente compreensíveis para todos, tanto para o cidadão
interessado como para os órgãos de fiscalização. Afinal, já vimos que "pedalar"
não faz bem para a saúde fiscal.
Como subprincípios derivados da transparência, temos os princípios
orçamentários da publicidade e da tecnicidade. O primeiro indica que o
orçamento deverá ser divulgado através de todos os meios oficiais de
comunicação, inclusive pela Internet, além de ser publicado em Diário Oficial. O
segundo impõe ao orçamento características que permitam ao usuário sua
ampla compreensão, quais sejam: I – uniformidade ou padronização na
apresentação dos seus dados, possibilitando ao usuário realizar comparações
e análises; II – clareza na evidenciação do seu conteúdo; III – especificação na
classificação e na designação das suas informações, preconizando a
identificação de todas as rubricas de receitas e despesas, apresentando-as de
maneira analítica e detalhada.
Mais um relevante princípio orçamentário é o do planejamento ou
programação, que revela o atributo de instrumento de gestão que o orçamento
possui, devendo apresentar programaticamente o plano de ação do governo
para o período a que se refere, integrando, de modo harmônico, as previsões
da lei orçamentária, da lei do plano plurianual e da lei de diretrizes
orçamentárias. Este princípio revela as diretrizes, metas e prioridades da
Administração Pública, inclusive os programas de duração continuada.
Por sua vez, o princípio orçamentário da exclusividade veda que a lei
orçamentária trate de qualquer outra matéria que não seja referente a receitas
e despesas. Assim, a lei do orçamento anual deverá se prestar, apenas e
exclusivamente, a prever as receitas e autorizar as despesas do Estado,
impossibilitando a inclusão na lei orçamentária de matérias estranhas às
receitas e despesas, que muitas vezes acabavam sendo inseridas por
manobras políticas para se implementarem práticas populistas ou para atender
a pressões do poder. A inclusão desses assuntos estranhos no orçamento,
prática que não era exclusivamente brasileira, ficou comumente conhecida por
"caudas orçamentárias" ou, na expressão usada por Rui Barbosa, "orçamentos
rabilongos".
O princípio orçamentário da unidade determina que a lei orçamentária
seja uma só, reunindo todas as receitas e despesas do Estado, a fim de
permitir uma análise global, proporcionando um controle mais efetivo. Já o
princípio orçamentário da universalidade indica que todos os valores,
independentemente de sua espécie, natureza, procedência ou destinação,
deverão estar contidos no orçamento como sendo um plano financeiro global.
O princípio orçamentário da anualidade indica que o prazo de vigência
da lei orçamentária será anual, devendo esta ser elaborada, votada e aprovada
anualmente. Portanto, este princípio reflete a periodicidade do orçamento.
Há, ainda, o princípio orçamentário da não vinculação de receitas dos
impostos, o qual impede, em regra (com as ressalvas constitucionais), a
vinculação do produto da arrecadação dos impostos - e não dos demais
tributos - a uma destinação específica, seja para uma despesa, um órgão ou
um fundo. Seu objetivo é permitir que o Estado tenha liberdade e flexibilidade
para aplicar os recursos dessa espécie de receita pública de impostos onde for
mais conveniente e necessário, sem estar adstrito a uma despesa previamente
vinculada, garantindo-se, assim, o custeio das despesas que se forem
realizando ao longo do exercício financeiro, inclusive as urgentes, imprevistas
ou extraordinárias.
A propósito desse princípio, tema relevante que iremos abordar em
breve é o da DRU – Desvinculação de Receitas da União (de impostos e
contribuições), que vinha sendo estabelecida na base de 20% da respectiva
arrecadação, conforme as diversas emendas constitucionais que trataram do
tema até o final de 2015, e que, pela PEC 87/2015, pretende-se seja
prorrogada novamente e elevada a 30%.
Enfim, os princípios orçamentários influenciam a elaboração dos projetos
das leis orçamentárias e a posterior aprovação pelo Poder Legislativo, facilitam
a interpretação pelos usuários e interessados e, finalmente, permitem sua
execução de maneira mais ampla e eficaz. Mas, sobretudo, são eles que, na
seara financeira, traduzem e dão efetividade aos valores constitucionais mais
caros da nossa República.
Prós e contras da Desvinculação das Receitas da União
Publicado em 03/03/2016
Publicado em 07/04/2016
Publicado em 05/05/2016
Publicado em 02/06/2016
Publicado em 07/07/2016
Publicado em 04/08/2016
Publicado em 01/09/2016
A grave conjuntura das contas públicas pela qual o Brasil vem passando
se evidencia pela geração de um déficit de até R$170 bilhões neste ano de
2016, circunstância que é ainda agravada pelo crescimento insustentável da
dívida pública federal, a qual deixou, cinco anos atrás, a casa dos 50% do PIB
para alcançar o alarmante patamar de 70% do PIB no próximo ano, com viés
de alta ilimitada. Tais fatos acarretaram inequivocamente a perda da confiança
dos agentes econômicos e o rebaixamento de nota de risco (o que conduz ao
aumento das taxas de juros), comprometendo a capacidade de crescimento do
país, reduzindo os investimentos públicos e prejudicando a geração de
empregos.
Por isso, providências governamentais são esperadas para a retomada
do crescimento econômico e recondução da situação financeira ao equilíbrio
fiscal.
Uma dessas providências é a recente Proposta de Emenda
Constitucional nº 241/2016, conhecida por PEC dos Gastos Públicos, que
institui o Novo Regime Fiscal para todos os Poderes da União (Executivo,
Judiciário e Legislativo, inclusive o Tribunal de Contas da União, o Ministério
Público da União e a Defensoria Pública da União), bem como órgãos federais
com autonomia administrativa e financeira, incluindo as entidades da
administração pública federal direta e indireta, os fundos e as fundações
instituídos e mantidos pelo Poder Público e as empresas estatais dependentes.
Segundo a proposta de emenda constitucional, serão incluídos os
artigos 101 a 105 no ADCT, através dos quais se estabelecerá, por vinte
exercícios financeiros, um limite de gastos individualizado para a despesa
primária total em cada ano (excluídas as relativas à dívida pública) para cada
Poder, corrigida apenas pela variação do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE.
Ou seja, enquanto viger o modelo do Novo Regime Fiscal, não poderá
haver crescimento real das despesas públicas federais, e o gasto de 2017 se
limitará às despesas de 2016, corrigidas pela inflação deste ano, e assim
sucessivamente nos anos seguintes.
Estarão fora do referido limite de gastos: I - as transferências
constitucionais estabelecidas pelos art. 20, § 1º (compensações financeiras aos
entes federados pela exploração de recursos naturais e minerais), art. 157 a
art. 159 (repartição de receitas de tributos como IR, IPI e ITR) e art. 212, § 6º
(cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-
educação) da Constituição; bem como as despesas referentes ao art. 21, inciso
XIV (manutenção dos serviços públicos e de segurança do Distrito Federal) da
Lei Maior, e as complementações de que trata o art. 60, caput, inciso V, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias (complementação pela União de
Fundos de Educação); II - os créditos extraordinários a que se refere o art. 167,
§ 3º, da Constituição (despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes
de guerra, comoção interna ou calamidade pública); III - as despesas com a
realização de eleições pela justiça eleitoral; IV - outras transferências
obrigatórias derivadas de lei que sejam apuradas em função de receita
vinculadas; e V - as despesas com aumento de capital de empresas estatais
não dependentes.
E, como medida punitiva em caso de descumprimento do limite, aplicar-
se-ão, no exercício seguinte, ao Poder ou ao órgão que o descumprir, as
seguintes vedações: I - à concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento,
reajuste ou adequação de remuneração de servidores públicos, inclusive do
previsto no inciso X do caput do art. 37 da Constituição, exceto os derivados de
sentença judicial ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à
entrada em vigor da Emenda Constitucional que instituiu o Novo Regime Fiscal;
II - à criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
III - à alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; IV -
à admissão ou à contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as
reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de
despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos; e V - à
realização de concurso público.
É importante esclarecer que um dos motivos de tal determinação ser
veiculada por uma emenda constitucional está na ideia da separação dos
poderes e na garantia da respectiva autonomia de cada um deles, evitando-se
que o Poder Executivo tenha discricionariedade para, sozinho, fixar os limites
aos demais.
Como se vê, a tese central que está por detrás desta PEC é a de se
estabilizar o crescimento da despesa primária, limitando o ritmo da evolução
das despesas públicas segundo a variação da inflação, evitando o crescimento
real dos gastos de maneira desmedida, arbitrária, muitas vezes pautado por
interesses e pressões políticas. Isso porque, no período entre os anos 2008-
2015, a despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu
apenas 14,5%.
Contudo, a maior preocupação que surge com essa proposta - não
obstante louvarmos toda e qualquer medida que imponha responsabilidade
fiscal e razoabilidade nos gastos públicos - é a imposição de limitação ao
crescimento dos gastos com saúde, educação e demais direitos sociais e
fundamentais. Sabemos que a saúde e a educação possuem percentuais
constitucionais mínimos. No entanto, estes não podem ser restringidos e nem
convertidos em percentuais máximos, afinal, a pretendida limitação financeira
poderá trazer ainda mais restrições orçamentárias e, por decorrência, mais
prejuízos para a sociedade nesses importantes setores.
Propomos a reflexão sobre outras medidas alternativas que nos vêm à
mente neste momento, tais como: a) a manutenção do crescimento das
despesas públicas prioritárias, com a fixação de teto apenas para as despesas
consideradas como “secundárias”; b) a inclusão de um percentual de
crescimento anual para despesas prioritárias, como educação, saúde e demais
direitos fundamentais, a ser agregado à variação inflacionária.
A primeira proposta alternativa que apresento envolve considerar uma
limitação orçamentária apenas aos “gastos-meio” (aparato estatal),
preservando-se os “gastos-fim” (despesas com direitos sociais e
fundamentais). Noutras palavras, teríamos a priorização dos interesses
públicos primários sobre os interesses públicos secundários. Assim, enquanto
os primeiros estão relacionados à atuação estatal para o atendimento de
necessidades dos cidadãos, como educação, saúde, segurança, os segundos
voltam-se para o atendimento de necessidades internas da máquina
burocrática, de modo que a Administração Pública possa funcionar
devidamente.
A outra proposta alternativa que trago à reflexão envolveria uma
pequena alteração na PEC nº 241/2016, incluindo-se um crescimento nominal
às despesas fundamentais (educação, saúde e direitos sociais), mantendo-se o
teto de gastos, sem que se tenha que alterar o núcleo do projeto de emenda
constitucional apresentado.
Não obstante a reflexão sobre essas duas propostas alternativas, uma
terceira parece-me imprescindível: estender a limitação dos gastos públicos,
seja como vierem, aos demais entes federados, ou seja, aos Estados, Distrito
Federal e Municípios, e, assim, cumprir em todas as esferas federativas o
mandamento imperativo de respeito e fiel observância da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que já traz o mecanismo de metas fiscais (art. 4º, §
1º, LRF), instituto vilipendiado nos últimos anos.
Não podemos nos esquecer de que o Estado não possui um fim em si
mesmo - e nem existe para atender interesses individuais, setoriais ou político-
partidários -, mas, sim, constitui um instrumento a serviço do cidadão, para que
este detenha as condições mínimas para seu florescimento humano. Um dos
dogmas da visão contemporânea acerca do fenômeno estatal, que é também
uma de suas glórias, reside exatamente em não nos olvidarmos de que o
Estado está ordenado ao ser humano, e não ao revés.
Os Tribunais de Contas e o poder cautelar de
indisponibilidade de bens
Publicado em 06/10/2016
Publicado em 03/11/2016
Publicado em 01/12/2016
Publicado em 05/01/2017
Publicado em 01/02/2017
Publicado em 02/03/2017
Publicado em 05/04/2017
Publicado em 04/05/2017
Publicado em 01/06/2017
Publicado em 04/07/2017
Publicado em 03/08/2017
Publicado em 06/09/2017
Publicado em 04/10/2017
Publicado em 07/11/2017
Publicado em 05/12/2017
Publicado em 03/01/2018
Publicado em 01/02/2018
Publicado em 01/03/2018
O bom senso nos diz que, para financiar gastos constantes, ou seja, as
chamadas despesas públicas correntes, o gestor deverá utilizar apenas as
receitas públicas igualmente constantes, não sendo adequado recorrer a
receitas variáveis, inconstantes ou eventuais; do contrário, em algum momento,
a conta poderá não "fechar".
Esta lógica cartesiana encontra-se prevista, de maneira transversa, na
Constituição Federal, no inciso III do artigo 167, ao dispor ser vedada "a
realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas
de capital", ou seja, o uso do crédito público (espécie de ingresso temporário e
variável de recursos financeiros) deverá destinar-se aos investimentos apenas,
evitando o endividamento para cobrir despesas correntes, como, por exemplo,
a remuneração de servidores públicos. Igual vedação encontra-se no inciso I
do parágrafo 1º do artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O noticiário tem chamado esta vedação de "regra de ouro fiscal", sendo
uma das três "âncoras" do equilíbrio fiscal, ao lado do teto de gastos e da meta
de resultado primário.
Pois bem, é possível identificar como um dos motivos da grave crise
financeira vivida nos últimos anos, por exemplo, pelo Estado do Rio de Janeiro,
o aumento desgovernado de gastos correntes, sobretudo com despesas de
pessoal, a partir da bonança financeira advinda da elevada arrecadação de
royalties do petróleo, em período em que o preço do barril ultrapassava os 100
dólares entre os anos de 2011 e 2014.
Ocorre que, nos anos seguintes, com a queda do preço dessa
commodity, cujo barril chegou a estar valendo menos de 30 dólares no final de
2015 e início de 2016, as receitas passaram a ser deficitárias em relação aos
gastos assumidos, frustrando, assim, o equilíbrio da equação entre receitas e
despesas.
Como sabemos, as receitas públicas podem ser classificadas como
sendo ordinárias ou extraordinárias, conforme a periodicidade do seu ingresso.
Se houver regularidade e constância, estaremos falando de receitas públicas
ordinárias, como é o caso dos tributos pertencentes ao sistema tributário
nacional, cuja arrecadação será sempre previsível diante da frequência de sua
entrada nos cofres públicos. Por outro lado, se o ingresso for eventual e
circunstancial, estaremos diante das receitas públicas extraordinárias, como no
caso dos empréstimos compulsórios, dos impostos extraordinários ou das
doações, que ocorrem em momentos ocasionais, sem serem dotados de
perenidade no sistema financeiro estatal. Por sua vez, podemos considerar
como receitas públicas variáveis aquelas que, ainda que arrecadadas com
certa constância, apresentam valores alternáveis, sofrendo mutação conforme
os ciclos econômicos, como é o caso de royalties e participações especiais
pela exploração de petróleo.
Já pelo lado da despesa pública, temos as despesas correntes, que se
caracterizam por serem contínuas, rotineiras ou periódicas. São dotações
destinadas, por exemplo, ao pagamento do funcionamento ou manutenção da
estrutura estatal (máquina administrativa), à remuneração de inativos, ao
pagamento de juros etc. Essas despesas podem ser subdivididas, por sua vez,
em despesas de custeio e transferências correntes. Já as despesas de capital
caracterizam-se por serem eventuais, ou seja, desprovidas de periodicidade,
podendo ser de três espécies: investimentos, inversões financeiras ou
transferências de capital.
A importância da distinção entre as espécies de receitas e despesas
ganha relevo na elaboração do orçamento público, pois, para que o Estado
possa elaborar o seu orçamento e determinar os investimentos a serem
realizados, as despesas públicas e os demais gastos em um determinado
período, é necessário dispor de mecanismos de previsibilidade das receitas.
Assim, para buscar atender à regra do equilíbrio fiscal, nem sempre será
possível levar em consideração as receitas extraordinárias e variáveis no
cálculo orçamentário, diante da sua eventualidade e imprevisibilidade. Exemplo
disso é a inadequada utilização de receitas originárias do recebimento de
royalties de petróleo (receita variável) para o pagamento de despesas de
natureza continuada, como as de pessoal ativo e inativo (despesa fixa).
Essa previsibilidade financeira que decorre das receitas ordinárias está
expressamente disposta na Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que
encontramos no seu texto a seguinte determinação: “Constituem requisitos
essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva
arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da
Federação” (art. 11).
Ao mesmo tempo que não se podem vincular despesas constantes a
receitas eventuais ou variáveis, sob pena de gerar um desequilíbrio nas contas
públicas e o consequente déficit fiscal orçamentário, não é recomendável que
se tenha um excedente de receitas públicas sem a respectiva despesa,
implicando um acúmulo de recursos financeiros sem uma efetiva aplicação nas
necessidades coletivas. Trata-se de um equilíbrio complexo e necessário no
Estado Fiscal contemporâneo que o administrador público deve
constantemente buscar.
Agora assistimos à recuperação do preço do barril de petróleo, que
chega à casa dos 70 dólares, aliada ao aumento da produção da Petrobras na
área do pré-sal, o que gera uma estimativa de arrecadação de 13,8 bilhões de
reais para o Estado do Rio de Janeiro e seus municípios para o corrente ano
de 2018, valor 25% maior do que no ano passado (R$ 11 bilhões em 2017) e
mais do que o dobro do arrecadado em 2016 (R$ 6 bilhões).
Neste contexto, espera-se que a amarga lição do passado sirva para o
futuro, não apenas para o Estado do Rio de Janeiro, mas para todas as demais
unidades da federação. E que o gestor público consiga - assim como no sonho
bíblico do faraó do Egito narrado no capítulo 41 do livro de Gênesis a respeito
das 7 vacas gordas e 7 vacas magras, simbolizando 7 anos de fartura seguidos
de 7 anos de penúria - sanear as contas públicas, não cometendo mais o
pecado de utilizar receitas variáveis para fazer frente às despesas correntes,
sob pena desta equação "furar" novamente.
Gastos públicos na ótica da sociedade e da
Constituição
Publicado em 03/04/2018
2
Fonte: Instituto Ideia Big Data.
texto do art. 6º categoricamente afirma que “são direitos sociais a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição”; mais adiante, o art. 194
expressamente define que “a seguridade social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social”; igualmente, o art. 196 prevê que “a saúde é direito de todos
e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”;
na mesma linha, o art. 204 estabelece que “as ações governamentais na área
da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da
seguridade social”; por sua vez, o art. 205 define que “a educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”; o art.
208, ainda tratando da educação, prevê que “o acesso ao ensino obrigatório e
gratuito é direito público subjetivo“ e ressalva que “o não oferecimento do
ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente”; encontramos, no art. 215, a
previsão no sentido de que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará
a valorização e a difusão das manifestações culturais”; ainda, o art. 217 prevê
ser “dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais,
como direito de cada um (...)”; com a mesma ênfase, o art. 225 reconhece que
“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações”.
Como sabemos, ao tempo da promulgação da Constituição de 1988, tais
previsões funcionavam como meros parâmetros a serem seguidos e objetivos a
serem atingidos pelo administrador público, indicando as prioridades na
programação da realização das despesas públicas, fato que, por si só, já
deveria conduzir as escolhas do governante.
Porém, atualmente, com o reconhecimento e solidificação da efetividade
normativa dos preceitos constitucionais, e com a ampliação e o fortalecimento
do exercício dos direitos de cidadania, já está consolidada no Direito
contemporâneo brasileiro a possibilidade de o cidadão exigir do Estado -
inclusive judicialmente - a realização dessas despesas públicas, especialmente
quando se referirem a Direitos Sociais e Fundamentais.
Ademais, o próprio conceito de 'discricionariedade' dos atos
administrativos passou nos últimos anos por uma forte revisão no seu
conteúdo, perdendo a sua grande margem de subjetivismo e liberdade de
escolha que até então lhe caracterizava, passando o seu mérito e motivação a
estarem vinculados aos princípios e valores constitucionais no âmbito das
decisões administrativas, condicionando as opções do governante através
deste novel "poder-dever".
Por isso, é legítimo afirmar ser possível entender que as despesas
públicas são cada vez mais priorizadas e determinadas por comandos
jurídicos, e cada vez menos consideradas deliberações de natureza política e
discricionária. Ou seja, as despesas públicas não se originam, exclusivamente,
de deliberações única e exclusivamente apoiadas nas convicções, ideologias e
aspirações do governante, mas, sim, decorrem, em grande parte das vezes,
das imposições existentes nas diversas prescrições normativas de nosso
ordenamento jurídico, especialmente aquelas de índole constitucional. E ainda
mais se estes dispositivos estiverem em sintonia com os anseios populares,
fato refletido no resultado da aludida pesquisa de opinião.
Portanto, temos duas vozes - a da Constituição e a do cidadão - a
clamar em total harmonia - como numa sinfonia clássica - por uma priorização
dos gastos públicos em saúde, educação e segurança pública, em detrimento
de gastos supérfluos ou de secundária importância, como diuturnamente
vemos ocorrer.
Daí o porquê de se poder afirmar que emerge uma nova linha
contemporânea ‒ à qual nos filiamos ‒ a entender que a natureza da despesa
pública, tanto na sua escolha como na sua realização, é, em sua essência, de
origem jurídico-constitucional.
Orçamento inflado e irreal
Publicado em 09/05/2018
Publicado em 13/06/2018
Publicado em 18/07/2018
Publicado em 09/08/2018
Publicado em 20/09/2018
Publicado em 04/10/2018
Publicado em 08/11/2018
Publicado em 20/12/2018
Publicado em 17/01/2019
Publicado em 14/02/2019
A crise fiscal nas contas dos estados vem se agravando a cada dia e se
espraiando por diversas unidades da federação. Não à toa, sete estados já
decretaram calamidade financeira (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas
Gerais, Roraima, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Goiás).
As dificuldades se revelam em diversas áreas, seja na saúde, educação,
segurança e investimentos. Vemos escolas sem professores ou merendas,
hospitais sem estrutura para exames e internação, sem medicamentos e
médicos, policiamento incipiente, dentre outras mazelas.
Um dos principais problemas dos estados é o elevado volume das
despesas de pessoal (gasto com funcionalismo público), que têm ultrapassado
o limite legal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mas esta
dificuldade não é uma exclusividade estadual, uma vez que, juntos, União,
Estados, DF e Municípios gastam cerca de 13,5% do PIB nacional apenas com
pagamento com previdência e folha de servidores, bem acima da média
mundial.
Não bastasse o volume elevado, muitos estados vêm adotando critérios
distintos para a contabilização das despesas com pessoal, prática que vem
sendo muitas vezes considerada uma “maquiagem fiscal” para esconder a
gravidade da situação. Uma das técnicas adotadas para se enquadrarem
dentro do limite da LRF – que é de 60% da receita corrente líquida (art. 19, II)
com despesas de pessoal – é a de excluir da contabilização de gastos com
pessoal aqueles com servidores inativos e terceirizados, prática que os
tribunais de contas deveriam coibir e que deveria ser objeto de uniformização
de seus entendimentos. A propósito, segundo apuração da Secretaria do
Tesouro Nacional, quase 2/3 dos estados já ultrapassam o referido limite de
gastos.
Outra prática irregular que os estados têm indevidamente adotado é a
utilização de receitas variáveis – sobretudo as de royalties de petróleo e
minério – para o pagamento de despesas fixas, como a folha de pagamentos
de pessoal.
Ora, se durante a alta das commodities a receita extra for direcionada
para realizar concursos públicos e aumentar os quadros, ou para conceder
aumento no valor das remunerações, em período de quedas nos preços a
arrecadação diminui, porém o gasto fixo continuará elevado. E isto se viu
materializar claramente no Estado do Rio de Janeiro, quando da queda no
preço do barril do petróleo. Por isso, receitas extraordinárias e variáveis só
podem ser utilizadas para gastos eventuais, como os de investimentos.
Além disso, a situação se agrava diante da vedação constitucional da
concessão de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos
Governos Federal e Estaduais e suas instituições financeiras, para pagamento
de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios (art. 167, X), o que limita as possibilidades de auxílio
financeiro a esses entes federados.
Assim como fez o Rio de Janeiro, os demais estados em crise buscam
ingressar no Regime de Recuperação Fiscal a fim de reduzir o pagamento das
suas dívidas com a União por alguns anos até que consigam restabelecer a
sua saúde financeira. Todavia, para a sua adesão, duros requisitos são
exigidos, o que vem impedindo a adoção desta medida de maneira mais
generalizada.
Outra tentativa é a negociação de uma flexibilização das exigências e
contrapartidas previstas na Lei Complementar 156/2016, que estabeleceu o
Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao
reequilíbrio fiscal. Através desta LC, a União ficou autorizada a adotar, nos
contratos de refinanciamento de dívidas celebrados com os Estados e o Distrito
Federal, um prazo adicional de até duzentos e quarenta meses para o
pagamento das dívidas refinanciadas, desde que contivessem, em determinado
prazo, o crescimento das suas despesas primárias, ficando limitadas à variação
inflacionária, de maneira semelhante ao que foi estabelecido no modelo de teto
de gastos federal.
Ocorre que, dos 19 estados que ingressaram no referido Programas de
Reestruturação e de Ajuste Fiscal, mais da metade encontram-se em grave crise
financeira e em vias de serem excluídos do benefício, perdendo o prazo
alongado de 20 anos para o pagamento das dívidas e os respectivos
descontos.
Há, ainda, um movimento de pedido de socorro feito por diversos
governadores ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que a Corte aprecie em
breve a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2238, para revogar a
suspensão deferida em medida cautelar e declarar constitucionais os
parágrafos 1º e 2º do artigo 23 da LRF. Tais dispositivos permitem o corte de
gastos de pessoal, ao estabelecer que, se a despesa total com pessoal
ultrapassar os limites legais, dentre outras providências, como a redução em
pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções
de confiança e a exoneração dos servidores não estáveis (parágrafo 3º, art.
169, CF/88), o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois
quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, seja: a) pela
extinção de cargos e funções ou pela redução dos valores a eles atribuídos; b)
ou pela redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos
vencimentos à nova carga horária.
Percebe-se que os nossos governantes parecem não querer implementar
os necessários ajustes nas contas públicas sobretudo por se tratarem de
medidas não populares. Além desta falta de responsabilidade fiscal – que se
revela pelo recorrente desrespeito às regras da própria LRF –, vê-se que
alguns tribunais de contas vêm fechando os olhos para inúmeras
irregularidades, além de uma postura paternalista do Poder Judiciário, que vem
proferindo decisões beneficiando estados fiscalmente irresponsáveis,
dispensando-os do cumprimento de certos compromissos financeiros.
Espera-se que os novos Governadores tenham coragem de pagar o preço
político e assumam a responsabilidade de corrigir os erros de seus sucedidos,
ministrando remédios mesmo que amargos, para que a doença fiscal não se
torne fatal.
Desafios da inteligência artificial nas finanças públicas
Publicado em 21/03/2019
O badalado autor israelense Yuval Noah Harari, na sua recente obra “21
Lições para o Século 21”, com propriedade afirmou que:
“No século XXI, o desafio apresentado ao ser humano
pela tecnologia da informação e pela biotecnologia é
indubitavelmente muito maior do que o desafio que
representaram, em época anterior, os motores a vapor, as
ferrovias e a eletricidade.” (p. 40)
“Com a evolução da Inteligência Artificial, talvez
cheguemos a um ponto em que as finanças não farão sentido
nenhum para os humanos. Dá para imaginar um governo que
aguarda humildemente um algoritmo aprovar o seu orçamento
ou sua reforma fiscal?” (p. 25)
De fato, não vivemos mais como antes. Ferramentas de inteligência
artificial nos cercam a cada dia. Em breve, a revolução da tecnologia da
informação, da biotecnologia e da inteligência artificial alterarão os paradigmas
que conhecemos.
Basta lembrar que o Netflix, a AppleTV e o GloboPlay vêm devastando o
mercado de locadoras de vídeo; que o Spotify, TuneIn e AppleMusic estão
prejudicando sobremaneira as rádios FM; que o Google acabou com as
Páginas Amarelas e as boas e velhas enciclopédias; que o Airbnb está
concorrendo fortemente com os hotéis; que o Whatsapp está prejudicando
substancialmente as operadoras de telefonia fixa e móvel; que os Smartphones
vêm eliminando as câmeras fotográficas e respectivas revelações em papel;
que o Uber e a Cabify estão revolucionando o sistema de transportes urbanos
e rivalizando com os táxis; que sites como OLX e Mercado Livre eliminaram os
tradicionais classificados de jornal e o antigo “Jornal Balcão”; que o
armazenamento de dados em nuvem praticamente acabou com a necessidade
de pendrives; que os aplicativos bancários estão extinguindo suas agências
físicas; que as criptomoedas colocam em xeque o sistema bancário tradicional;
e que assistentes virtuais como SIRI (Apple), Google Assistent (Google) e
Alexa (Amazon) têm nos tornado dependentes de suas facilidades.
Nas finanças públicas, as ferramentas tecnológicas com algoritmos
inteligentes podem em muito colaborar com eficiência e racionalidade na
arrecadação, na gestão e no controle das contas públicas.
Uma de suas aplicabilidades está precisamente no manejo automatizado
das ações de execução fiscal, medida de recuperação do crédito tributário que
a cada dia percebemos se tornar mais custosa e ineficiente.
Em artigo recente, identificamos que há um excessivo número de
execuções fiscais tramitando atualmente - cerca de 40% de todos os processos
judiciais, segundo relatório do CNJ - e que abarrotam o Poder Judiciário com
cobranças movidas pelo próprio Estado, as quais se caracterizam pela baixa
probabilidade de pagamento do crédito tributário pelo executado. Além de
durarem em média quase 10 anos, possuem um índice de sucesso de apenas
1/3 das ações movidas, sendo 2/3 delas infrutíferas.
Além de não cumprirem a sua função na arrecadação, geram um gasto
financeiro adicional pela movimentação da máquina judicial e administrativa
com processos inúteis.
Por isso, inevitável dizer que não há outro caminho que não contemple a
Inteligência Artificial como sendo, no futuro próximo, protagonista nas relações
entre Fisco e Contribuinte.
A presença de “robôs”, ou seja, ferramentas dotadas de inteligência
artificial, já começa a despontar na área jurídica. Contudo, quando falamos em
algoritmos inteligentes, não estamos nos referindo ao modelo computacional
tradicional de inputs-outputs (conhecido por “algoritmos programados”), mas,
sim, àqueles sistemas que são capazes de simular o raciocínio humano, o
aprendizado e a nossa tomada de decisões.
Hoje, mais do que coletar dados, aprender com eles, apresentar
resultados e tomar decisões, esses algoritmos “não programados” podem criar
novos algoritmos complementares a partir do algoritmo raiz, sem a
necessidade da intervenção humana.
A tecnologia da informação de agora, que une a biotecnologia e a
inteligência artificial, através de tecnologias como a Machine Learning e Natural
Language Processing, é capaz de ir além do mero processamento de dados,
conseguindo, de maneira autônoma, se autoajustar para resolver problemas
novos dentro de cenários imprevisíveis, a partir da seleção e compreensão de
dados que são coletados no Big Data.
Isso lhe permite aprender com suas próprias experiências, deduzir
autonomamente e até criticar, possibilitando estabelecer uma conversa, criar
uma sinfonia, jogar xadrez e até mesmo identificar personalidades, desejos e
sentimentos humanos.
Na seara jurídica, essas ferramentas de inteligência artificial são capazes
de ler documentos e contratos, apresentar relatórios descritivos ou críticos,
identificar tendências de resultado de julgamentos, elaborar peças processuais
e até sugerir decisões judiciais.
Já podemos identificar algumas possibilidades da inteligência artificial em
nossos dias: 1º) advogados-robôs que auxiliam o cidadão na defesa dos seus
direitos, assim como colaboram com advogados em suas tarefas jurídicas; 2º)
mediadores-robôs que colaboram na intermediação em conciliações; 3º) juízes-
robôs capazes de identificar e sugerir ao magistrado a melhor decisão para o
caso concreto, ou mesmo substituí-lo no julgamento do processo; 4º) auditores-
robôs com competência para auxiliar e realizar o controle e a fiscalização das
contas públicas e dos créditos tributários.
Uma das grandes possibilidades da inteligência artificial será no auxílio ao
sistema judicial para facilitar o processamento e a tomada de decisão pelo juiz-
humano com o auxílio do juiz-robô, acelerando o julgamento dos milhares de
processos que abarrotam os nossos tribunais.
A assistência ao magistrado realizada por um algoritmo inteligente se
dará não apenas para ler as peças processuais e elaborar relatórios, mas
também para identificar a legislação e a jurisprudência aplicáveis ao caso
concreto, oferecendo, também, um diagnóstico de tendências de resultados em
julgamentos de casos similares.
Inequivocamente, a computação cognitiva poderá colaborar na condução
de milhares de cobranças de créditos tributários que o nosso sistema judicial
possui. Será capaz não apenas de intermediar uma solução amigável antes do
ajuizamento da ação de execução fiscal, como também de localizar o devedor
e seus bens, inclusive por suas manifestações em redes sociais ou vínculos
com concessionárias de serviços públicos em qualquer parte do país.
A partir dessas tarefas preparatórias, a ferramenta de inteligência artificial
poderá sugerir à Fazenda Pública a medida de cobrança mais adequada diante
das circunstâncias fáticas identificadas: seja uma mera notificação de
cobrança, o protesto da CDA ou mesmo o ajuizamento da ação.
É razoável imaginar que a própria ação de execução poderá ser
elaborada e proposta através de um sistema robotizado e movimentado por um
fluxo automatizado por algoritmos, sendo interligado com os Correios, Banco
Central, Detran, Registro de Imóveis, Receita Federal e cadastro de créditos
como Serasa, o que permitirá ao próprio robô realizar as medidas constritivas
para a recuperação do crédito tributário.
Poderá, ainda, ajudar na solução de dois típicos “gargalos” nas
execuções fiscais: a) controlar os pedidos de parcelamentos de contribuintes
que interrompem o curso da ação ao suspender a exigibilidade do crédito
tributário, avaliando as condições para a sua adesão, bem como acompanhar o
pagamento das parcelas; b) avaliação da prescrição da ação, tanto no
momento do ajuizamento do executivo fiscal, como a prescrição intercorrente
durante o seu curso, podendo-se extinguir milhares de cobranças que restam
esquecidas nas prateleiras.
Ou seja, podemos em breve vir a ter uma execução fiscal cobrada por
procuradores-robôs e julgada por juízes-robôs.
Para ilustrar este cenário, foi noticiada uma experiência recente,
implementada no ano passado pela 12ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no que se refere ao uso de inteligência
artificial para acionar o sistema de bloqueio de bens de devedores de tributos
municipais. Enquanto pela forma tradicional um servidor de vara judicial leva
em média 30 minutos para acionar os sistemas BACENJUD, RENAJUD e
INFOJUD, a ferramenta de inteligência artificial da 12ª Vara realizou - de uma
só vez - ordens de bloqueios em mais de 6.600 execuções fiscais, obtendo a
penhora integral em 1.512 processos e parcial em 1.157.
Por sua vez, o Tribunal de Justiça de Pernambuco desenvolveu um
sistema de inteligência artificial, batizado de ELIS, voltado aos processos
executivos fiscais em Recife. Em um projeto-piloto realizado em novembro
passado, o sistema ELIS, em apenas 3 dias, avaliou 5.247 processos,
classificando de forma precisa a competência das ações, as divergências
cadastrais, erros no cadastro e prescrições. De todas as ações ajuizadas,
identificou que 4.447 poderiam continuar tramitando, 640 estavam prescritas,
160 continham erro no cadastro da dívida ativa, 16 eram de competência
estadual e 14 apresentavam dados divergentes. Em 15 dias, o sistema é capaz
de realizar a triagem de 80 mil processos, enquanto a mesma quantidade de
processos leva em média 18 meses para ser feita por servidores do tribunal.
Outra iniciativa no Poder Judiciário vem do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, com o seu robô chamado RADAR, ferramenta que tem a capacidade
de identificar recursos com idênticos pedidos no âmbito do TJ-MG e que já
foram objeto de decisões com eficácia vinculante por tribunais superiores, ou
mesmo já pacificadas no âmbito do TJ-MG. A partir da identificação, é
elaborada pelo próprio sistema uma minuta de voto padrão para aquele tema,
aplicando a jurisprudência adequada em todos os recursos identificados em um
julgamento conjunto.
O Supremo Tribunal Federal também já dispõe de um robô de inteligência
artificial que se chama VICTOR, em homenagem ao Ministro Victor Nunes Leal,
responsável no passado pela sistematização das Súmulas do STF, o que
facilitou a aplicação de teses fixadas nos julgamentos. Este robô analisa os
recursos extraordinários que chegam ao Supremo com o objetivo de identificar
se tratam de temas que já foram decididos pela Corte no âmbito da
repercussão geral, para fins de aplicação da solução ao caso concreto, com a
eventual devolução do processo ao Tribunal de origem ou a rejeição do recurso
extraordinário. A ideia é de que, nos próximos anos, o sistema Victor seja
implantado nos Tribunais locais, de modo a evitar que recursos subam ao STF
desnecessariamente, sendo aplicada localmente a decisão dada em
repercussão geral.
A propósito, é importante noticiar que, no final do ano passado, o CNJ
decidiu criar um laboratório de inteligência artificial para desenvolver uma
política nacional de implantação de ferramentas inteligentes, assim como para
disciplinar o acesso aos dados depositados nos bancos de dados dos tribunais
brasileiros.
A advocacia pública e privada também já pode contar com alguns
sistemas de inteligência artificial, tais como: i) o LOOPLEX, para gestão de
processos de contencioso de massa em escritórios e automação de
documentos jurídicos como petições e contratos; ii) o JUSTTO, para a solução
amigável de litígios, realizando arbitragem e negociação; iii) a Dra. LUIZA,
sistema de inteligência artificial desenvolvido para utilização por procuradorias
que precisam gerenciar processos jurídicos de massa, o qual já está sendo
utilizado pela Procuradoria Geral do Distrito Federal; iv) e o SAPIENS,
pertencente à Advocacia Geral da União, para auxiliar o procurador na
produção de peças, inclusive sugerindo teses de defesa para cada caso
concreto a partir de precedentes encontrados.
Os Estados Unidos já contam com várias ferramentas de inteligência
artificial, sendo as mais conhecidas: i) o COIN – Contract Intelligence: que
assessora instituições financeiras na análise de crédito para concessão de
empréstimos; ii) o ROSS Intelligence da IBM, que foi considerado o primeiro
advogado de inteligência artificial, para auxiliar o usuário ao oferecer-lhe
soluções jurídicas, a partir da análise das leis, precedentes e documentos,
assim como para realizar a previsão de resultado de litígios e a identificação de
padrões decisórios; iii) o COMPAS – Correctional Offender Management
Profilling for Alternative Sanctions, utilizado nos EUA para avaliar o risco de
reincidência dos acusados, cujos resultados são utilizados para a fixação da
sentença criminais.
Merece também registro a experiência realizada pela Universidade de
Chicago ao criar, em 2014, um algoritmo que foi capaz de prognosticar os
resultados de julgamentos da Suprema Corte americana, com uma taxa de
sucesso que beirou os 70%, ao analisar 7.700 julgados proferidos entre os
anos de 1816 a 2015.
Saindo do Judiciário para a administração e fiscalização da arrecadação e
gasto de recursos públicos, vários exemplos de uso de algoritmos cognitivos
podem ser dados.
A Secretaria da Receita Federal iniciou recentemente o uso de
inteligência artificial nas delegacias especializadas de julgamentos, para
realizar a leitura dos autos administrativos, a identificação da defesa do
contribuinte e, ao final, redigir um relatório acompanhado de uma proposta de
minuta de decisão. Possui também um sistema cognitivo inteligente chamado
de SISAM - Sistema de Seleção Aduaneira por Aprendizagem de Máquina -,
aplicado na fiscalização na entrada e saída de bens comerciais em portos e
aeroportos. Já para fins de fiscalização de pessoa física viajante, noticia-se que
a Receita possui um sistema de inteligência artificial capaz de: i) identificar a
relação de passageiros que aterrissam por voo; ii) comparar o peso da
bagagem de cada um na ida com o peso de suas malas na volta; iii) realizar o
cruzamento de dados com os gastos de seu cartão de crédito e aquisição de
papel moeda nas suas operações de câmbio. Tudo isso auxiliado por um
sistema de reconhecimento facial instalado no setor de desembarque em
alguns aeroportos brasileiros.
O TCU possui o sistema ALICE – acrônimo de Análise de Licitações e
Editais. Trata-se de uma ferramenta automatizada que analisa editais de
licitações e atas de pregão eletrônico, com objetivo preventivo de evitar
possíveis irregularidades. Diariamente acessa o Comprasnet, Portal de
Compras do Governo Federal. A partir daí, colige dados dos diversos editais de
licitação e atas de pregão publicados e testa parâmetros para verificar
eventuais irregularidades. Identificando algum caso suspeito, envia e-mail para
a secretaria responsável pela fiscalização com o alerta respectivo.
Juntamente com Alice, o TCU possui outros dois sistemas: SOFIA
(Sistema de Orientação sobre Fatos e Indícios para o Auditor) e MONICA
(Monitoramento Integrado de Controle de Aquisições).
A expectativa é a de que, nos próximos anos, esses sistemas sejam
cedidos a Estados e Municípios, para auxílio em suas próprias fiscalizações.
Cabe também o registro de que o Tribunal de Contas do Estado do Rio de
Janeiro já possui um sistema de inteligência artificial denominado IRIS,
acrônimo de Indicador de Riscos, com a finalidade de identificação de indícios
de irregularidades, impropriedades ou simplesmente um risco maior de que o
referido contrato venha a apresentar problemas em sua execução.
Como se percebe, a Inteligência Artificial no Direito já é uma realidade
que tende a se potencializar a cada dia.
Mas a eficiência e a capacidade de realizar as tarefas que a inteligência
artificial nos oferece precisa ser dotada de critérios sólidos e transparentes de
justiça na tomada das decisões, sobretudo diante dos chamados hard cases,
em que surgem conflitos de normas, e em que a filosofia jurídica é uma
ferramenta importante para quem toma a decisão.
Além disso, não se pode esquecer a importância da neutralidade, da
transparência e da auditabilidade dos códigos-fonte do algoritmo utilizado, uma
vez que são requisitos para garantir e controlar a legitimidade e bom
funcionamento dessas ferramentas.
É um imperativo que a inteligência artificial seja regulada para evitar que
seja utilizada em desrespeito aos princípios da impessoalidade e moralidade,
para que não possua em suas operações escolhas subjetivas, vieses,
ideologias ou preconceitos de qualquer natureza.
Aqui estamos diante do que vem sendo denominado de “moralidade
algorítmica”, que deverá parametrizar os desenvolvedores da inteligência
artificial. Do contrário, a opacidade nestas operações poderá ser equiparada à
violação ao due process of law.
No âmbito fiscal, é importante lembrar - e para a inteligência artificial o
mesmo se aplica - que a eticidade dos atos da Administração Tributária e dos
Órgãos de Controle e Fiscalização é objeto constante de apreciação, sobretudo
no que se refere à aplicação da boa-fé objetiva e do princípio da confiança
legítima.
Se o desafio que enfrentamos hoje é o da convivência com tantos
sistemas de inteligência artificial em nosso dia a dia, certamente o desafio de
amanhã será, para o direito tributário e financeiro, buscar a certeza de que a
inteligência artificial saiba respeitar, republicanamente, os direitos fundamentais
dos contribuintes.
Desmistificando a limitação de empenho
Publicado em 04/04/2019
Publicado em 09/05/2019
Publicado em 13/06/2019
Publicado em 04/07/2019
Publicado em 01/08/2019