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Os Rituais e a Liturgia

Trabalho do Ir:. José Prudêncio Pinto de Sá, Mestre Maçom (Instalado)- REAA

Nos trabalhos correntes de nossas lojas maçônicas, acostumamo-nos a ver os


oficiais lerem os trechos do ritual do grau trabalhado, segundo a seqüência
neles programada. Nem sempre, tal leitura é feita com a ênfase que a
situação possa requerer e não é incomum ouvirmos a má pronúncia de
palavras corriqueiras, em parte por deficiência visual momentânea, em parte
pela ignorância do texto que está sendo lido. O fato é que o costume de
terem, os oficiais, de cor, o texto ritualístico é apenas uma lembrança de um
passado que se afunda, lentamente, no tempo.

        A liturgia maçônica se destina à construção de um ambiente de trabalho


agradável e sugestivo e, segundo alguns ritos afirmam, à formação de uma
egrégora maçônica para a prática do bem (esta acepção não é universalmente
aceita). Para atingir aos seus fins, os atos litúrgicos se revestem da pompa
necessária, a fim de que os maçons sejam influenciados pela seriedade do
momento. Além disso, por ocasião das iniciações, uma boa leitura de alguns
textos explicativos contribui para produzir uma forte impressão inicial nos
neófitos, fenômeno que se repete a cada nova cerimônia de passagem.

        Abre-se, porém, o espaço para algumas observações, a primeira das


quais põe em tela a própria existência do ritual como instrumento de trabalho
em loja. Na realidade, os atos litúrgicos só deveriam ser lidos naqueles
momentos em que longos trechos, de difícil memorização, o exigissem, sendo
pronunciadas todas as falas ritualísticas sem o auxílio de qualquer papel ou
livro. Por não ser observada esta simples regra, vemos, constantemente,
cenas inconvenientes que vão do deplorável ao ridículo, como a do Venerável
Mestre que, ao consagrar um novo aprendiz, segura a espada flamígera com
uma das mãos, o malhete com a outra e o ritual com a outra; como só tem
duas delas, vale-se da mão de um dos Irmãos mais próximos. No
prosseguimento, vemos a espada apontada para um ponto acima da cabeça do
neófito, o malhete pendente da mão direita e o rosto do Venerável Mestre
fitando uma terceira direção (desconfortável, aliás).

        Saber o ritual de cor acontece, naturalmente, para todos os Irmãos


assíduos, aqueles que lograram conciliar seus afazeres profanos com as suas
obrigações assumidas na loja.  Para estes, a repetição das mesmas frases,
sessão após sessão, acaba por fixar-lhes, nas mentes, as seqüências e as
palavras-chave, de modo que, ao assumirem uma função em loja aberta, não
sentem a menor dificuldade de recitar a sua participação, sem qualquer
consulta ao ritual. Não se trata de exibicionismo ou vaidade, mas de
demonstração de que o Irmão que assim procede está imbuído do verdadeiro
sentido da ritualística de que participa. Infelizmente, rareiam os que fazem
isso intencionalmente, principalmente depois de exaltados, quando o Mestre
já se julga plenamente formado (quando, de fato, plenitude é dos direitos e
deveres, não dos conhecimentos).
        Uma segunda observação, que influi na primeira de modo decisivo, é a
atualização dos rituais dos diferentes graus simbólicos e sua reimpressão com
os novos procedimentos. Não bastasse cada obediência (são 55, só as
regulares, no Brasil) terem seus próprios rituais, com textos modificados
ligeiramente, ainda promovem revisões periódicas, buscando um alegado
melhoramento que nunca chega. As inserções e exclusões se dão, muitas
vezes, ao sabor de opiniões individuais ou isoladas, sem que se respeite a
história do rito, as suas tradições, os preceitos esotéricos e os ensinamentos
maçônicos em geral.

        As oficinas chefes de rito, que deveriam ser a fonte do saber simbólico
que as obediências se encarregariam de gerir, raramente têm influência
direta na elaboração dos textos ritualísticos e, quando o fazem, é de modo
incompleto e, normalmente, com pouca aceitação. Elas preferem deixar ao
sabor das obediências simbólicas este problema, sob a alegação de que,
sugerindo a ritualística dos três primeiros graus, elas se estariam imiscuindo
em seara alheia à sua. Na verdade, isso é pura omissão de obrigações, pois as
altas oficinas têm o dever de orientar todo o rito, de alto a baixo da pirâmide
filosófica cuja base é o simbolismo.

        Ora, a observância de um ritual não deveria passar pelo seguimento cego
das letras usadas nas frases que o compõem, e sim, pelo cumprimento dos
diferentes momentos da seqüência ritualística preconizada pelas obediências,
sempre respeitando a história, a tradição e os mistérios da Maçonaria. Os
textos litúrgicos, assim, serviriam de linhas mestras a serem obedecidas, sob a
supervisão constante do Guarda da Lei, que teria, aí sim, em sua mesa, um
ritual à sua disposição, para que possa intervir quando da ocorrência de algum
erro ritualístico crasso, solicitando a sua correção. O Rito de York, por
exemplo, não permite a leitura de rituais, durante as suas sessões, o que está
absolutamente certo.

        Portanto, sendo o ritual uma linha mestra não calcificada em palavras
obrigatórias, não existiria a necessidade de revisá-lo e reimprimi-lo tão
seguidamente, bastando que os candidatos a Venerável Mestre, Vigilantes,
Orador e outros cargos-chaves fossem submetidos, obrigatoriamente, a
sessões de instrução e exame de suficiência, que os habilitariam ao exercício
efetivo do cargo. Lembremo-nos de que, na maioria das obediências, o
interstício mínimo para que um Mestre possa ser Vigilante é de três anos e,
para Venerável mestre, cinco anos. Esses períodos são mais do que suficientes
para o aprendizado das seqüências ritualísticas obrigatórias para a condução
dos trabalhos da loja. É claro que algumas sessões vão apresentar um maior
grau de dificuldade, por serem raras, como é o caso da confirmação de
casamento, adoção de lowtons, mesa de banquete ou pompas fúnebres. Neste
caso, admite-se que sejam feitas leituras dos trechos mais longos ou
complexos, assim mesmo, parcimoniosamente.

        O fato é que a liturgia não se beneficia da leitura dos rituais e não é
melhor executado por conta dela. Ao contrário, por não conhecerem os rituais
de cor, é muito freqüente que os erros de leitura comprometam a beleza e a
emoção das sessões, particularmente as magnas, diminuindo a influência
positiva que deveriam ter sobre as mentes e os espíritos dos obreiros
presentes. Ler mal é pior do que improvisar e compromete muito mais do que
dizer uma frase ritualística de cor, ainda que com palavras diferentes das
escritas.
        Ao defendermos a eliminação das leituras desnecessárias, em loja,
temos a intenção de tornar o trabalho ritualístico mais fluído, mais natural e
sem complicação, permitindo que o Venerável Mestre conduza a sessão com
simplicidade, sem receios nem afobações, dialogando com os seus oficiais de
forma natural e sem os deslizes de leituras mal feitas. O Guarda da Lei, neste
caso, reassume a sua função essencial que é o de assegurar a observância da
ritualística obrigatória, corrigindo, prontamente, eventuais desvios e
assegurando a pureza litúrgica. É certo que, com o passar do tempo, os erros
diminuiriam e os trabalhos correntes ou magnos das oficinas poderiam ser,
costumeira e corretamente, declarados justos e perfeitos.

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