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Da redistribuição ao reconhecimento?
Dilemas da justiça na
era pós-socialista ...
Nancy Fraser
assalariado, educação, cuidado de saúde e lazer; mas também, e demasiadamente exagerado para ser enfrentado aqui. N o que se
ainda mais surpreendente, no consumo de calorias e exposição à segue, devo considerar apenas um asp ecto do problema: cm que ' ·
toxicidade ambiental, e, em suma, expectativa de vida e taxas de circunstâncias uma política de reconhecimento pode apoiar uma
mortalidade. Desigualdade material é crescente na maioria dos paí- política de redistribuição? Quando é provável que a enfraqueça? ;
~cs do mundo - nos Estados Unidos e na China, na Suécia e na Qual das variedades de política da identidade mais se adequa a lu- :
India, Rússia e Brasil. Também está aumentando, globalmente, de tas por igualdade social? E qual dentre elas tende a interferir com._
forma mais dramática na linha que divide Norte e Sul. essa última? '
Como, então, podemos ver o eclipse de um imaginário socia- A o enfrentar essas questões, devo enfocar eixos culturais e so-
lista centrado em termos como "interesse", "exploração" e "redis- cioeconômicos da injustiça, de forma paradigmática gênero e raça.
tribuição"? E o que devemos fazer com o fortalecimento de um ( Não devo dizer muito sobre etnicidade ou nacionalidade.)2 Devo
novo imaginário político centrado em noções de "identidade", "di- apresentar um pressuposto preliminar: ao propor avaliar demandas
ferença", "dominação cultural" e "reconhecimento"? Essa troca por reconhecimento do ponto de vista da igualdade social, assumo
representa um lapso de "falsa consciência"? Ou faz, ao contrário, o fato de variedades de política de reconhecimento que não res-
rever a cegueira cultural de um paradigma acertadamente desacre- peitam direitos humanos serem inaceitáveis, mesmo se promove-
ditado pelo colapso do regime comunista soviético? rem igualdade social. 3
Nenhuma dessas duas instâncias é adequada. Ambas são ata- Finalmente, uma palavra sobre método. No que s egue, propo-
cadistas e sem nuanças. Em vez de simplesmente endossar ou re- rei uma série de distinções analíticas - p or exe1nplo, injus tiças
jeitar toda a simplicidade da política da identidade, devemos
encarar isso como uma _I!().Yª tar~fa íl!!electual e prática: a de des- 2
Essa omissão, sem desprezar o quadro elaborado a seguir, pode se r fru tífera
,envolver uma teoria crítka do reconheci;;_en·t~\-\1~nã- teoria -qi.1e para responder a lutas acerca de etn icid ade e nacionalidade. El a esti m ula a
~ :-- . .. . -- ·- ·- -· -- ·· · -· . ··-;;··· · ---···-···· . ,-. ·------··- - - -- ~--- ------- ·-- --------
,_1dentthque e defenda apenas vcrsocs da pohtica cultural da dife- atenção para demandas por red istribuição e reconhecimento em cada caso espe-
cífico, em vez ele assu mir como padrão o fa to ele os grupos mobili zados nesses
:'r~nça que possa ser coerentemente combinada com a política
ei xos estarem apenas buscando reconhecime nto. Obviamente, desde que esses
.~soci_al de igti.ald_a~e. .. - - - - --- grupos não se definam como dividindo uma situação de desvantagem socioeco-
Ao formular esse projeto, assumo o fato de a justiça requerer nôm ica e não façam demandas red istributivas, eles podem se r vi stos comn pri-
hoje tanto reconhecimento como redistribuição. Proponíío-1ne- -a mariamente a lutar por recon hecimen to. L utas nac ionais são peculiares,
-examinar a re1aÇão--entre--~~bos: E~-P~~-t~;·i~s~- ~ignifica descobrir ·contudo, pois a fo rma de reconhecimen to nesses casos é a autonomia política,
sej a na forma de um Estado soberano (e.g., os palestinos) ou na forma de sobe-
corno conceitualizar reconhecimento cultural e igualdade social de rania provincial li mitada dentro de um Estado multinacional (e.g., a maioria do
forma que ambos se sustentem e não enfraqueçam um ao outro Quebec). Embates por reconhecimento étnico, em con traste, normalmente bus-
(pois há tantas concepções distintas de ambos!). Também significa cam direitos d e ·expressão cultural dentro de Estados-nação poliétnicos. Essas _
teorizar sobre os modos pelos quais desvantagem econômica e des- distinçõ es são discu tidas de forma brilhante em W ill Kyml icka, "Three Forms i : 1, ,.-
of Group-Diffcrcntiatcd Citi?.c nsh ip in C anada", em Demo~::acy a11d Differen- : ·-
respeito cultural estão entrelaçados e apoiando um ao outro. Tam-
ce: Co11/esti11g lhe Boundaries of the Politica{, ed. Seyla Benh abib, Princeton: ·
bém requer a clarificação dos dilemas políticos gue surgem quando P rinceton U niversity Press , 1996.
3
tentamos combater ambas as injustiças simultancaJi'.cntc. Minha preocupação pri ncipal nesse artigo é a relação entre o reconheci men to
Meu objetivo mais amplo é conectar duas problemáticas polí- da diferença cultural e a desigualdade social. Não estou preocupada, portanto,
lkas que são costumeiramente dissociadas, pois só por meio da com a relação entre reconhecimento de diferenças culturais e liberalismo. Con-
tudo, assumo o fa to de nenhuma identi dade polít ica ser aceitável caso falh e em
rei 11lcgra1.;ão do reconhecimento e da redistribuição pode-se chegar
resp ei tar os direitos huma nos fu ndamentais dos tipos usualmen te festej ados
a 11111 quadro adequado às demandas de nosso tempo. Porém, isso é . pelos liberais de esquerda.
Nancy Fraser Da redistribuição ao reconhecimento? ·-
culturais e injustiças econômicas, reconhecimento e ..redistribuição. A fim de ajudar a esclarecer essa s ituação e os prospcc1 os
No mundo real, cultura e. economia política estão se~1pre imbrica- políticos por ela apresentados, proponho distinguir duas comprecnsflcs
dos e virtualmente toda luta contra inj ustiça, quando corretamente d e injus tiça, amplamente concebidas e anal iticamente distintas.
entendida, implica demandas por redistribuição e reconhecimento. A primeira é foil!.~tiça s9~ioe~.~~mi~a, enraizada na estrutura
Não obstante, por motivos heurísticos, distinções analíticas são político-econômica da sociedade. Exemplos incluem exploração
indispensáveis. Só por meio de abstrações das complexidades do (ter os frutos do trabalho de uma pessoa apropriado para o benefi-
mundo real é possível daborar esquemas conceituais que podem cio de outros); marginalização econômica (ser limitado a trabalho
iluminá-las. Assim, ao distinguir redistribuição e reconhecimento indesejável ou baixamente remunerado ou ter negado acesso a tra-
analiticamente, ao expor suas lógicas distintas, pretendo esclarecer - e balho assalariado completamente) e privação (ter negado um pa-
começar a solucionar - alguns dos principais dilemas políticos de drão material adequado de vida).
nosso tempo. Teóricos igual itários têm há muito tempo buscado conceitua-
Minha discussão neste capítulo procede cm quâtro partes. Na lizar a natureza dessas injustiças socioeconômicas. Incluem-se a
primeira seção, conccitualizo redistribuição e reconhecimento teoria de Marx de exploração capitalista, a visão de John Rawls de
como dois paradigmas analiticamente distintos de justiça e for- justiça como escolha justa dos princípios que governam a distri-
mulo o dilema "redistribuição-reconhecimento". Na segunda se- buição de "bens primários" , a visão de Amartya Sen de que justiça
ção, distingo três modos típico-ideais de coletividade social a fim requer garantias de exercício igual das "capacidades para funcio-
de identificar aqueles mais vulneráveis ao dilema. Na terceira se- nar" e a v isão de R onald Dworkin que requer "igualdade de recur-
ção, diferencio remédios "afirmativos" e "transformativos" para a sos".4 Para meus propósitos aqui, porém, nós não precisamos nos
injustiça e examino suas respectivas lógicas de coletividade. Uso comprometer com uma abordagem teórica específica. Precisamos
essas distinções na quarta seção a fim de propor uma estrn tégia apenas nos ater a um entendimento geral e grosseiro de injustiça
política para integrar demandas por reconhecimento com reivindi- socioeconômica info rmado por um comprometimento com o igua-
cações por redistribuição com um mínimo de interferência mútua. litarismo.
A s egunda compreensão de _i~:ij~~ tis:a ~ cultural ou simbólica.
Aqui injustiça está arraigada a padrões sociais de representaÇão;
O dilema redistribuição- reconhecimento
4
Deixe-me começar ressaltando algumas complexidades da Karl Marx, Capital, voL l; John Rawls, A Theo1y of Justice, Cambridge,
atual vida política "pós-socialista". Com a perda de centralidade Harvard University Press, 1971, e trabalhos subseqüentes; Amartya Sen,
Ca111111odities and Capabilities, Amste rdam, North-Holand, 1985; and Ronal d
do conceito de classe, movimentos sociais divers:.s mobilizam-se
Dworkin, "What is Eq ualily'? Part 2: Equal ity of Resources'', l'hilusophy wul
ao redor de eixos de diferença inter-relacionados. Ao contestar Public Affairs 10, n" 4 fall 1981, 283-345. Embora classifique todos esses es-
uma série de injustiças, suas reivindicações às vezes são sobre- critores como te6ricos da justiça distributiva econômica, também é ve rdadeiro
postas; outras, conflitantes. Demandas por mudança cultural mis - que a maioria deles tem recursos para lidar com assuntos de justiça cult11 rn l.
turam-se a demandas por mudanças econômicas, tanto dentro Rawls, por exemplo, trata "lhe social hases of self-respect" como um hem pri-
mário a ser justamente distribuído e Sen trata o "scnse of self' como rclcv:mll•
como entre movimentos sociais. Porém, de forma crescente, rei-
para a capacidade de funcionamento. (Estou em dívida com Mika Manty pm
vindicações com base em identidades tendem a predominar, já que esse ponto). Não obstante, como Tris Marion Young já sugeriu, a pn:ocup;11,·ii11
prospcctos de redistribuição parecem retroceder. O resultado é um primária de seus pensamentos leva na di reção de urna justiça ci:ontimira di~11i
<.:a111po político complexo com pouca coerência programática. butiva. Vej a, Justice and the Politics o/ Difference, Prinn:lon, l'ri11 r1·t1111
Univcrsity Press, 1990.
. ,.
1·
interpretação e commiicação. Exemplos incluem dominação cultural fazem uso do termo reconhecimento. 7 Uma vez mais, porém, não é
(sendo sujeitados a padrões de interpretação e de comunicação as- necessário aqui se restringir a uma abordagem teó1ica. Precisamos
sociados a outra cultura estranha e/ou hostil); não-reconhecimento apenas nos voltar para uma compreensão geral e grosseira de in-
(ser considerado invisível pelas práticas rcprcscntacionais, comu- j ustiça cultural como distinta de inj ustiça socioeconômica. Apesar
nicativas e interpretativas de uma rnltura); e desrespeito (ser difa- das diferenças, injustiça socioeconômica e injustiça cultural per-
mado h abitualmente em representações públicas estereotipadas passam as sociedades contemporâneas. Ambas estão enraizadas em
culturais e/ou cm interações quotidianas). processos e práticas que sistematicamente prej udicam alguns gru-
Alguns teóricos políticos buscaram recentemente conccituali- pos em detrimento de outros. Por conseguinte, ambas deveriam ser
zar a natureza dessas injustiças culturais ou simbólicas. Por exem- remediadas.
plo, Charles Taylor lem recorrido a noções hegelianas para discutir Claro que essa distinção entre injustiça ec~nômica e injustiça
que: cult'!!._al é. analítica . .~ª prática, ambas estão interligadas. Até mes-
mo as instituições econômicas mais materiais têm uma dimensão
Nonrecognition or misrecognition (...) can be a form of oppression, cultural constitutiva, irredutível; estão atravessadas por significa-
imprisioning someone in a false, distorted. reduced mode or
dos e normas. Similarmente, até mesmo as práticas culturais mais
being. Deyond simple lack of respcct, it can inflict a gricvous
wound, saddling peoplc with crippling self-hatred. Due recognition
discursivas têm uma dimensão político-econômica constitutiva,
is no! jus! a courtesy but a vital human need. 5 irredutível; são suportadas por apoios materiais. Portant()?__lo!lge__?_e_
ocuparem esferªs separadas, inj u~tiç_a__ecoI!_ô_rnJ~a_e injustiça cultu-
Igualmente, Axel Honneth argumentou que: ral normalmente estão imbricadas, dialcticamei)te, -· reforçando-se
·_mutuamente. Normas culturais enviesadas · de forma ln]üsú\-cóntra
wc owe our intcgrity (... ) to the receipt of approval or recognition alguns são institucionalizadas no Estado e na economia, enquanto
from other persons. [Negative concepts such as 'insult' or as desvantagens econômicas impedem participação igual na fa-
'degradation'] are related to forms of disrespect, to the bricação da cultura em esferas públicas e no cotidiano. O resul-
denial of n:cognition. [ThcyJ are uscd to characterize a form of tado é freqüentemente um ciclo vicioso ele subonlinação cultural e
behavior that does not represent an injustice solely beca use it econômica. 8 1
Cambridge, Harvard University Press, 1991 e Iris Marion Young, Justice and
Concepções semelhantes marcam o trabalho <le outros teóricos r- ,_ the Politics o/ Difference, l'rinceton, Princeton University Press, 1990.
críticos, incluindo Jris Marion Young e Patricia J. Williams, que , ~· A imbricação de cultura e economia política é o (eitmoth' de todo meu trabalho.
rn'scuti esse ponto em vãrio.s ~~píi~Jo~ éio- ~eu livro "ui1-;:111_i.· p;:c,êti~es.: f'oirel::
Disco11rse and Gender in Contemporary Social I'l1eory, Minneapolis, University of
Minnesota Press, 1989, incluindo "What's Criticai abou t Criticai Theory'? The
' Charles Taylor, M11ltic11!t11ralis111 and The Politics of Recognitio11, Princctrni. Case of Jlabermas and Gender", "Women, Welfa re, and the Politi<:s of Need
Princeton Universiy Press, 1992, p. 25. Interpretation"; e "Strugglc ovcr Nature; Outline of a Socialist-Fernin ist Criticai
'' Axcl Ifonneth, "lntegrity and Disrespect: Principies of a Conception of Morality llll Theory of Late-Capitalisl Politi c;il Culture." Esse ponto é também central cm
lhe 'l 'lwnry of Rccognition", Political Theo1:v 20, n~ 2 (May 1992): 188-89. Nfin muitos capítulos desse volume, especialmente "Rcthinking the Publ ic Sphcrc: a
é al'Ídental111ente que os dois maiores teóricos contemporâneos do reconheci· Contribution to the Cri tique of Actually Rxisting Den1ocrari' e "Oencalop.y oi'
mcnlo, l Io1111cth e Taylor, sejam hegeli:inos. Dependency: Tracing a Keyword of the U.S. Wdfare Sta te."
Da redistribuição ao reco nhecimento? 2 53
guirei dois tipos correspondentes de remédios. Q_x~1p~d~_o _par_a Apesar de tais entrelaçamentos conceituais, de~xarei de lad~ per-
.inj_l!sQ_ç~ econômic_a (ree_s.~~~1turas,:~9 .P~~~!i~~~ec9!_~~!!1_i ~~ ~e- al~~1~ guntas sobre como redistribuição e recon he~1 m'!nt? c.onshtuem
tipo. Isso poderia envolver redistribuição de renda, reorganização dois conceitos distintos, irreduzíveis, sui generis, de JUShça, ou se,
-da· divisão do trabalho, sujeitar investimentos à tomada de decisão por outro lado, podem ser reduzidos um ao outro. Ao contrário,
0
democrática ou transformar outras estruturas econômicas básicas. assumirei que, não importando como nós os consideremos met<~
Embora esses vários remédios se diferenciem de forma marcante, teoreticamente, será útil manter uma distinção de trabalho, de pn-
devo referir-me a esse grupo pelo termo genérico ''. redistribui_~_ão"/ meira ordem, entre injustiças socioeconômicas e seus remédios,
_q__rem~di o_.1?.ªra .injustiça ct~~!ur_al? _~-n1 contra~te_, _é algum _tip~. ~e por um lado, e injustiças culturais . e seus reme' d.10s, por ou t ro. 14.
.mudança cultural ou simbólica. Isso poderia envolve~ reavaliação Com essas distinções estabelecidas, posso colocar as segurntcs
positiva de identidades desrespeitadas e dos produtos c ullurais de perguntas: Qual a relação entre demandas por reconhecimento,
grupos marginalizados. Poderia também envolver reconhecimento cuj o objetivo é sanar injustiças culturais, e reivindicações por .re-
e valorização positiva da diversidade cultural. Ainda mais radical- distribuição, cujo fim é reparar injustiças econômicas? E q.ue tipo
mente, poderia envolver a transformação geral dos padrões socie- de interferências mútuas podem surgir quando ambos os tipos de
tais de representação, interpretação e comunicação, a fim de alterar demanda são feitos simultaneamente?
todas as percepções de individualidade. 10 Embora esses remédios Há boas razões para nos preocuparmos com tais interferências
sejam difere ntes entre si, devo referir-me, daqui para frente, a todo mútuas . .Re!y_i11_çtiç_ª_ç§es__de reconhecimer~_~o freqi!entemente ado-
esse grupo pelo termo genérico "reconht;c_im.ent(_)" . tam a forma de chamar a atenção para, se não performaticamente
Uma vez mais, ~ssa distinção entre ren~édios red_is.t~i~~!iv~~ e criar, a especificidade putativa de algum grupo e depois de afirmar
de reconhecimento é analítica. Remédios redis_t_ributiv~.s ...P.I~~ssu seus valores. Assim , tendem ~ J?f~_m9_Y._~r:_-~_ifer.t:.~1.c:.~~x~() entre S.~~1.-_
põem uma concepção stll;j~~ente de reconhecimento. Por exemplo,
_QO~. qe~~~~?.~~ _redis.fri~uti~.~s reivi~1dicam, em contraste, a aboli-
alguns proponentes de redistr ibuição socioeconômica igualitária
fundamentam suas alegações no "valor moral igual de cada pes-
soa"; assim, eles tratam redistribuição econômica como expressão 12
Para um bom exemplo dessa abordagem, veja Will Kymlicka, Liberal'.sm,
de reconhecimento. 11 De modo similar, remédios de reconheci- Com11111nitv, C11/111re, Oxford, Oxford University Press, 1989. O caso de Kymhcka
mento pressupõem uma concepção <le redistribuição. Por exemplo, sugere qu; a distinção entre justiça socioecon~mi_ca ~ justi~a c~11tu ral n~o preci-
sa sempre mapear a <listinção entre justiça <l1stnbut1va e .iusl!ça relal'.tonal ou
proponentes do reconhecimento multicultural baseiam suas rcivin-
r,comu nicativa.
·n:Axel Honneth, The Stuggle for Recognition: The Moral Gra111111ar of Social
9
Conjlict, trans. Joel An<lerson, Cambridge, Polity Press, 1995, representa a
De fa to, esses remédios estão em tensão entre si , um problema que explicarei tentativa ma is exaustiva e sofisti <.:a<la de realizar tal n::<lução. Ele argumen ta o
nas seções seguintes desse capítulo. fato de o reconhecimento ser o conceito fundamen tal de justiça e que encom-
Ili Esses vários remé<lios culturais estão em tensão entre si. Uma coisa é reconhe- passa distribuição. Eu contra-argumento nos meus Tanne; Lectures l.9~6 (no
cer as identidades existentes atualmente desvalorizadas, outra é transformar es- prelo). . .
truturas simbólicas e, assim, as iden tidades das pessoas. Devo explorar essas 14 Ausente tal distinção, eliminamos a possibilidade de ex.am11rnr co11 l~1tos c1111>'
tensões entre os diversos remédios nas seções subseqüentes si. Perdemos a chance de distinguir interferências mútuas que poderiam st1 r)'.1r
11 Para um bom exemplo dessa abordagem, veja Ronald Dworkin, "Libernlism".
quando as demandas distributivas e as demandas por reconhcci 1m:11 1n s;·io pn
cm A Man of Principie, Cambridge, Harvard University Press, 1985 , pp. 181- seguidas simultaneamente.
211-1.
2 54 Nancy Fraser _ __ _ _ _ __::D::..:a:_..:...:re:.:d:.:i=-
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ib:...:u::.:iLçã:..:o=-=.ao
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im _ e_nt_o_?_ _ ____ ._._2_5_5
ção de arranjos econômicos que causam especificidades de grupos. rar a inj ustiça será a redi stribuição político-econômica, em oposi-
(Um exemplo s eriam as demandas feminis tas pela abolição da ção ao reconhecimento cultural.
divisão do trabalho por gênero.) :_rendf'.t~,__<_l~sip:i2__a _promover a ho- No mundo real, para deixar claro, economia política e cultu ra
' .illog~n~~~_são . ~Q.t_re__gr_U_P.<?~· O fato é que a política de reconheci- estão interligadas, assim como inj ustiças de distribuição e reco-
i menta e a política de redistribuição freqüentemente aparentam ter nhecimento. Assim, podemos questionar se há coletividades puras
h fins contraditórios. Onde a primeira tende a promover diferenciação, a desses tipos. Para propósitos heurísticos, porém, é útil examinar
' segunda tende a minar isso. Assim, os dois tipos de reivindicação suas propriedades. Dessa forma, deve-se considerar um exemplo
i estão em tensão; eles podem interferir, ou até mesmo atrapalhar familiar que pode ser interpretado como uma aproximação do tipo
' uma à outra. ideal: . a concepção _de Marxiana da classe explorad.~1 , entendida de
Aqui, então, temos um dilema difícil. Eu o chamarei doravante fo rma ortodoxa.15 Vamos enfatizar a questão sobre se ess a visão
de . dilema de red_istribuiç~_o/reconhe~imento._ .Pessoas que estão de classe se ajus ta a coletividades históricas que lutaram por jus ti-
16
sujeitas a ambas, injustiça cultural e injusliça econômica, precisam ça no mundo real em nome da classe trabalhadora.
tanto de reconhecimento como de redistribuição. Precis am reivin- Na concepção assumida aqui, classe é um modo de diferencia-
dicar e negar suas especificidades. Como isso é possível ? Antes de çfto social enraizada na estrutura político-econômica da sociedade.
levar a cabo essa pergunta, consideremos quem enfrenta o dilema Uma classe exis te como uma coletividade apenas em virtude de
de reconhecimento-redistribuição. sua posição nessa estrutura e de sua relação com outras classes.
'· 15 \No que se segue, concebo ch1ssc de fo rma altamente estilizada, ortodoxa e teó-
Classes exploradas, sexualidades menosprezadas e rica de forma a agudizar o contraste com o outro tipo ideal de coletividade dis-
coletividades bivalentes cutido a seguir. É claro que essa não é a única interpretação do conceito
marxista de classe. Em ou tros contex tos e com ou tros propósi tos, cu mesma
Imagine-s e um espectro conceitual de tipos diferentes de co- preferiria uma interpretação menos economicista de classe, uma que dê maior
letividades sociais. Em um extremo estão modos de coletividade destaque às dimensões culturais, históricas e discursivas, enfatizadas por escri-
tores corno E. P. Thompson e Joan Wallace Scott Veja Thompson, The Making .,
que se ajustam ao modelo redistributivo de j ustiça. No outro ex- o/ the E1w,lish Working Cfass, New York: Random House, 1963, e Scott, 1
tremo estão modos de coletividade relacionados ao modelo de re- Cender and the Palitics of Histo1:v, New York: Columbia University Press, 1
conhecimento. No meio estão casos que se mostram difíceis por se 1988.
16
ajustarem simultaneamente em ambos os modelos de justiça. É duvidoso que coletividades mobilizadas no mundo real hoje correspondum à
Considere-se, primeiro, o fim redistributivista do espectro. noção de classe apresentada a seguir. Certamente, a história de movimentos so-
ciais mobilizados sob a bandeira de classe é mais com plexa que essa concepção
Nesse fim estabeleceremos um modo típico-ideal de <.:oletividade, poderia sugeri r. Esses movimentos não só elaboraram classe como uma catego-
cuja existência está baseada na economia política. Em outras pala- ria estrutural da economia política, mas também como uma categoria cultu rnl-
vras, será diferenciado como uma coletividade em virtude da es - valorativa ele identidade - freqüen temente de forma problemáticu para mulheres
trutura econômica, em oposição à ordem cultural, da sociedade. e negros. Assim, a maioria das variedades de socialismo afirma o valor de tra-
bal hadores e mistura demandas por red istribu ição e por n:wnht:cimento. Algu-
Assim, qualquer injustiça estrutural sofrida p or um dos integrantes
mas vezes, entretanto, tendo fal hado em aboli r o capitalismo, movimentos de
da sociedade s erá ligada à economia política. A raiz da inj ustiça, classe adotaram estratégias reformistas de busca de reconhecimento de sua "di-
assim como sua cssênci.a, será a má distribuição socioeconômica, e fe rença" dentro do sistema visando a aumentar o seu poder e <1poiar demand:1 ~
qualquer injus tiça cultural adidonal derivará em última instância para o que chamo de "redistribuição afirmativa". Em geral, então, 111ovi1rn:nlos
da raiz econômica. No fundo, então, o remédio exigido p ara repa- históricos baseados em classes são mais próximos do que chamo modos amhi ·
valentes de coletividade do que da interpretação de cl<1sscs esboçada :11111 i.
Da redistribuição ao reconhecimento? 257
Assim, a classe trabalhadora Marxiana é constituída por pessoas núcleo, será o não-reconhecimento cultural, enquanto qualquer
em uma sociedade capitalista que devem vender sua força de injustiça econômica adicional derivará da raiz cultural. Então, o
trabalho sob certo arranjo que autoriza a classe capitalista a remédio necessário para reparar a injustiça é o reconhecimento
se apropriar do excesso de produtividade em benefício próprio. cultural, em vez da redistribuição político-econômica.
A injustiça desse arranjo é essencialmente um caso de distribuição. Uma vez mais, podemos questionar se existem coletividades
No esquema capitalista de reprodução social, o proletariado recebe puras como essas, mas é útil examinar suas propriedades com pro-
uma grande e injusta parte dos custos e uma injusta e pequena pósitos heurísticos. Um exemplo que pode ser interpretado como
parte das recompensas. Além disso, seus integrantes sofrem tam- próximo do tipo ideal é ç,:og.ç_epç_ão ~~. sexualidade menosprezada,
bém injustiças culturais sérias, "as ofensas invisíveis (e não tão entendida de forma específica.rn Consideremos essa concepção,
invisíveis) da classe". Mas longe de estar diretamente enraizada deixando de lado a questão sobre se essa visão de sexualidade se
em uma estrutura cultural autonomamente injusta, estas derivam ajusta às coletividades homossexuais existentes que lutam por jus-
da economia política, assim como ideologias de inferioridade de tiça no mundo real. Sexualidade, nessa concepção, é um modo de
classe proliferam para justificar a cxploração. 17 O remédio para a diferenciação social cujas raízes não estão na economia política,
injustiça, por conseguinte, é redistribuição, não reconhecimento. já que homossexuais distribuem-se ao longo de toda a estrutura
Superar a exploração de classe requer reestruturação da economia de classes da sociedade capitalista, não ocupa uma posição parti-
política para alterar a distribuição de custos e benefícios sociais. cular na divisão do trabalho e não constitui uma classe explorada.
Na concepção Marxiana, tal reestruturação adota a forma radical Ao contrário, seu modo de coletividade é de uma sexualidade me-
de abolir a estrutura de classe como tal. A tarefa do proletariado, nosprezada, arraigada na estrutura cultural-valorativa da socieda-
então, simplesmente não é um melhor acordo para si, mas "abolir-se de. Nessa perspectiva, a injustiça sofrida é basicamente uma
como classe". A última coisa de que necessita é reconhecimento de questão de reconhecimento. Gavs e lésbicas sofrem de heteros-
sua diferença. Pelo contrário, a única forma de remediar a injustiça sexismo: a construção autoritativa de normas que privilegiam f\
é extinguir o proletariado como um grupo. heterossexuais. Ao lado disso está a homofobia, desvalorização 1
Considere-se agora a outra ponta do espectro conceituai. Nes- cultural da homossexualidade. Ao terem sua sexualidade desa-
sa ponta podemos colocar um tipo-ideal de coletividade que se
ajusta ao modelo de reconhecimento da justiça. Uma coletividade 18
No que segue, concebo sexualidade de uma forma altamente estilizada e teórica
desse tipo é enraizada totalmente na cultura, cm vez de na econo- para aguçar o contraste com o outro tipo ideal de coletividade discutida aqui.
mia política. É diferenciada como uma coletividade em virtude dos Trato diferenciação sexual como arraigada completamente na estrutura cultural,
padrões sociais dominantes de interpretação e avaliação, não em em vez da economia política. Claro que esta não é a única interpretação de se-
xualidade. Judith Butler (comunicação pessoal) sugeriu que a sexualidade pode
virtude da divisão de trabalho. Assim, qualquer injustiça estrutural ser vista como indiferenciável de gênero, o que, como argumento abaixo, é uma
que seus integrantes sofram será, em última instância, rastreável à questão de divisão do trabalho, assim como de estrutura cultural-valqrativa.
estrutura cultural-valorativa. A raiz da injustiça, como também seu Nesse caso, sexualidade pode ser vista como uma coletividade ambivalente, en-
raizada simultaneamente na cultura e na economia política. Então, os males
econômicos enfrentados pelos homossexuais podem parecer economicamente
17
Essa suposição não requer a rejeição da visão de que déficits distributivos são enraizados em vez de culturalmente definidos, como defendo aqui. Enquanto
freqüentemente (talvez até sempre) acompanhados por déficits de recon heci- essa análise ambivalente é certamente possível, a meu ver ela tem sérios pro-
mento. Mas requer que os déficits de reconhecimento de classe, no sentido ela- blemas. Juntar sex ualidade e gênero encobre urna importante diferenchu;iio en-
boradt) aqu i, derivem da economia política. Depois, considerarei outros tipos de tre um grupo que ocupa uma posição distinta na divisão do trabalho (e que deve
L'asos nos qunis coletividades sofrem déficits de reconhecimento cujas raízes sua existência em grande parte a esse fato), por um lado, e um grupn q11c 11fi11
niio s;io diretamente político-econômicas nesse sentido. ocupa posição distinta, por outro. Discuto essa distinção abaixo.
J'ill Nancy Fraser Da redistribuição ao reconhecimento_?_ _ 1.'i')
crec.lilada, os homossexuais estão sujeitos à vergonha, molestação, cera homossexualidade corno um modo legítimo de sexualidade.
discriminação e violência, enquanto lhes são negados direitos le- É reavaliar uma sexualidade menosprezada, outorgar reconheci-
gais e proteção igual - todas negações fundamentais de reconhe- mento positivo à especificidade sexual gay e lésbica.
cimento. Gays e lésbicas também sofrem injustiças econômicas As situações são bastante daras nos dois exuemos de nosso
sérias; podem ser sumariamente despedidos de trabalho assalada- espectro conceituai. Quando lidamos com coletividades que se
do e têm os benefícios ele previdência social baseados na família aproximam do caso da classe op erária explorada, lidamos com ;
negados. Mas longe de estarem arraigados na estrutura econômica, injustiças distributivistas que exigem curas redistributivistas. /
. . . t 19
esses danos derivam de uma estrutura cu1tural -va1orat1va m3us a. Quando lidamos com coletividades que se aproximam do tipo \
Conseqüentemente, o remédio para essa injustiça é reconheci- ideal da sexualidade menosprezada, enfrentamos injustiças de :
mento e não redistribuiçflo. Superar a homofobia e o scxismo re- n ão-reconhecimento que exigem remédios de reconhecimento. No j
quer mudança nas avaliações culturais (assim como em suas primeiro caso, a lógica do remédio é de homogeneizar os grupos !
expressões legais e práticas) que privilegiam a heterossexualidade, sociais. No segundo caso, ao contrário, é de valorizar a peculiari-J
negando respeito igual para gays e lésbicas e recusando a reconhe- dade do grupo, reconhecendo sua especificidade.
Porém, os assuntos tornam-se menos claros uma vez que nos
19 Um
distanciamos dos extremos. Quando consideramos coletividades
exemplo de uma injustiça econômica arraigada diretamente na estrutura
econômica seria uma divisão de trabalho que bane os homossexuais para uma localizadas no meio do espectro conceituai, encontramos modelos
posição desvantajosa designada e os explora como homossexuais. Ne~a~ qu.e híbridos que combinam características da classe explorada com
essa é a situação de homossexuais hoje não é negar que eles enfrentam 111J~S~1- características da sexualidade menosprezada. Essas coletividades
ças econômicas, mas relacionar estas a outra rniz. Em geral, assumo 4u~ d~f1c1 ts . são "~biv_~~~nt~s~:.. São dife renciadas como -coletividades eni.
de reumhecirnento freqüentemente (talvez sempre) são acompanhados de deficits de
distribuiçio. Mas argumento que déficits de distribuiçio da sexualidade, nu
vir tude tanto da estrutura político-econômica como da cultural-
sentido elaborado aqui, derivam em última instância da estru tura cultural. valorativa. Então, quando oprimidas ou subordinadas, sofrem in-
Depois, devo considerar outros tipos de casos em que coletividades sofrem de justiças ligadas à economia política e à cultura simultaneamente.
déficits de distribuição cujas raízes não são (só) diretamente culturais. Posso, Coletividades a)llbivalentes, em suma, podem sofrer injus tiças so-
talvez mais adiante, esclarecer o ponto invocando o contraste entre anti-
cioeconômicas e não-reconhecimento cultural em formas nas quais
semitismo e supremacia branca levantado por Oliver Cromwell Cox. Cox suge-
riu que para o anti-semita a própria existência do judeu é uma abominação; nenhuma dessas injustiças é um efeito indireto da outra, mas em
conseqüentemente, o objetivo não é explorar o judeu, mas eli~iná-lo, por ex- que ambas são primárias e originais. Nesse caso, nem remédios
pulsão, conversão forçada ou exterminação. Para o suprem.a:1sta bran~o, em redistributivos nem de reconhecimento isoladamente são suficien-
contraste, o "negro" estã bem em seu lugar: como uma prov1sao expluravel ~e tes. Coletividades ambivalentes precisam de ambos.
força de trabalho humilde e barata. Aqui o objetivo preferido é exploração, nao
a eliminação. (Veja a obrn injustamente negligenciada de Cox: Cas_te, _qq:~f' "Ra_~~:_e. __ g~i)~r<? são coletividades ambivalentes paradigmáti-
and Race, Nova York, Monthly Review Press, 1970.) Homofobia contempora- cas. Embora cada uma tenha peculiaridades não compartilhadas
íleãâPMenta ser mais como anti-semitismo nesse sentido do que como sup~e pela outra, ambas englobam dimensões político-econômicas e
macia branca: ela busca a eliminação, não a exploração de homossexuais. culturais-valorativas. Gênero e " raça", portanto, i::nplicam em re-
Assim, as desvantagens econômicas da homossexualidade são efeitos derivados
distribuição e reconhecimento.
de negações mais fundamentais de reconhecimento cultural. Isso ª.torna o es-
pelho da classe, como foi discutido anteriormente; com~ de·::1_~ugenr em breve, Gênero, por exemplo, tem dimensões político-econômicas
é ambivalente, enraizada simultaneamente na economia polttlca e na cullura, porque é um princípio estruturador básico da economia política.
impiíe injustiças igualmente fundamentais de distribuição e reconhecimenl?· Por um lado, o gênero eslrulura a divisão fundamental entre "tra-
(Snl11c o Ílltimo ponto, incidentalmente, difiro de Cox, que trata a supremacia balho produtivo" assalariado e " trabalho reprodutivo" e doméslico
1Hm1ca 1·11mo efetivamente redutível a classe.)
r-
Da redistribuição ao reconhecimento? 26 1
não assalariado, designando a mulher inicialmcute para o segundo. humilhação esteriotípica nas representações da mídia; molesta-
Por outro lado, gênero também estrutura a divisão dentro do tra- mento e depreciação em todas as esferas de vida quotidiana; sujei-
balho assalariado entre ocupações manufatureiras e profissionais ção a normas androcêntricas nas quais as mulheres aparecem como
bem pagas, dominadas por homens, e trabalho doméstico e de menos importantes ou desviantes e que contribui para prejudicá-
"colarinho rosa" (pink collar), mal pago, dominado por mulheres. las, até mesmo na ausência de qualquer intenção de discriminação;
O resultado é uma estrutura político-econômica que gera modos de discriminação atitudinal; exclusão ou marginalização em esfera_s
exploração, marginalização e privação específicos de gênero. Essa públicas e corpos deliberativos; negação de plenos direitos legais e
estrutura faz do gênero uma diferencicu,;ão político-econômica do- proteções iguais.
tada de certas características de classe. Quando vista por esse lado, Esses males são injustiças de reconhecimento. Eles são relati-
injustiça de gênero aparece como uma espécie de injustiça distri- vamente independentes da economia política e não são mera "su-
butiva que exige uma emenda redistributiva. Parecida com justiça perestrutura". Portanto não podem ser remediados exclusivamente
de classe, a de gênero requer a transfonnação da ecõnomia política pela redistribuição político-econômica, mas reque rem remédios
a fim de eliminar sua estruturação de gênero. Eliminar a explora- independentes adicionais de reconhecimento. Superar o androcen-
ção, marginalização e privação específica de gênero requer a abo- trismo e o sexismo requer mudança nas avaliações culturais (assim
lição da divisão de gênero do trabalho - tanto a divisão, baseada como nas suas expressões legais e práticas) que privilegiam a mas-
no gênero, do trabalho assalariado como a divisão entre trabalho culinidade e negam respeito igual às mulheres. Requer a descen-
assalariado e não-assalariado. A lógica do reméctio é similar à ló- ª
tralização das normas androcêntricas e reavaliação de um gênero
gica com respeito à classe social: é eliminai: a especificidade do menosprezado. A lógica do remédio é próxima à lógica da sexuali-
gênero. Se gênero fosse nada mais que uma diferenciação político- dade: é__outorgar reconhecimento positivo a um grupo específico
econômica, em suma, a justiça requereria sua abolição. desvalorizado. _
Porém, isso é apenas metade da história. De fato, gênero não é Gênero, em suma, é um modo ambivalente de coletividade.
apenas uma diferenciação politico-econômica, mas uma diferen- Contém uma face político-econômica que o traz para o âmbito da
ciação cultural-valorativa também. Como tal, também apresenta redistribuição. Mas também contém uma face cultural-valorativa
elementos mais similares à sexualidade do que à classe e isso a que o traz simultaneamente para o âmbito do reconhecimento. Cla-
traz diretamente para a problemática do reconhecimento. Certa- ro que as duas faces não estão claramente separadas uma da outra.
mente, uma característica principal de injustiça de gênero é o an- Ao contrário, elas se entrelaçam para se reforçarem mutuamente
; drocentrismo: a construção autoritária de normas que privilegiam de forma dialética, j á que normas androcêntricas e sexistas são
' características associadas com a masculinidade. Ao lado disso está institucionalizadas no Estado e na economia, e a d~svantagem eco-
o sexismo cultural: a desvalorização e depreciação aguda de coisas nômica das mulheres restringe sua voz, impedindo participação
vistas como "femininas",(paradigmaticamente - mas não apenas - igual na fabricação da cultura, cm esferas públicas e na vida quoti-
da mulher.)20 Essa depreciação é expressada em um rol de puni- diana. O resultado é um círculo vicioso de subordinação cultural e
ções sofridas pelas mulheres, incluindo agressão sexual, explora- econômica. Então, reparar injustiças de gênero requer mudanças
ção sexual e violência doméstica; trivialização, coisifícação e na economia política e na cultura.
Mas o caráter ambivalcnte de gênero é fonte de um dilema.
Como as mulheres sofrem pelo menos dois tipos de injustil;a ana-
w Depreciação de gênero pode assumir muitas formas; claro que, até mesmo, de liticamente distintos, elas necessariamente requerem pelo me 1ws
este reótipos conservadores que parecem celebrar, em lugar de humilhar, a "fe- dois tipos analiticamente distintos ele remécHo: rcdistrihuii.;·flo L' l'l' -
111i 11ilidudc".
7.62 Nancy fraser Da r edistribu ição ao reconh eci mento?_ 2 63
conhecimento. No entanto, os dois remédios apontam para dire- Correntemente, "raça" também estrutura o acesso a mercados
ções opostas e não são facilmente perseguidos simultaneamente. de trabalho oficiais e transformam grandes segmentos da popula-
Onde a lógica da redistribuição é eliminar as diferenças de gênero, ção de cor em subproletariados degradados e "supérfluos", ex-
a lógica do reconhecimento é valorizar a especificidade do gêne- cluídos do sistema produtivo e inúteis até para serem explorados.
ro.21 Aqui, então, está a versão feminista do dilema redistribui- O resultad o é uma estru tura político-econômica que gera modos
ção/reconhecimento: como podem as feministas simultaneamente de exploração, marginalização e privação específicos de "raça".
'lutar para abolir diferenciações de gênero e valorizar a espccifici- Esta estrutura constitui a "raça" como uma diferenciação político-
.i.dade do gênero? econômica dotada de certas características de classe. Quando vis-
Um dilema análogo encontra-se na luta contra o racismo. tas nessa perspectiva, injustiças raciais aparecem como uma espé-
"Raça", como gênero, é um modo ambivalente de coletividade. Por cie de injustiça que clama por soluções redistributivas. Igual a
um lado, assemelha-se a classe como sendo um princípio estrutu- classe, justiça racial requer a transformação da economia política
rante da economia política. Neste aspecto, "raça" estrutura a divi- para eliminar sua racialização. Eliminar ex ploração, marginaliza-
são capitalista do trabalho. Estrutura a divisão dentro do trabalho ção e privação específicas de raça exige a abolição da divisão
assalariado entre ocupações mal pagas, sujas, domésticas, despro- racial do trabalho - tanto a divisão entre trabalho explorado e su-
porcionalmente ocupadas por pessoas de cor, e ocupações técnicas, pérfluo qu anto a divisão dentro do trabalho assalariado. A lógica
administrativas, l'f!lúte collar, de maior status e melhor pagas des- do remédio é como a lógica da classe: é eliminar a diferença de
proporcionalmente dominadas por "brancos". 22 A divisão atual de "raça''.· Se a "raça" nada mais fosse cio q ue uma diferenciação po-
trabalho assalariado é parle do legado histórico do colonialismo e lítico-econômica, a justiça requereria sua abolição.
escravidão, que elaboraram categorizações raciais para justificar as Todavia, "raça", como gênero, não é apenas economia políti-
formas brutais de apropriação e exploração, efetivamente estabele- ca. Também tem dimensões culturais-valorativas, o que a traz para
cendo os "negros" como uma casta político-econômica. o universo do reconhecimento. Portanto, "raça" também incorpora
alguns elementos que são mais como sexualidade do que classe.
21 Um aspecto central do racismo é o Eurocentrismo: a construção
Isso ajuda a explicar por que a história dos movimentos de mulheres apresenta
um padrão de oscilação entre feminismo integracionista de direitos iguais e fe- autoritativa de normas que privilegiam traços associados com o
minismo cultural e social orientado pela diferença. Seria útil especificar a lógica fato de se ser branco. Ao lado disso está o racismo cultural: a
temporal precisa que levou coletividades ambivalentes a :nudarem sua ênfase desvalorização e depreciação 23 ele coisas tidas como "negras",
em redistribuição e reconhecimento. Para uma tentativa inicial, veja o meu "marrons" e "amarelas", paradigmaticamente - mas não apenas -
"Mulliculturnlism, Antiessentialism, a Radical Dernocracy'', neste volume.
22 pessoas de cor.24 Esta depreciação é expressada em um arco de ·
Além disso, "raça" está implicitamente implicada na divisão de gênero entre
trabalho assalariado e não-assalariado. Essa divisão baseia-se em um contraste
normativo entre a esfera doméstica e a esfera de trabalho assalariado, associado
23
com hom ens e mulheres respectivamente. No entanto, a divisão nos Estados Em uma versão prévia deste artigo usei o termo "denegrir". A conseqüência
Unidos (e em outros lugares) também tem sido racializada, já que a domestici- irônica foi que eu perpetrei o tipo exato de dano que pretend ia criticar - isso no
dade tem sido um privilégio branco. Aos afro-americanos nunca foi permitido o ato de descrevê-lo. "Denegri r", do Jatin ni gra re (escurecer), relaciona negro a
privil égio da domesticidade, seja como pagem privado (homem) ou como babá. eventos ru ins, uma avaliação racista. Sou grata a um estudante da Univers idade
Veja Jacqueline Jones, Labor of f~ove, Labor of Sorrow: Black IV0111e11, Work. de Saint-Lo uis que chamou minha atenção para esse ponto.
24
m1</ the Family from Sfave1:i• to the Present, Nova York, Bahy Books, Deprec iação racial pode assumir várias formas, indo desde a posição de consi-
1(J/·t"i, e Evely Nakano Glcnn, "From Servitude to Service Work: Historical derar afro-americanos como intelectualmente infe riores, mas avantajados atleti-
( '1111li1111itics in the Racial Division of Reproducti ve Labor", Síl{n 18, nº 1, camen te e musicalmente, até a visão esteriotipada dos asiáticos-americanos
1111101111, 1 lJl)2, pp. l-43. como min ori a modelo.
Nancy Fraser Da redistribuição ao reconhecimento? 265
perdas sofridas pelas pessoas de cor, incluindo representações es- espectro conceituai, e ao contrário de sexualidade, que ocupa o
teriotipicas humilhantes na mídia como criminal, bestial, primiti- outro, gênero e "raça" são ambivalentes, implicados simultaneamente
vo, estúpido e assim por diante; violência e agressão em todas as na política de redistribuição e na política de recon hecimento. Ambos,
esferas d·a vida quotidiana; sujeição a normas eurocêntricas nas conseqüentemente, enfrentam o dilema redistribuição/reconhecimento.
quais as pessoas de cor são vistas como desviantes ou menores e Feministas devem procurar remédios político-econômicos que minem
que trabalham para prejudicá-las, mesmo na ausência de intenções a diferenciação ele gênero, enquanto também devem procurar remé-
de discriminação; discriminação atitudinal; exclusão e/ou margi- dios culturais-valorativos que valorizem a especificidade da coleti-
nalização de esferas públicas e corpos deliberativos; e negação de vidade menosprezada. Anti-racistas, igualmente, devem perseguir
direitos legais plenos e igualdade de proteção. Como no caso do remédios político-econômicos que minem diferenciação "racial",
gênero, esses males são injustiças de reconhecimento. Assim, a enquanto também devem procurar remédios culturais-valorativos
lógica do seu remédio, também, é outorgar reconhecimento positi- que valorizem a especificidade de uma coletividade menosprezada.
vo à especificidade desvalorizada de um grupo. Corno podem fazer ambas as coisas de uma só vez?
Portanto, a "raça" também é um modo ambivalente de coletivi-
dade, com uma face político-econômica e outra cultural-valorativa.
Ambas se mesclam para se reforçarem mutuamente de forma dia- Afirmação ou transformação?
lética, ainda mais porque normas culturais racistas e eurocêntrkas Revisitando a questão dos remédios
são institucionalizadas pelo Estado e pela economia, e a desvanta-
gem econômica sofrida por pessoas de cor restringe suas "vozes". Até agora o dilema redistribu ição/reconhecimento foi posto de
Reparar injustiça racial, então, requer mudanças tanto na economia forma a parecer bastante intratável. Eu assumi que remédios redis-
politica quanto na cultura. Mas, como no gênero, o caráter ambi- tributivos para injustiças político-econômicas se1rpre diferenciam
valente de "raça" é fonte de um dilema. Como as pessoas de cor grupos sociais. De forma similar, assumi que remédios de reco-
sofrem pelo menos dois tipos analíticos distintos ée injmitiça, elas nhecimento para injustiças culturais-valorativas aumentam a dife-
necessariamente requerem pelo menos dois tipos analiticamente renciação entre grupos sociais. Dadas essas pressuposições, é
distintos de remédios, redistribuição e reconhecimento, que não difícil perceber como feministas e anti-racistas podem perseguir
são facilmente perseguidos simultaneamente. Considerando que a redistribuição e reconhecimento simultaneamente.
lógica de redistribuição é eliminar a diferença da "raça", a lógica Quero agora complicar essas suposições. Nesta seção, exami-
do reconhecimento é valorizar a especificidade do grupo. 25 Aqui, narei, por um lado, concepções alternativas de redistribuição e, por
então, está a versão anti-racista do dilema redistribuição/reconhe- outro, concepções alternativas de reconhecimento. O objetivo é
, cimento: Como podem os anti-racistas lutar simultaneamente para distinguir duas abordagens amplas para curar injustiças que estão
abolir "raça" e para valorizar a especificidade cultural de grupos presentes nas situações de reconhecimento/redistribuição. Eu as
raciais subordinados? chamarei de "afirmação" e "transformação'', respectivamente. De-
Gênero e "raça'', em suma, são modos dilemáticos de coletivi- pois de esboçar genericamente cada uma, demonstrarei como cada
dades. Ao contrário de c1asse social, que ocupa uma das pontas do qual opera com respeito a redistribuição e reconhecimento. Dessa
forma, finalmente, reformularei o dilema da red:r.tribuição/reco-
~~ Isso ajuda a explicar por que a história da liberação dos negros nos Estados nhecimento de maneira que permita uma solução.
l 1nidos apresenta urn padrão de oscilação entre integraçã1 .. e separatismo (ou Deixem-me começar distinguindo brevemente afirmação e
11al'io11alis1110 negro). Como em relação ao gênero, seria útil especificar a ôinf1- transformação. Por _ren1éd~(}.§ __9fj_n!}ªt_iy9s para inj ustiça entendem-
111ka dl:ssas :illcrnações.
_266
_ -·- --·-· _ __ _ _ _ __ _N a_n_c,,__y_Fr_a_s_
e_r _ _ __ _ __ _ _ __ Da redistribuição ao reconhecimento? 267
se remédios voltados para a correção de resultados indesejáveis de mofobia e2l! hctcrossexismo são comumente associados a políticas
arranjos sociais sem perturbar o arcabouço que os gera. Por _r~mÇ-. de identidade gay, que visam a valorizar a identidade gay e lésbica.
dios transformativos, em contraste, entendem-se remédios orienta- Remédios transformativos, em contraste, estão associados a "polí-
dos para a correção de resultados indesejáveis precisamente pela tica dos homossexuais" (queer polítics), que visa a desconstruir a
reestruturação do arcabouço genérico que os produz. O ponto cru- dicotomia homo-hetero. Políticas de identidade gay tratam a ho-
cial do contraste é a relação entre resultados oferecidÕ_s _pelo Esta- · mossexualidade como uma positividade cultural com seu conteúdo
do versus os processos que os produzem. Não se trata de. mud"ci.11ça . substantivo próprio, de forma muito parecida (na visão do senso
gradual contra apocalíptica. .. · comum) com uma etnicidadc. 29 Essa positividade existe cm si pró-
Esta distinção pode ser aplicada, em primeiro lugar, para re- pri a e precisa apenas de reconhecimento adicional. Política dos
médios de injustiças culturais. Remédios afirmativos para tais ho~ossexuais, cm contraste, trata a homossexualidade ~orno. o cor~
injustiças são atualmente associados ao que chamo de "multicultu- relato construído e desvalorizado da heterossexualidade; ambas
rnlismo dominante".26 Esse tipo de multiculturalismo propõe repara~ ~ são fruto da ambigüidade sexual e são definidas em virtude uma da
desrespeito por meio da reavaliação das identidades injustamente outra. 30 31 O objetivo transformativo não é solidificar uma identi-
desvalorizadas de grupos, enquanto deixa intacto tanto o conteúdo
28
dessas identidades quanto as diferenciações de grupo que as Uma abordagem afirmativa altern ati va é o humanismo dos direitos gay, que
emhasam. Remédios transformativos, em contraste, são atual- privatiza sexualidades existentes. Por motivo de falta <le cq iaço, não discutirei
aqui.
mente associados a ~esconstrução. Eles reparariam o desrespeito 29
Para um discussão sobre a tendência da política de identidade gay de equiparar
por meio da transformação da estrutura cultural-valorativa subja- a sexualidade a uma etnicidade, veja Stcven Epstein, "Gay Politics, Ethnic
cente. Pela desestahilização das identidades e diferenciações de ldentity: The Limits of Social Constructi onism", Socia/ist Review, May-August
grupo existentes, esses remédios não iriam apenas elevar a auto- 1987, n ~ 93/94; p. 9-54.
30
estima dos integrantes dos grupos atualmente desrespeitados, mas O termo técnico para isso na filosofia <lesconstrutivista de Jacques Derrida é
mudariam a percepção de todos sobre a individualidade. "supplement".
31
Apesar de sua meta desconstrutivista de longo prazo, os efei tos práticos da po-
Para ilustrar a distinção, consideremos, uma vez mais, o caso
lítica dos homossexuais (queer) podem ser mais ambíguos. Como a política de
da sexualidade "menosprezada".27 Remédios afirmativos para ho- identidade homossexual, também parece promover solidariedade de grupo, até
mesmo quando fixa suas visões na terra prometida da desconstrução. Talvez
n6s devêssemos distinguir isso que chamo de "comprometimento oficial de re-
conhecimento" de diferenciação de grupo de seu "efeito prático de reco nheci-
mento" de solidariedade (transitiva) de grupo e até mesmo de solidificação de
26
Nem todas as versões de multiculturalismo se encaixam no modelo descrito grupo. A estratégia de reconhecimento dos homossexuais contém uma tensão
anteriormente. O último é uma reconstrução típica-ideal do que considero ser o interna; a fim ele desestabilizar a dicotomia homo-hetero, deve primeiro mobili-
entendimento dominante sobre multiculturalismo. Tamb6m é considerado do- zar os "homossexuais". Se essa tensão se torna frutífera ou ..iebilitante, depende
minan te no sentido de ser a versão usualmente debatida nas principais esferas de fatores muito complexos para serem discutidos aqui. Em qualquer caso,
públicas. Outras versões são discutidas em Linda Nicholson, "To Be or Not to contudo, a estratégia de reconhecimento dos homossexuais mantém-se distinta
Bc: Charles Taylor on the Politics of Recognilion ," Constellations 3, n!! 1, da política de identidade g~l'- Na qual a última simplesmente sublinha a dife-
1996, pp. 1- 16; e Michael Wamer et. ai., "Criticai Multiculturalim," Crilical
renciação do grupo, a política dos homossexuais apenas o faz indi retamente,
, /11q11i1y 18, 3, spring 1992, pp. 530-556.
1
•· Relembre-se que a sexualidade é assumida aqui como um modo de dife rencia-
como conseqiiência ele sua ênfase de diferenciação. As duas abordagens cons-
c;iio social enraizada totalmente na esfera cullurnl-va lorati va da sociedade; troem qualitativamente tipos diferentes de grupos. Onde a política de identidade
oissim, os assuntos aqui estão desprovidos de temas ela estrutura político- gay mobiliza homossexuais auto-identificados como homossexuais para reivin-
crn11\imicn, e a necessidade de reconhecimento, não de redistribuição, é domi - dicar uma sexualidade putativa determinada, a p0lítica dos homossexuais mo-
11 :111k. biliza "homossexuais" para demandar liberação de determinada identidade
268 Nancy Fraser Da redistribuição ao reconhecimento·,' 269
dade gay, mas desconstruir a dicotomia hcteru-homo a fim de de- Remédios transformativos, em contraste, têm sido historicamente
sestabilizar todas as identidades sexuais. O ponto não é dissolver associados ao socialismo. Esses reveriam distribuições injustas por
todas as difcrenças sexuais em uma única identidade universal meio da transformação das estruturas político-econômicas. Pela
humana, mas sim sustentar um campo sexual de diferenças múlti- reestruturação das relações de produção, esses remédios não ape-
plas, não-polarizadas, t1úidas e voláteis. nas alterariam a distribuição estatal de bens de consumo, mas tam-
Ambas as abordagens são interessantes como propostas de re- bém mudariam a divisão social do trabalho e assim as condições
médios para o não-reconhecimento. Mas há uma diferença crucial en- existenciais de todos.~3
tre elas. Considerando que políticas de identidade gay tendem a Para ilustrar essa distinção, consideremos, mais uma vez, o
aumentar a diferenciação existente entre grupos sexuais, a política caso da classe explorada. 34 Remédios redistributivos afirmativos
dos homossexuais tende a desestabilizar isso - ao menos ostensi- para injustiças de classes incluem tipicamente transferências de
vamente e no longo prazo. Esse ponto é válido para remédios de renda de dois tipos distintos: programas de seguro social dividem
reconhecimento em geral. Os remédios de reconhecimento afirma- alguns dos custos da reprodução social para os empregados, os as-
tivos tendem a promover diferenciações entre os grupos existentes. sim chamados setores primários da classe trabalhadora; programas
Já os remédios de reconhecimento transformativos t~ndem, no longo de assistência pública providenciam meios testados, com ajudas
: prazo, a desestabilizar as diferenciações para permitir reagrupa- objetivas para o exército de reserva dos desempregados e subem-
i mentas futuros. Retornarei em breve a esse ponto. pregados. Longe de abolir as diferenças de classe, esses remédios
Distinções análogas são válidas para os remédios de injustiças afirmativos as suportam e modelam. Seu efeito geral é mudar a
econômicas. Remédios afirmativos para essas injus tiças têm sido atenção da divisão de classe entre trabalhadores e capitalistas para
historicamente associados ao Estado de Bem-Estar liberal.32 No a divisão entre empregados e desempregados denlro da classe tra-
caso, tenta-se superar a má distribuição de recursos feita pelo balhadora. Programas de assistência pública objetivam os pobres,
Estado, enquanto deixa-se intacta a estrutura político-econômica não apenas para ajuda mas também para hostilidade. Esses remé-
subjacente. dios providenciam ajuda material necessária, mas também criam
Assim, aumenta-se a parcela ele consumo dos grupos econo- diferenciações antagonistas entre grupos.
micamente desfavorecidos sem reestruturar o sistema de produção.
33
Hoje, é claro, muitas características específicas do socialismo cio tipo "real-
men te existente" são problemáticas. Vi rtualmente, ninguém continua a defender
sexual. "Homossexu ais", é claro, n ão são um grupo de identidade no mes- uma economia controlada na qual haja pouco espaço para o mercado. Nem há
mo sentido que gays. Talvez eles sejam melhor vistos como um grupo de anti- concordância sobre o lugar e a extensão da propriedade pública em uma socie-
identidade, um que possa englobar o espectro inteiro de comportamento sexual, dade democrática socialista. Para meus propósitos não é necessário assinalar o
de gay a hetero e bi. (Para uma versão dessa diferença, assim como para uma conteúdo preciso da idéia socialista. É suficiente invocar a concepção geral de
sofisticada defesa da política dos homossexuais, veja Lisa Duggan, "Queering reparar injustiças redistributivas pela profunda reestruturação da ordem políti-
lhe State", Social 'J'ext, summer 1994, nl! 39, pp. 1-14. Complicações de fado, co-econômi ca em oposição a realocações superficiais. Nessa perspectiva, a
pode-se e deve-se distinguir os efeitos (diretos) de diferenciação do reconheci- social-democracia aparece como um caso híbrido que combina remédios afir-
mento afi rmativo de gays dos efeitos mais dediferenciadores (ainda que comple- mativos e transformativos. Também pode ser vista como a posição do meio, que
,, xos) do reconhecimento tnmsfonnativo cios homossexuais. envolve uma reestruturação econômica mode rada, maior do que no Estado de
· ~ Por "Estado de Bem-Estar liberal" refiro-me ao tipo de regime estabelecido nos Bem-Estar liberal e menor do que no socialismo.
34
1~stados Unidos após o ]1/ew Deal. Tem sido de forma útil distinguido cio Estado Reco rde-se que classe, no sentido definido anteriormente, é uma colcti vidmh·
de Bem-Estar social-democrata e do Estado de Bem-Estar conservador corpora- totalmente enraizada na estrutura político-econômica dn sociedade. Os lt:llJa'>
tivista por Gosta Espi11g-Anderse11 no Tire Three Wor/ds of TYe(fare Capitalism, estão encobertos por ' questões da estrutura culturnl-vnlorativa e os rcm(; din~;
l'rint'elo11, Princeton Unive rsity Press, 1990. exigidos são os de redistribuição, não de reco11hecimento.
1./0 Nancy Fraser Da redistribuição ao recon he cime nto ?
A lógica aqui se aplica a redistribuições afirmativas em geral. especiais.37 Tendem, assim, a promover reciprocidade e solidarie-
Mesmo que essa abordagem vise a solucionar injustiças econômi- dade nas rela0es de reconhecimento. Dessa forma, uma abordagem
cas, ela deixa intacta a estrutura que gera desvantagens de classe. voltada para a revisão das injustiças redistributivas pode ajudar a
Assim, deve fazer realocações superfíciais continuamente. O re- solucionar injustiças de reconhecimento.3R
sultado é marcar as classes menos privilegiadas como inerente- Essa abordagem é consistente. Como a redistribuição afirma-
mente deficientes e insaciáveis, sempre precisando de mais e mais. tiva, a redistribuição transformativa pressupõe uma concepção ;
Em alguns momentos essa classe pode aparecer como privilegiada, universalista de reconhecimento, o valor moral igual das pessoas.
recebedora de tratamento especial e ajuda não merecida. Dessa Ao contrário da redistribuição afirmati va, contudo, sua prática
forma, uma abordagem que vise a rever as injustiças distributivas tende a não minar essa concepção. Assim, as duas perspectivas
pode terminar por criar injustiças de reconhecimento. geram diferentes lógicas de diferenciação entre grupos. Onde os
r De certo modo, essa perspectiva é contraditória. Redistribui- remédios afirmativos podem ter um efeito perverso na promoção
ções afirmativas normalmente pressupõem uma concepção ele de diferenciação entre classes, remédios transformativos tendem a
reconhecimento universal, o valor moral igual das pessoas. Cha~ diminuir essa diferenciação. Além disso, as duas abordagens ge-
mcmos isso de "comprometimento oficial ele reconhecimento". ram diferentes dinâmicas subliminais de reconhecimento. Redistri-
Contudo, a prática de redistribuição afirmativa tende a iniciar uma buição afirmativa pode estigmatizar a desvantagem, somando o
segunda dinâmica - estigmatizante - de reconhecimento, que con- insulto da falta de reconhecimento à injúria da privação. Redistri-
tradiz seu comprometimento oficial com o universalismo. 35 Essa buição transformativa, em contraste, pode promover solidariedade 1
segunda dinâmica estigmatizante pode ser entendida como o efeito e ajudar a rever algumas formas de não-reconhecimento. ·
l_prátíco de reconhecimento da redistribuição afirmativa. 36 O que, então, pode-se concluir dessa discussão? Nesta seção,
Contraste agora essa lógica com os remédios transformativos foram considerados apenas os tipos ideais puros de casos extremos
para injustiças distributivistas de classe. Remédios transforma- do espectro conceituai. fiaram contrastados, por um lado, os efei-
tivos tipicamente combinam programas universalistas de bem-estar tos divergentes de remédios afirmativos e transformativos para as
social, impostos progressivos, políticas macroeconômicas voltadas injustiças distributivas econômicas de classe e, por outro, os de
para a criação de pleno emprego, um setor públ~co grande, pro- injustiças de reconhecimento de sexualidade culturalmente enrai-
priedade pública e/ou coletiva significativa e tomada de decisões zados. Foi visto que remédios afirmativos tendem a promover dife-
democráticas sobre prioridades socioeconômicas básicas. Tentam renciação de gru po, enquanto os remédios transformativos tendem
garantir acesso a emprego para todos, enquanto tendem a desligar a desestabilizar ou negar diferenciações. Também foi visto que
as parcelas de consumo básico do emprego. Portanto, sua tendên-
cia é minar a diferenciação de classe. Remédios transformativos 37
Deliberadamente desenhei uma fi gura que é ambígua en tre socialismo e social-
reduzem desigualdade social sem criar classes estigmatizadas de clemocracia. A abordagem clássica da segu nda permanece a de T. H. Marshall,
pessoas vulneráveis percebidas como beneficiárias de vantagens "Citizens and Social Classe", em Cfass. Citizenship, and Social Devefopment:
Essays by T H. Marshall, cd. Scymour Martin Lipset, Chicago, Uní versity of
Chi cago Press, 1964. Marshall discute o fato de um regime uni versal de cida-
J,'i 1. 1 dania social da social-democracia mi nar a di ferenciação de classe, mesmo na
·.rn n guns contextos, como nos Estados Unidos, o efeito prático do reconheci-
rncnto da redistribuição afirmativa pode prejudicar o compromisso oficial de ausência de um socialismo de larga escala.
T'Cl'(•nhccimento. 38
Para ser mais precisa, redistribuição transformati va pode aj udar a remediar as
11
' /\ lenninologia aqui é inspirada na distinção de Pierre Bourdieu, em Out/ine o/ formas de não-reconhecimento que de rivam da estrutura ~io l ítico-eco11ú111kn .
' ' 'J/11•1w1· c1111/ l'ractice, Cambridge, Cambridge University Press, 1977, entre Reparar o não-reconheci mento enraizado na estrutura cultural, em rn nlraslt',
p;u1·111l'~ro ofil'ial e parentesco prático. requer remédios de recon hecimento independentes ad icionais.
1
li
! Da redistribu ição ao reconhecimenlo'l Jll
,''''·
'J Nancy Fraser
Figura 1.1
remédios de redistribuição afirmativa podem gerar reveses de não-
rcconhecimento, enquanto os remédios de redistribuição transfor- Afirmação T ransformação
mativa podem reparar algumas formas de não-reconhecimento. Red istri buição
T udo isso sugere uma forma de reformulação do dilema re-
distribuição/reconhecimento. Pode-se perguntar: para os grupos O Estado de Bem- fator libera/; Socialismo:
Realocações superfi ciais de bens exis- Reestruturação profunda das relaçücs
alvo de injustiças ele ambos os tipos, que combinação de remédios
tentes; apóia diferenciação entre gru- de produção; elimina diferenciaçücs
contribui da melhor forma para minimizar, se não eliminar, as in- pos; pode gerar não-reconhecimento entre grupos; pode ajudar a curar al-
terferências mútuas que podem surgir quando tanto a redistribui- guma:s formas de não-reconhecimen to
ção q uanto o reconhecimento são perseguidos simultaneamente?
Reconhecimento
nante; em que a primeira tende a minar a diferenciação de grupo, a primeiro o caso promissor no qual a redistribuição afi rmai iva t;
segunda tende a promovê-la. combinada com o reconhecimento afinnativo.4° Como sugere o
Reciprocamente, dois pares de remédios parecem comparati- nome, redistribuição afirmativa para reparar injusti ças d~ gêne n1
vamente promissores. A política de redistribuição afirmativa do na economia inclui ação afirmativa, o esforço para assegurar ~s
Estado de Bem-Estar liberal parece compatível com a política de mulheres parcela justa dos trabalhos existentes e posições educa-
reconhecimento afirmativo do multiculturalismo dominante; am- cionais, enquanto deixa inalterados a natureza e o número desses
bas tendem a promover diferenciação de grupo, embora a anterior trabalhos e lugares. Reconhecimento afirmativo para reparar in-
possa gerar reveses de não-reconhecimento. Semelhantemente, a justiça de gênero na cultura inclui feminismo cultural, o esforço
política transformativa de redistribuição do socialismo parece compa- para assegurar às mulheres respeito por meio da reavaliação da
tível com a política transformativa de reconhecimento da descons- feminilidade, enquanto deixa intocatlo o código de gênero binário.
trução; ambas tendem a minar diferenças de grupo existentes. Assim, o cenário em questão combina a política socioeconômica
Para testar essas hipóteses, revisitemos gênero e "raça". Re- do feminismo liberal com a política cultural do feminismo cultural.
corde-se que essas são diferenciações ambivalentes, resultado de Essa combinação de fato escapa ao dilema da redistribuição / re-
injustiças econômicas e culturais. Assim, as pessoas subordinadas conhecimento?
por meio de gênero e/ou "raça" necessitam tanto de redistribuição Apesar de seu aparecimento prom issor inicial, esse cenário é
como de reconhecimento. São os sujeitos paradigmáticos do dile- problemático. Redistribuição afirmativa não afeta o nível profundo
ma redistribuição/reconhecimento. O que acontece nesses casos, no qual a economia política é definida por gênero. Voltada princi-
quando vários pares de remédios de injustiças são buscados palmente para combater a discriminação atitudinal, não ataca a
simultaneamente? Há pares de remédios que permitem que as divisão de gênero do trabalho assalariado e não assalariado, nem
feministas e os anti-racistas enganem, ou dissipem, o dilema de a divisão de gênero de ocupações masculinas e femininas com tra-
redistribuicão/reconhecimento? balho assalariado. Ao deixar intacta as estruturas profundas que
Considere-se, primeiro, o caso do gênero.39 Lembre-se que re-
parar injustiças de gênero requer mudanças na economia política e
na cultura para desfazer o círculo vicioso de subordinação econô-
40
eom re1açao
- aos casos menos promissores,
· · 1ar que a po 11·t·1ca e1e
vamos csupu
reconhecimento cultural-feminista que visa a reavaliar a feminil idade é di fici l-
mica e cultural. Como foi visto, as mudanças em questão podem mente combinável com a política de redistribuição socialista-feminista que visa
assumir qualquer uma das duas formas, afirmação ou transforma- a excluir a influência do gênero na economia política. A incompatibilidade é
ção. Deixados os casos pouco promissores à parte, consideremos diminuída quando o reconhecimen to das diferenças das mulheres é tratado
como um objetivo feminista de longo prazo. Algum as femi nistas concebem a
39
Juta por reconheci mento não como fim cm si mesmo, mas como um eslágio no
Vale relembrar que gênero, como diferencinção político-econômica, estrutura a processo que leva ao término da influência do gênero. Talvez aqui não haja
divisão do trabalho de forma que permite o surgimento de formas de explora- qualquer contradição formal com o socialismo. Ao mesmo tempo, cont11do,
ção, marginalização e privação específicas de gênero. Relembre-se também que, permanece uma contradi ção prática, ou ao menos uma dificuldade prát ica: Jlllllc
como diferenciação culturnl-valorativa, o gênero estrutura a relação de reconhe- a ênfase na diferença da mulher acabar por dissolver a diferença de gênero?
l'imento de formn que leva ao surgi mento de androcentrismo e sexismo cultural. O argumento contrário é válido para o outro caso pouco promissor. o caso d11
Relembre-se, ainda, outra vez, que para gênero, como para todas as d ife - Estado de Bem-Estar liberal-femi nista somado ao feminismo desconsl rn livisla.
n:nciaçC1es ambivalentes de grupos, injustiças econômicas e culturais não estão Ação afirmativa para mulheres é normalmente vista como um remédio tr:insk iu11al
L'laramcnte separadas. Ao contrário, elas estão interligadas e reforçando-se dia- visando a alcançar ganhos de longo prazo para uma "sociedade se:rnah1w11h •
kl il'anwn tc porque desvantagens sexistas e androcêntricas estão institucionali- neutra (blind)". Aqui, novamente, não há contradição formal com a d1•sç1111•.1111
YiHl:1s na eco no mia, enquanto desvantagens econômicas impedem participação ção. Mas permanece uma contradição prática, ou ao menos l llll:l di lk11 lil:11 l1·
i1 '.lliil na r:1hric:içfío da cultura, tanto no cotidiano como nas esferas públicas. prática: pode a ação afirmativa liberal-feminista levar à dcscor1s1ruç:· u1'!
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Essa combinação realmente subverte o dilema de redistribuição / re- chamas do ressentimento.43 Sua principal desvantagem, novamente,
conhecimento? é que ambas, a política cultural desconstrutivista anti-racista e a po-
Tal cenário é novamente problemático. Como no caso de gê- lítica econômica socialista anti-racista, são deslocadas dos interesses
nero, redistribuição afirmativa não afeta o nível profundo no qual a imediatos e identidades da maior parte das pessoas de cor como es-
44
economia política é influenciada pela raça. Não ataca a divisão por sas são atualmente culturalmente construídas.
raça dos explorados e do trabalho em excesso, nem a divisão por O que, então, pode-se concluir desta discussão? Tanto para
raça de ocupações humildes e valorizadas no trabalho assalariado. gênero como para "rnça"_o _ce~!~ri_o__g ue_!Pais e~cap_~ e!_~ ~ile~'. d_é
Ao deixar intactas as estruturas profundas que geram a desvanta- redistribuição/reconhecimento é o socialismo na economia e a des-
gem racial, deve fazer realocações contínuas. O resultado não é construção na culturã.~ 5 Mas p·ai-a
·ser .pslcoiógíca e poliiiéame.Í1te .
apenas sublinhar a diferenciação de raça, mas também marcar as . viável, este cenárfo requer que todas as pessoas sejam removidas
pessoas de cor como deficientes e insaciáveis. Portanto, elas po- de seus compromissos com as construções culturais correntes de
46
dem ser vistas como beneficiárias privilegiadas de tratamento es- seus interesses e identidades.
pecial. O problema é exacerbado quando acrescido da estratégia do
nacionalismo cultural de reconhecimento afirmativo. Em alguns
43 Mais uma vez estou admitindo que as complexidades internas dos remédios do
contextos, tal abordagem pode fazer progressos no sentido de des-
centralização de normas eurocêntricas, mas nesse contexto a polí- reconhecimento transformativo, como discutido na nota 31, não produzem
efeitos perversos. Se, todavia, o efeito do reconhecimento prático de políticas
tica cultural de afirmar as diferenças dos negros aparece como uma culturais de desconstruções anti-racistns é fo rtemente dedifercnciador com reln-
afronta ao Estado de Bem-Estar liberal. Para alimentar o ressenti- ção à cor, apesar do recon hecimen to do comprometimento oficial dessas com a
mento contra a ação afirmativa, pode-se intensificar as represálias dedife renciação racial, então efeitos perversos podem de foto ocorre r. O resul-
de não-reconhecimento. tado pode ser interfe rências mútuas entre redistribuição social ista anti-racista e
desconstrução anti-racista do reconhecimento. Mas, de novo, isso seria prova-
E sobre o segundo caso promissor, que combina redistribuição
velmente menos debilitador do que outros cenários examinados anteriormente.
transformativa com reconhecimento transformativo? Redistribui- 44 Ted Koditschek (em comunicação pessoal) sugeriu-me que esse cenário pode
ção transformativa para reparar inj ustiça racial na economia con- ter ainda uma outra desvantagem séria: "a opção desconstrutivista pode ser me-
siste de alguma forma de anti-racismo socialista democrático ou de nos acessível aos afro-americanos na situação atual. No ponto em que a exclu-
anti-racismo social-democrático. E reconhecimento transformativo são estrutural de (muitos) negros da cidadania econômica completa repõe
"raça" na linha de frente como uma categoria cultural por me io da qual se é atn-
para reparar injustiças raciais na cultura consiste de desconstrução cado, algumas pessoas com auto-respei to não podem agir de outro modo senão
anti-racista voltada para desestmturar o eurocentrismo por meio da afirmando agressivamente e abraçando a "raça" enquanto uma fonte de orgu-
desestabilização de dicotomias raciais. Portanto, o cenário em lho." Koditschek chega a sugerir que os judeus, ao contrári o, "possuem muito
questão combina a política socioeconômica anti-racista socialista mais espaço (elbow room) para negociar um equilíbrio mais saudável cn trl~
com a política cultural de desconstrução anti-racista. afirmação étnica, auto-crítica e universalismo cosmopolitano - não porque nÍls
somos melhor desconstrucionistns (ou mais propensos ao socialismo), mas ptir-·
Este enredo, como seu análogo de gênero, é bem menos pro- que temos mais espaço para realizar esse movimento."
blemático. O objetivo de longo prazo do desconstrutivismo anti- 45 Se essa concl usão é válida também para nacionalidade e etnicidade pcrm:\lll'1'1'
racista é uma cultura na qual são substituídas dicotomias hierár- uma questão aberta. Certamente coletividades bivalentes de populaçôcs nativa'•
quicas raciais por redes de diferenças cruzadas múltiplas que são não vão procurar pôr a si mesmas "fora do negócio" (011f <d b11si11es.1·) c11q11:111 l1 1
l'lúidas e não massificadas. E5se objetivo, uma vez mais, é consis- ---., grupos.
· ·~4~"Esse tem sido sempre o problema com o socialismo. Ainda q11e rn1•.11itiv1111w1111 ·
tente com redistribuição transformativa socialista. Até mesmo como convincente, ele é remoto experiencialmente. A adição da dcsl·o11stt 11c;:111 p;11n e·
um estratégia transitória, essa combinação também evita aumentar as exacerbar o problema. Podc:r-se-ia tornar-se mui to ncgaliv11 1• ll'illivn, 1111 •.1·111 .
~- ... .
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Nancy Fraser - - - - - - - Da
- red
-- istribu ição ao reconhecimento?
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