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Abstract. The author develops a free reading of the Lacanian concept of Vernei-
nung found in Freud’s article “The Negative”. Taking up the entire historical
theoretical and clinical debate around the issue, he demonstrates the structural
nature of this mechanism, as suggested by Freud, as originating in the produc-
tion of thought and, in the Lacanian tradition, for the constitution of the subject,
distinguishing it from others suggested by Freud, such as Verdrängung, Ver-
leugnung and Verwerfung. The author develops this pathway by bringing near
Freudian and Lacanian propositions, without disregarding the differences of
the two works, but making use of a theoretical freedom in his reading, which
is necessary to his argument. He attempts, therefore, to present the clinical con-
sequence of this debate, as other aspects relevant to understand the structural
logic of the relationship between the unconscious and the realm of language.
Em seu texto sobre a Verneinung, Freud como se apresenta na clínica, logo impõe um
(2007 [1925]) retoma de forma bastante origi- raciocínio estrutural para que se possa dele
nal uma série de questões de ordem estrutu- tirar suas consequências. É assim que, numa
ral no que tange ao processo constitutivo do virada radical, Freud propõe que os tempos
pensamento. O texto, que inicialmente parece da Verneinung estão implicados na constitui-
conter apenas algumas considerações descri- ção do pensamento, e não somente no jogo
tivas sobre o mecanismo da denegação, tal denegatório que o analisante encena quando
Considerações Lacanianas sobre a Verneinung de Freud
conhecido como recalcamento. Tem o senti- dá ao psicótico outra relação com a palavra,
do, segundo Hans (1996, p. 355), de empurrar utilizando-a como coisa.
para o lado, desalojar, de ser um movimento Deixo aqui esses esclarecimentos termi-
de afastamento do incômodo. Propriamente nológicos, com algumas questões em aberto,
dizendo, um recalcamento, o que pressupõe para retomar o tema que nos interessa. Esses
uma inscrição da falta, no sentido fálico que termos certamente retornarão em suas rela-
isso propõe, mesmo que o sujeito “nada quei- ções com a Verneinung.
ra saber sobre isso”. Não querer saber sobre a Como disse, o texto “A Negativa” tem uma
castração materna, pressupõe, neste caso, que estrutura bastante curiosa. O que parece ser
já se saiba, que tal realidade tenha feito sua um texto simples e pequeno, e aparentemente
inscrição. A ação do Verdrängung, como um descritivo de um fenômeno pontual da clíni-
desalojar o incômodo, implica o incômodo, ou ca – a denegação – toma um rumo inesperado,
seja, a simbolização da castração. A neurose se elevando o mecanismo da Verneinung ao pata-
instala aí como um desconhecimento da divi- mar estrutural. Se Freud inicialmente descreve
são, um “não sei” tão típico da histeria e tão o mecanismo utilizando de exemplos clínicos,
comum na clínica e no discurso do neurótico, logo depois vai localizá-la na origem do pen-
que se faz ignorante de seu saber inconsciente samento. No fim das contas, Freud quer dizer
por um gozo que lhe traz tal condição aliena- que é uma Verneinung que permite ao sujeito
da: não sabem que sabem. a possibilidade do pensamento. Ou por outro
O termo Verwerfung, linguisticamente falan- lado, que é necessária uma negação originária
do, tem o sentido de arremessar, atirar, jogar, para que se possa pensar, livrando o sujeito
descartar algo inútil ou inadequado. Tem uma dos efeitos do recalcamento e da compulsão
conotação jurídica de “preclusão”, de descarte, do princípio do prazer.
de eliminação (Hans, 1996, p. 368). Traduzido O que descreve como um mecanismo que
dos textos de Freud como “rejeição” e por La- se apresenta na clínica, não passa de um ar-
can (1985 [1955-1956]) como “foraclusão”, vem tifício utilizado pelo analisante para revelar o
falar de uma impossibilidade originária de ins- recalcado pela sua forma negativa: “O senhor
crição de um elemento significante, que por me pergunta quem pode ser essa pessoa no
isso mesmo retornaria vindo do real, na forma, meu sonho. Não é minha mãe”. A Verneinung é,
por exemplo, de uma manifestação delirante. assim, uma forma de “suspensão do recalque,
Freud, por ocasião do episódio psicótico do [mas] naturalmente ainda não sua plena acei-
“O Homem dos lobos” (Freud, 1976b [1918], tação [Annahme]” (Freud, 2007 [1925], p. 148).
p. 108-111), em que ao cortar o dedo fica para- Como vimos, Freud toma isso como regra;
lisado diante deste real que se lhe apresenta, se o analisante diz veementemente que “não
afirma que o sujeito nada quer saber dessa rea- é isto”, desprezamos a negativo e tomamos
lidade da castração, nem mesmo no sentido do como um conteúdo associativo. A ênfase na
recalque. Com isso, diferencia o mecanismo da negação delata o caráter denegatório da frase.
neurose, a Verdrängung, do mecanismo da psi- Mesmo o analisante denegando o conteúdo
cose, a Verwerfung, já que no recalcamento o que se lhe apresenta, temos que escutar essa
sujeito obtém um saber da castração. frase em sua condição de afirmação significan-
A Verwerfung, pois, padeceria de uma im- te: trata-se de uma associação.
possibilidade de saber da castração, por con- Descartar a negação implica outras fórmu-
ta da rejeição de um significante primordial, las freudianas, como a de que não há negação
sobre o qual se depositariam as significações no inconsciente (Freud, 2006 [1915]). O que
de um segundo tempo do recalque. A psicose, quer dizer que o sujeito mantém uma relação
tal como Freud (1976c [1924], p. 233) nos diz de inscrição com o inconsciente, de maneira
no texto “A Perda da Realidade na Neurose que a estrutura de significantes que o caracteri-
e na Psicose”, é um problema, no primeiro za, apenas se inscreve produzindo efeitos sobre
tempo, do recalque originário. Seguindo a ele. Tais efeitos se configuram numa condição
leitura lacaniana, podemos dizer que o que inicialmente afirmativa, numa afirmação ori-
não pode ser inscrito originalmente, pela ginária, constituindo relações de oposição, de
falta de um significante primordial, retorna ausência e de presença, instituindo a presença
não como uma metáfora, definida como uma com base na ausência e constituindo a ausência
substituição significante, mas no real (Lacan, na presença. Em outros termos, podemos dizer
1985 [1955-1956]). A substituição metafórica que a forma como a estrutura significante se
inviabilizada pela falta da primeira inscrição movimenta, tal como sugere Lacan (1999 [1957-
1958]), opera apenas pelas vias da metáfora a esclarecê-la. Mesmo que acompanhe as for-
– substituição significante – e da metonímia – mulações topológicas de Freud – e em alguns
combinação significante – mas não pela via da momentos ele demonstra sua dificuldade em
negação. Assim, “falou tá falado”, não adianta se livrar dessa dualidade metafísica – vemos
negar, mas associar é preciso. Que o analisan- nesse texto como explica a gênese na “fun-
te tenha o “direito” de negar é aceitável. Mas o ção do juízo”, como oriunda primariamente
analista não pode se convencer disso. da função de representação das pulsões. Diz
Outra questão clínica se impõe aqui: se a ele: “[...] o estudo da função psíquica de emi-
Verneinung é uma suspensão do recalque, mas tir juízos nos enseja, talvez pela primeira vez,
não a sua aceitação, é por que ela produz um ju- uma visão aprofundada de como uma função
ízo intelectual substituto do recalque, o que não intelectual surge a partir do jogo de forças dos
traz maiores consequências clínicas para o su- impulsos pulsionais primários” (Freud, 2007
jeito. O que Freud parece querer dizer, é que a [1925], p. 150).
verdade do sujeito aparece aí velada, sem que o Com isso Freud esclarece como a função
sujeito se implique no significante que a desve- intelectual origina-se como um substituto do
la. Isso nos faz pensar exatamente na relação do recalcado, a partir da Verneinung. Toda uma
sujeito com o significante e suas consequências, discussão sobre uma clínica dos afetos e das
pois mostra a ineficiência de uma intervenção “resistências” fica ultrapassada, porque a par-
clínica no âmbito do esclarecimento. tir daqui podemos dizer que não se trata de
Logo depois, Freud insiste afirmando que responder a essa topologia dual, mas de trans-
mesmo o analista esclarecendo ao analisante formar sua estrutura.
sobre o conteúdo de sua denegação, ainda as- Lacan explica que o afeto que está em jogo
sim, o recalque permanece não aceito. Diz ele: aí não passa de um efeito de uma primeira
“Disso resulta, então, uma aceitação apenas inscrição, de uma primeira relação do sujeito
intelectual do recalcado, o essencial do recal- com o significante. Em suas palavras: “O afe-
que permanece intocado” (Freud, 2007 [1925], tivo, nesse texto de Freud, é concebido como
p. 148). Hyppolite (1998, p. 897) nos lembra aquilo que, de uma simbolização primordial,
que, nesse caso, convencer o analisante do conserva seus efeitos até mesmo na estrutura-
conteúdo denegado, ainda assim não remove ção discursiva. Essa estruturação, dita ainda
o recalque, pois aí teríamos apenas uma dupla intelectual, é própria para traduzir sob a for-
negação: uma negação da negação. ma de desconhecimento o que essa primeira
Portanto, não se trata na clínica, de um as- simbolização deve à morte” (Lacan, 1998c,
sentimento do sentido que o conteúdo possa ter p. 385). Podemos, pois, concluir que o afeto é
para o sujeito, já que, como nos ensina Lacan o efeito das primeiras inscrições significantes
(1998b), um significante não se remete a um para o sujeito, antes mesmo de poder portar a
significado, mas da relação que mantém com o palavra, sem as quais não há troca afetiva.
significante em seus efeitos simbólicos, imagi- Temos uma boa oportunidade de admirar
nários e de real. Ou seja, não se trata, na análi- em Freud seu conhecimento do que Lacan vi-
se, de esclarecimento do sentido oculto, mas de ria a denominar de efeitos do significante. A
produzir tais efeitos significantes. Daí porque psicanálise não é uma prática intelectualista,
qualquer intelectualização da análise, ao con- nem de sentido, nem tampouco uma clínica
trário de seus objetivos, mantém o recalque. dos afetos, mas uma experiência na qual se
É nesse ponto que o texto de Freud dá uma apresenta a relação do sujeito com o signifi-
virada que devemos acompanhar com a ajuda cante em seus efeitos de verdade. O analisan-
de Lacan, porque nos parece que a observação te é convocado não a vivenciar os seus afetos,
da Verneinung na clínica e suas consequências mas a associar livremente, demonstrando os
mostram a Freud uma dupla feição da relação efeitos que uma inscrição significante faz no
do sujeito com o significante, que ele denomina sujeito, incluindo aí os afetos.
lançando mão da dualidade entre intelectual e Lacan (1998d) em um determinado mo-
afetivo. É como se observasse com pertinência mento da sua obra tentou demonstrar a função
que a substituição intelectual do recalcado guar- e o campo da fala e da linguagem em Psica-
dasse outras consequências que o sujeito não su- nálise, apontando as relações constitutivas do
portaria, pois o implicariam com o seu ser. sujeito com a linguagem, de forma que a fala
Certamente, a dualidade intelectual/afetivo do analisante demonstraria tais fenômenos da
não é a mais adequada para ilustrar tal proble- clínica, confirmando o caráter encarnado do
mática, e aqui também a leitura de Lacan ajuda significante. Sendo a psicanálise uma experi-
significante – pressupõe que tenha sumido perdendo-se como coisa. A partir disso o su-
como coisa – das Ding. jeito pode tentar reencontrar esses traços nos
Encontramos esse raciocínio em Freud objetos externos. Daí por que o encontro do
(1972 [1900]) já no capítulo VII da “Interpre- objeto é apenas o seu reencontro (Freud, 2007
tação dos Sonhos”, no qual apresenta seu pri- [1925], p. 149).
meiro modelo de aparelho psíquico, como um Lacan1 tira consequências radicais desse
desenvolvimento do esquema que já havia esquema, apontando a importância dessa ins-
apresentado no “Projeto para uma Psicologia crição originária na determinação do mundo
Científica” (Freud, 1977a [1950]) e na Carta 52 simbólico. Para que o sujeito possa reencon-
(Freud, 1977b [1950]). Ao descrever a “expe- trar o objeto é necessário substituí-lo numa re-
riência de satisfação alucinatória”, Freud nos transcrição metafórica, de forma que, reencon-
fala de uma inscrição mnêmica originária do trando-o, possa saber, mesmo que não saiba,
sujeito, que produziria um primeiro traço para que ele contém apenas um traço do traço. Exa-
onde o sujeito retornaria em busca de encon- tamente por isso que, ao encontrar o objeto,
trá-lo. A experiência de satisfação alucinatória já se o conhecia. Essa inscrição originária, diz
seria, pois, um reinvestimento desse traço per- Lacan, comprova a precedência do significante
ceptual, movido pelo princípio do prazer. O na construção do sujeito e consequentemente
caráter alucinatório dessa experiência tem que do objeto. O objeto, portanto, quando reencon-
ser vencido pelo sujeito de forma que possa trado no mundo externo já deve estar devida-
fazer um movimento em busca de um objeto mente inscrito, sob pena de não reencontrá-lo
no mundo externo, numa “ação específica”. na realidade, mas no real. Se encontramos os
É necessário, pois, um distanciamento dessa objetos, mesmo que seja apenas para gozar de-
realização alucinatória, função essa atribuída les aos pedaços, é porque já estavam inscritos,
ao princípio de realidade. O abandono dessa não na magia do destino, ou no romantismo
experiência acompanharia o fracasso da satis- das estrelas, mas na estrutura significante.
fação alucinatória. O sujeito, depois de insistir Essa simbolização primordial (Lacan, 1998c)
com esse traço, deparar-se-ia com um ataque tem a função de dar ao sujeito a estrutura atra-
pulsional ainda mais violento, que determina- vés da qual poderá reencontrar o objeto. Não
ria um adiamento do prazer. Paulatinamente, precisa ir muito longe para confirmar seu cará-
o sujeito iria abdicando dessa experiência, de ter de linguagem.
forma a encontrar um objeto no mundo ex- Quero, assim, acompanhar Freud em sua ló-
terno que possa dispor de alguma satisfação. gica da constituição dos juízos quando afirma
Freud entende que, inicialmente, há para o su- que, antes do juízo de existência, encontramos
jeito uma identidade entre percepção e repre- um tempo da atribuição. Antes de pensar sobre
sentação, uma “identidade de percepção”, que a existência, seja a do sujeito, ou a do objeto,
o sujeito tem que negar para poder recorrer constitui-se primeiro um lugar espacial do den-
ao objeto externo. Se não faz isso, permanece tro e do fora (Freud, 2007 [1925], p. 149), como
numa vivência alucinatória com o objeto, por condição para tal existência. A atribuição de um
não tê-lo perdido. Na verdade, temos aí uma valor ao objeto – objeto bom ou mau – e seus
dupla perda, pois quando o objeto se inscreve mecanismos de introjeção e de expulsão – Auss-
como traço já está automaticamente perdido. tossung – constituem esse tempo mítico de ins-
É necessária uma segunda perda do objeto en- crição dos lugares, seja do real, seja de um lu-
quanto traço perceptual para que daí se faça gar subjetivo. Logicamente que o entendemos
um movimento em busca do objeto externo como um momento mítico, já que, nesse tempo,
(Freud, 1977a [1950], p. 571-585). não podemos falar propriamente do sujeito.
O que Freud descreve aí é uma experiên- Mas vemos uma primeira constituição do real
cia mítica de emergência do desejo a partir da como um externo, pela expulsão originária de
inscrição significante. É o movimento em que um elemento dessa estrutura plenificada, de-
o objeto se perde como coisa – das Ding – mar- marcando um buraco no Outro, e inscrevendo
cando as relações do sujeito, daí por diante, um lugar subjetivo para o sujeito, de forma que,
apenas com seus traços. Mas se o sujeito pode a partir daí, ele possa pensar em sua existência.
abandonar essa vivência alucinatória do obje- Essa expulsão originária é o antecessor da
to, é porque ele se inscreveu como um traço, negação ou, por outra, a Verneinung é suces-
1
Essas proposições de Lacan perpassam toda a sua obra, sendo difícil citar uma ou duas que comportem essas elaborações.
Posso, contudo, referir-me a obra inaugural: “A Instância da Letra no Inconsciente...” (Lacan, 1998b).
sora da expulsão (Freud, 2007 [1925], p. 150). então, sem saber da sua existência. Assim,
Temos que pensar, então, esse tempo de uma a realidade da castração fica desconhecida,
atribuição originária, em que um significante mas não no sentido do recalque, ou seja,
foi expulso foraclusivamente, como define Na- foraclui-se de uma significação. Uma atri-
sio (1995). Só a partir dessa “foraclusão funda- buição fundamental não se fez presente na
mental” é que o sujeito pode então pensar em psicose, já que o sujeito não assentiu em sua
sua existência, já que se constitui nesse movi- alienação fundamental, perdendo-se en-
mento um lugar existencial, seja o interno, seja quanto existência (Lacan, 1988b).
o externo, seja o real. Lacan (1995 [1956-1957]) nos diz, então, que
Podemos ilustrar esse momento mítico de é a partir desse todo onipotente materno, de
constituição do real, tomando sua contrapar- uma atribuição universal do pênis, que o sujeito
te exemplificada pela psicose. Como vimos, a vai produzir uma negação, entrando na lógica
Verwerfung se daria por uma falha nessa afir- da existência. Para que a castração se faça sim-
mação originária, e por uma rejeição de um bolizar, é necessária essa atribuição universal
significante primordial determinando uma do pênis, inclusive à mãe, para que dela possa
não inscrição em “primeira instância”, de for- ser tirado. Por falta dessa atribuição, a castração
ma que a “retranscrição”2 – tal como proposta não se faz uma questão na psicose.
por Freud na “carta 52” (1977b [1950]) – não O Édipo não seria outra coisa, senão a
se faz possível no simbólico. Assim, “tudo oportunidade de uma substituição metafórica
que é recusado na ordem simbólica, no senti- da mãe onipotente do todo da atribuição, pelo
do da Verwerfung, reaparece no real” (Lacan, um do significante nome-do-pai. Por uma ope-
1985 [1955-1956], p. 21). Eis o mecanismo da ração lógica de negação do todo é que emerge a
psicose. É por uma rejeição primordial que o possibilidade do pensamento, na qual o sujei-
psicótico não pode reencontrar o objeto como to também se destaca desse todo, cuja vivência
uma substituição metafórica de significantes, alucinatória o engloba. Negando, o sujeito se
mas encontra-o tal e qual. Freud, por sua vez, constitui, afirmando-se como um significante.
sinaliza para esse fato afirmando: “Quanto ao Assim, a Verneinung marca os tempos míticos
caso em que há uma disposição em negar sis- de fundação do Édipo, permitindo ao sujeito
tematicamente [Verneinungslust] o negativis- um acesso à realidade psíquica da castração
mo de alguns psicóticos, provavelmente pode e um pensar sobre a realidade de sua própria
ser compreendido como um sinal que houve existência.
A existência, portanto, implica esse nega-
– pela retirada dos componentes libidinais –
tivo da linguagem e do significante, pois é a
uma defusão e separação das pulsões” (Freud,
partir daí que uma singular, pela marca do
2007 [1925], p. 150). Na psicose uma dificul-
“traço unário” (Lacan, 2003 [1961-1962]), pro-
dade originária nessa “expulsão primordial”
duz a identificação do sujeito. Portanto, negar
– como um recalcamento originário do falo
é viver, como um artifício de oposição ao Ou-
(Lacan, 1985 [1955-1956]) – determinaria uma
tro, como marca de uma singularidade do su-
impossibilidade de ancoragem simbólica na
jeito no todo pasteurizado de Eros.
constituição desse real.
A partir desse modo mítico, cujo movimen-
to de expulsão constitui os lugares do real para Referências
o sujeito e seu próprio lugar subjetivo, este
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não fazendo sua função de demarcação-ba- In: S. FREUD, Edição Standard Brasileira das Obras
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perde, por não ter sido perdido como um fesa. In: S. FREUD, Edição Standard Brasileira das
significante, ou por outra, por não ter sido Obras Completas de Sigmund Freud, vol. III. Rio de
inscrito como significante. O psicótico fica, Janeiro, Imago, p. 55-82.
2
O termo retranscrição remete-se a Carta 52, onde Freud (1977b [1950]) propõe um modelo semelhante ao da Interpretação
dos Sonhos, e que Lacan retoma no Seminário 3, sobre As Psicoses.
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