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Novela de Gloria Perez

AMÉRICA
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Começamos com um clipe em linguagem jornalística, através do qual


se apresenta o tema da novela e se faz a passagem de tempo: câmera ágil passeia por
diversos lugares do Brasil e do mundo, focalizando gente comum, de todas as classes,
idades e culturas em seu cotidiano, enquanto a voz do narrador fala sobre os sonhos:
os sonhos que movem o mundo e as vidas das pessoas. Sonhos grandes, pequenos,
sonhos vivos ou mortos, todo mundo carrega o seu. Entremeando o texto do narrador,
rápidas inserções dessas pessoas reais que interrompem o que estão fazendo para
falar,numa única palavra, qual é o seu sonho.
Costumam dizer que sonhar não custa nada. Será?
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A TRAMA CENTRAL

o preço dos sonhos


na casa defronte de mim e dos meus sonhos
que felicidade há sempre...
Fernando Pessoa

Nossa protagonista, SOL, tem um sonho: morar nos Estados Unidos,


onde acredita que, como num passe de mágica, todos os desejos de uma pessoa
possam se tornar realidade. Como tanta gente do mundo de hoje e das gerações
passadas, enxerga aquela terra como um oásis onde vivem os privilegiados, os
escolhidos da sorte. Acredita piamente no sonho americano e há de correr todos
os riscos, apostar em todas as incertezas, na tentativa de se tornar parte dele.
Quando a novela começa a ser contada está articulando sua ida,
incentivada por uma amiga – DRICA- que hoje mora em Miami e ganha a vida
dançando em casas noturnas de lá.
Não conseguindo visto para entrar legalmente nos Estados Unidos,
recorre aos serviços de um atravessador indicado por DRICA.
SOL é fantasiosa, auto-confiante, acredita-se muito esperta, muito
realista e tem aquela ingenuidade característica das pessoas que não conseguem
enxergar a desproporção de forças entre elas e o mundo. A ambiciosa que sonha
com o grande amor, e sendo capaz de fazer seus planejamentos com frieza e
objetividade, é incapaz de executá-los , pois será sempre traída pelo coração.
Mora num subúrbio do Rio. É a filha rebelde do seu MARIANO
PARDAL e de dona ODALÉIA, irmã de MARIANA e afilhada da viúva
NEUTA, mulher forte e desabusada, que sendo dona de uma pequena fazenda e
algumas cabeças de gado, se divide entre o subúrbio e o interior onde vive TIÃO,
o protagonista de nossa história. Sozinha, a destemida viúva cuida de seus
negócios e cria um filho exemplar, sempre invocado como referência pelas
famílias dos arredores. Sozinha não, amparando-se sempre na figura e no
exemplo moral do falecido, melhor dizendo, na sua fotografia emoldurada num
quadro que domina a sala.
Mas voltemos a SOL para dizer que numa de suas visitas à casa da
madrinha conhece TIÃO. A atração entre os dois é tão grande quanto a
incompatibilidade de sonhos: TIÃO quer se tornar campeão de rodeio, e a esse
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objetivo tem dedicado sua vida. Além disso, são diferentes em tudo: ele
representando a vida simples do campo; ela a agitação da cidade; ele os valores
espirituais, o apego às raízes, ela os valores materiais e o desapego a tudo o que
foi sua vida até agora. De modo que só os mistérios do amor podem explicar que
tenham reconhecido como almas gêmeas.
Antes de contar o que se passou nesse primeiro e mágico encontro dos
nossos protagonistas, convém abrir um parêntesis para apresentar TIÃO.
Nosso protagonista é o caçula de uma família pobre, muito pobre, mas
bem estruturada e feliz. Tem um irmão mais velho, o GENINHO, que muita
importância há de ter no decorrer dessa história, mas dele falaremos a seu devido
tempo.
TIÃO é aquele tipo de homem rude, mas de coração delicado. Capaz de
grandes gestos e de grandes generosidades. Valente, emotivo, impetuoso. No
dizer de seu avô, ZÉ HIGINO, o touro mais difícil que ele teria de domar estava
dentro dele: era aquela sua natureza forte e apaixonada.
Cresceu tomando conta do gado e entendendo mais os animais que as
pessoas. Como todo peão, devoto de Nossa Senhora Aparecida. Seu sonho é se
tornar um dia o campeão de Barretos e conseguir vencer o touro BANDIDO, boi
invencível que apareceu misteriosamente no pasto da viúva NEUTA e nenhum
peão até hoje conseguiu montar, a ponto de começar a correr na região a lenda de
que o BANDIDO era a encarnação do falecido marido de NEUTA, a se vingar
dos olhares cobiçosos que os peões do lugar lançavam para a bem conservada
viúva.
Nosso peão ganha algum dinheiro domando bois nas fazendas vizinhas,
junta tudo o que ganha para comprar o primeiro chapéu e enfrenta todos os
sacrifícios, tentando participar dos pequenos rodeios que acontecem nos
arredores: pega carona nos caminhões da estrada, dorme ao relento, trabalha no
montar e no desmontar das arquibancadas em troca de comida, às vezes.
Tem como companheiro nesses tempos duros o CARREIRINHA, peão de
reconhecida valentia e competência, que costuma incendiar as platéias pela
maneira brincalhona com que enfrenta o perigo dos touros: monta mandando
beijos para o público, desmoralizando os bois e seus respectivos donos. Os dois
formam a dupla dos inversos: se TIÃO é disciplinado, centrado, CARREIRINHA
é farrista, irresponsável, está sempre metido em escândalos e arruaças, e no
decorrer da trama veremos que apesar de tanto talento não consegue acompanhar
a ascensão do amigo.
Nosso galã foi criado pelo avô, o velho ZÉ HIGINO, peão da velha
guarda, hoje exercendo a prestigiosa função de juiz de brete nos rodeios, sendo
dele a responsabilidade de verificar, antes de cada montaria, se as regras
estabelecidas estão sendo respeitadas, tanto pelos peões quanto pelos criadores. É
julgador incorruptível e severo, sempre atento para que nenhuma maldade se
cometa contra qualquer animal, e não foram poucas as vezes que suspendeu uma
apresentação por descobrir irregularidades nesse sentido. No decorrer da novela,
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chega a expulsar do circuito um peão pego na tentativa de dar aguardente ao boi


para torná-lo mais calmo e um tropeiro que ele surpreendeu atiçando o animal
com uma brasa para que pulasse mais alto e derrubasse o peão em menos tempo.
TIÃO cresceu na companhia dele, solto pelos pastos, tocando boiada,
tratando dos animais. Herdou do avô esse amor aos bichos, essa intimidade com
eles. E foi ZÉ HIGINO que lhe ensinou também as manhas da montaria quando,
ainda moleque, montava as ovelhas no quintal, sonhando o dia que dominaria os
touros.
Perdeu o pai muito cedo. ACÁCIO era peão também, seguindo a tradição
dos seus. Mas ao contrário de ZÉ HIGINO, que é homem prático e pé no chão,
andou sempre nas nuvens, sonhando com diamantes, minas de ouro, grandes
fortunas que sempre acreditou estarem esperando por ele no garimpo.
Nessa época, como nos tempos de seu ZÉ HIGINO, as montarias não
davam dinheiro, de modo que vendo a família aumentar com o nascimento do
segundo filho, e animado pelas notícias da descoberta de uma rica jazida de
diamantes no norte do país, ACÁCIO encontrou a justificativa perfeita para
investir no velho projeto. E indiferente aos apelos da mulher e do pai, decide se
arriscar no garimpo, convicto de que encontraria diamantes suficientes para
aumentar seu gado e construir uma casa confortável no bom pedaço de terra que
haviam conseguido comprar às custas de muita economia, quando aquela região
ainda não tinha ainda se valorizado.
ACÁCIO foi e chegou a mandar notícias: uma carta entusiasmada, onde
dizia que os diamantes davam como capim naquela região. Ele vira com os seus
próprios olhos. E até por carta sonhava: descrevia em detalhes como imaginava o
casarão cheio de conforto que haveria de construir para os seus quando voltasse, e
a pedra maravilhosa, a mais bonita, a maior de todas, que já tinha separado para
fazer um colar de rainha para a sua MARIA JOSÉ.
Mas não voltou. Morreu no garimpo e coube ao velho ZÉ HIGINO
amparar a viúva e assumir a criação dos seus filhos. E já nos primeiros capítulos
da novela há de abrigá-los em casa, quando através de muita briga e muita
violência eles forem expulsos das terras que eram suas, fato que há de marcar
profundamente o TIÃO e determinar grandes mudanças de rumo em sua
trajetória.
Acontece que chegou à região um rico fazendeiro, o LAERTE, que tendo
comprado a fazenda contígua, reivindica para si, na hora da demarcação de seu
território, quase toda a extensão das terras deixadas por ACÁCIO, incluindo a
casa onde vivem MARIA JOSÉ e os filhos.
De nada valem os protestos, as argumentações, os recibos comprovando a
posse daquela área exibidos pela aflita MARIA JOSÉ, a disposição para a briga
de TIÃO e GENINHO, e muito menos as providências de ZÉ HIGINO,
procurando o socorro da polícia e da justiça: a força falou mais alto, o fazendeiro
cercou as terras e MARIA JOSÉ, sem mais alternativas, saiu sem eira nem beira
para pedir abrigo na casa do sogro, que ficava na extremidade do terreno,
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restando a eles lastimar a natureza descansada do falecido ACÁCIO, que nunca


tratou de registrar aquelas terras, propiciando, assim, que fossem vendidas duas
vezes, conforme foram.
A constatação de que ACÁCIO era responsável por esse desfecho, se foi
bom argumento para que ZÉ HIGINO impedisse que os netos cometessem uma
loucura, pegando em armas, como estavam dispostos a pegar, contra o fazendeiro
LAERTE, não significou que a família desculpasse o invasor: a rixa de TIÃO e
sua gente com LAERTE e sua família há de durar toda a novela e determinar
grandes e freqüentes mudanças de rumo no desenrolar da trama.
Depois da expulsão, o inconformado GENINHO vai embora para São
Paulo e TIÃO passa a viver com a determinação íntima de um dia devolver para a
mãe tudo o que lhe foi tomado. Na luta para resgatar o que foi seu, há de passar
por uma incrível experiência que talvez só os espíritas consigam explicar. Mas
isso é uma longa história sobre a qual só devemos falar mais adiante.
E tendo apresentado assim, em rápidas pinceladas o nosso protagonista,
voltemos ao momento em que ele e SOL se encontram pela primeira vez.
TIÃO estava machucado em conseqüência de uma brincadeira com touros
e ainda sentia muita dor na perna quando se dispôs a acompanhar
CARREIRINHA, que a viúva NEUTA havia chamado para domar um boi
bravio. O imprevisível CARREIRINHA chega visivelmente tocado pela bebida,
e a viúva furiosa o impede de montar, clamando contra sua irresponsabilidade e
avisando que nunca mais vai contratá-lo pra nada. Atraída pela gritaria da
madrinha, SOL aparece na porta e, ao primeiro olhar, TIÃO se sente
irremediavelmente atraído por ela.
Num rasgo de valentia, pula o cercado sob os protestos da viúva NEUTA,
que não quer se responsabilizar por tamanha imprudência. E desafiando a dor e os
limites do próprio corpo, faz a doma, numa apaixonada exibição para SOL, que o
observa fascinada. Dominar o touro significando, naquele momento, a dominação
de SOL.
A bravata há de deixá-lo invalidado por algum tempo, mas também
promove o início do romance entre eles, romance que há de durar pouco tempo,
porque nossa protagonista, não abre mão de seus projetos e embarca para o
México, de onde vai tentar atravessar para os Estados Unidos.

João amava Teresa que amava Raimundo que amava


Maria que amava Joaquim que amava Lili que não
amava ninguém...
Carlos Drummond de Andrade
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Enquanto SOL vive sua aventura, nosso desconsolado peão é surpreendido


pela proposta inusitada de uma figura recentemente aparecida no mundo do
rodeio: a sensual locutora GIL (GILMARA de nascimento), mulher bonita e mais
velha que ele. Tendo se apaixonado pelo nosso protagonista de maneira tão
incondicional quanto ele se apaixonara por SOL, GIL se diz disposta a patrociná-
lo, e lhe dá o dinheiro para comprar o primeiro chapéu.
TIÃO foi ingênuo o suficiente para acreditar no “interesse puramente
profissional” de GIL. Aceitou o empréstimo dizendo que pagaria o investimento
dela com sua primeira vitória, e realmente pagou. Mas nossa impetuosa locutora
não se sentiu paga, e durante toda a novela sempre que se desentenderem ela há
de lhe atirar na cara esse primeiro chapéu, acessório sem o qual nenhum peão
pode se considerar peão. Mas isso é assunto para os capítulos. Por enquanto,
convém falar um pouco mais sobre a sensual locutora.
Exercendo uma função tradicionalmente desempenhada por homens, essa
de narrar rodeios, GIL é uma exceção nesse universo tão masculino.
Extravagante, desinibida , carrega na sensualidade em sua atuação, o que lhe vale
grande popularidade, muitas críticas no meio e o rancor do locutor rival,
ARIOVALDO, a se sentir injustiçado pela atenção que a imprensa country devota
à falsa loura, sempre a inventar modismos para tornar cada vez mais marcante sua
presença nos rodeios. Mas apesar de estar sempre promovendo confusões e de
nem sempre agir de modo muito ético, tanto no terreno amoroso quanto no
profissional, GIL é personagem que há de despertar muita simpatia no público:
seu jeito extravagante esconde uma mulher sonhadora, adolescente até, que ama
de verdade o nosso peão e muito há de sofrer por ele. Vamos deixá-la entregue
aos esforços de seduzi-lo para falar dos rumos imprevisíveis tomados pela viagem
de SOL.
No México ela conhece MERCÊS, uma mexicana que tenta chegar aos
Estados Unidos com duas sobrinhas adolescentes por intermédio do atravessador
brasileiro ALEX, um jovem classe média simpático e falante, que estará sempre
metido em negócios escusos e mais tarde, como haveremos de ver, há de ter
grande importância na vida de nossa heroína. MERCÊS dá a SOL o telefone da
pensão dirigida por sua irmã CONSUELO em Miami, para que mais tarde
possam se encontrar.
Nessa primeira tentativa nossa heroína ainda não está sob os cuidados de
ALEX: tenta a entrada por outro caminho, através do contato que lhe mandou a
DRICA, amiga já estabelecida em Miami, e é presa na fronteira de uma maneira
surpreendente que só haveremos de revelar nos capítulos.
Deportada, e dessa primeira vez conseguindo manter a família ignorando o
fato, ela encontra consolo nos braços do apaixonado TIÃO, que ao vê-la de volta
não pensa duas vezes: abandona GIL e os dois retomam o tumultuado romance,
contrariando a família de ambos, especialmente a madrinha de SOL, que abomina
os casamentos com peões de rodeio e profetiza para a afilhada uma vida de
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solidão, com o marido sempre fora de casa, metido em namoros, e mantendo uma
mulher em cada cidade.
Mas tendo passado por uma decepção tão grande, SOL tem o impulso
natural de buscar rapidamente uma realização que não a deixe se sentir
fracassada. Movida por este mecanismo inconsciente, acredita que encontrou o
homem da sua vida e enfrenta todos os obstáculos: a oposição dos seus e o rancor
de GIL, que inconformada, faz o possível e o impossível para ter o TIÃO de
volta, usando como arma seu posto de locutora, através do qual exalta ou denigre
nosso peão nos momentos de sua montaria e muito inferniza sua vida particular,
insinuando envolvimentos dele com outras mulheres quando SOL está presente
ao rodeio.
A bem da verdade, voltar com TIÃO não significava que nossa
protagonista tivesse desistido de seu sonho: não que ela não estivesse apaixonada
por ele de verdade. Estava, ou melhor, acreditava que estava. E achou que podia
conciliar esse amor com o sonho americano: afinal de contas, TIÃO vinha
crescendo nos rodeios, e os peões bem sucedidos acabavam sempre disputando
provas nos Estados Unidos. Quando explodisse, quando ganhasse fama, não seria
difícil para ele permanecer por lá.
Mas o duro cotidiano da vida de peão, as constantes ausências de TIÃO, seu
envolvimento nas questões da família e o assédio constante das outras mulheres
acabam desanimando SOL: a vida real desmente o conto de fadas que ela se
propusera viver.
Convém explicar que nessa fase da novela, como é comum a tanta gente,
nossa protagonista está apaixonada pelo amor e não pelas pessoas a quem pensa
amar. Quer as intensidades da paixão, os seus transbordamentos. Sabemos que
essa forma de estar apaixonado é incompatível com o cotidiano. De modo que,
quando a realidade entra em cena, SOL se decepciona: ainda não sabe amar
gente de carne e osso.
Essa reeducação dos sentimentos será um dos aprendizado de nossa
protagonista no decorrer da novela. Mas isso é assunto para mais tarde. Por
enquanto devemos contar que, sentindo-se relegada a segundo plano, e confusa
quanto à fidelidade de TIÃO, ela revida terminando com ele e se envolvendo com
NICK, um peão americano bonito, alegre, inconseqüente. Em decorrência disso,
TIÃO há de viver uma fase de grandes turbulências, se metendo em brigas e
confusões que serão bem exploradas pelos seus inimigos.
Mas voltemos a NICK para dizer que tendo vindo ao Brasil participar de
umas provas se encanta com SOL, e quando a vê assim, fragilizada, insegura,
cheia de vontade de revidar a suposta traição de TIÃO, consegue seduzi-la com
as palavras e as atitudes convenientes a tal circunstância. Levado por impulsos de
momento faz juras de amor e a incentiva a ir para os Estados Unidos, dizendo que
estará a sua espera, e mais que isso, disposto a ajudá-la até com dinheiro, caso ela
se decida mesmo.
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Devemos abrir um parêntesis para explicar que NICK, o peão americano, é


aquele tipo de pessoa que vive o momento e tem verdadeiro pavor dos
compromissos. Quando fala de amor está amando mesmo, quando descreve a
vida maravilhosa que ele e SOL poderiam ter, está realmente encantado com essa
possibilidade. O problema é que isto é a verdade daquele momento, apenas.
Amanhã, daqui a meia hora, será diferente. Ele vai querer provar outras
sensações, porque tem sempre presente que qualquer dia pode ser o último e pode
ser que nunca mais aquela oportunidade se repita pra ele.
Claro que essa é a regra, vale pra todo mundo. Mas se as pessoas que têm
uma existência convencional costumam esquecer o quanto a vida é frágil e se
comportam como se tivessem a eternidade pela frente, os peões, que estão sempre
desafiando a morte, são por força da profissão levados a estar sempre pensando
nela. E em função disso temos aqueles que, como NICK, parece que estão sempre
correndo contra o relógio, querendo experimentar de tudo, viver de tudo, e
aqueles que se apegam à família ou à religião, movidos pelo mesmo temor de não
ver amanhecer o dia de amanhã.
Assim, ele estará sendo absolutamente sincero em todas as promessas que
faz a nossa heroína.
SOL não entende e nem sequer conhece esse tipo de personalidade, de modo
que acredita em tudo o que ele diz, e supondo que o aparecimento dele em sua
vida seja um aviso do destino, deixa o TIÃO mais uma vez para seguir seu sonho.
Agora procura ALEX, que abusando de sua ingenuidade, a utiliza para fazer
passar uma mochila com drogas. São dias tensos, os candidatos ao sonho
americano amontoados numa casa próxima à fronteira, tendo de se manter sempre
alertas, sem saber o dia nem a hora em que serão chamados pelo coyote para
passar a cerca e iniciar a travessia. Depois o tormento dos muitos dias
caminhando pelo deserto, tendo de se esconder por muitas horas, ao sinal de
qualquer aproximação dos guardas, entre as plantas espinhosas que ferem,
machucam, fazem sangrar; o enfrentar das tempestades, o frio, a falta de água e
mantimentos, as ameaças de roubo e estupro dos coyotes, a dor de assistir os
companheiros que adoecem ou perdem a resistência serem deixados para trás, o
horror da visão dos corpos sem vida abandonados no deserto, corpos de pessoas
que, como eles, apostaram tudo no sonho americano.
Na chegada são postos como sardinha em lata numa casa onde as portas e
janelas são mantidas vedadas, e onde costuma faltar comida, água, todo o
essencial da vida cotidiana. Dali, os coyotes os despacham como mercadorias ao
lugar da entrega, onde deve ser realizada a segunda parte do pagamento.
SOL pagou a metade do combinado a ALEX, e a outra metade, a parte
devida aos coyotes, deveria ser paga pelo peão americano no momento da entrega
Pelo menos isso era o que tinha ficado combinado naqueles dias de namoro. Uma
vez em solo americano, os coyotes telefonaram para NICK avisando que fariam a
entrega. Assustado, vendo que as coisas tinham ido mais longe do que podia
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imaginar, o peão americano tira o corpo fora: faz as malas e vai se refugiar por
uns dias em algum lugar onde ninguém seja capaz de localizá-lo.
Diante disso os coyotes decidem entregar SOL à imigração para ganhar o
prêmio destinado a quem denuncia ilegais. Presa, e dessa vez ainda mais
complicada pela acusação de tráfico de drogas, ela negocia com a polícia o
abrandamento de sua situação denunciando ALEX.
Das conseqüências dessa denúncia na vida do nosso trambiqueiro e das
reviravoltas que em função disso ele há de promover na história, vamos falar
depois. Por enquanto devemos contar que SOL volta ao Brasil mais decidida que
nunca a tentar outra vez a travessia. E mais: atribuindo a ausência do peão
americano a um mero desencontro, e acreditando que os coyotes não tiveram
paciência de esperá-lo porque já estavam dispostos mesmo a ganhar algum
dinheiro às suas custas, entregando-a à imigração
Dessa vez nossa protagonista não consegue esconder de ninguém as
vergonhosas circunstâncias de sua deportação. Os acontecimentos são
acompanhados com angústia pela sua família e dividem os sentimentos do TIÃO:
metade dele sofre por ela, a outra metade se satisfaz, e considera o castigo
merecido. Mas convém dizer que ele evita participar dos comentários a respeito
Oficialmente não fala de SOL e não quer ouvir nada sobre ela.
Depois do fim do romance, como costuma acontecer com as pessoas que
sofrem uma decepção muito grande, TIÃO entrou inconscientemente naquela
fase de descontar nas outras mulheres a dor que SOL lhe causara. Determinado a
não se apaixonar por mais ninguém, arrasta uma legião de fãs para os rodeios,
namora todas elas, tumultuando ainda mais a sua já tempestuosa relação com
GIL.
Quando SOL volta, precisando demonstrar que a tinha esquecido e porque
sabe que ela sempre teve ciúmes da sensual locutora, ele reata com GIL, que mais
uma vez lhe dá colo. O romance dos dois terá essa característica tão comum a
muitos casais que estão sempre rompendo e reatando: um deles é o porto seguro
para onde o outro volta, quando se sente frágil, para partir de novo depois que se
fortalece.
Enquanto isso, nossa protagonista enfrenta as críticas dos vizinhos, os
sermões do pai indignado, as reações da irmã e da madrasta, os destemperos da
madrinha NEUTA, que veio do interior só para lhe puxar as orelhas. Mas não se
deixa abater, e indiferente às argumentações de todos, tenta uma terceira entrada,
dessa vez dentro de uma carga de caminhão. Por engano do motorista, acaba
sendo entregue na casa de um jovem intelectual americano, o ED, que está
esperando um carregamento de livros e quase morre de susto quando SOL sai de
dentro da caixa onde deveria estar sua encomenda. Ela consegue se desvencilhar
enquanto ele aciona a polícia.
E vamos deixá-la aqui, perdida nas ruas de Miami, tentando encontrar a
pensão da irmã de MERCEDES, enquanto apresentamos as outras personagens da
trama.
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AS PARALELAS
o sonho americano visto de cá
ou feia ou bonita
ninguém acredita na vida real
Caetano Veloso

A CIDADE

Num bairro de classe média do Rio de Janeiro, outra família se divide:


vemos o NETO cheio de malas, com a mulher HELOÍSA e o filhinho RIQUE se
despedindo dos amigos e da família chorosa.
Ficamos sabendo que a situação econômica do casal é desastrosa: médico
jovem, desempregado e sem perspectivas, NETO ganhou uma bolsa para fazer
um curso nos Estados Unidos, onde um primo de sua mulher já se estabeleceu.
Vai confiante, acreditando que, depois do curso, possa trabalhar por lá durante
algum tempo e voltar com dinheiro suficiente para pagar as dívidas e montar seu
próprio consultório, sonho antigo que a antevisão dos dólares americanos torna
quase palpável. HELOÍSA, debulhada em lágrimas mas tão confiante quanto ele
na eficácia do sonho americano, acena para a família.
E numa zona nobre do Rio, o rico empresário GLAUCO SIMÕES,
apavorado com a violência da cidade, decide mandar a mulher e a filha para
Miami, onde tem alguns negócios. A família passa a se dividir entre o Brasil e os
Estados Unidos.
Desse modo, as personagens que saem do Brasil compõem o painel das
motivações do imigrante brasileiro: o rico, que se muda para fugir da violência, o
que vai planejando juntar dinheiro para voltar, e o que deseja mesmo ficar lá para
sempre.
Nosso empresário é casado com HAYDÉE, mulher bonita, elegante e
cleptomaníaca. Tem dois filhos: RAÍSSA e MURILINHO. Homem maduro,
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charmoso e sedutor, GLAUCO acaba se envolvendo com uma amiga de colégio


da filha -a sonsa LURDINHA- o que há de lhe render grandes complicações no
âmbito familiar e social, quando o romance for descoberto e ele tiver de encarar a
fúria de HAYDÉE e a condenação da filha.
Outra figura que há de ter grande importância em sua vida é a advogada
NINA, de quem haveremos de falar no momento oportuno.
E para completar o quadro, apresentamos ALEX, que vive de viabilizar o
sonho americano atravessando pessoas na fronteira. Em Miami ele conhece e
acaba se associando a PIMENTA, brasileira belíssima e sem escrúpulos que
chefia uma verdadeira quadrilha especializada em golpes contra os imigrantes,
enganando-os com falsas promessas de conseguir para eles os papeis de
legalização. Nosso vilão chega a se associar a ela num negócio de revenda de
carros: vendem para imigrantes que, ganhando pouco, acabam não conseguindo
pagar o que devem. O carro é tomado e eles o revendem a outro imigrante,
formando o circulo vicioso.
Nos últimos tempos, nosso trambiqueiro anda enfrentando sérias
dificuldades em conseqüência da denúncia de SOL: a polícia o procura e, como
se não bastasse, o traficante que lhe confiou a droga também anda atrás dele,
exigindo que pague pela mercadoria desviada.
ALEX acaba preso e deportado. Volta ao Brasil disposto a localizar SOL
e arrancar dela o dinheiro que o traficante lhe cobra. Abatido, tenso, lamentando a
falta de sorte de ter sido pego logo agora quando seus negócios em Miami
começavam a florescer. E gasta todo o seu tempo elaborando estratégias de
retorno, enquanto o amigo que toma conta de seu apartamento no Rio, o
HELINHO, procura convencê-lo de que melhor será ir cuidar da vida, porque
uma vez expulso, tão cedo não poderá entrar outra vez nos EUA.
No encalço de SOL, ALEX termina encontrando a solução para o seu
problema: numa ida ao interior, onde segundo pensa, podia estar nossa
protagonista, descobre que o falecido marido da viúva NEUTA tinha o mesmo
nome que ele: CARLOS ALEXANDRE. E no cartório da cidade constata que
basta a adulteração de um número para fazer com que a idade dos dois coincida.
Tira uma cópia da certidão e, com ela, novos documentos. Dessa maneira,
consegue entrar legalmente nos Estados Unidos e continuar sua carreira de golpes
e falcatruas, freqüentando o mundo rico de Miami e vindo a se envolver com a
filha do empresário GLAUCO.
Mas o destino há de pregar uma boa peça em nosso vilão, quando a
destemida viúva NEUTA vier a acreditar que o incensado desaparecido está bem
vivo em Miami e para lá rumar em companhia do filho, momento em que será
revelado o verdadeiro caráter do falecido: desordeiro, incompetente, péssimo
marido, pai desnaturado e ausente, tendo a esperta viúva, durante todos esses
anos, inventado essa imagem de homem correto e exemplar para melhor criar os
filhos, convicta de que se o descarado para nada havia servido enquanto vivo,
haveria de servir depois de morto.
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E vamos deixar para os capítulos os conflitos e tempestades que o


inesperado aparecimento da viúva em Miami há de desencadear na vida do
esperto ALEX, para apresentar a família de nossa protagonista e sua vizinhança.

O SUBÚRBIO

SOL é filha de seu MARIANO e de dona ODALÉIA. Homem pacato e


honestíssimo, MARIANO sempre teve um único sonho, uma única ambição: ver
as filhas –SOL e MARIANA- formadas numa faculdade. E para isso, desde que
elas nasceram, vem juntando dinheiro para pagar livros, faculdade e um possível
consultório. Mas SOL não se interessou pelos estudos e lastima ter nascido assim,
naquele universo tão pequeno e sem perspectivas. Seu sonho é morar nos Estados
Unidos, mais precisamente em Miami, desejo que se tornou ainda mais urgente
depois que uma de suas amigas –a DRICA, foi e se deu bem por lá.
MARIANO ainda espera que a filha, agora aos vinte e poucos anos, acorde
daquelas fantasias, ponha os pés no chão e resolva retomar os estudos, até para ter
condições de realizar seu desejo de sair do Brasil.
Assim, quando a novela começa a ser contada, tendo recebido uma carta da
amiga de Miami dizendo que havia um lugar pra ela no seu grupo de dança, e não
dispondo de dinheiro para as despesas da viagem, SOL mente para o pai,
afirmando que vai fazer faculdade em São Paulo. MARIANO lhe dá o dinheiro
necessário e é com esse dinheiro que nossa protagonista, não conseguindo visto
no consulado, paga o primeiro atravessador.
As trapaças de SOL hão de causar grande desgosto ao crédulo MARIANO,
que além das críticas da família, ainda terá de suportar as acusações de um
vizinho irascível, um PM aposentado, o GOMES, que por força do hábito, fala
sempre em linguagem policial. Tendo perdido o comando das tropas GOMES se
dedica a botar ordem na rua e na casa dos outros, interferindo na vida dos
vizinhos e da garotada do lugar.
Em razão desse temperamento autoritário, vive se desentendendo com o
pessoal da rua, sobretudo com NEUTA que, como ele, não tem papas na língua e
não admite as interferências de GOMES na criação do seu filho exemplar, o
JUNIOR, e muito menos no seu modo de se pintar e vestir.
Mas o alvo preferido de GOMES sempre foi MARIANO: acusa-o de
frouxidão e atribui a ele a responsabilidade pelos mal feitos das filhas, a quem
não soube comandar.
GOMES é casado com a paciente e ciumenta dona GRAÇA, que o chama
de GOMINHO, e pai do nosso locutor ARIOVALDO.
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Temos ainda CREUSA, afilhada de GOMES, exemplo típico da falsa virtude


e do falso moralismo. No decorrer da novela CREUSA se casará com o
FEITOSA, o dono do táxi dog, novidade atual dos subúrbios do Rio, carros que
levam cachorros de estimação para o veterinário ou simplesmente para passear.
Capítulos adiante, FEITOSA vai ampliar seus negócios criando também o jornal
sobre rodas, outra invenção do subúrbio carioca, maneira alternativa de os
comerciantes divulgarem seus estabelecimentos ou das pessoas anunciarem
vendas sem pagar o preço de publicação pedido pelos jornais.
E para completar o quadro do subúrbio, o cego JATOBÁ e seu cão guia, que
há de ser responsável por muitos momentos emocionantes de nossa trama.
JATOBÁ ficou cego na adolescência, e através dele vamos falar de uma maneira
poética dessa experiência de ver o mundo através dos outros sentidos, além
mostrar os esportes olímpicos desempenhadas pelos cegos, ao mesmo tempo que
reivindicamos, para os portadores de deficiência física, a atenção devida.
JATOBÁ tem um treinador, STALLONE, e torna-se amigo de uma menina
que nasceu cega, MARIA FLOR (a FLÔ). Quem toma conta de FLô é a ISLENE,
loura barraqueira e vulgar, que no início da novela namora o FEITOSA e vai
perdê-lo quando ele se encantar pela virtuosa CREUSA.

O INTERIOR

No interior vamos focalizar o universo dos rodeios, mostrando apenas dois


tipos de prova: a montaria em touros e a prova do tambor. Numa, a estrela é
TIÃO, e na outra, a SIMONE, filha do inimigo ferrenho de nosso peão, o
LAERTE.
Começamos pelo núcleo pobre apresentando a família de TIÃO.
O avô, ZÉ HIGINO, é um típico habitante do interior. Através dele vamos
conhecer um pouco o modo de ser e de viver dos bois e discutir os aspectos éticos
da relação homem/animal.
ZÉ HIGINO, ama os bichos e conhece a fundo o temperamento e as
artimanhas de cada um dos seus animais. Até ficar viúvo, viveu durante muitos
anos um casamento harmonioso e feliz e considerando que uma família bem
estruturada seja o bem maior que um homem possa conquistar na vida, preocupa-
se muito com as escolhas dos netos, de modo que não vai aprovar o envolvimento
de TIÃO com SOL: preferia vê-lo casado com uma moça mais simples, dessas de
quem se conhece os costumes e a procedência. Como TIÃO, ZÉ HIGINO não
entende os sonhos de SOL: eles são tão apegados, cultivam tanto as suas raízes, e
não podem compreender que, para alguém nesse mundo, a felicidade esteja em se
desligar delas.
Dos netos, TIÃO é o que mais se identifica com ele. Cresceu ajudando o avô
na lida de todo o dia e indo com ele ao rodeios. Levado por ZÉ HIGINO, venceu
muitas competições infantis de montaria em ovelha, e ganhou dele o primeiro
15

bezerro, o VENTANIA, hoje um boi velho e cansado que nosso galã aposentou e
trata com especial desvelo, nunca esquecendo que foi nele que pegou a prática de
montar os touros. Até hoje TIÃO mantém o costume de contar para o seu boi as
coisas que lhe acontecem, e de desabafar com ele as tristezas e ansiedades que
deseja compartilhar com mais ninguém.
Já o GENINHO nunca teve vocação para a vida dos rodeios. Logo no
começo da história vai embora para São Paulo, de onde há de voltar para
determinar mudanças radicais na trama, como haveremos de ver a seu devido
tempo.
A mãe de TIÃO, MARIA JOSÉ, lava roupa pra fora e vende doces nos
rodeios da cidade. TIÃO morre de ciúmes da mãe e detesta pensar que ela possa
vir a se casar de novo. De modo que há de viver grandes conflitos quando
finalmente aparecer um candidato por quem ela há de se interessar.
O companheiro de TIÃO nos rodeios é o CARREIRINHA, amigo de
infância do nosso protagonista, peão talentoso e de pouco juízo, que muito
trabalho vai dar para os amigos quando começar a ganhar dinheiro e a fazer
loucuras, chegando a cometer uma infinidade de delitos que vão fazê-lo parar na
cadeia, de onde só sairá acompanhado pelos guardas, graças a sua fama, para se
apresentar nos rodeios.
CARREIRINHA segue na direção inversa de TIÃO: enquanto um sobe, o
outro decai. TIÃO não há de desamparar o amigo, como haveremos de ver no
decorrer da novela.
Nosso peão problemático foi criado sem família, jogado aqui e ali. É
protegido do salva-vidas BOIA, que o trata paternalmente, e ainda que seja amigo
e confidente de todos os peões, tem pelo irresponsável CARREIRINHA um
carinho muito especial, mais tarde saberemos porque.
Outra figura interessante desse universo é o WALDOMIRO, nosso peão de
vitrine. WALDOMIRO morre de medo dos bois, mas está sempre nos rodeios,
vestido de peão, contando as incríveis façanhas de que é capaz na doma dos touros,
para impressionar as meninas. Sua única habilidade é o laço, e está sempre
carregando um para laçar as meninas que quer seduzir. Num dedetrminado
momento da novela, vai para Miami e acaba ajudante de JOTA. Muda de nome e
quando volta ao Brasil, depois de uns poucos meses, vem totalmente
americanizado, mal conseguindo conversar em português.
As Marias breteiras, personagens típicas e indispensáveis desse universo
serão ELLIS MARIA e DETINHA e BEBELA. Trabalha como ajudantes na casa
da viúva NEUTA e vivem empenhadas em conquistar peões.
Na camada classe média desse universo, temos a viúva NEUTA e seu filho
exemplar: o adolescente JUNIOR.
Na classe rica temos o fazendeiro LAERTE, casado com IRENE, pai de
SIMONE (filha de seu primeiro casamento) e de KERRY (que nasceu do
segundo).SIMONE é exímia na montaria de cavalos e vencedora de vários
campeonatos na prova do tambor.
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LAERTE é mulherengo e conquistador, o que dá origem às terríveis


brigas entre ele e IRENE. Num determinado momento da novela se separam de
modo litigioso, e as filhas ficarão em meio a um verdadeiro fogo cruzado.
As famílias de TIÃO e LAERTE hão de estar sempre em pé de guerra,
brigando por coisas grandes e pequenas.
Através das histórias e das andanças dessas personagens vamos mostrar as
personalidades dos rodeios: os peões, salva-vidas, tropeiros, organizadores de
evento, tocadores de berrante, enfim, as pessoas que fazem parte, na vida real,
desse belo universo.

o sonho americano visto de lá


a saudade é dor pungente, morena
a saudade mata a gente, morena
João de Barro

Já dissemos que o nosso peão não há de medir esforços para se transformar


num vencedor. Destemido, incansável, dedica-se de corpo e alma ao
aprimoramento das técnicas de montaria e vai a todos os rodeios de que tem
notícia, disputar prêmios maiores ou menores.
Em razão disso, como já vimos no início dessa sinopse, SOL se decepciona,
quando naquele primeiro período da novela os dois começam o romance. A bem da
verdade, TIÃO também se decepciona com o fato de ela não compreender sua
causa e não perceber que a dedicação integral se faz necessária porque a vida de
peão é curta, e ele terá poucos anos para tentar atingir as metas a que se propôs.
O rompimento do romance o incentiva a mergulhar ainda mais no trabalho.
TIÃO vai crescendo e vai ganhando fama.
E enquanto assistimos a sua ascensão, acompanhamos os tumultuados
primeiros tempos de SOL em Miami, quando passa por todos os sustos e enfrenta
todas as dificuldades, dormindo ao relento, dentro de coletivos, passando fome,
sede e esgueirando-se da polícia, até conseguir localizar a pensão da irmã de
MERCÊS, onde se hospeda determinada a encontrar o rastro do peão americano.
A dona da pensão é a mexicana CONSUELO.
Objetiva e prática, tendo grande experiência de vida e de amores,
CONSUELO tenta inutilmente abrir os olhos de SOL quanto às intenções, melhor
dizendo, a falta de intenções do peão americano, e a aconselha a voltar para sua
terra e para sua família. Nossa heroína não lhe dá ouvidos: tendo suportado as
tormentas da travessia, sente-se mais forte que as circunstâncias e acredita que, dali
por diante, todos os obstáculos serão melhores e mais fáceis de vencer.
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A respeito de CONSUELO devemos dizer ainda que, além da pensão, é


dona de uma alegre cafeteria freqüentada por imigrantes. Mulher risonha,
exuberante, sempre disposta a ajudar os outros, quem a vê assim, bem humorada, o
rádio sempre ligado nos ritmos latinos, dançando enquanto esquenta sanduíches
para os clientes, nem imagina as tristezas que carrega. CONSUELO vive um drama
terrível: ROSÁRIO, uma de suas filhas adolescentes, foi presa na travessia e
devolvida ao México, onde está vivendo sob os cuidados dos avós. Vamos
acompanhar suas angústias, dividida entre voltar para o México ou esperar uma
forma de mandar buscar a filha, e suas dificuldades com a outra menina, INESITA,
a querer viver com a liberdade das adolescentes americanas, entrando em conflito
com os valores e a cultura de seu país. Quando conseguir finalmente o dinheiro
necessário para mandar buscar ROSÁRIO, a filha que foi devolvida ao México,
CONSUELO começa a receber ameaças dos coyotes, dizendo que só a
devolveriam mediante o pagamento de uma quantia maior.
O desfecho dessa situação angustiante é assunto que só há de ser tratado no
decorrer dos capítulos. Por ora, devemos continuar apresentando os outros
habitantes desse pequeno universo.
Na pensão de CONSUELO temos ainda: a irmã dela, MERCÊS, que sendo
considerada solteirona no México, desembarca em Miami disposta a conquistar um
marido americano, e para isso chega a converter-se inclusive ao protestantismo,
para indignação de CONSUELO.
GERALDO é o crooner cubano que sonha se tornar um astro dos filmes
americanos enquanto canta numa casa muito simples mas muito animada da calle
8, a rua habitada e freqüentada por imigrantes.
Nosso crooner deixou em Cuba a mulher grávida de muitos meses,
acreditando que logo poderia mandar buscá-la e reunir a família. Não conseguiu:
ela não concordou com a decisão dele de sair do país e resolveu ficar. O filho
nasceu, cresceu, os anos foram passando, os retratos e as cartas se acumulando
sobre a mesa de cabeceira. E isso é tudo o que ele tem dos amores e da vida que
deixou pra trás. Sabe pouco da vida pessoal da mulher e tem medo de especular.
Trabalha duro e manda o que pode para a educação do filho, que não o
conhecendo, pouco ou nada o procura.
No decorrer da novela, GERALDO vai se envolver com MERCÊS e os
dois começam a viver um romance quando o destino os surpreende. Mas disso
vamos falar nos capítulos.
Temos também o médico NETO, sua mulher HELOÍSA e o filhinho deles,
RIQUE, que muitos problemas há de trazer quando entrar para uma escola
tipicamente americana, em decorrência das diferenças culturais. Através das
reclamações da escola, que está constantemente chamando o NETO e a HELOÍSA,
vamos mostrando essas diferenças na educação das crianças. A confusão culmina
quando o menino for ameaçado de expulsão por ter beijado e abraçado uma garota
de sua idade, comportamento que não é considerado desejável nem conveniente,
numa sociedade que cultiva o respeito à distância física, ao espaço de cada um.
18

Nos primeiros tempos, em que pesem as dificuldades enfrentadas, a vida


corre tranqüila para o jovem casal. Os problemas começam mesmo quando a bolsa
termina, e na tentativa de viabilizar o projeto de ficar na América para continuar
seus cursos e poder trabalhar, NETO acaba sendo iludido por PIMENTA, com a
falsa promessa de regularizar seus papéis.
Na vizinhança, frequentando assiduamente o café, o descolado JOTA,
brasileiro já legalizado, que depois de muita batalha conseguiu finalmente uma
situação estável: acaba de ganhar o green card e, no decorrer da novela, tendo
conseguido comprar uma limousine, passa a se intitular o motorista das estrelas, só
faltando agora conquistar as estrelas, para que o espetaculoso veículo venha a fazer
jus ao título que ostenta em néon. É através dele que o doutor NETO, disposto a
não abrir mão do sonho americano, consegue um emprego de guardador de carros,
enquanto espera uma reviravolta da sorte.
Os imigrantes, arrancados de suas raízes, tendo deixado para trás
família, amigos, referências, e não conseguindo integrar-se ao universo do
americano, formam uma espécie de família baseada nos laços de solidariedade, e
ajudam-se mutuamente na difícil tarefa de sobreviver em meio a cultura e valores
tão diferentes dos seus.
Quanto aos americanos que aparecem na história para pontuar essas
diferenças, teremos Miss JANE, especialista em línguas, conselheira da escola de
RIQUE, velhinha solteira, americana típica, sempre em desacordo com os modos e
os costumes dos vizinhos latinos. Através dela vamos mostrar os argumentos dos
americanos contrários à imigração latina. Os outros não serão personagens fixos,
mas participações: a família para a qual SOL vai trabalhar como arrumadeira e
babá, os namorados de INESITA, as namoradas de JOTA e vai por aí.
Voltemos a SOL para dizer que vive todas as dificuldades e humilhações
a que são costumeiramente submetidos os ilegais, chegando inclusive a tornar-se
cobaia para experimentos médicos e novas tecnologias, tendo sido selecionada para
testar o chip através do qual se pode monitorar as pessoas.
Trabalha em subempregos ganhando sempre menos que os legais, tem de
estar sempre atenta para fugir pela porta dos fundos a qualquer aproximação da
polícia e , se não lhe pagam o salário, só lhe resta engolir o prejuízo, uma vez que a
situação de ilegal não permite que reclame a ninguém os seus direitos. Através das
indicações de HELOÍSA consegue alguns empregos como baby sitter ou
arrumadeira, em casa de famílias americanas. Mas apesar das condições tão
adversas não desanima. Escreve pra casa dizendo que tudo vai muito bem, e
quando consegue finalmente trabalhar num alegre bar de Miami Beach, onde
segundo a moda da casa, além de servir como garçonete faz um número de dança
em cima do balcão, acredita que dali por diante nada mais poderá deter sua
ascensão. Começa a ganhar melhor, a receber gorjetas que lhe permitem juntar
algum dinheiro.
Enquanto isso, na Miami rica, GLAUCO SIMÕES e HAYDÉE vivem o
outro lado do sonho americano: freqüentam festas glamourosas, recebem
19

personalidades, participam do que há de melhor e mais interessante na vida da


cidade. GLAUCO faz contatos, fecha grandes negócios e amplia sua fortuna.
HAYDÉE faz compras nas lojas de marca, enche o cofre de jóias, furta
compulsivamente pequenos objetos e ciceroneia as amigas que visitam a cidade,
enquanto RAISSA malha nas academias da moda e faz amizades novas.
Através deles, como através de ALEX e seus amigos, mostramos a América
que os nossos imigrantes sonharam e foram buscar, mas que embora estejam
pisando o seu chão, continuam olhando de longe.
Voltemos à família do empresário GLAUCO, para dizer que é por essa
época, em que tudo parece tão perfeito, que HAYDÉE descobre o caso do marido
com a amiga da filha, e entende porque as idas dele ao Rio de Janeiro andavam se
tornando tão constantes e porque tantas vezes ele evitou que ela o acompanhasse
nessas viagens.
A separação dos dois é difícil e dolorosa, e ao fim de muitas ameaças, brigas,
discussões, escândalos públicos e privados, GLAUCO se casa com LURDINHA.
O desmascaramento de GLAUCO propicia um fato inusitado: a
aproximação de suas duas viúvas, NINA e HAYDÉE. Movidas por aquela
necessidade tão feminina de compreender exatamente o que se passou com suas
vidas, de saber tin tin por tin tin o quanto foram enganadas e desde quando, as duas
estabelecem uma relação de dependência mútua e objetivo comum: assistir na
primeira fila a derrocada do casamento dele.
Mas voltemos a nosso empresário para dizer que vive tempos de grande
euforia ao lado da quase adolescente LURDINHA. Sente-se renovado, vitorioso, de
bem com a vida, cheio de orgulho pela conquista que desperta admiração e inveja
na sua roda de amigos. Anda cheio de cuidados com o visual, freqüenta academias
para manter-se em forma e busca se interessar por tudo o que diga respeito ao
mundo dos mais jovens. Tanto empenho, há de fazê-lo enfrentar situações
engraçadas e tensas, como haveremos de ver. E vamos deixá-lo aqui, curtindo sua
felicidade, até que tão grande diferença de idade comece a pesar e LURDINHA
acabe se desinteressando dele, quando vier a conhecer o bonitão ALEX, que a essa
altura estará de volta aos Estados Unidos, às custas dos documentos falsos
conseguidos com a certidão de nascimento do marido de NEUTA.

as voltas que o mundo dá


a gente quer ter voz ativa
no nosso destino mandar
mais eis que chega a roda-viva
e carrega o destino pra lá
Chico Buarque
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Já sabemos que as perdas sofridas pela família, se deixaram GENINHO


abatido a ponto de fazer as malas e se mudar pra São Paulo disposto a nunca mais
voltar, tiveram impacto bem diferente sobre o nosso peão: TIÃO se sentiu
desafiado pela vida, da mesma forma que se sentia desafiado pelos touros que
devia montar. Descobriu em si forças que nem pensava que tinha: fez do desejo do
falecido pai uma causa, e impôs a si mesmo a missão de transformar em realidade
os sonhos que perderam o fantasioso ACÁCIO.
Tudo o que ganha nos rodeios aplica no sítio e nas melhorias da casa, que no
decorrer da novela vai aumentando e enfeitando exatamente de acordo com o
desenho feito pelo pai naquela carta de tantos anos atrás, quando ele ainda era
menino de colo.
Como está sempre longe por exigência de seu trabalho, preocupa-se em
deixar o avô e a mãe sozinhos e tão vulneráveis às provocações dos inimigos, ainda
mais agora, quando a velha rixa entre as famílias se reascendeu, desde que o
LAERTE comprou a fazenda contígua ao sítio de TIÃO, planejando um grande
empreendimento. Uma coisa atrapalha o projeto: aquele sítio encravado no meio
das suas propriedades, separando uma da outra. LAERTE faz todas as propostas
para comprá-lo, está disposto a pagar mais do que valem as terras, mas nem TIÃO
nem ZÉ HIGINO aceitam as ofertas. Pelo contrário: TIÃO responde com uma
contraproposta irônica: a de comprar ele um pedaço pequeno que seja das terras
que foram suas.
Pode-se imaginar a seqüência de conflitos decorrentes dessa queda de braço,
com o fazendeiro apelando para todas as ciladas e armações, imbuído que está da
determinação de fazer com que a família infernizada acabe vendendo as terras. São
tempos de muita briga, muita confusão, quando a aflita dona MARIA JOSÉ,
temendo ver acontecer uma desgraça, há de pedir encarecidamente ao filho e ao
sogro que se mudem dali.
Nenhum deles concorda e TIÃO pensa ter encontrado uma solução para o
problema pedindo a GENINHO que volte para tomar conta do sítio onde ele
começa a investir. GENINHO volta, dando início a uma página nova nessa
tumultuada trama.
O irmão de TIÃO se demonstra bom administrador. Junto com a mãe,
MARIA JOSÉ, toma conta de tudo, enquanto nosso peão viaja pelo Brasil e pelo
mundo, muitas vezes em companhia do avô.
Os manos se dão bem, mas às vezes discordam e discordam feio, como
acontece quando TIÃO descobre que GENINHO está fazendo gestos
apaziguadores para o fazendeiro LAERTE, tendo sido visto, inclusive, bebendo
com ele numa mesa de bar.
GENINHO não aceita as críticas do inconformado TIÃO, e argumenta que a
política é sempre a melhor arma para resolver conflitos, ainda mais quando se é a
21

parte mais fraca. Mas para TIÃO não é assim: LAERTE é inimigo, e com inimigo
não se abaixa a guarda, não se relaxa. Seria o mesmo que confiar num touro bravo.
E desfia as perseguições do filho de LAERTE contra ele, as ofensas, as armadilhas
que visam sempre fazê-lo perder o rodeio ou deixá-lo mal diante dos outros.
As discussões rendem mas não mudam o modo de pensar de nenhum dos
irmãos, ambos teimosos, cabeças-de-mula, como define o velho ZÉ HIGINO.
Por essa época TIÃO vive uma experiência incomum. E antes de contá-la
devemos abrir um parêntesis para informar que nosso peão sempre teve uma
sensibilidade muito grande. Desde menino tem sonhos que o impressionam e
costuma enxergar “sinais” onde as outras pessoas enxergam o “acaso”.
Em certos períodos andava alerta, assustado, com a sensação de que algo
extraordinário estava para acontecer a qualquer momento, como se alguém o
chamasse de algum lugar. MARIA JOSÉ entrava em pânico quando ele comentava
essas impressões, achando que era a premonição de alguma coisa ruim. Consultou
a viúva NEUTA, que receitou uns fortificantes e fez uma longa explanação sobre
como os excessos do corpo podem chegar a enfraquecer a cabeça de uma pessoa,
mesmo sendo tão jovem. De modo que TIÃO parou de comentar essas coisas com
a família, e era com o boi VENTANIA que ele desabafava as suas inquietações.
Nesses sonhos, que tem desde menino, TIÃO vê as patas de um touro, só as
patas, riscando o chão sempre do mesmo jeito, num prenúncio de ataque. O touro
parte pra ele, feroz, os chifres poderosos arrastando no chão, sugerindo o desenho
de uma lua. Então ele vê um vê um pé delicado de mulher pisando o chifre que se
transforma em lua, ao mesmo tempo que cai, entre ele e o touro, um véu diáfano
onde brilham estrelas que parecem diamantes.
Por conta desse sonho, nosso peão sempre acreditou que morreria na arena,
e todas as vezes que vai montar olha as patas do touro que lhe cabe com o coração
inquieto, medroso de reconhecer as patas do touro do sonho.
E as reconhece, quando vê o touro BANDIDO.
Esse boi, que apareceu, como já dissemos, no pasto da viúva NEUTA,
anda fazendo verdadeiro estrago no mundo do rodeio, não permitindo que nenhum
peão consiga parar durante 8 segundos sobre o seu lombo. Já derrubou centenas de
peões e eles continuam chegando de todo o Brasil e até do estrangeiro, atraídos
pela fama sua fama e pelo dinheiro alto oferecido a quem conseguir dominá-lo.
E por ser assim, altamente perigoso, não se contentando apenas em derrubar
os peões que se atrevessem a montá-lo, mas partindo pra cima deles disposto a
pisoteá-los também, BANDIDO ficou temido o suficiente para deixar de fazer
parte do contingente de bois sorteados nos rodeios: só montava nele quem o
desafiasse, quem tivesse coragem para tanto.
Havia mesmo quem suspeitasse que o BANDIDO não era desse mundo. A
maior parte dos adeptos dessa teoria apostava que o marido da fogosa viúva
NEUTA incorporava nele, e para comprovar a tese, alguém sempre tinha visto o
peão derrubado lançar olhares cobiçosos para a viúva ou dizer-lhe uma graça.
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Mas voltemos ao momento em que TIÃO constata que estava diante do boi
que lhe aparecia no sonho. A constatação, na mesma época em que a vida de sua
família vira de cabeça pra baixo, provoca uma grande inquietação no nosso
protagonista, que não sabe como entender esses novos sinais. Ele se sente
fortemente atraído pelo touro, como se BANDIDO fosse ou tivesse a chave do
mistério que precisava decifrar. Muitas vezes vai até o pasto da viúva NEUTA para
fitá-lo de longe, e sente-se invadido por sensações fortes e desencontradas quando
o boi fixa os olhos nele.
Um dia, por motivos que só haveremos de revelar nos capítulos, aceita o
desafio de montar o boi. BANDIDO o atira a muitos metros de altura e ele é levado
para o hospital, já em coma. É quando vive uma experiência extraordinária, essa
que costumam chamar: voltar da morte.
Do momento da queda TIÃO só tem a lembrança dos chifres do touro
arrastando no chão, igual como acontecia no sonho. BANDIDO o joga a muitos
metros de altura, e enquanto sobe ele escuta uma voz suave que lhe diz: “por acaso
não sou tua mãe?”
Depois disso, quando deu por si, estava flutuando no ar, numa sala de
hospital, assistindo os médicos tentando reanimar seu corpo. E assim, metido
nesse corpo fluido, que era como uma cópia transparente e sem peso do seu próprio
corpo, passeia pelos corredores do hospital, vê a mãe chorando, amparada pela
viúva NEUTA, vê o desespero do avô e de GENINHO, as Marias breteiras fazendo
promessas para a salvação dele. De repente se sente tragado por uma força muito
grande e é como se entrasse num túnel que ele atravessa em grande velocidade, na
direção de uma luz. Então ele vê o pai, ACÁCIO, que o manda voltar dali, dizendo
que sua hora ainda não chegou. Ao lado dele, uma moça lindíssima com feições
indígenas. TIÃO pergunta: pai, quem é ela? ACÁCIO responde: tua mãe. E antes
que nosso peão possa dizer qualquer outra coisa, a moça levanta os braços envoltos
pelo manto que ele vê no sonho e o empurra de volta, suavemente.
TIÃO se vê cheio de dores e machucados, os mesmos médicos o rodeiam,
dando pancadas no peito. E escuta um deles dizendo: voltou.
O acontecimento há de ter grandes repercussões na vida do nosso peão.
Primeiro porque ele passa a desconfiar que não é filho verdadeiro de MARIA
JOSÉ, depois porque as pessoas se dividem na interpretação da experiência que ele
diz ter vivido. Uns fazem uma leitura sobrenatural, outros explicam
cientificamente o fato, demonstrando que todos aqueles elementos já estavam no
subconsciente de TIÃO e que foram apenas liberados pelas alterações que o
cérebro das pessoas costuma sofrer em circunstâncias assim.
Importante é dizer que o acontecimento marca uma nova etapa na vida do
nosso peão, e mais atento a tudo o que diga respeito ao espiritual, ele começa a
caminhar em direção a um surpreendente desfecho.
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o anel que tu me deste era vidro e se quebrou


o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou
cantiga de roda

canário que muda a pena dói


amor que muda de penas dói
Luiz Gonzaga

Quanto a SOL, indiferente aos conselhos e advertências de CONSUELO,


resolve usar suas economias para ir atrás do peão americano, depois de saber que
ele iria participar de um rodeio em Las Vegas. Com medo de viajar por terra e
deparar com barreiras de imigração, compra a passagem de avião, e gasta muito em
roupas, perfumes e maquiagem, na expectativa de lhe causar impacto.
Não conseguindo entrada para o rodeio e muito menos para a festa que
aconteceria depois, vai cercá-lo no hotel onde está hospedado. O encontro entre os
dois é duro e emocionante, e termina com o peão destruindo as ilusões de SOL,
depois que os dois transam e que ela deixa claro as suas expectativas a respeito
dele.
Fragilizada, dando-se conta que não tem dinheiro suficiente para
comprar a passagem de volta e não tendo providenciado um local para dormir,
uma vez que contava como certa a acolhida entusiasmada do peão americano à
sua chegada, SOL consegue um trabalho de estátua viva no shopping de um
hotel. Enquanto faz seu número, reza para que as pessoas que param para olhar
joguem dólares na caixinha que tem diante de si. Em volta, o espetáculo acontece:
figuras do carnaval veneziano circulam pelo ambiente, enquanto se encena uma
ópera e as gôndolas passam pelo falso canal de Veneza carregando namorados.
É nesse clima que SOL vê TIÃO passar feliz, abraçado a GIL, festejado
pelo grupo em volta, que saúda o campeão da noite e faz brincadeiras que
sugerem o próximo casamento dos dois. SOL vive um tumulto de sentimentos:
impulso de correr para TIÃO e de fugir dali, com medo que ele, e principalmente
GIL, a veja assim, naquela situação humilhante. Sente-se desacolhida, derrotada,
pela primeira vez enxergando o tamanho de seu desamparo e a desproporção de
forças entre seus sonhos e a realidade objetiva. Vontade de voltar o tempo, de
nunca ter deixado o TIÃO, saudade do Brasil, do colo de sua família. A ópera
cresce enquanto TIÃO se afasta e ela, impedida de se mexer pela natureza do
trabalho que realiza, escuta o som das voZEs alegres se afastando.
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É noite de muitas lágrimas, SOL se sentindo perdida, com medo de ter


de voltar por terra para Miami e ser pega em alguma fronteira. Não tendo onde
passar a noite, vai esperar o dia amanhecer no cassino do hotel. Ali, jogando num
caça níquel, ganha dez mil dólares, e aquele dinheiro vindo assim, de maneira tão
mágica e surpreendente, a fortalece outra vez. Como é de seu temperamento,
acredita que aquela sorte repentina foi uma resposta às suas orações, um aviso do
destino de que estava no caminho certo quando investiu no sonho americano.
De volta a Miami, a pensão inteira discute o destino que SOL deva dar
ao dinheiro. Contrariando todas as argumentações de bom senso, ela escolhe usá-
lo para acertar definitivamente sua situação de ilegal, comprando um casamento
para conseguir um green card. Inúteis os conselhos de CONSUELO, o histórico
de casamentos assim que terminam mal, desfiado pelos habitantes da pensão.
SOL segue seu feeling: e tendo reencontrado ED numa das noites de Miami
Beach, propõe a compra do casamento, mesmo sem saber nada sobre ele.
Precisando de dinheiro para terminar de pagar a prestação da casa onde
mora e se casar, ED aceita a proposta. E assistimos, então, aos preparativos
necessários à simulação: SOL aluga o vestido de noiva, posa para o álbum de
casamento nos jardins do Vizcaya, enche álbuns e porta-retratos com fotos de
uma fictícia lua de mel. E mais: movida por um sentimento de revide, pela
necessidade de fazer chegar aos ouvidos de TIÃO que também o esqueceu, que
também está feliz, escreve para casa contando que vai se casar.
Movido pelos mesmo sentimentos, TIÃO decide morar com a locutora
GIL. A convivência entre os dois há de ser tumultuada e marcada pelas
interferências de SOL, seja através dos reencontros entre ela e TIÃO, que
pontuam a novela, ou através de sua lembrança, sempre presente.

os sonhos partidos
vida minha vida
olha o que é que eu fiz...
Chico Buarque

Voltemos a SOL para dizer que, de início, o arranjo do casamento parece


simples. Ela e ED trocam uma espécie de roteiro com respostas para as perguntas
costumeiramente feitas pelo pessoal da imigração nas entrevistas: hábitos e
preferências de cada um, produtos que utilizam no cotidiano, informações sobre as
famílias de ambos, amizades, rotina do casal. O combinado é que cada um
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continue em sua casa, tocando a própria vida. Mas as coisas não correm fáceis
como o planejado.
Pra começar, as fotografias de SOL espalhadas pela casa, os vestígios de
sua presença deixados de propósito para o caso de alguma batida do pessoal da
imigração, começam a incomodar a ciumenta MARY, namorada de ED, e ela acaba
denunciando o casamento de conveniência. A partir daí o casal passa a ser
investigado, e as coisas se complicam, porque as circunstâncias exigem que passem
a morar juntos. Teremos, então, um período de grandes tempestades, com as
dificuldades de relacionamento entre SOL e ED, a convivência entre os dois se
tornando cada vez mais complicada pela diferença de costumes e hábitos.
ED é do tipo introvertido, organizado, gosta de ver a casa arrumada e tudo
em seu lugar. SOL é bagunceira, barulhenta, e para desespero do marido fictício,
gosta de ouvir samba, enquanto ele só ouve música clássica e jazz. Nesse início,
as desavenças entre os dois são constantes e, por muitas vezes, certo de que não
agüentaria mais, ED ameaça desistir do trato firmado entre os dois. Com o tempo,
os sentimentos de ambos vão ficando confusos, e eles alternam demonstrações de
amizade com cenas de agressões, quando se desacatam e dizem coisas de que
mais tarde vão acabar se arrependendo.
Como se não bastasse, SOL descobre que está grávida do peão americano,
Sem direito a plano de saúde, dinheiro para arcar com os custos de um hospital e
sem condições de continuar dançando depois que a gravidez avança, e acaba indo
trabalhar de garçonete no bar da calle 8 onde GERALDO canta.
A ciumenta namorada de ED, desconfiada de que ele era o pai da criança e
tendo descoberto o envolvimento de nossa protagonista no episódio das drogas, a
denuncia à polícia. SOL tenta fugir, mas é localizada através do chip e acaba
deportada. Volta abatida, humilhada, grávida e sem dólares na bolsa, para a
casinha simples de subúrbio que deixou um dia para ir em busca do sonho
americano, jurando que nunca mais haveria de voltar.
A partida de SOL dá a ED a certeza de que está realmente apaixonado
por ela. E ele vai se empenhar de todas as maneiras para tê-la de volta, não
descartando, inclusive, a hipótese de se mudar para o Brasil.
Enquanto isso TIÃO enfrenta uma grande tempestade, quando GENINHO,
através de artimanhas que não devemos revelar aqui, se torna o único dono das
terras e das benfeitorias pertencentes à família e entra em acordo e sociedade com
LAERTE.
A briga é terrível, e termina com TIÃO abandonando a casa, seguido pelo
avô e pela mãe, para começar de novo, da estaca zero.
É nesse período que ele reencontra SOL, e contrariando a família e os
amigos, se dispõe a passar uma esponja em cima do que passou para começar
uma vida nova, assumindo como seu o filho que ela espera e rompendo de
maneira tempestuosa a relação com GIL.
Devemos reconhecer que SOL mudou muito: tinha sofrido o bastante para
amadurecer e saber dar valor ao amor de TIÃO.
26

Mas por essa época, o peão americano é vítima de um acidente na arena e


fica sabendo que nunca mais poderá ser pai. Assim, quando a criança nasce, ele
se reaproxima, querendo conhecer o filho. E contra a vontade de TIÃO,
acreditando que devia agir assim no interesse da criança, SOL permite que ele
registre o menino. O fato, como não poderia deixar de ser, provoca ruídos no
relacionamento do casal. Mas a tempestade ainda estava por vir: numa das vezes
em que aparece para visitar o menino, NICK foge com ele. Começa uma batalha
judicial sem perspectivas para terminar. E é quando SOL, desesperada ante a
idéia de passar anos e anos sem ver o filho, decide arriscar tudo e voltar aos
Estados Unidos, sacrificando mais uma vez o seu amor por TIÃO.
Agora ela faz a travessia por mar, a partir das Bahamas. Os coyotes que a
conduzem, sentindo a ameaça de serem pegos no decorrer da viagem, acabam
deixando o grupo de imigrantes numa praia deserta de Cuba, dizendo a eles que
tinham chegado a Miami.
Desse modo, SOL se vê obrigada a fazer a travessia por balsa, enfrentando
os perigos do mar, as tempestades, os muitos dias de fome, sede e frio, quando
chegou a acreditar que não chegaria viva e quando a virgem de Guadalupe,
padroeira da América e dos imigrantes, invocada por ela, promove um belo
milagre que os capítulos haverão de contar.
SOL está outra vez em Miami, em condições muito piores do que aquelas
do início da novela. E mais: descobre que está grávida de TIÃO. Terá de
escolher, portanto, não apenas entre dois amores –TIÃO e ED-, mas entre dois
filhos: deve sacrificar a criança que espera pelo filho que dificilmente conseguirá
retirar do país?
Enquanto isso, lutando para reaver o que é seu, a partir de um novo
enfrentamento com o touro BANDIDO, e de nova interferência da moça que viu
acompanhando seu pai na experiência de quase morte, a história de TIÃO tem
um surpreendente desfecho, quando os mistérios de seus sonhos e intuições são
revelados e o seu destino finalmente se cumpre.
Mas isso é assunto os capítulos.

FIM

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