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Portuguesa
Faculdade de Direito, Escola de Lisboa
Semestre de Inverno
Direito da Cultura
Introdução pág. 3
Conclusão pág. 27
Bibliografia pág. 28
Anexos pág. 29
2
Introdução
Longe parecem estar os tempos da clássica distinção entre Direitos Humanos e
Direitos Fundamentais, onde a distinção entre o poder estadual e o poder das escassas
instâncias internacionais era claro e inultrapassável.
Após conseguir tal protecção por parte do seu estado, o Homem conseguiu algo ainda
mais inacreditável: uma protecção internacional activa, com pretensões de efectividade.
Mas quais são os direitos que esta ordem internacional pretende proteger? Será que o
direito à cultura é um deles?
É isso que se pretende analisar com este trabalho. Irei proceder a tal análise
primeiramente no campo da Organização das Nações Unidas, depois no campo do Conselho
da Europa (o qual irei analisar com mais detalhe) e, por fim, no campo da União Europeia.
3
O Direito à Cultura
É essencial começar por definir em que se consubstancia o direito à cultura. Será que
se insere no conjunto dos direitos fundamentais? Se sim, a que geração pertence?
pessoa humana [princípio este que deve ser a pedra basilar do Estado de Direito], sendo
Como o Professor Vasco Pereira da Silva afirma, apesar desta diversidade de gerações
de direitos, devemos realçar a “renovada unidade” da categoria dos direitos fundamentais,
patente na sua identidade axiológica (uma vez que, todos eles constituem a resposta ao
problema da protecção da dignidade da pessoa humana) e na sua identidade estrutural (pois
todos eles se podem caracterizar, do ponto de vista jurídico, por apresentarem
simultaneamente uma vertente negativa – que obriga as entidades públicas a absterem-se de
agressões susceptíveis de causarem lesões nas posições subjectivas de vantagens
constitucionalmente protegidas – e uma vertente positiva – que obriga a prestações dos
2
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 31.
3
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 31.
5
poderes públicos, ou à cooperação entre estes e os privados para a sua realização, assim como
comportam igualmente uma dimensão subjectiva e objectiva).
O direito à cultura surge na primeira geração “como uma liberdade em face do Estado,
integrando as chamadas liberdades de espírito ou liberdades de pensamento, encontrando-se
expressa ou implicitamente (uma vez que também podia ser construído a partir da liberdade
de expressão ou de pensamento) consagrado nas constituições liberais”4.
O direito à cultura é um direito fundamental e, como tal, constitui, também ele, uma
resposta ao problema da protecção da dignidade da pessoa humana. Da sua estrutura faz parte
4
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 36.
5
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 37.
6
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 37.
6
tanto a vertente positiva (da qual advém uma obrigação, para os poderes públicos, de
efectuarem as prestações necessárias à realização efectiva deste direito), como a vertente
negativa (dele advém, para as autoridades públicas a obrigação de se absterem de agressões
susceptíveis de causarem lesões neste direito subjectivo público), próprias dos direitos
fundamentais.
Sobre este sub-tema irão apenas ser ditas algumas palavras, só para podermos ter uma
pequena noção sobre o espaço que este direito ocupa na nossa Constituição.
7
A ONU teve como sua antecessora a Sociedade das Nações (SDN) que, quando foi
criada, pretendia ser um instrumento de esperança. Esperança de povos e de antigos
combatentes que desejavam, com sinceridade, que a Grande Guerra tivesse sido a última.
Infelizmente tal não veio a acontecer, tanto por incapacidade da SDN como da nova ordem
internacional que se revelou ameaçada desde a própria Conferência de Paz.
A II Guerra Mundial nasce nos tratados de paz da I Guerra Mundial, que não têm em
atenção questões tão importantes como a segurança e a paz, tendo apenas perpetuado antigos
rancores e ódios. A SDN não teve um papel nada fácil no panorama internacional: o
desmembramento dos grandes impérios em pequenos países inexperientes, a contínua
humilhação da Alemanha pelos países vencedores, a falta de apoio dos Estados Unidos da
América (entre outros problemas) conduziram a SDN a um profundo fracasso, não tendo tido
“forças” para impedir a emergência de uma segunda Guerra Mundial.
Na esteira desta mesma vontade Franklin Roosevelt pugnou, nas cimeiras da “Grande
Aliança”, pela criação de um novo organismo, mais consistente que a SDN, que ele próprio
baptizou com o nome de Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo a “Carta das Nações Unidas” a ONU foi criada com os propósitos
fundamentais de:
8
• desenvolver relações de amizade entre os países do Mundo, baseadas na
igualdade entre os povos e no seu direito à autodeterminação;
• funcionar como centro harmonizador das acções tomadas para alcançar estes
propósitos8.
A ONU tem sede permanente em Nova Iorque e agrega, hoje, praticamente todos os
povos do Mundo. Embora tenha desenvolvido um importante papel no que toca à cooperação
internacional, a sua actuação ficou aquém das expectativas no que concerne à concertação da
paz mundial.
A ONU tomou uma feição profundamente humanista, que foi reforçada pela
aprovação, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), que passou
a integrar os documentos fundamentais das Nações Unidas.
8
Preâmbulo da “Carta das Nações Unidas”, São Francisco, 26 de Junho de 1945.
9
toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de
fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam
(artigo 27º, nº1); os segundos da estipulação de que todos têm direito à protecção dos
interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da
sua autoria (artigo 27º, nº2).”9
Todas as suas iniciativas são de extrema importância, mas não passam do plano da
promoção, não podem impor o direito à cultura, nem o respeito dos Estados por este, podem
apenas incentivá-lo. Falta a estas organizações poder para poderem intervir de forma mais
eficaz, na ordem interna dos Estados, poder este que dificilmente irão obter, tendo em conta
os desequilíbrios de força que existem dentro das Nações Unidas. Resta-lhes, assim, a digna
missão de promoção do direito à cultura.
9
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, página 44.
10
Este reconhece que, em conformidade com a DUDH, “o ideal do ser humano livre,
usufruindo das liberdades civis e políticas e liberto do medo e da miséria, não pode ser
realizado a menos que sejam criadas condições que permitam a cada um gozar dos seus
direitos civis e políticos, bem como dos seus direitos económicos, sociais e culturais”10.
Pretende, assim, ser um instrumento mais efectivo do que a DUDH, na protecção dos direitos
inalienáveis do Homem, que derivam da sua própria dignidade, enquanto ser humano que é. É
um documento vinculativo para os Estados que o ratificaram.
Este documento internacional “trata do direito à cultura, na sua acepção mais ampla,
enquanto direito dos indivíduos integrados em determinados grupos sociais, agregados
populacionais ou comunidades políticas, dotados de identidade cultural própria, ao estabelecer
que nos Estados em que existem minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas
pertencentes a essas minorias não devem ser privadas do direito de ter, em comum com os
outros membros do seu grupo, a sua própria vida cultural, de professar e de praticar a sua
própria religião ou de empregar a sua própria língua (artigo 27º do PIDCP). Pode
considerar-se que existe ainda um reconhecimento implícito do direito à cultura, resultante da
consagração das liberdades de espírito, nomeadamente da liberdade de opinião (artigo 19º,
nº1 do PIDCP) e da liberdade de expressão, que compreende a liberdade de procurar,
receber e expandir informações e ideias de toda a espécie (…) sob forma oral ou escrita,
impressa ou artística, ou por outro qualquer meio à sua escolha (artigo 19º, nº2 do PIDCP)
”11.
10
Preâmbulo do “Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos”, 1996.
11
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, páginas 44 e 45.
11
Foi, igualmente, adoptado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela resolução
2200A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas a 16 de Dezembro de 1966. Entrou em
vigor, na ordem internacional a 3 de Janeiro de 1976, em conformidade com o seu artigo 27º.
É um tratado internacional e multilateral.
Este Pacto “consagra expressamente o direito à cultura nas suas múltiplas vertentes –
de liberdade, de prestação e de participação, assim como se refere também, em especial, à
modalidade dos direitos de autor. Assim, o artigo 15º [do PIDESC], impõe o respeito pela
liberdade indispensável à investigação científica e às actividades criadoras (nº3); obriga à
tomada de medidas para assegurar a manutenção, o desenvolvimento e a difusão da ciência e
da cultura (nº2), assim como à adopção de mecanismos de cooperação no domínio da ciência
e da cultura (nº4); reconhece a todos o direito de participar na vida cultural (nº1, alínea a);
garante o direito de beneficiar da protecção dos interesses morais e materiais que decorrem
de toda a produção científica, literária ou artística de que cada um é autor (nº1, alínea c)”12.
Estes dois Pactos Internacionais propugnam a realização dos mesmos objectivos, mas
em campos que outrora se consideravam diferentes e com diferente importância (direitos civis
e políticos vs direitos económicos, sociais e culturais). Nesta altura considerava-se que os
chamados direitos de primeira geração estavam mais intimamente ligados à dignidade da
pessoa humana, que os direitos da segunda e terceira gerações. Hoje o entendimento tende a
ser diferente. Todos estes direitos têm a mesma estrutura (são compostos por uma combinação
de uma vertente negativa – que corresponde a uma esfera protegida de agressões estaduais – e
de uma vertente positiva – que obriga à intervenção dos poderes públicos, de modo a permitir
a realização plena e efectiva de tais posições de vantagem) e o mesmo fundamento (a sua
ligação à dignidade da pessoa humana).
Penso que quem esteve por detrás da redacção destes dois Pactos Internacionais era de
tal forma vanguardista que percebeu tal conexão entre todos estes direitos, basta lermos o
preâmbulo dos dois documentos para nos apercebermos disso mesmo. Mas a verdade é que
esse não era o entendimento geral e, por isso, existem grandes diferenças entre estes dois
diplomas.
12
VASCO PEREIRA DA SILVA “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, páginas 45.
12
Ambos são vinculativos para os Estados que os ratificaram, mas apesar de o Pacto
Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais ter representado um grande
avanço na protecção explícita do direito à cultura essa protecção não é de todo suficiente. As
medidas a que este Pacto obriga os Estados a tomar ficam na disponibilidade dos Estados, os
passos que os Estados são obrigados a realizar ficam na medida das suas possibilidades. As
normas deste diploma são demasiado programáticas, baseiam-se demasiado nos passos que os
Estados podem e querem dar, ao contrário do que acontece com as normas constantes do
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que são directamente exequíveis.
Conselho da Europa
O Conselho da Europa é uma organização internacional que foi fundada a 5 de Maio
de 1949, com o Tratado de Londres. É a mais antiga instituição europeia em funcionamento.
Os seus propósitos são a defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento democrático e a
promoção da estabilidade político-social na Europa.
Quais são, então, os principais objectivos que a CEDH procura realizar? A CEDH
pretende garantir, a cada particular (sujeito à jurisdição de um Estado contratante), uma
protecção mais eficaz dos seus direitos, liberdades e garantias do que a que lhe é conferida
pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. Tem, igualmente, a intenção de assegurar
alguns valores universais e, paralelamente, pretende construir – sobre esses valores comuns –
uma sociedade mais democrática e segura no espaço europeu.
13
ARMANDO ROCHA, “O Contencioso dos Direitos do Homem no Espaço Europeu – O
Modelo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Lisboa, 2009, página 19.
14
mas sim de colocar sob protecção internacional alguns direitos comuns ou básicos,
presumivelmente já reconhecidos pela lei interna dos Estados parte” 14.
14
L.B. SOHN e TH. BUERGENTHAL, “International protection of human rights”, 1973,
página 1149.
15
(artigo 3º, do Protocolo nº1), a proibição da prisão por dívidas (artigo 1º, do Protocolo nº4), a
proibição da pena de morte (artigo 1º, do Protocolo nº6), o direito a um duplo grau de
jurisdição em matéria penal (artigo 2º, do Protocolo nº7), entre outros.
A este "acervo de direitos do homem (…), dá-se usualmente o nome de ordem pública
europeia, por expressarem a comunidade de valores e princípios inerentes à dignidade da
pessoa humana, que devem guiar a acção dos Estados contratantes.”15
Todos os juízes do TEDH têm de preencher este conjunto de requisitos. Uma vez
preenchidos, os Estados são livres de escolher as personalidades que desejam ver presentes no
Tribunal.
15
ARMANDO ROCHA, “O Contencioso dos Direitos do Homem no Espaço Europeu – O
Modelo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Lisboa, 2009, página 21.
16
Cfr. ARMANDO ROCHA, “O Contencioso dos Direitos do Homem no Espaço Europeu – O
Modelo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, p.43, em articulação com o
artigo 21º da CEDH.
16
Que competências tem este Tribunal?
Quem pode solicitar ao Tribunal a composição de um litígio e contra quem pode ser
solicitada a composição desse litígio?
Por outras palavras, e muito sucintamente, é contra os Estados parte na Convenção que
pode ser solicitada a composição de um litígio, são estes que dispõem de legitimidade passiva.
Qualquer Estado contratante, indivíduo, pessoa colectiva, organização não governamental ou
grupo de indivíduos, que veja um seu direito (plasmado na Convenção) ser violado por
qualquer Estado contratante pode dirigir-se ao TEDH para ver o seu direito defendido em
juízo. Mas tal só pode suceder uma vez esgotadas as vias de direito interno (número 1, do
artigo 35º da CEDH).
Este requisito de acesso ao TEDH revela o carácter subsidiário da tutela conferida pela
Convenção em relação à tutela de direito interno. O Estado que alegadamente violou a
Convenção deve ter prioridade na resolução da questão. Os meios jurídicos ao dispor do
indivíduo devem ser essenciais, suficientes, acessíveis, eficazes e adequados.
17
4.Liberdade de expressão
A CEDH consagra, no seu artigo 10º, este direito e existem vários acórdãos, do
TEDH, que o concretizam e desenvolvem, explicando-nos quais as faculdades que este direito
envolve e quais os limites a que está sujeito.
Vou, agora, analisar duas situações que foram submetidas à apreciação do TEDH.
O acórdão Lopes Gomes da Silva C. Portugal (2000), foi o primeiro caso em que
Portugal foi condenado. O TEDH apreciou a situação de Vicente Jorge Silva, então director
do jornal Público, contra o qual tinha sido proposta uma queixa crime, apresentada por Silva
Resende.
Vicente Silva escreveu vários artigos em que expressava, de uma maneira não muito
moderada, a sua opinião sobre várias pessoas da sociedade e, na altura, escreveu vários artigos
sobre Silva Resende, uma vez que este tinha sido apresentado como candidato do CDS à
presidência da Câmara Municipal de Lisboa.
Deixo-vos, aqui, um excerto de um dos seus vários artigos: “Basta ler os excertos dos
artigos recentes de Silva Resende, que publicamos nestas páginas, para se fazer uma ideia da
personagem que o novel Partido Popular quer candidatar ao principal município do país. Será
inverosímil e grotesco – mas é verdadeiro. Nem nas arcas mais arqueológicas e bafientas do
salazarismo seria possível desencantar um candidato ideologicamente mais grotesco e boçal,
uma mistura tão inacreditável de reaccionarismo alarve, sacristanismo fascista e anti-
semitismo ordinário. Qualquer figura destacada do Estado Novo ou qualquer presidente da
Câmara de Lisboa durante o anterior regime passariam por insignes progressistas em
comparação com este brilhante achado de Manuel Monteiro”.
18
para as que ferem, chocam ou causam inquietação. Assim o exigem o pluralismo, a
tolerância e o espírito aberto sem os quais não há sociedade democrática.”17
Outro caso que se pode interligar com o tema, deste trabalho, é o caso Wingrove C.
Reino Unido (1996). O realizador, Nigel Wingrove, realizou uma curta-metragem que
envolvia diálogo, música e imagens. Através da sua curta-metragem, Nigel pretendia mostrar
ao público a sua visão sobre a vida e os escritos de Santa Teresa de Ávila (santa que teve
experiências de êxtase com Jesus Cristo). A sua obra continha cenas que foram consideradas
eróticas, entre a actriz que interpretava a personagem de Santa Teresa e a que interpretava a
personagem da sua psique, assim como as cenas entre a actriz que interpretava a personagem
de Santa Teresa e o actor que interpretava a personagem de Jesus Cristo.
Esta Convenção não consagra directa nem explicitamente o direito à cultura. Verifica-
se, apenas, o seu “reconhecimento implícito (no quadro das liberdades de espírito),
designadamente, nos artigos 9º (liberdade de pensamento, de consciência e de religião) e 10º
(liberdade de expressão). A que acresce a protecção do Protocolo Adicional nº1 (20 de Março
de 1952), que estabelece no artigo 2º (o direito à instrução), que a ninguém pode ser negado o
direito à instrução, sendo esta uma tarefa estadual a desempenhar no respeito pelas
convicções religiosas e filosóficas dos pais.”18
17
Acórdão Jorge Vivente Silva C. Portugal, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem,
2000.
18
VASCO PEREIRA DA SILVA, “A Cultura a que tenho direito – Direitos Fundamentais e
Cultura”, Almedina, Coimbra, 2007, páginas 49 e 50.
19
Mas será que os casos anteriormente expostos não estariam melhor protegidos sob a
égide do direito à cultura, caso este também estivesse consagrado na Convenção?
Os artigos de jornal de Vicente Silva podiam nem estar abrangidos pelo âmbito do
direito à liberdade de expressão, mas sendo artigos de grande qualidade, que nos transmitem
uma visão pessoal da sociedade, sua contemporânea, constituem um bem cultural, que deve
ser protegido. Ao director do Público deveria ter sido, igualmente, reconhecido o seu direito à
divulgação da obra literária, por si criada.
Existem muitos génios, com feitios difíceis, pessoas muito temperamentais, mas
brilhantes. Não deveria ser fácil de lidar com jovens possuidores de desejos tão ardentes de
conhecimento e de expressão, mas há que proteger as suas obras. O Manifesto Anti-Dantas e
por Extenso19, de Almada Negreiros não teria sido mais ofensivo ainda que os textos de
Vicente Silva? Os grandes artistas nem sempre colhem o apoio da crítica ou do público mas
não é por isso que o seu brilhantismo esmorece, é ofuscado ou não deve ser protegido.
19
“Basta pum basta. Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas é
uma geração que nunca o foi. É um coio d’indigentes, d’indignos e de cegos! É uma
resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero! Abaixo a geração!
Morra o Dantas, morra! Pim! Uma geração com um Dantas a cavalo é um burro
impotente! (…) – ALMADA NEGREIROS, “Manifesto Anti-Dantas e por Extenso”.
20
Deveria ser inserido, na Convenção, o direito à cultura, pois é este que mais apto está a
proteger situações análogas às verificadas nos acórdãos referidos. Os bens culturais, quer
sejam um artigo, um quadro, ou uma curta-metragem, devem ser protegidos pelo direito à
cultura e não pelo direito à liberdade de expressão. O direito à cultura está dentro do âmbito
dos direitos, liberdades e garantias que a Convenção preferencialmente visa proteger.
Os países da Europa têm tradições em comum. A Europa, no seu todo, tem como base
a matriz greco-romana, a cultura judaico-cristã, às quais se alia uma forte contribuição
germânica.
Esta Convenção não pretende proteger o direito à cultura (enquanto direito à invenção,
produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, nem protege os direitos de
autor), mas sim a “cultura europeia”, como realidade complexa, enraizada na comunidade
europeia, que conjuga tanto elementos de ordem histórica, como filosófica, antropológica,
sociológica e psicológica. Cada Estado parte deve dar o seu contributo para a protecção e
desenvolvimento de tal cultura.
Este documento procura proteger os valores e o património comum dos vários países
da Europa, bem como promover a facilitação do movimento de trocas e circulação de pessoas
e de bens de valor cultural.
21
União Europeia
1.Origem
O sucesso dos primeiros anos do processo de integração europeia fez surgir o desejo
de integração política, assim como o aumento das competências da Comunidade e
alargamento das suas políticas.
A Comunidade viu os seus membros aumentarem, assim como a sua influência sobre
estes.
23
Com o Tratado de Lisboa ocorrem várias mudanças, como por exemplo: a União
Europeia absorve as Comunidades Europeias e adquire personalidade jurídica; a Carta dos
Direitos Fundamentais da EU torna-se vinculativa, de cumprimento obrigatório para os
Estados-Membros; são criadas novas figuras institucionais; alteração das votações no seio do
Conselho da União Europeia, entre outras.
A União Europeia entendeu que tal não bastava e quis, através desta Carta, conferir
maior visibilidade aos direitos fundamentais, protegidos por cada Estado e, reforçar a sua
protecção, “à luz da evolução da sociedade, do progresso social e da evolução científica e
tecnológica”20.
20
Preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da EU.
24
Este documento não consagra explicitamente o direito à cultura. Existe um
reconhecimento implícito deste direito, resultante da consagração das chamadas “liberdades
de espírito”, através da liberdade de pensamento, de consciência e de religião (artigo 10º), da
liberdade de expressão e de informação, que compreende “ a liberdade de opinião e a
liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de
quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras” (número 1 do artigo 11º), do
direito à educação (número 1 do artigo 14º). A Carta diz ainda que “as artes e a investigação
científica são livres” e que é “respeitada a liberdade académica” (artigo 13º). Mas, não
protege o “direito dos indivíduos integrados em determinados grupos sociais, agregados
populacionais ou comunidades políticas, dotados de identidade cultural própria” (livro do prof
Vasco), não existe nenhum artigo que proteja os direitos das minorias étnicas, a Carta
simplesmente diz, no seu artigo 22º, que a “União respeita a diversidade cultural, religiosa e
linguística”.
Conclusão
O direito à cultura é um direito fundamental, um direito individual e colectivo,
cabendo ao indivíduo, à sociedade, ao Estado e à Comunidade Internacional defende-lo e
promove-lo.
Mas tal não aconteceu e quem perde somos nós, cidadãos, que não vemos os nossos
direitos protegidos tão eficazmente como deveriam ser.
Bibliografia
26
• ERNÂNI ROGRIGUES LOPES, “Questões Fundamentais de Construção Europeia”,
Volume I, Lições da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa,
2008/2009.
Anexos
Anexo 1
27
EUROPEAN CULTURAL CONVENTION
Paris, 19.XII.1954
28
The governments signatory hereto, being members of the Council of Europe,
Considering that the aim of the Council of Europe is to achieve a greater unity
between its members for the purpose, among others, of safeguarding and
realising the ideals and principles which are their common heritage;
Considering that the achievement of this aim would be furthered by a greater
understanding of one another among the peoples of Europe;
Considering that for these purposes it is desirable not only to conclude bilateral
cultural conventions between members of the Council but also to pursue a
policy of common action designed to safeguard and encourage the development
of European culture;
Having resolved to conclude a general European Cultural Convention designed
to foster among the nationals of all members, and of such other European States
as may accede thereto, the study of the languages, history and civilisation of the
others and of the civilisation which is common to them all,
Have agreed as follows:
Article 1
Each Contracting Party shall take appropriate measures to safeguard and to
encourage the development of its national contribution to the common cultural
heritage of Europe.
Article 2
Each Contracting Party shall, insofar as may be possible,
a encourage the study by its own nationals of the languages, history and
civilisation of the other Contracting Parties and grant facilities to those
Parties to promote such studies in its territory, and
b endeavour to promote the study of its language or languages, history and
civilisation in the territory of the other Contracting Parties and grant
facilities to the nationals of those Parties to pursue such studies in its
territory.
Article 3
The Contracting Parties shall consult with one another within the framework of
the Council of Europe with a view to concerted action in promoting cultural
activities of European interest.
Article 4
Each Contracting Party shall, insofar as may be possible, facilitate the movement
and exchange of persons as well as of objects of cultural value so that Articles 2
and 3 may be implemented.
Article 5
Each Contracting Party shall regard the objects of European cultural value
placed under its control as integral parts of the common cultural heritage of
Europe, shall take appropriate measures to safeguard them and shall ensure
reasonable access thereto.
Article 6
1 Proposals for the application of the provisions of the present Convention and
questions relating to the interpretation thereof shall be considered at meetings
of the Committee of Cultural Experts of the Council of Europe.
2 Any State not a member of the Council of Europe which has acceded to the
present Convention in accordance with the provisions of paragraph 4 of
Article 9 may appoint a representative or representatives to participate in the
meetings provided for in the preceding paragraph.
3 The conclusions reached at the meetings provided for in paragraph 1 of this
article shall be submitted in the form of recommendations to the Committee of
Ministers of the Council of Europe, unless they are decisions which are within
the competence of the Committee of Cultural Experts as relating to matters of
an administrative nature which do not entail additional expenditure.
5 Each Contracting Party shall notify the Secretary General of the Council of
Europe in due course of any action which may be taken by it for the application
of the provisions of the present Convention consequent on the decisions of the
Committee of Ministers or of the Committee of Cultural Experts.
6 In the event of certain proposals for the application of the present Convention
being found to interest only a limited number of the Contracting Parties, such
proposals may be further considered in accordance with the provisions of
Article 7, provided that their implementation entails no expenditure by the
Council of Europe.
Article 7
If, in order to further the aims of the present Convention, two or more
Contracting Parties desire to arrange meetings at the seat of the Council of
Europe other than those specified in paragraph 1 of Article 6, the Secretary G
eneral of the Council shall afford them such administrative assistance as they
may require.
Article 8
Nothing in the present Convention shall be deemed to affect
a the provisions of any existing bilateral cultural convention to which any of
the Contracting Parties may be signatory or to render less desirable the
conclusion of any further such convention by any of the Contracting Par
ties, or
b the obligation of any person to comply with the laws and regulations in
force in the territory of any Contracting Party concerning the entry,
residence and departure of foreigners.
Article 9
1 The present Convention shall be open to the signature of the members of the
Council of Europe. It shall be ratified, and the instruments of ratification shall
be deposited with the Secretary General of the Council of Europe.
2 As soon as three signatory governments have deposited their instruments of
ratification, the present Convention shall enter into force as between those
governments.
5 The Secretary General of the Council of Europe shall notify all members of the
Council and any acceding States of the deposit of all instruments of ratification
and accession.
Article 10
Any Contracting Party may specify the territories to which the provisions of the
present Convention shall apply by addressing to the Secretary General of the
Council of Europe a declaration which shall be communicated by the latter to
all the other Contracting Parties.
Article 11
1 Any Contracting Party may denounce the present Convention at any time after
it has been in force for a period of five years by means of a notification in
writing addressed to the Secretary General of the Council of Europe, who shall
inform the other Contracting Parties.
2 Such denunciation shall take effect for the Contracting Party concerned
six months after the date on which it is received by the Secretary General of the
Council of Europe.
In witness whereof the undersigned, duly authorised thereto by their respective
governments, have signed the present Convention.
Done at Paris this 19th day of December 1954, in the English and French lan
guages, both texts being equally authoritative, in a single copy which shall remain
deposited in the archives of the Council of Europe. The Secretary General shall transmit
certified copies to each of the signatory and acceding governments.
Anexo 2
http://www.iidh.ed.cr/comunidades/libertadexpresion/docs/le_eu
ropeo/lopes%20gomes%20da%20silva%20v.%20portugal.htm;