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Belo Horizonte
2019
E se, desse ato de se voltar para dentro de si, desse
aprofundamento em seu próprio mundo, resultarem versos, o
senhor não pensará em perguntar a alguém se são bons versos
[...] pois verá neles seu querido patrimônio natural, um pedaço e
uma voz de sua vida.
Rainer Maria Rilke, Cartas a um jovem poeta
1) Introdução
Pode-se dizer que o iraniano Abbas Kiarostami dedicou sua vida aos
trabalhos artísticos – em destaque, pode-se citar a poesia, a fotografia e o
cinema –, mas nunca chegou a sistematizar uma teoria propriamente dita. É
possível perceber, ao estudar seus textos e as entrevistas que deu, que ele tinha
uma forma muito peculiar de olhar e interpretar o mundo e de enxergar certas
funcionalidades e forças das mais variadas formas de arte.
O texto Duas ou três coisas que sei de mim1 foi lançado no Brasil pela
editora Cosac Naify, num livro que carrega no título o nome de Abbas Kiarostami.
Dentre outros textos presentes nessa edição, publicada em 2004, se destaca O
real cara e coroa, de Youssef Ishaghpour. Trata-se, portanto, de um livro onde
se entrecruzam as palavras de alguns exegetas e do próprio artista. O contraste
entre estes textos mostra-se muito interessante.
1Este texto é uma espécie de compilado de várias entrevistas dadas por Kiarostami ao longo de
10 anos: entre 1993 e 2003. Em especial, aqui reúnem-se vários fragmentos das conversas que
aconteceram entre o cineasta e os curadores Alberto Barbera e Elisa Resegott, que organizaram
pela primeira vez este material.
distanciamento na obra deste cineasta – sendo este último tópico, algo que
descende de seu trabalho como fotógrafo –, o texto cujas palavras são do próprio
Kiarostami segue um rumo bem diferente e aparece-nos muito mais como um
relato sensível da experiência do contato com a arte e de um aprendizado que
daí se originou.
2Os títulos originais dos filmes citados neste paragrafo são, respectivamente: “Khane-ye Doust
Kodjast?”, “Ta'm e Guilas”, “Dah” e “Five Dedicated to Ozu”.
A filmografia de Kiarostami prosseguiu, até os seus últimos 24 Frames, se
transformando e provocando significativas reflexões até mesmo sobre o papel
do cinema. Isso parece ser um alicerce valioso para o realizador, algumas
questões pareciam servir de combustível para o desenvolvimento de seu
trabalho, questões como: até onde ir com o cinema? Para nós, talvez importe a
questão: O que, afinal era o cinema para esse diretor?
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Título original: “Nan va kuche”.
entre o tempo e o espaço. Ele ainda aponta que este desentendimento com o
diretor de fotografia – Fakhimi chegou a abandonar o set de filmagens sem dizer
nada ao realizador – foi algo muito benéfico para sua carreira, pois se ele não
tivesse mantido sua firme opinião nunca teria desenvolvido e aperfeiçoado o que
ele classifica como uma de suas principais características: “filmar uma cena
inteira num único enquadramento”.
3) Ecos da Revolução
Close-up (1990)7 deve ser o exemplo mais célebre disto na obra deste
diretor. É um filme profundamente sensível sobre um farsante, alguém que
transformou a vida real em sua narrativa particular e como um ator passou a
interpretar outra pessoa: Hossain Sabzian se passou pelo cineasta Mohsen
Makhmalbaf e enganou uma família inteira, prometendo-lhes a participação em
um filme que nunca poderia realizar. Sabzian é preso, Kiarostami quer filmar o
julgamento, vai atrás desta história e conjuga realidade, ficção e encenação
como poucos filmes conseguem fazer. Por conta do caso, ou seja, de forma
indireta, o filme que Sabzian prometeu é feito, pelas mãos de Kiarostami.
9O filme também foi distribuído no Brasil com o título de “E a Vida Continua”. Título original:
“Va zendegi edame darad”.
5) Referências
AUMONT, Jacques. Teorias Dos Cineastas (as). São Paulo: Papirus Editora,
2004.
GRAÇA, André Rui; BAGGIO, Eduardo Tulio; PENAFRIA, Manuela. Teoria dos
cineastas: uma abordagem para a teoria do cinema. Revista Científica/FAP,
2015.
ISHAGHPOUR, Youssef. O real, cara e cora. In: Abbas Kiarostami. São Paulo:
Cosac Naify/ Mostra Internacional de Cinema, 2004.
KIAROSTAMI, Abbas. Duas ou três coisas que sei sobre mim. In: Abbas
Kiarostami. São Paulo: Cosac Naify/ Mostra Internacional de Cinema, 2004.