Você está na página 1de 32

DOCUMENTAÇÃO E PATRIMÔNIO EDIFICADO RECENTE

MACEDO, Danilo Matoso

Câmara dos Deputados – Seção de Patrimônio Histórico Arquitetônico


Praça dos Três Poderes, Anexo I, sala 2009
70160-900 – Brasília -DF
danilo.macedo@camara.gov.br

RESUMO

Este artigo tem por objetivo relacionar algumas especificidades do patrimônio edificado recente, de modo a
fornecer subsídios para reflexões e práticas futuras com vistas à preservação de nossos monumentos. A
tarefa foi conduzida tendo por referência uma breve análise histórica de algumas características da relação
entre documentação, arquitetura e monumentos na Renascença e na transição entre os séculos XVIII e XIX.
Os temas relacionados são então consolidados na forma de um apanhado dos consensos atuais de valoração,
conservação e restauro de monumentos em geral. Este arcabouço é então instrumentalizado na tentativa de
se levantar ou refutar as particularidades do patrimônio recente afetas ao tema, comprovando, propondo ou
refutando pequenas hipóteses levantadas dialéticamente, perpassamos os seguintes tópicos: sistema
produtivo heteronômico de base documental, autoria, autenticidade, obsolescência e reprodutibilidade. Da
análise feita, conclui-se que é necessário considerar de modo integrado documento e monumento recentes,
de modo a refundar as bases produtivas de ambos.

Palavras-chave: Patrimônio cultural, Arquitetura Moderna, Documentação.

1. INTRODUÇÃO: A LUZ DE LIVERMORE


Na cidade californiana de Livermore, há um quartel do Corpo de Bombeiros cuja lâmpada
de emergência de 4 Watts está acesa há 107 anos. Além dos vinhedos da região, a
permanência da tênue luz do artefato tornou-se um dos orgulhos e atrativos turísticos da
cidade de oitenta mil habitantes. A lâmpada de filamento especial, projetada por Adolphe A.
Chaillet e fabricada pela Shelby Electric Company, era produzida em série. Entretanto,
apenas aquele exemplar permaneceu aceso, e por ser único tornou-se significativo para um
lugar e um povo – tendo recebido reconhecimento até mesmo do presidente
norte-americano. Embora sem tombamento oficial, a luz da lâmpada tornou-se patrimônio
local. Em 1976, a cidade providenciou um gerador elétrico com corrente estabilizada,
constante e permanente. Entretanto, pouco mais pôde ser feito pela manutenção da luz da
lâmpada. Operações de restauro, como as entendemos tradicionalmente, pouco poderiam
fazer para manter a lâmpada acesa sem – paradoxalmente – apagá-la para reparos: sua
durabilidade é quase que exclusivo fruto de sua condição material inicial. Algum dia, o
filamento da lâmpada se romperá e ela será exposta num museu. Mas o que a tornava
especial – a luz duradoura e ininterrupta – não mais existirá e teremos uma lâmpada

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
queimada como milhares de outras, pois ela era apenas o suporte para o que de fato
constitui um bem patrimonial: a luz. 1

A luz de Livermore – se podemos chamá-la assim – é concreta. Porém, em sua


materialidade, prescinde de restauro. Seu propósito, sua essência, reside em seu valor de
uso. Seu valor de culto é sua eficiência autônoma e longeva, equilibrada sobre sua morte
certa e indeterminada – como em todo ser vivo. De fato, há uma espécie de urgência vital
aqui envolvida: o visitante é instado a testemunhar a luz antes que ela se apague,
identificando o estado precário daquela com o seu próprio.

Narramos esta pequena anedota por sua similaridade a outros artefatos e mesmo
categorias inteiras de feitos humanos – sobretudo aqueles da Era Industrial – que são
admiráveis, são significativos, devem ser tratados como patrimônio, mas cuja essência
dificulta sua valoração e seu tratamento segundo os preceitos vigentes de restauro de
monumentos. Evidentemente, a especificidade é a regra e não a exceção ao se tratar de
restauro e conservação, e uma narrativa própria é fundada a cada bem preservado.
Entretanto, é necessário estabelecer convenções que regulamentem tudo o que concerne
ao interesse público. Novas categorias de bens patrimoniais vêm sendo criadas nos últimos
vinte anos, com suas características conceituais próprias, de modo a agregar objetos de
natureza diversa do patrimônio edificado tradicional, por assim dizer. Foram instituídos o
Patrimônio Imaterial e o Patrimônio Industrial, por exemplo, estabelecendo sistemas de
valores capazes de abranger as mais diversas realizações do homem. Acreditamos ser
este o caso do patrimônio recente – ou Patrimônio Moderno –, no qual se inscreve a
arquitetura. O caráter valorativo diferenciado de uma realização recente induz à adoção de
princípios próprios de qualificação, documentação, conservação e restauro. E contribuir
para a elucidação dessas especificidades é o nosso objetivo neste texto.

Do mesmo modo que a luz de Livermore, a arquitetura recente é fadada à morte certa por
obsolescência. A consciência da efemeridade dos valores culturais, materiais e de uso ali
envolvidos faz de sua experiência uma urgência vital e de seu restauro uma tarefa
paradoxal. Ao mesmo tempo a aparência e a estrutura características da materialidade da
obra de arte tradicional são aqui complementadas pela concepção inicial da obra moderna,
expressado por princípios projetados claramente por seus autores através de desenhos e
textos que constituem sua base documental, dentro de um sistema produtivo . Sua
documentação, portanto, passa a integrar a obra conferindo-lhe sentido próprio. Este é
nosso argumento, que pretendemos desenvolver estabelecendo algumas relações entre
arquitetura recente, patrimônio e documentação.

No caso de bens edificados, muitos dos conceitos e regulamentos já sedimentados pelos


organismos de preservação dizem respeito a edifícios construídos com base em técnicas,
materiais e conceitos pré-industriais. De fato, as antiguidades gregas, romanas, medievais,
renascentistas e barrocas – embora pertencentes a épocas e a sociedades distintas – têm
em comum entre si o processo artesanal de produção, os materiais e técnicas milenares de
construção e mesmo a permanência de alguns elementos compositivos – como capitéis e
embasamentos, por exemplo. Com vistas à preservação deste valiosíssimo acervo, alguns
conceitos universais foram desenvolvidos de modo a balizar as ações sobre ele praticadas.
Derek Lindstrum, editor de uma série de livros sobre conservação do patrimônio, 2 sintetiza:
Um princípio rígido e acordado universalmente é que todo tratamento deve ser

1
Para informações sobre a lâmpada e sobre a cidade, ver: < http://www.centennialbulb.org > e
< http://www.ci.livermore.ca.us/ >. Acesso em 31 jul. 2008.
2
Butterworth-Heinemann Series in Conservation and Museology. Oxford/Burlington: Elsevier.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
propriamente documentado. É de entendimento geral que a falsificação estrutural e
decorativa deve ser evitada. 3 O editor acrescenta ainda outros três princípios:
O primeiro é o princípio da reversibilidade de processos, que determina que o
tratamento deve ser tal que o artefato possa, caso desejado, ser retornado a sua
condição pré-tratamento mesmo após um longo período de tempo. (...) O segundo,
intrínseco ao tema, é de que, tanto quanto possível, as partes decadentes de um
artefato devem ser conservadas e não substituídas. O terceiro é que as
conseqüências do envelhecimento dos materiais originais (por exemplo, a pátina)
não devem, como regra, ser encobertas ou removidas. 4

Cabem todos estes postulados para os edifício do século XX? Vejamos alguns casos:
Contratar o autor de uma obra tombada para seu restauro garante autenticidade à
intervenção? Como autenticar componentes e elementos construtivos produzidos
tecnologias superadas no dia-a-dia? À guisa de pátina, devemos conservar metais
oxidados, panos-de-vidro manchados e plásticos deformados? Os equipamentos e
instalações que hoje constituem mais da metade do custo de uma obra devem ser tratados
como obras de arte passíveis de restauro? A impertinência quase axiomática de algumas
destas questões de natureza prática expõe a inadequação de alguns princípios
consagrados do restauro, quando aplicados a objetos de natureza moderna. É necessário,
portanto, investigar quais definições passam a viger nesta realidade distinta. E esta busca
deve, naturalmente, ter início na busca dos valores fundadores da arquitetura e do
patrimônio recentes.

2. REPRESENTAÇÃO: ORIGEM COMUM DA ARQUITETURA E DO PATRIMÔNIO


MODERNOS
Mesmo com a queda do Império Romano, sempre se manteve na Península Itálica um
gosto pela cultura clássica. Como é sabido, a Renascença foi presidida retorno intencional
aos valores da cultura romana. Este procedimento, conduzido pelas classes dominantes
das cidades-estado italianas – especialmente Florença –, tinha entre seus objetivos a
construção de símbolos de poder alusivos à grandiosidade do antigo império. Era
necessário estabelecer sistemas culturais que legitimassem este poder e assegurassem
ordem e coesão social em torno a sentimentos nacionais inculcados na população de cada
uma dessas repúblicas, que competiam e guerreavam entre si. Este historicismo começou
pela literatura e pelo direito:
se tornou moda a pesquisa dos autores latinos (graças à intensa atividade, no séc.
XIV, de Francesco Petrarca, cognominado o “pai do Renascimento”) e dos autores
gregos, cujos textos foram difundidos, dentre outros, por Francesco Filelfo (séc.XV),
à luz dos ensinamentos colhidos em Constantinopla, pouco antes do colapso final
do império bizantino. As leis romanas, compendiadas por Justiniano (séc.VI) (...) ou
recuperadas em manuscritos da antigüidade, foram vulgarizadas pelos juristas das

3
A rigid, universally agreed principle is that all treatment should be adequately documented. There is also
general agreement that structural and decorative falsification should be avoided. (…) LINDSTRUM, Derek.
Series editors’ preface. In JOKILEHTO, A history of architectural conservation,p. xii.
4
The first is the principle of reversibility of processes, which states that a treatment should normally be such
that the artefact can, if desired, be returned to its pre-reatment condition even after a long lapse of time. (...)
The second, intrinsic to the whole subject is that as far as possible decayed parts of an artefact should be
conserved and not replaced. The third is that the consequences of the ageing of the original materials (for
example ‘patina’) should not normally be disguised or removed. In JOKILEHTO, A history of architectural
conservation, p. xii.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
frandes cidades italianas. Reviveu a oratória latina na palavra de tribunos como
Cola di Rienzo e Leonardo Bruni (séculos XIV e XV). 5

A arquitetura, evidentemente, era parte ativa dessa empreitada, pois


Na Itália, como na Grécia, cada república se esforçará por suplantar as outras pelo
brilho de seus monumentos; mas, enquanto as repúblicas gregas não admitiriam
para os monumentos públicos as manifestações artísticas, na Itália confundiriam-se
as glórias das grandes famílias às da própria cidade, associando seu nome aos
empreendimentos que viriam a imortalizar sua pátria e seu século. 6

Fazia-se necessário aos arquitetos, portanto, a constituição de uma gramática própria que
surtisse o efeito retórico desejado pelas famílias dominantes. Em 1414, na abadia suíça de
Constança, Poggio Bracciolini encontra uma nova versão manuscrita – e supostamente
mais autêntica - do já conhecido tratado do arquiteto romano Vitruvius, os Dez Livros de
Arquitetura. Escrito originalmente no século I a.C., o livro era acompanhado por ilustrações,
perdidas pouco a pouco nas sucessivas cópias feitas por monges em todo o medievo até
chegar ao exemplar que Bracciolini popularizou na Itália – ausência compensada pela
prodigalidade descritiva do texto de Vitruvius. Uma segunda fonte era a própria arquitetura
medieval das cidades italianas, em que sempre pôde ser verificado um sabor clássico – e.g.
arcos plenos, capitéis segundo os gêneros romanos, etc. O terceiro aporte para os
arquitetos renascentistas seria evidentemente a medição in loco dos monumentos
remanescentes do Império, e com este intento dirigiram-se sobretudo a Roma, onde
realizaram diversos levantamentos. Tal foi o caso, por exemplo, de Brunelleschi, Alberti,
Palladio e Serlio.
A reflexão sobre os levantamentos iconográficos de obras antigas foi, praticamente,
uma regra geral entre os arquitetos do período e muitos deles que se dedicaram
também à tratadística apresentam referências específicas, nos seus textos, sobre a
influência dos cadastros e levantamentos na sua formação profissional. 7

Conforme nos atesta Mário Mendonça, 8 a prática de levantamentos e o uso de desenhos


técnicos para o projeto de arquitetura, com praticamente os mesmos princípios de
representação ortogonais que usamos hoje em dia, tem seu registro datado de 2.450
a.C..Estes levantamentos, encontrados na Mesopotâmia, foram gravados em tabletes de
barro, e contêm cadastros destinados à compra e venda de um terreno. Ao contrário do
sugerido por alguns autores, 9 não se trata de prática iniciada no Renascimento, portanto,
tendo sido encontrada ou descrita em textos, no Egito antigo, na Grécia, em Roma e ao
longo de todo o medievo – apenas para citar o percurso delineado por Mendonça.

5
BOLTSHAUSER, História da Arquitetura, p.1879-1880.
6
En Italie comme en Grèce, chaque republique s’efforça de purpasser les autres par l’éclat de ses
monuments; mais tandis que les républiques grecques n’admettaient que pour les monuments publics les
manifestations de l’art, em Italie les grandes familles confondirent leur gloire avec celle de la cité même et
attachèrent leur souvenir aux entreprises qui devaient immortaliser leur patrie et leur siècle. In CHOISY,
Histoire de l’Architecture, p.682.
7
OLIVEIRA, A documentação como ferramenta de preservação da memória, p.14-15
8
OLIVEIRA, Desenho de arquitetura pré-renascentista. p.23-37.
9
Veja-se por exemplo as afirmações de Robin Evans: Although the geometric principle of parallel projection
was understood in late antiquity, Claudius Ptolemy having described it in a work on sundials around AD 300,
evidence of its use in architectural drawing is not found until the fourteenth century. The earliest more or less
consistent orthographic projection of a building to have survived is a large, detailed elevation of the Campanile
of S. Maria del Fiore, preserved in the Opera del Duomo in Siena and thought to be a copy of an original by
Giotto, produced after 1334. In EVANS , Translations from Drawing to Building, p.166.
Alberto Pérez-Gómez faz coro com Evans: Prior to the Renaissance, architectural drawings were rare,
certainly in the sense that is familiar to us. In the Middle Ages, architects did no conceive of a whole building
and the very notion of scale was unknown. In PELLETIER et PÉREZ-GÓMEZ, Architectural representation
and the perspective hinge, p.8.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
Para a nossa argumentação, entretanto, o desenho renascentista propriamente dito está no
cerne de uma renovação de triplo sentido: o desenvolvimento de uma atividade artística de
natureza científica, mesmo que indutivo-empirista; uma nova relação daquela sociedade
com a história e os monumentos; e um novo meio de difusão da cultura arquitetônica
através da recém-inventada imprensa.

Quando Brunelleschi (1377-1443) e Alberti (1404-1472), ainda no século XV, realizam


medições na arquitetura romana antiga, encontram-se num ponto de inflexão: enquanto o
primeiro liga-se à tradição indutiva medieval de viés aristotélico tomista, o idealismo
refletido nos tratados do segundo aproximam-no mais do idealismo de viés platônico
próprio da idade do humanismo. Brunelleschi vai a Roma realizar levantamentos após a
derrota no concurso para ornamentação da do batistério de Santa Maria del Fiori, em 1401,
numa iniciativa que aproxima-se da prática dos arquitetos medievais. Tal é o caso, por
exemplo, dos levantamentos da Catedral de Reims constantes no caderno de desenhos do
arquiteto Villard de Honnecourt (séc. XIII). 10 Já a construção das obras de Brunelleschi,
anos mais tarde, sobrepondo elementos decorativos clássicos de pietra serena a
arcabouços não estruturais parece levar-nos à idéia de que é possível a forma sem matéria,
ao contrário do estabelecido por Aristóteles. Este é o ponto de partida de Alberti, que em
seu tratado De re aedificatoria (1452) estabelece que: Nós podemos desenhar formas
perfeitas de edifícios em nossa mente, sem a ajuda de quaisquer materiais. 11 Sua prática
de medir, conhecer, experimentar e inquirir a história, entretanto, nos dá mostras de sua
necessidade pessoal de instruir e validar a sua prática por meio da cuidadosa investigação
sobre as origens das artes, seus princípios subjacentes e os caminhos que elas
desenvolvem. 12

Neste segundo sentido, como nos alerta Alois Riegl, é significativo que tenham sido
tomadas as primeiras medidas (particularmente a bula promulgada por Paulo III em 28 de
novembro de 1534) para a preservação dos monumentos ao mesmo tempo em que o valor
artístico e histórico dos monumentos antigos era descoberto. 13 Esta nova valoração da
história operada pelas sociedades do quattrocento, sobre um fundo nacionalista, coloca os
arquitetos daquele tempo na ambígua posição de preservar a antiguidade com valor
presente, 14 de modo a legitimar a sua própria construção. A partir de então,
Toda obra de arte é ao mesmo tempo – e sem exceção – uma obra histórica no
desenvolvimento das artes visuais e, a rigor, não se pode ser substituída por um

10
Cf. CARREIRA, Estudos de iconografia medieval: o caderno de Villard de Honnecourt, Lâminas 30-33.
11
We can design perfect forms of buildings in our mind, without the help of any materials.” In ALBERTI, De re
aedificatoria, I, 8, P.56. apud BORSI, Leon Battista Alberti, p.328.
12
The careful enquiry into the origins of the arts, their underlying principles, and the ways they develop. In
ALBERTI, De re aedificatoria, I, 8, P.56. apud BORSI, Leon Battista Alberti,, p.329. E Alberti demonstra
confiança plena em seu método historigráfico: There was not the least Remains of any ancient Structure, that
had any Merit in it, but what I went and examined, to see if any Thing was to be learned form it. Thus I was
continually searching, considering, measuring and making draughts of every Thing I could hear of, till such
Time as I had made myself perfect Master of every Contrivance or Invention that had been used in those
ancient Remains; and thus I alleviated the Fadigue of writing, by the Thirst and Pleasure of gaining Information.
In ALBERTI De re Aedificatoria. apud KRUFT, A History of Architectural Theory, p.42.
13
It is highly significant that the first measures for the preservation of monuments (particularly the bull issued
by Paul III on November 28, 1534) were taken at the same time that the artistic and historical value of ancient
monuments was being discovered. RIEGL, The modern cult of monuments, p.626.
14
Usaremos recorrentemente neste textos os “valores” dos monumentos, conforme codificados por Alois
Riegl em seu texto: culto moderno aos monumentos, seu caráter e sua origem, escrito em 1903: valores
memoriais (ou comemorativos, ou rememorativos): valor de antiguidade, valor histórico e valor memorial
intencional (Erinnenrungswerte: Alterswert, historischer Wert, gewolter Erinnerungswert). Valores presentes:
valor de uso, valor artístico, valor de novidade e valor artístico relativo (Gegenswartwerte: Gebrauchswert,
Kunstwert, Neuheitswert, relativer Kunstwert). Ver . RIEGL, The modern cult of monuments e A history of
architectural conservation, p.21.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
equivalente. Na via oposta, todo monumento histórico é também um monumento
artístico, porque mesmo um monumento literário secundário como um pedaço de
papel com uma nota curta e insignificante contém toda uma série de elementos
artísticos – a forma do pedaço de papel, as letras e sua composição –, que, além do
seu valor histórico são relevantes para o desenvolvimento do papel, da escrita, dos
instrumentos de escrever etc. 15

Esta idéia de arte é constituída a partir de regras formais estritamente determinadas, não
apenas pelos escritos remanescentes da antiguidade, mas também por indução e
comprovação de seus valores a partir da medição dos próprios edifícios históricos. Esta
apropriação possui um duplo viés: utilizam-se os próprios capitéis, medalhões, frisos,
esculturas e mármore da Roma antiga nos edifícios novos, agora desenhados segundo
aquelas regras. É uma atitude de conservação de valores e destruição da matéria. Ao
mesmo tempo, este idealismo leva os arquitetos a negar o passado próximo medieval, que
passa a ser redesenhado e encoberto com elementos clássicos projetados de modo a
ocultá-los. Tal é o caso do Tempio Malatestiano construído por Alberti a partir de 1449
sobre uma igreja franciscana medieval existente, ou da Basílica de Vicenza, construída por
Palladio cem anos mais tarde. Paradoxalmente, parte deste passado eram as próprias
técnicas construtivas quase vernaculares ainda vigentes – sobretudo em alvenaria de
tijolos 16 – que continuavam sendo usadas e ocultas sob máscaras de pedra. Como aponta
Choisy, renovar a construção artificialmente monolítica dos grandes edifícios romanos teria
sido impossível; a imitação se sustenta somente pela ornamental. 17 E o edifício, como um
desenho, torna-se a representação de uma idéia.

A difusão desses valores é o terceiro sentido da renovação empreendida no Renascimento,


no que aqui nos concerne. Neste caso, a invenção da tipografia e do livro impresso teve
papel fundamental. Não apenas o tratado de Vitruvius, mas novos tratados dos arquitetos
renascentistas passaram a ser editados e distribuídos para além do norte da Itália. Do
mesmo modo, a literatura clássica, sua história e seus comentadores tiveram rápida
propagação – sobretudo para a França e a Península Ibérica. Se o tratado de Alberti – como
o de Vitruvius – não possuía ilustrações e fora criado para a reprodução manuscrita, 18 o
mesmo não ocorria com os livros de Sebastiano Serlio, publicados a partir de 1517. E já o
tratado de Vignola, publicado em 1562 – Regola delli cinque ordini d’architettura – é
composto exclusivamente por desenhos com legendas, tendo se tornado um dos mais
populares tratados de arquitetura clássica. Nesse sentido, o valor artístico da antiguidade
(como valor presente) contribui para a difusão de seu valor histórico, afinal os tratados dos
italianos são prescrições de natureza descritiva. A autonomia deste tipo de desenho, leva a
diversas conseqüências em sua execução como edifício, Mario Carpo ressalta: Os tratados
da Renascença definem as “ordens” de arquitetura (colunas, capitéis, lintéis etc.) ausentes
em peso material. De que são feitos? Madeira, mármore, pedra, tijolo, estuque? Como são
feitos? Por quem? Com que instrumentos? A que preço? Os livros não nos dizem.

15
Every work of art is at once and without exception a historical development of the visual arts. In the strictest
sense, no real equivalent can ever be substituted for it. Conversely, every historical monument is also an art
monument, because even a secondary literary monument like a scrap of paper with a brief and insignificant
note contains a whole series of artistic elements – the form of the piece of paper, the letters, and their
composition – which apart from their historical value are relevant to the development of paper, writing, writing
instruments etc. in RIEGL, The modern cult of monuments, p.622.
16
En fait de construction, ce que la Renaissance a de romain se réduit à quelques procédés antiques qui
s’étaient perpétués à travers le moyen âge : la structure de briques ou de menus moellons, et l’idée de traiter
cetter structure indépendamment des ornements qui lá décorent. In CHOISY, op.cit., p.679.
17
Renouveler la construction artificiellement monolithe des grands édifices romains eût été l’impossible ;
l’imitation ne porte que sur le vêtement ornemental. In CHOISY, op.cit., p.679.
18
Cf. CARPO, Architecture in the age of printing. p.9.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
19
Desenhos e textos impressos não podem transmitir integralmente a carga material e
formal de um edifício: é uma limitação do meio. É desnecessário, por outro lado, ressaltar
que os livros, revistas e catálogos definiram um sistema de intercâmbio cultural sem
precedentes e vigente até hoje. No campo da arquitetura, ainda são o principal vetor de
propagação de valores que se tornam mais ou menos universais. Do mesmo modo, os
valores históricos divulgados através de livros ganham status de universalidade, fundando
uma noção quase unívoca de cultura ocidental européia à qual estamos filiados até o
presente.

Concomitantemente aos tratados de arquitetura – e numa relação de precedência difícil de


ser estabelecida – surgiram livros e cadernos registrando as antiguidades romanas, como
foram o caso dos trabalhos de Poggio Bracciolini e Ciriaco d’Ancona, em meados do séc.
XV. 20 Este tipo de inventário está ligado ao hábito crescente entre as classes dominantes
em colecionar esculturas e componentes ornamentais antigos de mármore. E a cultura
antiquária teria também sua difusão. Em 1682, A. Desgodetz publica Les édifices antiques
de Rome, dessinés et mesurés très exactement, a partir da manutenção de uma Academia
Francesa em Roma. Diversos outros catálogos de antigüidades e levantamentos de
edifícios antigos das mais diversas procedências – e não apenas greco-romanas –
passaram a ser publicados sistematicamente. Choay nos descreve este panorama cultural:
Eruditos e colecionadores, os antiquários acumulavam em seus gabinetes não
apenas medalhas e outros “fragmentos” do passado, como se dizia então, mas
também, sob forma de “compilações” e de “portfólios”, verdadeiros dossiês, com
descrições e representações figuradas das antigüidades. Por toda a Europa, eles se
correspondiam e se visitava, muitas vezes trocavam objetos, informações sempre,
discutindo seus achados e suas hipóteses. As pesquisas de alguns eruditos, e não
dos menos importantes, permaneciam inéditas em seus arquivos, mas eram
largamente utilizadas e citadas nas publicações de outros autores. As obras
impressas, as mais importantes das quais logo eram traduzidas, eram divulgadas
em toda a Europa, comentadas e às vezes até contestadas. 21

Sobretudo ao longo do século XVIII, o estudo das antiguidades torna-se uma ciência
difundida por toda a Europa. E ironicamente, os edifícios romanos que haviam ganhado
interesse como instrumentos de afirmação de culturas nacionais assumem o primeiro papel
de patrimônio universal. Arquitetos, historiadores e artistas ingleses, franceses, alemães e
austríacos passam a viajar sistematicamente à Itália e à Grécia para conhecer os
monumentos antigos. E quanto mais trabalhos e estudos publicavam, mais se avançava em
precisão nos levantamentos das antiguidades. Tal é o caso da obra de Giambatista Piranesi
(1720-1778), com sua Antichità Romane, publicadas em 1756; ou de The Antiquities of
Athens, publicado por Athenian Stuart e Nicholas Revett à mesma época, além dos
mencionados catálogos e cadernos não publicados.

No mesmo sentido, difundia-se pelas publicaçõesa cultura do desenho arquitetônico,


estabelecendo-se regras para sua correta execução. Mesmo no Brasil era vigente entre os
engenheiros militares o cuidado com a representação, conforme atestado no manual do
Brigadeiro Manoel de Azevedo Fortes intitulado O engenheiro português. O autor
estabelece 12 regras de representação que considera importantes, dissertando, em
seguida, sobre as cores que devem ser usadas nos desenhos, a forma de obter as

19
Renaissance treatises define architectural “orders” (columns, capitals, lintels, etc.) that are singularly lacking
in material weight. What are they made out of? Wood, marble, stone, brick, stucco? How are they made? By
whom? With what instruments? At what price? The books don’t tell us. CARPO, Architecture in the age of
printing. p.7.
20
Cf. JOKILEHTO, A history of architectural conservation. p.21.
21
CHOAY, A alegoria do patrimônio. p.65-66.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
tintas, os instrumentos mais empregados e muitos outros procedimentos de
convenções para montes, caminhos, diversas plantações, vegetação natural, rios,
pântanos etc. 22

É a reboque desta atividade iconográfica intensa que os monumentos históricos deixam,


pouco a pouco, de ser partícipes mutáveis e apropriáveis na conformação de uma
arquitetura moderna para tornarem-se puros documentos de eras anteriores, e objetos de
conhecimento científico. Enquanto nos contextos Renascentista e Barroco história e
arquitetura conformam um mundo que pode ser conhecido e alterado pelo desenho –
transformando-se eles mesmos em representação –, no contexto Iluminista o desenho
acadêmico erudito passa a representar não os edifícios antigos, nem princípios
matemáticos, mas outros desenhos de edifícios antigos e mesmo de princípios gráficos. Na
via oposta, o diálogo entre desenho publicado e sua construção tornou-se muita vez
impossível. A representação gráfica adquiriu com isso uma espécie de autonomia que
ganhou hegemonia em certos círculos sociais de arquitetos e artistas até o presente. Dentro
desta realidade cultural, o desenho arquitetônico deixa de ser apenas ferramenta cognitiva
(cadastro e levantamento) e projetiva (desenho visando a feitura de uma determinada
obra 23 ) para tornar-se objeto artístico em si, passível de venda, publicação e difusão. A
história passa a ser motivo e a arquitetura construída decorrente deste tipo de atividade
torna-se um arremedo de um desenho. 24

O procedimento indutivo aristotélico de Brunelleschi e dos primeiros renascentistas em


relação à história ganha agora um caráter científico. A partir do século XVIII, para se
auto-realizar, para alcançar a verdade científica, a ciência necessita do distanciamento do
seu objeto de estudo, que é então fragmentado, analisado, dissecado. Passado e presente,
desarticulados, fazem agora parte de mundos distintos. 25

Tratamos até aqui de como história, patrimônio e projeto arquitetônico se relacionaram em


sua origematravés do desenho e da cultura de sua difusão. Vejamos a seguir, brevemente,
os princípios e ações de conservação e restauro decorrentes dessa relação.

3. CONSERVAÇÃO E RESTAURO

3.1. Desenho, ciência e monumentos

A relação dos arquitetos Renascentistas e Barrocos com os monumentos históricos,


conforme já dissemos, é apropriativa. Este historicismo é a permanente recriação do
monumento antigo, quer seja por interferência direta sobre a sua matéria, quer seja pela
recriação da sua imagem sobre uma estrutura distinta. Nessa época, como nos lembra
Odete Dourado: para aqueles arquitetos, restaurar uma estrutura do passado significa
ativá-la ou reinseri-la na consciência artística do tempo, e só assim inserida pode ser

22
OLIVEIRA, A documentação como ferramenta de preservação da memória, p.19.
23
Expressão de Lucio Costa em COSTA, Lucio. A arquitetura de Antônio Francisco Lisboa Revelada no risco
original da capela franciscana de São João del Rei” apud PASSAGLIA, A influência do movimento moderno
...., p.36.
24
Esse tipo de cenário é recorrentemente verificado pelos autores da bibliografia que trata da representação
arquitetônica. Podemos citar, por exemplo, Mário Mendonça (OLIVEIRA, Desenho de arquitetura
pré-renascentista, p. 16-17), Louise Pelletier e Alberto Pérez-Gómez. (PELLETIER et PÉREZ-GÓMEZ,
Architectural representation and the perspective hinge, p.82-83) e Robin Evans. (EVANS, Translations from
drawing to building, p.173-179).
25
DOURADO, Conservação ou invenção? p.143.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
“conservada”. 26 Como exemplos, temos o uso indiscriminado dos mármores dos edifícios
de Roma como pedreira ou para fabricação de cal; o uso de componentes construtivos
antigos em edificações novas, como é o caso dos medalhões e alto-relevos antigos
incrustados na Villa Medici à guisa de coleção de esculturas retiradas do Ara Pacis do
imperador Augusto. Além disso, Construía-se diretamente sobre edifícios antigos, não
apenas nas já citadas intervenções sobre edifícios medievais, mas também sobre edifícios
da Roma clássica, como é o caso da igreja de Santa Maria degli Angeli, encomendada pelo
papa Pio IV a Michelangelo em 1561 e construída dentro das Termas de Diocleciano.

Desde a Renascença também os arquitetos passaram a ser encarregados pelos papas da


administração dos monumentos, de modo a regulamentar seus novos usos e impedir a
destruição de edifícios em condição de restauro como pedreiras para as grandes obras de
Roma. Raffaello foi nomeado oficial encarregado da proteção dos monumentos clássicos.
Depois, a Raffaello sucederam-se outros como Comissários de Monumentos, incluindo as
mais importantes personalidades culturais em Roma, tais como Bellori, Winckelmann e
Canova. 27

Como se vê no exemplo da nomeação em 1765 de Johann Joachim Winckelmann


(1717-1768) para o cargo de Comissário de Monumentos em Roma, a difusão da cultura
dos antiquários coloca estes eruditos em posição de prestígio. É conseqüente, portanto, o
desenvolvimento gradual de abordagens científicas para a conservação do patrimônio. De
fato, o estudioso afirmava que:
as antigas estátuas ainda não haviam sido adequadamente descritas, e que a
descrição de uma estátua deveria demonstrar a razão de sua beleza e indicar as
características particulares do estilo artístico. Ele baseava seu julgamento em fatos
verificados por ele mesmo, com base em um estudo comparativo, incluindo análise
detalhada e uma descrição de todos os tipos de obra de arte, e a partir de
documentos escritos disponíveis, especialmente da literatura clássica. 28

Com base neste tipo de estudo que a documentação e publicação das intervenções de
restauro procedidas torna-se prática convencionada. A partir das recomendações de
Winckelmann, Bartolomeo Cavaceppi, restaurador de esculturas, publicava seus restauros,
indicando quais partes haviam sido restauradas e quais eram antigas, caso isso não fosse
evidente nos desenhos. 29

Vemos com isso que o documento torna-se essencial em todos os momentos da


conservação do monumento, a partir de um método científico derivado do empirismo inglês
e do enciclopedismo francês: Primeiramente, elabora-se uma documentação de cadastro e
descrição da obra tal como se encontra antes da ação conservativa ou do restauro. A
pesquisa histórica em documentos constitui a base sobre a qual se atesta a originalidade da
obra, valorando-a, contextualizando-a em sua época e descrevendo-a. Caso se opte pelo
restauro, deve ficar documentado em publicações a diferença entre as partes

26
DOURADO, Conservação ou invenção? p.142.
27
This brief thus became the first official nomination of an officer in charge of protection of classical
monuments. Later Raphael was succeeded by others as commissioners of monuments, who included some of
the most important cultural personalities in Tome, such as Bellori, Winckelmann, Canova. In JOKILEHTO, A
history of architectural conservation. p.33.
28
Winckelmann, instead, claimed that one had properly described old statues, and that the description of a
statue must demonstrate the reason for its beauty and indicate the particular features of the artistic style. He
rested his judgement on facts that he had verified himself, on the basis of a comparative study, including an
accurate analysis and a description of all types of works of art, and drawing on available written documents,
especially from classical literature. In JOKILEHTO, A history of architectural conservation. p.61.
29
Published his restorations, and indicated which were the parts restored and which antique, if this was not
evident from the drawings. JOKILEHTO, A history of architectural conservation. p.62.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
acrescentadas e as partes originais. Winckelmann e Cavaceppi inauguram, portanto um
método de valoração e restauro de monumentos, onde a partir da documentação é possível
reintegrar figurativamente a obra sem falseá-la. Inverte-se aqui a relação, portanto. A
preocupação em preservar a autenticidade de um edifício é reflexo da preponderância de
seu papel documental. Instrumentalizado pelo presente, o passado é visto pela cultura do
século XIX enquanto fonte de um saber científico do qual os monumentos são os
documentos por excelência. 30

Na França republicana e imperial o espólio de monumentos da nobreza, agora sob a tutela


do Estado, necessitava não apenas de cadastro, mas de regulamentação própria com
vistas a possibilitar a criação de um sistema burocrático de conservação deste novo
patrimônio público. Muitos dos edifícios e igrejas vinham sendo depredados e saqueados
pela população – sobretudo em cidades do interior. Foram criados sucessivos órgãos
encarregados de realizar a tarefa, tendo estado à frente deles, por exemplo, Quatremère de
Quincy (1755-1849). De 1809 a 1814, quando os Estados Papais foram anexados ao
império napoleônico, a administração francesa passou a determinar as diretrizes de
restauro em Roma. É deste período, por exemplo, o restauro do Arco de Tito por Raffaele
Stern e Giuseppe Valladier, seguindo determinação de Guy de Gisors – do Conseil des
Batiments – onde as adições medievais foram demolidas, o arco foi estabilizado e
complementado com um mármore de tonalidade diferente segundo um padrão decorativo
simplificado. Restaurava-se assim a unidade figurativa do conjunto mantendo-se o material
original remanescente íntegro. 31 Carlo Ceschi nos atesta a importância desses conceitos e
práticas, decorrentes do pensamento de Winckelmann:
Uma das razões pelas quais o restauro do Arco de Tito é considerado exemplar e
correspondente aos conceitos atuais é o uso, para cada parte acrescentada, de
um material diferente do original. Assim como para o [restauro do] Coliseu e para
outros edifícios em travertino foi usado o tijolo, aqui junto ao mármore usa-se o
travertino. Assim é imediata a percepção das partes acrescentadas, sem
prejudicarem-se as proporções do conjunto. 32

Evidentemente, recompor a unidade figurativa do monumento implica no conhecimento de


seu estado íntegro, anterior à degradação. No caso de monumentos antigos e medievais,
onde perdeu-se praticamente toda a documentação relativa à época de sua construção, a
autenticidade das reintegrações depende forçosamente da analogia com outros
monumentos ou mesmo da analogia entre os componentes perdidos e outros similares
existentes na construção. Este tipo de procedimento comparativo é relativamente facilitado
no caso de construções modulares – e, de certo modo, padronizadas – como os templos
clássicos. 33 Entretanto, em construções vernáculas de natureza irregular ou em obras
construídas ao longo de um período muito extenso – como é o caso das catedrais góticas –
certamente a reintegração assume um caráter hipotético. Paradoxalmente, foi justamente
no restauro de monumentos góticos que o chamado restauro estilístico desenvolveu-se no
século XIX, tendo como maiores expoentes o inglês George Gilbert Scott (1811-1878) e o
francês Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879). A célebre definição de restauro
deste último deixa poucas dúvidas quanto a sua confiança em sua capacidade

30
DOURADO, Conservação ou invenção? p.143.
31
Cf. JOKILEHTO, A history of architectural conservation. p.79-89.
32
Una delle ragioni per le quali il restauro dell’Arco di Tito è giudicato esemplare e in tutto rispondente agli attuali
concetti, è quella del impiego, per ogni parte aggiunta, di um materiale diverso da quello originario. Così come per il
Colosseo e per altri edifici in travertino viene impiegato il laterizio, qui accanto al marmo viene usato il travertino. Così
riesce immediata la percezione delle parti aggiunte, mentre nessun turbamento ne consegue per la proporzione
dell’insième. In CESCHI, Teoria e storia del restauro. p.42. (grifo nosso)
33
Cf. JOKILEHTO, A history of architectural conservation, p.307.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
investigativa: Restaurar um edifício não é conservá-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restituí-lo a
um estado de inteireza que pode jamais ter existido em um dado momento. 34

Neste caso, potencialmente, as características sistematizadas pela historiografia para


determinado estilo – baseadas em documentos – sobrepõem-se à verificação in loco das
propriedades originais do edifício tratado e à pesquisa histórica específica que cada
restauro demanda. Paradoxalmente, a crença na autenticidade da narrativa histórica geral
em detrimento do particular reflete a prevalência do valor artístico sobre o valor histórico, já
que a matéria do monumento é preterida em prol da interpretação contemporânea baseada
em narrativas e conceitos que são, na verdade, juízos de valor. Se a ação prática do
restauro de estilo parece assemelhar-se à já aqui narrada prática renascentista, sua base,
no contexto cultural-científico em que aquela se insere, é conceitualmente frágil quando
entra no campo da congenialidade com o autor da obra original – uma conjectura. É o que
pretende Viollet-le-Duc, ao afirmar que, quando da introdução de atividades modernas
numa edificação antiga, o melhor a fazer é colocar-se no lugar do arquiteto primitivo e supor
o que ele faria, se retornando ao mundo, lhe fossem dados os mesmos programas que nos
são apresentados. 35

Pode-se argumentar que os estilos são generalizações científicas baseadas em


documentos que, podendo ser comprovadas na prática, têm sua aplicação particular
automaticamente validada. Basear-se em generalizações de estilo sem documentação
específica sobre o objeto, entretanto, possui seus riscos, como nos adverte George Kubler,
num de seus ensaios sobre arquitetura portuguesa:
As várias histórias da arquitetura portuguesa, como a maioria das histórias da arte,
são todas escritas baseadas no pressuposto de que período, lugar e estilo são
correspondentes: para cada lugar e cada período definido, presume-se que há
somente um estilo. Assim, o Maneirismo é tomado como estilo do século dezesseis
na Europa; o estilo Barroco preenche o século dezessete. Segundo este sistema
venerável, que é pelo menos tão velho quanto Vitruvius ou Plínio, um lugar em um
período não pode ter mais de um “estilo”. 36

Acresce que, no restauro de estilo, a história e as adições ocorridas entre a construção do


edifício e a intervenção são eliminadas, apagando-se traços do percurso temporal por este
atravessado. Assim, altares barrocos, por exemplo, foram retirados de igrejas góticas
durante os restauros. Do mesmo modo, diversos elementos incorporados a elas de fato
nunca haviam existido, como foi o caso da goticização da igreja românica de Saint-Sernin
de Toulouse (1860-77) 37 . E se Viollet-le-Duc era, além de erudito, experiente construtor e
hábil desenhista, o mesmo não ocorria com todos os restauradores de estilo, arruinando-se
monumentos antigos. Esse tipo de incongruência gerou a reação ao restauro de grupos
conservacionistas de que, como se sabe, o inglês John Ruskin foi o maior representante,
diagnosticando: Não nos deixemos ludibriar neste caso, é impossível restaurar qualquer
coisa que já tenha sido grandiosa ou bela em arquitetura, tão impossível quanto ressuscitar

34
Restaurer un édifice, ce n’est pas l’entretenir, le réparer ou refaire, c’est le rétablir dans un état complet qui
peut n’avoir jamais existé à un moment donné. VIOLLET-LE-DUC. Dictionaire Raisonné. V. VIII. p.14. Usamos
a tradução de Odete Dourado para o verbete restauro. in VIOLLET-LE-DUC, Restauro, p.4.
35
VIOLLET-LE-DUC, Restauro, p.29.
36
The various histories of Portuguese architecture, like most histories of art, all are written on the assumption
that period, place and style are interchangeable: as any given place in any defined period, it is assumed that
there exists only one style. Thus, Mannerism is taken as the style of the sixteenth century in Europe; Baroque
style fills the seventeenth century. By this venerable system, which is at least as old as Vitruvius and Pliny, one
place at one period can have no more than one “style”. In KUBLER, Portuguese plain architecture, p.4.
37
Cf. JOKILEHTO, A history of architectural conservation. p.153.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
os mortos. 38 Para Ruskin, a pátina decorrente do envelhecimento do monumento é o que o
caracteriza como arquitetura, por refletir sua permanência para além de uma geração é
nesta memória que reside a qualidade do objeto – justamente por ser antigo. É o conceito
moderno que Riegl chamaria de valor de antiguidade. 39 Mascarar os efeitos naturais do
tempo sobre os materiais, nesse caso, seria atentar contra a autenticidade histórica do
monumento.

O restauro de estilo de um monumento histórico, baseado na pressuposição de


congenialidade com o autor ou na aplicação de um princípio geral de estilo, corre o risco de
torná-lo um documento falso, tanto de sua condição original quanto de sua trajetória
histórica.

A querela entre conservacionistas e restauradores é extensa, repleta de nuances e


argumentos consistentes em suas duas frentes cuja exposição em pouco acrescentaria a
nosso raciocínio. Afinal, não se tem aqui a pretensão desmedida de resumir a teoria e
história do restauro em tão pouco espaço, mas sim de construir uma base argumentativa
para mapear especificidades conceituais e práticas possivelmente aplicáveis à preservação
da arquitetura recente. Interessa a transição entre dois momentos diferentes da relação
entre monumento e documento. Antes do século XVIII, o monumento é objeto apropriado
como partícipe do presente. Após o século XVIII, o monumento é objetivado como
testemunho do passado, tornando-se ele mesmo um documento.

Por outro lado, como a desagregação da matéria é inexorável, o documento preservado


conforme Ruskin sugeria certamente seria conduzido à ruína, perdendo também seu valor
documental, onde Riegl explica-nos que:
O culto ao valor de antiguidade leva-nos a manter os monumentos recentes em uso
justamente de modo a permanência de sua funcionalidade. O valor de uso prático
corresponde esteticamente ao valor de novidade: pelo seu próprio bem, o valor de
antiguidade é forçado a tolerar, no seu estado presente de desenvolvimento, um
certo grau de valor de novidade nas obras modernas. 40

Entendidos alguns dos valores centrais envolvendo documentação, preservação e restauro


do renascimento até as portas de nosso juízo atual, cumpre entender os consensos
vigentes que orientam este juízo, de modo a orientar-nos na busca das especificidades da
arquitetura recente. Vejamos alguns deles.

4. ALGUNS CONSENSOS ATUAIS EM CONSERVAÇÃO E RESTAURO: O PAPEL


CENTRAL DA DOCUMENTAÇÃO
A universalização do conceito de patrimônio no século XX e a necessidade de extensos
restauros após as duas grandes guerras aprofundou e ampliou o debate acerca de
patrimônio e dos conceitos de preservação. Conquanto o acordo acerca da filosofia a ser
seguida em cada intervenção talvez nunca seja alcançado, organismos internacionais

38
Do not let us deceive ourselves in this important matter; it is impossible, as impossible as to raise de dead,
to restore anything that has ever been great or beautiful in architecture. In RUSKIN, The seven lamps of
architecture. p.199.
39
RIEGL, The modern cult of monuments, p.631-634.
40
The cult of age-value compels one to maintain monuments of recent times in use precisely so as to
safeguard their continued usefulness. Practical use-value corresponds aesthetically to newness value: for its
own sake, age-value will have to tolerate, in the present state of its development, a certain degree of
newness-value in modern works. RIEGL, The modern cult of monuments, p.644.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
como a UNESCO vêm promovendo há mais de um século a elaboração das convenções e
tratados hoje conhecidas como Cartas Patrimoniais. São documentos provenientes de
assembléias e congressos de especialistas que colocam as questões discutidas naquele
momento, reafirmando os consensos atingidos. Além disso, a literatura corrente e os
manuais técnicos difundidos entre os profissionais do Patrimônio acabam por legitimar
pouco a pouco alguns procedimentos e princípios. Tentaremos aqui fazer um brevíssimo
apanhado de alguns desses valores de modo a melhor fundamentar nosso argumento.

O primeiro consenso diz respeito ao que deve ser preservado. No que nos concerne aqui,
John Summerson – com a lucidez que lhe era característica – sistematiza brevemente os
edifícios 41 que merecem proteção:
1. O edifício que é uma obra de arte: o produto de uma mente excepcional.

2. O edifício que não é uma criação excepcional nesse sentido, mas carrega de
modo marcante as virtudes características da escola artística que o produziu.

3. O edifício que, sem grande mérito artístico, é de uma antiguidade significativa ou


uma composição de belezas fragmentárias reunidas ao longo do tempo.

4. O edifício que foi cenário de grandes eventos ou dos feitos de grandes


personalidades.

5. O edifício cuja única virtude é, por si só, trazer à tona a perspectiva histórica em
algum período sombrio da modernidade. 42

O segundo consenso diz respeito à posição do restauro no processo de preservação de um


bem e a sua natureza. Se um bem é passível de restauro, isso significa que foi valorado
como bem patrimonial, passando a ser classificado e listado em órgãos de preservação – o
próprio processo de Tombamento. Estas instituições contam com um órgão colegiado – um
conselho com representantes de vários segmentos da sociedade – que avalia, caso a caso,
os pedidos de Tombamento. Usualmente, um órgão técnico encaminha ao conselho a
chamada instrução do processo de tombamento, com uma justificativa científica dos
motivos que ensejam a listagem daquele bem, relacionando seus valores culturais,
descrevendo-o minuciosamente, levantando toda sua documentação textual, iconográfica e
bibliográfica, e estabelecendo quais características do bem que o qualificam à condição de
patrimônio. Este caráter público 43 do bem é fundamental à sua conceituação, pois implica

41
Na Convenção sobre a salvaguarda do patrimônio mundial, cultural e natural, por exemplo, o patrimônio é
dividido como Patrimônio Cultural e Patrimônio Natural, incluindo-se portanto a questão ecológica, para além
da cultural. O Patrimônio Cultural, por sua vez, é dividido em monumentos, conjuntos e sítios. O Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por sua vez, subdivide os bens patrimoniais em Patrimônio Material
e Patrimônio Imaterial, podendo , de acordo com o Decreto-Lei n.25/1937, ser inscritos em quatro Livros do
Tombo: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, Livro do Tombo Histórico, Livro do
Tombo das Belas-Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas. Tratamos aqui somente dos monumentos,
de modo a tornar a argumentação possível, o que não significa desconsiderar as demais categorias.
42
1. The building which is a work of art: the product of a distinct and outstanding creative mind.
2. The building which is not a distinct creation in this sense but possesses in a pronounced form the
characteristic virtues of the school of design which produced it.
3. The building which, of no great artistic merit, is either of significant antiquity or a composition of fragmentary
beauties welded together in the course of time.
4. The building which has been the scene of great events or the labours of great men.
5. The building whose only virtue is that in a bleak tract of modernity it alone gives depth in time.
SUMMERSON, The Past in the future. In _____ . Heavenly mansions, p.221.
43
A Carta de Atenas não deixa margem a dúvidas, em seu artigo II: a conferência aprovou unanimemente a
tendência geral que consagrou nessa matéria um certo direito da coletividade em relação à propriedade
privada. CURY. Cartas patrimoniais. p.14.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
em certa expropriação dos direitos de um eventual proprietário sobre o monumento. 44 Cabe
aos órgãos de preservação tutelar em nome do interesse público os bens tombados,
avaliando tecnicamente toda intervenção proposta neles ou em suas imediações. A cada
obra de conservação e restauro por que o bem tombado passa, seguem-se quatro fases:
novo levantamento e documentação de seu estado de conservação, elaboração de projeto,
aprovação de projeto pelo órgão de preservação, execução da obra.

É de se ressaltar o papel da documentação nesta fase: a documentação histórica e a


documentação cadastral autenticam e registram os atributos do bem, qualificando-o como
monumento. De fato, na Carta do Restauro italiana (1972) – redigida por Cesare Brandi – as
recomendações a este respeito são bastante precisas:
A realização do projeto para restauração de uma obra arquitetônica deverá ser
precedida de um exaustivo estudo sobre o monumento, elaborado de diversos
pontos de vista (que estabeleçam a análise de sua posição no contexto territorial ou
no tecido urbano, nos aspectos tipológicos, das elevações e qualidades formais,
dos sistemas e caracteres construtivos etc.), relativos à obra original, assim como
aos eventuais acréscimos ou modificações. Parte integrante desse estudo serão
pesquisas bibliográficas, iconográficas e arquivísticas etc., para obter todos os
dados históricos possíveis. O projeto se baseará em uma completa observação
gráfica e fotográfica, interpretada também sob o aspecto metrológico, dos traçados
reguladores e dos sistemas proporcionais, e compreenderá um cuidadoso estudo
específico para a verificação das condições de estabilidade. 45

A partir da Carta de Veneza (1964), se estabelece que a conservação de monumentos é


sempre favorecida por sua destinação a uma função útil à sociedade; tal destinação é,
portanto, desejável, mas não pode nem deve alterar a disposição ou a decoração dos
edifícios. Já a restauração é uma operação que deve ter caráter excepcional. Tem por
objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e
fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos. 46

O conceito de autenticidade, embora sempre referente à origem e à história, foi relativizado


para cada cultura, conforme proposto na Conferência de Nara (1994). 47 No Brasil, a partir
desta orientação, a autenticidade passou a ser definida como o respeito às idéias originais
que orientaram a concepção inicial do Bem e das alterações introduzidas em todas as
épocas, que agregando valores, resultaram numa outra ambiência, também reconhecida
por seus valores estéticos e históricos. 48

A preocupação com a ambiência reflete um princípio geral que passa a orientar a


preservação a partir da Carta de Veneza: a conservação do bem numa escala superior à
sua. Se o objeto preservado é um conjunto urbano, sua região também é tutelada; se é um
edifício, sua vizinhança também é controlada; se é uma obra de arte integrada, o edifício em
que se encontra também recebe atenção. Do mesmo modo, os edifícios passaram a ser
diretamente relacionados a seu lugar de origem, pelo que as transferências devem ser
evitadas.

44
Normalmente é nesta expropriação que residem os conflitos jurídicos envolvendo o patrimônio, onde vale
sempre lembrar máxima de Ruskin: We have no right whatsoever to touch them. They are not ours. They
belong partly to those who built them, and partly to all the generations of mankind who are to follow us.
RUSKIN, The seven lamps of architecture. p. 201.
45
Carta do Restauro, CURY. Cartas patrimoniais. p.157.
46
Carta de Veneza in CURY. Cartas patrimoniais. p.92.
47
Cf. CURY. Cartas patrimoniais. p.319-328.
48
GOMIDE et al. Manual de elaboração de projetos. p.15.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
Tratando-se da ação conservativa propriamente dita, retornemos aos cinco princípios
enumerados por Derek Lindstrum: reversibilidade de processos; conservação, e não
substituição das partes decadentes do artefato; manutenção das conseqüências do
envelhecimento nos materiais originais; como regra; evitar a falsificação estrutural e
decorativa; todo tratamento deve ser propriamente documentado.

A documentação dos procedimentos é fundamental, recomendado em praticamente todas


as convenções e normas de restauro, desde a Carta de Atenas (1931), ao estabelecer que
cada Estado constitua arquivos onde serão reunidos todos os documentos relativos a seus
monumentos históricos. E que cada Estado deposite no Escritório Nacional dos Museus
suas publicações. 49 A Carta de Veneza (1964) estabelece de modo detalhado:
Os trabalhos de conservação, de restauração e de escavação serão sempre
acompanhados pela elaboração de uma documentação precisa, sob a forma de
relatórios analíticos e críticos, ilustrados com desenhos e fotografias. Todas as
fases dos trabalhos de desobstrução, consolidação, recomposição e integração,
bem como os elementos técnicos e formais identificados ao longo dos trabalhos
serão ali consignados. Essa documentação será depositada nos arquivos de um
órgão público e posta à disposição dos pesquisadores; recomenda-se sua
publicação. 50

A documentação portanto assume um tríplice papel nos processos de conservação e


restauro, em função do tempo: a documentação histórica pretérita informa e autentica os
valores do bem tombado; a documentação cadastral é instrumento analítico-cognitivo do
restaurador; e a documentação dos processos de conservação e restauro garante a
autenticidade histórica futura.

Vimos até aqui como a representação é instrumento científico-indutivo fundamental na


gênese da arquitetura e do conceito de patrimônio a partir da Renascença; vimos como o
desenho, por seu extenso uso documental, tornou-se autônomo, fundando um novo
universo cultural; e vimos como a interpretação e classificação científica de desenhos
documentais passou a instruir a prática da conservação e restauro de documentos. Vamos
agora verificar como o projeto arquitetônico assume um papel preponderante na produção
da arquitetura moderna.

5. A ARQUITETURA RECENTE E SEU SISTEMA (RE)PRODUTIVO

5.1. Pluralidade e particularidades do século XX

A arquitetura que conhecemos como moderna é – ou pretendeu ser – a única filha legítima
da industrialização do mundo ocidental: Sigfried Giedion 51 a situa como conseqüência
natural das novas tecnologias construtivas, dos novos materiais e de uma nova concepção
de espaço-tempo. Sabe-se, por outro lado, que as mesmas tecnologias geraram outras
arquiteturas – na maior parte das vezes negligenciadas pelos manuais de história da
arquitetura. Vejamos algumas delas.

Nas Américas e na Europa, os estilos históricos (clássico, gótico, eclético etc) nunca
deixaram de existir, tendo mesmo voltado às práticas de vanguarda com o nome de
pós-modernismo nas décadas de 1970 e 1980. Uma fatia desta produção passou a operar

49
Carta de Atenas, in CURY. Cartas patrimoniais. p.17.
50
Carta de Veneza in CURY. Cartas patrimoniais. p.95.
51
Cf. GIEDION, Space, time and architecture.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
dentro do estilo Art-Déco, que se mantém hegemônico na arquitetura corporativa
norte-americana até hoje. Este panorama pode ser constatado de diversos modos e não
carece de argumento de autoridade: visitando-se o website de qualquer grande escritório
como ou KPF, HOK ou SOM; 52 visitando-se o website de grandes construtoras de edifícios
residenciais no Brasil; colecionando-se anúncios de jornal e folhetos publicitários; e,
simplesmente, visitando-se o centro de qualquer de nossas metrópoles.

A maioria dos países americanos estabeleceu estilos nativistas, baseados em sua


arquitetura colonial vernacular do início do século XX, visando a criar identidade e coesão
nacionais necessárias a uma industrialização sem revoluções do proletariado. 53 Desde
então estes estilos vêm dominando indiscutivelmente o campo da construção de
residências unifamiliares da classe média – com ou sem arquitetos de vanguarda à frente
do projeto. Revistas de arquitetura mais ligadas ao público em geral, como a
norte-americana Architectural Digest, ou a brasileira Arquitetura e Construção, publicam em
sua maioria residências neocoloniais.

Há, é claro, as diversas correntes ligadas diretamente à genealogia das vanguardas dos
anos vinte, como o próprio Brazilian Style - conhecido entre nós como Escola Carioca –, ou
o brutalismo inglês (diferente do brasileiro), ou o deconstrutivismo e o minimalismo da
década de 1990, a recente arquitetura holandesa, dentre tantos outros. Passaram-se
setenta e cinco anos da publicação de Vers une Architecture por Le Corbusier e, mesmo
nos países desenvolvidos, a construção civil não se tornou a indústria sonhada pela
vanguarda heróica. Nos últimos trinta anos, mesmo a organização industrial taylorista
começou a ruir, explodida em redes de prestação de serviços. Talvez por esta
impossibilidade, novos discursos modernos foram articulados. Vejamos alguns deles:

Após a Segunda Grande Guerra, Le Corbusier passou a realizar a arquitetura que mais
tarde se chamaria de brutalismo, caracterizado pelo uso de materiais in natura e sobretudo
o uso de concreto aparente – béton brut em francês. No Brasil, a partir da arquitetura de
Villanova Artigas e de Oscar Niemeyer, foi uma corrente bastante difundida até os dias de
hoje.

A partir da arquitetura de Louis Kahn, há uma vertente da arquitetura moderna – sobretudo


entre arquitetos ibero-americanos – de retorno a valores construtivos e espaciais próprios
da arquitetura românica, com decoração simplificada e composição massiva. Veja-se por
exemplo a arquitetura do colombiano Rogelio Salmona, do suíço Mario Botta, a primeira
fase da obra do brasileiro Éolo Maia, dentre outros.

Parte das vanguardas desenvolveu um tipo de ruskinianismo, propondo o retorno a técnicas


vernáculas de planejamento e construção, freqüentemente associadas à autoconstrução, a
programas sociais ou a comunidades alternativas. Tal é o caso do egípcio Hassan Fathy, do
belga Lucien Kroll, do norte-americano Christopher Alexander ou do brasileiro Sérgio Ferro.

Frente a um quadro tão diverso, tratemos da arquitetura do século XX por arquitetura


recente. Evita-se assim a discussão nominalista acerca do termo moderno, que seria
preferível etimologicamente se nos referimos a construções feitas segundo o
modo-hodierno. Sigamos a advertência de Mário Mendonça, para quem: tentar uma
análise filológica, com certeza, não nos conduziria necessariamente a uma posição mais
correta, porque muitas vezes (...) é o uso que consagra o sentido.

52
Cf. < http://www.kpf.com > ; < http://www.hok.com > ; < http://www.som.com > . Verficar sobretudo as
tipologias de hotéis e casas de espetáculos.
53
Cf. AMARAL, Aracy (org.). Arquitectura neocolonial: América Latina, Caribe, Estados Unidos. São Paulo:
Memorial/Fondo de Cultura Económica, 1994. 336p.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
Mas quais seriam os traços comuns a um quadro tão heterogêneo? Em seu livro
Preservation of modern architecture, ao tratar do que chama de questões filosóficas
atinentes à preservação e ao projeto, 54 Theodore Prudon nos dá uma pista ao destacar os
seguintes temas: percepção e preservação, funcionalidade e obsolescência, intenção de
projeto (design intent), transparência e continuidade visual. A nosso modo de ver, a chave
para o entendimento dessas questões é o particular sistema produtivo da arquitetura
recente, como veremos em seguida.

5.2. Um sistema heteronômico de base documental

O resultado da segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos


(1996), a Declaração de Istambul, deixa poucas margens a dúvidas sobre a natureza e as
possibilidades atuais de nosso patrimônio edificado: reconhecemos as cidades e centros
urbanos como centros de civilização, desenvolvimento sócio-econômico, cultural, espiritual
e de avanços científicos. Nós devemos aproveitar as oportunidades apresentadas por
nossos assentamentos e preservar sua diversidade para promover a solidariedade entre os
povos. 55 Ao se tratar de arquitetura recente, portanto, devemos considerar o contexto
urbano e seus meios de produção edilícia. Neste ambiente, as edificações são projetadas
por técnicos habilitados legalmente para tanto, que aprovam seus projetos junto à
municipalidade de acordo com códigos de obras e legislação urbanísticas locais. As
informações dos desenhos de arquitetura são usadas para orientar o planejamento e a
construção.

Mesmo nas Minas Gerais do Brasil colonial, o desenho era utilizado com esta dupla
finalidade. Conforme nos informa Sylvio de Vasconcellos:
Os edifícios mais importantes de Vila Rica, como de toda a Colônia, obedecem
sempre os prospectos previamente elaborados e sujeitos à aprovação da Coroa.
Estes riscos, em escala adequada, acompanhados de seu “petipé”, medem-se em
palmos e são, em geral, desenhados a traço, em aguadas, coloridos ou não, sobre
papel branco ou pergaminho, tal como o que “Se comprou ao Livreiro para os
Riscos” a Matriz do Pilar em 1727 (cit. A.P.M. – Livro 4º da Receita e Despesa da
Irmandade do SS. Sacramento, 30). Vez por outra aparecem perspectivas
axonométricas, facilitando o entendimento do conjunto das fachadas principal e
laterais. Para os interiores, ocorrem cortes detalhados ou esquemáticos. 56

Luiz Alberto Passaglia complementa ainda:


(...) podemos entender que o risco era uma etapa presente nas tomadas de decisões. Mesmo
que este fosse feito de maneira sumária, ou seja, simplesmente de função indicativa,
podendo inclusive a sua orientação ser alterada no transcorrer da obra, este tinha a sua
importância (...). É com o risco da obra que, inclusive, se estabelece o contrato com os
trabalhos de carpintaria, tendo em vista a necessária antecedência para se proceder ao corte
e ao preparo das peças, e que as mesmas estivessem em condições aceitáveis de serem
57
utilizadas no momento oportuno.

54
Philosophical issues affecting preservation and design. In PRUDON, Preservation of modern
architecture.p.23.
55
We have considered, with a sense of urgency, the continuing deterioration of conditions of shelter and
human settlements. At the same time, we recognize cities and towns as centres of civilization, generating
economic development and social, cultural, spiritual and scientific advancement. We must take advantage of
the opportunities presented by our settlements and preserve their diversity to promote solidarity among all our
peoples. In UNITED NATIONS. The Habitat agenda: Istanbul Declaration on Human Settlements. p.1.
56
VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura particular em Vila Rica, p.95. Apud PASSAGLIA, A influência do
movimento da arquitetura moderna..., p. 36.
57
PASSAGLIA, A influência do movimento da arquitetura moderna..., p. 45.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
Com a progressiva industrialização das cidades, a nova estratificação das classes sociais
aponta para o desenho como instrumento de dominação e alienação dos construtores,
transformados agora de artesãos em operários. Como é sabido, contra este tipo de
dominação lutaram John Ruskin e William Morris ainda no século XIX. E se no Brasil a
industrialização efetiva só passou a ocorrer na década de 1930, é conseqüente que este
novo sistema produtivo tenha-se feito sentir justamente na arquitetura produzida a partir de
então. A narrativa de Artigas a esse respeito é preciosa:
(...) Eu aprendi arquitetura na Escola Politécnica, com engenheiros, como organizar
a planta de uma casa: deve ter uma escada e é bom que essa caixa de escada
tenha pelo menos 4X4m para que, depois, o escadeiro não tenha muito trabalho
para por lá dentro a escada, que sobe para o andar superior. (...) E o escadeiro
sabe, como o artesão, fazer uma escada: se você deixa um espaço de 4x4m, ele se
vira, escolhe as madeiras e faz com que a escada chegue lá em cima.

Mas nós, os homens da arquitetura moderna, rompemos precisamente com esse


conceito de projeto, com esses resquícios, digamos, medievais que ainda
prevaleciam dentro da técnica de nossa pátria – isso por volta da década de 30 ou
um pouco antes, quando vieram os imigrantes para cá. Sou dessa geração de
arquitetos modernos que, pela primeira vez foram até o conhecimento do fazer
operário, ou do subempreiteiro, para dizer-lhes, em desenho, em projeto, o que era
preciso fazer – por exemplo, a escada, que altura, largura e expressão ela teria. 58

Theodore Prudon nos dá a chave para o real entendimento da experiência de Artigas:


À medida em que o papel criativo dos projetistas aumentou, sua contribuição
tornou-se mais claramente identificável, e é cada vez mais usada como uma das
principais justificativas para a valoração de um edifício: é a mão do projetista, mais
que a mão do operário, que ao fim e ao cabo determina a expressão artística dos
edifícios modernos. O papel dos artesãos diminuiu com a introdução ampla de
materiais, componentes e elementos industrializados. Como resultado, a
artisticidade antes vista em edifícios tradicionais tornou-se menos aparente ou
desapareceu completamente., enquanto o papel criativo dos projetistas tornou-se
claramente visível. A compreensão final do projeto, expressado como entidade
coesiva, transcendeu os elementos (pré-fabricados) individuais que o criaram. 59

Sérgio Ferro coloca a questão em terminologia marxista: o desenho de arquitetura é o


caminho obrigatório para a extração de mais-valia e não pode ser separado de qualquer
outro desenho para a produção. 60 E se esta situação se fizera sentir por Ruskin 61 na
Inglaterra do século XIX, no Brasil ela se agrava apenas na década de 1950. Se por um lado
os canteiros de obras seguem sendo manufaturas, a organização do trabalho em turmas é
similar ao sistema industrial, onde evidentemente o operário não participa artisticamente da
construção:
Visto de uma certa distância, o canteiro é eminentemente uma ação concatenada:
os gestos de cada operário, compostos com os complementares de outros
operários, seguem uma ordenação precisa. O axioma fundador de um dos métodos
mais utilizados para o controle dos tempos produtivos no canteiro – o das
58
ARTIGAS, A função social do arquiteto. In _____. Caminhos da arquitetura. p.203.
59
As the creative role of designers has increased, their contribution has become more clearly identifiable and
is used more and more as one of the major justifications for the significance of a building: it is the hand of the
designer more than the hand of the tradesman that ultimately determines the artistic expression of modern
buildings. The role of craftsmen diminished with the widespread introduction of factory-made materials, parts,
and assemblies. As a result, the artistry previously seen in traditional building practices became less apparent
or disappeared completely, while the creative role of the designers remained clearly visible. The ultimate
understanding of the design, as expressed as a cohesive entity, transcended the individual (prefabricated)
elements that created it. PRUDON, Preservation of modern architecture.p.35.
60
FERRO, O canteiro e o desenho in _____. Arquitetura e trabalho livre. p. 108.
61
Cf. DOURADO, Odete. Introdução. in RUSKIN, A Lâmpada da Memória, p.4. [mimeo]

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
observações instantâneas – é a evidência dessa ordenação. (...) de mais perto, se
procurássemos, em nenhum momento localizaríamos o acordo que corresponderia
a desenho de cooperação. E notaríamos, entre outras decepções, que a totalização
do trabalhador coletivo é função particular, função do mestre. (...) mesmo o mestre,
se é mestre no canteiro, não passa de elo secundário na cadeia de poderes. É leitor
submisso de planos, memoriais, cronogramas de origem exterior e anterior à obra.
O canteiro é só ação: visto de uma distância um pouco menor, é ação heterônoma.
62

Não podemos eximir o papel ativo do documento nesse caso. Afinal, em sua origem
histórica, a criação dos documentos constituiu uma necessidade para o exercício do poder.
63
O sistema documental de produção de arquitetura com vistas à extração de
mais-valia, portanto, é uma especificidade da arquitetura recente, independentemente
de sua feição. A este arranjo denominaremos simplesmente sistema heteronômico.

Vimos como, a partir da Renascença, inicia-se uma nova relação entre patrimônio,
arquitetura e desenho. E o desenho, que servia ao projeto e ao cadastro, aproximou
Brunelleschi da antiguidade, e foi o mesmo a objetivá-la cientificamente no século XVII.
Este distanciamento crítico do patrimônio e da arquitetura teve seus efeitos na configuração
definitiva do sistema produtivo do espaço construído tal como funciona até os dias de hoje:
trata-se de um sistema de base documental que perpetua as relações de poder. Vejamos
algumas dessas conseqüências para os monumentos decorrentes desse processo,
conforme produzidos no século XX.

6. DOCUMENTAÇÃO E AUTENTICIDADE NA ARQUITETURA RECENTE

6.1. Autoria e a concepção inicial

À exceção dos pequenos grupos ruskinianos mencionados anteriormente, este sistema


produtivo é hegemônico na maioria incontestável das grandes urbes brasileiras e – com
variações – no ocidente. O Estado, por meio das municipalidades, exige o desenho
arquitetônico para avaliação, o que – através das reservas de mercado corporativas –
garante trabalho ao projetista e ratifica o sistema produtivo descrito, onde o operário
executa a obra de modo heterônomo. Decorre disso que o cerne da artisticidade da obra
concentra-se não na sua manufatura, mas em sua autoria. O designer é valorado como
artista, e sua obra é valorada como arte: passível de tornar-se monumento. Como nos
atesta Cesare Brandi: qualquer comportamento em relação à obra de arte, nisso
compreendendo a intervenção de restauro, depende de que ocorra o reconhecimento
ou não da obra de arte como obra de arte. 64

As conseqüências desta especificidade para o campo do patrimônio serão sentidas em sua


fase valorativa, nas questões relacionadas a sua autenticidade. No caso da fase valorativa,
o primeiro critério de Summerson mencionado assegura a preservação ao edifício que é
uma obra de arte: o produto de uma mente excepcional. Por outro lado, como se pode
depreender da passagem de Brandi acima, no caso do sistema heteronômico, o que
passa a definir a autenticidade da obra de arte é a concepção do autor conforme
manifestada em seus documentos. É o que já citada definição consensual do termo nos
assegura e complementa, tratando-o pelo respeito às idéias originais que orientaram a
concepção inicial do Bem, e das alterações introduzidas em todas as épocas, que
62
FERRO, O canteiro e o desenho in _____. Arquitetura e trabalho livre. p. 117.
63
GAGNON-ARGUIN, Os arquivos, os arquivistas e a arquivística. p.32.
64
BRANDI. Teoria da restauração. p.28. [grifo nosso]

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
agregando valores, resultaram numa outra ambiência, também reconhecida por seus
valores estéticos e históricos. Entretanto, devido à proximidade com os autores das obras
recentes, ocorre que, durante a fase valorativa do processo de preservação do monumento,
vem prevalecendo um caráter idealista decorrente do foco exclusivo no autor, resultando na
tentativa de encarnação de sua concepção original, ou mesmo – caso o autor esteja vivo –
na sua concepção atual sobre a obra projetada em outro tempo Veremos em seguida que
esse tipo de prática ocorre em detrimento do interesse público do monumento, da qualidade
da feitura do trabalho e da qualidade da matéria, no que concerne à estrutura de sua
imagem. 65

A valoração biográfica, por assim dizer, vem sendo amplamente disseminada. São notáveis
os tombamentos não de conjuntos urbanos recentes, mas de conjuntos de obras de autores
modernos. Como narra Theodore Prudon: a estatura de [Frank Lloyd] Wright na arquitetura
americana coloca o seu impacto na preservação no mesmo patamar que Le Corbusier na
França, ou Alvar Aalto (1898-1976) na Finlândia: todos são arquitetos representativos cujo
conjunto da obra é protegido devido a sua proeminência. 66 O mesmo ocorre no Brasil com
a obra de Oscar Niemeyer, que teve vinte e três obras tombadas pelo IPHAN em Brasília
em dezembro de 2007, quando da comemoração de seu centenário. 67

Entretanto, no caso do patrimônio recente, a valoração com base no critério de autor ocorre
somente em um sentido: o de legitimar publicamente o interesse privado, expressado
através dos direitos autorais. De fato, a Convenção de Berna para a proteção das Obras
Literárias e Artísticas (1979) – que abrange a arquitetura – assegura:
1- Independentemente dos direitos patrimoniais do autor, e inclusive depois da
cessão desses direitos, o autor conservará o direito de reivindicar a paternidade da
obra e opor-se a qualquer deformação, mutilação ou outra modificação da mesma,
ou a qualquer atentado à mesma que cause prejuízo a sua honra ou sua reputação.

2 – Os direitos reconhecidos ao autor em virtude do parágrafo 1 serão mantidos


depois de sua morte, pelo menos até a extinção de seus direitos patrimoniais, e
exercidos pelas pessoas ou instituições a quem a legislação do país em que se
reclame a proteção reconheça direitos. (...)

A proteção concedida pela presente convenção se estenderá durante a vida do


autor e cinqüenta anos após a sua morte. 68

A arquitetura é uma atividade artística cuja produção invariavelmente conforma o espaço


público. 69 Porém, sua imagem está listada como propriedade intelectual de seu autor, que

65
Reportamo-nos aqui à definição de Brandi, para quem: A matéria como epifania da imagem dá, portanto, a
chave do desdobramento, apenas esboçado e agora definido como estrutura e aspecto. BRANDI. Teoria da
restauração. p.36.
66
PRUDON, Preservation of modern architecture, p.18.
67

Cf.< http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=13799&sigla=Noticia&retorno=detalheN
oticia >. Acesso em 4 ago.2008.
68
1) Independientemente de los derechos patrimoniales del autor, e incluso después de la cesión de estos
derechos, el autor conservará el derecho de reivindicar la paternidad de la obra y de oponerse a cualquier
deformación, mutilación u otra modificación de la misma o a cualquier atentado a la misma que cause perjuicio
a su honor o a su reputación.
2) Los derechos reconocidos al autor en virtud del párrafo 1) serán mantenidos después de su muerte, por lo
menos hasta la extinción de sus derechos patrimoniales, y ejercidos por las personas o instituciones a las que
la legislación nacional del país en que se reclame la protección reconozca derechos. (…)
La protección concedida por el presente Convenio se extenderá durante la vida del autor y cincuenta años
después de su muerte. in OMPI, Convenio de Berna para la Protección de las Obras Literarias y Artísticas.
Art.6bis e 7.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
permanece com direitos exclusivos sobre ela, independentemente da propriedade
patrimonial da obra. No caso da arquitetura recente – por definição da mesma –, ainda vige
o prazo dentro do direito sucessório, garantindo aos herdeiros a autoridade sobre a obra. 70
E nossa legislação nacional é ainda mais específica, estabelecendo que o autor poderá
repudiar a autoria de projeto arquitetônico alterado sem o seu consentimento durante a
execução ou após a conclusão da construção. 71 Em conseqüência, a vigência do direito
autoral sobre a obra é uma especificidade da arquitetura recente.

Conforme vimos, a Carta de Atenas assegura, em matéria de monumentos, um certo direito


da coletividade em relação à propriedade privada. 72 A questão seria consensual, caso não
representasse um potencial conflito de interesses, conforme de fato vem ocorrendo. Prudon
sugere:
A consulta ao arquiteto original pode, afinal, completar o documento histórico. Na
prática, entretanto, o arquiteto ou a firma original pode abordar o edifício como um
novo desafio de projeto e não como um trabalho de conservação: o que está em
jogo é atingir uma solução técnica aceitável de preservação, e não uma
reinterpretação contemporânea do projeto. Por essa razão, Le Corbusier
(1887-1965) não teria sido o melhor arquiteto para a preservação da Villa Savoye, e
tampouco seria automaticamente uma boa solução mais um edifício de Oscar
Niemeyer em Brasília. 73

Esse não foi o entendimento dos legisladores do IPHAN, em 1992. Na portaria de


regulamentação do tombamento de Brasília – homologada em função de sua inscrição
como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1987 – o Instituto estabelece que
excepcionalmente, e como disposição naturalmente temporária, serão permitidas
quando aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para
novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília – arquitetos Lucio Costa
e Oscar Niemeyer – como complementações necessárias ao Plano Piloto original. 74

O dispositivo justifica-se pelos argumentos valorativos de Brasília quando de seu


tombamento. Foi preservado o Plano Piloto– em sua potência –, e não o Conjunto Urbano –
em sua materialidade. Como bem define José Pessoa, Brasília é o tombamento de uma
idéia, 75 instruído junto à UNESCO com base num Decreto Distrital, o qual estabelece que:
entende-se por Plano Piloto de Brasília a concepção urbana da cidade, conforme
definida na planta em escala 1/20.000 e no Memorial Descritivo e respectivas
ilustrações que constituem o projeto de autoria do Arquiteto Lucio Costa, escolhido

69
Já desenvolvemos o tema da relação entre público e privado na arquitetura em texto anterior. Ver
MACEDO, Algumas funções públicas da arquitetura.
70
No Brasil, os direitos autorais são regidos pela lei 9.610/98. Em nosso país, o prazo de vigência é ainda
maior que na Convenção de Berna, no caso dos direitos patrimoniais. Segundo o Art. 41 daquela: Os direitos
patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu
falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil. No caso dos direitos morais, o prazo é indefinido mas
são assegurados os mesmos direitos do autor a seus sucessores. (Art.24, §1º). Cf. BRASIL, Lei 9.610 de 19
de fevereiro de 1998.
71
BRASIL, Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.. art.26.
72
Carta de Atenas in CURY, Cartas patrimoniais. p.14.
73
Consultation with the original architect can, after all, complete the historical record. In practice, however, the
original architect or architectural firm may approach the building as a new design challenge rather than as
conservation project: at issue is to achieve a technically acceptable preservation solution, not a more
contemporary reinterpretation of the design. For that reason, Le Corbusier (1887-1965) would not have been
the right preservation architect for the Villa Savoye nor would the addition of a new building in Brasília by Oscar
Niemeyer (b.1907) automatically be a good idea. PRUDON, Preservation of modern architecture, p.37.
74
IPHAN, Portaria nº 314, de 08 de outubro de 1992. in IPHAN, Plano Piloto 50 anos, p.58-63.
75
Cf. PESSOA, Brasília e o tombamento de uma idéia.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
como vendedor pelo júri internacional no concurso para construção da nova Capital
do Brasil. 76

Assim, caso a obra de arquitetura recente seja valorada não em sua materialidade, mas
como produto de uma mente excepcional – para usar a expressão de Summerson –, tem-se
que o repúdio da autoria por seu criador ou por seus sucessores potencialmente levaria ao
cancelamento de seu tombamento, por perda de autenticidade. Afinal, deixando de
pertencer ao autor, a obra perderia os atributos valorados.

Na verdade, a documentação do projeto original e suas publicações são suficientes à


autenticação da concepção original de qualquer obra, pois em sua liguagem todo
documento possui autonomia histórica nas informações que carrega. Como nos ensina
Carlos Antônio Brandão,
o conceito não é apenas uma elaboração mental prévia, destinada a ser substituída
pelo projeto no qual ela seria totalmente absorvida, mas o ‘medium’ histórico da
linguagem através da qual nos constituímos e compreendemos o mundo em que
vivemos. Nessa chave o conceito servirá não apenas para o trabalho do arquiteto
mas, sobretudo, para a compreensão do produto do seu trabalho por parte de quem
o habita. 77

O reconhecimento de grandes artistas em vida é desejável. Entretanto, criar um potencial


conflito com os interesses do autor e seus sucessores certamente não é uma boa
homenagem. E caso as autoridades estejam de fato imbuídas do espírito de prevalência do
interesse público sobre o privado, não se pode valorar o patrimônio recente (onde vige o
direito intelectual) com base exclusiva no critério de autoria. Deve-se fazê-lo com base na
documentação informativa das idéias originais que orientaram a concepção inicial do
Bem e das alterações introduzidas em todas as épocas, que agregando valores, resultaram
numa outra ambiência, também reconhecida por seus valores estéticos e históricos,
conforme reza o consenso sobre autenticidade vigente em nosso país. Vemos portanto que
a documentação assume fundamental importância na autenticação da arquitetura recente
com vistas ao direito da coletividade em relação à propriedade privada. Mas a questão da
autenticidade no patrimônio recente, conforme veremos a seguir, possui outras nuances.

7. OBSOLESCÊNCIA
Se os elevados índices de informalidade da construção civil de nosso país podem –
potencialmente – constituir uma fuga, mesmo que inadvertida, das benesses e malefícios
do sistema heteronômico, certamente não escapam à similaridade material para com
aquelas produzidas de acordo com a organização do trabalho vigente. Primeiramente
porque a mão-de-obra heterônoma adotará uma técnica derivada dos canteiros de obra
tecnológicos 78 – um exemplo claro desse fenômeno pode ser observado na abundância de

76
DISTRITO FEDERAL, Decreto nº 10.829 de 14 de outubro de 1987. Art.1 in IPHAN, Plano Piloto 50 anos,
p.64-69.
77
BRANDÃO. Linguagem e arquitetura: o problema do conceito.
78
Milton Vargas estabelece a diferença entre os conceitos de técnica e de tecnologia: A técnica é, assim,
uma habilidade humana de fabricar, construir e utilizar instrumentos. É tão antiga quanto a humanidade,
admitindo-se a idéia de certos antropólogos de que um fóssil só pode ser considerado humano se ao lado dele
forem encontrados instrumentos [...].
As técnicas modernas, nas quais já estão incorporados os conhecimentos empíricos de origem científica,
aparecem durante o Renascimento, quando homens, como Leonardo da Vinci, não a distinguem das Belas
Artes e nem hesitam em aplicar, na solução de seus problemas, alguns conhecimentos científicos, obtidos da
experiência direta.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
esqueletos estruturais de concreto armado em nossas favelas. Em segundo lugar porque a
cultura de mercado simplesmente exclui a possibilidade de construção com outros
materiais - onde o exemplo reverso é a ausência de casas de taipa em nossas favelas. Da
implementação do sistema heteronômico decorre, forçosamente, o comprometimento
com insumos de origem industrial e, em decorrência da difusão de suas técnicas
construtivas, adotam-se invariavelmente produtos industrializados para construção.

Retomemos o exemplo do concreto armado: a engenharia brasileira vinha desenvolvendo


excelência cultural e científica no cálculo matemático e nos ensaios de resistência dos
materiais desde o início do século. 79 Este avanço científico permitiu a construção de
edifícios e pontes com esqueleto de concreto armado – um avanço tecnológico. A
mão-de-obra desses canteiros apreendia a técnica dessas estruturas e, mesmo por não
conhecer outra, aplicou-a na construção vernácula das favelas. Assim o cimento Portland e
o aço passam a ter uso generalizado devido aos novos esqueletos de concreto armado. Há
ainda um crescimento marginal decorrente dessa difusão, como por exemplo a substituição
da cal virgem nos rebocos pelo cimento portland que afinal já estava presente no canteiro
de obras.

De fato, praticamente todos os materiais usados atualmente na construção civil são


produtos industriais: cimento, vidro, aço, revestimentos cerâmicos, plásticos e têxteis,
ferragens, instalações hidráulicas, elétricas e mecânicas. Mesmo a outrora onipresente
madeira in natura foi quase integralmente substituída por chapas de laminados e
aglomerados. Embora o canteiro de obras não funcione como indústria, e sim como
manufatura, ele certamente é um dos maiores consumidores de produtos industriais na
economia atual.

As instalações hidráulicas, elétricas e mecânicas constituem um grupo especial nesse


universo, e não se pode subestimar a sua relevância na obra de arquitetura: no custo da
construção eles correspondem a aproximadamente um quinto num edifício industrial e a
mais que a metade num edifício institucional. 80 A manutenção de instalações e
equipamentos, e os recursos que eles consomem (água e energia elétrica, principalmente),
estão no cerne de todo o debate global em torno do tema da sustentabilidade das
edificações . Estes produtos são efetivamente máquinas, das quais cobra-se atualidade e
eficiência. Nesse sentido, comportam-se como bens de consumo: o reparo e a substituição
de componentes e mesmo de sistemas inteiros devido a sua obsolescência é a prática
cotidiana. A presença original desses equipamentos dentro da edificação também é uma
condição exclusiva da arquitetura recente. Tanto quanto qualquer outro bem de consumo,
as máquinas integradas à edificação atingem a obsolescência, ou bem quando deixam de
ser eficientes ou bem quando são superadas por tecnologias mais novas.

Outros materiais da edificação recente, pela natureza industrial de sua estrutura, também
atingem a obsolescência. Tal é o caso das portas e esquadrias, dos pisos e revestimentos
plásticos e têxteis, e do mobiliário integrado em geral – divisórias, poltronas de teatros e
auditórios etc. Afinal, os produtos industrializados dependem de empresas que os

A tecnologia, por fim, só pode ter vigência depois do estabelecimento da Ciência moderna, principalmente
pelo fato dessa cultura ser um saber que, apesar de teórico, deve necessariamente ser verificado pela
experiência científica. In VARGAS, História da técnica e da tecnologia no Brasil, p.15-16.
79
Cf. MACEDO, Da matéria à invenção, p.68-76.
80
Dados extraídos da experiência profissional do autor como projetista e de MASCARÓ. O custo das
decisões arquitetônicas. p.139.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
fabriquem. E as empresas retiram seus produtos das linhas de produção, substituindo-os
por outros tecnologicamente mais avançados. 81

Essa associação da arquitetura a bens de consumo relaciona-se, portanto, a um constante


experimentalismo que passa a ser praticado por todos os campos da construção civil –
incluindo o da arquitetura. Se a forma segue a função, o melhoramento e a atualização
constante da performance do edifício recente em seu uso fazem dele um produto com
obsolescência programada em diversos sentidos. Disso decorre que, além das questões
materiais e funcionais envolvidas, evidentemente os edifícios se tornam obsoletos num
sentido simbólico, nas sucessivas modas e estilos que dominam os ciclos de gosto, no que
Riegl denominou de valor de arte relativo. Obsolescência material, funcional e simbólica
são, portanto, características exacerbadas na arquitetura recente.

Também neste caso, a documentação assume papel preponderante, segundo o princípio


geral do restauro de que todo tratamento deve ser propriamente documentado. Nas
sucessivas substituições de sistemas, elementos, componentes e materiais, é a
documentação dos projetos e cadastros a responsável por incorporar em si a memória do
edifício. Portanto, quanto maior o grau de comprometimento do elemento com a indústria e
suas tecnologias, maior a sua necessidade de documentação como ferramenta de
preservação da memória. Por extensão, e proporcionalmente a esta necessidade, é válida
a afirmação de Mário Mendonça, para quem:
Um dos instrumentos importantes para a preservação da memória é o seu registro
iconográfico (...). Nesse caso, desaparecido o objeto que testemunha o nosso
passado, a imagem pode substituir, embora parcialmente, a necessidade imanetne
à natureza humana de manter contato com o que se foi. Daí uma das várias
utilidades das representações cadastrais como forma de preservação da
memória. 82

Nesse sentido, a conservação do patrimônio recente assume um viés idealista totalmente


diferenciado dos restauros de estilo praticados no século XIX. Afinal, pretende-se aqui
preservar a funcionalidade através da substituição da matéria como estrutura do uso, e não
como estrutura da figuratividade da imagem. 83 Numa escopo mais amplo, para além do
caso específico das instalações e equipamentos – quando tratamos de esquadrias de
alumínio, por exemplo –, ou quando as máquinas fizerem parte da matéria como aspecto da
imagem – caso da chamada arquitetura high-tech – a questão ganha outras dimensões.
Brandi nos alerta que
Quando se tratar de obra de arte, mesmo se entre as obras de arte haja algumas
que possuam estruturalmente um objetivo funcional, como as obras de arquitetura
e, em geral, os objetos da chamada arte aplicada, claro estará que o
restabelecimento da funcionalidade, se entrar na intervenção de restauro,
representará, definitivamente, só um lado secundário ou concomitante, e jamais o
primário e fundamental que se refere à obra de arte como obra de arte. 84

No caso, caímos no dilema conceitual e prático de proceder ao restauro de um produto


industrial projetado para a obsolescência, não mais produzido pela indústria e cuja feitura
81
Prudon afirma que: The obsolescence of modern architecture may also be defined in physical terms:
materials and building systems. Experimentation and new development in these fields marked the first half of
the century and formed the foundation of the postwar boom. (PRUDON, Preservation of Modern Architecture,
p.30). Evidentemente, o processo de experimentação e obsolescência não se restringe à primeira metade do
século passado, simplesmente porque novos materiais continuam surgindo, e novas tecnologias são
desenvolvidas. Portanto, ela subsiste até os dias de hoje e pode ser verificada no dia-a-dia.
82
OLIVEIRA. A documentação como ferramenta de preservação da memória. p.13.
83
Cf. BRANDI, Teoria da restauração, p.48.
84
BRANDI, Teoria da restauração, p.26.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
seria impossível a não ser pela economicamente inviável montagem de uma indústria para
a atividade conservativa específica. Esta questão é comum no caso do pan-de-verre, tão
caro ao modernos, sujeito a quebra de vidros, problemas generalizados na caixilharia e,
principalmente, questões ambientais ligadas à baixa inércia térmica e à exposição
excessiva dos ambientes à luz do sol. Cabe aqui relembrar a já citada definição da Carta de
Veneza, onde a conservação de monumentos é sempre favorecida por sua destinação a
uma função útil à sociedade. Evidentemente, as soluções conceituais e técnicas para este
problema devem ser estudadas caso a caso, tendo pouco sentido sacrificar o uso do
edifício em função da conservação de uma materialidade viciada.

Neste caso, o restauro idealista parece mais coerente, pois a preservação da


documentação original – intrínseca ao processo – desonera o conservador de
necessariamente proceder no campo do estilo ou da impossível congenialidade com o autor
da obra. Devido à sua participação num sistema heteronômico, somente a documentação
original da arquitetura recente – caso devidamente preservada – possui o nível de
detalhamento necessário ao entendimento das idéias originais que orientaram a concepção
inicial do bem. Cabe àquele que intervém na obra entrar em diálogo franco com estas
idéias, levando adiante o conceito do edifício – no sentido explicado quando tratamos do
tema da autoria.

A constante atualização devida à manutenção do valor de uso da obra corresponde à


manutenção de seu valor de novidade. Para alguns arquitetos envolvidos no restauro da
arquitetura recente, 85 esta é uma especificidade da Arquitetura Moderna, que para eles
deve ser tratada sempre em sua dimensão ideal. Na verdade, não se trata de um atributo da
obra, mas sim do restaurador que, por proximidade temporal e similaridade de processos,
termina por operar na obra segundo um conceito de apropriação e instrumentalização -
como os renascentistas fizeram com a arquitetura romana -, e não segundo um princípio de
objetivação e distanciamento, Riegl explica-nos que, segundo nossa visão moderna, o
artefato novo requer integridade imaculada de forma e cor tanto quanto de estilo; ou seja, a
obra verdadeiramente moderna deve evitar tanto quanto possível, em sua concepção e
detalhe, relembrar obras anteriores. 86 Trata-se de uma confusão apontada por Brandi, ao
versar sobre o tempo em relação à obra de arte e à restauração: é identificar o tempo da
obra de arte com o presente histórico em que o artista ou o observador, ou ambos, vivem. 87
Se houve no século XX um absoluto desprezo de alguns arquitetos – sobretudo dentre os
modernos – para com a preservação de monumentos, isso não significa em absoluto que
devamos tratar as obras por eles produzidas da mesma maneira, repetindo o seu erro.
Afinal, o fato de Le Corbusier admirar o brilho do estado originalmente imaculado das
catedrais góticas, 88 não sugere que devemos pintar de branco o esqueleto de concreto de
uma catedral recente.

85
Para Prudon parece sugerir isso em algumas passagens como a seguinte: for modern architecture,
authenticity relies on the continuity of the original design intent more often tna on the preservation of the
original materials. In PRUDON, Preservation of modern architecture, p.44.
86
In our modern view, the new artifact requires flawless integrity of form and color as well as of style; that is to
say, the truly modern work must, in its concept and detail, recall earlier works as little as possible. In RIEGL,
The modern cult of monuments. p. 644.
87
BRANDI, Teoria da restauração, p.54.
88
Les cathédrales étaient blanches parce qu’elles étaient neuves, Les villes étaient neuves ; on en construisait
de toutes pièces, en ordre, régulières, géometriques, d’après des plans. La pierre de France fraîche de taille
était éclatante de blancheur, comme avaient été luisantes de granit poli les Pyramides d’Égypte. Sur toutes les
villes ou les bourgs encerclés de murailles neuves, le gratte-ciel de Dieu dominait la contrée. O l’âvait fait aussi
haut qu’on avait pu, extraordinairement haut. C’égeit un acte d’optimisme, un geste de courage, un signe de
fierté, un preuve de maîtrise ! en s’adressant à Dieu, les hommes ne signaient pas leur abdication. LE
CORBUSIER, Quand las cathedralles étaient blanches, p.12.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
Há materiais – como o aço SAC e o concreto aparente – e estratégias projetuais recentes
que são literalmente patináveis, e incorporam a passagem do tempo em sua superfície
tanto quanto qualquer outro material artesanal, testemunhando o tempo histórico vivido
pela obra. 89 Acresce que a obsolescência simbólica acelerada de materiais e soluções de
projeto na verdade nada mais faz que apressar a história, tornando-a – na via oposta da
ruína – mais reconhecível. Qualquer observador atento reconhece a idade de edifícios
recentes a partir de sutilezas, como o modelo dos elevadores, o tipo de esquadria, de
ferragens de portas, dentre tantos outros. Por isso, a recuperação idealista, o ripristino que
implica em substituição total de materiais, componentes e elementos não pode ser, a priori,
uma regra geral para se tratar de monumentos recentes, por mais documentados e
próximos que eles estejam.

Mário Mendonça acima remete ainda a um outro modo pelo qual a documentação pode ser
usada como ferramenta de preservação da memória: a possibilidade de reconstrução
figurativa em desenho, maquetes ou tecnologia computacional, trazendo à tona a forma
vera poupando a matéria original e sua história. Desde as reconstruções ideais de
reconstrução em desenho do Castelo de Coucy, apenas imaginada por Vitet, 90 até as
Unbuilt Masterworks de Loius Kahn feitas por Kent Larson em computação gráfica, o
potencial didático e especulativo dessa estratégia é ilimitado. 91 Mário Mendonça nos
lembra que não se deve cair na tentação de acreditar que a imagem pode substituir
satisfatoriamente o artefato representativo da nossa memória. Seria aceitar que uma
fotografia pudesse tomar o lugar da pessoa ou objeto do nosso afeto. No caso da
arquitetura, o fosso das dificuldades alarga-se mais ainda, porque nada, mas nada mesmo,
pode substituir a relação de escala dos edifícios com o seu observador, nada pode
‘substituir a concreta realidade da pedra, do cimento, do ferro, das leis físicas que governam
o organismo estático e das precípuas solicitações que deles se irradiam’. 92

8. PROJETADA PARA A REPRODUTIBILIDADE?


Uma das características intrínsecas ao sistema heteronômico é a capacidade de
multiplicação de seus artefatos. Mas em que sentidos pode esta reprodução ocorrer, no
caso da arquitetura? James Marston Fitch parte do princípio de que a multiplicação é uma
necessidade da cultura de massas para o usufruto de um determinado artefato cultural, 93
sempre que se dispõe dos meios técnicos para fazê-lo. Nesse sentido, a necessidade de
multiplicação seria uma especificidade da arquitetura recente, colocando toda obra de arte
– e por extensão, todo monumento – na condição de protótipo a ser multiplicado e
vivenciado por um maior número de pessoas. Ainda segundo Fitch, a multiplicação ocorre,
tradicionalmente, como duplicata e como fac-símile. Aplicando-se a primeira a qualquer
produto e a segunda exclusivamente a imagens (livros, gravuras, cinema, televisão) e sons
(rádio, fonógrafo). O autor enfoca ainda o termo réplica, como a cópia ou reprodução de

89
O próprio Prudon retrocede e reconhece que algumas obras melhor que outras registram a passagem do
tempo. Cf. PRUDON, Preservation of modern architecture, p.42.
90
“Concluindo aquilo que diz respeito aos monumentos e à sua conservação, deixai-me aqui dizer ainda,
Senhor Ministro, algumas palavras a propósito do monumento talvez mais estupendo e mais preciosode todos
aqueles de que acabo de falar, e do qual me proponho a tentar o restauro. Em verdade, é um restauro para o
qual não serão necessárias nem pedras, nem cimento, mas somente algumas folhas de papel. Reconstruir,
ou antes restituir, no seu conjunto, e nos mínimos detalhes, uma fortaleza da Idade Média, reproduzir a sua
decoração interna até ao seu mobiliário, em uma palavra, restituir a sua forma, a sua cor, e, se ouso dizer, a
sua vida primitiva, tal é o projeto que me ocorreu à mente logo ao entrar na muralha do Castelo de Coucy.”
VITET. Apud VIOLLET-LE-DUC, Restauro, p.11.
91
Cf. LARSON, Kent. Louis Kahn: unbuilt masterworks. New York: Monacelli Press, 2000. 232p.
92
OLIVEIRA, A documentação como ferramenta de preservação da memória, p.13. Com citação de Luigi
Vagnetti.
93
Cf. FITCH, Historic preservation, p.1.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
uma obra de arte, especificamente uma feita pelo artista original. É este o processo que nos
explica Walter Benjamin: a técnica da reprodução destaca do domínio da tradição o objeto
reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da
obra por uma existência serial. E, na medida em que esta técnica permite à reprodução vir
ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido.
94
Cabe lembrar, entretanto, que o tempo, o lugar e o uso pelas pessoas conferem à cópia
uma historicidade própria que a torna única. Daí decorre – já explicado anteriormente – que,
se todo documento é potencialmente um monumento, toda cópia também o é. A
documentação – principalmente a publicada – participa ativamente da a obra,
autenticando-a e impedindo sua morte prematura. Entretanto, conforme o enunciado de
Benjamin, na via contrária à reprodutibilidade potencial do protótipo, o valor deste passa a
residir justamente na unicidade de sua condição original. A documentação colabora para
o resgate do monumento, possibilitando seu reconhecimento metodológico como
obra de arte e, conseqüentemente, seu restauro.

A base documental que sustenta a cultura arquitetônica é passível de publicação e


reprodução quase ilimitada. E por isso é comum atribuir-se à era industrial a prerrogativa da
reprodutibilidade da arquitetura – do mesmo modo que os demais produtos. Trata-se do
mesmo tipo de raciocínio equivocado que atribui a virtualização dos espaços às tecnologias
computacionais. Ambos os fenômenos são possíveis, na verdade, desde que se começou a
documentar a arquitetura em desenhos, textos e maquetes – há milênios portanto. Por
outro lado, realmente foi potencializada a replicação da arquitetura a partir da possibilidade
de reprodutibilidade mecânica de fac-símiles dos documentos de arquitetura: o próprio
surgimento do tratado impresso no século XV. Acresce que a arquitetura clássica
greco-romana – recodificada pelos renascentistas – possuía alguns atributos que facilitam
esta reprodução, como nos lembra Mario Carpo:
O sistema das cinco ordens renascentistas, como definido no “Quarto livro” (1537)
de Sebastiano Serlio, era um catálogo de componentes gráficos que eram
padronizados e repetíveis – o que Benjamin teria chamado de “projetado para a
reprodutibilidade”. Todo elemento nesse sistema foi desenhado para ser totalmente
reproduzido e então montado ou remontado com outros elementos
correspondentes. A recomposição era governada por um grupo de regras (as
instruções de uso do sistema) que poderiam ser mais ou menos complexas de
acordo com o caso. Este “método arquitetônico” impõe uma teoria de projeto
simplificada e inevitavelmente leva à repetição de um certo número de
componentes idênticos. Mas esse processo de reprodução gráfica, ou tipográfica,
nada tinha a ver com a manufatura concreta do objeto arquitetônico. 95

Essa desmaterialização da idéia de arquitetura, como já vimos, resultou em muitos casos


na autonomia excessiva da representação, no texto pelo apreço à palavra, no desenho pela
sedução do traço, na representação que, enfim, não documenta um processo capaz de
produzir objetos bem construídos. A era industrial e a fotografia ampliaram ainda mais o
potencial difusor das publicações de arquitetura, que passaram a ter caráter periódico.
Tornou-se assim possível ao arquiteto adquirir uma posição de prestígio não apenas a partir

94
BENJAMIN, A obra de arte na era de sua reprodutbilidade técnica. p.168-169.
95
The system of five Renaissance orders, as defined in particular in the Fourth Book (1537) of Sebastiano
Serlio, was a catalog of graphic components that were standardized and repeatable – what Benjamin would
have called “designed for repoducibility”. Every element in this system was designed for being reproduced
wholesale and then assembled or reassembled with other matching elements. Recomposition was governed
by a set of rules (the instructions for the use of the system) that might be more or less complex according to
cases. This “architectural method” imposes a simplified theory of design and inevitably leads to the repetition of
a certain number of identical components. But this process of graphic, or typographic, reproduction had
nothing to do with the material manufacturing of the architectural object. In CARPO, Architecture in the age of
printing. p.7.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
da qualidade material da obra, mas também exclusivamente a partir da qualidade retórica
da representação que a lança ao mundo nas publicações. Esta qualidade de discurso não
está, necessariamente, vinculada à qualidade material da edificação publicada que, mesmo
carecendo de boa feitura, pode tornar-se uma obra artística através de sua reprodução.

Ironicamente, o sistema heteronômico alienou os próprios arquitetos de suas próprias obras


dentro de seu próprio ofício. Eles agora podem ser consagrados socialmente sem,
necessariamente, realizarem obras de arquitetura reconhecíveis materialmente como arte,
embora possam realizar publicações de arquitetura efetivamente artísticas pelo efeito
prototípico que estas reproduções possuem e pelo potencial de ensejar, inclusive, obras
cuja matéria – como estrutura da imagem – é muito superior em qualidade à obra original.
Não é de se estranhar, portanto, que objetos materialmente frágeis, no caso da arquitetura
recente, sejam considerados bens patrimoniais através de uma valoração baseada não
apenas no critério do autor excepcional, mas também em sua efetividade como protótipos.
Essa última condição não é, já explicamos, uma particularidade da arquitetura recente,
embora certamente tenha se generalizado a partir do século XX. Some-se a isso o já
explicado uso de produtos industriais ligados a ciclos de obsolescência, e teremos algumas
ruínas recém-construídas que, entretanto, são efetivamente obras de arte em sua
documentação e publicação.

O exemplo mais célebre deste tipo de cenário talvez seja a Villa Savoye, de autoria de Le
Corbusier (Poissy, França, 1929). Antes mesmo de sua conclusão, devido a problemas com
a impermeabilização no toit-jardin, suas paredes já apresentavam infiltrações. Tendo sido
usada como residência por apenas dez anos, a casa chegou até nossos dias atravessando
diversos ciclos de decrepitude e restauro. 96 Não nos enganemos, entretanto, com esta
fragilidade. Arquitetos de todo o mundo acorrem a Poissy para visitar a Villa Savoye. Mas,
principalmente, muito mais arquitetos de todo o mundo realizaram obras materialmente
consistentes na estrutura de sua imagem a partir da documentação da Villa Savoye,
conforme publicada centenas de vezes. Se retornarmos aos motivos enumerados por John
Summerson para se valorar um monumento como tal, constataremos que simultaneamente
a residência de Poissy atende a todos: não apenas se trata de um monumento, portanto: é
um monumento excepcional. E escolhemos este exemplo propositadamente: afinal, uma
residência cotidiana só pôde tornar-se um monumento quando inserida no contexto cultural
permitido pela publicação de sua documentação. Nesse sentido, a documentação do banal
passa a significar justamente sua monumentalização.

A partir da difusão do sistema heteronômico, virtualmente qualquer objeto pode ser alçado
à categoria de monumento, independentemente de haver sido projetado para a
reprodutibilidade ou não. O cotidiano se monumentaliza numa relação ambígua: as casas
são objetos anônimos no contexto urbano em que se encontram, mas tornam-se
monumentos a serem copiados por profissionais do mundo inteiro que tomam contato com
ela através dos livros e revistas de arquitetura. Estes últimos, sim, são protótipos de um
sistema cultural de reprodução artística. Não vem ao acaso a célebre anedota narrada por
Niemeyer: Lembro Gropius, depois de visitar minha casa nas Canoas: ‘Sua casa é muito
bonita, mas não é multiplicável’ E eu a olhá-lo condescendente: ‘ Como se diz bobagem
com ar de coisa séria. 97 Niemeyer estava certo, mas não pelos motivos que acreditava:
mesmo que uma duplicata fosse impossível, sua casa era multiplicável em seus princípios.
Formas livres, transparência e integração com a natureza e com o paisagismo nada mais
eram que algumas das características do que ficou conhecido como brazilian style,
difundido e replicado da Austrália à Inglaterra.

96
Cf. PRUDON, Preservation of modern architecture, p.214-220.
97
NIEMEYER, Os caminhos da arquitetura, p.36.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
Essa intensificação da relação entre documento e monumento para além das qualidades do
protótipo original é talvez a especificidade mais desafiadora no trato do patrimônio recente,
pois confunde e dificulta identificação e a valoração de edificações culturalmente relevantes
em seu contexto local, mas carentes de documentação e publicação num contexto mais
amplo.

9. A DOCUMENTAÇÃO INTEGRADA AO MONUMENTO


Os arquitetos da Renascença integraram no desenho um instrumento prospectivo do
passado – nos levantamentos da arquitetura antiga – e do presente – nas obras realizadas.
Antes de tudo, para eles o desenho era um instrumento analítico. Através do desenho os
arquitetos compreendiam e se deixavam compreender pelo objeto estudado, aprendiam as
minúcias das formas, da luz e da matéria que pesquisavam e, com conhecimento do
assunto, tinham mais desenvoltura para projetar. As publicações, os tratados, os
levantamentos, as prospecções, permitiram o compartilhamento desta cultura documental,
disseminando o estudo da arquitetura, da arte e de sua história. Esta nova história
necessitava de documentos construídos para sua comprovação, e a necessidade de
mantê-los a uma vez autênticos e úteis engendrou o culto aos monumentos como hoje os
conhecemos. Ao mesmo tempo, um sistema documental de mesma origem conformou as
cidades, a arquitetura, e o modo pelo qual elas passaram a ser construídas no século XX,
com projetos detalhados enviados à obra num sistema extrativo de mais-valia que a uma
vez distanciava o arquiteto e o operário de sua obra.

Acreditamos haver demonstrado que a base documental desse sistema é indissociável da


arquitetura que ele produziu, devendo por isso passar a ser considerado não como mero
instrumento produtivo, mas como produto integrante da obra. Esta visão integrada é
certamente a chave para a definição de princípios e procedimentos para a preservação da
arquitetura recente. Foi através dela que adentramos modestamente nesse campo, tendo
sido possível entrever algumas especificidades do patrimônio recente. A partir do conceito
fundamental de autenticidade original e histórica, buscamos estabelecer alguns diálogos
entre os monumentos recentes e seus autores, os materiais e técnicas industriais com que
foram feitos, e o modo como foram e são reproduzidos. E como estas especificidades são
justamente parte do que torna estas obras nosso patrimônio, buscamos ainda elucidar
alguns pontos de dúvida que nossa prática diária na arquitetura suscita.

A integração conceitual entre a arquitetura e sua documentação enseja não apenas


medidas práticas, como uma necessária revisão dos sistemas de produção, classificação e
preservação dos documentos de arquitetura e engenharia, mais próxima de seu objeto.
Uma abordagem integrada da construção e sua representação tira esta última da
autonomia em certa medida estéril em que vem se reproduzindo e aproxima novamente o
projetista da construção, resultando em cidades e edifícios mais duráveis e, por sua
durabilidade, mais úteis. Evita-se assim a renovação perdulária a que a obsolescência
induz, num consumo frenético e permanente de recursos naturais. Esta é, na verdade, a
situação limite da luz de Livermore, onde a combustão de energia se torna patrimônio e,
ofuscados pela fraca luz, perdemos de vista a matéria que a torna possível: uma simples e
cotidiana lâmpada que não sabemos mais fabricar.

AGRADECIMENTOS
Dedico este artigo aos amigos Leandro Campos, Juliana Nery e Rodrigo Baeta.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
Toda palavra, sim, é uma semente.
Raduan Nassar

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da Arquitetura. 4ed. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
240p.

BOLTSHAUSER, João. História da arquitetura. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG,


1969. vol.V.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica: primeira versão. In:
Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo
Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 255 p. [10.reimp.1996];(Obras Escolhidas, 1)

BORSI, Franco. Leon Battista Alberti. Trad. Rudolf G. Carpanini. New York: Harper & Row, 1977.
397p.

BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Linguagem e arquitetura: o problema do conceito. Interpretar


arquitetura, Belo Horizonte, n.1. Disponível em: < http://www.arquitetura.ufmg.br/ia/> . Acesso em 4
ago.2008.

BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Trad. Beatriz Kühl. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004. 261p.

BRASIL. Lei 6.610 de 19 de fevereiro de 1998. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, p.3. Disponível em < https://legislacao.planalto.gov.br >. Acesso em 4 ago.2008.

CARPO, Mario. Architecture in the age of printing: orality, writing, typography, and printed images in
the history of architectural theory. Trad. Sarah Benson. Cambridge/London: MIT Press, 2001. 246p.

CARREIRA, Eduardo. Estudos de iconografia medieval: o caderno de Villard de Honnecourt,


arquiteto do século XIII. Brasília: Editora UnB, 1997. 184p.

CESCHI, Carlo. Teoria e storia del restauro. Roma: Mario Bulzoni Editore, 1970. 225p.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Trad. Luciano Machado. São Paulo: Estação
Liberdade / UNESP, 2001. 282p.

CHOISY, Auguste. Histoire de l’architecture. Paris: Inter-livres, 1991. p.288 (Edição fac-símile).

CURY, Isabelle (org.). Cartas patrimoniais.. 3.ed. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004. 408p.

DOURADO, Odete. Conservação ou invenção? Notas sobre uma relação ambígua. In CARDOSO,
Luiz Antonio Fernandes et OLIVEIRA, Olívia Fernandes (orgs.). (Re)Discutindo o Modernismo:
universalidade e diversidade do movimento moderno em arquitetura e urbanismo no Brasil.
Salvador: Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, 1997. p.139-146.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
EVANS, Robin. Translations from Drawing to Building in Translations from Drawing to Building and
Other Essays. Cambridge: MIT Press, 1997. pp. 153-195.

FITCH, James Marston. Historic Preservation: Curatorial Management of the Built World. 2ed.
Charlotesville/London: University of Virginia Press,1990. 433p.

FERRO, Sérgio. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac Naify, 2006. 456p.

GAGNON-ARGUIN, Louise. Os arquivos, os arquivistas e a arquivística: considerações históricas.


In COUTURE, Carol et ROUSSEAU, Jean-Yves. Os fundamentos da disciplina arquivística. Trad.
Magda Bigotte de Figueiredo. Lisboa: Publicações dom quixote, 1998. p.29-60.

GIEDION, Sigfried. Space, time and architecture: the growth of a new tradition. Cambridge: Harvard
University, 1944. 601p.

GOMIDE, José Hailon et al. Manual de elaboração de projetos de preservaçao do patrimônio


cultural.Brasília: Ministério da Cultura, Programa Monumenta, 2005. 76p. (Cadernos Técnicos, 1)

IPHAN. Plano Piloto 50 anos: Cartilha de preservação de Brasília. Brasília: Superintendência do


IPHAN no Distrito Federal, 2007. 103p.

JOKILEHTO, Jukka. A history of architectural conservation. Amsterdam: Elsevier, 1999. 354p.


(Butterworth-Heinemann), [3.reimp.2006]

KRUFT, Hanno-Walter. A history of architectural theory: from Vitruvius to the present. Trad. Ronald
Taylor, Elsie Callander e Antony Wood. New York: Princeton Architectural Press. 706p.

KUBLER, George. Portuguese plain architecture: between spices and diamonds, 1521-1706.
Middletown, Connecticut: Wesleyan University Press, 1972. 315p.

LE CORBUSIER. Quand les cathédrales étaient blanches: voyage au pays des timides. Paris :
Gonthier, 1971. 248p. (Bibliothèque Meditations)

MACEDO, Danilo Matoso. Algumas funções públicas da arquitetura. MDC – Revista de Arquitetura
e Urbanismo. Belo Horizonte/Brasília, n.3, p.14-21, mar. 2006.

_________. Da matéria à invenção: as obras de Oscar Niemeyer em Minas Gerais: 1938-1955.


Brasília: Câmara dos Deputados/ Coordenação de Publicações, 2008. 528p. (Arte e Cultura, 5)

_________. O papel da representação na poética de Filippo Brunelleschi. Belo Horizonte, 2000.


Disponível em: <www.danilo.arq.br>. Acesso em 14 mai.2007.

NIEMEYER, Oscar. Os caminhos da arquitetura. In: Piracema. Rio de Janeiro, n.1, p.36-40, 1993.

OLIVEIRA, Mário Mendonça de. Desenho de arquitetura pré-renascentista. 2.ed. Salvador:


EDUFBA, 2002. 273p.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08
_________. A documentação como ferramenta de preservação da memória: cadastro, fotografia,
fotogrametria e arqueologia. Brasília: IPHAN/ Programa Monumenta, 2008. 144p. (Cadernos
Técnicos, 7)

OMPI. Convenio de Berna para la Protección de las Obras Literarias y Artísticas. Paris:
Organización Mundial de la Propiedad Intelectual, 1886-1979. 29p. Disponível em: <
http://www.wipo.int> . Acesso em 4 ago. 2008.

MASCARÓ, Juan Luis. O custo das decisões arquitetônicas. 3ed. Porto Alegre: JLM, 2004. 180p.

PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A Influência do movimento da arquitetura moderna no Brasil na


concepção do desenho e na formação do arquiteto. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo. n.3. Belo
Horizonte: PUC-MG, maio 1995. 214p.

PÉREZ-GOMEZ, Alberto et PELLETIER, Louise. Architectural Representation and the Perspective


Hinge. London/Cambridge: MIT, 1997. 505p.

PESSOA, José Simões de Belmont. Brasília e o tombamento de uma idéia. In: SEMINÁRIO
DOCOMOMO BRASIL, 5, 2003, São Carlos. Disponível em: < http://www.docomomo.org.br> .
Acesso em 4 ago. 2008.

PRUDON, Theodore H. M. Preservation of modern architecture. Hoboken: John Wiley & Sons.,
2008. 577p.

RIEGL, Aloïs. The modern cult of monuments: it´s character and its origin. Trad. Kurt Forster e Diane
Ghirardo. IN HAYS, K. Michael. Oppositions reader. New York: Princeton Architectural Press, 1998.
p.621-651

RUSKIN, John. A lâmpada da memória. Trad. Odete Dourado. Salvador: Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, 1996. 50p. (Pretextos, b, 2)

_________. The seven lamps of architecture. London: J.M. Dent & Sons/ New York: E.P. Dutton &
Co., 1907. 228p. (Everyman's Library, 207); [6.reimp.1940]

SUMMERSON, John. Heavenly mansions and other essays on architecture by John Newenham, Sir
Summerson. New York/London : W. W. Norton [1963], 253p.

VARGAS, Milton. (Org.) História da técnica e da tecnologia no Brasil. São Paulo: Universidade
Estadual Paulista/ Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, 1994. 412p.

VIOLLET-LE-DUC, Eugene. Dictionnaire Raisonné de l’Architecture Française du XI au XVI siècle.


Paris: Librairies-Imprimairies Réunies, s/d. vol.5. 566p.

_________. Restauro. Trad.Odete Dourado. Salvador: Mestrado em Arquitetura e Urbanismo


Universidade Federal da Bahia, s.d.. 50p. (Pretextos, b, 1)

UNITED NATIONS. The Habitat Agenda: Istanbul Declaration on Human Settlements. Istanbul:
United Nations Human Settlement Programme, 1996. 3p. Disponível em:
< http://www.unhabitat.org> . Acesso em 4 ago. 2008.

I colóquio sobre história e historiografia da arquitetura brasileira


http://sites.google.com/site/coloquiohh08

Você também pode gostar