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ENCONTRO ALEATÓRIO ENCONTRO ALEATÓRIO

Claudio Pozas
Primeiro esboço da ilustração
para a magia Insect Plague V ou ser sincero: nunca pensei que um dia
eu ilustraria Dungeons & Dragons.
Irwin, entra em contato comigo para saber se estou dispo-
nível nas datas específicas. Normalmente é um período de
dois meses entre eu receber as especificações e a data final
Comecei como jogador em 1987, ainda com a primeira
para a entrega das ilustrações finalizadas. Caso as datas
edição de AD&D. Eu achava que desenhar seria um hobby
combinem, ela me envia as orientações de cada ilustração.

fala de sua arte


que eu sustentaria com a minha carreira de publicitário. Em
vez de cursar a Faculdade de Belas Artes, lá fui eu estudar O trabalho propriamente dito começa com as art orders
Publicidade. (pedidos de arte). Em geral elas são escritas pelos autores
do produto e passam por uma análise conjunta do chefe de
Narrador: “Sabe de nada, inocente!”
história da WotC e da diretora de arte. Eu mesmo já escrevi

e conta como Trabalhei cinco anos como publicitário. E foi uma expe-
riência frustrante. Os horários eram péssimos, mas o pior
era quando os clientes contratavam a agência apenas para
art orders, nos projetos em que trabalhei como autor. E já
aconteceu de eu escrever uma art order e depois recebê-la
para ilustrar!
fazer “do jeito deles”, em vez de seguir a orientação dos
No caso de D&D, as art orders eram bem abertas, para
foi ilustrar a
profissionais que estavam sendo pagos para usar seus co-
dar aos artistas a maior liberdade possível. Ao mesmo tem-
nhecimentos em prol do cliente.
po, todos nós recebemos uma enorme “bíblia de arte” com
Assim, quando surgiu a oportunidade de ilustrar produtos a arte conceitual da nova edição, para que a aparência de
de RPG para o mercado externo — graças aos desenhos monstros e raças de personagem sejam consistentes. Pela

quinta edição que eu postava no meu site — agarrei com unhas e dentes.
E deu certo. Em menos de um ano pude deixar para trás a
primeira vez, as diferentes culturas e etnias humanas eram
extremamente bem detalhadas, e recebemos a orientação
carreira que tinha planejado (mas da qual não gostava). de variar gênero e etnia sempre que possível.
Perceba, não foi apenas porque é legal trabalhar com
do primeiro RPG RPG — e é muito legal! — mas também pela postura dos
clientes com quem passei a trabalhar. Ao contrário dos clien- Insect Plague
tes que tive na agência, que me pagavam para que eu os A art order de insect plague se limitava à descrição da
obedecesse, os meus novos clientes me pagavam para que magia, sem detalhes mecânicos. Apenas “uma druida conju-

do mundo eu usasse o meu conhecimento e a minha criatividade em


favor deles. Acho que essa foi a maior diferença que eu senti
ra uma praga de insetos voadores”. Com essa descrição em
mente, fiz duas opções para a ilustração. A primeira focava
quando mudei de carreira. na druida. Como é uma magia que um druida precisaria
Não é raro receber encomenda de ilustrações onde
recebo orientações bem básicas. Para demonstrar o

REALISMO
processo, vou detalhar como foi feita uma das minhas
ilustrações de maior visibilidade: a magia insect pla-
gue do Player’s Handbook de D&D 5a Edição.

Letras miúdas
Antes de mais nada, há o contrato.
Não se faz nada no mercado editorial internacio-

IMAGINATIVO
nal —principalmente com editoras maiores, como a
Wizards of the Coast — sem um contrato. No caso da
WotC, assinei como freelancer. Isso governa toda a
minha relação com a editora.
Uma vez incluído no rol de ilustradores, posso ser
A segunda opção, com
cogitado para ilustrar algum projeto. Outras editoras
menos foco na druida
têm um novo contrato para cada projeto.Depois de as-
sinado o contrato, a diretora de arte da WotC, Kate
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ENCONTRO ALEATÓRIO ENCONTRO ALEATÓRIO
O processo de trabalho...

estar no nono nível para conjurar, quis mostrar como um


personagem que alcança esse nível de poder é maneiro.
Mão na massa
Com o meu material de pesquisa reunido, pude passar
A segunda opção focava na magia, que ocupava a
para o traço base. Como pode ser visto na imagem acima,
maior parte da ilustração. Afinal, é uma magia de quinto
a pose da elfa druida era diferente da ilustração final.
nível, então é mais poderosa que uma bola de fogo ou um
simples relâmpago. Tinha que parecer impressionante! Ao detalhar a ilustração, cheguei à conclusão que a
foice estava tirando a atenção do que deveria ser o ponto
Ah! Um pequeno detalhe: todas as ilustrações feitas para
central da ilustração: o ato de lançar a magia. Por esse
o Player’s Handbook e o Dungeon Master’s Guide foram
motivo, alterei o desenho base, colocando a foice no cinto
encomendadas como “página inteira”, podendo ser usadas
da personagem e deixando as duas mãos da elfa livres
tanto na posição vertical quanto na horizontal, conforme a
para lançar a magia. Como eu tinha alterado uma ideia
decisão do artista e da diretora de arte. A diagramação
que já tinha sido aprovada, enviei a imagem de novo para
viria depois. Lembra o que eu falei sobre liberdade?
a diretora de arte.
Os dois esboços foram enviados para a WotC, e a dire-
Com a aprovação dela, parti para a finalização. A ilus-
tora de arte escolheu a primeira opção, focando na persona-
tração final foi aprovada (você pode conferi-la ao lado), e
gem. Com essa decisão em mãos, corri atrás das referências
tenho orgulho de vê-la no Player’s Handbook.
visuais necessárias. Não apenas imagens de vários tipos de
insetos, mas principalmente fotos de mulheres soprando algo Nunca pensei que um dia eu ilustraria Dungeons & Dra-
em suas mãos (como se jogassem um beijo). gons. Mas fico feliz de ter errado.
A busca por referências visuais é vital, já que o estilo de
arte utilizado em D&D — e no qual me incluo — é o “rea- Claudio Pozas
lismo imaginativo”, que consiste em pintar coisas fantásticas
de forma verossímil ou realista.

...E a arte como foi publicada!

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