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Módulo 10.

Hermenêutica Jurídica Contemporânea II

Unidade 03. Teoria de Ronald Dworkin: casos difíceis e a tese da resposta correta

07.08

1. Tese da resposta correta de Ronald Dworkin

Visa combater a discricionariedade em Hart, para tanto Dworkin sustenta a tese uma
resposta certa nos casos difíceis, por meio da atividade interpretativa. Esta tese
pressupõe uma reconstrução acerca do que é o Direito como uma sociedade
democrática compreendida como comunidade de princípios.

Utiliza da metáfora do romance em cadeia, momento em que autor compara a


atividade judiciária com a atividade literária, demonstrando como o direito se
assemelha com a literatura.

1.1. Romance em cadeia

Suponha que um grupo de romancistas seja contratado para um determinado projeto


e que jogue dados para definir a ordem do jogo. O de número mais baixo escreve o
capítulo de abertura de um romance, que ele depois manda para o número seguinte, o
qual acrescenta um capítulo, com a compreensão de que está acrescentando um
capítulo a esse romance, não começando outro, e, depois, manda os dois capítulos
para o número seguinte, e assim por diante.

Ora, cada romancista, a não ser o primeiro, tem a dupla responsabilidade de


interpretar e criar, pois precisa ler tudo o que foi feito antes para estabelecer, no
sentido interpretativista, o que é o romance criado até e então.

Cada juiz, então, é como um romancista na corrente. Ele deve ler tudo o que outros
juízes escreveram no passado, não apenas para descobrir o que disseram, ou seu
estado de espírito quando o disseram, mas para chegar a uma opinião sobre o que
esses juízes fizeram coletivamente, da maneira como cada um de nossos romancistas
formou uma opinião sobre o romance escrito até então.

Qualquer juiz obrigado a decidir uma demanda descobrirá, se olhar nos livros
adequados, registro de muitos casos plausivelmente similares, decididos há décadas
ou mesmo séculos por muitos outros juízes, de estilos e filosofias judiciais e políticas
diferentes, em períodos nos quais o processo e as convenções judiciais eram
diferentes.

Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se como parceiro de um complexo
empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras decisões, estruturas, convenções
e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do
que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a
responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em
alguma nova direção. Portanto, deve determinar, segundo seu próprio julgamento, o
motivo das decisões anteriores, qual realmente é tomado como um todo, o propósito
ou tema da prática até então.

O direito exige, portanto, uma prática social argumentativa. A prática do direito se


constitui em que, ao mesmo tempo, a intepretação permite desvendar o sentido da
norma, essa interpretação agrega um novo sentido à norma.

A ideia de intenção da intepretação criativa atenta para a observância ao texto dado e


as tradições que se interpretam. Tal ideia, contudo, não significa tentativa de descobrir
os propósitos de uma pessoa ou de um grupo histórico, mas sim a imposição de um
propósito a um texto dado e as tradições que se está interpretando.

1.2. Juiz Hércules

Para demonstrar como encontrar uma única resposta correta ao caso difícil, Dworkin
inventa um jurista provido de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-
humanas capaz de encontrar a resposta certa para os casos difíceis, a quem denomina
de Hércules.

O autor considera que Hércules seja juiz de alguma jurisdição norte-americana


representativa. E considera que ele aceita as principais regras não controversas que
constituem e regem o direito em sua jurisdição. Em outras palavras, ele aceita que as
leis têm o poder geral de criar e extinguir direitos jurídicos, e que os juízes têm o dever
geral de seguir as decisões anteriores de seu tribunal ou dos tribunais superiores cujo
fundamento racional (rationale), como dizem os juristas, aplica-se ao caso em juízo.

Hércules deve examinar o caso concreto como uma questão de filosofia política,
exigindo-se um processo de interpretação. Hércules também deverá construir um
esquema de princípios abstratos e concretos que forneçam uma justificação coerente
a todos os precedentes do direito costumeiro, contudo ele deparar com dois
problemas enunciados na teoria dos erros institucionais.

O primeiro seria o de decidir que peso deve atribuir aos argumentos incorporados às
decisões de juízes que decidiram casos precedentes. O segundo ainda é mais complexo
– é o de enfrentamento na prática de manter a exigência total de consistência aceita
por ele sendo suspostamente capaz de encontrar um conjunto de princípios que
concilie todos os precedentes e todas as leis existentes. Para solucionar tais
problemas, Hércules tem que ampliar a sua teoria de modo a incluir a ideia de que
uma justificação da história institucional ode apresentar equívocos em partes dela.

Contudo, tal argumentação exige uma conduta prudente, assim Hércules desenvolve a
teoria dos erros institucionais que se divide em duas partes uma (i) capaz de mostrar
as consequências, para novos argumentos, de se considerar algum eventos
institucional como um erro; e outra (ii) que limita o número e o caráter dos eventos
dos quais se pode abrir mão desta maneira.
Ao construir a primeira teoria Hércules fará distinção entre autoridade especifica de
qualquer evento institucional e a força gravitacional deste ato. Ao classificar algum
evento como erro, Hércules não estará negando a autoridade específica, mas sim a
força gravitacional do ato.

Fará também uma distinção entre erros enraizados, erros cuja autoridade específica se
acha estabelecida de tal forma que sobrevive a força de sua perda gravitacional, e
erros passíveis de correção, cuja autoridade especifica depende da força gravitacional
não sobrevivendo à sua perda.

No que tange a construir a segunda parte dessa teoria Hércules aplicará duas máximas:
se puder demonstrar por argumentos históricos, ou pela menção da percepção geral
da comunidade jurídica, que um determinado princípio, embora já tenha sido no
passado atrativo suficiente para convencer o poder legislativo ou um tribunal a tomar
uma decisão jurídica, tem agora tão pouca força que é improvável que continue
gerando novas decisões desse tipo, o argumento de equidade que sustenta esse
princípio se verá enfraquecido. Assim, se Hércules puder demonstrar por meio de
argumentos de moralidade política que este princípio é injusto, a despeito de sua
popularidade, então o argumento de equidade que sustenta o princípio estará
invalidado.

Hércules também enfrenta um terceiro problema, enunciado em sua tese dos direitos
– é o de aceitar que os juízes as vezes devem emitir julgamentos de moralidade política
para decidir sobre o direito jurídico dos litigantes. É claro que muita das decisões de
Hércules sobre os direitos jurídico dependem do juízo de teorias políticas, que
poderiam ser emitidos diferentemente por diferentes juízes, ou pela comunidade
deste juiz.

Diante desta objeção de torna irrelevante se o argumento é de política ou de princípio,


sendo relevante apenas o fato de que uma decisão sobre matéria que envolve
convicção política nunca envolve consenso. Porém, afirma que se Hércules decidir
casos com base em tal juízo, não decide com base em suas próprias convicções e
preferências.

É válido mencionar que para o positivismo os juízes decidem os casos em duas etapas:
encontra o limite daquilo que o direito explicito exige e, em seguida, exerce um poder
discricionário, independente para legislar sobre o problema que o direito não alcança.

Em contrapartida, Hércules não encontra primeiro os limites do direito, para só então


mobilizar suas próprias convicções políticas de modo a complementar o que o direito
exige, ele utiliza seu próprio juízo para determinar que direitos têm as partes que a ele
se apresentam, ou seja, quando Hércules fixa direitos jurídicos, já levou em
consideração as tradições morais da comunidade, pelo menos do modo como estas
são capturadas no conjunto do registro institucional que é sua função interpretar,
vindo afastar uma aplicação mecanicista do direito.
Diante dos argumentos do juiz Hércules, podemos apontar a sua importância para a
instauração de um direito por via interpretativa e a aplicação dos princípios. Com a
figura de Hércules investiga-se se o magistrado, ao julgar os casos difíceis apenas
descobrem e aplicam direitos já preexistentes ou se eles criam Direitos.

Segundo Dworkin os juízes não deveriam se não são legisladores delegados, e é


enganoso o conhecimento pressuposto de eles estão legislando quando vão além das
decisões políticas já tomadas por outras pessoas.

Dworkin elabora os casos para Hércules solucionar, e para encontrar as soluções para
os casos o juiz Hércules não cria direitos ao decidir, ao contrário, ele preenche a lacuna
da ausência de regras encontrando os princípios aplicáveis que fazem parte do direito
vigente e que explicam e justificam a história jurídica da comunidade.

Assim, ao invés de criar direito, tal como faz o juiz do modelo positivista, o juiz
Hércules encontra a resposta para o caso com base nos princípios. A tese única
resposta correta está em conformidade com os princípios e razões subjacentes
reconhecidos, tendo como base o direito existente e isto constitui o núcleo da
interpretação construtivista que almeja uma decisão racional.

Para a tese de Dworkin, a sustentação deve se basear em juízos internos, e não em


uma postura externa, eis que o juiz continua tendo o dever, mesmo nos casos difíceis,
descobrir quais são os direitos das partes e não de inventar novos direitos
retroativamente.

Tal afirmação pressupõe que juízes sensatos irão sempre divergir frequentemente
sobre os direitos jurídicos, assim como os cidadãos e os homens de estado divergem
sobre os direitos políticos.

Dizer que existe uma resposta correta para os casos difíceis não significa dizer que as
regras aplicáveis na solução deste caso são exaustivas e não ambíguas, tem a ver, isto
sim, com a responsabilidade da autoridade que aplicará estas regras, bem como com a
sociedade onde ela se insere.

Na tese da resposta correta há uma única resposta correta para os casos difíceis e não
apenas respostas diferentes. É alcançada a resposta correta através de uma atividade
interpretativa e não criadora de Direito, fundada no Direito como integridade. O
direito é uma prática social interpretativa e argumentativa.

2. Críticas de Dworkin ao direito constitucional dos EUA

Nos Estados Unidos acerca dos direitos individuais cabe ao governo a última palavra de
quais são esses direitos, uma vez que sua polícia fará o que os tribunais ordenarem.
Assim, o sistema constitucional dos Estados Unidos obscurece acerca dos direitos
morais.
A Constituição funde questões jurídicas e morais, fazendo com que a validade de uma
lei dependa da resposta de problemas morais complexos, como o problema de saber
se uma determinada lei respeita a igualdade inerente a todos os homens.

Não nos esclarece se a Constituição, mesmo corretamente interpretada, reconhece


todos os direitos morais que os cidadãos têm. Essa questão se torna crucial quando
alguma minoria reivindica direitos morais que o direito lhe nega; bem como
Constituição não nos diz se os cidadãos têm o dever de obedecer a lei, mesmo quando
esta lei infringe seus direitos morais. Tal questão é crucial, quando a maioria está
suficientemente exaltada, para que emendas constitucionais que eliminem direito
sejam seriamente propostas.

Dworkin ressalta que mesmo que a constituição fosse perfeita não se poderia afirmar
que a Suprema Corte pudesse garantir os direitos individuais dos cidadãos. Uma
decisão da Suprema Corte continua sendo uma decisão jurídica e deve levar em conta
os precedentes e as considerações institucionais, como as relações entre a Corte e o
Congresso, assim como a moralidade, e nenhuma decisão jurídica é necessariamente
correta.

O autor reconhece que, embora o sistema constitucional acrescente alguma coisa à


proteção dos direitos morais contra o governo, está muito distante de garantir esses
direitos, ou mesmo de estabelecer quais são eles.

Quando homens discordam sobre direito morais, nenhum das partes tem como provar
seu ponto de vista, e alguma decisão deve prevalecer. Se não podemos exigir que o
governo chegue às respostas sobre os direitos de seus cidadãos podemos ao menos
exigir que o tente e que leve os direitos à sério.

Concernente aos direitos e ao direito de infringir uma lei, Dworkin divide-se nos
campos dos conservadores e dos liberais. E diante desses dois campos, a resposta para
ambos consiste que em uma democracia, que, em princípio, respeita os direitos
individuais todo o cidadão tem o dever moral geral de obedecer às leis, mesmo que ele
queira que algumas delas sejam modificadas.

Em contrapartida, para adentrar em tal âmbito, o autor chama atenção para um fato
que frequentemente é ignorado na seara do debate político, que é a das palavras do
direito ter força em diferentes contextos.

Há uma clara diferença entre dizer que uma pessoa tem o direito de fazer algo e dizer
que isto é a coisa certa a ser feita, ou que ela nada faz de errado ao agir dessa maneira.
Alguém pode ter o direto de fazer algo que seja a coisa errada a fazer, e inversamente
algo pode ser a coisa certa a fazer e a pessoa pode, mesmo assim, não ter o direito de
fazê-la, no sentido que não seria errado que alguém interferisse na sua tentativa.

Conforme Dworkin, que de uma forma geral, tal distinção não apresenta problemas,
contudo surge quando falamos que alguém tem o direito de agir de acordo com seus
próprios princípios ou direito de seguir a sua própria consciência.
Dizemos que o homem só tem o direito de violar a lei, embora o estado tenha o direito
de puni-lo, quando pensamos que, em razão de suas convicções, ele não erra ao agir
assim.

As discussões apresentadas nos levam a perceber uma ambiguidade na seguinte


questão: existe alguma circunstância na qual o homem tem o direito de violar a lei? Os
conservadores e os liberais concordam que as vezes o homem não comete um erro ao
violar a lei, quando a sua consciência assim exige.

A ideia de um direito à consciência tem estado no centro das discussões sobre


obrigação política. O estado de consciência de um homem pode ser decisivo, ou
central, quando a questão é saber se ele fez algo moralmente errado ao violar a lei,
mas não precisa ser decisivo quando a questão é saber se ele tem o direito, no sentido
forte do termo, de agir assim.

Nesse sentido o homem não tem o direito de fazer nenhuma coisa que sua consciência
exija, mas pode ter o direito de fazer alguma coisa mesmo que a sua consciência não
lhe exija isso. O direito de desobedecer a lei não é um direito isolado, que tem algo a
ver com a consciência, mas uma adição a outros direitos contra o governo.

Qualquer sociedade que afirme reconhecer os direitos deve abandonar a ideia de um


dever geral de obedecer à lei com vigência e todos os casos. Se alguém argumenta que
tem o direito moral, por exemplo, de não prestar serviço militar, uma autoridade que
reconhece direito, e que queira lhe responder, e não obriga-lo com ameaças a
obedecer, deve responder o argumento particular que a pessoa apresenta, e não se
apoiar na decisão da Suprema Corte.

Há de se atentar que os sujeito sensatos não podem violar os direitos alheios.

No que diz respeito aos direitos controversos, o governo deve buscar o meio-termo -
equilibrar o bem-estar geral e os direitos individuais, concedendo a cada um o que lhe
é devido.

Segundo Dworkin, se queremos que nossas leis e nossas instituições jurídicas forneçam
as regras básicas a partir das quais essas questões venham a ser discutidas, essas
regras não devem ser as leis do mais forte que a classe dominante impõe aos mais
fracos. Destaca que a parte que define e executa as políticas sociais econômicas
externa não pode ser neutra. Conclui, por fim, que a instituição dos direitos é crucial,
pois representa a promessa da maioria às minorias de que sua dignidade e igualdade
serão respeitadas.

A instituição requer um ato de fé por parte das minorias porque o alcance de seus
direitos será controverso sempre que se tratar de direitos importantes, e porque os
representantes da maioria agirão de acordo com suas próprias noções do que
realmente são esses direitos. Sem dúvida, esses representantes irão discordar de
muitas das reinvindicações apresentadas pelas minorias. Isto torna ainda mais
importante que eles tomem suas decisões com seriedade. Devem demonstrar que
sabem o que são os direitos e não devem trapacear quando examinam o conjunto das
implicações da doutrina correspondente. O governo não irá estabelecer o respeito
pelo direito se não conferir à lei alguma possibilidade de ser respeitada. Não será
capaz de fazê-lo se negligenciar a única característica que distingue o direito da
brutalidade organizada. Se o governo não levar os direitos a sério, é evidente que
também não levarei a lei a sério.

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