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ISSN: 1516-3865
rca.cse@contato.ufsc.br
Universidade Federal de Santa Catarina
Brasil
de Castro Alcântara, Valderí; Pereira, José Roberto; Ferreira Silva, Érica Aline
Gestão Social e Governança Pública: aproximações e (de)limitações teórico-conceituais
Revista de Ciências da Administração, vol. 17, 2015, pp. 11-29
Universidade Federal de Santa Catarina
Santa Catarina, Brasil
Resumo Abstract
Neste ensaio serão abordadas as aproximações e as We address in this paper the theoretical and conceptual
delimitações teórico-conceituais entre gestão social e approaches and delimitations between social
governança pública. Para tanto, busca-se na redução management and public governance. Therefore,
sociológica de Guerreiro Ramos a possibilidade de we sought on the sociological reduction formulated
articulações teóricas sem deformar conceitos de matrizes by Guerreiro Ramos the possibility of theoretical
epistemológicas distintas. Foram operacionalizadas as articulations without deforming the concepts of distinct
análises por meio de cinco categorias: racionalidade e epistemological matrices. We operationalize analyzes
lógica de ação; protagonismo e interesse; genealogia e through five categories: rationality and logic of action;
epistemologia; dinâmica e desafios do campo científico; protagonism and interest; genealogy and epistemology;
e relações entre Estado, mercado e sociedade. Por um dynamics and challenges of the scientific field and
lado, os conceitos aproximam-se pela orientação das relations between state, market and civil society. On the
ações por meio do interesse público e dos princípios one hand, the concepts are similar to the orientation of
e práticas da transparência, autonomia, pluralismo, the shares through the public interest and the principles
participação e bem comum. Por outro, se distanciam and practices of transparency, autonomy, pluralism,
no que diz respeito ao protagonismo das ações e à participation and the common good. However are
sua orientação específica: na governança pública, a distant with respect to the protagonism of the shares
orientação é o interesse público estatal e o protagonismo and its specific orientation: in the public governance
é do Estado; na gestão social, a orientação é o interesse the orientation is the state public interest and the State
público não estatal e o protagonismo, da sociedade. is protagonist; in social management the orientation is
public non-state interest and the society is protagonist.
Palavras-chave: Gestão Social. Governança Pública.
Redução Sociológica. Interesse Público. Keywords: Social Management. Public Governance.
Sociological Reduction. Public Interest.
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Valderí de Castro Alcântara • José Roberto Pereira • Érica Aline Ferreira Silva
derar que este artigo parte do campo da gestão social A redução sociológica, como se mencionou, é
(especificamente da tradição iniciada pelos textos do muito relevante nos debates sobre transposição de
professor Fernando G. Tenório) na busca por incluir o conceitos e teorias. Na Administração ele é fundamen-
outro na governança pública (a partir de uma crítica tal, afinal, segundo Bertero, Caldas e Wood Jr, (1999),
desta). Finalmente, são operacionalizadas as análises nossa produção científica sofre, dentre outras coisas, de
por meio de cinco categorias: racionalidade e lógica um mimetismo mal informado. Antes disso, Guerreiro
de ação; protagonismo e interesse; genealogia e epis- Ramos (1981, p. 81) já se referia na década de 1980 à
temologia; dinâmica e desafios do campo científico e colocação inapropriada de conceitos que “[...] impregna
relações entre Estado, mercado e sociedade. a literatura contemporânea sobre tópicos e problemas
Este artigo é desenvolvido na forma de ensaio e organizacionais”. Em relação à Administração Pública,
está estruturado em seis partes. A seguir será apresen- o mesmo ocorreu com os mimetismos, os modismos e a
tada a redução sociológica. Nas duas próximas seções transposição de técnicas gerenciais do setor privado (e
apresenta-se um panorama da gestão social (seção 3) e da sua lógica) para o setor público (ANDREWS; KOU-
da governança pública (seção 4) para posteriormente ZIMIN, 1998; POLLITT, 2000; TORRES, 2004; PAES
discutir as aproximações e delimitações teóricas e con- DE PAULA, 2005a; 2005b; DIEFENBACH, 2009).
ceituais (seção 5). Nas considerações finais ressalta-se O caso brasileiro revela esses aspectos na emer-
a síntese do debate, as limitações e uma breve agenda gência da Administração Pública Gerencial, produto de
de pesquisas. uma onda de reformas que se originou principalmente
no Reino Unido e nos Estados Unidos (New Public
Management). Essas reformas se mostraram como um
2 A REDUÇÃO SOCIOLÓGICA DE GUERREIRO processo de transferências de conhecimentos, práticas
RAMOS e modelos gerenciais do setor privado para o setor
público (PAES DE PAULA, 2005a). No entanto, isso
A redução sociológica é importante quando se ocorreu sem a redução necessária em decorrência das
pretende fazer reflexões acerca da transposição de lógicas, de interesses e de necessidades distintas entre
tecnologias ou até mesmo de conceitos (FARIA, 2009; os setores, bem como o fato de que as reformas foram
BERGUE, 2011). Ela “[...] consiste na eliminação de implementadas mimeticamente às realizadas por outros
tudo aquilo que, pelo seu caráter acessório e secundá- países (POLLITT, 2000; PAES DE PAULA, 2005a).
rio, perturba o esforço de compreensão e a obtenção Esses processos ainda estão em implementação e em
do essencial de um dado [...] seja praticada no domínio discussão em diversos níveis, do nacional ao municipal.
teórico, seja no domínio das operações empíricas.” Adiante, com base em Ramos (1981) é possível
(RAMOS, 1965, p. 81-82). considerar que o norte da gestão pública não deve
A redução permite considerar que aquilo que ser o mesmo da privada, pois são sistemas sociais que
vem do exterior não seja invalidado – podendo ser possuem especificidades: caminhar no sentido da efici-
criticamente incorporado (BERGUE, 2011): “[...] é ência e do desempenho não reflete, necessariamente,
um método para habilitar o estudioso a praticar a em processos de democratização (PAES DE PAULA,
transposição de conhecimentos e de experiências de 2005a). Por isso, Paes de Paula (2005a) apresenta o
uma perspectiva estrangeira para outra, nacional.” modelo Societal. Para a autora, esse modelo busca
(FARIA, 2009, p. 426; grifo do autor). Concomitan- ressignificar as relações entre Estado e sociedade que
temente, o processo de redução deve ser operacio- passam a ser pensadas de forma a englobar a participa-
nalizado de forma radical para que se alcancem os ção e a deliberação, assim, “[...] o paradigma adotado
seus pressupostos nucleares (RAMOS, 1965): “[...] é o da gestão social” (PAES DE PAULA, 2010, p. 493).
a redução sociológica, em sentido amplo, implica a Referenciando o trabalho de Tenório (1998), a autora
busca da essência de um determinado elemento, assim afirma que a gestão social “[...] enfatiza a elaboração
entendida como o seu conteúdo nuclear.” (BERGUE; de experiências de gestão focalizadas nas demandas
KLERING, 2010, p. 141). do público-alvo, incluindo questões culturais e partici-
pativas” (PAES DE PAULA, 2005b, p. 41). Finalmente,
posto isso, a lógica da gestão social difere da lógica na Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, e, assim,
do gerencialismo e, assim, busca a gestão como um se fundamenta na racionalidade comunicativa. Desse
processo dialógico e que paute sua construção no modo, a gestão social contrapõe-se à gestão estratégica
contexto nacional. pautando-se pelo gerenciamento mais participativo e
A par disso, destaca-se que as discussões no dialógico na busca do entendimento. Posteriormente,
campo da Administração Pública (principalmente nos Tenório (2008, p. 39) define a gestão social como um
EUA e Europa) caminham na direção da Governança “[...] processo gerencial dialógico onde a autorida-
Pública que busca superar os limites da reforma geren- de decisória é compartilhada entre os participantes
cial (KISSLER; HEIDEMANN, 2006). Tais discussões da ação”. Para o autor, a chave dessa possibilidade
estão presentes no Brasil desde a década de 1990 reside na democratização estabelecida por meio da
(DINIZ, 1998), mas ganharam a pauta nacional mais intersubjetividade – na busca de um acordo alcançado
recentemente (SECCHI, 2009; RAQUEL; BELLEN, comunicativamente no qual a sociedade civil deixa de
2012). Inicialmente, a redução sociológica nos leva ser coadjuvante (TENÓRIO, 2005; 2008; 2012). Nesse
a considerar que gestão social e governança pública processo, as decisões são tomadas e legitimadas por
são conceitos que emergem de locus e debates con- meio das ações dos cidadãos, que devem ser orientadas
ceituais distintos, mas que podem ser aproximados e pela inclusão, pluralismo, igualdade, autonomia e bem
delimitados, se o processo for realizado com o devido comum (TENÓRIO et al., 2010).
filtro crítico. Nesse mesmo escopo, destaca-se o trabalho de
Cançado, Pereira e Tenório (2013, p. 17), que define a
gestão social como um “[...] campo do conhecimento
3 ABORDAGENS DA GESTÃO SOCIAL NO científico, de uma ação gerencial dialógica própria da
BRASIL sociedade, do interesse público não estatal e voltado
para o bem comum”. Por conseguinte, a gestão social
A gestão social se apresenta como um campo de possui como finalidade a emancipação. Esses autores
conhecimentos e práticas emergentes em gestão que nos convidam para o aprofundamento das categorias
busca processos dialógicos e emancipadores (ARAÚJO; teóricas como também para a análise e a elaboração de
FRANÇA FILHO; BOULLOSA, 2014). A sua produção metodologias para a gestão social. Atento a isso, esse
nacional se apresenta em um período de crescimento ensaio visa contribuir no âmbito teórico buscando apro-
e fortalecimento como campo do saber científico, pois, ximações e delimitações com a governança pública.
“[...] existe um movimento de pesquisadores no país A perspectiva apresentada não é a única do
que desde a década de 1990 vem se debruçando sobre campo, isto é, “[...] a Gestão Social não é uma nar-
esta temática.” (CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, rativa uniforme e homogênea” (JUSTEN; MORETTO
2011, p. 682). NETO; GARRIDO, 2014, p. 240). Maia (2005, p. 14)
No que tange à origem do termo, Cançado (2011, destaca também diversas perspectivas da gestão social
p. 103) revela que não existe consenso e que “[...] a considerando que “[...] os locos, espaços ou campos
principal pista vem dos textos do professor Tenório, de viabilização da gestão social, são especialmente
que, desde 1990, está à frente do Programa de Es- identificados nas organizações, tanto do Estado, quan-
tudos em Gestão Social”. Nessa direção, para Iizuka, to do mercado e da sociedade civil”. Ampliando isso,
Gonçalves-Dias e Aguerre (2011, p. 750), “[...] os Peres Jr. e Pereira (2014) encontraram na produção
debates sobre gestão social no Brasil têm o seu início a acadêmica quatro abordagens centrais: abordagem
partir dos primeiros anos da década de 1990 e naquele crítica frankfurteana (acima parcialmente referenciada),
momento era um conceito restrito às organizações do abordagem da gestão do desenvolvimento social in-
chamado terceiro setor”. Hoje, as discussões se amplia- terorganizacional, abordagem puquiana e abordagem
ram para o âmbito público e das empresas privadas, da administração pública societal.
assim como das organizações da sociedade civil. Destaca-se que as discussões apresentadas ante-
O principal conceito foi apresentado por Tenório riormente (TENÓRIO, 2005; 2008; 2012; TENÓRIO
(1998), principalmente, com base na Teoria Crítica e et al., 2010; CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011;
CANÇADO, 2011; CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, tal, do que à discussão e possibilidade de uma gestão
2013) são referentes à abordagem crítica frankfurteana democrática, participativa”. Entretanto, também “[...]
e revelam algumas de suas principais características, as parece haver uma convergência entre alguns teóricos
quais, podem ser condensadas no seguinte conceito: sobre a necessidade de um processo de gestão que
“[...] processo dialético de organização social próprio seja dialógico e transparente, no qual as pessoas se
da esfera pública, fundado no interesse bem com- comunicam livremente.” (IIZUKA, GONÇALVES-DIAS;
preendido, e que tem por finalidade a emancipação” AGUERRE, 2011, p. 749).
(CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2013, p. 187). Por fim, é importante destacar que apesar do cres-
Acrescenta-se que é principalmente dessa abordagem cimento do campo ainda existem diversas críticas que
que se fazem as aproximações. se referem às inconsistências, imprecisões conceituais,
Inseridos também na primeira abordagem dilemas teóricos e políticos (PINHO, 2010; ARAÚJO,
citada (PERES JR.; PEREIRA, 2014), os trabalhos 2012; DIAS, 2014; JUSTEN; MORETTO NETO; GAR-
de França Filho (2003; 2008) relacionam o espaço RIDO, 2014). Por isso, considera-se a importância de
da gestão social com a sociedade civil. Na corrente realizar diálogos com os conhecimentos e as práticas
gestão do desenvolvimento social interorganizacional sobre governança pública – esse debate pode contribuir
destacam-se os trabalhos de Fischer (2004; 2012), para avançar nas lacunas existentes na gestão social,
Fischer, Melo e Codes (2004) e Fischer (2012). Nessa bem como nas da governança pública.
linha, desenvolvem-se pesquisas relacionadas ao
desenvolvimento territorial mediante o conceito de
interorganizações. Em destaque, Fischer et al. (2006) 4 DELIMITANDO O CONCEITO DE
colocam que a gestão social pode ser praticada no GOVERNANÇA PÚBLICA
âmbito público e privado – Maia (2005) afirma que
os trabalhos de Fischer focam na ideia de gerir pro- Nesta seção serão explorados os conceitos de
cessos de desenvolvimento social. A abordagem que governança pública, já esclarecendo, conforme Secchi
se pauta no conceito de administração pública societal (2009, p. 357): “[...] a definição de governança não
referenciam os textos de Paes de Paula (2005a; 2005b). é livre de contestações”. Segundo o autor, isso ocorre
Aqui, se destacam os estudos sobre as experiências de devido as várias ambiguidades que o termo gera nas
participação e deliberação focadas nas demandas dos variadas áreas do conhecimento. No âmbito interna-
cidadãos. De forma ampla, o modelo societal advoga cional não é diferente: a utilização de governance é
que o cidadão é participante ativo e não apenas um variada em diferentes disciplinas como Estudos Orga-
cliente do processo. nizacionais, Relações Internacionais, Ciência Política e
Por último, a abordagem puquiana é relacionada Administração Pública (MORRELL, 2009). Dessa forma,
com a produção da Pontifícia Universidade Católica são comuns as expressões: governança empresarial,
com destaque para os trabalhos de Dowbor (1999), corporativa, global, interativa, local, territorial, em rede,
Rico e Raichellis (1999), Cavalcanti e Nogueira (2006), pública, organizacional, democrática, boa governança e
Cabral (2006) e recentemente fora incluido Araújo outras adjetivações (FREY, 2004, SECCHI, 2009; DE-
(2012). A abordagem puquiana possui uma forte liga- NHARDT, 2012; RAQUEL; BELLEN, 2012). Chega-se
ção com a área de serviço social e um debate marcante ao ponto de observar que alguns autores utilizam New
sobre terceiro setor e movimentos sociais. Public Management e governança pública como sinôni-
Mesmo com o delineamento de abordagens que mos conforme relatam Souza e Siqueira (2007). Ainda
desenvolvem trabalhos a mais de 20 anos, Cançado sobre isso, “Governança é um tema abrangente e mul-
(2011, p. 106) revela que “[...] foi possível identificar tidimensional, que tem sido pronunciado sem o devido
a tendência à banalização” do termo. Tenório (2008, rigor nos discursos políticos e empresariais” (SANTOS;
p. 147) já indicava isso ao afirmar que a gestão social PINHEIRO; QUEIROZ, 2014, p. 2). Pelo visto existe
“[...] tem sido objeto de estudo e prática muito mais uma miríade de possibilidades e usos do termo e, isso
associado à gestão de políticas sociais, de organizações pode levar ao emprego equivocado do conceito – esta
do terceiro setor, do combate à pobreza e até ambien- observação é também pertinente à gestão social.
Para Bizerra, Alves e Ribeiro (2012, p. 3) “[...] Mundial (SCOLFORO, 2013). Nessa direção, a gover-
a temática da governança surge primeiramente no nança se liga ao conceito de governabilidade ao ponto
ambiente das entidades privadas”. Sendo assim, que “[...] a governança é primeiro determinante da
antes de conceituar governança pública, aborda-se a governabilidade” (BENEDICTO et al., 2013, p. 288),
origem dela no meio privado (governança corporati- mas, não é somente a capacidade de governar, envolve
va) – percurso necessário para não empregar de forma também articular os diversos atores sociais (SANTOS,
distorcida um conceito, conforme indica Ramos (1965; 1997). São destaque, nessa linha, os códigos de boa
1973; 1981). Segundo Benedicto et al. (2013, p. 287): governança (good governance) no âmbito público.
“[...] o termo governança corporativa existe há muito Outras origens da utilização do conceito de go-
tempo [...]” e ganhou força na década de 1980 nos vernança pública são destacadas nos textos de Rhodes
EUA e Europa. O Instituto Brasileiro de Governança (2009), Pierre e Peters (2000) e Bevir, Rhodes e Weller
Corporativa (IBGC, 2014) coloca que ela surgiu devido (2003) – no entanto, nestes textos, a variação da con-
ao dinamismo do mercado e a expansão das transações cepção de governança é também muito grande e leva,
financeiras. Logo, a governança corporativa é emba- segundo Morrell (2009), a um uso frouxo do conceito e
sada em uma vertente financeira (FONTES FILHO; o transforma em um rótulo conveniente, além de mul-
PICOLIN, 2008). tifacetado (FREY, 2004). É importante notar que para
Conceitualmente, no contexto nacional é entendi- Kissler e Heidemann (2006) e Secchi (2009) ela surge
da como “[...] o sistema pelo qual as organizações são como uma superação do modelo gerencial, no entanto,
dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo as constatamos em Diniz (1998) que a governança pública
práticas e os relacionamentos entre proprietários, con- é discutida desde a década de 1990 no Brasil. Outros
selho de administração, diretoria e órgãos de controle consideram que a genealogia deste movimento retorna
[...]” (IBGC, 2014, p. 1) – possuindo como princípios a década de 1980 e se desenvolveu paralelamente a
fundamentais a transparência, equidade e prestação administração pública gerencialista (PECI; PIERANTI;
de contas (accountability) e a responsabilidade (IBGC, RODRIGUES, 2008; BEVIR, 2011). Osborne (2006),
2014). Especialmente, a accountability é um conceito ao debater a New Public Governance, informa que go-
muito caro a governança e que está sendo discutido vernança e governança pública não são termos novos
no âmbito da administração pública no Brasil desde e possuem grande bagagem teórica e ideológica em
a década de 1990 (CAMPOS, 1990; DINIZ, 1998; uma diversidade de abordagens.
PINHO; SACRAMENTO, 2009). A accountability é Buscando sistematizar, Sauerbronn (2014)
um termo que pode ser compreendido no sentido da apresenta três abordagens da governança: i) como
transparência, da prestação de contas por parte dos governança corporativa; ii) como governança da
governantes e ainda na responsabilização dos mesmos rede de políticas públicas; e iii) governança global do
pelos seus atos (RAUPP; PINHO, 2011). Por isso, para desenvolvimento. É nesta última abordagem que a
Bizerra, Alves e Ribeiro (2012), existe a necessidade autora engloba as contribuições do Banco Mundial e
de incorporação dos princípios da governança no o conceito de boa governança. Por sua vez, Osborne
setor público. (2010 apud SANTOS; PINHEIRO; QUEIROZ, 2014)
Pelo visto, até o momento existe uma diversi- apresenta três escolas de governança na literatura:
dade de utilização dos termos governança tanto no i) governança corporativa; ii) boa governança; e iii)
âmbito privado, quanto público; e essa diversidade governança pública. E Rhodes (1996) apresenta seis
de conceitos e concepções pode levar a armadilhas sentidos para o termo: i) Estado mínimo; ii) gover-
teóricas (RAQUEL; BELLEN, 2012). Nesse momento, nança corporativa; iii) nova gestão pública; iv) boa
busca-se contextualizar e delimitar alguns conceitos de governança; v) sistemas sociocibernéticos; e vi) redes
governança pública. auto-organizadas.
No âmbito das relações entre Estado, mercado e Para Kettl (2002), a governança pública implica
sociedade, com foco no público, o uso da expressão um compartilhamento e responsabilização de diversos
governance surgiu em diversas abordagens e vertentes. atores na busca por satisfazer as necessidades públi-
Uma dessas foram os debates conduzidos pelo Banco cas, envolvendo, além do Estado (e governo), o setor
empresarial, as organizações sem fins lucrativos e a um conceito eminentemente próximo à reforma do Es-
sociedade. Nesse ínterim, um conceito de governança tado: “[...] definirei o modelo estrutural de governança
pública, atrelado a linha das reformas, é: pública com base na experiência brasileira de reforma
da gestão pública desde 1995.” (BRESSER-PEREIRA,
[...] uma nova geração de reformas adminis- 2008, p. 3). Nessa linha, seu modelo de organização –
trativas e de Estado, que têm como objeto a
modelo estrutural de governança pública – é pautado
ação conjunta, levada a efeito de forma eficaz,
transparente e compartilhada, pelo Estado,
em uma lógica gerencialista (PAES DE PAULA, 2005a).
pelas empresas e pela sociedade civil, visando Segundo Scolforo (2013), a governança pública
uma solução inovadora dos problemas sociais surge em decorrência da insatisfação com o modelo
e criando possibilidades e chances de um de- gerencial. Corrobora isso a afirmação de Kissler e Hei-
senvolvimento futuro sustentável para todos
demann (2006, p. 480) que se deve “[...] às condições
os participantes. (LÖFFER, 2001, p. 12 apud
insatisfatórias da modernização praticada até agora
KISSLER; HEIDEMANN, 2006, p. 482)
o surgimento e atratividade de um novo modelo: a
Esse conceito ressalta a busca pela cooperação, governança pública (public governance)”. Para Secchi
ação conjunta, entre diversos atores, isto é, “[...] (2009, p. 363), as fases dos modelos organizacionais e
a Governança Pública está associada à dimensão reformas da administração pública apresentam diversas
sociopolítica do Estado e às políticas de desenvolvi- diferenças, todavia, para o autor a maior distinção se
mento sociais que se fundamentam em elementos deve à forma de tratamento do cidadão.
estruturais de gestão, responsabilidades, transparência
No modelo burocrático, o cidadão é chamado
e legalidade do setor público” (SCOLFORO, 2013, p.
de usuário dos serviços públicos. Na retórica
14). E também pode ser compreendida nesse mesmo dos modelos APG [Administração Pública
direcionamento como “[...] um mecanismo de fortaleci- Gerencial] e GE [Governo Empreendedor],
mento das relações entre governo e comunidades locais os cidadãos são tratados como clientes, cujas
motivadas por processos de cooperação” (PARDINI; necessidades devem ser satisfeitas pelo serviço
GONÇALVES; CAMARGOS, 2013, p. 41). Coaduna público. Sob o guarda-chuva da GP [Governan-
ça Pública], os cidadãos e outras organizações
com isso o posicionamento de Diniz (1998, p. 42) em
são chamados de parceiros ou stakeholders,
que a governança envolve “[...] a capacidade de ação com os quais a esfera pública constrói modelos
estatal na formulação e implementação das políticas, horizontais de relacionamento e coordenação.
tendo em vista a consecução de metas coletivas”.
Nas diferentes contribuições de autores para o Nessa direção, Kissler e Heidemann (2006) afir-
entendimento da concepção de governança pública mam que a governança pública está pautada em uma
apresentado por Raquel e Bellen (2012), sintetiza-se mudança na gestão pública. As abordagens tradicionais
que a governança pública busca a articulação em pautadas pela hierarquia se tornam ultrapassadas e,
rede de diversos atores sociais públicos, privados e assim, é necessário um novo modelo (KETTL, 2002;
não governamentais, enfim, relacionados ao Estado, KISSLER; HEIDEMANN, 2006). Na segunda metade
ao mercado e à sociedade civil no intuito de gerenciar do século XX, várias mudanças aconteceram em pa-
interesses e conflitos para alcançar objetivos comuns. íses como Nova Zelândia e Reino Unido e nos EUA
Para Bresser-Pereira (2001, p. 8), a “Governança na direção de uma nova forma de relacionamento
Pública é um processo dinâmico pelo qual se dá o de- entre o Estado, o mercado e a sociedade. O modelo
senvolvimento político e através do qual a sociedade gerencialista, no entanto, não foi democrático suficien-
civil, o Estado e o governo organizam e gerem a vida temente (PAES DE PAULA, 2005a; 2005b). A partir
pública”. E, em outro momento, ao discutir as reformas do início do século XXI, a Administração Pública se
do Estado afirma que “[...] é um modelo de gerência tornou extremamente complexa e passa a demandar
que é também um modelo de ‘governança’ por que dos governos, segundo Kettl (2002), estratégias de
envolve outros atores, além do próprio governo, no gestão que sejam democráticas e eficientes.
processo de governar.” (BRESSER-PEREIRA, 2008, p.
Trata-se de uma tendência para se recorrer
394). Entretanto, para o autor a governança pública é
cada vez mais à autogestão nos campos social,
econômico e político, e a uma nova composição Social e da Governança Pública auxilia na visualização
de formas de gestão daí decorrentes. Paralela- conjunta dos mesmos.
mente à hierarquia e ao mercado, com suas
Primeiramente, a gestão social emerge como
formas de gestão à base de “poder e dinheiro”,
ao novo modelo somam-se a negociação, a co- processo dialógico (a ação comunicativa é o tipo de
municação e a confiança. Aqui a governança é ação social que a norteia; para alguns autores a ação
entendida como uma alternativa para a gestão substantiva) e o protagonismo é da sociedade (civil).
baseada na hierarquia. (KISSLER; HEIDE- Por sua vez, a governança pública surge, em parte,
MANN, 2006, p. 483) mimeticamente, da governança privada cuja racionali-
dade, como colocado por Tenório (1998), é estratégica.
Diante disso, pode-se ver que o modelo da
No setor público, ela surge pautando-se, inicialmente,
governança pública seria uma superação do modelo
pela necessidade de eficiência e transparência. Pela
de administração pública gerencial e do governo
ótica de Bresser-Pereira (2008) o modelo estrutural de
empreendedor. Para outros é um modelo paralelo ou
governança se aproxima do modelo gerencial pública.
ainda sinônimo do próprio modelo gerencial. Porém,
Nesse sentido, pela aproximação da gestão social como
o próprio Secchi (2009) alerta que no mundo empírico
o modelo de administração pública societal (GUERRA;
a linha entre um modelo e outro é tênue.
TEODÓSIO, 2012), há um distanciamento da gestão
Mesmo à frente dessas discussões, o delineamen-
social em relação à governança pública, principal-
to da governança ainda não é claro, ora os autores
mente pelo fato de que, na governança, o Estado é
caminham para uma definição pautada na dimensão
protagonista das relações (BRESSER-PEREIRA, 2008)
da participação e da cooperação (um modelo de
mesmo buscando a cooperação com a sociedade e
governança pública que pode ser adjetivado como
com o mercado.
democrático), e, ora pautada no gerencialismo, na
Segundo Secchi (2009), alguns autores afirmam
eficiência e no desempenho. Não é que não sejam
que a governança leva a diminuição do protagonismo
necessárias tais dimensões, a questão é que elas não
estatal, porém, isso não é consenso, para outros “[...]
podem ser separadas, como na clássica separação entre
o Estado, no entanto, não perde importância, mas
administração e política de Woodrow Wilson (1887).
sim desloca seu papel primordial da implementação
Finalmente, com base no que foi apresentado, constata-
para a coordenação e o controle” (SECCHI, 2009,
-se que a governança pública é também um conceito
p. 360). Diferentemente, na gestão social mesmo
e práticas em construção, principalmente no Brasil.
quando Cançado, Pereira e Tenório (2013) propõem
que ela se situe em um espaço compartilhado entre
Estado, mercado e sociedade, o norte ainda são as
5 GESTÃO SOCIAL E GOVERNANÇA demandas da sociedade e sua emancipação. Pois, a
PÚBLICA: APROXIMAÇÕES E (DE) gestão social, para Cançado, Pereira e Tenório (2013),
LIMITAÇÕES é um contraponto à gestão burocrática do Estado e do
mercado e, com isso, voltada para o interesse público
As discussões apresentadas estão pautadas em não estatal. Especialmente, em França Filho (2008,
algumas dimensões de análise, a saber: i) racionalida- p. 32, grifo nosso), o protagonismo da sociedade é
de e lógica de ação; ii) protagonismo e interesse; iii) evidente: “[...] [a gestão social] é o espaço próprio
genealogia e epistemologia; iv) dinâmica e desafios do da chamada sociedade civil, portanto uma esfera
campo científico; e v) relações entre Estado, mercado pública de ação que não é estatal”. Por sua vez,
e sociedade. Essas dimensões foram delineadas ao os debates sobre governança pública ligados a new
longo das revisões de literatura. Ao fim desta seção public management ainda têm como locus privilegiado
será apresentado um quadro-síntese dos principais o Estado. Dessa forma, a governança oferece potencial
resultados. Como as categorias apresentadas não são de coordenação das relações entre Estado, mercado e
discutidas de forma totalmente separadas, destacando sociedade civil apenas quando passa a pensar o público
constantemente os elementos em comum e as diver- como interesse público (KEINERT, 2007) e não apenas
gências, o Quadro 1 – Dimensões de análise da Gestão o público como interesse estatal.
Para Kissler e Heidemann (2006, p. 485, grifo Na gestão social, a sociedade como protagonista
nosso) em uma estrutura de governança “[...] o Es- pode ser referenciada em Habermas (2011), segundo
tado ativo, nos termos do modelo dos três setores, se o qual os médiums do Estado (poder administrativo)
transforma em um Estado ativador que age, principal- e do mercado (dinheiro) não são compatíveis com a
mente, sobre o setor privado e o terceiro setor, com o emancipação (ANDREWS, 2011). Dessa forma, essa
propósito de mobilizar seus recursos e ativar as forças primeira visão de governança pública (relacionada à
da sociedade civil”. Como se observa emerge um new public management) naturaliza o Estado como
pressuposto implícito que a sociedade civil não possui entidade monolítica e não permeada por relações de
naturalmente engajamento, que precisa ser ativado interesses e conflitos que, muitas vezes, não convergem
pelo Estado. Diferentemente, para França Filho (2003, com os interesses da sociedade (no sentido republica-
p. 3, grifo nosso), “[...] o termo gestão social vem no do bem comum) e das organizações da sociedade
sugerir assim que, para além do Estado, a gestão civil. Diferente disso, a orientação das ações da gestão
de demandas e necessidade do social pode se dar via social deve ser focada no interesse público não estatal
a própria sociedade, através das suas mais diversas (democrático), e, assim, esse interesse público pode
formas e mecanismos de auto-organização, espe- divergir dos interesses do Governo, do mercado e seus
cialmente o fenômeno associativo”. Por isso, Justen, atores. Portanto, com base no texto de Bresser-Pereira
Moretto Neto e Garrido (2014, p. 240) interpretam que (2008), ainda há uma distância entre a governança
os trabalhos de França Filho (2003; 2008) deslocam pública e a gestão social.
o “[...] sistema de governança pública do Estado para
a sociedade”. A governança também envolve um processo,
mas um processo mais amplo, na medida em
Outros autores destacam as especificidades da
que transmite a idéia de que as organizações
lógica da gestão social. Para Araújo (2014, p. 88), públicas não-estatais ou as organizações da
“[...] prevalece a lógica humanitária, do interesse pú- sociedade civil, empresas comerciais, cidadãos
blico e social, em detrimento dos interesses privados, individuais e organizações internacionais tam-
individuais e monetário”. Nesse mesmo escopo, “[...] bém participam do processo de tomada de
decisões, embora o governo continue sendo
diz respeito, portanto, a uma forma de gestão organi-
o ator central. (BRESSER-PEREIRA, 2008, p.
zacional que do ponto de vista de sua racionalidade
400, grifo nosso)
pretende subordinar as lógicas instrumentais a outras
lógicas mais sociais, políticas, culturais ou ecológicas.” Rhodes (1996) defende que o Estado não é
(FRANÇA FILHO, 2003, p. 3). Portanto, é possível mais supremo e passa a ser um Estado ativador e não
constatar uma crítica ao modelo capitalista vigente na mais provedor (KISSLER; HEIDEMANN, 2006). Essa
direção da economia solidária – principalmente nos perspectiva se afasta da perspectiva neoliberal da go-
trabalhos do professor Genauto Carvalho de França vernança e se refere à vertente da governança como
Filho (PERES JR.; PEREIRA, 2014). Aqui, a gestão so- redes (BEVIR; RHODES; WELLER, 2003; RHODES,
cial busca formas de superar a ideologia do mercado e 1997). Essa vertente, na perspectiva de Bevir (2011),
sua lógica enquanto a governança pública se aproxima se relaciona à Terceira Via, a governança joined-up e
dela de forma cooperativa e mimética. Secchi (2009) redes, à parcerias e não à New Public Management.
esclarece que os modelos organizacionais, incluindo a Mesmo assim, Paes de Paula (2005a) defende que a
governança, não são modelos de ruptura. Desse modo, governança não consegue superar a dicotomia entre
a gestão social se apresenta como um projeto mais administração e política: “[...] a governança não as-
radical no sentido da Teoria Crítica (TENÓRIO, 1998), similou adequadamente a dimensão sociopolítica
e que, apesar das críticas (DIAS, 2014), busca ser um da gestão, pois atualmente a prática da governança
projeto político alternativo (FREITAS; FREITAS; FER- ainda se reduz à abordagem tecnocrática e tem uma
REIRA, 2014). Para Subirats (2007, p. 627), a gestão visão excessivamente estreita da política.” (PAES DE
social possui “[...] um grande potencial transformador, PAULA, 2005a, p. 79, grifo nosso). A autora realiza
que vai além da captura tecnocrática que do termo essa crítica mesmo considerando as perspectivas de
‘governance’ as grandes organizações internacionais Rhodes (1996) e Diniz (1997), que elaboram um
foram fazendo”. conceito mais amplo e democrático da governança.
(2004; 2012) e Fischer, Melo e Codes (2004). Segun- civil como destaca Kissler e Heidemann (2006) e dis-
do Fischer (2012, p. 114), “[...] as interorganizações cutido na gestão social por Teodósio (2008) ao tratar
são constituídas por organizações diferenciadas, co- das parcerias trissetoriais na esfera pública. Destacase,
nectadas por propósitos comuns, isto é, integradas. além disso, que uma forma de possível interação entre
A associação se faz pela complementaridade – portan- Estado, mercado e sociedade é a coprodução de bens
to, pela busca do diferente que possa cooperar para se e serviços públicos (MATTIA; ZAPPELLINI, 2014).
atingir um resultado”, daí, algumas diferenças com o Segundo esses autores, no Brasil, a coprodução (que
conceito de redes (CANÇADO, 2011). Bevir, Rhodes inicialmente estava discutida no âmbito da New Public
e Weller (2003) e Rhodes (1997) destacam a gover- Management) passou a ser tratada sob a ótica da go-
nança pública como um caminho para formas não vernança pública e do novo serviço público na direção
hierárquicas e a prática de redes. Sørensen e Torfing da participação cidadã (DENHARDT, 2012). Com base
(2008 apud DENHARDT, 2012) enfatizam também o em Mattia e Zappellini (2014), destaca-se a possibilida-
papel das redes destacando a articulação horizontal e de de aproximar a gestão social e a governança pública
a interdependência dos atores. também por meio da coprodução, pois os autores
Maia (2005) destaca que os textos de Fischer consideram que a coprodução tem a ganhar com a
(abordagem do desenvolvimento social para Peres lógica da gestão social como um processo participativo
Jr. e Pereira, 2014), Dowbor e Carvalho (abordagem e dialógico – essa consideração é apresentada no fim
puquiana) destacam a governança como possível ca- deste trabalho como uma possibilidade de ampliar as
minho de viabilização da gestão social, isto é, a gestão discussões entre governança pública e gestão social.
social pode ser “implementada” por meio de arranjos Finalmente, o Quadro 1 apresenta uma síntese
de governança. Além disso, mediante a sistematização procurando mostrar alguns elementos de cada con-
de Maia (2005), é possível considerar também que pela ceito e suas aproximações. É conveniente ressaltar
diversidade de focos, locos, agentes e própositos da que as polarizações são realizadas com base nas con-
gestão social, a governança pública encontra respaldo cepções (hegemônicas) encontradas. Destaca-se que,
em várias práticas e conceitos que constituem o cerne no quadro, o conceito de gestão social utilizado está
daquela, tal como: valores (democracia e cidadania), relacionado diretamente à abordagem denominada
propósitos (desenvolvimento, democratização), agentes de frankfurtiana, e a concepção de governança ligada
(organizações sociais, sociedade civil, governos), dentre diretamente aos modelos, próximo ao gerencial, mes-
outras possibilidades. mo que na tentativa de super-lo; as aproximações, por
Outra discussão importante são as parcerias sua vez, destacam as concepções mais democráticas
público-privadas e com as organizações da sociedade da governança pública (participativa e deliberativa).
Por fim, destaca-se que este quadro não tem por destacar que a gestão social inclui conhecimentos/prá-
intenção palarizar ou dicotomizar a relação entre gestão ticas sobre políticas públicas, inovação social, território,
social e governança pública. As relações cooperativas desenvolvimento, economia solidária, dentre outros.
(complementaridades) entre esses conceitos possuem Outro filtro crítico foi aplicado ao conceito de go-
potencial relevante para a construção democrática vernança que, além de originar-se no meio empresarial,
da gestão nas diversas esferas da vida em sociedade tem se desenvolvido mais efetivamente na Europa e
(Estado, mercado e sociedade civil). nos Estados Unidos e nas áreas de Administração Pú-
blica e Ciência Política (RAQUEL; BELLEN, 2012) – no
Brasil, essa discussão se iniciou na década de 1990,
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS mas ganhou amplitude de debate recentemente (DINIZ,
1998; SECCHI, 2009). Em contrapartida, a gestão
Foram abordadas neste ensaio teórico as apro- social, apesar das influências das obras estrangeiras, é
ximações e as delimitações teórico-conceituais entre um conceito que se desenvolveu nacionalmente, prin-
gestão social e governança pública. Para tanto, buscou- cipalmente, na Administração, Administração Pública
-se, na redução sociológica de Guerreiro Ramos (1965; e Serviço Social. Mesmo assim, Cançado, Tavares e
1981), a possibilidade de articulações teórico-conceitu- Dallabrida (2013, p. 316) citando Tenório (2010) des-
ais, no intuito de não transpor, nem deformar conceitos tacam que a origem do termo “[...] vem de reuniões
com matrizes epistemológicas distintas. Neste ensaio, e cursos realizados nos Estados Unidos e na América
a redução foi um filtro crítico que possibilitou debater Latina com a intenção de capacitar gestores públicos”.
os conceitos, aproximá-los e distanciá-los, levando em Outros autores destacam sua existência no Chile,
consideração suas origens e seu desenvolvimento. De Guatemala e Panamá (ARAÚJO, 2012; CANÇADO;
forma geral, foram direcionadas as análises para as TAVARES; DALLABRIDA, 2013). Por isso, buscou-se
categorias racionalidade e lógica de ação; protagonis- para a gestão social, como para a governança pública,
mo e interesse; genealogia e epistemologia; dinâmica a origem dos conceitos e os diversos debates presentes
e desafios do campo científico e relações entre Estado, nos respectivos campos de estudo – que convergem e
mercado e sociedade. divergem. Um ponto nevrálgico foi a ambiguidade de
Uma das reduções realizadas foi para analisar conceitos relacionados à governança pública, principal-
comparativamente gestão social e governança pública. mente, em decorrência da relação com o setor privado
Com base em Paes de Paula (2005a; 2005b), a gestão e da aproximação com o modelo gerencial (BRESSER-
social é uma abordagem da gestão coerente com o -PEREIRA, 2008), e, por outro lado, rompendo com
“modelo societal” e, pela maior parte da literatura, a ele (KISSLER; HEIDEMANN, 2006; SECCHI, 2009).
governança pública é apresentada como um “modelo Todavia, tanto a gestão social quanto a governança
regulatório” cuja abordagem de gestão se encontra pública ainda apresentam diversos conceitos: “[...] o
em diversas posições entre o gerencialismo e a gestão entendimento que se tem sobre governança pública
social. Em consequência disso, existem diferenças não é muito claro [...]” (KISSLER; HEIDEMANN,
na escala de aplicabilidade, em que a gestão social 2006, p. 480), como o de gestão social também não
foca relações interpessoais/intersubjetivas (e locais) é (CANÇADO, 2011; ARAÚJO, 2012).
e a governança pública se volta essencialmente para Contudo, é possível que a gestão social ajude a
níveis mais amplos denotados pela expressão “modelo responder ou problematizar alguns questionamentos
regulatório” (KISSLER; HEIDEMANN, 2006). Contu- da governança pública – além das respostas dadas por
do, a recente discussão de Cançado, Pereira e Tenório Kissler e Heidemann (2006) – tanto na teoria quanto
(2015), sobre a escalaridade da gestão social, se propõe na prática e, por outro lado, alguns mecanismos da
a debater se ela está confinada à escala local ou pode governança podem ser utilizados pelos gestores sociais.
ser ampliada. Por isso, sem compreender essas espe- Mas, sabe-se que alguns desses mecanismos advêm
cificidades não é possível comparar uma “abordagem da governança corporativa e, portanto, precisam ser
de gestão” com um “modelo regulatório”. Além desse pensados retirando-se todos os elementos acessórios e,
sentido, como campo de conhecimento, é importante assim, mesmo sendo desenvolvidos em outros países
ou áreas do conhecimento, com a imposição de um Por fim, é importante lembra-se de que, devido
filtro crítico é possível a sua utilização teórica e prática. às origens distintas dos conceitos, deve haver também
Logo, a gestão social pode se aproximar da governança alguns distanciamentos (BERGUE, 2013). O próprio
pública buscando mecanismos e meios de organização Guerreiro Ramos (1973, p. 16) adverte que “[...] há
somente se esta mantiver o fim na emancipação e os regras com relação a conceitos: a formação original
meios (processos) baseados no diálogo, na partici- nunca pode ser abolida”. E, ainda, Faria (2012) alerta
pação e na deliberação. Do ponto de vista da gestão que a utilização de conceitos de matrizes epistemológi-
social, é possível se apropriar de diversos processos, cas diferentes pode levar a incoerências. Esses debates
princípios e critérios difundidos pela governança, no são importantes, pois, no contexto nacional, Paes de
entanto, sugere-se a adequação por meio da redução Paula (2005a; 2005b) ressalta que muitos conceitos
sociológica como a realizada por Tenório et al. (2010) acabaram sendo transpostos de forma indevida e que
para critérios de avaliação de processos decisórios isso acompanhou a história da gestão empresarial e
participativos deliberativos. A governança pública, pública no Brasil. Finalmente, destaca-se que, na úl-
por sua vez, pode buscar complementaridades nos tima parte de seu artigo, Kissler e Heidemann (2006,
processos gerenciais dialógicos voltados para o bem p. 498) afirmam que “[...] aqueles que optarem pela
comum e ampliar as possibilidades de participação da governança pública terão pela frente um caminho lon-
sociedade nos processos decisórios. go e árduo [...]” – essa consideração é propriamente
Sinteticamente, considera-se que os dois con- válida também para a gestão social.
ceitos são distintos devido às origens ontológicas e Como limitações, pode-se destacar a aborda-
epistemológicas também distintas, mas que apre- gem assistemática da literatura e as possibilidades de
sentam elementos constitutivos comuns – aplicando interpretações unidirecionais, afinal, é possível assu-
uma noção da proposta de Faria (2012) – para as mir que “[...] quando nos empenhamos em esforços
matrizes epistemológicas). A governança pública se de formulação teórica é frequente expormo-nos ao
aproxima da gestão social no que diz respeito aos risco de incorrer na transferência inadequada de con-
princípios e às práticas da transparência, autonomia, ceitos” (RAMOS, 1973, p. 8). À frente, a abordagem
pluralismo, participação e bem comum, tal como na frankfurtiana da gestão social foi a mais explorada
orientação das ações por meio do interesse público em detrimento das outras existentes e, na tentativa
e na cooperação entre Estado, mercado e sociedade. também de incluir o outro, parte-se de várias críticas
Aliás, outro ponto em comum é a concepção de à governança pública. Em relação a uma agenda
sociedade civil e a visão tripartite (Estado, merca- de pesquisa, é possível destacar três possibilidades:
do e sociedade civil) que se aproximam de visões i) empreender em uma pesquisa sistemática que
presentes em Cohen e Arato (1992) e Habermas operacionalize uma discussão teórica de interfaces
(2011), distanciando-se de perspectivas hegelianas, entre gestão social e governança pública a partir das
marxistas e gramscianas. dimensões constitutivas desses conceitos; ii) investi-
Por outro lado, os conceitos se distanciam no que gar práticas de gestão social e governança pública
diz respeito ao protagonismo das ações e à sua orienta- no Brasil e em que medida elas são empiricamente
ção específica: na governança pública a orientação das distintas e empiricamente complementares; iii) estu-
ações é o interesse público estatal e o protagonismo é dar o modelo de coprodução do bem público como
do Estado; na gestão social a orientação das ações é uma das possibilidades de síntese das aproximações
o interesse público não estatal e o protagonismo é da entre a gestão social e a governança pública. Essas
sociedade. O estudo evidencia também que a gestão pesquisas poderão contribuir com a construção e a
social e a governança pública se distanciam principal- consolidação dos campos de estudo/matrizes episte-
mente pela vertente da governança vinculada a New mológicas da gestão social e da governança pública
Public Management e se aproximam nas vertentes e suas interfaces.
democráticas/participativas e menos tecnicistas/tecno-
burocráticas que podem ser relacionadas ao modelo
societal.
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