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ENSAIO I
CURITIBA
2020
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OBJETIVOS
Objetivo geral
Escrever uma resenha crítica do livro “Há um Significado Neste Texto? Interpretação Bíblica:
Os Enfoques Contemporâneos” de Kevin J. Vanhoozer.
Objetivos específicos
RESENHA CRÍTICA
Preciso confessar, que para começar a escrever essa resenha, li e reli várias vezes
as anotações das aulas e o conteúdo programático. Olhei atentamente a toda bibliografia
apontada, desejando encontrar nomes conhecidos e próximos a mim (metaforicamente,
claro). Pude perceber em mim, os dois lados da moeda chamada “interpretação bíblica”.
Isso com certeza moldou a minha hermenêutica. De um, um grande cuidado e temor na
interpretação, arraigado à tradição confessional batista, muito forte, por ser filho de pastor,
e atuar no contexto ministerial dessa denominação. Lembro do meu pai dizendo: “você deve
apenas dizer o que a Bíblia fala, não adicione nem um til a mais ou a menos.” E ver o
cuidado dos líderes a que submeto em manejar bem a Palavra de Deus. Vejo isso na vida
deles, e sempre me impactou a almejar esse cuidado especial com a interpretação.
Mas do outro lado, vi as limitações que tenho e que os outros também possuem.
Pude entender que as aulas na faculdade teológica, tiveram a profundidade que eu permiti
a elas. Cursei EAD, já atuando pastoralmente (mesmo sem o título, mas de coração sincero),
e o dia a dia sempre “pegou pesado”. Tantos projetos de leituras, livros comprados, lidos
pela metade, que tenho na lista de “desejos” uma pilha de 30 livros pelo menos. Mas eu me
apegava à frase clássica, que todo estudante de teologia sabe, como um grande achado
hermenêutico, mas que era o meu limite de conhecimento: “texto fora de contexto vira
pretexto”. Essa era a minha maior profundidade no assunto. Esse lado da moeda
hermenêutica, me fez perceber que preciso cuidar. Eu faço teologia todo dia, mesmo que
inconscientemente. Em cada conversa com uma ovelha, nos aconselhamentos, nas
questões e dúvidas que me indagam, na forma com que me comunico, e até agora de
maneira online, nas redes sociais. Eu preciso cuidar em como interpreto a Bíblia, preciso
perceber como os outros a interpretam, e precisar ensinar isso com a minha vida. Só
conseguimos dar, daquilo que estamos cheios. “O homem bom tira coisas boas do bom
tesouro que está em seu coração, e o homem mau tira coisas más do mal que está em seu
coração, porque a sua boca fala do que está cheio o coração". Lucas 6:45 NVI
Para finalizar essa introdução, quero contar um episódio interessante, onde um
músico me perguntou o que eu achava da pregação de um pastor famoso na internet. Ele
tinha gostado bastante, mas estava com dúvidas porque nunca havia ouvido algo daquele
jeito, foi surpreendido. Fui então verificar o tal vídeo, para poder ajudá-lo. Quando percebi,
eu me pego analisando qual dos “mundos” ele está usando em sua pregação. Eu digo então
à minha ovelha: “Perceba o que ele está fazendo. Isso aqui, é o mundo dentro do texto, o
hebraico, a gramática e tal. Mas agora, ele fala também do contexto histórico daquele povo,
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e dos arredores. Isso é o mundo por trás do texto. No entanto, veja como ele está aplicando
isso, a algo que o texto não responde. Isso aí é a vontade dele, como leitor, em colocar
aquilo que ele pensa. É o mundo na frente do texto. Ele me diz então: nossa, eu nunca
pensei nisso e nunca ninguém falou isso pra mim. É verdade, precisamos cuidar, né?” Eu
paro, e começo a perceber uma mudança em mim: eu nunca soube “julgar” um pregador
ou autor para de fato concordar ou discordar com ele, ou entendê-lo de forma mais profunda.
Sou grato aos professores Igor Baumann e Kevin Vanhoozer por me ajudarem a
entender quem sou hermeneuticamente. Assim como minha ovelha, eu nunca tinha
pensado nisso. E por que agora eu acho isso tão importante? A dica está com o próprio
autor, com quem concordo plenamente:
Ao ler esse livro, nota-se a preocupação e o cuidado com cada palavra ao citar outros
autores. Ele realmente os respeita muito, mesmo que algum seja contrário ao que acredita.
Ao longo de sua proposta, entende-se a razão dele ser assim.
Pois assim quero tentar ser nessa resenha, e na minha vida, ao entender a interpretação
dos outros. Desejo as virtudes da fé, esperança, amor e humildade.
Kevin Vanhoozer, nesse livro, tem a capacidade de fazer com que o leitor sinta a
“vontade” de se fazer algumas perguntas. “Como eu leio a Bíblia? Será que tenho
consciência de como interpreto as Sagradas Escrituras? O meu pastor (ou líder) tem
consciência do que está falando, quando prega e interpreta publicamente um texto bíblico?
É possível ter um padrão mínimo, nos dias de hoje, que balizam o modo correto de
interpretar um texto?” Essas perguntas que Vanhoozer vai causar no leitor, “parecem”
revelar o que ele deseja: sim, há uma maneira correta de construir a hermenêutica bíblica.
Interessante notar, como nunca o leitor é neutro, ele é um ser ativo no texto (notei isso ao
usar a palavra “parecem” na frase anterior, estou interpretando, inevitavelmente). E talvez
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é aí que mora o perigo, quando pensamos nossa interpretação: preciso saber quem eu sou
hermeneuticamente. O autor vai dizer que
Essa “imagem do espelho” suscita aquilo que acredito seja a pergunta mais
importante para as teorias contemporâneas de interpretação, quer da Bíblia
quer de qualquer outro livro: existe alguma coisa no texto que reflita uma
realidade independentemente da atividade interpretativa do leitor, ou o texto
apenas reflete a realidade do leitor? (p. 19)
O “eu-hermeneuta” sempre tem muito a dizer sobre o texto, mesmo que não o saiba
conscientemente. Durante as aulas da matéria “Interpretação Teológica da Bíblia” esse
conceito ficou firme em minha mente e carrego como um valor inegociável desde que o
professor citou qual era o alvo dele na matéria: preciso ter autoconsciência hermenêutica.
Algumas considerações iniciais são necessárias. Kevin vai balizar sua opinião de
que qualquer interpretação é teológica, e não apenas aquelas que se propõem a interpretar
o texto sagrado. Ele indaga que “A compreensão textual é uma questão da fé, da razão, ou
talvez de ambas as coisas? Seria a fé uma condição necessária para a compreensão da
Bíblia?” (p. 18) Para confirmar isso, ele faz uso das três parábolas sobre a hermenêutica
de Soren Kierkegaard:
Qual o objetivo de cada interpretação? A resposta de Kierkegaard é cínica,
porém perspicaz: “Olhem mais de perto, e vocês verão que essa é uma forma
de defesa contra a Palavra de Deus”. A fim de evitar verem-se a si mesmos
nas Escrituras como realmente são, alguns leitores preferem ou olhar para o
espelho, ou projetar suas próprias, e mais lisonjeiras, imagens. (p. 20)
os cientistas da natureza agora vêem suas teorias como interpretações”. (p. 24) Os tempos
atuais são desafiadores, não há verdade absoluta, o relativismo é ordem do dia.
Vanhoozer vai explicar e dialogar com vários autores que ele chama de “três eras da
crítica”, onde a crítica literária tem se preocupado com o autor, o texto e o leitor, nessa
ordem. A razão em entender com profundidade essas três eras, ele vai argumentar que
houve uma guinada literária na filosofia contemporânea, principalmente pautada no
desconstrucionismo de Derrida:
A tarefa fundamental não é a exegética, a de dizer o que determinado texto
quer dizer, mas, sim, a teórica, de descrever e explicar exatamente o que os
intérpretes estão buscando. (...) Pela perspectiva da teoria literária, não
podemos mais limitar a interpretação à tarefa prática de obter o significado
dos textos, mas precisamos incluir a tarefa política de situar o intérprete. (p.
24)
Assim, ele vai afirmar que a autoridade e a ideologia do intérprete, tem grande
influência no destino da hermenêutica, confirmando que o destino dessa e da humanidade
andam juntos, em ascensão e declínio. Ele usa o argumento seguinte:
Por isso, o uso da palavra “significado” no título do trabalho tem tanta importância,
pois existe uma busca pela moralidade do conhecimento literário. Onde “...o conhecimento
não só sobre o texto, mas sobre o que trata o texto — é realmente possível.” (p. 25) Assim,
percebe-se a importância de que o leitor deve ser muito mais explícito quanto a seus
objetivos interpretativos, e deveria estar preparado para defender isso. Kevin organiza esse
argumento - da existência de um fundamento moral da leitura, um bem interpretativo
supremo, dizendo que “Apenas após examinar o que os leitores realmente fazem com os
textos é que posso sugerir o que é o significado e o que deveria ser feito com ele.” (p. 29)
Assim, significado tem sentido de moralidade do conhecimento, onde “...a dúvida é
uma virtude; a credulidade, um vício.” (...) Harvey conclui que a dúvida é uma virtude
intelectual, mais “moral” do que a crença. (p. 30) Vanhoozer aceita o desafio de Harvey,
mas aplica o significado ao domínio da hermenêutica: “o conhecimento literário pode ser,
ao mesmo tempo, moral e fiel, crítico e cristão?” (p. 30) Ainda na esteira do conhecimento
literário, ou, a busca do que significa o significado, o autor cita também Fish, onde para
esse “...não existe algo como um significado ‘no’ texto ‘fora’ da presença do leitor. O
significado não é anterior à atividade do leitor, mas um produto dela”. (p. 30)
Vanhoozer vai se valer desses autores para justificar o seu livro, afirmando que
“Harvey e Fish definem o projeto deste trabalho: articular e defender a possibilidade, no
vale das sombras de Derrida, de que leitores possam legítima e responsavelmente atingir
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o conhecimento literário da Bíblia.” (p 31 e 32) Assim, duas perguntas cruciais, e que ele se
propõe a responder são:
1. Por que o significado é uma questão teológica?
2. Por que um teólogo deveria preocupar-se com o significado?
A resposta dele é clara: “...porque a teologia possui uma dimensão interpretativa e porque
a interpretação tem uma dimensão teológica.” (p. 38)
Assim, pode-se ver que a intenção do autor já não é o mais importante. Muda-se do
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“mundo por trás do texto” para o “mundo do texto”. Ali há a realidade e não no próprio autor.
Vai ainda apresentar as falácias da importância do autor: a falácia da relevância, da
transparência, da identidade e da objetividade. “Dessa perspectiva, a morte do autor é a
Constituição da interpretação criativa. O aforismo de Dostoievski sobre a morte de Deus é
facilmente adaptado à atual situação da teoria literária: “Se não existe Autor, então tudo é
permitido”. (p. 112)
Fechando seu argumento sobre as consequências da “morte do autor”, Vanhoozer
afirma três razões para “...alegrar-se, sim, mas de uma maneira angustiada, consciente de
que se está bailando à beira de um abismo.” (p. 112)
1. Se o “autor” morre, também morre a atuação humana.
2. Se o “autor” morre, também morre a possibilidade de falar a verdade sobre os textos.
3. Se o “autor” morre, também morre a possibilidade de significado nos textos.
Contrapondo-se a isso, Vanhoozer vai nos dizer que é possível que se saiba alguma
coisa do texto, embora não de maneira exaustiva: “Precisamos, portanto, distinguir entre a
inesgotabilidade do significado e sua indeterminação. A primeira não precisa implicar a
segunda; uma coisa é não saber tudo; outra, é não saber nada.” (p. 171) Para que isso
possa acontecer de maneira coerente, ele aproxima o mundo do texto, do intérprete. Onde
a hermenêutica deve envolver mais do que uma aplicação inexpressiva de princípios
metodológicos. Ele afirma que “...a hermenêutica requer bons julgamentos”. (p. 172) A
pergunta final feita pelo autor, recai no leitor. Para ele, a presença de significado nos textos
não pode ser respondida até que se considere “...se o leitor tem ou não os olhos e os
ouvidos — as sensibilidades morais e estéticas, a sabedoria e o discernimento — para
percebê-lo.” (p. 172)
Ao chegar então na era do leitor, ele se indaga se existe responsabilidade
hermenêutica ou é um vale-tudo. O sentido dessa “...perspectiva do significado como uma
função da resposta do leitor (reader response) foi uma reação à idéia estruturalista de que
o texto era um objeto independente tanto do autor quanto do leitor.” (p. 36) Nessa
concepção, o sentido é o fruto da interação entre o texto e o leitor (Movimento de Libertação
do Leitor, na Revolta do Leitor, e na Vingança do Leitor) Para ele, fica claro que a leitura é
irremediavelmente subjetiva, e então arbitrária. Pode-se entender então, que o seu desejo
é construir uma nova percepção, pautada biblicamente:
A partir desse ponto, podemos encontrar aqui uma dicotomia, que o autor adjetiva
como estéril. Ele vai afirmar que a possibilidade de “...conhecimento mediado ou revelado
situa-se em nítido contraste com e o conhecimento absoluto (dogmatismo interpretativo) ou
o ceticismo absoluto (ateísmo interpretativo).” (p. 191) Vai reafirmar a hermenêutica
agostiniana, conhecida como “Acreditamos a fim de entender”. O que ele deseja enfatizar,
é que se pode acreditar na possibilidade de interpretações corretas, mas apenas se forem
sujeitadas à julgamento, “...percebendo que nenhum conjunto de categorias descritivas
pode traduzir a complexa realidade de significado (ou de Deus) com outra adequação que
não seja relativa.” (p. 191)
Essa “apologia agostiniana da interpretação e da realidade do significado” tem um
grande contraste com dois grupos contrários: “...os hermetistas, que afirmam ter descoberto
uma chave para o texto que não é a intenção do autor, e os cínicos, que afirmam ser
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Assim, ele vai reiterar que necessitamos abandonar a hipótese pós-moderna de que
a desconfiança “...é tudo o que existe no que diz respeito à ética da interpretação. Embora
o conhecimento absoluto possa realmente anular o outro, minha tese é a de que o ceticismo
pós-moderno também representa uma resposta inadequada às demandas do outro.” (p.
227) Vanhoozer nos mostra que existe uma opção entre o que é absolutamente possível
conhecer e o que é absolutamente impossível de conhecer: “Um medo adequado do outro,
do autor, é o verdadeiro começo do conhecimento literário.” (p. 227)
Isso tem o poder de nos fazer ver a importância em olhar os “três mundos na
interpretação”. Preciso olhar o mundo antes do texto (o autor, contexto cultural, histórico e
geográfico), o mundo dentro do texto (língua original, gramática, intertextualidade) e o
mundo na frente do texto (perguntas e dúvidas do leitor, aplicação ao nosso tempo).
A proposta hermenêutica de Vanhoozer, é de tomar a “...autocomunicação trinitária
de Deus como paradigma do que está envolvido em toda a verdadeira comunicação.” (p.
232) O Deus trino – Pai, Filho e Espírito – é aquele que se comunica com os outros. O
conhecimento cristão de Deus como criador, redentor e santificador, como aquele que fala
(Hebreus 1.1), “...deve disciplinar as noções de significado e de interpretação, alcançadas
por meio de abstrações, a partir das crenças nitidamente cristãs.” (p. 232) Pode-se parecer
inaceitável no meio secular essa premissa, mas o autor se vale da defesa e conselho de
Alvin Plantiga para construir seus argumentos:
...e aconselha os filósofos cristãos a continuarem a desenvolver suas próprias prioridades, a buscar a
realização de seus próprios programas de pesquisa. O que é necessário é ‘menos acomodação às modas
atuais e mais autoconfiança cristã’. Uma vez que a filosofia é um esclarecimento e aprofundamento de
crenças pré-filosóficas, Plantinga acredita que nós, como cristãos, temos o direito e a responsabilidade de
começar nossa reflexão sobre Deus, sobre o mundo e sobre nós mesmos apoiada em premissas cristãs. (p.
232)
Finalmente chegamos à proposição de Vanhoozer, onde ele vai colocar todo seu
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Minha tese é a de que, ao ler, nós nos deparamos com um outro que nos
exorta a responder. Com base em Steiner, vejo essa exortação como o
momento de transcendência na interpretação; responder ao chamado de uma
voz além da nossa própria voz é exatamente o que torna a leitura uma
atividade teológica. (p. 425)
Para finalizar a sua proposta de uma hermenêutica trinitária (Deus Pai – autor -
realismo hermenêutico; Deus Filho – texto - racionalidade hermenêutica; Deus Espírito –
leitor - responsabilidade hermenêutica), gostaria de citar o último parágrafo, que nos deixa
claro o seu propósito com o projeto do livro:
Gostaria de deixar claro, que não consegui ler o texto integralmente, mas o fiz por
meio de uma leitura dirigida, pensando no tamanho dessa resenha e no tempo disponível.
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REFERÊNCIAS
BÍBLIA, Português. Bíblia de Estudo NVI. Tradução: Nova Versão Internacional. São Paulo:
Editora Vida, 2003.