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FACULDADES BATISTA DO PARANÁ

RAGNER ESPERANDIO SEIFERT

ENSAIO I

Trabalho apresentado como requisito parcial


à matéria Interpretação Teológica da Bíblia
do Programa de Pós-Graduação em Teologia,
das Faculdades Batista do Paraná.
Prof.º Drº. Igor Balmann

CURITIBA
2020
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OBJETIVOS
Objetivo geral

Escrever uma resenha crítica do livro “Há um Significado Neste Texto? Interpretação Bíblica:
Os Enfoques Contemporâneos” de Kevin J. Vanhoozer.

Objetivos específicos

Relacionar o livro com os assuntos da disciplina.


Aplicar os assuntos da disciplina no contexto do livro.
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RESENHA CRÍTICA

Preciso confessar, que para começar a escrever essa resenha, li e reli várias vezes
as anotações das aulas e o conteúdo programático. Olhei atentamente a toda bibliografia
apontada, desejando encontrar nomes conhecidos e próximos a mim (metaforicamente,
claro). Pude perceber em mim, os dois lados da moeda chamada “interpretação bíblica”.
Isso com certeza moldou a minha hermenêutica. De um, um grande cuidado e temor na
interpretação, arraigado à tradição confessional batista, muito forte, por ser filho de pastor,
e atuar no contexto ministerial dessa denominação. Lembro do meu pai dizendo: “você deve
apenas dizer o que a Bíblia fala, não adicione nem um til a mais ou a menos.” E ver o
cuidado dos líderes a que submeto em manejar bem a Palavra de Deus. Vejo isso na vida
deles, e sempre me impactou a almejar esse cuidado especial com a interpretação.
Mas do outro lado, vi as limitações que tenho e que os outros também possuem.
Pude entender que as aulas na faculdade teológica, tiveram a profundidade que eu permiti
a elas. Cursei EAD, já atuando pastoralmente (mesmo sem o título, mas de coração sincero),
e o dia a dia sempre “pegou pesado”. Tantos projetos de leituras, livros comprados, lidos
pela metade, que tenho na lista de “desejos” uma pilha de 30 livros pelo menos. Mas eu me
apegava à frase clássica, que todo estudante de teologia sabe, como um grande achado
hermenêutico, mas que era o meu limite de conhecimento: “texto fora de contexto vira
pretexto”. Essa era a minha maior profundidade no assunto. Esse lado da moeda
hermenêutica, me fez perceber que preciso cuidar. Eu faço teologia todo dia, mesmo que
inconscientemente. Em cada conversa com uma ovelha, nos aconselhamentos, nas
questões e dúvidas que me indagam, na forma com que me comunico, e até agora de
maneira online, nas redes sociais. Eu preciso cuidar em como interpreto a Bíblia, preciso
perceber como os outros a interpretam, e precisar ensinar isso com a minha vida. Só
conseguimos dar, daquilo que estamos cheios. “O homem bom tira coisas boas do bom
tesouro que está em seu coração, e o homem mau tira coisas más do mal que está em seu
coração, porque a sua boca fala do que está cheio o coração". Lucas 6:45 NVI
Para finalizar essa introdução, quero contar um episódio interessante, onde um
músico me perguntou o que eu achava da pregação de um pastor famoso na internet. Ele
tinha gostado bastante, mas estava com dúvidas porque nunca havia ouvido algo daquele
jeito, foi surpreendido. Fui então verificar o tal vídeo, para poder ajudá-lo. Quando percebi,
eu me pego analisando qual dos “mundos” ele está usando em sua pregação. Eu digo então
à minha ovelha: “Perceba o que ele está fazendo. Isso aqui, é o mundo dentro do texto, o
hebraico, a gramática e tal. Mas agora, ele fala também do contexto histórico daquele povo,
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e dos arredores. Isso é o mundo por trás do texto. No entanto, veja como ele está aplicando
isso, a algo que o texto não responde. Isso aí é a vontade dele, como leitor, em colocar
aquilo que ele pensa. É o mundo na frente do texto. Ele me diz então: nossa, eu nunca
pensei nisso e nunca ninguém falou isso pra mim. É verdade, precisamos cuidar, né?” Eu
paro, e começo a perceber uma mudança em mim: eu nunca soube “julgar” um pregador
ou autor para de fato concordar ou discordar com ele, ou entendê-lo de forma mais profunda.
Sou grato aos professores Igor Baumann e Kevin Vanhoozer por me ajudarem a
entender quem sou hermeneuticamente. Assim como minha ovelha, eu nunca tinha
pensado nisso. E por que agora eu acho isso tão importante? A dica está com o próprio
autor, com quem concordo plenamente:

‘Existe um significado neste texto?’ Se eu organizei aqui uma coalizão


interdisciplinar, além de recursos de teologia sistemática, para responder a
uma simples pergunta, é porque somente com tal acúmulo de forças se pode
responder de maneira eficaz à crise nas humanidades — uma crise que está
lentamente esvaziando a cultura ocidental de sua própria humanidade. (p .38)

Ao ler esse livro, nota-se a preocupação e o cuidado com cada palavra ao citar outros
autores. Ele realmente os respeita muito, mesmo que algum seja contrário ao que acredita.
Ao longo de sua proposta, entende-se a razão dele ser assim.

As virtudes interpretativas que recomendarei ao longo deste trabalho também


aparecem como virtudes fundamentais da teologia cristã: fé, esperança, amor
e humildade. São elas as mesmas virtudes que tomam possível a sociedade.
A vida em comum também é, em muito, interpretação: a boa hermenêutica
faz os bons vizinhos. A regra de ouro, tanto para a hermenêutica quanto para
a ética, é tratar os outros significantes — textos, pessoas, Deus — com amor
e respeito. (p. 42)

Pois assim quero tentar ser nessa resenha, e na minha vida, ao entender a interpretação
dos outros. Desejo as virtudes da fé, esperança, amor e humildade.
Kevin Vanhoozer, nesse livro, tem a capacidade de fazer com que o leitor sinta a
“vontade” de se fazer algumas perguntas. “Como eu leio a Bíblia? Será que tenho
consciência de como interpreto as Sagradas Escrituras? O meu pastor (ou líder) tem
consciência do que está falando, quando prega e interpreta publicamente um texto bíblico?
É possível ter um padrão mínimo, nos dias de hoje, que balizam o modo correto de
interpretar um texto?” Essas perguntas que Vanhoozer vai causar no leitor, “parecem”
revelar o que ele deseja: sim, há uma maneira correta de construir a hermenêutica bíblica.
Interessante notar, como nunca o leitor é neutro, ele é um ser ativo no texto (notei isso ao
usar a palavra “parecem” na frase anterior, estou interpretando, inevitavelmente). E talvez
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é aí que mora o perigo, quando pensamos nossa interpretação: preciso saber quem eu sou
hermeneuticamente. O autor vai dizer que

Essa “imagem do espelho” suscita aquilo que acredito seja a pergunta mais
importante para as teorias contemporâneas de interpretação, quer da Bíblia
quer de qualquer outro livro: existe alguma coisa no texto que reflita uma
realidade independentemente da atividade interpretativa do leitor, ou o texto
apenas reflete a realidade do leitor? (p. 19)

O “eu-hermeneuta” sempre tem muito a dizer sobre o texto, mesmo que não o saiba
conscientemente. Durante as aulas da matéria “Interpretação Teológica da Bíblia” esse
conceito ficou firme em minha mente e carrego como um valor inegociável desde que o
professor citou qual era o alvo dele na matéria: preciso ter autoconsciência hermenêutica.
Algumas considerações iniciais são necessárias. Kevin vai balizar sua opinião de
que qualquer interpretação é teológica, e não apenas aquelas que se propõem a interpretar
o texto sagrado. Ele indaga que “A compreensão textual é uma questão da fé, da razão, ou
talvez de ambas as coisas? Seria a fé uma condição necessária para a compreensão da
Bíblia?” (p. 18) Para confirmar isso, ele faz uso das três parábolas sobre a hermenêutica
de Soren Kierkegaard:
Qual o objetivo de cada interpretação? A resposta de Kierkegaard é cínica,
porém perspicaz: “Olhem mais de perto, e vocês verão que essa é uma forma
de defesa contra a Palavra de Deus”. A fim de evitar verem-se a si mesmos
nas Escrituras como realmente são, alguns leitores preferem ou olhar para o
espelho, ou projetar suas próprias, e mais lisonjeiras, imagens. (p. 20)

Preciso reconhecer, que eu nunca havia pensado dessa maneira. De fato,


reconhecer a necessidade e o “poder” da fé na interpretação (digo aqui no sentido
abrangente da palavra, não a fé bíblica) é essencial ao leitor, pois a ela se pressupõe uma
cosmovisão, não há como dissociar. Assim, interpretar um texto (e não mais só um texto,
mas até uma live nesses dias de pandemia do COVID-19) é um ato de fé, com três sentidos.
Pode-se colocar a fé no autor ou matá-lo para que a sua própria fé prevaleça – mundo por
trás do texto. Pode-se colocar a fé na palavra escrita, no texto puro ou matá-lo criando a
sua própria epistemologia – mundo do texto. E pode-se colocar a fé no leitor, que como ser
fluído de interpretação, também dá o significado que lhe importa – mundo em frente ao
texto. Por isso, a necessidade que o autor coloca de encontrar se “há um significado nesse
texto”. Existe um papel essencial para a hermenêutica, há uma luta sendo travada na
humanidade, que pode nos levar para um lado cada mais longe da vontade de Deus. Ele
vai dizer que “A ascensão da hermenêutica está em paralelo com a queda da epistemologia.
Em vez de apresentar reivindicações substanciosas de conhecimento absoluto, até mesmo
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os cientistas da natureza agora vêem suas teorias como interpretações”. (p. 24) Os tempos
atuais são desafiadores, não há verdade absoluta, o relativismo é ordem do dia.

A interpretação não é apenas uma questão de se aplicar uma glosa subjetiva


a uma realidade objetiva. Não, sua proposta é mais radical. Por meio da
atividade de leitura, os intérpretes constroem. o texto, ou melhor, seu
significado. Esse é um novo papel para a interpretação, que, até mais ou
menos recentemente, digamos, meados do século XIX, havia desempenhado
um papel mais modesto, restaurador: o de recuperar mensagens verbais.
Margolis nega que seu relativismo seja um “vale-tudo”: existem critérios para
a interpretação, mas eles são relativos a um conjunto de práticas da
comunidade. As práticas, é claro, mudam; elas também estão em fluxo — daí
a “incredulidade em relação ao significado” da pós-modernidade. (p. 23)

Vanhoozer vai explicar e dialogar com vários autores que ele chama de “três eras da
crítica”, onde a crítica literária tem se preocupado com o autor, o texto e o leitor, nessa
ordem. A razão em entender com profundidade essas três eras, ele vai argumentar que
houve uma guinada literária na filosofia contemporânea, principalmente pautada no
desconstrucionismo de Derrida:
A tarefa fundamental não é a exegética, a de dizer o que determinado texto
quer dizer, mas, sim, a teórica, de descrever e explicar exatamente o que os
intérpretes estão buscando. (...) Pela perspectiva da teoria literária, não
podemos mais limitar a interpretação à tarefa prática de obter o significado
dos textos, mas precisamos incluir a tarefa política de situar o intérprete. (p.
24)

Ele afirma que a “...hermenêutica é prima da consciência histórica;” (p. 25)


explicando que “...a percepção de que não sabemos as coisas direta e imediatamente
sugere que o conhecimento é o resultado da interpretação. A realidade é um texto a ser
interpretado, mediado pela linguagem, história, cultura e tradição”. (p. 25) Assim, ele finaliza
dizendo que há um desencanto e destituição da hermenêutica. Ela não parece mais tão
encantadora como método filosófico no desenvolver da civilização que é a “desconstrução”.,
onde não existem “...princípios para uma interpretação certa ou errada, apenas
preferências...” (p. 25) Assim, ele explica que Derrida dá os limites da filosofia e aprisiona
aqueles que são tolos o bastante para transgredi-los:

É típico dos filósofos distinguirem suas próprias falas sobre o mundo de


outros tipos: por exemplo, a filosofia trabalha com a lógica e busca a verdade
literal à luz de idéias claras e distintas, enquanto a literatura brinca com
metáforas e outras nebulosas figuras de linguagem sob os escuros céus
retóricos. Derrida não engole nada disso. Ele acredita que a história da
filosofia ocidental é um blefe elaborado, que os filósofos não têm mais acesso
à verdade do que aqueles que não foram iniciados na guilda filosófica, e que
o discurso da filosofia deve tanto à retórica quanto às demais formas de
discurso. (p. 26)
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Como artista de formação, não pude deixar de notar a explicação do poder de


interpretação que a arte traz na nossa cultura. Concordando com Nitzsche, para Vanhoozer
o artista é um filósofo melhor e, mais honesto, pois é um intérprete criativo.

Em outras palavras, estamos mais próximos da verdade quando


reconhecemos nossas palavras, conceitos e teorias como ficções. Enquanto
o filósofo cria sem admitir que o faz, o artista amplia a vida sem se esquecer
que a arte é o resultado de sua própria criatividade. Por conseguinte, a arte
nos liberta da ilusão de que existe uma interpretação fixa e correta do mundo.
(p. 27)

Assim, ele vai afirmar que a autoridade e a ideologia do intérprete, tem grande
influência no destino da hermenêutica, confirmando que o destino dessa e da humanidade
andam juntos, em ascensão e declínio. Ele usa o argumento seguinte:

Como afirmam os autores de O significado de significado, a linguagem é “o


mais importante de todos os instrumentos da civilização”. No entanto, se não
existe nada naquilo que dizemos uns aos outros, acabamos por perder os
meios básicos de cultivar a humanidade. Somente agora estamos
começando a perceber as implicações dessa perda. (p. 28)

Por isso, o uso da palavra “significado” no título do trabalho tem tanta importância,
pois existe uma busca pela moralidade do conhecimento literário. Onde “...o conhecimento
não só sobre o texto, mas sobre o que trata o texto — é realmente possível.” (p. 25) Assim,
percebe-se a importância de que o leitor deve ser muito mais explícito quanto a seus
objetivos interpretativos, e deveria estar preparado para defender isso. Kevin organiza esse
argumento - da existência de um fundamento moral da leitura, um bem interpretativo
supremo, dizendo que “Apenas após examinar o que os leitores realmente fazem com os
textos é que posso sugerir o que é o significado e o que deveria ser feito com ele.” (p. 29)
Assim, significado tem sentido de moralidade do conhecimento, onde “...a dúvida é
uma virtude; a credulidade, um vício.” (...) Harvey conclui que a dúvida é uma virtude
intelectual, mais “moral” do que a crença. (p. 30) Vanhoozer aceita o desafio de Harvey,
mas aplica o significado ao domínio da hermenêutica: “o conhecimento literário pode ser,
ao mesmo tempo, moral e fiel, crítico e cristão?” (p. 30) Ainda na esteira do conhecimento
literário, ou, a busca do que significa o significado, o autor cita também Fish, onde para
esse “...não existe algo como um significado ‘no’ texto ‘fora’ da presença do leitor. O
significado não é anterior à atividade do leitor, mas um produto dela”. (p. 30)
Vanhoozer vai se valer desses autores para justificar o seu livro, afirmando que
“Harvey e Fish definem o projeto deste trabalho: articular e defender a possibilidade, no
vale das sombras de Derrida, de que leitores possam legítima e responsavelmente atingir
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o conhecimento literário da Bíblia.” (p 31 e 32) Assim, duas perguntas cruciais, e que ele se
propõe a responder são:
1. Por que o significado é uma questão teológica?
2. Por que um teólogo deveria preocupar-se com o significado?
A resposta dele é clara: “...porque a teologia possui uma dimensão interpretativa e porque
a interpretação tem uma dimensão teológica.” (p. 38)

Ao referenciar sobre a era do autor, Kevin cita Schleiermacher como principal


expoente, quando o que se buscava era a intenção do autor: “O objetivo da interpretação é
compreender o texto tão bem quanto seu autor, ou melhor do que ele”. (p. 33) A redenção
que ele busca aqui, é que “...o conceito de autoria é fundamentalmente teológico: tanto a
“morte” quanto a “ressureição” do autor dependem da nossa capacidade de conceber Deus
como um agente comunicativo” (p. 34) Ele versa sobre os principais pensamentos e linhas
filosóficos sobre a importância ou não do autor, discorrendo historicamente com grande
maestria. Gostaria de participar de uma aula dele.
Chega-se então ao ponto principal, sobre a morte do autor. Ele vai afirmar que “...o
leitor pós-moderno não acredita mais em Deus, tampouco em autores.” (p. 39) Vivemos em
uma época de ateísmo literário. O que mais questiona se questiona hoje, é a noção de que
os signos apontam de maneira confiável a real maneira de ser das coisas. “Existe uma voz
no texto? Caso exista, ela pertence ao autor? O autor é a fonte do significado textual? Ele
pode ‘controla’ o significado de um texto?” (p. 49)
Se desfazendo assim, a autoridade do autor. A intenção do autor não deve ser levada
em conta mais. A partir da desconstrução de Derrida, o autor tem como propósito ao
explorar a conexão entre teoria literária e teologia: “A obra de Derrida é o lugar onde melhor
se demonstra que a atual crise na hermenêutica é, em grande medida, uma crise teológica.”
(p. 60) Para ele, isso é um resultado mais ou menos direto do anúncio feito por Nietzsche
da morte de Deus. (p. 55) Para Vanhoozer, o descrédito do autor – como um mal-estar
contemporâneo na teoria literária pós-moderna – tem origem necessariamente na negação
não-realista da ordem criada.

Embora teólogos cristãos ortodoxos não discutam Derrida com frequência, os


que o fazem são bastante críticos. O pensamento de Derrida é percebido
como hostil à teologia, e não apenas indiferente. Visto que a desconstrução
derruba os “ídolos do signo”, ela pareceria ser contra “Deus” também: “O
signo e a divindade possuem o mesmo local e data de nascimento. A época
do signo é essencialmente teológica”. (p.57, 58)

Assim, pode-se ver que a intenção do autor já não é o mais importante. Muda-se do
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“mundo por trás do texto” para o “mundo do texto”. Ali há a realidade e não no próprio autor.
Vai ainda apresentar as falácias da importância do autor: a falácia da relevância, da
transparência, da identidade e da objetividade. “Dessa perspectiva, a morte do autor é a
Constituição da interpretação criativa. O aforismo de Dostoievski sobre a morte de Deus é
facilmente adaptado à atual situação da teoria literária: “Se não existe Autor, então tudo é
permitido”. (p. 112)
Fechando seu argumento sobre as consequências da “morte do autor”, Vanhoozer
afirma três razões para “...alegrar-se, sim, mas de uma maneira angustiada, consciente de
que se está bailando à beira de um abismo.” (p. 112)
1. Se o “autor” morre, também morre a atuação humana.
2. Se o “autor” morre, também morre a possibilidade de falar a verdade sobre os textos.
3. Se o “autor” morre, também morre a possibilidade de significado nos textos.

Na era do texto, nasce a racionalidade hermenêutica e o relativismo, quando se faz


a pergunta “Quais métodos nos possibilitam a obtenção de conhecimento do texto? A
hermenêutica é uma arte ou uma ciência?” (p. 34) A resposta que o autor dá à alta crítica,
é de que “O principal recurso teológico é a cristologia, a qual eu relaciono com uma nova
defesa do sentido literal como a norma para interpretação (embora eu conteste
vigorosamente a identificação de interpretação literal com sua correspondente literalística).
(p. 35) Assim, ele afirma que o sentido pode ser conhecido de forma apropriada por meio
de uma metodologia de “...’descrição densa’ que vê o texto como um ato literário complexo
e respeita seus diversos níveis, inclusive o canônico.” (p. 35)
O mundo do texto é explorado pelo autor, mostrando mais uma vez uma grande
quantidade de outros autores e referências, colocando os principais aspectos da crítica
textual nos olhos do leitor. Ao se aprofundar no tema, nos coloca à disposição vários
argumentos sobre como a crítica literária lida com a difícil tarefa da interpretação bíblica.
Aqui pode-se encontrar inclusive a menção à interpretação canônica, citando Brevard
Childs e conceitos desse estudioso. Ele vai colocar que esse tipo de interpretação
representa tentativas de limitar o jogo do significado. “O significado não é alguma coisa
localizada nos textos, mas, sim, algo que acontece entre eles.” (p. 166)
O texto também “morre” de certa forma, quando se usa a noção de texto absoluto,
dissolvendo-se
...em um mar de relatividade. Longe de garantir o significado determinado, o
texto sem autor dá origem a múltiplos significados (alegórico, metafórico,
intertextual). E da mesma forma que a indeterminação é constitutiva do texto,
a indecidibilidade também parece ser constitutiva do processo de
interpretação. O resultado final do desfazimento da epistemologia do
significado parece ser o de que a autoridade é reatribuída mais uma vez, para
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longe do texto e sobre o leitor. (p. 171)

Contrapondo-se a isso, Vanhoozer vai nos dizer que é possível que se saiba alguma
coisa do texto, embora não de maneira exaustiva: “Precisamos, portanto, distinguir entre a
inesgotabilidade do significado e sua indeterminação. A primeira não precisa implicar a
segunda; uma coisa é não saber tudo; outra, é não saber nada.” (p. 171) Para que isso
possa acontecer de maneira coerente, ele aproxima o mundo do texto, do intérprete. Onde
a hermenêutica deve envolver mais do que uma aplicação inexpressiva de princípios
metodológicos. Ele afirma que “...a hermenêutica requer bons julgamentos”. (p. 172) A
pergunta final feita pelo autor, recai no leitor. Para ele, a presença de significado nos textos
não pode ser respondida até que se considere “...se o leitor tem ou não os olhos e os
ouvidos — as sensibilidades morais e estéticas, a sabedoria e o discernimento — para
percebê-lo.” (p. 172)
Ao chegar então na era do leitor, ele se indaga se existe responsabilidade
hermenêutica ou é um vale-tudo. O sentido dessa “...perspectiva do significado como uma
função da resposta do leitor (reader response) foi uma reação à idéia estruturalista de que
o texto era um objeto independente tanto do autor quanto do leitor.” (p. 36) Nessa
concepção, o sentido é o fruto da interação entre o texto e o leitor (Movimento de Libertação
do Leitor, na Revolta do Leitor, e na Vingança do Leitor) Para ele, fica claro que a leitura é
irremediavelmente subjetiva, e então arbitrária. Pode-se entender então, que o seu desejo
é construir uma nova percepção, pautada biblicamente:

Com quais ideais interpretativos o leitor competente das Escrituras, ou de


qualquer outro texto, deveria estar comprometido a fim de ser um crítico moral
e uma pessoa responsável? Apresento uma versão revisada da crítica
orientada para a resposta do leitor, baseada nas noções de ética
comunicativa e eficácia comunicativa. Meu argumento é o de que um
interesse em comunicação ao mesmo tempo constitui e regula a própria
atividade do entendimento. (...) Minha tese é a de que a interpretação ética é
um exercício espiritual e que o espírito do entendimento não é um espírito de
poder, nem de jogo, mas o Espírito Santo. Assim, as doutrinas teológicas que
contribuem para uma discussão da ética do significado são a pneumatologia
e a santificação. (p. 37)

Há uma reação quando se move o significado da interpretação para o leitor, para o


mundo na frente do texto. Entende-se que ele não é um simples observador isolado de
intenção, o leitor é igualmente ativo e passivo. “O último ídolo a ser derrubado pela teoria
pós-moderna é, portanto, o “ídolo da neutralidade”. (p. 174) A grande questão aqui, na era
do leitor, é que “Quando se trata de produzir significado, quem é que manda?” (p. 175) A
partir de Roland Barthes, Humberto Eco, Paul Ricoeur, e Rudolf Bultmann ele vai descrever
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o “nascimento do leitor”, enfatizando a noção de que “Nenhuma leitura é objetiva; toda


leitura é carregada de teoria. Não existe olhar inocente; não existe um ‘eu’ inocente.” (p.
177) O fato é de que há interesses que controlam a leitura de uma pessoa. Vanhoozer faz
uma lista, que ele chama de “interesses dominantes”, que geraram escolas de interpretação.
A lista passa por muitos dos assuntos vistos em sala de aula, que me chamou a atenção
pela escalada histórico, mas sendo vista na perspectiva do leitor.

1. a intenção do autor (crítica gramático-histórica)


2. a história da composição de um texto (crítica da fonte, da forma, redacional
e da tradição)
3. as características literárias ou estruturais de um texto (crítica estruturalista)
4. a forma de um texto funcionar e obter seus efeitos (crítica retórica)
5. as possíveis maneiras de existir no mundo retratadas por um texto (crítica
existencialista)
6. a forma como um texto retrata as mulheres (crítica feminista)
7. a forma como um texto auxilia ou atrapalha a transformação social (crítica
libertadora)
8. a forma como um texto resiste à interpretação unificada (crítica
desconstrucionista) (p. 184)

Vanhoozer vai pontuando cada um desses interesses do leitor, contrapondo os


argumentos dos principais pensadores. Destaco aqui a “hermenêutica comunitária”, onde
a autoridade da interpretação passa pela construção social do seu significado. A partir das
ideias de Fish, o autor contrapõe a suposta liberdade dessa interpretação “ideológica”,
argumentando que
...poder-se-ia dizer que Fish, ao conceder uma autoridade relativamente
absoluta às comunidades interpretativas, criou um ambiente que é
potencialmente hostil ao usuário. A situação é pior ainda para os textos: eles
existem como reféns da sorte em comunidades que legitimam a violência de
gangues chamando-a de interpretação. (p. 205)

A partir desse ponto, podemos encontrar aqui uma dicotomia, que o autor adjetiva
como estéril. Ele vai afirmar que a possibilidade de “...conhecimento mediado ou revelado
situa-se em nítido contraste com e o conhecimento absoluto (dogmatismo interpretativo) ou
o ceticismo absoluto (ateísmo interpretativo).” (p. 191) Vai reafirmar a hermenêutica
agostiniana, conhecida como “Acreditamos a fim de entender”. O que ele deseja enfatizar,
é que se pode acreditar na possibilidade de interpretações corretas, mas apenas se forem
sujeitadas à julgamento, “...percebendo que nenhum conjunto de categorias descritivas
pode traduzir a complexa realidade de significado (ou de Deus) com outra adequação que
não seja relativa.” (p. 191)
Essa “apologia agostiniana da interpretação e da realidade do significado” tem um
grande contraste com dois grupos contrários: “...os hermetistas, que afirmam ter descoberto
uma chave para o texto que não é a intenção do autor, e os cínicos, que afirmam ser
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impossível chegar ao significado e entendimento.” (p. 40) Vanhoozer defende a crença de


que se pode vir a “...conhecer alguma coisa além de nós mesmos quando olhamos para o
espelho do texto.” (p. 40) Ele afirma categoricamente que crê no realismo hermenêutico, na
racionalidade hermenêutica, e na responsabilidade hermenêutica. (p. 40) Isso define muito
bem, a razão em usar a teologia trinitária como chave interpretativa. Ele nos explica que
...a teologia trinitária oferece aos intérpretes bíblicos um paradigma para
hermenêutica bíblica e também geral. (...) ...é suficiente mostrar que a
teologia trinitária nos possibilita conceber a pluralidade interpretativa como
harmonia (três-em-um; um-em-três), em vez de conflito. Os cristãos
acreditam que a realidade é fundamentalmente uma questão de comunicação
e comunhão interpessoal, não de uma différance impessoal (e conflitante). (p.
192)

Assim, ele vai reiterar que necessitamos abandonar a hipótese pós-moderna de que
a desconfiança “...é tudo o que existe no que diz respeito à ética da interpretação. Embora
o conhecimento absoluto possa realmente anular o outro, minha tese é a de que o ceticismo
pós-moderno também representa uma resposta inadequada às demandas do outro.” (p.
227) Vanhoozer nos mostra que existe uma opção entre o que é absolutamente possível
conhecer e o que é absolutamente impossível de conhecer: “Um medo adequado do outro,
do autor, é o verdadeiro começo do conhecimento literário.” (p. 227)
Isso tem o poder de nos fazer ver a importância em olhar os “três mundos na
interpretação”. Preciso olhar o mundo antes do texto (o autor, contexto cultural, histórico e
geográfico), o mundo dentro do texto (língua original, gramática, intertextualidade) e o
mundo na frente do texto (perguntas e dúvidas do leitor, aplicação ao nosso tempo).
A proposta hermenêutica de Vanhoozer, é de tomar a “...autocomunicação trinitária
de Deus como paradigma do que está envolvido em toda a verdadeira comunicação.” (p.
232) O Deus trino – Pai, Filho e Espírito – é aquele que se comunica com os outros. O
conhecimento cristão de Deus como criador, redentor e santificador, como aquele que fala
(Hebreus 1.1), “...deve disciplinar as noções de significado e de interpretação, alcançadas
por meio de abstrações, a partir das crenças nitidamente cristãs.” (p. 232) Pode-se parecer
inaceitável no meio secular essa premissa, mas o autor se vale da defesa e conselho de
Alvin Plantiga para construir seus argumentos:
...e aconselha os filósofos cristãos a continuarem a desenvolver suas próprias prioridades, a buscar a
realização de seus próprios programas de pesquisa. O que é necessário é ‘menos acomodação às modas
atuais e mais autoconfiança cristã’. Uma vez que a filosofia é um esclarecimento e aprofundamento de
crenças pré-filosóficas, Plantinga acredita que nós, como cristãos, temos o direito e a responsabilidade de
começar nossa reflexão sobre Deus, sobre o mundo e sobre nós mesmos apoiada em premissas cristãs. (p.
232)

Finalmente chegamos à proposição de Vanhoozer, onde ele vai colocar todo seu
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esforço em ressuscitar o autor, colocando-o “...como cidadão da linguagem, com todos os


direitos e responsabilidades envolvidas”. (p. 235) Ele volta a citar isso como “realismo
hermenêutico”. Vai em seguida esforçar-se para redimir o texto afirmando que
...eu gostaria de argumentar que o texto pode ser uma fonte de evidências e
um meio de conhecimento não apenas sobre um autor (isto é, o que ele
escreveu, o que fez), mas também sobre o que o autor sente, sabe, observa
e imagina. De fato, muito do que se encontra nos textos é testemunho de
alguma coisa outra que não eles próprios ou seus autores. (p. 327)

Após a “racionalidade hermenêutica”, como esperado, chegamos ao leitor, e o autor


propõe aqui a sua reforma, com virtude interpretativa, espiritualidade e eficácia
comunicativa. A “responsabilidade hermenêutica”, muito bem exposta nesse trecho:

Minha tese é a de que, ao ler, nós nos deparamos com um outro que nos
exorta a responder. Com base em Steiner, vejo essa exortação como o
momento de transcendência na interpretação; responder ao chamado de uma
voz além da nossa própria voz é exatamente o que torna a leitura uma
atividade teológica. (p. 425)

Para finalizar a sua proposta de uma hermenêutica trinitária (Deus Pai – autor -
realismo hermenêutico; Deus Filho – texto - racionalidade hermenêutica; Deus Espírito –
leitor - responsabilidade hermenêutica), gostaria de citar o último parágrafo, que nos deixa
claro o seu propósito com o projeto do livro:

Os leitores que trabalham e oram sobre o texto, que interpretam livre e


responsavelmente, e que seguem seus itinerários de significado, serão
progressivamente transformados na imagem daquele que é o objeto
fundamental do testemunho bíblico. Aqueles que se posicionam nessa
maneira dinâmica entendem e resistem e, assim, cumprem sua vocação
como testemunhas e como mártires da Palavra. (p. 545)

Gostaria de deixar claro, que não consegui ler o texto integralmente, mas o fiz por
meio de uma leitura dirigida, pensando no tamanho dessa resenha e no tempo disponível.
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REFERÊNCIAS

AMARAL, Fabiano; DENES, Rozane; MARTINS, Jaziel G. Manual de normas técnicas


acadêmicas e científicas da Fabapar. Curitiba: Publicações FABAPAR, 2018.

BÍBLIA, Português. Bíblia de Estudo NVI. Tradução: Nova Versão Internacional. São Paulo:
Editora Vida, 2003.

VANHOOZER, Kevin J. Há um Significado Neste Texto? Interpretação Bíblica: Os


Enfoques Contemporâneos. São Paulo: Editora Vida, 2005.

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