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LILIA K.

MORITZ SCHWARCZ

A natureza
como
paisagem:
im
p
imagem e
representação
no Segundo
Reinado

LILIA K. MORITZ
SCHWARCZ é professora
de Antropologia da USP e
autora de, entre outros,
O Espetáculo das Raças
(Companhia das Letras).

6 REVISTA USP,
REVISTA USP, São
São Paulo,
Paulo, n.58,
n.58, p.
p. 6-29,
6-29, junho/agosto
junho/agosto 2003
2003
O Império brasileiro foi pródigo na criação de represen- Uma versão deste artigo foi apre-
sentada no ciclo de palestras da
Funarte intitulado “Estado-Nação”
tações que acabaram por impor um tipo de memória oficial. (Rio de Janeiro e Curitiba, 2001).
Esta pesquisa vem sendo financia-

im
Nesse esforço de bem costurar uma imagem para dentro da pelo CNPq desde março de
2001.
e para fora do país, destacou-se a atuação do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro que, em associação com


a Academia Imperial de Belas Artes, daria à monarquia

brasileira uma nova história, uma iconografia original e uma


literatura épica. Nesses locais, enquanto a realeza era

enaltecida – e a escravidão literalmente esquecida –, de


forma paralela e simétrica o passado era relembrado, a

partir da seleção de imagens que destacavam a existência de

uma flora grandiosa, adornada por indígenas envoltos em

pé io
cenários idealizados. A natureza brasileira era desenhada a

partir de modelos elaborados no exterior e assim transfor-


mada em “paisagem”, junto com seus “nativos”. Éden e

ícone da memória imperial, os trópicos surgiam como ce-


nário romantizado, por contraposição ao espetáculo “de-

gradado” das raças e da mestiçagem.

INTRODUÇÃO

r
A natureza sempre foi pretexto para representações de
ordem diversa. Enquanto objeto da ciência revelou-se so-

bretudo como uma boa interrogação; mote para distintas


interpretações. Derrubar matas, lavrar o solo, eliminar pre-

dadores, matar insetos nocivos e bestas arredias, drenar


pântanos e contornar as marés…, enfim, a agricultura e o

cultivo estavam para a terra como o cozimento para a carne


crua, no famoso modelo de Lévi-Strauss que fala da passa-

gem da natureza para a cultura. Nesse caso, convertia-se a


natureza em cultura, da mesma maneira como terra não

cultivada significava, diante do modelo de modernidade e

urbanidade do século XIX, homens incultos e incivilizados.

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O fato é que se constituíam novas sensi- Buarque de Holanda, o imaginário euro-
bilidades com relação à natureza; diante dos peu, até então concentrado no Oriente, se
animais, das plantas e da própria paisagem. volta, maravilhado, para a América. Dá-se,
Afinal, o predomínio sobre o mundo natural portanto, um deslocamento que busca na
e vegetal foi e é, como diz K. Thomas (1988, natureza americana seu lugar de encanta-
p. 19), “uma precondição básica da história mento; encantamento feito mais de ima-
humana”. No entanto, não se trata de anali- gens do que de observações já que nesse
sar mudanças naturais e sim atentar para a momento, como diz Laura de Mello e Sou-
forma como a humanidade racionalizou e za, era bem melhor “ouvir do que ver” (Sou-
questionou tal predomínio que vem se cons- za, 1987; Holanda, 1969).
tituindo em tema vasto e inquietante. Dessa maneira, se desde seus primórdios
Do ensinamento dos estóicos – que acre- a América foi descrita a partir de sua flora
ditavam que a natureza existia unicamente e de sua fauna singulares – sua natureza
para servir aos interesses humanos – às exuberante, sua flora exótica e seus ani-
palavras bíblicas do Gênesis, que determi- mais desconhecidos –, um novo lado apre-
nava que a tarefa do homem “era encher a sentava-se a partir de meados do XVI.
terra e submetê-la”, a natureza pareceu Enquanto em relação à natureza houve um
servir a propósitos diferentes cujo tema processo contínuo de edenização, no to-
comum retomava a questão do controle (1). cante à humanidade as divergências eram
É assim que nas interpretações tardias evidentes. Homens estranhos em seus cos-
do século XVI o predomínio humano tinha tumes (que incluíam a nudez, a poligamia
lugar central no plano divino: o homem era e o canibalismo) e virtudes (“sem fé, sem
o fim de todas as obras de Deus. Claro está lei e sem rei”) conviviam em ambiente
que não estamos aqui para nos ater às escri- paradisíaco, manifesto na grandiosidade da
turas bíblicas ou fazer um balanço de suas natureza (Gerbi, 1996, p. 23). As posições,
interpretações. Ao contrário, no devido é claro, não foram unívocas, isso se pensar-
momento, as doutrinas cristãs seriam reto- mos nos modelos contrastantes do bom sel-
madas para dar força a visões diferentes vagem de Rousseau e do selvagem decaído
das relações do homem com a natureza. No de Buffon, ou degenerado de De Pauw (2).
contexto das descobertas, por exemplo, Mas se “as gentes americanas” sempre
“civilização humana” surgia como uma foram matéria de descenso, com relação à
expressão sinônima da conquista da natu- natureza as posições tenderam a se reafir-
1 Afinal, o paraíso terrestre po- reza. No século XVIII e com o Iluminismo mar, sobretudo quando buscaram na exu-
dia ser interpretado como um
paraíso preparado para o ho- o tema central parecia ser o da vitória do berância e no “maravilhoso” elementos su-
mem, no qual Deus conferiu a
Adão o domínio sobre todas as homem sobre outras espécies. Depois viri- ficientes para representar o novo local.
coisas vivas. No início homens am a caça e a domesticação: o ato humano Nesse processo uma árvore e um riacho
e bestas teriam convivido paci-
ficamente, mas com o pecado fundamental, considerava Buffon, era do- deixavam de ser exclusivamente fenôme-
e a queda a relação se modifi-
caria. Ao rebelar-se contra Deus mesticar o cão. nos naturais. Ao contrário, a natureza, en-
o homem teria perdido seu O fato comum era, porém, a insofis- tendida como um elemento da cultura e da
domínio fácil sobre as espécies
e a terra degenerou. Espinhos mável superioridade dos homens, que os história de cada povo, passa a ocupar um
e cardos nasceram; pulgas, espaço de memória e de reinterpretação.
distinguia dos demais seres: animal políti-
mosquitos e outras pestes odio-
sas assolaram o local. Seria só co (Aristóteles); animal que ri (Thomas Pode ser percebida, dessa maneira, a cons-
após o Dilúvio que Deus teria
renovado a autoridade do ho- Willis); animal que fabrica seus utensílios trução de uma verdadeira mitologia com
mem sobre a criação animal: (Benjamim Franklin); animal religioso relação à natureza brasileira, quando vão
“Temam e tremam em vossa
presença todos os animais da (Edmund Burke) e um animal que cozinha sendo acopladas à paisagem natural visões
terra, todas as aves do céu e
tudo o que é vida e movimento na versão de James Bowell, antecipando culturalmente herdadas a esse respeito.
na terra …” (Gênesis, IX, 2-3). Claude Lévi-Strauss (Thomas, 1988, p. 18). É certo que essa concepção cultural da
2 A bibliografia sobre o tema é Dessa polaridade surgiram modelos e natureza não se conforma no século XIX.
vasta e não parece o caso de
recuar a esse contexto. No li- descrições que fizeram da América, a par- Na verdade, em um processo de longa dura-
vro Racismo no Brasil (2001) tir do século XVI, um local de especial aten- ção, vão se formalizando representações
tive oportunidade de tratar da
questão com mais vagar. ção. É nesse período que, segundo Sergio sobre “a natureza brasileira e seus naturais”

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que tomam uma versão mais oficial no pe- carioca – parecia tratar-se menos de uma
ríodo imperial. Assim, se datam dos primei- investigação crítica. Buscava-se antes es-
ros momentos da descoberta os primeiros tabelecer uma espécie de marco inicial, obs-
relatos que falam dessa natureza exuberante tinadamente perseguido por esses historia-
e tropical, é durante o período monárquico, dores e literatos que, diante das dificulda-
mais particularmente durante o Segundo des de se estabelecer uma referência pré-
Reinado, que podemos entender o uso da portuguesa, viam-se a si próprios como
natureza como emblema da nação: tema agentes privilegiados nessa função, que
central deste ensaio. Com efeito, logo após implicava fundar artisticamente a naciona-
a independência política de 1822, desenha- lidade e criar uma história nacional.
se uma cultura imperial pautada em dois Nesse processo parecia necessário rom-
elementos constituidores da nacionalidade: per com a tradição européia e encontrar dis-
a realeza como centro de civilização; a natu- cursos coesos e coerentes de brasilidade.
reza territorial com suas gentes e frutas como Afinal, como afirmou Antonio Candido em
base natural desse mesmo Estado. “Letras e Idéias no Brasil Colonial”, “como
Para tanto importava menos “ver” e mais a época era de exigente nacionalismo, con-
“imaginar”; deslocar riachos, árvores e sideravam que lutara dois séculos para se
indígenas, tudo em nome da boa paisagem, formar a partir do nada, como expressão de
de uma representação que deveria ser uma realidade própria, descobrindo aos
unívoca. Afinal, como diz Gonçalves de poucos o verdadeiro caminho, isto é, a des-
Magalhães em seu épico Confederação dos crição dos elementos diferenciais, notada-
Tamoyos (1857), “a pátria e seus elemen- mente a natureza e o índio” (Candido,
tos não passam de mero pretexto na confor- 1976b, p. 26).
mação da narrativa”. “Eternos Adãos”, na feliz expressão de
Süssekind (1990, p. 17), caberia a esses se-
nhores nomear, classificar e diferenciar a
produção nacional da estrangeira. E nessas
NATUREZA COMBINA COM gêneses literárias os traços distintivos esta-
riam em seus heróis destacados, em sua
NACIONALIDADE honradez e brasilidade, mas sobretudo na
descrição da natureza tropical: diversa em
Chegamos, assim, ao Brasil do século sua conformação mas uniforme na alte-
XIX e às primeiras tentativas de aí fundar ridade que inaugurava.
uma historiografia literária nacional, ou Boa parte dessa inspiração estaria pre-
mesmo uma representação oficial. Fundar sente no Resumo da História Literária do
uma disciplina – uma forma de conheci- Brasil (1825), de Ferdinand Denis, que real-
mento – implicava, nesse caso, uma desco- çava a propriedade de dois poemas – Cara-
berta da origem da própria literatura e da muru, de Santa Rita Durão, e O Uraguai, de
história nacional em suas diferenças e en- Basílio da Gama –, como modelos de “lite-
quanto dotadas de marcas definidoras de ratura para a literatura do Novo Mundo”,
nacionalidade. que “tira seus assuntos de uma natureza que
Gonçalves de Magalhães perguntava, não lhe é desconhecida”. Posição semelhante
em 1836, sobre qual a origem da literatura seria defendida por Almeida Garret que, em
do Brasil no seu “Discurso sobre a História 1826, pedia para que se pintassem menos
da Literatura do Brasil”. José de Alencar, cenas de Arcádia – “quadros inteiramente
vinte anos depois e nas críticas que faz a europeus” – e mais painéis com as cores do
Magalhães, sugeria que tal fundação ainda país (Süssekind, 1990, p. 282).
não se completara (Süssekind, 1990, p. 16). Tratava-se, portanto, de procurar uma
Na verdade, o que se desenvolvia em nos- “nacionalidade essencial”, uma identidade
sos círculos intelectuais – que nesse con- sem nuanças e feita de continuidades. Nes-
texto restringiam-se basicamente à corte se contexto, a afirmação da unidade nacio-

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nal passava pela seleção da paisagem ame- parte da elite carioca, e a Academia Impe-
ricana e de seus naturais, tomados de forma rial de Belas Artes, produtora de toda a
idealizada e sem que qualquer negatividade iconografia oficial daquele período .
se estabelecesse entre o narrador e suas tra-
mas. É, dessa maneira, na associação entre
dois gêneros, que se dá a fundação de uma
literatura nacional. De um lado a literatura ROMANTISMO E OS TRÓPICOS
não-ficcional de viagem, produzida sobre-
tudo pelo olhar estrangeiro que vem em Não se pode falar do Instituto Histórico
busca dos trópicos (3). De outro, o paisa- e Geográfico Brasileiro (IHGB) sem
gismo, em especial aquele que destaca a vinculá-lo ao contexto imediato da eman-
exuberância tropical ou cenas do cotidiano cipação política, de 1822, e sem deixar de
e, mais especialmente, da própria história lhe reservar um lugar especial como um de
nacional que, nesse momento, é também seus filhos diletos do processo de indepen-
redefinida e sujeita a novo calendário. dência. Afinal, não se pode esquecer da
É, portanto, nesse jogo entre prosa e fic- especificidade de nossa emancipação, no
ção que o discurso sobre a paisagem se im- contexto americano, uma vez que surgia
põe entre o descritivismo mais realista e a uma “monarquia cercada de repúblicas por
postura mais idealizada e exemplar. Entre todos os lados”. O Império brasileiro en-
deslocamentos reais e paisagens imaginá- frentaria, assim, problemas de ordem ex-
rias compunha-se uma representação nacio- terna e interna na sua afirmação: no plano
nal, feita de literatura, história/memória e político, uma monarquia americana era
iconografia oficial. É assim que os docu- vista sob suspeita pelas demais nações do
mentos redescobertos passam a ser a base da continente (4), mas também internamente
ficção e dos novos épicos de cunho oficial, parecia necessário assegurar e – nesse caso
que, por sua vez, servem de pretexto para as – criar uma identidade local.
grandes telas dos pintores acadêmicos, que Dessa maneira, se se pode entender a
também selecionam a natureza como marca fundação apressada, já em 1826, das duas
de originalidade. Dessa maneira a arte surge faculdades de direito no país – uma em
como “mapa unificador, tratado descritivo, Recife, outra em São Paulo – ou mesmo a
3 É conhecida a importância paisagem útil” (Süssekind, 1990, p. 22), reformulação das escolas de medicina em
desse tipo de literatura para a
produção nacional. Analisei
nesse processo que faz da diferença algo a 1830 – afinal, um novo país necessita de
esse tema, com mais vagar, em mais: um ícone de nacionalidade. Como um corpo de leis e de uma nacionalidade
duas ocasiões. No ensaio “Os
Viajantes e a Festa” (Casa de matéria-prima da originalidade a natureza sadia –, mais difícil é equacionar a criação,
Rui Barbosa, 1999) e “O Impé- se convertia em paisagem, em modelo para quase que concomitante, de um estabeleci-
rio das Festas e as Festas do
Império”, in As Barbas do Im- idealização. A própria nação aparecia des- mento dedicado “às letras brasileiras”. Pa-
perador (1998b).
crita como paisagem; uma paisagem só na- recia ser premente a tarefa de dar cultura à
4 Apesar de não se conhecerem
histórias de represália ao regi-
tural e exuberante, longe de uma sociedade nação, estabelecer uma nova historiografia
me brasileiro, ao menos no que que fazia questão de se vestir à européia e apartada da metrópole, assim como dar
tange ao processo de abertura
de relações diplomáticas, a afastava a imagem da escravidão e da vio- lugar a uma literatura com as cores, as gen-
oficialização da independên- lência: falas mudas nesse cenário. tes e a natureza local.
cia brasileira, pelos Estados
Unidos da América, foi moro- Quase sem negros e escravos, o Brasil É assim que, em 1838, tendo como
sa. Enquanto o reconhecimen-
to das demais nações latino- dessa geração parecia retratado a partir da modelo o Institut Historique, fundado em
americanas foi quase imedia- natureza e de seus naturais: todos convi- Paris em 1834 por dois amigos conhecidos
to, no caso do Brasil a oficia-
lização tardou um ano. vendo em um passado não conspurcado pela do Brasil – Monglave e Debret (5) –, for-
5 Debret, por exemplo, chegou civilização. Descobrir o Brasil significava, ma-se o Instituto Histórico e Geográfico
ao Brasil em 1816, logo de-
assim, insistir em um país natural – pitores- Brasileiro, congregando a elite econômica
pois da vinda da família real.
Anos depois seria responsável camente natural; marco aprazível para fa- e literária carioca. É justamente esse recin-
pela formação da Academia
Imperial de Belas Artes, que lar da jovem nação. Nesse processo, duas to que abrigará, a partir da década de 1840,
alterou os padrões até então instituições desempenharão papel funda- os românticos brasileiros, quando – alguns
dominantes e instituiu o acade-
micismo no país. mental: o IHGB, onde se concentrará boa anos depois – o jovem monarca D. Pedro II

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tornar-se-á assíduo freqüentador e incen- mecenas, do sábio imperador dos trópicos.
tivador dos trabalhos desse estabelecimen- Seguindo o exemplo passado de Luís XIV
to. A partir de então, o IHGB se transfor- e de outros monarcas, não apenas formava-
maria em um centro de estudos bastante se uma corte, como elegiam-se historiado-
ativo, estimulando a vida intelectual e fun- res para cuidar da memória, pintores para
cionando como um elo entre ela e os meios gravar e enaltecer a nacionalidade, litera-
oficiais. tos para selecionar um tipo local, símbolo
Na verdade, com a estabilidade do regi- da nossa nacionalidade.
me, as elites que cercavam o monarca pa- Modelos, por certo, não faltavam, mas
reciam ambicionar um projeto maior, que parecia necessário encontrar originalidade
implicava não só assegurar a realeza, como na cópia. O romantismo aparecia, assim, e
destacar uma memória e reconhecer uma aos poucos, como o caminho favorável à
cultura, por suposto particular. Composto, expressão própria da nação recém-funda-
em sua maior parte, pela “boa elite” da corte, da, na medida em que fornecia concepções
que se encontrava sempre aos domingos e que permitiam, ao mesmo tempo, voltar-se
debatia temas previamente selecionados, o aos modelos mais universais mas também
IHGB parecia disposto a cumprir esse pa- – e sobretudo – afirmar o particularismo, e
pel. “Não deixar mais ao gênio especulador portanto a identidade, em oposição à me-
dos estrangeiros a tarefa de escrever nossa trópole, mais identificada com a tradição
história …” (Revista do IHGB, 1839), eis, clássica. O gênero vinha ao encontro, des-
nas palavras do secretário perpétuo, Januá- sa maneira, do desejo de manifestar na li-
rio da Cunha Barboza, a meta desse estabe- teratura uma originalidade do jovem país,
lecimento (6). em oposição aos cânones legados pela mãe-
Se, desde o início, o Estado entrava com pátria.
75% das verbas da instituição, a partir de O projeto literário toma forma, como
1840 D. Pedro passará a freqüentar com vimos, já em 1826, quando Ferdinand Denis
assiduidade as reuniões e o próprio estabe- e Almeida Garret chamavam atenção para
lecimento deixará sua antiga sede para se a necessária substituição dos gêneros clás-
estabelecer no Paço Imperial em 1849. sicos e convenções em favor do aproveita-
Desde então, o Instituto funcionaria como mento das características locais. Os brasi-
uma espécie de “porto seguro”, um estabe- leiros deveriam se concentrar na descrição
lecimento oficial para as experiências des- de sua natureza e costumes, dando realce
se jovem monarca, interessado em impri- sobretudo ao índio, o habitante primitivo e
mir um “nítido caráter brasileiro” à cultura o mais autêntico, segundo Denis (Candido,
local. A participação do imperador não era 1989). Mas foi só mais tarde que o roman-
exclusivamente financeira (7). Através do tismo associou-se a um projeto de cunho
financiamento direto, do incentivo ou do nacionalista. Nesse processo foi decisiva a
auxílio a poetas, músicos, pintores e cien- conversão de um grupo de jovens brasilei-
tistas, D. Pedro II imiscuía-se em um gran- ros residentes em Paris, mais ou menos
de projeto que implicava não só o fortale- entre 1832 e 38, que lá foram acolhidos
cimento da Monarquia e do Estado, como por intelectuais franceses que tinham vi- 6 Para uma idéia mais pormeno-
rizada sobre esse estabeleci-
a própria unificação nacional, que seria vido no Brasil e faziam parte do Institut mento sugiro a leitura de meu
obrigatoriamente uma unificação cultural. Historique (8). Esses mesmos literatos livro O Espetáculo das Raças
(1993), onde analiso com va-
A preocupação maior parecia voltar-se brasileiros publicaram em 1836 os dois gar essa instituição.
não só ao registro e perpetuação de uma únicos números da revista Niterói, consi- 7 Ao contrário, D. Pedro interes-
sou-se pessoalmente pelo cen-
memória monárquica, como, com a conso- derada um marco do romantismo brasilei- tro, tendo presidido um total
lidação de um projeto romântico, para a ro. Seguindo o lema “tudo pelo Brasil e de 506 sessões – de dezem-
bro de 1849 até 7 de novem-
conformação de uma cultura “genuinamen- para o Brasil” os organizadores da publi- bro de 1889 –, só ausentan-
te nacional”. Era assim que se lançavam as cação previam a busca e exaltação das do-se em caso de viagem.

bases para uma atuação que daria a D. Pedro originalidades locais, inscritas em suas 8 O próprio imperador tornar-se-
ia membro do Instituto Francês
a centralidade do processo e a imagem do gentes e na própria natureza. em 1842.

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No título, Niterói, ficava evidente o ro nacionalismo, e como tal passa a escre-
programa nativista, anunciado já no pri- ver sobre o que considera ser as “coisas
meiro número por José Gonçalves de Ma- locais”.
galhães (1811-81), que seria, em futuro pró- Sabia-se muito pouco a respeito dos
ximo, um dos protegidos do imperador. O indígenas, mas na literatura ferviam os ro-
nome pretensamente indígena havia sido mances épicos, com chefes e indígenas
descoberto na narração do francês Thevet, heróicos, amores silvestres tendo a floresta
famoso viajante do século XVI, e tencio- virgem como paisagem. Os antigos dicio-
nava indicar aos brasileiros as fontes de nários de línguas nativas feitos pelos jesuí-
inspiração da nova literatura: a cultura in- tas passaram a ser estimados pois as estro-
dígena e a vegetação, sendo esses dois ele- fes literárias podiam ser entremeadas por
mentos parte de um único cenário natural. termos indígenas. Por outro lado, a nobre-
Nessa revista, segundo Antonio Candido, za que, então, se criava levava logo deno-
advogava-se um espírito moderno que “con- minações tupis, como a garantir a existên-
9 Grande admirador de Maga-
lhães, esse autor participou de
sistiria em romper a coexistência e promo- cia de um “baronato tropical”. A natureza
um importante trabalho de re- ver o triunfo da literatura nacional, que no passa pelo crivo da geografia e os novos
construção histórica sobre a
Inconfidência Mineira. caso brasileiro deveria levar em conta a mapas delimitavam as fronteiras políticas
10 Macedo é mais conhecido por capacidade poética do índio” (Candido, do Império, assim como garantiam, simbo-
seu romance de costumes A Mo- 1989, p. 12). Além do mais, a característica licamente, a originalidade do Estado.
reninha (1844), o primeiro
grande êxito de público da lite- moderada do grupo, em seu desejo de re- O próprio imperador, inspirado por essa
ratura brasileira. Além de sua
carreira como romancista
forma, ajudou na recepção desse projeto, voga, passa a estudar o tupi e o guarani, que
Macedo dedicou-se à em meio a um ambiente ainda preso ao lhe seriam úteis durante os litígios com o
dramaturgia, crônica e poesia.
Foi também secretário do IHGB. neoclassicismo. O importante é que, lidan- Paraguai, na década de 60, e mesmo para
11 Varnhagen não apenas escre- do com noções como autonomia e patrio- que ganhasse uma espécie de liderança do
veu monografias baseadas em tismo, o grupo propunha uma transição movimento romântico (12). Não é à toa que
documentação primária, como
localizou textos inéditos e ela- branda e quase imperceptível. nessa época tenha ficado famosa a frase
borou, entre os anos de 1854
e 1857, a História Geral do Conviviam com Magalhães, Manuel de proferida pelo jovem monarca brasileiro nos
Brasil, uma grande obra em dois Araújo Porto-Alegre (1806-79), Joaquim recintos do IHGB: “A ciência sou eu”. Sem
volumes, na qual construiu um
dos primeiros modelos para se Norberto de Sousa e Silva (1820-91) (9), dúvida uma clara alusão ao dito de Luís
pensar a história nacional. Ao
contrário da maioria de seu
Joaquim Manuel de Macedo (1820-82) XIV, que como ninguém simbolizou em
grupo, Varnhagen possuía uma (10), Gonçalves Dias (1823-64) e Francis- sua pessoa o Estado e a nação.
concepção anti-romântica do in-
dígena, apresentando-o como co Adolfo de Varnhagen (1816-78), um dos
selvagem, cruel, desprovido de fundadores da historiografia brasileira (11).
crenças humanizadas, o que,
a seu ver, justificava as ações É basicamente esse o grupo central que vai
impiedosas dos colonizadores.
passar a freqüentar o IHGB, a partir de 1840, A NATUREZA E OS NATURAIS
12 Era D. Pedro II quem financia-
tendo na revista do instituto – que começa
va, particularmente, projetos de
pesquisa de documentos rele- a ser editada em 1839 – um órgão dileto de COMO SÍMBOLO NACIONAL
vantes à história do Brasil, no
país e no estrangeiro. D. Pedro divulgação de suas idéias. Por outro lado,
também interessou-se pelas o caráter oficial e respeitável desse estabe- Mas se cabia à historiografia formar um
pesquisas de etnografia e lin-
güística americana. Ajudou, de lecimento auxiliou na aceitação do grupo e novo panteão de heróis nacionais e uma
diferentes maneiras, o trabalho
de cientistas como Martius, as do projeto de renovação literária, sobretu- agenda de datas e comemorações distintas
pesquisas de Lund, de Gorceix, do em função da presença constante do da metrópole, foi na área da literatura que
dos naturalistas Couty e Goeldi,
dos geólogos O. Derby, Carlos imperador. Esse, por sua vez, se contribuiu esse tipo de projeto ganhou maior visibili-
Frederico Hartt, do botânico
Glaziou, do cartógrafo
decisivamente para o fortalecimento do dade. Debaixo da proteção direta do mo-
Seybold, além de vários outros grupo, patrocinando as diferentes ativida- narca tomava força o movimento que pre-
naturalistas que estiveram no
país. Além desses, o impera- des, não obstante gerou um certo confor- tendia promover a autonomização da lite-
dor financiou profissionais de mismo palaciano, tolhendo as iniciativas ratura brasileira, sob os moldes do roman-
diferentes áreas como: advo-
gados, agrônomos, arquitetos, mais rebeldes ou alternativas. É, assim, a tismo e da convenção do indianismo. A
um aviador, professores de es-
colas primárias e secundárias, partir da entrada e do mecenato do impera- própria revista Guanabara, fundada em
engenheiros, farmacêuticos, dor que o romantismo brasileiro transfor- 1850 por Porto-Alegre, Gonçalves Dias e
médicos, militares, músicos,
padres e muitos pintores. ma-se em projeto oficial, em um verdadei- Manuel de Macedo, entre outros, em seu

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primeiro número salientava a proteção do No livro, transformado em uma monar-
imperador aos literatos. quia de justos, o Império aparece contra-
Delineavam-se então, as bases de uma posto à colonização portuguesa, terreno da
verdadeira política literária. É nesse con- desigualdade. Mas é a chegada de Pedro II
texto que Magalhães publica A Confedera- a mais aguardada: “Esse infante gentil, que
ção dos Tamoyos (1857), que fora direta- no seu berço pelo sol tropical foi aquecido
mente financiada pelo monarca, e, depois […] e si Pedro lançou do Imperio as bases,
de longo preparo, era aguardada como o Outro o fará subir á mor altura […]” (Ma-
grande documento de demonstração de galhães, 1864, pp. 180-1). Aclamado como
validade nacional do tema indígena (13). um “genio em tenros anos”, que “por voto
Retornando ao modelo de Rousseau do da nação empunha o cetro” (Magalhães,
“bom selvagem”, Magalhães construía, sob 1864, p. 181), D. Pedro II surge no romance
encomenda, o que deveria ser o maior épi- de Magalhães como um messias da paz, um
co nacional centrado na figura dos heróis mensageiro de Deus. É assim que a literatu-
indígenas bem ambientados em natureza ra cede espaço ao discurso oficial e o indíge-
tropical, com seus atos de bravura e seus na transformado em um modelo nobre toma
gestos de sacrifício. Tentando fundir a “ex- parte, mesmo que como perdedor, da gran-
centricidade romântica com a pesquisa his- de gênese do Império. Como um exemplo a
tórica”, esse autor acreditava ser possível ser seguido o indígena surgia como herói e
superar as especificidades regionais para vítima de um processo que o atropelava.
chegar-se a um mito nacional de fundação Nascido livre, morto em liberdade.
(Puntoni, 1996). Apesar do fraco resultado, Como um “fardo da civilização” o Im-
a importância do livro associou-se a seu pério impunha-se por meio da representa-
vínculo institucional. Dedicado ao impera- ção do indígena, mas, também, sobre o
dor, o livro trazia uma trama em que se opu- indígena: sua grande vítima. Nesse épico
nham os colonizadores portugueses vilãos saem destacados dois grandes elementos
aos indígenas naturais e determinados. da nacionalidade. O Estado imperial surge
Inspirada em artigo de Balthazar da Sil- representado como um modelo de justiça,
va Lisboa, publicado em 1834, a obra conta enquanto a natureza americana com seus
a saga da nação tamoio que lutava pela li- naturais compõe o restante da cena. Toda a
berdade contra os agressores portugueses – paisagem retorna ao início da colonização,
caracterizados como selvagens e aventurei- momento em que a escravidão negra não
ros. Mas as oposições não se limitam aos existia e os silvícolas apareciam como
pares acima descritos. Enquanto os brancos emblemas do trabalho e de uma nobreza
podem ser divididos entre portugueses co- não tocada pela civilização.
13 José de Alencar, famoso autor
lonizadores (que parecem representar a im- Além de Magalhães (depois visconde romântico, apesar de vincula-
pureza do ato que transforma uma nação livre de Araguaia), outros autores, como Gon- do indiretamente ao grupo,
teceu sérias críticas ao livro de
em escrava) e brancos religiosos (padres çalves Dias, mereceriam a atenção do im- Magalhães, o que em muito
jesuítas mancomunados com o futuro Impé- perador, a quem parecia não escapar a signi- desagradou ao imperador que,
sob o pseudônimo de “O Ou-
rio), também os indígenas encontram-se ficação nacional de um movimento como tro Amigo do Poeta”, escreveu
no Jornal do Commercio arti-
separados. De um lado os silvícolas bárba- esse. Considerado como o grande autor go de apoio a Magalhães. Em
ros ou (pela sua simplicidade) catequizados; romântico brasileiro, Gonçalves Dias trou- carta datada de 25 de março
de 1880 dizia o imperador
de outro, os aborígines indomáveis e livres xe o indianismo para a poesia. Partindo de ao Conselheiro Saraiva: “[…]
já eu fiz o plano de defeza do
como a natureza. Nessa batalha o par documentos e utilizando-se da pouca et- poema […] eu não abandono
enaltecido é o que lembra a pureza: os por- nografia existente na época, Gonçalves posição de defensor e
elogiador [… ] Talvez seja oca-
tugueses do futuro Império (que represen- Dias cria uma poética inspirada, segundo sião de uma pena florida es-
tam a unidade nacional, mas sobretudo a fé ele, pela própria formação do país: terra crever algumas poesias fazen-
do realçar as belezas da Con-
cristã que se cola ao sacrifício dos nativos), virgem, intocada até os primeiros conta- federação […] não queria que
o Ig [José de Alencar] se empa-
os indígenas não conspurcados pela civili- tos com a civilização. Entre seus Primei- vonasse mais descobrindo um
zação, vivendo de acordo com os ditames da ros Cantos (1847), Segundos Cantos único adversário […] Quanto
a ele, ou se entra no grupo, ou
natureza dos trópicos. (1848) e Últimos Cantos (1851), logo lou- se está fora […]” (Arq. IHGB).

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vados no país, Dias dedicou muitos poe- romantismo, cuja manifestação considera-
mas à América e suas gentes. da a mais “genuinamente nacional”, o in-
Seu poema mais consagrado “I-Juca- dianismo, teve nele o momento de maior
Pirama” (14) trazia para o Brasil o modelo prestígio, alcançando não só a poesia e o
do canibalismo heróico, consagrado em romance, como a música e a pintura. Em
textos como “Os Canibais” de Montaigne 1865 era publicado o romance que se tor-
(1580). Tal qual uma refeição ritual, só se nou uma espécie de ícone dessa geração,
comia o bravo, o espírito indomável livre apesar da inserção contraditória de seu autor
até na morte. É esse o argumento do poema em meio aos demais indigenistas (15). Ira-
de Gonçalves Dias que reconta a história cema, o livro mais conhecido de José de
de um bravo guerreiro tupi, que é feito pri- Alencar, não só trazia os temas e paisagens
sioneiro pelos timbiras, e espera por sua caros ao gênero, como em seu nome (e in-
morte, mas teme pela sorte do pai – velho, vertendo-se as letras) incorporava o ana-
fraco e cego – a quem serve como guia. O grama de “América”.
drama todo retoma a questão da bravura do Seguindo de perto a moda do indi-
herói guerreiro. Diante do choro do jovem genismo era Alencar quem afirmava ser “o
tupi, os timbiras soltam-no: não se mata e conhecimento da língua indígena o melhor
come o covarde. No entanto, o encontro critério para a nacionalidade da literatura”
com o pai é marcado pela decepção. O velho (Alencar, 1996a, p. 84). Em suas obras uma
tupi lamenta a fraqueza do filho e o maldiz. demonstração freqüente dos conhecimen-
É então que o jovem guerreiro se afasta do tos sobre a natureza e os naturais do Brasil
pai e prova sua bravura enfrentando sozi- transparece a ponto de muitas vezes o cará-
nho os timbiras. Esses, reconhecendo o ter didático de seu texto impor-se em detri-
valor do tupi, concedem-lhe o sacrifício da mento da narrativa. Em Ubirajara (1874),
morte em terreiro. Filho e pai reconciliam- por exemplo, o autor começa o livro com
se: “Este sim que é meu filho amado”. Por uma advertência em que aparecem não só
fim, para garantir a “veracidade” da narra- referências documentais, como alusões à
tiva, Gonçalves Dias coloca na boca de um “alma brasileira” e à “magnanimidade do
velho timbira a memória dos feitos herói- drama selvagem”. Na verdade, com esse
cos: “E à noite nas tabas se alguém duvida- livro (considerado por Alencar como “ir-
va do que ele contava,/ Dizia prudente: – mão de Iracema”) o autor pretendia dar
‘Meninos eu vi’” (Dias, 1957, p. 525). “uma idéia exata dos costumes e índoles
O índio aparece assim como um exem- dos selvagens” (Alencar, 1996b, pp. 12, 13).
14 O título da poesia traduzido li-
teralmente da língua tupi quer plo de pureza, um modelo de honra a ser Para tanto, introduz 66 notas no decorrer
dizer “o que há de ser morto, o
que é digno de ser morto”. seguido. Diante de perdas tão fundamen- de todo o livro (onde descreve costumes
15 As críticas que Alencar fez à
tais – o sacrifício em nome da nação e o indígenas e acidentes geográficos) e inter-
Confederação dos Tamoyos sacrifício entre os seus –, surgia a represen- rompe sua narrativa constantemente, a fim
acabaram por irritar o impera-
dor, que, de alguma maneira, tação de um indígena idealizado, cujas de descrever a paisagem em seus detalhes
se via associado ao projeto. qualidades eram destacadas na construção exóticos: “Pela margem do grande rio ca-
Usando o pseudônimo de Ig,
Alencar afirmava que as índias de um grande país. Mas não era “um índio minha Jaguarê, o jovem caçador […] Os
do livro de Magalhães poderi-
am figurar em um romance ára- qualquer”. Enquanto os aimorés e os tim- veados saltam das moitas de ubaia e vêm
be, chinês ou europeu. Também biras representavam a degeneração e as prá- retouçar na grama, zombando do caçador.
na política Alencar se desen-
tenderia com D. Pedro II. Eleito ticas canibais, os tupis surgiam como mo- […] O rugido do jaguar abala a floresta;
deputado e depois ministro da
Justiça, o literato tanto se opôs
delos de nacionalidade, existentes no pas- mas o caçador também despreza o jaguar,
à política oficial que o monar- sado. Entre literatura e realidade, história e que já cansou de vencer […] É assim que
ca dessa maneira teria se refe-
rido a ele: “É teimoso esse filho ficção, os limites pareciam tênues. No caso, começa esse romance que relato, em ambi-
de padre”. Mas o monarca foi a história estava a serviço de uma literatura ente idílico e integrado, a paisagem natural
à desforra. Apesar de ser o
nome mais votado, em uma lis- mítica que junto com ela selecionava ori- com suas gentes e animais”. Tudo se passa
ta tríplice para o Senado, o im-
perador vetou a entrada de gens para a nova nação. como se a paisagem se constituísse em ele-
Alencar, revelando dessa ma- Foi, portanto, nos decênios de 1850-60 mento fundante da narrativa. No entanto,
neira a força de seu poder
pessoal. que o Brasil conheceu a consagração do para além de um certo didatismo expresso

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nas notas e na bibliografia, a natureza de degenerado como se tornou depois”
Alencar era também criação, uma forma de (Alencar, 1995, p. 27). Peri é a própria re-
não só refletir como de criar identidade. presentação do bom selvagem: forte, livre
Mas voltemos a Iracema, talvez o gran- como o vento, fiel e ético em seus atos. A
de símbolo dessa geração. Nesse romance trama desenvolve-se em torno de dois gran-
a bela “virgem dos lábios de mel” aparece des grupos de tensão. De um lado, Peri
retratada em meio a um passado mitificado, protege a família do fidalgo português, D.
nesse caso, o cenário intocado do Nordeste Antonio de Mariz (pai de Ceci), do ataque
de inícios do século XVII. A obra repre- dos bárbaros aimorés. De outro, ajuda a
senta o nascimento do Brasil, diante, mais desvendar as artimanhas de Loredano,
uma vez, do sacrifício indígena. O casal aventureiro que almejava as riquezas da
central – Martim e Iracema – simboliza os família e Ceci.
primeiros habitantes do Ceará e de sua união Mais uma vez o embate se dá entre no-
resultará uma nova e predestinada raça. Em bres e selvagens. Selvagens são os aimorés
meio à trama, Iracema morre para que seu e os aventureiros brancos. Nobres são to-
rebento Moacir (o “filho do sofrimento”) dos aqueles que têm ou merecem tal título
viva, e Martim deixa as praias do Ceará em função da bravura e altivez de seus atos.
para fundar novos centros cristãos. A partir É assim que o tema da nobreza de Peri sur-
de então deveriam ter todos “um só Deus, ge com freqüência nas páginas do roman-
como tinham um só coração” (Alencar, ce, como a indicar um feliz encontro entre
1996a, p. 175). Mais uma vez distantes do uma nobreza branca, que veio ao Brasil
Brasil do século XIX, tão marcado pela es- oriunda da Europa, com os “nobres da na-
cravidão, heróis brancos e indígenas con- tureza”. É de D. Antonio Mariz a frase:
vivem em ambiente idealizado. Se existem “Crede-me Álvaro, Peri é um cavalheiro
alguns indígenas bárbaros eles se resumem português no corpo de um selvagem”
a poucos grupos isolados. Como os euro- (Alencar, 1995, p. 45). Peri era, portanto,
peus, os silvícolas são acima de tudo no- muito diferente dos demais indígenas “nos
bres. Nobres senão nos títulos, ao menos quais a braveza, a ignorância e os instintos
em seus gestos e ações. Envolvendo a tra- carniceiros tinham quase apagado o cunho
ma, surge a natureza não conspurcada, da raça humana” (Alencar, 1995, p. 218).
marca dos romances de Alencar. “Verdes Descritos como ignorantes, bárbaros e com
mares bravios de minha terra natal, onde instintos canibais, os aimorés representa-
canta a jandaia nas frondes da carnaúba; vam os selvagens que, de tão diabólicos,
Verdes mares que brilhais como líquida es- deveriam ser esmagados pela civilização
meralda aos raios do sol nascente, perlon- (16). Aí estava uma natureza decaída, da-
gando as alvas praias ensombradas de co- quelas que não se miram ou estimam. Muito
queiros” (Alencar, 1996a, p. 11). diferente é a natureza que se afirma em Peri.
Mas as experiências de Alencar com o Em uma terra de passado recente e de uma
indigenismo não haviam começado com nobreza inventada, Alencar recria um pas-
Iracema. Publicado originalmente em fo- sado mítico com seus senhores valentes e
lhetins no Diário do Rio de Janeiro, entre bondosos; indígenas fiéis e honrados; uma
janeiro e abril de 1857, O Guarani ganhava natureza grandiosa como cenário. Trata-se
a forma de livro no mesmo ano. O roman- de um encontro de dignidades: o cavalhei-
ce, como os demais, ocorre no passado, no ro e o selvagem. Mais que isso, Peri era rei
século XVII, às margens do rio Paraíba. nas florestas: “Esse monarca das selvas cer-
Seu principal protagonista é Peri, grande cado de toda a majestade e de todo o res-
herói do livro e par romântico para a loura plendor da natureza”; “no meio do deserto,
e alva Ceci. Já no título – O Guarani – livre, grande, majestoso como um rei” 16 Os aimorés estão para a litera-
tura como os botocudos estão
Alencar pretendia representar o indígena (Alencar, 1995, pp. 280 e 285). Nessa “cor- para a ciência determinista da
brasileiro em seus primeiros momentos de te tropical” nada mais justo do que imagi- época. Representam os índios
“deprimidos e degenerados”,
contato “em um momento de vigor e não nar um rei das selvas, que conviveria e encontrados na América.

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deveria vassalagem, séculos depois, à rea- tura. Compunha-se, assim, música român-
leza dos civilizados. tica mas de base indígena, como a afirmar
Anos depois, em 1870, estrearia com uma identidade ao mesmo tempo universal
êxito, no Scala de Milão, a ópera composta e particular.
por Antônio Carlos Gomes (1836-96), cha- Como se vê, por meio desses e de outros
mada O Guarani, cuja inspiração para o autores, o romantismo no Brasil não foi
libreto vinha da obra de mesmo nome de apenas um projeto estético, como também
Alencar. Tendo seu trabalho também fi- um movimento cultural e político, profun-
nanciado por D. Pedro II (17), a obra de damente ligado ao nacionalismo e ao dese-
Carlos Gomes combinava as normas euro- jo de independência. Diferente do movi-
péias com o desejo de exprimir os aspectos mento alemão de finais do século XIX, o
considerados mais originais em nossa cul- nacionalismo brasileiro pintado com as

17 Os Bragança possuíam uma res-


peitável tradição musical. D. João
VI desenvolveu atividades junto
à Capela Imperial e criou cursos
de música na Fazenda Santa
Cruz, para escravos cantores de
música sacra. D. Pedro I era
músico e compositor mediano.
D. Pedro II, por sua vez, estu-
dou piano e teoria musical e
incentivou essa arte em geral.
A primeira ópera escrita em
português – Marilia de
Itamaracá – foi regida pelo
maestro Gianinni no Teatro Líri-
co Fluminense em 1855. Prova
da penetração do nacionalis-
mo romântico nessa área é a
defesa de que as óperas deve-
riam ser executadas em portu-
guês.

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cores locais partiu sobretudo das elites ca- passado honroso. Por oposição ao negro,
riocas que, associadas à monarquia, esfor- que lembrava nesse contexto uma situação
çavam-se em chegar a uma emancipação humilhante – dada pelo fato de o Brasil ser
em termos culturais. um dos únicos países a ainda contemplar a
Atacado de frente por historiadores escravidão (18) – o indígena permitia pre-
como Varnhagen, que os chamava de “pa- ver uma origem mítica e unificadora.
triotas caboclos” (ver Puntoni, 1996, p. A natureza brasileira também cumpriu
129), os indigenistas brasileiros ganharam, função paralela. Se não tínhamos castelos
porém, popularidade e tiveram sucesso na medievais, igrejas da antigüidade, ou bata-
imposição da representação romântica do lhas heróicas a serem lembradas, possuía-
indígena como símbolo nacional, envolto mos o maior dos rios, a mais bela vegeta-
pela grande natureza local. Interessante é a ção tropical. Entre palmeiras, abacaxis e
resposta de Magalhães diante da acusação outras frutas tropicais, apareciam represen-
de que sua literatura seria fantasiosa e de tados o monarca e a nação, destacando-se
que defenderia os selvagens em detrimen- a exuberância de uma natureza sem igual.
to dos civilizados: “Nós que somos Brasi- Mas o projeto cultural escapava aos
leiros, porque no Brasil nascemos, qual- poucos dos circuitos restritos da corte local
quer que seja a nossa origem indígena, e ganhava a iconografia política. Nas ima-
portugueza, hollandeza ou alemã, fazemos gens da época, o indianismo não só era um
causa commum com os que aqui nasceram modelo estético, como incorporava-se à
antes de nós e consideramos como estran- própria imagem da realeza. É assim que,
geiros os mais homens. Assim fazem todos em um primeiro momento e próximo da
os homens a respeito de seus compatrio- representação barroca, o monarca aparece
tas” (Magalhães, 1864, p. 353). Por fim, circundado de alegorias clássicas e indíge-
além de defender-se das acusações de nas, quase brancos, idealizados em ambi-
18 Não se pode esquecer que
lusofobismo, Magalhães termina suas ex- ente tropical, já após a Guerra do Paraguai nesse momento a pressão pelo
final da escravidão tornava-se
planações concluindo: “A Pátria é uma idéa, será a natureza com seus heróis “naturais”, cada vez mais forte. No entan-
representada pela terra em que nascemos. retirados da literatura romântica, que ga- to, a despeito do contexto po-
lítico adverso, o Brasil seria o
Quanto a origem das raças humanas, isso é nhará a cena. Nesse contexto, são os trópi- último país a abolir a escravi-
dão, fazendo-o somente em
questão de história, pela qual não se regula cos que se transformam em ícone e marca. 1888, após Estados Unidos e
o patriotismo. De resto, o heróe de um Cuba.

poema é um pretexto, uma regra d’arte para 19 Na verdade, a origem da Aca-


demia data de 1816, momen-
a unidade da ação […]” (Magalhães, 1864,
pp. 353-4). A pátria é uma idéia represen- A ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS to da vinda para o Brasil da
missão de artistas franceses, da
qual faziam parte artistas
tada pela terra em que nascemos, assim se renomados como: Jean
advogava essa literatura que se pretendia ARTES: QUANDO O ROMANTISMO Baptista Debret, pintor históri-
co; Nicolas A. Taunay, paisa-
inaugural e elegia a natureza e seus natu- gista; Auguste Taunay, escul-

rais em detrimento de tudo o que antes GANHA AS TELAS E REDESENHA tor; Auguste H. V. de Montigny,
arquiteto; entre outros. Aderi-
existia. Era como um novo descobrimento, ram à missão, algum tempo de-

dessa vez dado em bases que se pretendiam A NATUREZA pois, os irmãos Zeférin e Marc
Ferrez, gravador o primeiro e
escultor o segundo, que che-
naturais. garam ao Brasil em 1817. Em
Fazendo da literatura um exercício de Também na Academia Imperial de Be- 1820 a escola é transforma-
da, por decreto, em Real Aca-
patriotismo, esse gênero ganhava um lugar las Artes – criada em 1826, porém imple- demia de Desenho, Pintura,
Escultura e Arquitetura Civil e
oficial nos planos do Estado. A valoriza- mentada durante o reinado do jovem mo- no final do mesmo ano passa
ção do pitoresco da paisagem e das gentes, narca D. Pedro II –, a vertente romântica, a se chamar Academia de
Artes. Em 1827, finalmente,
do típico ao invés do genérico encontrava que elegeu o exótico como símbolo local, outro decreto mudou o nome
do estabelecimento para Aca-
no indígena o símbolo privilegiado e nos proliferou e adaptou-se ao projeto monár- demia Imperial de Belas Artes.
trópicos seu “lugar natural”. Representan- quico presente em outras áreas (19). No Dos fundadores restavam ape-
nas Debret e Montigny, assim
do a imagem ideal, o indígena romântico plano pictórico, a Academia seria a grande como Felix E. Taunay e os ir-
encarnava não só o mais autêntico, como o responsável por uma transformação bas- mãos Ferrez, que a princípio
não faziam parte da missão
mais nobre, no sentido de se construir um tante radical: aos poucos o barroco é rele- francesa.

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gado a segundo plano e o neoclassicismo do mesmo instituto), Auguste M. Taunay
passa a imperar. Segundo Campofiorito (escultor), Jean Baptiste Debret (pintor de
(1983, p. 13) era “sintomático que, logo no história e decoração e discípulo de David),
início desse período, a necessidade de Grandjean Montigny (arquiteto) e outros
reaparelhamento da nova sede metropoli- funcionários e participantes, o grupo fran-
tana já tenha levado o governo do regente cês era anunciado a partir da diversidade de
Dom João a medidas como a contratação atividades e da especialização profissional
de uma missão de artistas franceses que, de seus membros. A missão trazia, tam-
fugindo à reação católica, monárquica e tro- bém, consigo 54 quadros ingleses e france-
pical às doutrinas estéticas e os preconcei- ses, destinados a dar início a uma pinaco-
tos moralistas da recente revolução burgue- teca local. Com os componentes chegavam,
sa. Esse modernismo laico e progressista, portanto, os desejos de se montar todo um
mas imposto de fora, além de cortar a tra- aparato laico com relação às artes, diferen-
dição colonial de raízes religiosas e barro- te do modelo sacro que se estabelecera
cas, deu início ao ensino oficial de belas desde o período colonial e a intenção de se
artes no Brasil, imprimindo-lhe os cânones impor uma nova “cultura artística”, mais
austeros e acadêmicos que marcariam tão afinada com as vogas européias.
fortemente a evolução de nossa pintura Era nessa época embaixador do Reino
oitocentista”. Unido de Portugal, Brasil e Algarve o mar-
Na verdade, uma certa contenção aca- quês de Marialva, que soube tirar partido
dêmica e o convencionalismo temático aca- do descontentamento que reinava entre os
baram por afastar o ambiente pictórico lo- artistas partidários da revolução de 1789,
cal dos debates que, na Europa, opuseram depois da queda de Napoleão Bonaparte,
neoclássicos, românticos, realistas e expres- agora perseguido pela Restauração. É, por-
sionistas. Aqui, ao contrário, a arte serviu tanto, nesse contexto que Lebreton, desti-
aos desígnios de uma corte mais ligada a tuído do posto de secretário do Institut de
um projeto palaciano e pouco atenta a qual- France, reúne artistas igualmente apreen-
quer traço mais popular. Desde o início, de sivos diante da situação política e que se
fato, o centro representou a adoção de pa- arriscam a enfrentar uma longa viagem e as
drões estéticos e europeus, em contrapo- incertezas diante de um império nos trópi-
sição à tradição anterior, mais preocupado cos. Já do lado da monarquia portuguesa,
em conformar novos modos de produção nesse momento migrada e transladada,
artística: os parâmetros bem comportados parecia importante a criação de uma icono-
do neoclássico francês. grafia oficial que retratasse os grandes fei-
A criação da Escola Real das Ciências, tos da coroa.
Artes e Ofícios teria como tarefa primeira No entanto, a escola só passaria a funcio-
propagar pelo Império uma certa cultura nar, de fato, dez anos depois e mesmo assim
das belas-artes e provocaria um rompimento contando com muitas dificuldades de ordem
a partir da introdução do modelo clássico econômica. Segundo as atas, a Escola Real
francês (tendo à frente a influência de Le- de Ciências, Artes e Ofícios abriu seus tra-
breton), ou o português com Henrique José balhos no dia 13 de agosto de 1816, em ins-
da Silva (que copiou os estatutos da Acade- talações provisórias. Documentos falam da
mia de Lisboa). existência de uma Escola Real, em 12 de
Como efetivação, o estabelecimento re- outubro de 1820. No entanto, é só em 17 de
presentava o resultado imediato da missão dezembro de 1824 que o estabelecimento
francesa que chegara ao Brasil em 26 de recebeu o nome de Academia Imperial de
março de 1816 com o intuito de aqui fundar Belas Artes e apenas em 5 de dezembro de
uma academia de artes. Tendo Joaquim 1826 recebeu um prédio próprio construído
Lebreton (secretário perpétuo da classe das pelo arquiteto Grandjean de Montigny, tam-
artes do Instituto Real da França) como líder bém integrante da missão.
e os artistas Nicolas Antoine Taunay (pintor Foi, porém, apenas durante o Segundo

18 REVISTA USP, São Paulo, n.58, p. 6-29, junho/agosto 2003


Reinado, que a Academia viveu uma situa- tos tornavam presente e reconhecido o gru-
ção mais estabilizada, sobretudo em fun- po dirigente, que passava a expor e divulgar
ção dos auxílios públicos e privados do Im- sua imagem pelo Império afora.
pério. Empreendendo uma política seme- Mas eram, mesmo, os quadros históri-
lhante à do IHGB, a monarquia passou a cos aqueles que mais se destacavam na Aca-
distribuir prêmios, medalhas, bolsas para o demia. Com efeito, na Europa e mesmo nos
exterior e financiamentos, assim como par- jovens estados americanos, a pintura histó-
ticipou assiduamente das “Exposições Ge- rica, norteada pelas propostas neoclássicas,
rais de Belas Artes”, promovidas anualmen- foi usada para a montagem de iconografias
te, ou distribuiu insígnias das Ordens de nacionais. No caso do Brasil, apesar de não
Cristo e da Rosa aos artistas de maior des- ultrapassar os limites da Guerra do Paraguai
taque. Com efeito, já em 2 de dezembro de e de concentrar-se nas grandes datas e even-
1829, Debret, na função de professor de tos da corte, esse tipo de produção alcan-
pintura, organizou a primeira exposição de çou maior repercussão interna, permitindo
arte no país, na qual participaram apenas montar uma iconografia oficial que se apro-
alunos e professores do estabelecimento. É ximava do calendário de “fatos” e “da re-
só após 1840 que as exposições foram aber- criação histórica” que se produzia no IHGB.
tas aos artistas em geral, sendo que de 1840 A Academia serviria bem aos propósitos
a 1889 foram realizadas 26 mostras. Inau- de uma arte grandiosa, onde eventos singu-
gurava-se, assim, todo um calendário e um lares eram transformados em fatos exem-
cotidiano próprio ao estabelecimento que plares e dignos de memória.
começava a reconhecer e premiar suas fi- No entanto, ao lado dos episódios ofici-
guras exponenciais. ais, ganhavam lugar, também, os motivos
No entanto, diante da inexistência de locais – os naturais e a natureza – tal qual
um mercado de arte, a aquisição das obras registros de nacionalidade. Com efeito, na
ficou vinculada à órbita imperial; dado esse Academia a exaltação do exótico, de uma
que em muito condicionou para o perfil bem natureza modelar e do indígena romântico
comportado da produção do grupo, mais tornou-se uma marca na produção pictóri-
dedicado à perpetuação da memória da rea- ca, que traduzia a história em termos mais
leza e da afirmação de uma arte em grande idealizados do que propriamente realistas.
parte alheia às raízes mais tradicionais e É interessante pensar, nesse sentido,
populares e vinculada a um evidente con- como a instituição brasileira ficaria bas-
vencionalismo estético. tante imune à crise que ocorria na Europa,
A própria divisão e conformação da es- envolvendo as demais academias e seu mais
cola e a seleção de programas e cursos com- importante gênero: a pintura histórica.
provam seus vínculos com a elite palaciana. Como se sabe a valorização da pintura his-
Se as aulas com “modelos vivos” eram tórica (que incluía cenas históricas, religio-
motivo para polêmicas (já que os negros e sas e da mitologia pagã) nascera de uma
mulatos que posavam não eram considera- larga tradição do paragone, isto é, da com-
dos modelos de beleza), as classes de “pai- petição entre artes visuais e literatura inici-
sagem” causavam impasses, na medida em ada no Renascimento (Mattos, s.d., p. 4).
que se julgava oneroso retirar os estudantes Não se tratava da pura imitação da natureza
da escola. O certo é que eram as cadeiras de e sim da sua elevação, o que lhe daria a
“pintura histórica” e “retratística” que mais capacidade de exemplus virtutis.
sucesso faziam nesse local. Derivada dessa tradição a pintura his-
Em primeiro lugar, os retratos imperiais, tórica se converteria no grande sustentá-
de personalidades políticas e da elite social culo do ensino acadêmico, o mais nobre
próxima da corte, representavam a oportu- dos gêneros, o alto da escala seguida, de
20 Segundo especialistas, a posi-
nidade mais habitual de trabalho para esses longe, pelo retrato, pela pintura de gêne- ção da pintura de gênero sem-
artistas que já haviam se dedicado a essa arte ro, pela paisagem e finalmente pela natu- pre foi incerta; às vezes apare-
cendo abaixo dos demais gê-
na França. Por outro lado, os mesmos retra- reza-morta (20). neros.

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No gênero histórico, portanto, o quadro sas obras apresentariam uma idealização
deveria apresentar sempre uma única ação da paisagem e da população, coerente com
– de caráter sempre moralizante, realizada o olhar de quem descreve ao longe, sem
em um momento e cenário também únicos. contato imediato com a realidade.
Seu cumprimento ainda é um alto grau de
idealização, já que as figuras retratavam
cenários e heróis destacados em sua virtu-
de moral. Cada quadro como que narrava MEIRELLES, A PRIMEIRA MISSA E O
uma história (uma ação) de maneira que as
personagens que entrassem à esquerda in- BATISMO NACIONAL (22)
dicavam o prelúdio da história e as figuras
à direita o desenvolvimento da trama. Como Nada como recorrer a alguns casos
mostra Claudia Mattos (s.d., p. 5), “o qua- com a intenção de ver mais de perto esse
dro deveria ser lido como um livro, da es- movimento que implicava a idealização e a
querda para a direita e a ação única do herói própria recriação da natureza. Esse é o caso
deveria conter em si todo o desenvolvimen- da obra de Victor Meirelles de Lima que,
to da história”. Essa maneira exterior e em A Primeira Missa no Brasil (1860),
pontual de conceber a pintura explica-se busca passar para a tela uma determinada
em função do caráter exemplar e ideal, concepção contida na famosa descrição de
exigido ao pintor, que não deveria se preo- Pero Vaz de Caminha. Com efeito, todo o
cupar com a reprodução de uma história processo de composição do quadro é um
propriamente dita. exemplo expressivo desse processo de
É por isso mesmo que o interesse cada redescoberta do Brasil, presente em mea-
vez maior na reprodução exata de eventos dos no século XIX. Vinculado ao projeto
históricos – tal como propunha o historia- de construção nacional, empreendido pelo
dor Jules Michelet – e um novo circuito Estado imperial e pelo romantismo nascen-
artístico independente acabaram por expor te, Meirelles selecionou o tema da primeira
os salões da Academia Francesa a intenso missa, dando continuidade, no plano pictó-
debate e desestabilizaram o edifício rico, à agenda histórica que se montava no
conceitual que sustentara, até então, os fun- IHGB que inscrevia um novo calendário
damentos do gênero histórico. O confronto de datas num só vetor de acontecimentos e
maior se daria entre “realistas e idealistas”, que tinha na “primeira missa” o ato funda-
aqueles que optavam pela forma mais vin- dor por excelência.
culada à descrição do ambiente e os outros Como sabemos, a chegada das naves ao
profissionais que, por oposição, seleciona- Brasil seria descrita por um manuscrito de
vam uma cena de forma idealizada e busca- grande valor documental – um relato que
vam enfatizar o caráter moral da pintura narrava passo a passo do dia 21 de abril ao
histórica (Mattos, s.d., p. 2). 1o de maio de 1500 o desembarque nas
Ao que tudo indica, a pintura histórica novas terras. O texto, redigido com eviden-
nacional será largamente marcada por essa te capacidade de observação, estabelecia
concepção idealizante que, se tinha na na- de imediato o elo com a idéia de um paraíso
tureza o seu modelo, devia muito pouco a primordial. De forma retrospectiva é pos-
ela como fonte e realidade. Produtora, a sível perceber na carta a percepção que Ser-
partir de então, de todas as imagens oficiais gio Buarque de Holanda chamou de Visão
do Império, a Academia imporá não só do Paraíso (1969) e que, passando por Jean
21 O imperador auxiliou um total
estilos como temas: o motivo nobre, o re- de Léry a Montaigne, de Montaigne a
de 24 artistas brasileiros no ex- trato altivo, a paisagem exuberante e tropi- Rousseau, daria mote ao tema do “bom sel-
terior, dentre os quais destacam-
se nomes como Pedro Américo cal e a pintura histórica estarão em voga. vagem”, modelo de reflexão alterativa para
e José Ferraz de Almeida Júnior. No entanto, na medida em que foram em que o Ocidente pensasse a si próprio, a partir
22 Nossa análise do quadro de boa parte produzidas no exterior, em fun- de um desenho ideal. Por sua vez, nascido
Meirelles deve muito ao estudo
de Coli (1998). ção da política de financiamento (21), es- da reflexão sobre esse bom selvagem fran-

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cês dos primeiros tempos, o tema seria reto- nação com seu “instante de nascimento”
mado no XIX através do romantismo de (Coli, 1998, p. 111). E insistia Porto-Ale-
cunho oficial, que traria o natural e a nature- gre: “[…] Lê Caminha, pinta e então cami-
za dos trópicos para os livros e para as telas. nha”. Ou então: “Não se esqueça de pôr
Mas voltemos ainda uma vez à carta. algumas embaíbas, que são formosas e
Publicado pela primeira vez em 1817 – na enfeitam o bosque pelo caráter de plantas
Corografia Brasílica de Aires de Casal –, diversas, altas […] Lembre-se bem das nos-
o documento se projeta nesse novo imagi- sas árvores e troncos retos, carregados de
nário histórico do XIX, ganhando lugar es- plantas diversas, altas e com coqueiros e
pecial, como demonstra Capistrano em palmitos pelo meio, pois esses crescem à
1883: “[…] carta de Pero Vaz de Caminha, sombra dos grandes madeiros. Pouco, mas
diploma natalício lavrado à beira do berço característico, mas genuinamente brasilei-
de uma nacionalidade futura […]” (23). Dis- ro” (4/5/1859 – apud Mello Jr., 1982). Ge-
tante da idéia da “descoberta documental”, nuinamente brasileira, assim deveria apa-
que supõe apenas sorte e acaso, é forçoso recer a natureza que ganhava espaço cen-
reconhecer que o documento é editado em tral nos planos de Porto-Alegre, prontamen-
momento estratégico, quando historiado- te seguidos por Meirelles.
res e literatos construíam um passado e Mas o pintor faria mais. Se basearia na
davam sentido à nossa origem. A carta jun- tela de Horace Vernet – Premiere Messe en
tava, em momento ritual, índios (pagãos) e Kabilie –, obra pintada para o Salon de 1855
portugueses (católicos) e dava à igreja a (Coli, 1998, p. 112). Apesar de a obra desse
centralidade necessária a esse processo que último autor retratar um episódio recente –
culminaria com a conformação de um Es- mais exatamente ocorrido dois anos antes,
tado. Tudo surgia descrito e documentado: em 1853 –, da colonização francesa da
os objetos ocidentais, o espanto indígena, a África do Norte, e de o pintor ter participa-
imensa cruz que se impunha à paisagem, o do de todo o evento, alguns elementos apro-
primeiro batismo nacional, um retrato des- ximam esse cenário da cerimônia portu-
se primeiro ritual tropical e católico. guesa em terras americanas, liderada por
Mas nada como retornar à pintura de frei Henrique de Coimbra. Nos dois casos
Victor Meirelles (um jovem e promissor tratava-se de uma celebração de conquista
pintor na época) e seu papel nesse proces- em terra de infiéis, que participavam do
so. Demonstra Jorge Coli (1998, p. 110) próprio ato que se impunha a eles. Por ou-
que Meirelles havia partido para a Europa tro lado, é preciso que se diga, o procedi-
em 1853, em função do prêmio viagem, mento de utilizar citações, dentro da pintu-
distribuído pela Academia de Belas Artes. ra histórica, era considerado legítimo e
Após um período em Roma instala-se em usual. Longe da concepção da “cópia”, o
Paris e é ali, em 1859, que decide pintar A mais relevante era antes chegar ao tipo ideal
Primeira Missa no Brasil. Seu mentor no – à cena idealizada – do que buscar a origi-
Brasil era Araújo Porto-Alegre que, seguin- nalidade e a novidade autoral. Por isso mes-
do o modelo de Denis, juntou atividades mo recorria-se a outras obras com o fito de
literárias e artes plásticas e deu a elas um ganhar em densidade artística e até no para-
cunho nacional. Teria sido ele o responsá- lelo histórico que essas obras fundavam.
vel por fazer com que Meirelles se conta- Além do mais, a pintura histórica era consi-
minasse pelo texto de Caminha: “Leia cin- derada um gênero hierarquicamente superi-
co vezes o Caminha que fará uma cousa or aos demais – como o retrato, a natureza-
digna do país”. morta e a paisagem – uma vez que se enten-
Porto-Alegre destacava ainda a impor- dia que englobava a todos, e não devia nada
tância de que fosse reproduzida uma natu- à observação ou ao apuro histórico.
reza tropical, juntando na paisagem imbaí- O quadro de Meirelles, por sua vez, fiel
bas, coqueiros e palmeiras. A responsabi- às concepções acadêmicas, deveria apre-
23 “O Descobrimento do Brasil”,
lidade era, portanto, de monta: presentear a sentar uma visão mais sacralizada da cena; pp. 238-9.

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mesmo porque estava em questão a constru- feita de árvores majestosas, um único mor-
ção da própria nação. Assim associa-se o ro a adornar e o céu do Brasil.
caso particular com a iconografia mais uni- Modelo épico transplantado para as te-
versal, e o que a pintura perde em “veracida- las, A Primeira Missa ganharia uma popu-
de” e no seu compromisso com a realidade laridade só alcançada por outro pintor,
mais imediata ganha em idealização e em Pedro Américo, que em 1885 realizaria ou-
sua capacidade de realmente “representar”. tro ícone de fundação da história brasileira,
É por isso mesmo que o jovem modela dessa feita imperial. Trata-se de O Grito do
sua obra pautado por uma tela de um pintor Ipiranga, que celebrava a independência
contemporâneo – que descreve outro cená- do Brasil e sua maioridade política.
rio e local –, mas, seguindo os ensinamentos
de Porto-Alegre, “capricha” na caracteri-
zação da natureza local. Pinta como fundo
da tela uma “natureza nacional” jubilosa, PEDRO AMÉRICO E O GRITO DO
em que um “templo natural” substitui a igre-
ja, na medida em que a cerimônia tinha que IPIRANGA: DESSA VEZ NASCE O
se dar ao ar livre (Coli, 1998, p. 114). Sem
grandes edifícios ou monumentos era a na- IMPÉRIO (24)
tureza que aparecia no lugar, substituindo,
com perfeição, a grandiosidade que a cena O debate que opunha noções como
bem merecia. “função e forma” e grupos “realistas” (mais
Além disso, à semelhança do projeto interessados na reprodução fiel de eventos
escrito por von Martius para o IHGB em históricos) a “idealistas” (aqueles que
1857 – “Como Escrever a História do Bra- enfatizavam o caráter moral e ideal da pin-
sil” –, e que representava o Brasil a partir tura histórica) dividia opiniões dentro do
da metáfora de um grande rio “branco”, mundo acadêmico. Como pintor do gênero
alimentado por diferentes afluentes, com- histórico, Pedro Américo – que fora aluno
postos pelas várias raças que no país con- da École des Beaux-Arts e viajava com
viveriam harmoniosamente, também freqüência à Europa – conhecia de perto
Meirelles imprimiria ao ritual a noção de esse debate, apesar de se posicionar a favor
fusão e mescla de culturas convergentes. do gênero tradicional de pintura histórica.
Coerente com o próprio modelo palaciano, O artista tornara-se professor da Academia
o Brasil aparecia representado como um em 1865 e, desde então, mantivera uma re-
império tropical marcado pela convivência lação de grande proximidade com o Impé-
pacífica entre seus naturais: nesse caso rio. Na verdade, as pinturas de Pedro
portugueses e indígenas. É fato que as po- Américo – e sobretudo seus quadros histó-
sições eram desiguais – estando os brancos ricos – falam muito do mecenato imperial
ao centro e os indígenas ao redor – e indi- e do papel desse gênero de pintura dentro
cavam atuações também distintas: a ativi- do projeto nacional e oficial empreendido
dade nas mãos dos europeus e a passivida- a partir do Segundo Reinado. Como um
de no que se refere aos nativos. Mas o fato projeto político estético, a Academia trans-
é que estavam todos lá: os indígenas e os formou-se, com o tempo, em um dos ór-
europeus tendo a natureza a irmaná-los. gãos estratégicos nessa produção acelera-
24 A análise do quadro O Brado
O fato é que a obra apresentada no Salon da de símbolos imperiais.
do Ipiranga está muito pauta- parisiense de 1861 tornou-se uma espécie É nesse sentido que se pode afirmar que
da nas interpretações realiza-
das por Claudia Valladão “de verdade visual do episódio narrado na o quadro Independência ou Morte, pintado
Mattos em dois ensaios: “Algu- carta” (Coli, 1998, p. 115), um ícone defi- em 1888, passou a representar a versão
mas Palavras Acerca do Texto
‘O Brado do Ipiranga’ e de sua nitivo de um momento espiritual e harmo- visual e “real” de nossa maturidade políti-
Ligação com a Tradição Aca-
dêmica” e “Independência ou nioso em que se uniam povos tão diversos. ca e permite avançar a análise dos vínculos
Morte!: o Quadro, a Acade- Ao centro a cruz e a igreja, à esquerda e ao que se estabelecem entre o projeto acadê-
mia e o Projeto Nacionalista
do Império”. centro os índios que integram a paisagem mico e a construção de um imaginário na-

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cional, especialmente a partir de meados ropéia) com elementos típicos da paisagem O Grito do
dos anos 1850. local: índios, abacaxis, folhas de café e de
Mas a obra de Américo insere-se em tabaco. Expressando simbolicamente uma
Ipiranga, de
um momento particular. Após a Guerra do bela fusão, esses elementos evocavam uma Pedro Américo
Paraguai, ocorre uma mudança evidente na nação ao mesmo tempo universal – em seu
iconografia oficial do Império: ao invés de regime – e particular – em seus elementos
centrarem-se exclusivamente na figura do constitutivos.
soberano, as pinturas passam a falar de ce- Chama a atenção, no entanto, como,
nas históricas, eventos e heróis da história após os anos do embate contra o Paraguai,
nacional. Em comum apenas os trópicos. dá-se não só uma mudança evidente nas
Com efeito, logo após a maioridade, no imagens oficiais que retratam o monarca –
âmbito da iconografia oficial, já se estabe- primeiro como um “rei guerreiro” e depois
lecem vínculos estreitos entre o imperador como “monarca cidadão” – como um certo
25 Em As Barbas do Imperador.
e seu império tropical. Mesclavam-se sím- deslocamento do imaginário nacional da D. Pedro II, um Monarca nos
bolos e objetos rituais da casa imperial por- figura do imperador em direção aos heróis Trópicos (1998), pude desen-
volver esse argumento com
tuguesa (e por sua vez da tradição real eu- nacionais (25). Ao invés da figura central mais cuidado.

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do imperador – símbolo de um grande im- um imaginário particularmente brasileiro
pério –, as cenas de batalha, ou as evoca- em sua forma e o artista inclui atributos
ções a passagens presentes nos romances específicos a esse universo exótico tropi-
indigenistas produzidos na época, tornam- cal. A nova estrutura visual, já presente em
se as novas fontes evocativas da nação, ao obras como A Primeira Missa (1860),
mesmo tempo que impõem a substituição Moema (1866) e Iracema (1881) como re-
do modelo alegórico por um modelo narra- ferência pontual a esse mundo, passa a ser
tivo, organizado a partir de uma primeira “cenário” da narrativa. No caso, o artista
ação (Mattos, 1999b, p. 7). À frente não sobrepõe sentimentos patrióticos às quali-
mais o nome, mas o grande feito. dades particulares da paisagem paulista.
O modelo vinha da pintura acadêmica “Há uma dramaticidade encenada nos aci-
francesa, porém, não mais na tradição ab- dentes do terreno, que associam claramen-
soluta – que destacava o rei ao centro da te o sítio ao acontecimento histórico repre-
alegoria – mas na iconografia associada a sentado” (Mattos, 1999b, p. 15), fazendo
Napoleão Bonaparte, sempre vinculado aos da paisagem um pretexto menor diante da
acontecimentos históricos que lhe eram grandiosidade da cena que se apresenta.
contemporâneos. Idealista no conjunto e Sobre o tema diz o próprio artista:
realista nos detalhes, o quadro de Pedro
Américo não apenas fala de um ato pessoal “Para satisfazer o geral desejo de ver repre-
de D. Pedro I, mas recupera o próprio even- sentado o célebre riacho do Ipiranga – o
to de emancipação brasileira como momen- qual na realidade passaria a distância de
to heróico: ritual de iniciação de um impé- alguns metros atrás de quem observa o pri-
rio que então se afirmava. meiro plano – forcei a perspectiva pintan-
O quadro, como o título diz, representa do um simulacro de corrente aos pés dos
D. Pedro I levantando sua espada, bem no cavaleiros do primeiro plano. Desculpe-me
alto da colina do Ipiranga: ato oficial de o público essa quase insignificante violên-
rompimento entre Brasil e Portugal. Junto cia à topografia, considerando a necessida-
ao jovem príncipe vemos os cavaleiros de de de consagrar na pintura a idéia do ribei-
seu séquito, que saúdam o gesto e acenam ro cujo nome tão intimamente ligou-se ao
(26). Ao longo da estrada um caipira se glorioso fato da nossa emancipação políti-
detém com seu carro de boi, a fim de obser- ca” (Américo, 1988).
var a cena histórica. Ele representa a figura
do observador, que guarda a cena em nosso Dessa maneira não só os elementos tí-
lugar: seu momento memorável e idealiza- picos da nação – a vegetação, o casebre, os
do. O pobre caipira vive (real e simbolica- nativos – são selecionados, como “força-
mente) o desnível criado por Pedro Améri- se” a natureza em nome de enaltecer o ato
co, que destaca D. Pedro I acima da colina, glorioso. Mais uma vez natureza e história
26 É o próprio Pedro Américo quem
tal qual uma estátua eqüestre, na melhor se agregam quando se trata de fundar mo-
descreve os personagens: Joa- tradição iconográfica. A composição repõe, mentos inaugurais dessa nação (27).
quim Maria da Gama Freitas
Berquó, João Carlota, João de por sua vez, a estrutura hierárquica do re- Nesse caso, o evento vem à frente e a
Carvalho Raposo, Francisco gime: acima a figura rígida (e quase pere-
Gomes da Silva e, provavel-
natureza é coadjuvante importante na com-
mente, o guarda-roupas João ne) do futuro imperador, abaixo o caipira posição do cenário. Diante de ato tão inau-
Maria da Gama Freitas Berquó.
Depois vinham o marquês de passivo que representa o próprio povo bra- gural, que se desculpem os erros intencio-
Cantagallo, o padre Melchior sileiro. Por sua vez, retomando o modelo nais na topografia, mas tudo vale em nome
Pinheiro e o brigadeiro Manoel
Rodrigues Jordão. acadêmico de realizar pinturas históricas, a da idealização.
27 São conhecidas as rivalidades cena moral da independência surge retrata- Percebe-se, assim, como o projeto que
entre Pedro Américo e Victor
da: é o ato de bravura do monarca que fun- vincula a nação à natureza e seus naturais
Meirelles e as associações do
primeiro com a estrutura oficial da a nação emancipada e uma nova ordem chega à pintura de forma coadunada com o
do Império. Esses vínculos leva-
ram Pedro Américo a experi- política e moral. projeto literário nativista e com a própria
mentar uma certa animosidade Mas um outro aspecto merece a atenção historiografia. Nessas obras, os indígenas
logo nos primeiros anos da
República. de Pedro Américo. Tratava-se de construir passivos e idealizados, colados à paisagem

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tropical generosa, compõem a cena sem Não há olhar livre de cultura e é preciso
alterá-la fundamentalmente. Seja como reconhecer que nossa percepção transfor-
peça essencial – nos primeiros quadros ro- madora é que estabelece a diferença entre
mânticos – seja como coadjuvante em um matéria bruta (ou natureza) e paisagem.
evento histórico, o fato é que a natureza Segundo Schama, ainda, a própria palavra
aparece em paridade com o próprio regi- landscape (paisagem) teria entrado na lín-
me, sustentáculo simbólico de uma gua inglesa, no século XVI, procedente da
dramaticidade histórica que se encena por Holanda. Significava tanto uma unidade de
meio da natureza. ocupação humana – uma jurisdição, na
Esse é também o exemplo de O Último verdade – quanto qualquer coisa que pu-
Tamoio (1883) de Rodolfo Amoedo e da desse ser o aprazível objeto de uma pintura
escultura em terracota de Francisco Manoel (Schama, 1996, p. 20). É nesse sentido que
Chaves Pinheiro, denominada Índio Sim- a identidade nacional, como exemplo um
bolizando a Nação Brasileira (1872). Ne- tanto óbvio, perderia muito de seu fascínio
gro, de origem humilde, Chaves produziu sem a mística de uma tradição paisagística
o documento mais emblemático de sua ge- particular: sua topografia mapeada, elabo-
ração, ao embutir no título de sua obra a rada, enriquecida e selecionada na forma
intenção do projeto indigenista. Com uma da “terra natal”.
postura corporal idêntica à imagem oficial No caso brasileiro, mais particularmen-
produzida por Pedro Américo no mesmo te, o que se procurou demonstrar é como
ano na tela D. Pedro na Abertura da As- existe um modelo de nacionalidade que
sembléia Geral, também conhecida como passa da literatura e da história para as pin-
Fala do Trono, no caso, o indígena de turas. Por outro lado, a representação da
Chaves carrega o cetro da monarquia, ao natureza e da “paisagem”, que refaz uma
invés de sua arma, um escudo com o brasão certa memória, surge ora como elemento
real em lugar de sua borduna. O cocar está central, ora como elemento acessório de
na cabeça, mas é o manto do rei que cobre uma composição. Ela permite, de toda
a “nudez natural” desse “símbolo nobre e maneira, refletir acerca da conformação de
puro de nossa origem”. Meio índio, meio um imaginário em que a natureza passa pelo
nobre; meio selvagem, meio rei, a escultu- rigor acadêmico neoclassicista, que sub-
ra de Chaves sintetiza e torna concretas metia até mesmo a cena paisagística a uma
representações dispersas. Nessa obra como relação convencional e modelar. Era a “pin-
nas demais vemos a natureza e seus natu- tura histórica” que continha o “motivo no-
rais servindo como paisagem, como “obje- bre”, em que a paisagem entrava apenas
to” em que se depositam outras representa- como fundo de composição.
ções. Em questão não está a recuperação Mais paradoxal é pensar como nesse
fiel ou a mais rigorosa descrição. Ao con- império, dotado de uma vegetação exube-
trário, quando a natureza vira paisagem, rante, o ensino da “paisagem” desenvol-
cede lugar à idealização e ao modelo que se via-se entre as quatro paredes de uma sala,
impõe diante da realidade. com vidraças de pó. A natureza virava obra
de imaginação, matéria da memória reali-
zada no interior da escola ou, ainda, nas
viagens ao exterior, que a própria Acade-
PAISAGEM E MEMÓRIA; UMA mia financiava.
É assim uma sociedade europeizada, em
CERTA MEMÓRIA sua conformação política e social, e tropi-
cal/excêntrica, em sua natureza e composi-
Simon Schama mostrou como a paisa- ção populacional, que será retratada nessa
gem antes de ser um repouso para os senti- escola que, didaticamente, recria o Impé-
dos é obra da mente. Afinal, a natureza não rio com um tanto de realidade, muito de
fala e demarca a si mesma, nem se nomeia. idealismo e de imaginação. Não é o caso de

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pensar que tudo era aleatório e que nada do recente. Puros, bons, honestos e corajosos
que se representava tinha a ver com o que os “selvagens” atuavam como nobres no
se conhecia de fato no local. No entanto, exuberante cenário da selva brasileira e em
nesse caso, interessa mais destacar a sele- total harmonia com ela.
ção e revelar como essa iconografia oficial Era Magalhães quem reconhecia que “a
era feita de algumas lembranças e muitos Pátria é uma idéa, representada pela terra
esquecimentos. Usava-se de lentes de au- em que nascemos […] De resto, o heróe de
mento na representação de uma certa natu- um poema é um pretexto […]” (Magalhães,
reza tropical, enquanto obliteravam-se vá- 1864, pp. 353-4). Paralelamente, Pedro
rios elementos presentes em qualquer ob- Américo, em seu pequeno texto sobre a pin-
servação mais etnográfica. Na tela históri- tura Independência ou Morte, afirmava:
ca estavam os indígenas, brancos e até ca-
boclos; faltavam os negros e a escravidão, “No que concerne especialmente ao estilo
que “atrapalhava” qualquer idealização. histórico, o mesmo não consiste na carac-
Para além disso, não se pode esquecer o terização da atividade concreta e imediatez
fato de que esse tipo de produção dialogou das pessoas e ações, nem no simples pavo-
com um rigor estético produzido alhures e near-se externo de um pathos convencio-
participou de forma destacada desse con- nal; tão pouco em verdades naturais indivi-
texto em que identidade combinava com a duais, ou em efeitos retratísticos trivais,
conformação de um imaginário ao mesmo quanto um esquema acadêmico rígido e me-
tempo particular e comum. Comum por- ticuloso […] ou melhor, origina-se como
que a civilização deveria mesmo ser uma uma consequência lógica do sentido maior
só. Particular, na medida em que o contex- e mais geral, que as pessoas retratadas ob-
to era específico e os trópicos, mesmo que tém enquanto representantes de uma gran-
idealizados, revelavam cores, gentes e uma de idéia […]”.
natureza diversa. No entanto, pouco “par-
ticular” foi a produção da Academia. Dis- Como se vê, apesar de apegados a docu-
tanciados dos movimentos europeus de re- mentos, dados e pesquisas territoriais, lite-
novação estética, nossos artistas mantive- ratos e artistas faziam da realidade um pre-
ram-se apegados às raízes acadêmicas de texto narrativo e da natureza um adorno
ensino oficial e absolutamente vinculados que sem precisar ser observado surgia, so-
a uma corte que visava à arte como um bretudo, como “uma grande idéia”, cená-
recurso ilustrativo de sua existência e não rio ideal de uma nação que chegava à ma-
como um diálogo com a realidade social ou turidade e que se afirmava como Estado
mesmo natural. sem ser nação.
De toda maneira, esse tipo de produção Nada como lembrar da popular “Can-
nacional e oficial alcançou grande penetra- ção do Exílio” de Gonçalves Dias, poema
ção, tendo o indígena como símbolo e a no qual o Brasil é descrito por meio de suas
natureza como cenário. Os índios – dizi- aves, de suas belas palmeiras, céus e estre-
mados nas florestas – nunca foram tão bran- las; isto é, através de uma natureza ideali-
cos, assim como o monarca e a cultura bra- zada que surge no lugar das instituições
sileira tornavam-se mais e mais tropicais. políticas e sociais. Como diz Roberto
Afinal essa era a melhor resposta para uma DaMatta (1983, p. 98), trata-se de uma vi-
elite que se perguntava incessantemente so- são de natureza passiva, um domínio
bre sua identidade e acerca de sua “verda- imanente e generoso – a mãe dadivosa –,
deira” singularidade. Diante da rejeição ao uma verdadeira mátria e não pátria, na ver-
negro escravo e mesmo ao branco coloni- são de Antonio Vieira.
zador, o indígena restava como o único Por outro lado, estabelece-se um elo
representante digno e legítimo e a paisa- estrutural entre a natureza e o homem; não
gem surgia no lugar de monumentos histó- o homem degenerado da civilização, mas o
ricos inexistentes em uma nação de origem indígena adornado por um cenário tropical

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impecável. Junto com a visão edênica da portugueses, tal qual um processo natural,
natureza, aparece uma noção mistificada em que restam afastadas as verificações de
do indígena e da fusão entre raças. Basta conflitos, rupturas ou a responsabilidade
ver, na própria carta de Caminha, ou na das instituições sociais.
representação dos primeiros momentos do A natureza surge, assim, tal qual “natu-
país, como se confunde “fundação” com reza-morta”, “dentro de uma moldura e pro-
“descoberta”, como se se tratasse de pro- tegida por vidros” (DaMatta, 1983, p. 116).
cesso natural e sem rupturas: a descoberta O que se destaca é uma visão encantada de
abrigada por uma natureza grandiosa e natureza, lida a partir de lentes naturalistas
naturais hospitaleiros, prontos para a civi- que estetizam o fenômeno e abrem mão de
lização. É como se a terra se oferecesse aos ambientes históricos e conflitos sociais.

Índios
Guaianases, de
Debret

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É por isso mesmo que esses autores, qual, longe da escravidão, bons selvagens
apesar de tão apegados à sua imaginação, comportavam-se como nobres das florestas
muitas vezes cedem espaço ao didatismo entre nobres da civilização. Harmoniosas são
que confere ao romance e à pintura a cred- as relações entre as raças, assim como re-
ibilidade necessária. Viajantes, cronistas, ceptiva e prazenteira é a natureza.
historiadores, nomes como Gabriel dos Apesar das críticas da geração realista
Santos, Rocha Pita, Caminha, Manuel da de finais do século XIX, que viu nessa pro-
Nóbrega saem dos compêndios e entram dução um gênero imaginoso e subjetivo, a
nas notas explicativas que acompanham o representação romântica criou raízes no
texto ou que dão base aos quadros. O índio país. Sua popularidade talvez advenha
nobre teria, sim, existido em um passado menos do que contém de artificial e exteri-
remoto e glorioso e era ele, assim mitificado or e mais de seu processo de invenção, re-
e adornado por uma paisagem que lhe era elaboração e adaptação à realidade dos tró-
inseparável, que inspirava os dramas e picos ou de uma representação estimada
quadros produzidos na Corte. entre nós. Como um bom selvagem tropi-
A história escorrega, assim, para a litera- cal o indígena mitificado permitiu à jovem
tura e para a pintura tendo a natureza e seus nação fazer as pazes com um passado hon-
naturais como foco matricial. A afirmação roso, enquanto uma natureza sem igual
da particularidade se dá pela narrativa histó- anunciava um futuro promissor.
rica, marcada por uma natureza sem igual. Naturais e natureza formam um elo coe-
Nesse caso, portanto, a idealização do mo- so e revestem uma certa memória que se
delo heróico e episódico combina com a faz história; história oficial. Parodiando
particularidade da natureza e de seus habi- Lévi-Strauss, em seu livro O Totemismo
tantes “naturais”. Nada como uma boa sele- Hoje, é possível dizer que a “natureza”, as-
ção que esquece o momento presente para sim como os totens, “sempre foi boa para
eleger um passado perdido no tempo e no pensar”.

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