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NADA SERÁ COMO ANTES – ALDA FERNANDES

NADA SERÁ COMO ANTES...


O que não será como antes? Em relação a quê?

“Não se pode pisar duas vezes no mesmo rio” (Heráclito)

Heráclito foi um filósofo grego cujo conceito de mudança baseou sua linha filosófica.
Considerado o pai da dialética chamou de “devir” a constante mudança: “nada é
permanente, exceto a mudança”. Esse conceito tem sido explorado por muitos
pensadores desde a Antiguidade até a Contemporaneidade.
A mudança é a constante dessa vida, porque tudo muda. Tudo passa. Nada do que
foi será. Segundo o filósofo, em uma de suas frases mais famosas, “ninguém pode pisar
no mesmo rio mais de uma vez”, sugere que como as águas estão sempre em
movimento isso torna-se impossível. As águas obedecem seu propósito, surgir na
nascente para seguir seu curso e desaguar no mar.

Sendo assim a mudança é algo inevitável na nossa vida e vem acompanhada do


mesmo processo do rio. Nascemos e caminhamos para a morte. A partir da nossa
existência já começamos a trilhar o caminho do futuro em direção à nossa finitude.

“A vida é um processo constante de morrer.” (Arthur Schopenhauer)

Para o filósofo alemão Schopenhauer, a vida não tem sentido e o único alívio para o
sofrimento, que para ele também não tem sentido, é a morte. Mas a vida não é apenas
sofrimento e a morte, apesar de inevitável, não impede um viver pleno e abundante.
Morremos bem, quando vivemos bem, por isso o foco não é na morte, mas na vida.

“Por que os dias do passado foram melhores que os de hoje? " Pois não
é sábio fazer tais perguntas” (Salomão – Eclesiastes 7.10)

Poderíamos parafrasear o sábio, dizendo, por que os dias passados foram melhores do
que serão os vindouros? A proposta desse e.book que seria mais um livrinho de bolso,
é justamente refletir sobre isso. O que esperar de um período de incertezas? Como lidar
com o medo do desconhecido? O que significa apego e como isso se torna uma
crença limitante na dinâmica da existência? Nos confrontarmos com nossa
vulnerabilidade, impotência, finitude e também considerarmos mudanças que podem
ser positivas em vários sentidos, especialmente quando nos dispomos a redirecionar
nosso olhar, conceitos e valores em prol de uma vida mais sadia.

Boa leitura!

NADA SERÁ COMO ANTES – ALDA FERNANDES


A música do Lulu Santos define muito bem o momento que estamos vivendo:

“Nada do que foi será, de novo do jeito que


já foi um dia, tudo passa, tudo sempre passará...”

Como foi dito na introdução, a vida é uma constante mudança, mesmo a estabilidade
é instável. Um breve passeio histórico nos permite refletir como padrões e sistemas
acomodados foram transmutados mediante fatos que expuseram sua grande
fragilidade. Olhar o passado nos ajuda a entender o presente e perceber o futuro.
MARCOS HISTÓRICOS
A História vivenciou acontecimentos que foram divisores de águas, no sentido de
imprimir características e mudanças no curso da civilização.
A Idade Moderna (1453 a 1789) foi marcada por grandes transformações, na religião,
cultura, economia e ciência.
 As grandes navegações, ou a expansão dos mares (século XV) provocou
mudanças no modelo econômico. O feudalismo em declínio abriu espaço para
o capitalismo, destacando-se: o metalismo (riqueza de um país medida pela
quantidade de metais preciosos que possui); os monopólios comerciais; política
de balança comercial (importar menos, exportar mais).

 A reforma religiosa liderada por Martinho Lutero desafiou a submissão absoluta à


igreja possibilitando ao povo questionar a religiosidade e a fé, trazendo uma
proposta de liberdade espiritual a partir de uma conscientização pessoal e não
à subserviência imposta por sistemas teocráticos.

 Os movimentos sociais de relevância cultural como o renascimento, com figuras


como Leonardo da Vinci e Michelangelo, revolucionaram as artes e a ciência.
O mundo aparece como cenário das ações humanas; os 1mecenas
financiavam e protegiam os artistas, cientistas e literatos, dignificando e
popularizando a arte.

 O Iluminismo (movimento intelectual e filosófico) mudou a forma de pensar da


sociedade contestando o regime 2absolutista se consolidava com a prerrogativa
de que “os fins justificam os meios”, segundo um de seus maiores teóricos,
Maquiavel.

 O avanço da ciência contribuiu muito para expansão da vida urbana, com


amplo desenvolvimento nos campos da Astronomia, Engenharia, Matemática,
Anatomia, Biologia, no contexto do Renascimento Científico. Invenções como
automóvel, imprensa, lâmpada elétrica, máquina fotográfica, avião,
implementaram novos conceitos que influenciaram os sistemas de mobilidade e
comunicação.

1 Mecenas eram pessoas prósperas que patrocinavam artistas.


2 Absolutismo – o poder era concentrado nas mãos de uma pessoa, o rei, ou grupo de pessoas

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Como podemos ver, o mundo acostumado às velas, lamparinas e tochas iluminou-se
com a eletricidade, não havendo mais como recuar.

A Contemporaneidade (1789 até os dias atuais) teve na Revolução Francesa um marco


divisor entre a Idade Moderna e a Idade Contemporânea ou Pós-modernidade,
abrindo novas perspectivas políticas com o slogan “Liberdade, Igualdade,
Fraternidade”, fundamental na nova visão de mundo. Outros eventos alteraram
drasticamente a vida do ser humano, entre eles:
 A revolução industrial (séc. XVIII e XIX) desencadeou o fim dos privilégios da
aristocracia e a libertação do camponês do clero e da nobreza.

 A crise na bolsa de NY (1929) suscitou a falência de empresas e do setor industrial


e agrícola provocando desemprego em massa e pobreza.

 As duas guerras mundiais. A primeira (1914-1918) provocada por atritos de


grandes potencias e alicerçada pelo grande desenvolvimento industrial que
gerou a corrida armamentista. A segunda, conhecida como a Grande Guerra
(1939-1945) redefiniu o equilíbrio de poder mundial. Algumas consequências
foram: redesenho do mapa político da Europa e do Oriente Médio; queda do
capitalismo liberal; criação da Liga das Nações; ascensão econômica e política
dos Estados Unidos.

 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Documento que define os


direitos básicos do ser humano. Esses direitos básicos visam a promoção de uma
vida digna para todos os habitantes do mundo independentemente de
nacionalidade, cor, sexo e orientação sexual, política e religiosa.

 Guerra Fria (1945-1991). Derrota do socialismo; ascensão do capitalismo em todo


o mundo; grande desenvolvimento e avanço tecnológico; modificação do
mapa-múndi, com o surgimento de novas nações. Desenvolvimento de um clima
de medo relacionado à possível destruição do planeta pela guerra nuclear.

 Corrida espacial. Começou como uma espécie de competição entre duas


superpotências – A URSS em 1961 com a nave Vostok enviou o primeiro tripulante
humano a orbitar a Terra, Yuri Gagarin, provando o que já se suspeitava com sua
famosa frase: “a Terra é azul”; os USA em 1969, através da Apolo XI, aportou na
Lua, evento imortalizado por Neil Armstrong ao declarar: “Este é um pequeno
passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade”. A corrida
espacial com suas conquistas gerou a “necessidade” da exploração do espaço
não apenas como expansão de poder, mas desenvolvimento de recursos
tecnológicos que influenciam praticamente todos os sistemas de comunicação
atuais.

 Outros processos como a corrida armamentista; expansão da globalização,


manifestações terroristas, o neoliberalismo e a crise ambiental são também
marcos da contemporaneidade.

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COMO VOLTAR A SER O MESMO DEPOIS DE EVENTOS COMO ESSES?
COMO RETROCEDER?

O que quero dizer é que não há como o mundo ser o mesmo depois, por exemplo, de
um holocausto. Os memoriais afirmam isso, a necessidade de não esquecer para não
tornar a acontecer. Hoje sabemos como a manipulação política aliada à intolerância
pode ser perigosa. Apesar de movimentos radicais ainda existirem, a humanidade
repudia esses conceitos e assim se torna mais precavida.
A abolição da escravatura, nos USA em 1808; na Inglaterra em 1833; no Brasil em 1988
com a Lei Aurea (o último país nas Américas a declarar a abolição), demandou que o
ser humano fosse considerado e respeitado independente de sua cor ou raça. Sendo
assim o mundo foi constrangido pela consciência ou pela Lei a olhar seu semelhante
diferente como seu igual. Infelizmente o racismo ainda existe, mas se tornou crime, um
grande avanço para o surgimento de uma sociedade mais igualitária.
A humanidade que parou para contemplar o homem pisando na lua se deu conta
que entrou no futuro. Os últimos 40 anos se passaram numa “máquina do tempo” onde
tudo ficou acelerado, cada dia uma nova conquista, uma nova invenção. Ninguém
mais usa telefone convencional, os aplicativos ganharam mercado e aquilo que
parecia filme de ficção começa a se tornar realidade cotidiana.

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Os ataques terroristas, especialmente o de 11 de setembro, assistido por milhões de
pessoas alterou o comportamento e normas de segurança. Ou seja, a vida não foi mais
a mesma depois desses acontecimentos.
Há coisas que metamorfoseiam a rotina, os conceitos, as percepções, a vida e os
hábitos. Fatos que transformaram o mundo, as ideias, os comportamentos, os valores
e as relações.
O ano de 2020 provavelmente se tornará um marco histórico, o antes e o depois do
COVID19. Sim, pela razão de que esse é acontecimento no período da pós
modernidade com abrangência, influência e consequências em todo o planeta e
para todos os seres humanos. Alguns afetados de forma mais direta, outros de forma
indireta, mas de algum modo todos são coparticipantes desse momento. Não há
como se alienar, se esconder dessa situação, pensar que não tem nada a ver com isso.
Tem! Assim como no passado o mundo foi abalado os exemplos citados, assim também
jamais será o mesmo depois de um vírus protagonista da possibilidade do caos mundial
que se espalhou pelo planeta. Há coisas antes do COVID19 que serão alteradas
drasticamente depois do COVID19. Estou preparado para essas mudanças? O que eu
desejaria que não mudasse? o que eu desejaria que mudasse? O que eu tenho medo
que mude? Essas perguntas são importantes para nos prepararmos e nos adaptarmos
às mudanças com menos resistência. Provavelmente As máscaras se tornarão
acessórios quase obrigatórios durante um tempo, demonstrando que não se trata de
gostar ou não gostar, mas de comprometimento pessoal e comunitário. Possivelmente
vários protocolos devem ser implementados no comércio e atividades no sentido de
garantir a segurança da população.
A PERGUNTA QUE FAZEMOS É: COMO SERÁ O PÓS VIRUS? RUIM? BOM?

Obviamente o COVID19 é algo muito ruim, ninguém, em sã consciência, pode achar


que um vírus mortal é um instrumento positivo, todavia se descortina a possibilidade de
se extrair do caos um novo estilo de vida, mais sadio e construtivo. Esse passeio histórico
me faz pensar no texto bíblico no livro de Lamentações 3.21 “Quero trazer à memória
o que pode me dar esperança”. Ou seja, da mesma forma que acontecimentos
drásticos no passado ceifaram vidas, destruíram sonhos e provocaram sofrimento, o ser
humano também foi se adaptando e se reinventando. Essa crise pode ser vencida com
a expectativa de que algo positivo faça parte das consequências e não apenas o
saldo negativo de tristeza e dor.

NADA SERÁ COMO ANTES, POIS O ANTES JÁ FOI, O ANTES CHEGOU AO SEU
PRAZO DE VALIDADE.

Como diz a música, tudo passa, tudo sempre passará. Então porque esse apego?

EU SÓ QUERO QUE TUDO VOLTE AO NORMAL.

Que “normal” é esse? O grande anseio das pessoas em sair do isolamento é a


esperança no retorno à normalidade na expectativa de que tudo volte a ser como
antes, mas isso, me parece não ser possível. Vivemos um período em que a única

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certeza é a incerteza. Estamos tateando em busca de uma solução, um remédio, uma
vacina para destruir algo que nenhuma bomba atômica pode matar.

O medo de perder o controle, de não saber como será 2021, 2022, 2023... a
impossibilidade de planejar o mês, o semestre, o ano, nos remete a uma impotência e
nos deixa, como direi, a mercê do destino. Interessante é que o controle é ilusório, pois
na verdade nunca tivemos o controle de nada. Do dia para a noite o cenário pode
mudar, seja por um acidente de trânsito, por uma chuva repentina, ao tropeçar numa
escada... enfim tudo o que planejamos pode ser alterado de repente, sendo assim, o
controle que pensamos ter nada mais é do que uma mera referência.
Me perguntaram: o que você diria para alguém nessa situação de crise, o que esperar
do futuro? Eu diria: não espere o melhor, nem o pior, espere algo diferente. Numa
época de inseguranças, preocupe-se apenas com o presente.

“Tem solução? não se preocupe! Não tem solução? Não se preocupe!”

Esse dito popular mostra que a preocupação excessiva não resolve problemas. O que
resolve são atitudes em busca de soluções. Quando não há solução, também não há
porque se angustiar, sendo assim por que não crer que algo bom pode acontecer, ou
que de alguma forma uma opção virá? Sofrer por algo que apenas imaginamos que
pode nos acontecer é potencializar e antecipar o sofrimento.
Perceber que não temos nenhum controle é libertador. “Quem de vocês, por mais
ansioso que esteja, é capaz de prolongar, por um dia que seja, a duração da sua
vida?” (Lucas 12.25). Nosso trabalho é cuidar, prevenir, proteger, planejar, mas nada
disso garante nossa segurança. Nesse momento de crise e incertezas a fé no cuidado
e amor de Deus faz toda a diferença. Eu me lembro da frase de uma mulher holandesa
que foi levada ao campo de concentração por ter cometido o crime de ajudar e
esconder judeus, na ocupação nazista. Ao ser questionada sobre sua paz ela disse: “O
único lugar seguro é o centro da vontade de Deus” (Corrie ten Boom – livro Refúgio
Secreto). A certeza que Deus está no controle traz paz ao nosso coração, mesmo
diante das adversidades. É fácil? De jeito nenhum! É possível? Com certeza.

ENTÃO O QUE O FUTURO NOS RESERVA?

Não há necessidade de olhar as incertezas do futuro com pessimismo. Tudo indica que
a economia, os relacionamentos, trabalho, costumes, conceitos serão afetados, enfim
muita coisa pode mudar, mas não necessariamente por algo bom ou ruim, apenas
diferente. O mundo é cíclico, vemos isso na natureza, o sol se põe em um lugar para
nascer em outro, a planta morre para outra nascer, o ciclo da vida é uma dinâmica
de nascimento morte nascimento, sendo assim deveríamos estar acostumados a
ver coisas desaparecerem e outras surgirem. Eu sou do tempo da máquina de escrever
e era chato quando errava pois tinha que apagar com uma fita ou com uma caneta
borracha; depois veio a máquina elétrica e finalmente, aleluia, o computador, então
o saudosismo de algo que marcou minha vida tomou o seu devido lugar, se tornou
história. O apego ao passado constrói crenças limitantes que nos impede de buscar
novas possibilidades no presente e futuro.

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Não será culpa do vírus se algumas profissões desaparecerem, iriam desaparecer
mesmo, entretanto novas profissões estão sempre surgindo. Pessoas perderão seus
empregos, todavia pessoas perdem empregos diariamente, assim como também
surgem novos empregos e empreendedores todos os dias. O perigo é colocarmos
nossa estabilidade emocional no apego a algo que podemos perder, ou melhor, algo
que já não é mais ou, provavelmente, não será igual. Isso mexe com nosso bem estar,
com nossa estabilidade, com nosso comodismo, com nossa pseudo segurança. O que
podemos fazer é encarar esse novo tempo com desafio e adaptação.
Certamente muita gente vai mudar seu estilo de vida, seus valores, seus apegos. A
recomposição da relevância das coisas pode desenhar um novo cenário. Por exemplo,
hoje, abrimos o armário, não para escolher a roupa que vamos sair, mas a roupa
confortável que vamos vestir para ficar em casa. Talvez as próximas referências nas
nossas aquisições não sejam baseadas no estilo, moda, aparência ou status, mas no
conforto, durabilidade, utilidade, qualidade. Talvez possamos nos ver mais como
consumidores sadios do que como consumistas desenfreados. Talvez possamos usar
nosso tempo sem compromete-lo tanto com correrias, responsabilidades, pressões,
demandas, mas possamos encontrar muito mais espaço para o descanso, cuidado
com a saúde, para os relacionamentos, para o próximo, para o lazer,
autoconhecimento, meditação. Talvez o futuro nos traga um estilo de vida diferente
do que estávamos acostumados, mas que pode nos surpreender positivamente. Afinal:
O que nós realmente precisamos? O que nos faz felizes?

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CRISE PROVOCA MEDO, E O MEDO PROVOCA TORMENTO

O dia a dia normal já carrega uma sobrecarga de demandas, problemas e questões


corriqueiras, e a crise pode maximizar sensações que aumentam o sofrimento. O medo
é o gatilho que desencadeia uma série de sentimentos que ceifam nossas energias e
provocam dor.
O momento que estamos passando pode contribuir em muito para gerar ou exacerbar
aflições, por isso precisamos estar atentos e identificar quais são os estopins da nossa
angustias para tentar combate-los e assim minimizar os efeitos. Verifique se você se
identifica com o quadro anterior e comece já a rejeitar o que pode estar contribuindo
para a manutenção ou desenvolvimento de um desequilíbrio emocional.
“O medo produz tormento”, é o que diz a Bíblia na primeira epístola de João 4.18 e, “o
perfeito amor, lança fora o medo”. Isso significa que quando acreditamos no amor de
Deus por nós, quando nos dispomos a ser veículos do amor de Deus ao próximo,
quando experimentamos a prática do amor diário por nós mesmos e pela justiça, o
medo vai perdendo o vigor, e a ingerência nas nossas vidas e sentimentos.

AS AMBIGUIDADES DA CRISE

A pandemia gerou uma dicotomia


em vários segmentos, concretos e
subjetivos, nos afastando e nos
aproximando.

Por exemplo, o isolamento social


instaurado como fator de proteção e
minimização do contágio tem
servido para demonstrar a
necessidade e relevância do
contato físico nas relações
interpessoais. Mesmo com todo o
afastamento, o mundo nunca esteve
tão conectado, tão participante
como agora.

Pessoas que não se enxergavam,


nem se cumprimentavam, acenam
umas para as outras das sacadas de
suas casas, de suas janelas. Gente
postando vídeos e participando de
lives de ginástica, música, reflexão,
curiosidades, informação, arte,
compartilhamento, testemunhos.
Parentes, amigos e até estranhos se
reúnem on line para comemorações, fóruns, celebrações. Artistas se apresentam com

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o interesse de alentar, consolar e animar o público; museus abrem seus acervos;
editoras disponibilizando literatura; artesãos, cheffs, artistas, atletas, e todos aqueles
que possuem alguma habilidade ou boa vontade estão compartilhando
conhecimento... enfim, parece que o mundo está dizendo: isolados, mas não solitários.
A frieza mercantilista, materialista, consumista, abre espaço para um espírito solidário
que tem se manifestado nessa pandemia. Pessoas passaram a se preocupar com
desconhecidos que até então eram invisíveis em suas vidas. Movimentos de ajuda
começaram a brotar aqui e ali. Um bilhete, escrito por um jovem, passado por baixo
da porta de um casal idoso, oferecendo-se para fazer compras; doações de máscaras,
cestas básicas, material, roupas; milhares de indivíduos de diferentes raças, condição
social, credo, postura política, estendendo a mão ao próximo. Profissionais das mais
diversas áreas disponibilizando ajuda a quem precisa. Enfim, atitudes grandes e
pequenas que fazem toda a diferença tornando a empatia algo palpável.

A descrença se uniu a fé em um diálogo em busca de respostas científicas, técnicas e


espirituais para lidar com a mesma questão. Não se trata de religião nem de vertentes
doutrinárias, mas o que pode trazer alívio e esperança.

O QUE MUDOU OU PODE MUDAR EM NÓS?

O que tenho considerado é que crises existem desde sempre. A mortalidade, a fome,
o desemprego, a solidão sempre foram uma realidade. Vejamos os dados abaixo:
 Com base nos relatórios do Departamento Nacional de Trânsito-Denatran,
apenas no Brasil morrem 50 mil pessoas por ano em acidentes de trânsito, o que
significa 136 óbitos por dia. De acordo com levantamento feito pelo Datasus,
departamento de informática do SUS (Sistema Único de Saúde), as doenças do
aparelho circulatório foram responsáveis por 356.178 mortes no ano de 2018, uma
média de 965 pessoas por dia.

 Em 2019, segundo o IBGE, 12,8 milhões de brasileiros estavam desempregados e


11,5 milhões de trabalhadores sem carteira assinada.

 Segundo um relatório da ONU (2018) uma em cada nove pessoas no mundo


passa fome. São 513,9 milhões na Ásia, 256,1 milhões na África e 42,5 milhões na
América Latina e no Caribe.

 De acordo com a Organização Mundial de Saúde - OMS, há aproximadamente


17 médicos para cada 10 mil habitantes no Brasil, mal distribuídos pelo território
nacional. Em 2017, o Conselho Federal de Medicina-CFM, em pesquisa pelo
Datafolha, declarou que o aumento do número de leitos é a terceira
necessidade mais citada pela população entrevistada. Problemas como
demora no atendimento, despreparo, má administração, falta de agilidade nas
emergências, atendimento pouco humanizado, foram alguns dos problemas
citados também.

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 Segundo a OMS, uma pessoa se suicida no mundo a cada 40 segundos. Estima-
se que esta é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre
15 e 29 anos. Entre os fatores de risco estão os transtornos mentais, uso de drogas,
situações culturais, familiares e sociais, bem como experiências traumáticas.
Hoje, com o CONVID19, muita gente evoca esses dados e se questionam: por que só
agora a preocupação com a mortalidade, com o desemprego, com a solidão, com a
tristeza, com a fome, com a miséria? Isso não existia antes? Sim, como mencionamos
acima, o cenário sempre foi muito drástico. Campanhas de conscientização e
prevenção são realizadas anualmente por entidades comprometidas no sentido de
reverter os índices e diminuir os riscos. Todas essas coisas não são produções exclusivas
do novo corona vírus, mas de um mundo deteriorado, contaminado, descontrolado.
Entretanto, a compreensão dessa realidade é capaz de provocar mudanças positivas,
tanto no contexto externo como interno.
O que muda não é a situação, é o nosso olhar.

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O QUE MUDOU? SE COLOCAR NO LUGAR DO OUTRO MUDA A GENTE.

O que mudou e o que sempre nos muda é nos colocamos no lugar do outro. O COVID19
unificou e nivelou, de uma certa forma, a todos, pois todos estamos sujeitos a pegar a
doença, todos estamos vulneráveis. O vírus não escolhe raça, condição social, religião,
cultura, fama, idade, gênero. Quando pensamos que algo que acontecia “longe” da
gente pode acontecer perto ou mesmo com a gente, isso altera nosso olhar o
desviando do nosso centro e o redirecionando em direção ao outro.
Problemas econômicos e sociais que normalmente afetam uma classe menos
favorecida ou com oportunidades profissionais limitadas, estão atingindo também
empresários, profissionais liberais, servidores, autônomos... Isso promove um
questionamento sobre a fragilidade dos nossos sistemas, a desigualdade, e ausência
de opções na hora da crise.
Depressão, solidão, tristeza, desespero, desemparo e medo, sentimentos não muito
comuns a um círculo grande de indivíduos que, agora, começam a experimentar certo
pânico ao se defrontar com uma ameaça que não dá indícios de estar controlada,
nem ser dominada em curto prazo.

TEM ALGUMA NOTÍCIA BOA?

A notícia boa é que passamos a pensar mais no coletivo. Nossas reivindicações e


posicionamentos podem ser expandidos e considerar mais os sistemas de prevenção
de problemas do que soluções emergenciais. Passamos a reconhecer nosso papel
como integrantes participativos de um sistema. Estava passando pelo calçadão de
Icaraí (RJ) por esses dias e olhei para o mar. Impressionante! A água, normalmente
escura e suja, estava transparente. Tartarugas e peixes. O céu limpo, a atmosfera
respirável. Me deu até um certo pesar ao pensar: será que depois da quarentena as
pessoas vão voltar a danificar a natureza? Pensar que o ser humano é responsável
direta ou indiretamente pelo caos fica cada vez mais claro, e assim, a possibilidade de
um reposicionamento conceitual e prático. Talvez se importem mais em cuidar da
saúde, saneamento básico, educação do que com armas conquistas. Há uma chance
de desprendimento da dependência virtual e mais investimento nas relações pessoais.
O mundo das artes será visto de uma forma mais equilibrada onde o valor não está no
preço da obra, do show, mas está no que pode produzir em nós. Outra excelente
percepção é o reconhecimento do trabalho do pessoal nos serviços essenciais, que
estão se expondo todos os dias para que a população possa cumpri a quarentena e
as recomendações dos Órgãos competentes. Que possam ser valorizados. Eu desafio
você a continuar com a lista. O que pode ser uma boa notícia para você?

De repente nós percebemos que estamos no mesmo barco e quando


estamos no mesmo barco a primeira reação é remar juntos.

Quero ressaltar que isso é uma constatação e não uma crítica. Infelizmente ficamos
tão envolvidos no nosso contexto que não atentamos para a problemática alheia. Tal
não se dá, necessariamente, por indiferença ou omissão, mas por não fazer parte da
nossa vivência cotidiana. Somos constantemente, também, expostos à banalização

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da desgraça e assim nos acostumamos a ouvir notícias ruins, como se isso fizesse parte
da normalidade. Uma pandemia nos desperta para realidades que ouvíamos
acontecer com outros, nos desafiando a sair da zona de conforto.

O QUE MUDOU? SERIA A CONSCIÊNCIA DA NOSSA FRAGILIDADE E


IMPOTÊNCIA?

“Porque quando estou fraco então sou forte” (2 Coríntios 12:10). Existe uma força na
debilidade, ela revela algo inibido ou tamponado dentro de nós. Diante da nossa
impotência e vulnerabilidade podemos encontrar recursos que nem sabíamos que
tínhamos e, assim, desenvolve-los. Isso acontece com a conversão do olhar,
desviando-se do problema para a solução; abandonando valores supérfluos e
adquirindo valores mais subjetivos. O olhar sai do micro para o macro, ou seja, não
pensamos apenas em nós mesmos, nas nossas dificuldades, frustrações, demandas,
mas no geral, bem como em qual é nosso papel na sociedade em que vivemos, no
mundo em que habitamos, no universo. Perguntamos então: qual é meu propósito?
Qual é a minha relevância? Onde coloco minha fé, minha energia, meus sonhos?
Alertar a consciência é o primeiro passo para uma mutação interna. Tenho ouvido de
clientes e também em conversas, depoimentos de pessoas que estão se conhecendo
melhor, descobrindo recursos pessoais e talentos.
Uma mulher que vive de forma muito simples com várias pessoas numa casa pequena
me perguntou: “o que posso fazer para olhar pra mim, para investir em mim, para ter
tempo para mim”? A primeira coisa é se valorizar, acreditar que você tem valor.
Segundo, tire um momento para você. Avise sua família ou com quem está confinada,
que “todos os dias vou tirar uma hora (você determina o tempo que deseja ou pode
dispor) para mim”. Nesse período, descanse, leia, assista um programa, participe de
algum curso, faça uma meditação, cuide-se com carinho. Faça isso não apenas
durante a quarentena, mas torne um hábito. Terceiro, tente fazer algo que achava não
ser capaz. Quarto, faça o possível, dentro do que está ao seu alcance, mas creia que
o impossível, as vezes, também acontece.

O impossível dos homens é possível para Deus. (Lucas 18.27)

Não sei como será meu futuro, não sei como será o futuro daqueles que amo, e muito
menos sei como será seu futuro, ou o futuro da humanidade, mas uma coisa eu sei, o
Deus já está nesse futuro.

SEMELHANÇAS ENTRE A GRIPE ESPANHOLA E A COVID19

A 3gripe espanhola foi uma pandemia que perdurou de 1918 a 1919 atingindo vários
continentes. O saldo foi de 50 milhões de mortes no mundo. Os sintomas eram febre,
dor no corpo, coriza, tosse. Nos casos mais graves, os pacientes apresentavam graves
problemas respiratórios, até mesmo, problemas digestivos e cardiovasculares. Não se

3
Fonte: informações extraídas https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-03-16/em-1918-gripe-espanhola-espalhou-morte-e-panico-e-
gerou-a-semente-do-sus.html)

NADA SERÁ COMO ANTES – ALDA FERNANDES


sabe exatamente as causas da doença, mas estudos indicam que foi uma variação
da influenza, que contaminou aves e estas contaminaram o ser humano. Apesar de
levar o nome de “gripe espanhola” não foi originada na Espanha, todavia recebeu
esse nome pois a grande divulgação da doença foi através da imprensa espanhola.
A origem do vírus estima-se que pode ter sido no Reino Unido, China ou Estados Unidos
(visto que o primeiro caso registrado foi lá, num campo militar). Como a pandemia foi
na época da 1ª Guerra Mundial, se espalhou rapidamente. No Brasil ela chegou em
1918, contaminando mais de 300 mil pessoas e estima-se que ceifou cerca de 35 mil
vidas, entre elas o presidente eleito Rodrigues Alves, que não assumiu porque morreu.
A classe mais pobre foi a mais atingida pois os abastados se refugiaram em suas casas
de campo, distantes dos grandes centros. Não haviam caixões suficientes e as
pessoas, com medo da contaminação, deixavam os cadáveres do lado de fora para
serem recolhidos e jogados em vala comum. O despreparo profissional e falta de leitos
e hospitais contribuíram muito para o caos.
As providências foram tomadas: isolamento social, fechamento do comércio, escolas,
órgãos públicos; prática de higiene; proibição de eventos públicos de caráter cultural,
religioso, festividades e uso obrigatório de máscaras. Foi instituída uma moratória, visto
que as pessoas não podiam honrar seus compromissos. No ano de 1918 todos os
estudantes foram aprovados. Com certo atraso, distribuíam remédios e alimentos,
improvisavam enfermarias em escolas, clubes e igrejas e convocam médicos
particulares e estudantes de medicina.

A população em pânico procurava as farmácias em busca de remédios e as receitas


eram as mais variadas: água tônica de quinino, purgantes, balas a base de ervas,
cachaça com mel e limão (possivelmente foi assim que descobriram a caipirinha).
Como consequência o Governo de Epitácio Pessoa sancionou uma decisiva reforma
na estrutura federal de saúde, que de diretoria passou a Departamento Nacional de
Saúde Pública (1920). Esse departamento, de escopo nacional, começou a atuar
efetivamente no combate à lepra, à tuberculose, à malária e às doenças venéreas.
De forma indireta, a gripe espanhola plantou a semente do Ministério da Saúde, que
surgiu em 1930 (como Ministério dos Negócios da Saúde e da Educação Pública),
quanto a do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição de 1988.

Abruptamente a pandemia desapareceu deixando um alerta que vem sendo


esquecido. Cuidar do ser humano (higiene, bem estar, atendimento, prevenção,
igualdade, justiça) investir na ciência, na educação, no meio ambiente, ou seja,
priorizar a vida. Quem sabe, o CONVID19 pode nos deixar esse legado...

Que assim seja!

NADA SERÁ COMO ANTES – ALDA FERNANDES

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