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TEMPO DE
NAMORAR
dedicatória:
ÍNDICE:
CAPÍTULO l :
SOBRE O TEMPO
O tempo é mesmo revoltado. Quando não é sol quente, é
tempestade ardente. Que tempo desconcertante! Talvez eu
compre um desconfiômetro para dar de presente ao tempo.
Por falar em tempo, que horas são? Dez minutos para meia-
noite. Eis outro tempo confuso. Como não bastasse o tempo
(estados atmosféricos), olha o tempo (medição da duração dos
fenômenos) a controlar a minha vida com seus ligeiros segundos!
Este tempo também precisava de um desconfiômetro. É tão
chato que acelera seu rítmo só para nos contrariar. Quer a
prova?
* * *
Gostou? E como vai você? Todo começo parece chato. Com o
tempo a gente se acostuma e acaba se identificando com certas
situações.
Gostaria de me intrometer em sua leitura. Há séculos que
alguns poucos autores se permitem a travarem um colóquio com
seus amigos leitores. Estou com alguns problemas e você é a
pessoa que poderá me ajudar a galgar todas as barreiras
narradas por esse autor chato -- que me criou só para ser sua
cobaia. Um revoltado!
Você nem imagina o tanto de gente enxerida que existe no
mundo. Talvez você também seja uma delas e ainda nem
percebeu isto.
Prosseguindo com o nosso cordial diálogo (não é sempre que
um personagem fictício consegue romper a barreira do mundo
imaginário para dialogar com alguém real), mais uma vez imploro
pela sua ajuda. Continue lendo, torcendo por mim, ajudando-me
a superar os obstáculos dessa minha adolescência, sendo
aquele ombro amigo sempre presente nos momentos mais
difíceis.
Nesse instante, você deve estar meio confuso, talvez não
entendendo a minha súplica. Peço que continue lendo, mesmo
que você esteja achando esse começo de narrativa bem xarope.
Prometo que será uma emocionante viagem pelo vale da
imaginação. Em se tratando de um personagem tímido, como eu,
é bom ir preparando um pacote de lenços descartáveis. Evidente
que vou sofrer muito nas mãos desse escritor.
Ah! mais uma coisa: se você conseguir chegar até o final da
história, prometo-lhe dar uma bala de caramelo. Promessa de
gente fictícia. Combinado?
Idéias de Gênio
Perda de Tempo
Olha o Tempo!
Olha o tempo!
Tempo de chuva.
Sabor de uva.
Na loucura do tempo.
Em busca do futuro ...
Que tempo burro!
Tempo de vento.
Agita o orvalho.
Balança o galho.
De tempo em tempo.
Olha a brisa!
Algo reprisa.
No ritmo do tempo.
Na carona da lua cheia.
Coração pego por uma sereia.
Acariciar o tempo.
Dizer a verdade.
Recheá-lo de amizade.
Tempo de veracidade.
Sair do mundo dos sonhos ...
Acordar para a realidade!
* * *
E aí? Gostou do primeiro capítulo? Tenho plena certeza de
que você não entendeu nada da minha história. Não desanime.
Tudo tem seu tempo, e o começo é sempre assim: estranho,
enfadonho, incompreensível.
Quando você se aprofundar no âmago da história -- cobaia da
imaginação desse intolerante escritor -- verá como a gente perde
tempo na vida, deixando as oportunidades e os bons momentos
escaparem pelas entranhas dos dedos.
Pelo conteúdo que você leu, já dá para ter uma idéia de como
sou: acanhado, desanimado, às vezes brincalhão e bobamente
apaixonado por alguém. Aguarde mais um pouco e você saberá
quem é esse alguém. Por que esse maldito escritor não me criou
como sendo um personagem corajoso, desses playboys que
vivem cercados de belas loiras de olhos azuis, um carro
conversível turbinado e uma carteira cheia da grana?
É preciso que você continue lendo. Se eu carecer de um
ombro amigo, onde o encontrarei? Na poeira silenciosa,
acumulada numa pilha de livros sobre uma prateleira qualquer de
alguma biblioteca?
É importante que você conheça a minha história e participe
dela, amparando-me da narrativa melancólica e despeitada
desse escritor desajustado. Vai ser uma parada dificílima que, se
não unirmos nossas forças, não faço idéia aonde esse barco
furado poderá se atracar.
CAPÍTULO II
PROVA DE MATEMÁTICA
Após um domingo daqueles de enfastiar qualquer cristão, juro
que estava morrendo de saudades da segunda-feira. A semana
havia apenas começando. Tratei logo de pular da cama. Dei uma
rápida ida ao banheiro e corri até a cozinha para preparar e
saborear aquele apetitoso café da manhã.
Olhei no relógio. Ainda faltavam dez minutos para às sete
horas. Terminei rapidamente de escovar os dentes. Peguei
minha bolsa escolar e saí ligeiro, pedalando a Escavática - minha
bicicleta azul - seguindo rumo à escola.
Ao entrar no pátio externo da escola, observei um certo
nervosismo estampado no semblante de alguns colegas de
classe. Logo descobri a razão de todo aquele temor: a prova de
matemática com o professor Petrusco. Março era um mês muito
corrido, farto de provas mensais e inúmeros trabalhos escolares.
Não tinha medo de provas; apesar de ter sido reprovado duas
vezes: na terceira e quinta série. Curiosamente, essas duas
séries eram de números ímpares e primos.
Ainda bem que nunca fui uma pessoa supersticiosa, senão
estaria preocupado em reprovar novamente, porque estudava na
sétima série: um número ímpar e primo. Isola!
Próximo ao estúdio de som, Mariana conferia os últimos
exercícios de matemática com as suas amigas Fernanda,
Tatiana e Alessandra.
Na extensa mesa verde-escura, onde os alunos tomavam a
sopa no recreio, Guilherme implorava “pelo amor de Deus” para
Eduardo lhe explicar alguns exercícios de matemática, quando
apareceu a dupla de espertalhões.
Fernando, juntamente com Pedro, formavam a dupla de
espertalhões da minha classe e aprontavam de tudo um pouco.
Sempre saíam ilesos de suas artimanhas.
__ Você sabia que o Guilherme faltou da escola na semana
passada para ir fazer as unhas em Ribeirão Preto? Perdeu a
aula de matemática; agora, fica aí, nesse desespero todo --
caçoou Fernando, sentando-se ao lado do pobre rapaz.
__ Cuidado hein, Guilherme? Se você repetir, o seu pai já
prometeu que vai tirá-lo da escola e colocá-lo para trabalhar na
oficina mecânica do Calão -- avisou Pedro, tapeando-lhe de leve
as costas.
Guilherme sorriu, levando na esportiva, e foi conciso com a
dupla:
__ Tudo bem, galera. Já sei o que pretendem com esse
elogio. No recreio prometo repartir o lanche com vocês.
__ É assim que se fala, Guilherme. Na prova pode contar
comigo e com Pedro. E pare com essa bobagem de estudar.
Pode ficar tranqüilo que vamos passar para você aquela cola de
números -- garantiu Fernando.
Pedro confirmou a promessa, balançando a cabeça para cima
e para baixo. Guilherme com um olhar confiante agradeceu-lhes
pela permuta, apertando as mãos da dupla:
__ Combinado, gente boa.
Fernando e Pedro pegaram as suas bugigangas – não havia
melhor adjetivo para caracterizar o estado lastimável em que se
encontrava o material escolar da dupla - e, saltitantes, foram
procurar outra vítima. Não havia mais tempo para matutar nada.
Beeem ...
Soou o primeiro sinal de entrada para a sala de aula. Não
perdi tempo e corri para a fila. Não pela pressa de realizar a
prova. Havia algo muito especial e mais interessante para ser
apreciado: uma princesa!
A prova
Guilherme em apuros
Beeem ...
Soou a campainha da escola, avisando o término da primeira
aula. Alessandra foi a primeira a terminar a prova e sair da sala
de aula. Quem não aprovou aquela atitude foi Mariana que,
sentava atrás da Alessandra, tirava xerox da prova da amiga com
os olhos bem esguelados.
Aproveitando a iniciativa da Alessandra, também entregaram
a prova: Eduardo, Henrique, Tânia ... No meio da segunda aula,
restavam apenas seis alunos: eu, Guilherme, Mariana, Fernando,
Pedro e Tatiana.
Tatiana sentava atrás de Mariana; Guilherme, a três carteiras
atrás de mim, e tinha ao seu lado direito Pedro e Fernando. O
professor Petrusco continuava sentado, olhando em direção ao
fundo da sala.
A quinta questão da prova parecia um desses quebra-
cabeças. Havia dois problemas de inequação do primeiro grau a
serem resolvidos. Li e reli o enunciado do problema várias vezes.
Demorou um pouco para cair a ficha. Com certa dificuldade,
consegui transformar o enunciado numa estrutura matemática
numérica compreensível.
__ Guilhermeee ...
Que susto! Gritou o professor Petrusco, soltando o seu berro
amedrontador.
__ Entregue-me já esse papel -- ordenou o professor
Petrusco, flagrando Guilherme com a cola na mão.
Fernando, sentindo-se ameaçado, cutucou Pedro e
cochichou:
__ Sujô, mano. É melhor a gente cair fora daqui.
Levantaram-se ligeiros, deixando o barco afundar com
imperícia de Guilherme. Fernando e Pedro deixaram a prova
sobre a mesa do professor e saíram de mansinho da classe.
O pobre do Guilherme emudeceu e ficou com o semblante
rubro. O professor Petrusco prosseguiu com sua corriqueira
ladainha:
__ Já disse que quero o papel, Guilherme. Está esperando o
quê?
__ Não sei de papel algum, professor. O senhor deve ter se
enganado -- defendeu-se Guilherme, usando de artimanhas
aprendidas com os espertalhões.
__ Não sou cego, garoto. Vi muito bem você copiando alguma
coisa de um pedaço de papel que estava sobre a sua carteira --
objetou o professor, batendo forte com a mão esquerda sobre a
mesa de Guilherme.
__ O senhor está enganado, professor?
__ Olha aqui, meu rapaz. É melhor você me entregar essa
cola, senão seremos obrigados a fazer uma visita ao diretor da
escola. Será que fui claro?
Guilherme demostrava um grande jogo de cintura para
resolver problemas, com exceção dos problemas de matemática.
Seria difícil o professor Petrusco encontrar alguma prova
concreta contra o garoto espertalhão. Calmo e mais tranqüilo,
levantou-se da cadeira e retirou do bolso dianteiro direito um
pedaço de papel, e exclamou eufórico:
__ Olha aqui o papel que o senhor está procurando! Veja se
isso se parece com alguma cola!
O professor Petrusco, desconfiado da autenticidade, pegou o
papel em mãos e leu em voz alta:
__ “Alessandra, sétima série A: ser apenas amigo não basta,
o amor que sinto por você é eterno e infinito. Seu admirador”.
Não tente me enganar, Guilherme. Quero o papel que estava
sobre sua carteira -- insistiu o professor Petrusco, insatisfeito
com aquele bilhetinho arranjado de última hora.
Enquanto a discussão prosseguia no fundo da sala, Tatiana
passou a quarta e a quinta questões para Mariana. Através de
gestos estranhos, Tatiana perguntou se eu queria a resolução de
alguma das questões. Com o dedo indicador, dispensei a ajuda.
No fundo da sala, professor Petrusco insistia em pedir o tal do
papel ao Guilherme. Aquela intriga já estava virando uma novela:
__ Como pode um papel sobre a mesa aparecer no bolso de
sua calça em fração de segundos? Nem mágico seria capaz de
tal proeza -- admitiu o professor, completamente baratinado e
incrédulo.
Guilherme mantinha os olhos esbugalhados, com ar de
espanto. Parecia estar perdendo o controle da situação,
demonstrando-se um certo nervosismo ao tropeçar em algumas
sílabas quando tentava se defender:
__ É mu-muito simples, professor. Peguei o papel e o coloquei
no bolso dianteiro da minha calça.
Professor Petrusco, impaciente, coçou a cabeça. Toda vez
que ele fazia aquele gesto, sempre tomava alguma atitude
amarga, incisiva.
__ Pode até ser que o senhor esteja dizendo a verdade,
rapaz. Mesmo assim, é melhor prevenir do que remediar. O
senhor acaba de ganhar um ponto a menos em sua média
bimestral. E caso encerrado -- finalizou o professor Petrusco,
dando o veredicto final.
__ Isso é injusto! -- queixou-se Guilherme.
O garoto estava cutucando onça com vara curta. Ah! se o
professor Petrusco estivesse naqueles dias de tempestades
torrenciais. No mínimo levaria uma suspensão da escola por uma
semana.
Indiferente ao protesto de Guilherme, o professor Petrusco
sentou-se em sua cadeira e dirigiu o olhar atento em direção a
Tatiana, a qual entregou-lhe a prova e deixou a sala de aula.
Guilherme foi o próximo a se retirar da sala, e saiu rezingando:
__ Isso é injusto! Injustíssimo!
Eu também já havia terminado de fazer a prova. Inspirado
pela sensualidade de Bruna, aproveitei o silêncio para concluir a
composição de mais um poema. Mariana foi a penúltima a sair
da sala de aula.
O professor Petrusco, estranhando minha demora, voltou-se
para mim e perguntou-me:
__ Você está com dificuldade em alguma questão, Léo?
__ Não, professor. Já estou terminando o último exercício.
Matemática Canção
Beeem ...
Soou a campainha da escola, avisando o término da segunda
aula.
__ A aula terminou, Léo -- avisou-me o professor Petrusco,
olhando para o seu arcaico relógio de bolso.
Anexei uma cópia do poema e entreguei a prova. Será que o
professor Petrusco iria gostar?
Seja qual for a obra de um autor, a inerente ansiedade de
saber a opinião alheia é esmiuçada a pó, quando sobrevem a
uma crítica destrutiva e injuriosa. Somente com a opinião de um
público, o autor poderá fortificar a sua auto-avaliação e
enriquecer seu trabalho com melhor qualidade.
Um poema, um conto ou qualquer obra de arte que expresse
sentimentos, não é uma mera pedra imóvel esquecida numa
gruta escura qualquer. É o sangue que corre nas veias do
coração e alimenta o corpo de energia e vitalidade.
Esta poesia revela todo o meu sentimento em relação à
matemática. A matemática que encanta o mundo com a sua
razão:
Olha a aula de matemática,
na adição!
Olha a fração!
Olha o professor Petrusco,
na subtração!
Olha a expressão!
Olha a matemática,
que multiplica
a nossa emoção!
A matemática da vida,
do coração.
* * *
Atualmente, ninguém quer mais saber dessas brincadeiras
infantis. A moda é o video-game, a internet. Talvez, seja por isso
que as crianças de hoje são tão obesas. Além de ficar o tempo
todo estacionadas diante da telinha da tevê, também são meras
comilonas, num vício compulsivo e voraz.
Na contramão, as mulheres perfeitas -- vitrinas da moda --
chegam ao extremo da magreza, sujeitando-se a cumprir dietas
absurdas, trancando a boca e o estômago para as maravilhas do
mundo: chocolates, sorvetes, doces e mais chocolates.
Você acabou de ler o segundo capítulo. Foi legal, não foi? Eu
sabia que esse escritor melhoraria a sua narrativa. Bem que ele
poderia ter aliviado aquele ponto a menos na minha nota
bimestral. Eu só estava apreciando a beleza singular de Bruna.
Também, quem mandou ela resmungar? -- só podia ser a
imaginação desse escritor.
Se você encontrá-lo a esmo em algum lugar de nosso querido
planetinha azul, diga-lhe que o Léo anda muito aborrecido com
ele. Se, por acaso, o escritor perguntar quem é o Léo, mande-o
catar coquinhos e ir para o raio que o parta!
CAPÍTULO III:
AMOR A PRIMEIRA VISTA
O motivo que me levava correr para fila, quando soava o sinal
de entrada, era uma história muito longa para ser contada; daria
um bom romance. Para ser sucinto, evitando entrar em detalhes,
só posso adiantar que se tratava de uma paixão ardente, dessas
que nascem de um amor à primeira vista e depois vai se
transformando num martírio; pois se apaixona perdidamente pela
garota e fica sem saber o que fazer para conquistar a atenção e
o amor dela. Ainda mais sendo tímido, como eu!
O nome da garota que eu gostava era ...
É cedo para revelar a identidade dela. Ainda há muitos
capítulos pela frente. Se a coragem permitir, comprometo-me a
dizer o nome dela antes de terminar este capítulo. Vamos partir
do princípio: do momento em que se originou essa paixão.
O ano passado ela estudava na sétima série. Foi na segunda
quinzena de setembro daquele ano, que o cupido flechou meu
coração, florescendo essa paixão doentia. Era a final de vôlei
feminino do intercalasse promovido pelos professores de
educação física da minha escola. A final tinha sido realizada
entre a sexta série B do período da tarde e a temível sétima série
A do período da manhã. Uma batalha de arrepiar os cabelos!
Imagine a existência do nada. Nada além de uma imagem
incolor, desprovida de atenção e afeto. É idêntico afirmar que o
amor é cego, e essa cegueira é proporcional à indiferença.
Simplesmente, nunca havia sentido nada de peculiar por aquela
garota. Quando a via caminhando pelo pátio da escola, meus
olhos desprezavam aquele rosto tão belo, voltando-se para outra
direção.
Tinha um amigo que a venerava como uma deusa; vivia o
tempo todo falando nela. Todavia, aquela ilusão nunca havia
passado pela minha cabeça. Meu amigo desistiu dela e arrumou
uma namorada, dando um pouco de sossego para meus
ouvidos.
Às vezes, o destino é cruel, e nos envolvem em cada cilada!
Como diz aquele velho ditado: “quem cospe para cima acaba
caindo em sua própria cara“. Foi justamente por essa garota que
acabei me apaixonando.
Tudo começou no jogo entre a minha classe e a dela. De
repente, sem qualquer explicação, desprendeu em meu peito um
sentimento noviço: um amor imaturo. Certas pessoas acreditam
no amor à primeira vista; outras, porém, acham isso um absurdo.
Acredito no amor à primeira vista a ponto de ter sido alvo dele.
A mágica da paixão me encantou e invadiu o meu coração,
construindo nele o seu casulo. Aquele amor à primeira vista não
era efêmero, mas perene, sublime. Novamente a inspiração
invadiu meus pensamentos com um poema notável:
Amor a primeira
vista,
você olha:
pisca-pisca.
Não é fácil,
muito menos difícil.
Pisca-pisca,
e lá está o amor
a primeira vista.
Pisca-pisca,
alguém vê.
Risca-rabisca,
na tela da TV
Um charme,
ao saber piscar.
Muitos ensaios,
para não errar.
Olhe no espelho
e comece a ensaiar.
Pois, no baile
de hoje à noite,
você vai ter que só:
piscar, piscar ...
O Bichinho do Amor
* * *
Prezado ombro amigo, a vida é assim mesmo: cheia de
esperanças e sonhos. Esse negócio de ser adolescente é um
tanto complicado. Há pouco tempo, eu era um garotinho
triquetraz, daqueles habituados a incendiar a vizinhança com
travessuras e outros molecagens infantis. Uma alegria infinita.
Não pensava noutra coisa na vida, a não ser brincar.
Agora, na flor da juventude, já havia perdido grande parte de
minha alegria em razão dessa timidez maluca, sem sentido.
Talvez, você seja alguém muito extrovertido, e esteja pensando
nesse momento: “que cara mais idiota é esse Léo! Chega logo
nessa tal de Daniela e pronto. Diga que quer ficar com ela ...
quer namorar ... casar ... sei lá, o quê mais! Resolva essa
questão de uma vez por todas. Se der certo, deu. Se levar o
fora ... bem, o mundo está cheio de novas garotas”.
Que bom se esse escritor pensasse assim. Não estaria aqui
nesse instante conclamando, suplicando, a sua ajuda.
Esse escritor bem que poderia facilitar a minha vida, sendo
mais objetivo, acabando de uma vez por todas com esse clima
de suspense e incerteza. Quando afirmo que o todo poderoso
está me usando como cobaia, parece que você não acredita em
mim.
Continue lendo. Só assim me sentirei mais seguro para seguir
nessa minha via-crúcis. Quem sabe, juntos conseguiremos
vencer meus medos, minha timidez e convencer o escritor a ser
mais bondoso comigo.
Namoro No Escuro
Tempos Modernos
Vida Diferente
Corri para o banco.
Corri para a casa.
Corri contra a semana.
Havia chegado meu primeiro final de semana,
demasiadamente ocupado. No sábado à noite, realizei várias
entregas pela cidade. Ainda deu tempo de servir o aglomerado de
fregueses que ocupavam todas as mesas de cimento.
A minha vida mudou completamente. Não tinha muito tempo
disponível para ficar à toa. O pouco tempo que tinha de folga,
usava para fazer as tarefas da escola ou algum poema bem
peculiar.
De repente,
muda a vida
da gente.
Muda a vida
da gente.
Vida diferente!
* * *
Estimado ombro amigo. Um dos momentos mais importantes
da adolescência é a escolha da profissão. Ficar sem trabalhar por
muito tempo acaba tornando-se insuportável viver no mundo
moderno. A não ser que você possua um gênio da lâmpada de
Aladim para bancar os seus anseios materialistas. Tenho de
agradecer ao escritor por ele ter arranjado um emprego para mim,
apesar do sufoco e da canseira ...
Agradecer uma ova: esse escritor é um sujeito ingrato. Poderia
muito bem ter criado outro cartaz. Feminista duma figa! Por quê
duas meninas ao invés de um menino e uma menina? Seria justo
ter divido o “pão nosso de cada dia”. Desconfio que ele está a fim
de fazer moral com as meninas.
Desculpe-me pelo clima tempestuoso. Também não sou de
ferro. Apesar de pacífico, não levo desaforos para casa. É preciso
que você continue vigiando os passos do escritor. Agora que
somos amigos, podemos somar forças e conduzir o meu destino
de uma maneira mais justa.
.
CAPÍTULO V :
MILAGRE ÀS AVESSAS
A Procissão
O Milagre
Babaca ou Ingênuo?
Cadê os Pães?
CAPÍTULO VI :
O TERÇO
À Procura de Daniela
Canção
Cante na rua.
Na contramão!
Cante a canção!
É Agora ou Nunca
Permaneci sentado, aproximadamente, meia hora. De
repente:
__ Aaaaaa ...
Que susto! Era Fábio, primo de Fabrício. O garotinho tinha
dez anos. Muito espertalhão e sapeca. Não parava um minuto
sequer quieto. Uma destemperamento que subia e descia dos
pés à cabeça.
Paulatinamente, a rua foi enchendo de crianças. Fizeram uma
algazarra para escolherem a brincadeira. Alguns propuseram
brincar de “polícia e ladrão”; outros queriam brincar de “estátua”.
Os avançadinhos no tempo insistiam no “namoro no escuro”.
Que idade para começar a pensar nisso! No final decidiram
brincar de “mês” e “passa-anel”.
Sempre que vinha na residência do Fabrício, varávamos a
noite de prosa para o ar. Ar em movimento foi o que senti
tocando em meu ombro direito. Olhei de lado e Daniela passou
rente a mim como se houvesse proferido: “venha Léo, siga-me”.
Apesar de o coração disparar em cavalgada pelo abismo da
paixão, pressentia que o momento certo estava muito próximo.
Não poderia sucumbir o destino, deixá-lo às avessas, sem o
respaldo real de meus sentimentos, permanecendo acanhado e
acorrentado pelo medo de amar alguém. Era preciso fazer algo e
agir rapidamente.
Lá se foi Daniela, contornando a curva da esquina,
atravessando a rua toda resenhada e rabiscada pelos pedaços
de tijolos massetados no chão. Sentado na sarjeta, apoiando as
costas no poste, acabei perdendo o campo visual da bela
imagem de Daniela.
Levantei-me apressadamente e, tomado de uma coragem
repentina, caminhei até a esquina. Daniela havia acabado de
sentar-se no banco de madeira ao lado do portão de sua
residência.
Olhei ao meu redor e inspirei-me naquelas crianças que
brincavam iluminadas pelo brilho da lua cheia. A coragem veio de
passagem e guiou-me até a calçada da residência de Daniela.
Não acreditava no que estava ocorrendo. Imaginei que fosse um
sonho. Não podia ser um sonho qualquer. Era um sonho real.
Aproximei-me de Daniela com o coração na ponta da língua.
Ali estava ela: sentada no tronco de madeira, no escuro.
Emudecida, olhava bem fundo em meus olhos. E agora? O que
fazer? Eram poucos centímetros separando nossos corpos. O
que dizer?
Subitamente, a coragem foi levada pela brisa passageira. A
minha mente começou a recriar os fantasmas e os monstros do
passado. Lembrei-me do episódio que ocorrera na brincadeira
“namoro no escuro”. Da humilhação diante de meus amigos.
Porém, naquele momento, não havia ninguém para testemunhar
meu fracasso. Não era hora de pensar em fracasso.
Havia chegado o grande momento de minha vida. A espera foi
longa, árdua e cansativa. Não podia desperdiçar aquela rara
oportunidade. Tinha a obrigação de revelar meus sentimentos a
Daniela. Amar não é nenhum crime. Não compreendia a razão
daquele medo adolescente. Bastava respirar fundo para liberar
meus sentimentos na magia das palavras e dizer uma frase tão
curta, tão sublime: eu a amo.
Permaneci estático e emudecido. Não movimentei a boca nem
para um sorriso. O medo foi consumindo os últimos segundos de
meu sonho, de minha provável felicidade. Daniela aguardava
ansiosamente pela minha iniciativa. Foram pouco mais de dois
minutos, anestesiado, parado, uma estátua de cimento,
cabisbaixo, olhar reprimido e desencorajado.
Daniela se cansou de esperar. Levantou-se do banco de
madeira, emburrada. Olhou bem fundo em meus olhos e
bocejou:
__ Com licença, Léo. Preciso entrar.
Bem feito ... Quem mandou ficar baratinado, escravo do
medo? Um medo de arriscar meus sentimentos, de infringir
normas e conceitos. Meus amigos eram pretensiosos; não se
importavam com nada; nem mesmo com a própria saúde:
fumavam, bebiam e sempre demonstravam estar numa boa com
o mundo e com a vida. Mas será que não existia um caminho
mais racional, mais saudável, mais puro? Creio ser escravo de
um meio cultural cuja cultura é burocrática, modista, desumana e
irracional. É puro pretexto!
Daniela entrou em sua residência e fechou o portão em minha
cara. Naquele instante, surgiu em minha mente um alarde:
__ Contemplo o novo dia com esplendor. Ostento-o
veemente, escorrendo o aljofre em seu seio de amor. Afoito, fixo
em seu olhar afável o estandarte de meus anseios. A volúpia
aprisiona meus sentimentos em seu corpo febril de paixão. Sou
louco pelo seu perfume, pelo seu calor sufocante ...
Tarde demais.
Uma revolta invadiu minha alma, deixando-me eletrizado.
Caminhando no meio da rua, próxima à esquina da residência de
Fabrício, avistei uma conhecida da escola em que eu estudava.
Gritei por ela, calorosamente:
__ Mércia ... Mércia ... espere por mim!
Gritei num ato de desespero para que Daniela soubesse que
ela não era a única pessoa de minha vida. Foi a válvula de
escape, atirando para o exterior de meu ego o sofrimento
pertinaz e toda minha ingenuidade.
Mércia acenou de longe e virou a esquina. Valeu a intenção.
Retornei à residência de Fabrício, cabisbaixo, de mal a pior. Sem
se despedir de ninguém, peguei a Escavática e fui embora. A
noite estrelada havia perdido sua alegria. Na lua cheia, via o
breu, o medo, o fracasso, a infelicidade ...
***
Caríssimo. Depois desse fora, vou migrar de história. Não
suporto mais a irresponsabilidade desse escritor insano. Pelo
menos, na outra existe um escritor bem mais humano e que não
fica fazendo da gente uma bolinha de pingue-pongue.
Esse escritor é tão devagar, que já reescreveu minha história
mais de sete vezes, contando com essa. Não queria ser
fofoqueiro, mas ele mudou até mesmo o meu nome. Alterou
também o nome de outros personagens e o do próprio livro.
Tudo porque ele andava apaixonado por uma garota. Dobro a
promessa da bala de caramelo se você descobrir quem é ela.
Coitado desse escritor. Ele está na pior e ainda tem
esperança de que algum milagre aconteça.
Coitado é de mim que tenho de reverenciar as mágoas e
desilusões dele. Se não fosse em respeito pela nossa amizade e
pela sua insistência em prosseguir com a leitura, meu caro leitor,
juro que já teria abandonado esta história.
CAPÍTULO VII:
FÉRIAS DE JULHO
Gumercindo
Proposta Irrecusável
Gente de Canção
Gente de canção.
Canta pelas alamedas ...
Trabalha seu João!
Florido pelas veredas ...
Nasce a realidade.
A dignidade do trabalho ...
Floresce a fraternidade!
Reluzindo no orvalho ...
Renasce da solidão:
a lembrança,
o sorriso,
a esperança.
Gente de canção!
Sonhos ...
Fecho os olhos,
ouço o ruído do silêncio:
entra pelo ouvido,
fico comovido!
Logo adormeço,
como uma página em branco:
de tudo eu esqueço,
menos do seu canto!
O canto do orvalho,
escorre de sua pele:
cai pelo prado,
rola como neve!
Sem a vida não existiria a morte. Sem a alma não haveria a fé.
O amor anunciava a chegada da Estação Felicidade, trazendo a
fragrância do jasmim ao longe no prado que atraia os insetos e os
enamorados. Era tempo de namorar!
O Homem, fruto da natureza, busca todo instante desvendar
os mistérios de sua mãe mor. Invade a essência da vida,
pesquisando, coletando informações e desequilibrando todo o
sistema da biodiversidade natural. Ele adquiriu razão consciente
aprimorando seu desenvolvimento evolutivo a cada nova
geração. Uma evolução material e tecnológica; não espiritual,
nem humana.
É natural que exista esse amor invasor de privacidade alheia.
É inerente à concepção humana revelarmos nossos sentimentos,
apreensões, sempre buscando a harmonia e o prazer; quando
extrapolados, denominamos de felicidade.
Ninguém é o centro do Universo, temos qualidades e defeitos
irreparáveis, intocáveis. A “arte de sorrir” e se alegrar “cada vez
que o mundo diz não”, é ter os pés no chão, a cabeça no lugar e
a vida alimentada pelo coração. Daniela morava em meu
pensamento, sugava minha aura como se fôssemos uma só vida,
um só corpo.
Será que eu poderia afirmar com convicção que Daniela me
amava? Na verdade, era uma perda de tempo permitir que o
medo guiasse meus passos. Nunca fui dono de mim mesmo; era
um escravo do medo. Só restava uma saída: sorver a coragem
para o interior de meu ego e encarar os obstáculos com
inteligência e criatividade.
Será Carla ?
Choras de saudades!
saudades que lhe proporciona apenas a solidão.
Choras de paixão!
pois quem te ama tem a chave do seu coração.
Choras de tolice!
por isso pagarás o teu orgulho com o sofrimento
inerente a ti.
Choras para sorrir!
no calor do meu peito a magia do amor é etéreo
Choras para sonhar!
na busca da felicidade seremos corpo e alma, unidos
pelo afeto.
Choras em melodia!
enxugue suas lágrimas e acorde do sofrimento, sinta
o silêncio, rompido pela minha alegria.
Choras de felicidade!
o destino foi palco de nosso encontro, o amor curou a
cegueira da paixão, tornando-nos num único coração.
Toda vez que leia esses versos, sintia uma profunda paz em
minha alma. Todas as palavras pareciam comigo, como se eu
fosse o próprio poema. Estava na cara que aqueles versos
resumia o sentimento que Carla sentia por mim. Um sentimento
entregue aos meus olhos, expressando uma lúcida declaração de
amor. Tolo!
O certo seria abrir o jogo e pedi-la em namoro. Esse desejo
via-se claramente estampado no rosto de Carla. Mais uma vez,
perdi a batalha para o medo covarde que habitava minha alma.
Era uma querença: pedi-la em namoro! Há muito tempo
aguardava por uma oportunidade como aquela. E quantas
oportunidades já havia perdido!
Uma dessas oportunidades ocorreu bem antes de vir trabalhar
junto dela no escritório Mallar. Quando trabalhava no Gordo era
sempre a Carla quem me atendia e pegava a encomenda de
dona Laura. Numa daquelas tardes, cheguei no escritório com a
encomenda nas mãos. Carla estava fazendo alguns exercícios de
matemática e consultava um livro didático da oitava série.
A dúvida dela era sobre uma tal de equação do segundo grau.
Carla não conseguia achar o delta, para em seguida, achar os
valores das raízes da equação (x’ e x”) . Aquele assunto cairia na
prova e a professora não permitia em hipótese alguma o uso da
calculadora. Sem calculadora Carla não sabia extrair raiz
quadrada.
__ É muito fácil, Carla. Extrair raiz quadrada é mais gostoso
que extrair um dente -- brinquei, aproximando-se dela.
__ Prefiro mil vezes extrair um dente, em vez de fazer essa
droga de raiz quadrada -- objetou-se Carla com uma expressão
séria e apreensiva.
Peguei uma folha de sulfite que havia sobre a mesa, escolhi
um lápis bem afinado e me ofereci a ensiná-la. Sem rodeios,
Carla puxou uma cadeira ao lado dela e, gentilmente, convidou-
me para sentar. Sentei com toda expressão e pinta de galã.
Posicionei a ponta no lápis na folha branca e insinuei:
__ Veja como é fácil, senhorita!
__ Que gentil o cavalheiro! Não tenho tempo para frescuras,
Léo. É vida ou morte. Preciso aprender esse negócio na marra.
Certo?
__ Por onde mesmo que começa essa joça?
__ Se for para complicar, pode parar com isso.
É lógico que sabia extrair raiz quadrada. Havia aprendido na
sexta-série. Estava apenas tornando a aula particular mais
agradável e descontraída.
__ Carla, escolha qualquer número.
__ Esse quarto exercício, aqui -- apontou Carla
__ 6.480. É um bom número para extrair a raiz quadrada.
Primeiramente o colocamos dentro da raiz ...
A explicação poderia ter sido mais sucinta e demorou quase
uma hora e meia. Fizemos vários exercícios para treinar. Carla
era uma menina muito inteligente e não teve muita dificuldade
para aprender a extrair a raiz quadrada de um número qualquer.
Em suma, ela era um amor de menina.
Dona Laura havia ido ao banco e apareceu de supetão. Ela
tinha o semblante cansado e chegou reclamando:
__ Hoje o banco estava um inferno. Mais de duas horas na fila
de três agências bancárias só para pagar algumas duplicatas e
realizar algumas aplicações ...
E, num ar atônito, dona Laura me viu sentado ao lado da Carla
e indagou:
__ O que o casalzinho está fazendo aí, sentados agrudadinhos
na maior folga?
Carla ficou com o rosto vermelho de vergonha, como um
pimentão. Mas recuperou a cor do semblante ao explicar toda
aquela confusão:
__ O Léo estava me ensinando a extrair raiz quadrada ...
__ Use a calculadora. É mais prático! -- atalhou dona Laura,
com um olhar sério e cansado.
__ Bem que gostaria, mas a minha professora (ainda apronto
uma com aquela mulher!), não deixa ninguém usar a calculadora.
Amanhã tenho prova com ela ...
__ E o Léo é o seu professor particular? Bom amigo é o Léo.
Lembre-se bem disso Carla: quem encontra um amigo
verdadeiro, encontra um tesouro -- avisou dona Laura, deixando
alguns recibos sobre a mesa de Carla.
__ Amigo? -- inquiri, meio trêmulo e acanhado.
__ Ah, desculpas Léo! Não sabia que a Carla era sua
namorada -- disse dona Laura, com um renovado sorriso no
semblante.
Carla também sorriu, olhou bem fundo em meus olhos e
brincou:
__ Namorado? Léo é o amor da minha vida.
Será que Carla estaria falando sério? Ela agarrou-me
fortemente como se fôssemos namorados. Faltou só o beijo.
Dona Laura colocou a mão na cintura e jogou mais lenha na
fogueira:
__ Por acaso meu escritório virou banco de praça pública?
__ A senhora vai ser uma das madrinhas do casamento --
prometeu Carla, surpreendendo-me.
__ Deixe-me trabalhar que tenho mais o que fazer -- disse
dona Laura, seguindo em direção ao seu recanto.
Olhei sério para Carla, que estampada por um sorriso sereno,
proferiu suavemente:
__ Quem sabe um dia, não é mesmo, Léo?
__ Ah, sim! -- confirmei, hipnotizado pela sua beleza feminina.
Por que o mundo é tão complexo? Sou um garoto e Carla é
uma garota. Sou o macho, ela é a fêmea. O quê há de anormal
nisso tudo? Por que colocamos obstáculos em nossas vidas, em
vez de torná-la mais simples, mais natural, mais transparente? Na
verdade, costumamos fantasiar esses relacionamentos; por isso,
eles acabam se tornando tão complexos e enigmáticos.
A dúvida continua pairando ar: Será Carla? Será Daniela? Ou
será Bruna? Sinto que o momento está próximo. Os sinais estão
em toda parte. Vejo o mundo com bons olhos. Aprecio com
entusiasmo a natureza: fauna e flora.
É bom viver alimentado pelos sentimentos, desvendando a
cada novo despertar uma nova cor no horizonte: cristalina quanto
às emoções; pura quando a água de uma nascente. Renasce a
esperança, espantando a solidão para o infinito, sobre flocos de
felicidade; de carona com o sopro da vida, reconstruindo meu
pensamento de sabedoria e luz.
Nesse alto astral floresce uma angústia promissora e futurista.
O tempo é o senhor do movimento, é o motor dos acontecimentos
e cabe somente a ele o controle absoluto do universo. Se eu
tivesse a chave do tempo, poderia reconstruir minha vida,
consertar meu passado, usufruir melhor meu presente e rechear
meu futuro de bons acontecimentos. O quê é que há? Sonhar faz
parte da vida humana.
Será Bruna?
***
Talvez você possa me ajudar a sair dessa enrascada. A
indecisão causa a angústia. Reafirmo para quem duvidar: esse
escritor pegou no meu pé e está de marcação cerrada comigo.
São tantas as dúvidas pairando no ar. Ele pensa que sou
algum tipo de detetive, ou algo similar. Esta história está
aparentando um caça ao tesouro. Seria melhor mudar o título
para “O Caçador da Namorada Perdida”. Ou talvez, “Procura-se
Uma Namorada Desesperadamente”. Acredito que esse escritor
tenha pouquíssima imaginação.
Não há quem agüente mais essa agonia. Num momento como
esse você já deve estar bem cansado. Se você me abandonar,
quem poderá me socorrer e proteger da imaginação pretensiosa
do escritor?
CAPÍTULO IX:
CORES QUE MEXEM
Presente de Aniversário
Na última quinta-feira do mês de setembro, após o expediente
no Despachante Mallar, apareci na casa de minha tia Beatriz para
levar o presente de aniversário, -- com uma semana de atraso --
que a minha mãe havia comprado para meu primo aniversariante,
Leandro.
Segui pelas ruas de Brodowski, levando o pacote na garupeira
da Escavática. Meu primo morava no mesmo bairro de Bruna.
Aproveitei o itinerário e passei de frente à fachada da casa dela.
Infelizmente, não a vi nem no alpendre nem na rua.
Na próxima esquina, virei à direita, depois à esquerda. Subi na
calçada, desviando-se de uma lata de lixo e de um monte de
areia. Saltei uma pequena rampa formada pelo declive da
calçada e brequei bruscamente, rabeando em frente ao portão da
residência de meu primo.
Apertei a campainha, que se encontrava meio escondida entre
as trepadeiras unha-de-gato, alastradas em toda extensão do
muro. Primeiro apareceu o Toquinho, um cachorrinho vira-lata,
manso e sossegado. Ele veio abanando o rabo e ficou
arranhando o portão.
Meu primo apareceu logo em seguida, com um pincel preso na
dobra da orelha e cumprimentou-me:
__ Como vai, primo?
__ Graças a Deus, vai indo tudo bem.
__ Entre -- convidou-me Leandro, abrindo o portão de grade.
Toquinho saiu em disparada para a rua. Parou no primeiro
poste que encontrou pela frente. Cheirou ao redor e ergueu suas
patas traseiras, regando o poste.
Aquela cena me fez lembrar de uma, das inúmeras piadas e
adivinhas que o Gordo sempre contava. A adivinha foi a seguinte:
o que o poste disse para o cachorro? Fácil, não. Essa é mais
velha do que minha tataravó. E disse o poste para o cachorro:
não adianta regar, que não cresço mais.
No entanto, engraçado mesmo era meu primo, usando aquele
pincel atrás da orelha esquerda. Leandro era bem mais velho que
eu. Cursava Artes Plásticas na cidade de Franca, a capital do
calçado.
Desde criança ele era um arteiro artista. O ano passado, em
plena flor da juventude, com seus 20 anos, Leandro ganhou o
primeiro lugar num concurso nacional promovido pelo Masp, em
São Paulo, concorrendo com influenciada pelo Surrealismo. Uma
obra de difícil descrição, devido à complexidade de seus traços,
cores e formas.
Apoiei a Escavática na parede da garagem e adentramos pela
porta da sala. Leandro, cordialmente, solicitou:
__ Sente-se no sofá, Léo. Vou até a cozinha buscar algo para
a gente beber.
__ Não precisa se preocupar, Leandro. Estou com pressa, só
vim entregar o ...
__ Que pressa? Sente-se no sofá, primo. Volto já.
O jeito foi sentar e se delirar com as obras fixadas na parede
por toda a extensão da sala. Não me contentei apenas olhar.
Deixei o pacote sobre o sofá e fui tatear aquelas pinturas
magníficas. Um festival de formas, tons e matizes. Fiquei
boquiaberto, estupefato, encantado. A última vez que o tinha
visitado -- e isso fazia muito tempo -- lembrava-me de ter visto
apenas um quadro na parede, que já não se encontrava junto aos
demais.
__ Com esse quadro, na semana passada, ganhei o segundo
lugar na Mostra Nacional da Arte Contemporânea, promovida
pelo Museu Belas Artes, no Rio de Janeiro -- exprimiu Leandro,
aparecendo na sala de supetão, segurando em suas mãos uma
bandeja com um jarro, dois copos e um pacote de bolachas
salgadas.
__ Belíssimos quadros, primo.
__ Procuro fazer o melhor possível. Uso e abuso da
imaginação. Assim como você faz com suas poesias, Léo.
__ Poesias? Ah! Sim, minhas poesias. Nem se compara com
as suas pinturas. Poema qualquer um faz. Quero ver quem faz
pinturas como essas.
__ Não é bem assim, Léo. Poesia também não é qualquer
pessoa que consegue escrever. Toda e qualquer arte requer
muita perseverança, estudo e o desenvolvimento de técnicas. O
mais importante você já tem: o talento, a inspiração. É só você
perseverar e se aprofundar no assunto que o resto você tira de
letra.
Ouvindo aquelas palavras de incentivo, aos poucos me
inspirava num novo poema. A poesia era algo mágico. A
inspiração sempre aparecia como uma brisa: suave, amena,
fresca. Paulatinamente vinha surgindo as primeiras palavras, as
primeiras rimas, os primeiros versos, as primeiras estrofes, os
primeiros rabiscos ... enfim, a poesia.
Como eu era muito leigo em se tratando de pintura, aproveitei
a oportunidade para inteirar-me sobre assunto:
__ Que tipo de tinta você usa, Leandro? Essa pintura você fez
diretamente na parede? -- inquiri, apontando para um pássaro
que sobrevoava uma campina.
O meu primo sorriu, aproximou-se da obra e explicou:
__ Esta obra, feita diretamente na parede, trata-se de algo
inédito. Estou desenvolvendo uma nova técnica de pintura mural.
__ Como é esse negócio de técnica?
__ É todo um processo a ser seguido até a finalização da obra.
Para ser mais prático, vejamos esta pintura na parede: primeiro a
parede deve ter o reboco bem liso. Depois de pintada,
preferivelmente de branco, prepara-se a dimensão do quadro a
ser trabalhado.
__ Essa tinta que você usa parece plástico e brilha bastante --
interrompi, passando levemente o dedo sobre aquela pintura.
__ A partir de agora que entra o meu projeto, ou seja, a minha
invenção -- patenteou Leandro, com um brilho nos olhos. __ A
tinta é a mesma usada para pintar tecido. Quando ela secar,
basta passar uma camada de verniz, e o trabalho estará
concluído.
A princípio não acreditei que tinta de tecido, acrescida de
verniz, atingiria resultados tão surpreendentes. Boquiaberto,
observei outra obra sobre a parede feita com a mesma técnica.
Caminhei alguns passos à esquerda e, próximo à estante,
deparei-me com um quadro ainda mais deslumbrante. Imaginei
que fosse aquarela. Imaginei. Porque era mais uma criação
extraordinária de meu primo.
__ Nesta paisagem, estou desenvolvendo algumas novas
técnicas de manejo com a anilina. Especificamente nesse caso,
baseei-me nas técnicas usadas em aquarela. Dependendo do
papel utilizado e do correto manuseio da tinta, dá para
alcançarmos resultados surpreendentes, com matizes mais vivas,
mais vibrantes, mais fortes.
Meus olhos não se cansavam de olhar para todos aqueles
quadros irisados e reluzentes. Naquele momento veio uma
passagem pela minha cabeça: “o artista é a altivez da arte”. Via-
se o brio do sorriso estampado nos lábios do meu primo Leandro.
Sentados no sofá, aceitei o suco de tamarindo e petisquei uma
bolacha salgada. Peguei o presente em minhas mãos, comi mais
uma bolacha e, entregando-lhe o, proferi:
__ Primo, minha mãe pediu-lhe desculpas pelo presente
atrasado. Acho que você vai adorar.
__ Flei para a sua mãe não se preocupar com isso -- disse
Leandro, pegando o pacote.__ Mesmo assim, muito obrigado.
__ Abre logo, primo. Estou morrendo de curiosidade. Minha
não me falou o que ela comprou. Mas ela me garantiu que você
vai adorar.
Leandro retirou o papel de presente e, valendo-se da tradição,
atirou-o debaixo do sofá. Em seguida, abriu a caixa de papelão.
__ Que lindo, primo! Um jogo de pincéis finos.
__ Nossa! São lindos mesmo -- admirei, tocando nos pincéis
que brilhavam douradamente.
__ Diga a sua mãe que adorei o presente. Prometo que será
dela o primeiro quadro que pintarei com eles -- assegurou
Leandro, colocando sobre a estante a caixa de pincéis.
Aquele passeio na casa de meu primo não poderia passar em
branco, sem ao menos responder à altura. Toda arte é mãe de
uma nova arte: é fonte de inspiração garbosa; basta inspirar sua
essência e criar uma nova obra-prima.
Inspirado nas pinturas de meu primo, não conseguia dormir
naquela noite. Fiquei a visualizar as cores, as luzes ... buscando
inspiração. O remédio para sanar aquela insônia foi papel e lápis
nas mãos: eis que dei à luz a mais um poema:
Viva as cores!
Elas são cintilantes:
verdes,
amarelas,
brilhantes!
Em cada tom,
um segredo da vida:
uma palavra,
uma estrofe,
um verso.
***
Caríssimo leitor, você já deve estar embebido de poemas. Eles
são etéreos e refletem a nossa imagem, nossos sentimentos,
nossas emoções.
Saiba também, que a pintura é uma forma de linguagem.
Queira Deus que esse autor nunca se atreva a pegar num pincel.
Tenho pena dos seres e medo das cenas que ele poderia criar.
Às vezes, admiro como um sujeito desse tipo vende tantos
livros a custa do sofrimento alheio. Vou reclamar meus direitos
com o tal do editor. Será que vale a pena? É tempo perdido ...
Mesmo que existo só na imaginação desse escritor, bem que,
haveria de existir um sindicato para proteger os direitos dos
personagens fictícios. Ora, também estamos vivos: respiramos,
amamos, sofremos, sorrimos, cantamos, choramos, plantamos
bananeiras, falamos besteiras ... Somos manipulados e usados.
A ansiedade é constante. Ainda mais quando o escritor cria
aquele clima de suspense, almejando atingir o clímax da história.
Veja a minha situação: não sei quem gosta de mim; se é Carla,
Bruna ou Daniela. Tenho apenas suposições. O escritor poderia
amenizar meu sofrimento, ajeitando logo essa namorada que
tanto desejo.
É melhor parar com a prosa. Quando fico muito exaltado,
acabo falando asneira. Às vezes é bom seguir aquele velho
ditado: em boca fechada não entra mosquito.
CAPÍTULO X:
ADMIRADORA SECRETA
Apressada
Certo dia,
olhei para você.
Você sorria,
você pulava,
dançava e suspeitava.
__ Vamos desenhar?
__ Desenhar ou colar?
__ Veio uma idéia, sabe?
de desenhar,
cantando.
de colar,
dançando.
Minha amiga,
estava adoidada:
ligeiramente desenhava,
cortava,
pintava,
colava.
Na folha sulfite,
a cola secava.
O branco não se via,
no retoque pintava.
__ Que tal?
__ Maravilhoso, mas ...
__ Invejoso!
E calou-se ...
A primeira quinzena de novembro repetiu a monotonia dos
meses anteriores. Esse era um dos meus medos: arrumar uma
namorada e cair na monotonia. Seria chato demais ficar contando
as estrelas ou meditando diante da companhia agradabilíssima
da lua cheia, sem ter mais nada que dizer para a mulher amada.
Tudo na vida é necessário uma pitada de criatividade. Toda
magia do mundo é alimentada pela criatividade; ela é a essência
da natureza humana. Sem criatividade teremos a companhia da
rotina atormentando o nosso cotidiano. Para ser criativo,
recorremos a nossa inteligência, através da assídua observação,
como radares a observar tudo o que ocorre em nossa volta.
Copiar idéias é preciso; aprimorá-las é primazia!
Ultimamente, andava muito aborrecido com aquela história de
“quem será?”. O desânimo era tanto que já não corria para a fila
com o intuito de apreciar a beleza feminina e encantadora de
Daniela. No escritório, procurava ficar em meu recanto e pouco
conversava com Carla. Com Bruna, evitava fazer trabalhos em
grupos.
A desilusão tinha invadido meu coração, tirando a altivez do
amor, apagando a chama da paixão. O fracasso havia se
transformado no vilão de minha vida; deixando-me atirado às
amarguras, jogado à sarjeta, abandonado num recanto qualquer
da cidade.
Dezembro encontrava-se muito próximo. O momento era
favorável a grandes realizações. Por que será que eu pensava
em fracasso? Simplesmente, porque já havia fracassado no
passado. Quem vive de passado é museu. O que passou,
passou. O mais importante é o momento de agora, o hoje, o
presente.
Estava sendo o melhor ano de minha vida. A procura foi árdua,
e já tinha um emprego digno. Não dependia mais da mesada de
minha mãe. Já possuía o meu próprio salário: fruto de meu
trabalho. Acima de tudo, acreditava ter atingido parte de minha
maturidade. Faltava complementá-la de coragem. Coragem de
dar vida real à voz de meu coração, de libertar meus sentimentos
do cárcere de meu ego.
Eu Te Amo
Na última semana de aula, na primeira quinzena de dezembro,
chegando em casa para o almoço, no instante que entrava pelo
portão, ouvi um grito vindo da rua:
__ Ei, garoto! -- chamou-me o carteiro, dirigindo-se em minha
direção com a sua bicicleta amarela, da cor do seu uniforme.
Trazia na garupeira várias correspondências, além de revistas
e alguns enormes envelopes pardos. O carteiro entregou-me
quatro extratos de banco e duas cartas. Agradeci a gentileza do
carteiro e entrei no alpendre. A primeira carta era de minha tia de
Ribeirão Preto. A segunda carta ... Não havia remetente na
segunda carta.
Já que a carta era anônima, decidi abri-la. O que será que
havia nela? A princípio encontrei uma folha de agenda toda
perfumada. Não conheci a marca do perfume. Desdobrei o papel
com muito zelo. Que susto! No cabeçalho vi meu nome
contornado com um círculo verde. A carta era para mim. Comecei
a ler, ansiosamente:
Léo,
* **
Finalmente acendeu uma luz no fundo do túnel. Parece que o
tal do Augusto resolveu dar um final feliz para minha história.
Essa carta anônima -- tinha de ser anônima! -- reavivou meus
ânimos.
Porém, o mérito é todo seu, estimado ombro amigo. Se você
não estivesse ao meu lado, não sei se resistiria aos empecilhos
do enredo criado pela imaginação desse escritor de quinta
categoria.
Ninguém é bom por acaso. Normalmente as pessoas esperam
uma pelas outras, aguardando o sinal de partida para iniciar um
possível relacionamento amigável e recíproco. Pegamos como
exemplo Daniela: nunca tive coragem de dizer para ela o quanto
a amo.
Será que Daniela também não tenha o mesmo medo? Seja
você o primeiro a agir; mesmo que nuvens negras ameaçam
desabar uma tempestade.
Lavo minhas mãos. Por isso, não se assuste caso eu tenha um
final dramático nesta amarga e melancólica narrativa.
Cuidado!
Se você é uma pessoa muito emocional, se comove
facilmente, sugiro que não prossiga. Não confio nesse escritor. Já
ouvi dizer que ele tem cérebro de minhoca. Na imaginação
imprevisível dele, tudo pode acontecer.
CAPÍTULO XI:
MISSA DO GALO
É Natal ...
Um Esmero!
***
Parabéns por ter sobrevivido a essa louca e maluca história de
amor. Espero que tenha gostado e que eu possa ter lhe ajudado
de alguma forma a compreender parte desse maluco mundo
adolescente.
Antes, porém, que minha história termine - e espero que
termine com um final feliz. Quero agradecer a você que esteve
comigo todo esse tempo. Obrigado por ter reservado um pequeno
intervalo de sua vida para seguir meus passos. Pena, que não
posso cumprir a promessa da bala de caramelo. Toda vez que
você chupar uma bala de caramelo lembre-se de seu amigo Léo.
Gostei de sua companhia. Agora, tenho certeza de que ainda
existem pessoas sinceras, leais, amigas, companheiras, nas
quais podemos confiar e dialogar. Não somos apenas um
amontoado de letrinhas, somos seres humanos. É isto que estou
sentindo nesse momento: estou vivo e, apesar de fictício,
considero-me um ser humano.
Releia minhas poesias. Elas foram feitas carinhosamente para
você.
Obrigado por tudo. Gostaria de lhe pedir um último favor, se
possível. Peça ao escritor desta história para me desculpar das
injúrias, balelas e rancores dirigidos em desrespeito à pessoa
dele. Apesar de todo sofrimento, de toda angústia que passei, ele
é um bom camarada.
Revelações de Daniela
Acena Alegria
O espírito de aventura,
reencontra a Felicidade ...
É a vida num elo de ternura:
acena alegria, acena prosperidade!
Fim