Você está na página 1de 12

Tenda Jornal Popular – XXIV Curso de Verão – 09 a 16 de janeiro de 2011

Curso de Verão promove diálogo entre ciência e fé

E
stabelecer um diálogo criativo entre ciência e nasceram nos últimos 20

Divulgação
fé. Este foi um dos compromissos assumidos anos estão vivenciando,
pelo 24º Curso de Verão, promovido pelo Cen- dia a dia, rápidos avan-
tro Ecumênico de Serviços à Evangelização e ços cientí­­fi­­­­­cos, sobretudo
Educação Popular (CESEP) que, neste ano, tratou o no campo da genética e
tema “A Vida: Desafio à Ciência, Bíblia e Bioética – da biotecnologia. “Quan-
Do Genoma Humano às Células-Tronco”. do éramos jovens nem
O ciclo de conferências e debates, realizado entre sabíamos que tudo isso
os dias 9 e 16 de janeiro de 2011, nas dependências existia”, afirmou frei Car-
da PUC/SP, reuniu mais de 490 pessoas de todas as los Mesters, um dos pa-
regiões do país (e de alguns países da América La- lestrantes do curso. Po-
tina), entre cursistas e monitores voluntários. Confir- rém, as novidades que
mando uma tendência que já se vê nas comunidades, começam a se incorporar
as mulheres foram maioria absoluta entre os partici- ao nosso cotidiano podem
pantes. Mas a característica que mais marcou o Cur- estar sendo assimiladas
so de Verão foi a juventude: cerca de 45% dos cur- sem reflexão crítica.
sistas tinham entre 15 e 29 anos, sendo que a maior Para o teólogo Már-
porcentagem era de pessoas na faixa etária dos 15 a cio Fabri dos Anjos, a
19 anos: mais de 19% dos participantes. Igreja corre o risco de es-
A grande participação de jovens em um curso que tar sendo ultrapassada
trata da responsabilidade ética diante da ciência e da pela sociedade e pelos
tecnologia não chega a surpreender. As pessoas que novos questionamentos Lygia: “Temos que ser ousados,
mas com responsabilidade”.
que o avanço científico
Luciney Martins

traz. Por isso, aos teólogos Carlos Mesters, Már-


cio Fabri, José Vanzella e Wagner Lopes, uniu-se a
cientista Lygia da Veiga Pereira, professora do De-
partamento de Genética da USP. Ela trouxe subsí-
dios científicos para que, isentos de dogmatismos
e preconceitos, a discussão pudesse ocorrer de for-
ma transparente e clara.
Após as palestras, realizadas no auditório TUCA,
os participantes do Curso de Verão, divididos em 19
grupos (tendas) de até 30 pessoas, reuniam-se para
aprofundar os temas propostos pela assessoria e ex-
Frei Carlos Mesters: “É preciso superar o fundamentalismo e as imagens
ultrapassadas de Deus em nós”. pressar as reflexões através de linguagens próprias.

1
Vida em
AÇÃO
Novos olhares
sobre a ciência e a vida
Fotos: Luciney Martins

Momentos celebrativos marcaram o início das atividades de cada dia.


O Curso iniciou com a palestra do teólogo Wag- ticista Lygia da Veiga Pereira, que explicou o que é
ner Lopes Sanchez, professor da PUC/SP, que ex- genoma (a “receita” da vida) e quais são as conquis-
plicou o que é (e o que não é) ecumenismo. O diá- tas e os desafios no campo da genética. Ela lembrou
logo ecumênico não supõe que ninguém abra mão aos presentes que a comunidade científica internacio-
de sua identidade religiosa, mas propõe a união de nal também se preocupa com questões éticas e, por
esforços em direção ao bem
comum. A deputada federal
Luiza Erundina também es-
teve na abertura do evento
para fazer uma análise de
conjuntura do momento po-
lítico atual. Esperançosa,
ela acredita que a nova pre-
sidente tentará implementar
as reformas estruturais que
ficaram de lado no governo
Lula, o qual conseguiu gran-
des avanços econômicos e
sociais, mas ficou devendo
no aspecto político.
Nos dias 10 e 11, a pa-
lestra ficou a cargo da gene- Erundina: “A realidade é dinâmica e dialética”.

2
Vida em
AÇÃO
isso, rejeitou a clonagem com fins reprodutivos. Exis-
tem grandes esperanças deposita-das na clonagem
terapêutica. Espera-se que a pesquisa com clona-
gem e células-tronco possa auxiliar no tratamento de
doenças e na melhoria da qualidade de vida. Contu-
do, é preciso cuidado com o sensacionalismo e até
com o surgimento de charlatões. Em alguns casos,
os resultados só aparecerão depois de muitos anos
de pesquisas e testes.
Nos dias 12 e 13, o teólogo Márcio Fabri dos Anjos
abordou a importância que a fé pode ter no sentido
de humanizar as novas tecnologias. As religiões têm
uma grande contribuição a dar se estiverem dispos-
Celebração de encerramento do Curso de Verão no teatro da PUC (TUCA).
tas a dialogar com a ciência, apontando seus valores,
uma vez que a fé é saber interdisciplinar. Ele rejeitou
as respostas prontas: para cada dilema que a ciência
trouxer é preciso pensar no caminho a seguir, tendo
em vista a valorização da vida e das relações.
A sexta-feira, 14, foi reservada à discussão sobre
a Campanha da Fraternidade deste ano, que tem
como tema “Fraternidade e Vida” e como lema: “A
criação geme em dores de parto”. O teólogo José
Adalberto Vanzella começou criticando a escolha do
lema da campanha que, por seu caráter escatológi-

Celebração de encerramento do Curso de Verão enfatizou compromissos para


criar redes de promoção da vida.

co, pode induzir os fiéis a esquecer que a defesa da


vida é tarefa para ser feita aqui e agora.
No sábado e domingo, foi a vez do biblista Carlos
Mesters refletir a partir da Palavra de Deus. Citando
Clemente de Alexandria, destacou que “Deus salvou
os judeus judaicamente; os gregos, grega-mente; os
bárbaros, barbaramente, e os brasileiros... brasilei-
ramente”. Da mesma maneira como esses povos, no
passado, souberam descobrir a presença de Deus
em sua cultura, nós somos desafiados a descobrir
a voz de Deus em nossa cultura e vida. Mesters
ressaltou que a religião sem a ciência é cega e a
ciência sem a religião é aleijada. Depois conclamou
a todos para superarem o fundamentalismo e a ido-
latria que se manifestam quando achamos que so-
mos capazes de resumir Deus às novas, pequenas
e imperfeitas definições. “Deus é sempre maior do
que a imagem que fazemos dele”, afirmou. (Suzel
Magalhães Tunes. Mais informações sobre o curso
podem ser encontradas no site:
Vanzella: “Muitas vezes é pior o bem que não fazemos que o mal que praticamos”. www.revistaentheos.com.br

3
Vida em
AÇÃO
A ética e a eletrônica
no berço familiar
Divulgação

O impacto da era eletrônica é surpreendente. O lor humano. Cada um está num canto. Gabriela cochi-
mundo passa por um processo de transformação, cha no celular e Rodrigo fica no computador. Tenho
onde o uso de circuitos formados por componentes que pedir um bom dia ou boa tarde. Às vezes tenho
elétricos e eletrônicos cresce a cada dia, com as fa- que ser mais drástica para chamar a atenção deles.
mílias sendo obrigadas a mudar os seus hábitos. Pais Um dia perguntei ao Rodrigo como ele estava na es-
e mães reclamam do relacionamento cada vez mais cola e com os amigos. Ele disse que ia mandar as
distante com seus filhos, por causa do aparato ele- respostas por e-mail para mim. Sinto-me uma pessoa
trônico desenfreado. Os jovens passam muitas horas vazia dentro de minha própria casa”.
utilizando computadores, celulares, videogames, tele- Como esta família, existem muitas outras que tem
visão, câmeras, notebooks etc. o convívio prejudicado por conta da ‘pilha’ de produ-
Junto com a revolução eletrônica, vem a decadên- tos eletrônicos. Marcio Fabri dos Anjos, especialista
cia da ética no berço familiar, com pessoas cada vez em Bioética e professor no Instituto São Paulo de Es-
mais individualistas. Segundo dados do Instituto de tudos Superiores, afirma: “Ética é um saber prático
Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 75,1 milhões
de pessoas relataram assistir televisão por mais de
três horas/dia. Vale lembrar que 28,8% delas também
afirmaram usar computador e videogame por mais de
quatro horas diárias.
Eliane Soares Martins, assistente administrativa,
moradora do bairro São Mateus, São Paulo, rela-
ta sua angústia: “Tenho dois filhos – Gabriela de 14
anos e Rodrigo de 17. Gabriela passa o tempo todo
em casa, falando no celular e assistindo novela. Já o
Márcio: “Há uma grande falta de clareza sobre os critérios éticos na atualidade”.
Rodrigo se tranca no quarto e passa horas em frente
ao computador e/ou jogando videogame”. que estuda as bases e propostas do bem viver”. Cabe
A mãe prossegue: “Trabalho fora oito horas por a nós participar e orientar as crianças e jovens para
dia e ainda tenho que cuidar da casa. No final de se- o caminho da vida em família. Não deixemos que a
mana, que tenho mais tempo para curtir minha tecnologia – um instrumento tão eficiente – se torne
família, deparo-me com uma casa fria, sem o ca- um vilão em nossos lares. (Edson Gimenez Martins)

4
Vida em
AÇÃO
Repensando
o meio ambiente É preciso
Verifica-se hoje a acelerada destruição do meio o meu cuidado
ambiente e do próprio ser humano. As novas tec-
nologias possibilitam maior produção com um custo As manchetes nos jornais
econômico mais reduzido. Porém, muitas vezes o Mostram a realidade
O viver irresponsável
custo ambiental é muito elevado e, em certos contex-
Da nossa sociedade
tos, ainda permanecem desconhecidos.
O descuido com a terra
A modernidade acelerou o antropocentrismo e, E com toda a humanidade
com ele, a degradação da natureza. No final do sé-
culo XX, alguns segmentos começaram a pensar de São notícias que revelam
forma mais intensa a questão da sustentabilidade e A nossa pouca paixão
a necessidade de uma ótica biocêntrica, colocando a Pela vida que ganhamos
vida no centro das atenções. No dia da criação.
O ataque à natureza,
O desprezo pelo irmão

É gente vivendo de luxo,


Ao lado do favelado.
Latifúndio improdutivo,
Tanto pai desempregado.
Criança passando fome
Idoso desamparado.

Aquecimento global,
Corrupção, violência.
Pesquisa em área vital
Sem ética na ciência,
Coisa que na humanidade
Gera enorme conseqüência.

A sociedade moderna em geral, também denomi- É preciso compreender


nada sociedade de consumo, ainda é muito antropo- Como vive a própria terra
cêntrica, narcisista e individualista. Raciocina pouco E a rede de relações
sobre os problemas ambientais por ela gerados. Que dentro dela se encerra
E por fim refletir sempre
Diante disso, uma das práticas importantes é o
Sobre tudo que a gente erra
cuidado com o consumo. É preciso consumir modera-
damente e com responsabilidade. Outra atitude fun- O mundo em que nós vivemos
damental é produzir procurando gerar o menor dado Não é muito grande não:
ambiental possível. A perspectiva biocêntrica exige a Tem água, tem ar e terra
integração responsável entre o ser humano e o meio Também tem vegetação
ambiente. Precisamos cuidar de tudo o que nos en- Tem bicho, tem ser humano
volve, pois tudo o que vive merece viver. Tudo está em relação.
É imprescindível repensar nossas atitudes para
Hoje temos consciência
garantir uma sobrevivência digna. A Campanha da
Tudo está interligado
Fraternidade desse ano nos chama a atenção para Ninguém e nada no mundo
isso. Com seu tema “Fraternidade e a vida no pla- Pode viver separado:
neta” nos faz pensar que a natureza é limitada. Daí Pra que haja vida sempre
a necessidade de rever nossos métodos e o pró- Depende do meu cuidado.
prio uso das novas tecnologias a fim de preservar a (Valter Ceccheti)
“Casa Comum”. (Djonatan Arsego)

5
Vida em
AÇÃO
Alimentos transgênicos
podem trazer vários riscos
Nos anos 1980, iniciaram-se os estudos sobre os
transgênicos, ou seja, produtos geneticamente modi-
ficados, a fim de torná-los mais produtivos, mais re-
sistentes a inseticidas e herbicidas ou mais duráveis.
Hoje, com o avanço destas pesquisas, já existem pro-
dutos transgênicos sendo consumidos mesmo com
as incertezas dos males que podem causar à saú-
de humana e ao meio ambiente. A grande maioria da
população não discute essa questão e consome tais
alimentos, sem saber que podem estar expostos a di-
versos riscos. De acordo com padre Severino Diniz,
de Promissão/SP, militante do Movimento dos Traba-
lhadores Rurais Sem Terra (MST) e participante do
Curso de Verão, a liberação dos transgênicos pode
trazer conseqüências gravíssimas, pois o cultivo des-
te tipo de plantação aumenta o uso dos agrotóxicos,
causando mal ao solo, à agricultura e à qualidade de
vida das pessoas.
O veneno usado nos transgênicos é conhecido
como “mata-mata”, que contém alumínio, cobre, en-
xofre e metal, os quais causam sérios impactos no
meio ambiente. Além disso, o custo-beneficio é bai-

Você aceita
xo, o que não compensa, podendo afetar o trabalho
e a mão-de-obra no campo, explica padre Severi-

Você aceita no. Segundo ele, este tema é muito discutido den-
tro dos acampamentos do MST. Neles incentiva-se

esta bela o cultivo de sementes crioulas como o feijão, milho,

esta bela
soja e outras, buscando promover a qualidade nos
alimentos sem que seja necessário correr riscos.

maçã? Desde a clonagem da ovelha Dolly discute-se o

maçã?
tema polêmico das transformações genéticas em
seres humanos, animais e vegetais. Questiona-se
sobre os riscos que podem acarretar para o futuro
da humanidade. Porém, ainda não existem conclu-
sões seguras e definitivas.
Nos EUA e na Argentina, o cultivo destes produ-
tos foi liberado há alguns anos. No Brasil, somente o
milho, a soja e o algodão podem ser cultivados. Po-
rém, com a globalização e a importação de produtos,
esse consumo aumenta cada vez mais. Assim, per-
manece a pergunta: Como garantir uma alimentação
de qualidade e a saúde da população? Onde ficam
esses direitos? (Ana Maria da Silva)

6
Vida em
AÇÃO

Aborto
terromper a gravidez por falta de condições para
criar mais um filho...
São diversos também os argumentos dos que

é assunto
se posicionam contra o aborto. Entre eles, são
apresentados os riscos que o aborto implica, riscos

indiscutível?
esses que podem levar a mãe a óbito. Junto com
isso, vêm as questões éticas, uma vez que a vida é
o valor supremo que ninguém pode violá-lo, ainda
mais quando se trata de um ser indefeso como é o
No Brasil, o aborto é tratado pelo Código Penal caso do feto.
como crime contra a vida, prevendo detenção de 1 Em situações em que a criança nascerá com al-
a 10 anos, a depender da situação. No artigo 128, o guma deficiência, o assunto fica ainda mais polêmin-
Código afirma que não se pune a prática do aborto co. Afinal, a mãe tem ou não o direito de abortá-la?
em dois casos: 1) Quando não há outro meio para Diante da defesa do direito de abortar, pode-se per-
salvar a vida da mãe; 2) Quando a gravidez resulta guntar: a pessoa que nasce normal mas, em certa
de estupro. altura da vida, por um acidente, fica deficiente, tam-
O aborto é um tema bastante complexo. Muitos bém poderá ser eliminada? Qual a diferença entre
abortos ocorrem por falta de planejamento familiar; interromper a vida de uma pessoa que ainda não
falta de responsabilidade sexual; ineficientes políticas nasceu e de uma pessoa já adulta, pelo mesmo mo-
públicas na área da saúde e, mais especificamente tivo da deficiência?
em relação ao acompanhamento às gestantes. Abor- A vida é o maior bem pelo qual uma pessoa, mes-
tos são praticados nas mais diferentes situações e mo antes de nascer, luta para ter garantido. A foto
contextos e trazem múltiplas consequências. ilustra essa realidade. Trata-se de um bebê que se
Pessoas que recorrem a esta prática, têm mui- constatou ter problemas de saúde, devendo sofrer
tos motivos para defendê-lo. Entre outros podem uma operação ainda no ventre da mãe. Ao realizar
estar estes: “apagar” a lembrança de uma violência a intervenção cirúrgica, o bebê segurou o dedo do
sexual; impedir o nascimento de uma criança com médico como que pedindo a ele: “Ajuda-me a viver”.
problemas de saúde; “evitar” o sofrimento dos pais Marlene Meneghetti, 45 anos, de Rio do Sul/SC,
e/ou da própria criança por ter sido indesejada; in- afirma: “Sou contra o aborto porque acho que todo
mundo tem direito à vida e a criança abortada não
Divulgação

tem direito de escolha.” Já Joaninha Sontoro, 79


anos, de São Paulo/SP, diz ser a favor “pois existem
casos especiais, como por exemplo: quando se sabe
que o feto tem algum defeito, quando a mãe está
debilitada ou ainda quando é menor de idade. Quem
deveria resolver essa situação seriam os profissio-
nais da saúde com orientação médica e da família.”
Uma das reivindicações do Movimento Feminista
é pela liberação da prática do aborto e pelo direito de
autonomia das mulheres decidirem sobre o uso de
seu corpo. Na verdade, não existe uma medida úni-
ca para enfrentar esta questão. É preciso agir com
consciência sobre o valor inviolável da vida, mas não
desconsiderar o contexto onde ela acontece e os vá-
rios aspectos que a envolve. Diante da complexi-
dade do assunto permanece a pergunta: Será que
a criminalização do aborto é a única solução a ser
tomada pelo Estado para resolver este problema?
(Maria Regina de Oliveira Martini Cottes e Felipe
Quinholi de Jesus)

7
Vida em
AÇÃO
Desafios
da ciência
e da religião
O Curso de Verão de 2011 trouxe o desafio da
construção de conhecimentos a partir de reflexões
sobre a produção científica contemporânea. Nas di-
versas palestras foi enfocada a necessidade de inte-
gração do pensamento científico com a análise que
se faz da realidade à luz de experiências comunitárias
e de fé.
Na maioria das vezes, o saber científico é abstra-
to. Embora parta da realidade, depois se afasta do
mundo real na tentativa de redescobri-lo. No caso do
estudo do genoma humano, as dimensões microscó-
picas dificultam ainda mais a compreensão imediata.
Daí vem a questão: Como nossas experiências de fé de construir um novo olhar sobre os valores que sus-
podem se aproximar dessas experiências genéticas tentam a vida e a sociedade.
de última geração? Não é de hoje que religião e ciência tentam trilhar
A Ciência nos apresenta desenvolvimento técni- os caminhos do entendimento e do reconhecimento
co e tecnológico que em muito melhorou as condi- mútuo. Em meio a seus avanços e limites, procuram
ções de vida das pessoas. Porém, ao mesmo tempo, reafirmar valores. Porém, há sempre novos desafios,
cria a incerteza da conservação da vida no planeta, pois quando se tem as respostas para os problemas,
já que ela mesma colaborou para o desequilíbrio nas muitas vezes mudam as perguntas. No meio de tudo
relações que temos com o meio ambiente e com o estão os princípios éticos, que precisam ser obser-
nosso semelhante. Quando se percebe a lógica deste vados por todas as denominações religiosas, pelos
saber, passa-se a ter consciência de uma nova reali- cientistas, pelo Estado e pela sociedade em geral. (Lí-
dade existente. Dela decorre também a necessidade via Helena Camilli Brondi)

A ciência e seus limites


Vivemos em um mundo globalizado, numa espé- de doenças e epidemias; o avanço tecnológico que
cie de “aldeia global”, onde as pessoas estão inter- propicia o progresso; a economia de trabalho e de
ligadas e as possibilidades de relacionamento não esforço laboral conseguidos pelo desenvolvimento
têm fronteiras. Não há como dizer que alguém está das máquinas... Enfim, são incontáveis os contribu-
alheio aos avanços tecnológicos e à ciência. Estes tos trazidos pela atividade científica.
fazem parte do cotidiano. Assim, somos levados a Por outro lado, é preciso sublinhar também os
refletir até onde tudo isso é bom. A ciência deve ter pontos problemáticos do avanço científico como: a
um limite demarcado pelo homem? Qual seria o limi- construção de armas nucleares e bioquímicas que
te razoável para a ciência? ceifaram a vida de tantos; a degradação do meio
Entre as grandes conquistas alcançadas pela ci- ambiente com a exploração e a poluição desorde-
ência estão as descobertas da medicina que pude- nada; a perda de sensibilidade e capacidade de
ram prolongar a vida de muitas pessoas; as melho- convivência, fruto do exacerbado acesso aos meios
rias na qualidade de vida; a prevenção e o combate eletrônicos; o abandono de princípios éticos de pro-

8
Vida em
AÇÃO
moção da vida... Tantos outros temas levantam sé- subdesenvolvidos ou emergentes. Os mais ricos de-
rios questionamentos como é o caso da eutanásia, sejam impedir a todo custo a elaboração de leis que
do aborto, da clonagem, da realização de pesqui- determinem um limite para a emissão de poluentes e
sas com embriões etc. A grande questão que fica é: a devastação da natureza, enquanto os menos favo-
Quais pesquisas poderão ser feitas sem colocar em recidos se sentem acuados e temerosos. Percebe-
risco a preservação da vida e sem infringir a digni- se, todavia, que o debate se faz salutar e digno de
dade humana? enorme atenção por parte de todos, uma vez que
A Bioética aparece, pois, como um caminho envolve toda a humanidade. Não podemos basear
seguro e plausível para a limitação dos trabalhos nossas reflexões no senso comum ou dar-lhes um
científicos. Contudo, ela ainda não é um consenso caráter demasiado dogmático ou moralista. É preci-
entre as Nações. Existe um embate enorme, princi- so sempre analisar de modo crítico e com base em
palmente entre os países desenvolvidos e os ditos princípios éticos. (Wallace Aguiar)

População busca
vida melhor
A ciência da vida é um grande desafio para to-

Divulgação
dos e, sobretudo, para a população pobre que ainda
não tem acesso às reflexões sobre o assunto. Por
isso é importante falar do tema ao povo da perife-
ria e ajudá-lo a defender a vida desde a gestação.
Trata-se de um desafio no sentido de evitar a morte
e promover a vida
A maior parte da população pobre sofre por fal-
ta de políticas públicas eficientes na área da saúde
educativa, preventiva e curativa. Esse é ainda um
grande problema político que enfrentamos. O Esta-
do tem o dever de criar condições para que os mais voz. A Ética nos ensina a querer o bem, sem fazer
pobres também possam usufruir de uma vida saudá- o mal aos outros. A Ética e a Bioética nos colocam
vel e segura. A Bioética precisa ser uma ciência para a responsabilidade e o compromisso com a vida de
todos, também para aqueles que não têm vez nem todos os seres vivos. (Darío Martínez Oviedo)

Vladimir Herzog
inspira luta pela democratização
da comunicação
Vladimir Herzog (Vlado) foi jorna- cia” à ditadura militar e por sua luta pela
lista, pro­­­­­­fes­­­sor e dramatur­­go. Nas- democratização da comunicação.
ceu na Croácia, em 1937, e veio para Vladimir trabalhou em importantes ór-
o Brasil com seus pais na década de gãos de imprensa como o Jornal O Es-
1940, fugidos do seu país que era tado de São Paulo e a BBC de Londres.
controlado pela Alemanha nazista. Na década de 1970, assumiu a direção
No Brasil, tornou-se conhecido pelas do departamento de telejornalismo da TV
conseqüências sofridas por seu vín- Cultura de São Paulo. Também foi profes-
culo com o “movimento de resistên- sor da Escola de Comunicações e Artes

9
Vida em
AÇÃO
da Universidade de São Paulo. Foi preso e encontra- diu conceder uma indenização para sua família. A luta
do morto na cela que ocupava no dia 25 de outubro de Vladimir prossegue, pois em nosso país há uma
de 1975. Embora o óbito tenha sido registrado como super concentração dos meios de comunicação nas
suicídio por enforcamento, é consenso de que foi víti- mãos de um pequeno grupo, além da programação
ma de tortura por servidores do DOI-CODI. Dois jorna- ter um nítido interesse comercial. O exemplo dele é
listas presos com ele confirmaram o espancamento. um caminho a seguir, principalmente na luta pela de-
A morte de Vladimir gerou muitos protestos da im- mocratização e popularização dos meios de comuni-
prensa mundial, iniciando um processo internacional cação. Temos direito a mídias que mostrem os nossos
em prol dos Direitos Humanos na América Latina e, interesses, trazendo informações verdadeiras. Assim,
sobretudo, no Brasil. Alguns atribuem a este aconte- cada cidadão poderá ter opiniões críticas em relação
cimento o início da abertura política. Em 1978, a Jus- ao meio em que vive, e não se tornar um mero consu-
tiça responsabilizou a União por prisão ilegal, tortura mista. A ditadura nos meios de comunicação continua!
e morte do jornalista. Em 1996, a Comissão Especial Portanto, sejamos protagonistas dessa luta, buscan-
dos Desaparecidos Políticos reconheceu que Herzog do a democracia nos nossos meios de comunicação.
fora assassinado no DOI-CODI de São Paulo e deci- (Ana Carolina Santana Rodrigues)

Direitos Humanos
continuam sendo violados
Embora os direitos humanos estejam inscritos em
várias declarações e constituições, eles continuam
sendo violados em muitos lugares e de muitos mo-
dos. Vejamos um exemplo: Em relação aos presidi-
ários, o presidente do Conselho Estadual de Direitos
Humanos (CEDH) do Estado do Espírito Santo, Bruno
Alves de Souza, declarou: “O modelo de ressocializa-
ção que vem sendo adotado pelo governo do Estado
do Espírito Santo é deficiente. Em julho, convocamos
todas as pessoas envolvidas na ressocialização no
Estado e descobrimos que todos os programas não
atingem mais de 15% da massa carcerária que é de
cerca de 12 mil presos”.
Souza destacou também que a discussão sobre camente todo dia. Não saem das celas de 2m x 3m,
sistema prisional não se restringe à parte física dos conforme denunciou o presidente do CEDH. As mar-
presídios, mas envolve outras questões mais amplas. mitex são entregues por um buraco na porta da cela
“A questão da violência, da impunidade e a morosi- para evitar que tenham contato com outras pessoas.
dade dificultam as ações. A partir de janeiro, teremos Dentro das celas os presos se alimentam, dormem e
estruturas muito boas, mas continuaremos com gran- fazem suas necessidades fisiológicas.
de índice de violência e com uma Defensoria Pública Igualmente não se oferece nenhum tipo de progra-
com pouquíssimos profissionais atuando”. O presi- ma de ressocialização aos detentos, além das visitas
dente do CEDH também lembrou que o regime disci- serem recebidas no parlatório (cabines que separam
plinar em funcionamento nas unidades é equivocado o preso do familiar por uma película). O presidente do
porque dá o mesmo tratamento aos diferentes tipos CEDH considera isso um verdadeiro absurdo. Estes
de detentos, estejam eles em regime semi-aberto, fe- atos de violação de direitos humanos são inaceitáveis
chado ou provisório (aguardando julgamento). pela Declaração Universal sobre Bioética e Direitos
O modelo de Centro de Detenção Provisório ado- Humanos de 2005, em seu artigo 28. A todo ser hu-
tado pelo Espírito Santo precisa ser superado com mano deve ser assegurado o direito de ter uma vida
urgência. Os presos permanecem confinados prati- com dignidade. (Carlos Alberto de Araújo Moraes)

10
Vida em
AÇÃO
A vida por uma causa
Irmã Alberta Girardi, 90 anos. Nasceu em Vene-

Dirceu Benincá
za (Itália) e está no Brasil desde 1970. Atuou durante
vários anos ao lado do padre Josimo Tavares, na Co-
missão Pastoral da Terra (CPT), assassinado no dia
10 de maio de 1986 na cidade de Imperatriz (MA). Em
São Paulo, trabalhou na Pastoral do Povo de Rua e
encontrou na luta do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) uma forte razão para investir
sua vida como religiosa. Hoje faz parte do MST do
Estado de São Paulo no setor de Direitos Humanos e
do Conselho Estadual da CPT/São Paulo. Em visita à
tenda do Jornal Popular no Curso de Verão 2011, afir-
mou: “A vida é uma oportunidade para amar a Deus
e aos irmãos”.

Curso de Verão
inspira iniciativas similares

O
Curso de Verão de São Paulo nasceu sob a Mutirão de
coordenação do padre José Oscar Beozzo
e da equipe do CESEP a partir do desejo
formação prepara
de proporcionar às comunidades de todo o
Brasil uma formação bíblica, teológica, eclesiológica,
lideranças
pastoral e sobre temas sociais atuais. Desde o início, longo desses anos tantas experiências de Norte a Sul
o curso esteve voltado para lideranças de comunida- do Brasil. Essa experiência se multiplica como uma
des de base, que no seu maior número era e ainda célula viva. Aos poucos vai crescendo pelo país a
é constituído de mulheres, militantes de movimentos fora, como, por exemplo, o Curso de Verão da Terra
populares, pastorais sociais, membros de diversas do Sol, em Fortaleza/CE. Este propicia ao povo do
igrejas, grupos de afrodescendentes, educadores, ca- Norte e Nordeste uma maior participação dos que
tequistas, sacerdotes, religiosas e grande quantidade moram naquelas regiões. Assim vai formando multi-
de jovens que sempre marcou presença. plicadores dessa educação popular.
Esse mutirão sempre contou com participantes Sou grata pela oportunidade de ter voltado nesse
de todo o país, e também de fora, o que enriquece a ano como visitante para rever os amigos e “matar” a
troca de experiências e a formação conjunta. Tive a saudade dos velhos tempos. Desejo que essa expe-
alegria de ser participante e colaboradora durante os riência aqui vivida por vocês chegue às comunidades
seis primeiros anos do curso. Foram tempos de muita que esperam ser animadas e fortalecidas pelo vosso
troca de saberes, de vida tecida na história cotidiana testemunho. Vamos acalentar a esperança e seguir
da militância e do engajamento eclesial. avançando na construção de uma sociedade mais
Em 2011, pude retornar ao curso, que foi e con- justa e fraterna, começando pela comunicação desse
tinua sendo uma grande tenda-mãe que abrigou ao saber. (Vilma Nogueira – Irmã Calvariana)

11
Vida em
AÇÃO

E x p e d i e n t e

Vida em Ação é uma produção


da Tenda de Jornal Popular do
XXIV Curso de Verão, realizado
de 09 a 16 de janeiro de 2011 na
PUC/SP.
Cursistas: Adriano Pinheiro, Ana
Carolina Santana Rodrigues, Ana
Maria da Silva, Carlos Alberto de
Araújo Moraes, Darío Martínez
Oviedo, Djonatan Arsego, Edson
Gimenez Martins, Felipe Quinholi
de Jesus, Lívia Helena Camilli
Brondi, Maria Regina Martini Co-
tes, Nello Augusto Pulcinelli, Nidia
Isabel Gonzáles Gaona, Rafael
Reinaldo da Silva Nogueira, Suzel
Magalhães Tunes, Wallace Nunes
de Aguiar Honório.
Monitores: Dirceu Benincá, Iva
Mendes, Izalene Tiene e Vânia
Aguiar Pinheiro.
Revisão e edição: Dirceu Benincá
Diagramação: Cleber Pires

12

Você também pode gostar