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conheca tambem a colegao prim Saiba do que estao falando ULTIMOS TITULOS LANCADOS | A revolugiio | chinesa OQueeé PODER — Gérard Lebrun REVOLUCAO — Florestan Fernandes = MULTINACIONAIS — Bernardo Kucinski 3! edigao 5: MARKETING — Raimar Richers EMPREGOS E SALARIOS — Paulo Renato de Sous INTELECTUAIS — Horacio Gonzalez RECESSAO — Paulo Sandroni RELIGIAO — Rubem Alves IGREJA — Paulo Evaristo, Cardeal Arns REFORMA AGRARIA — José Eli Veiga STALINISMO — José Paulo Netto IMPERIALISMO — Afranio Mendes Catani CULTURA POPULAR — Antonio Augusto Arantes FILOSOFIA — Caio Prado Jr METODO PAULO FREIRE — Carlos R. Brandao PSICOLOGIA SOCIAL — Silvia T. Maurer Lane TROTSKISMO — José Roberto Campos ISLAMISMO — Jamil Almansur Haddad VILOENCIA URBANA — Regis de Morais POESIA MARGINAL — Glauco Mattoso FEMINISMO — B. Moreira Alves/ Jacqueline Pitang) ASTRONOMIA — Rodolpho Caniato ARTE — Jorge Coli COMISSOES DE FABRICA — Ricardo C. Antunes/A. Nogueira GEOGRAFIA —Ruy Moreira DIREITOS DA PESSOA — Dalmo de Abreu Dallari FAMILIA — Danda Prado PATRIMONIO HISTORICO — Carlos A. C. Lemos PSIQUIATRIA ALTERNATIVA — Alan Indio Serrano, brasiliense Fe brasiliense DIALETICA — Leandro Konder q Daniel Aariio Reis Fo INDICE Introdugaéo As bases da revolucao Chinesa Aresisténcia @ opressto nacional e a exploragao SOCUT See ct se seucin es renee e eae eee O movimento 4 de Maio de 1919 ¢ a luta pela uni- ficagao nacional — 1919-1927 v.20... 000+ Do massacre de Shanghai @ longa marcha — 192721935) ee, eee cee A guerra de libertagdo nacional contra a invaséo Japonesa — 1937-1945 .......eceee A derrota do Japao e a tiltima guerra ci 1945-1949 . As relagdes entre o PCCe a URSS — 1919-1949 Conclusiio Indicagées para leitura 24 41 54 68 84 97 106 leg) A Sonia mulher e companheira INTRODUCAO Tentamos apresentar um estudo critico da Revo- lugao Chinesa, Comegamos explorando.suas_raizes: ~aexploracio social,.a opressio nacional (Cap. 2) e a tradigao das Iutas populares (Cap. 3). Em seguida, estudamos as experiéncias ¢ 0 lento e dificil processo de elaboracao de alternativas adequadas as condi- des materiais e sociais da China e as aspiragdes de seu povo (Caps. 4 e 5). Procuramos, ainda, carac- terizar a especificidade do “caminho chinés”, sua originalidade (Cap. 6) e as condigdes de sua vitéria (Cap. 7). Terminamos com uma anilise sumaria das relacdes entre o Partido Comunista da China (PCC) e a Unido Soviética (URSS) e a Internacional Comu- nista (IC) (Cap. 8). O ultimo capitulo sumariza as grandes contribuicSes e contradigdes apresentadas pela Revolucao Chinesa. O estudo que fizemos é um convite A critica e A reflexio. Evitamos a conciliag’o com os mitos dos Daniel Aaréo Reis Filho herdis, dos partidos e dos “modelos’’. O estudo cri- tico das revoluges vitoriosas é mais dificil do que a §ua exaltagdo. Nao é facil criticé-las e aprender com elas, Se sabemos que o bom combate desmistifica as ilus6es, a perda das ilusdes na luta significa, muitas vezes, a perda da vontade de lutar. JA se disse que nenhum povo luta sem ilusdes € mitos. Mas estamos convictos de que a luta sem mitos e ilusdes é mais eficaz. De efeitos mais dura- douros. O caminho pode parecer utépico. Vamos tenté- lo. Eum risco assumido. AS BASES DA REVOLUGAO CHINESA A Revolugdo Chinesa resultou da combinagio de dois movimentos sociais: a luta dos camponeses pela terra € a luta do povo chinés pela reconquista da independéncia nacional. A revolta camponesa pela terra A historia da China é a histéria das revoltas camponesas’ contra a exploragéo e a opressio dos senhores de terra ¢ dos funcionArios do Estado Impe- rial — 6s mandarins. Varias dinastias foram des- truidas por guerras camponesas: a dos Han, no sé- culo III, a dos Tang, no século IX, a dos Song, no século XIII, a dos Ming, no século XVIL.. Por que se revoltavam os camponeses na China? 10 Daniel Aaréo Reis Filho —— OOO A economia camponesa A produgao agricola era bastante variada. no século XIX: arroz (sul e centro), trigo (norte), cha, soja, algodao, plantas oleaginosas, seda, vernizes, es- séncias, plantas medicinais. Depois do século XVI, a introducao da batata doce, batata, tabaco, amen- doim e, sobretudo, do milho, ao lado da difustio de novas variedades de arroz (maturacao precoce), revo- lucionam a agricultura e aceleram a expansdo demo- grafica — 213 milhdes de habitantes em 1770, 394 milhdes em 1830, 410 milhdes em 1839. A subsisténcia é complementada pelo artesanato rural: tecidos, ceramica, material de construgdo, bambu, papel. O trabalho realizado em verdadeiros “micro- fandios” — 1 a 2 ha por familia — condiciona dois aspectos da tecnologia agricola: énfase na forca de trabalho humana e engenhosidade minuciosa, tipica da jardinagem, que é a marca registrada da agricul- tura chinesa. A produtividade era baixa (4/5 da populagao ocupada na agricultura), embora néo muito dife- rente dos padrdes da época. Mas havia condigoes potenciais para a satisfagfo das necessidades elemen- tares da populacio. Por que ento se revoltavam os camponeses na China? Revolugado Chinesa il uu] ouisoes aoumsteanivas MoNoua Daniel Aardo Reis Fitho Revolugdo Chinesa 3 A exploragao e a opresséo dos camponeses Os camponeses sao obrigados a pagar arrenda- mentos pesados (que ultrapassam 50% da colheita), aprestar “servicos” consagrados pelos costumes e a trabalhar gratuitamente para os senhores de terra. Mesmo os pequenos proprietarios dependem do cré- dito, do adiantamento de sementes e de produtos que 86 os senhores de terra podem “‘conceder”. Por outro lado, os grandes proprietarios sao os intermediarios “naturais” entre os camponeses e a administracio estatal. Os senhores de terra gozam de um estatuto es- pecial na sociedade: imunidades fiscais, privilégios legais, acesso facil e rapido 4 administragao estatal, poder absoluto em suas terras e um imenso prestigio intelectual (dominam a escritura e a leitura dos mi- thares de ideogramas inacessiveis ao povo). A nivel local, os senhores de terra articulam-se com o Estado através do mandarim de distrito — unidade administrativa de base da China Imperial. O Estado chinés é uma piramide sustentada pelos camponesés e controlada pela burocracia dos mandarins. No vértice, o Imperador, assessorado por um Grande Conselho e por um Grande Secretariado. A nivel provincial est’o os governadores, também assistidos por secretarias. Em plano inferior, num desdobramento capilar, encontram-se as prefeituras, as subprefeituras e os distritos, dirigidos por man- darins que monopolizam as fungdes governamentais. “Governar os homens, organizar o trabalho, condi- cionar-lhes os espiritos” O Mandarim de distrito assegura as seguintes atividades: — organizacao dos trabalhos piblicos: diques, ca- nais, armazéns de seguranca para os anos “maus”, irrigacao, etc.; — arrecadagdo de impostos e taxas; — organizacao da fora piblica e distribuicao da “justiga”’; — doutrinacao ideolégica, baseada num Edito Im- perial de 1670, com o objetivo de ensinar ao Povo 0 respeito as autoridades e 4 harmonia so- cial. A residéncia do mandarim de distrito — 0 yamen — é a sede e o simbolo do poder estatal a nivel local, concentrando a administragao, o tribunal, a prisdo, o quartel da forca piblica e o armazém (0 imposto é quase sempre cobrado em produtos). Mandarins e senhores de terra detém 0 mono- polio do ter (propriedade de terras), do saber (do- minio da escritura € da leitura) e do poder (mono- pélio da forca). A sua unidade é cimentada pela ideo- logia confucionista, elaborada através dos séculos. © confucionismo € uma sofisticada concepcao politico-moral que privilegia o respeito pela autori- dade, o sentido das hierarquias, o culto do passado. Embora profundamente conservador, nao é imobi- lista — admite ¢ legitima as revoltas populares con- tra os imperadores que “perderam 0 Mandato Ce- te Daniel Aarao Reis Filho} Revolucdo Chinesa leste’’, ou seja, que ndo demonstraram condigdes de assegurar a reproducao das condigdes politicas, eco- némicas e ideolégicas do sistema. O confucionismo, como ideologia dominante, impregna o campesinato e suas formas de organizacAo social — a aldeia, o cla ea familia, consagrando suas articulagées ¢ hierar- quias internas. Os impostos estatais, a represstio e o controle ideolégico superpdem-se a explorac%o dos grandes proprietarios e se combinam com ela. E contra esta dupla exploragao e opressao de mandarins e senhores de terra que se revoltam os camponeses chineses. “Os homens nao morrerao sempre calmamente”’ Os camponeses reyoltados procuram um mundo alternativo, os ‘‘reinos igualitarios”, onde a comida sera gratuitamente distribuida, os bens sero geridos em comum e onde haver4 distribuicao de terras aos camponeses. O igualitarismo e a redistribuic&o de terras so temas comuns a todas as ‘revoltas, consa- gradas nas grandes bandeiras do movimento social camponés: Taiping (Paz Universal), Pingjun (Igual- dade) e Dantong (Grande Harmonia). Uma verdadeira “contracultura” popular, la- tente em tempos de ‘‘paz social’’, revela-se por oca- sido das revoltas: os cultos populares dissidentes, as cangoes, as baladas, o folclore, subvertem os valores confucionistas propondo a emancipagao dos jovens, das mulheres, e a destruig&o das hierarquias e con- 4 15 a autumn troles autoritarios. ‘As revoltas sdo dirigidas por organizagGes espe- cificas: as sociedades secretas, proibidas por lei e que agem na clandestinidade. Em tempos “normais””, promovem a ajuda mitua e o contrabando do sal, produto monopolizado pelo Estado. Conservam viva a membria das revoltas passadas e alimentam os ger- | +mens de descontentamento ¢ contestacao existentes no tecido social, Compdem-se de camponeses, arte- sos arruinados, elementos da plebe urbana, “ban- didos sociais” e intelectuais nto conformistas, perse- guidos pelo sistema estatal ou pela ideologia domi- nante. ‘As sociedades secretas existem em toda a China. Ao norte, o sistema do Létus Branco e suas filiais (a Sociedade dos Punhos da Justica e da Eqitidade, a Sociedade da Grande Faca, a Sociedade dos Oito Diagramas, a Seita dos Vegetarianos, etc.); a0 sul, o sistema da Triade (a Sociedade do Céu e da Terra, a dos Trés Pontos, a das Trés Harmonias, etc.). A permanéncia destas organizagdes no tempo exprime a forca do sentido de revolta contra a ordem social. Derrubando e reorganizando a ordem As revoltas camponesas so quase sempre locais ou, no maximo, regionais. O Estado centralizado terA entdo condiges de esmaga-las. Quando, porém, conseguem alcangar niveis mais amplos, derrotando e derrubando as dinastias no poder, chegam as ci- dades... e so vencidas por elas. Os chefes revoltosos Daniel Aardo Reis Filho Revoluedo Chinesa transformam-se em novos imperadores, a terra redis- tribuida sofre um lento processo de reconcentracao em maos de novos proprietarios. Reconstitui-se um novo “‘Mandato Celeste”, 0s vencedores sao assimi- lados pela ordem dos vencidos, iniciando-se um novo ciclo. Permanecem, contudo, as sociedades secretas, células vivas de critica a sociedade e 4 ordem vigente. Ao nivel do campesinato, subsiste uma consciéncia difusa de suas reivindicagdes que se resumem numa profunda e arraigada aspiragao por TERRA. A perda da independéncia nacional Anagao chinesa O horizonte politico da grande massa do povo chinés, ligado a terra, n&o vai além da aldeia, no maximo alcancando os limites do distrito. Outros fatores fortalecerao a identidade local e regional: diversidade de linguas, diferentes tradigdes alimen- tares, larga autonomia administrativa dos mandarins locais e provinciais, relativa fragmentag&o da econo- mia chinesa anterior 4 invasaio do imperialismo oci- dental. O “patriotismo” regional atinge a propria intelectualidade e os movimentos de contestagaio 4 ordem vigente. L O sentimento de unidade nacional é, tradicio- nalmente, um patriménio das elites dominant acentuando-se ali onde elas se encontram — nas dades, Na medida em que se ocupam da gestao do Estado, mandarins e proprietarios de terra foriam uma visio nacional dos problemas e da dinamica do povo chinés. Além disso, dominam a lingua escrita, controlando, através dela, o conhecimento da His- téria bimilenar do Império chings. Finalmente, fis- calizam as atividades econdmicas que ultrapassam os limites provinciais (pagamentos de impostos, trans- porte de graos e metais, comércio interno e externo, etc.). A unidade nacional chinesa €, portanto, difusa ao nivel da grande massa do povo, mas esta profun- damente ligada as elites dominantes e dirigentes, associando-se os conceitos de Nagio e Estado. A opressao estrangeira vira transformar esta situagao. A opressao mandchu Os mandchus eram um povo némade que hal tava regides ao nordeste da China. No século XVII, seus chefes militares aliam-se a fragdes do mandari- nato chinés, esmagam uma série de revoltas campo- nesas e estabelecem a dinastia dos Qing (1644-1911). Os mandchus gozam de privilégios especiais, mas se deixam assimilar culturalmente pelos venci dos. Respeitam a légica do Estado Imperial tradi- cional, mantendo os seus mecanismos essenciais desenvolyendo sélida cooperacdo com as elites domi- nantes chinesas, cuja posi¢ao é preservada. Entrctanto, o inconformismo dos chineses em relagao 4 dominagao dos “‘barbaros” e “inferiores” 18 Daniel Aarao Reis Filho mandchus permanecer4 sempre vivo: a imposic¢aio de normas de respeito e de indumentéria (0 uso obri- gatério de trangas) aprofundam o édio ao “estran- geiro”, tanto maior quanto os chineses viam com desprezo todos os povos nao pertencentes A sua pro- pria etnia, considerada como “‘o centro do mundo”. As elites dominantes chinesas saberio manipular este sentimento até a queda dos mandchus em 1911. A invasdo das poténcias imperialistas — 1840-1914 As poténcias imperialistas traréo uma nova di- namica de opresso politica e explora¢%o econdmica. No plano cultural julgam-se superiores e com 0 chinesa no culto ao progresso, 4 modernizagao da vida econémica e social, aos modelos ideolégicos da democracia capitalista européia do século XIX. No piano econémico, sobretudo depois da segunda revo- lugo industrial (1873-1895), detém uma incontesta- vel superioridade tecnolégica ¢ militar. A invasau das poténcias desdobra-se em trés fases: a) Aexpans&o comercial — 1840-1884 Neste periodo, as poténcias impdem seus inte- resses comerciais. Destacam-se a Inglaterra e, num plano secundario, a Riissia czarista, a Franca e os Estados Unidos. O Império dos Qing limitara o comércio com as poténeias temendo sua influéncia desagregadora — tempo influenciarao boa parte da elite intelectual. Revolucao Chinesa econdmica e politica. Os estrangeiros sé podiam ter acesso a Canto, no sudeste da China; determinados produtos niio podiam ser negociados, por exemplo, 0 6pio, considerado fundamental pela Inglaterra no sentido de equilibrar sua balanga comercial com a China; além disso, os estrangeiros s6 podiam comer- ciar com as Associacgdes de Mercadores chineses, intermediérias obrigatérias para o comércio interna- cional. Para quebrar as restrigdes, a Inglaterra desen- cadeard as guerras do pio: 1839-1842 e 1856-1860. Os Qing, temendo mobilizar o povo contra “‘o estran- geiro’”’, porque também poderiam ser atingidos, acei- tam as imposigdes inglesas. Os tratados de Nankin, em 1842, e de Pekin, em 1860, consagram a derrota chinesa e determinam uma série de conseqiiéncias: liquidaco dos intermediarios obrigatérios nas rela- des comerciais, liberacao do comércio internacional em 16 portos chineses, entre os quais, Cant&io, Shan- ghai, Fuzhou, liberagaio da circulagdo de produtos estrangeiros em todo o territério chinés, legalizando- se definitivamente 0 comércio do 6pio, permissaio aos estrangeiros para comprar terras na China e instalar escolas e hospitais, cessio de determinados territé- rios, parcial ou totalmente, as poténcias (destacam- se a cessfio total de Hongkong a Inglaterra, a criagio de uma série de “concessées” territoriais onde Con- selhos Municipais eleitos pelos residentes estran- geiros governarao de fato e a “‘cessio” de impor- tantes faixas de terra 4 Russia czarista: a margem norte do rio Amur e a margem oriental do Ussuri — Daniel Aarao Reis Filho Revolugado Chinesa maio de 1858 e novembro de 1860, respectivamente), permissio para o estabelecimento de bases militares € para a circulagao de barcos de guerra das potén- cias, criagdo de um sistema de “‘reciprocidades auto- maticas” mediante o qual um privilégio concedidd a uma poténcia poderia ser reivindicado por outras, pagamento de indenizacdes as poténcias com 0 obje- tivo de custear... as despesas de guerra realizadas por elas, consolidacao da nogdo de “extraterritoriali- dade”, segundo a qual os cidadios estrangeiros fica- riam imunes a lei chinesa mesmo em casos de crimes comuns praticados em territ6rio chinés. As guerras e os tratados revelam a debilidade dos Qing e uma certa cumplicidade que se estabelece entre eles e as poténcias que se comprometem a prestar assisténcia técnica e militar para esmagar a reyolugao popular dos Taiping (cf. Cap. 3). Por outro lado, os tratados configuram as bases e os prece- dentes da dominacdo imperialista na China. A partir dai, as derrotas militares frente 4s poténcias serio sempre acompanhadas por atos diplomdticos que consagrarao, ampliarao e consolidaréo a presenga estrangeira e as “‘conquistas”’ registradas em Nankin e Pekin. b) O desmembramento da periferia do Império Mandchu — 1884-1894 A segunda fase comeca com a guerra franco- chinesa de 1884-1885: as poténcias iniciam o des- membramento territorial do Império chinés, concen- r trando-se no cerco e conquista de suas “periferias’”. A Rissia czarista dera o sinal com a anexagio das margens norte e oriental do Amur e do Ussuri. A partir de ent&o, cada poténcia procura melhores po- sigdes. — A Rissia e a Inglaterra disputam posicdes na Asia central ¢ no oeste da China. — A Inglaterra avanga a sudoeste, anexando o norte da Birmania, o territério de Sikkim e ganhando acesso comercial ao Tibete. — A Franga consolida sua presenca a sudeste, ane- xando o Vietn&’ e 0 Laos — em 1885 e 1893 respectivamente. — O Japio estrutura sua rea de influéncia no nor- deste (Coréia) e leste (Taiwan). O avango das poténcias indica um duplo pro- cesso de enfraquecimento do Império mandchu que no consegue manter suas “periferias” sob controle, e de fortalecimento da capacidade de intervengao das poténcias. A fase € igualmente marcada pelo equilibrio entre as diversas poténcias (Inglaterra, Russia, Fran- ca e Japio) e pela transigio para uma nova etapa, quando os interesses ligados 4 exportagao de capitais predominario sobre os interesses comerciais. c) A divisio da China em dreas de influéncia — 1895-1914 A terceira fase também se abre com uma guerra: a agress&o vitoriosa do Jap&o sobre a China em 1894- ee a Daniel Aardo Reis Filho Revolucdo Chinesa 23 1895. Os japoneses constituem uma auténtica ‘Area de influéncia” no nordeste da China (peninsula de Liaodong) e introduzem nos acordos diplomticos uma inovagdo decisiva: o ‘‘direito” de investir capi- tais, Todas as poténcias reivindicarao o mesmo trata- mento — estava langado o processo de divisio da China em 4reas de influéncia: 0 norte e o nordeste passam a um condominio russo-japonés; a Alemanha avanca sobre a peninsula de Shandong; a Inglaterra consolida posigdes no vale do Yangzi e provincias vizinhas; a Franca avanga ao sul nas provincias limi- trofes ao Vietnd recém-conquistado. Entretanto, todas as poténcias continuam tendo livre acesso a0 conjunto do territrio chinés --'é 0 que os Estados Unidos tentam garantir com a sua “Open Door Po- icy” que poderia ser traduzida como a “doutrina da generalizacio dos privilégios abusivos””. ‘A fase caracteriza-se pelo dominio do capital financeiro, pela articulagfo do mercado nacional chinés em torno de grandes bancos estrangeiros, pe- los investimentos macicos de capital internacional em territério chinés: estradas de ferro, minas, side- rurgias, fabricas t€xteis, ete. Acentuam-se também a instabilidade hegemOnica entre as poténcias e, em conseaiiéncia, a rivalidade entre elas, A guerra russo- japonesa em 1904-1905 é a maior expresso do pro- ‘cesso — a vitéria do Japo confirma a forca crescente do jovem imperialismo asidtico. A China, “o homem doente do Extremo-Oriente”’ A presenga e a progressto das poténcias impe- rialistas na China, ao longo dos anos, modificam substancialmente a fisionomia e a dinamica da eco- nomia e da sociedade chinesas. Subvertem os pa- drdes de dominagao politica ¢ ideoldgica. Desestru- turam o mito da “superioridade” do Impéric chinés subordinando as elites dirigentes tradicionais, im- pondo novos polos de desenvolvimento (Shanghai) e forjando através deles uma economia de tipo capita- lista, Novas classes sociais surgiraio nos centros urba- nos: burguesia (industrial, comercial e financeira), proletariado e uma intelectualidade assimilada aos padrées modernizantes e ocidentalizantes do capita- lismo europeu. O Estado Imperial emerge da sucessio de der- rotas e de capitulacées politicamente falido. O despe- dagamento do territério s6 € evitado pelas rivalidades entre as poténcias que disputam 0 mercado chinés. Na euforia das vitérias militares e diplomAticas, as poténcias nao quiseram ou nao puderam yer que a fatura da nova dominagao estava sendo paga pelas grandes massas do povo chinés e que a capacidade de controle politico e ideolégico das elites chinesas tra- dicionais estava sendo corroida pela sua propria con- digdo de cfimplice e sécia-menor no sistema imposto pelos interesses imperialistas. O duplo processo libe- raria as forcas de resist@ncia 4 opressao nacional ¢ exploracio social. Revolucdo Chinesa 25 A RESISTENCIA A OPRESSAO NACIONAL EA EXPLORACAO SOCIAL (1840-1914) A invas&o das poténcias imperialistas desafia a nagiio chinesa, pée em cheque sua cultura bimilenar, abala as raizes da dominacaa social e politica e acen: tua as condigdes da exploracio social. Dois movimentos tentam responder ao desafio. O primeiro baseia-se nas elites dominantes, atua no interior das instituicdes com, o objetivo de reformar e modernizar a sociedade e 0 Estado. O segundo movi- mento baseia-se nas massas camponesas com 0 obje- tivo de derrubar a dinastia dos Qing, responsabi- lizada pelos males que assolam a sociedade, mas, em muitos casos, assumir4 um carter antiimperialista. A vertente modernizante-reformista — “Aprender com os Barbaros para dominar os Barbaros”. As guerras do épio — 1840-1860 — e as insur- reigdes populares — 1850-1870 — evidenciam a superioridade politica e militar das poténcias ociden- tais e a debilidade do Estado Imperial, impotente frente aos “‘diabos estrangeiros” e as revoltas campo- nesas. Como enfrentar os “‘barbaros’? Como conso- lidar a dominagio politica e social? As elites chinesas refletiam diante do seguinte dilema: a invasdo impe- rialista solaparia a médio prazo os mecanismos da dominaciio social. Era necessdrio reform4-los. Mas imitar o estilo e a técnica ocidentais era uma alter- nativa arriscada: até que ponto o processo poderia ser combinado com a manutenc¢ao do Estado chinés? Até que ponto no poria em cheque a prépria “neces- sidade”’ da dominag&o politica nos moldes em que era até ent&o exercida? Na acirrada luta ideolégica entre ‘‘tradiciona- listas” e “‘modernistas” acabou prevalecendo a con- cepcdo de que o Estado Imperial deveria modernizar- se, mas de forma seletiva e em areas determinadas: estaya lancado o Movimento de Imitagao do Estilo Ocidental que se estendera até a queda do Estado Imperial mandchu, em 1911. Daniel Aaréo Reis Filho O Movimento de Imitagao do Estilo Ocidental Inicialmente, o Movimento tentou concentrar a modernizacéo no @mbito da defesa: tratava-se de construir arsenais, estaleiros navais, fabricas de mu- nigdes, de armas ligeiras e de material bélico pesado. Era necessirio organizar e equipar forcas armadas modernas, capazes de dissuadir novos avancos das poténcias estrangeiras. ‘As primeiras realizagdes surgem na década de 1870-1880: fabricas de armamentos, estaleiros, arse- nais, destacando-se o arsenal de Jiangnan, em Shan- ghai, com oficinas de reparagio, de construgio mec4nica, estaleiros, manufaturas de armas e muni- des, reunindo dois mil operarios na produgao. O Movimento de Imitagdo n&o passaria, entre- tanto, pela sua primeira “‘prova de fogo”: a guerra franco-chinesa, de 1884-1885: — a nascente indistria bélica fora incapaz de criar tecnologia. original e adaptada as condicdes da China. FAbricas e arsenais eram dirigidos por técnicos estrangeiros, copiavam modelos ociden- tais jA obsoletos e utilizavam mquinas e maté- rias-primas importadas. Por estas razées, e pela decis&o politica de limitar a modernizacao 4 area da defesa, nao foram estimulados e criados ou- tros setores industriais; — o Estado Imperial mandchu também nio se for- talecera politicamente: as indtistrias bélicas pas- savam para o controle dos chefes politicos ¢ mili- tares das zonas e regides onde se localizavam. A Revolugdo Chinesa 2 Corte Imperial foi obrigada a organizar o “seu” proprio arsenal, em Tientsin. O proceso ace1 tuava o enfraquecimento do Estado central, ja debilitado pela invastio das poténcias imperia- listas. Na pratica, e em resumo, o Movimento de Imi- taco sO conseguira fortalecer as elites sociais e poli- ticas na luta contra as massas camponesas chinesas. Uma fracio do mandarinato confessava mesmo que este era 0 tinico objetivo da “‘modernizagao”: “Os bandidos (os camponeses) podem ser exterminados, mas nao os barbaros”. Mas, no conjunto, as elites permaneciam preocupadas com a influéncia desagre- gadora das poténcias. Procuraram resolver 0 pro- blema introduzindo “‘aperfeicoamentos” no &mbito do Movimento de Imitacao. Ampliou-se o processo de industrializagao: explorac3o de minas, inddstria téxtil, siderurgias, companhias de navegacao a vapor, tentativas de im- plantagio das primeiras linkias de estrada de ferro e das primeiras redes de comunicac&o. Sem que o Es- tado abdicasse de seus controles, incentivava-se a participagao do capital privado nacional, combi- nando-se o controle oficial e a gest&io dos negociantes particulares. As guerras posteriores com o Jap%o (1894-1895) e com as poténcias, por ocasido da Revolta dos Bo- xers (1898-1901), revelariam, contude, e mais uma vez, 05 limites do Movimento de Imitagao. Parte do mandarinato respondeu com o Movi- mento Reformista dos Mandarins: propunha-se a 28 Daniel Aarao Reis Fitho imiltar os ocidentais nfo s6 no plano econémico, mas fambém nos planos educacional e administrative ua passagem pelo governo, entretanto, seria curta: em 100 dias seriam derrubados pelas forgas conser vadoras e tradicionais, 2 Depois da derrota dos Boxers ainda h g a ds : uve uma iiltima tentativa: a propria Corte Imperial, perce. endo a iminéneis da queda, tomaria a inicativa de ie de re uma formas que acabaram nao sendo apli. Dois processos, de fato, t i 5 , tornavam irreversi queda do decadente Estado Imperial: heen lista, que reduzira a China a uma si e t situs aie € 0 descontentamento popular, ace a 0 demi ani ‘as revoltas camponesas, endémicas fo ouisitia entdo uma nova verso de modemniza- sdo do Estado ¢ da sociedade chinesas — 9 Movi mento Republicano. : O Movimento Republicano — 1894-1914 O Movimento Republicano su: a li irge nos ultime ane aaeecule XIX, ampliando e aprofundando a = ue 'o modernizante do Movimento Reformista s Mandarins. Diferencia-se, Porém, deste ultimo Em 1905, intelectuais chineses exi < # tall fc Pio articulam a fusto de trés organisaysee enc Revolugdo Chinesa tinas formando a Liga Jurada. A Liga assume um programa republicano baseado em trés principios — os Trés Principios do Povo — Nacionalismo, Demo- cracia e Bem-Estar social. Por nacionalismo entende- se a luta contra o Estado Imperial mandchu; por democracia, o estabelecimento de uma repiblica presidencialista inspirada no modelo norte-ameri- cano; quanto ao bem-estar social, as propostas nao vio além de um vago assistencialismo. A Liga promover4, entre 1907 e 1911, oito tenta- tivas insurrecionais no sul da China: todas serao esmagadas ou mesmo abortadas antes que os planos entrem em fase de execucao. A Liga também desen- volve intenso trabalho de divulgacao de suas concep- des e programa. A atuacdo da Liga se verifica num clima de de- bates intelectuais e cientificos sobre o futuro da China: jornais e sociedades surgem e se multiplicam defendendo reformas mais amplas e profundas. As perspectivas modernizantes influenciam cada vez mais as elites sociais e politicas. A alternativa republicana passara a ser assu- mida por correntes importantes: os capitalistas con- centrados em Shanghai e no baixo Yangzi comegarao avé-la como um sistema melhor adaptado ao “livre” jogo das forcas econdmicas; 0 mandarinato regional simpatizara com a proposta descentralizadora do Movimento Republicano; as préprias elites rurais aderirao, procurando aproveit4-lo como canal para o descontentamento popular. Finalmente, as potén- cias imperialistas deixarao de se opor em troca de Daniel Aardo Reis Filho§ Wevolugdo Chinesa garantias explicitas em relacdo 4 manutengdo da or- dem e ao respeito pelos tratados internacionais. As poténcias também imaginam que a descentralizacio republicana facilitaria a composicao de interesses no quadro da divisio da China em 4reas de influéncia. Baseado, portanto, numa ampla frente de inte- resses, 0 movimento republicano amadureceré em pouco tempo. A 10 de outubro de 1911, explode a insurreig&o de Wuchang. Os revolucionarios anun- ciam a Reptiblica e recebem a adestio das principais provincias. A plebe urbana é manipulada como mas- sa de manobra, estimulando-se o é6dio ao “‘estran- geiro” mandchu. A Liga Jurada tenta controlar o processo — uma assembléia reunida em Nankin elege Sun Yat-sen presidente da Repiblica. A 1° de janeiro de 1912, Sun toma posse. A Liga Jurada, contudo, no representa as for- as que impuseram a vitéria republicana, nem tem enyergadura para sustentar o governo, cujo controle se desloca para as elites tradicionais rurais que se agrupam em torno de chefes militares. Sun é obri- gado a renunciar em favor de Yuan Shi-kai, que representa as elites da China do Norte e goza de maior confian¢a junto as poténcias imperialistas. A Repiblica chinesa foi proclamada mas nao se afirma: predominam as forcas regionais, estimu- lando 0 “‘patriotismo” de provincia e os movimentos centrifugos. Quando Yuan Shi-kai morre, em 1916, JA convertido em ditador absoluto, a China encontra- se mergulhada em intermindveis guerras internas — desagrega-se o poder central e se inicia 0 periodo da “Reptiblica dos Senhores de Guerra”. Ofracasso da vertente modernizante-reformista A sucesso de derrotas evidencia a debilidade da yertente modernizante-reformista. E verdade que em 1914 a China est4 parcialmente “‘modernizada”, mas © controle do processo pertence as poténcias estran- geiras, Elas se aliam As elites tradicionais, preser- yando suas posicdes e intensificando a exploracio social, baseada na desigual distribuicdo da terra. Estdo exatamente ai as raizes do fracasso da ver- tente modernizante-reformista: nfo ter posto em questo as principais contradigées da sociedade chi- nesa: o dominio da terra e a opressiio das poténcias imperialistas, A vertente popular — dos Taiping aos Boxers — 1840-1901 As poténcias imperialistas nao desafiavam ape- nas as elites dirigentes. A dominac’o econémica e as imposigdes politicas das poténcias estrangeiras acen- tuaram igualmente as condigtes de exploractio do Povo. O pagamento de indenizagdes e dividas exigidas do Estado Imperial transferiam-se para os campo- heses e para os trabalhadores em geral sob a forma Daniel Aardo Reis Fill Revolucdo Chinesa de impostos. Por outro lado, os produtos importa- Guangxi, com a fundagaio da Sociedade dos Adora- dos, livres de impostos ou pagando taxas irrisérias, dores de Deus. Até 1850, desenvolvem-se atividades provocavam a decadéncia de setores expressivos do de agitacao: 0 povo deve preparar-se para 0 inicio artesanato chinés. Mesmo os setores beneficiados proximo de um reino de paz e de concérdia sociais, pelo comércio internacional (ch, seda, porcelana) “onde a humanidade volte a ser uma grande familia, estavam sujeitos as flutuagdes do mercado, sem falar usufruindo em comum a Paz e a Harmonia”. A pre- no processo crénico da “deterioragdo dos termos de gacdo obtém a simpatia das grandes massas campo- troca”’. nesas ¢ a ades&o de outras sociedades secretas do sul O avanco das poténcias também impde novos da China. pélos econémicos (Shanghai) mais adaptados as no- Em 1851, anuncia-se a chegada do Reino Ce- vas necessidades, deslocando centros tradicionais leste da Grande Paz ou da Grande Harmonia Social (Cantao): o processo arruinaria as atividades comer- (Taiping Tianguo): inicia-se a insurreicao pelo esta- feidicanterlormente'oryauteadesy ieyandoanilhares de belecimento da nova ordem. Até abril de 1852, os pessoas ao desemprego e a miséria. revoltosos consolidam posi¢des em Guangxi e, a par- A desagregacio do poder central provocaria tir de entéo, comega a marcha em diregAo ao norte ainda o surgimento de uma infinidade de senhores com 0 objetivo de destruir o Estado Imperial, defi- regionais e locais que lutam entre si para assegurar nido como inimigo principal da Grande Paz. a prépria supremacia — o processo acentua o clima Em janeiro de 1853, os Taiping derrotam os de arbitrariedades que pesa tradicionalmente sobre o exércitos imperiais e as milicias locais dos senhores campesinato. de terra e conquistam Wuchang no centro da China. No plano cultural os mission4rios cristos des- Nankin, ocupada em 1853, é transformada em capi- respeitam tradicdes e valores populares. A sua acdo tal do Reino da Harmonia Social. estimula o 6dio aos “‘diabos estrangeiros””. Os camponeses e a plebe urbana aderem ao A acentuac&o das condi¢des de exploragio e de movimento. O exército dos Taiping redistribui ter- opressio num quadro de desagregacao do poder cen- ras, sanciona punicées contra os senhores de terra e tral cria uma situagao propicia a eclosio de revoltas e funciondrios do Estado Imperial, anuncia a diminui- guerras camponesas. cao e suspensio de impostos. Em 1854, organiza-se uma expedicao ao norte. Mas j4 no tem o mesmo vigor, no conseguindo mobilizar os camponeses ao norte do Yangzi. Em 1855, as tropas da Expedi O movimento comega em 1845, na provincia de ao norte sero dispersadas pelos exércitos imperi A guerra camponesa dos Taiping — 1845-1864 Daniel Aardo Reis Fith ; Revolugdo Chinesa os Taiping passam a defensiva. Sediado em Nankin, o Reino Taiping resistiria a varias expedigées imperiais. A derrota vira em 1864, sendo acompanhada de massacres impiedosos: as perdas demogrAficas sero sensiveis até 1950. O movimento dos Taiping, por um lado, é uma guerra camponesa classica — diregdo das sociedades secretas, programa igualitarista de distribuicao de terras e de combate as hierarquias, suspenséo de impostos. Por outro lado, contudo, integra elementos de cristianismo: Hong Xiu-quan, principal dirigente do movimento, estivera em contato com mission4- rios, lera a Biblia e autodenominava-se irmao mais mogo de Jesus Cristo. O que distingue, porém, os Taiping das guerras camponesas tradicionais é a sua politica moderni- zante: novo sistema educacional, banindo-se o for- malismo do Estado Imperial, reformas bancéria € militar, incentivos 4 construcdo de estradas de ferro e de redes de comunicacio, estimulos a participaciio do capital privado em companhias comerciais e de transportes. Alguns historiadores quiseram ver nos Taiping os germens de um capitalismo “nacional” auténomo que nao conseguiu prosperar. O movimento social popular em guerra — 1850-1890 A guerra dos Taiping aprofundou a crise do poder central, favorecendo a eclos&o de outras revol- tas em diferentes lugares da China: — areyolta dos Nian surge em 1853 na “regido das | fronteiras” entre quatro provincias: Anhui, su, Henan e Shandong. Dirige-se contra o Impé- rio mandchu e propée um programa igualitarista- distributivista tipico dos camponeses. Chegou a manter, entre 1853 e 1864, articulagdes com o movimento Taiping. Esmagada em 1868; — asrebelides muculmanas em Yunan (1853-1873), em Shenxi e em Gansu (1863-1873) e no Turkes- tio (1862-1878). Reivindicam respeito por suas particularidades étnicas e religiosas e dirigem-se contra a dinastia dos Qing, procurando atrair os camponeses Han (os chineses “‘propriamente di- tos”) com programas igualitaristas de redistri- uicdo da terra; — as rebelides urbanas promovidas pelas socieda- des secretas: em Shanghai, a Sociedade da Pe- quena Faca controla a cidade entre 1853 e 1855. Em Cantio, em 1854, é a vez dos Turbantes Ver- melhos. No médio Yangzi, a Sociedade dos Mais Velhos e dos Anciaos cria uma situacao de insta- biiidade crénica entre 1860 e 1885. Um histo- riador chinés, Wang Jian-jiang, citado por Jean Chesneaux, relacionou, entre 1850 e 1885, 104 revoltas em 15 provincias da China; — as revoltas locais contra a presenga das poténcias estrangeiras — entre 1860 e 1880 explodem mani- festagdes contra as concessdes internacionais, as arbitrariedades dos missiondrios crist&os, 0 des- tespeito as tradigdes populares, as humilhacdes da “politica da canhoneira”’ (operacdes punitivas 35 ¢ demonstrages de forca realizadas pelas poté! Daniel Aarao Reis Fil ‘Revolugao Chinesa cias estrangeiras em “repres4lia” as manifesta- ges populares). O movimento prolonga-se na década de 1880: tevolta mongol em 1886; revoltas de 1887 nas provin- cias de Hunan, Jiangsu, Fujian e Zhejiang; revolta em 1888 em Hainan que se prolonga até 1889; revolta em 1889 em Yunan; movimentos insurrecionais em 1891, no vale do Yangzi, promovidos pela Sociedade dos Mais Velhos ¢ dos Ancifios contra a presenca das poténcias imperialistas. Ao mesmo tempo, ha um processo de bandi- tismo social endémico, ao lado do recrudescimento da criminalidade sem fins sociais. Arevolta dos Boxers — 1898-1901 A Reyolta dos Boxers é a primeira insurreigao camponesa dirigida contra as poténcias imperialis- tas. Pode ser vista como precursora da luta de liber- taco nacional iniciada em 1937 contra a invasio japonesa. O nome da revolta esté ligado A organizagio clandestina que a dirigiu: a Sociedade dos Punhos da Tustiga e da Concérdia, fundada desde 0 inicio do século XIX. Originaria da “‘regiao de fronteiras” entre trés provincias (Henan, Jiangsu e Anhui), seus filiados distinguem-se pela pratica do boxe sagrado. A insurreicdo comega em 1898 no sul da provin- cia de Shandong, que sofria os efeitos de dois fla- gelos: as calamidades naturais, desde 1895, e o impe- rialismo alemAo, a partir de 1896. Repressio a movimento popular em Pekin. 37 Reprimidos e expulsos de Shandong, em 1899, os Boxers transferem-se para a provincia de Hebei, onde o movimento retoma félego e se amplia. Em 1900, contando com o apoio velado da Corte Impe- rial, que procura utiliz4-los em suas manobras diplo- miaticas com as poténcias, os Boxers marcham em diregdo a Tientsin e Pekin. Instala-se 0 panico nas embaixadas. Os diplomatas serdo libertados pela intervencio de uma forca militar internacional constituida pelas poténcias estrangeiras. Guilherme II dissera aos sol- dados alemaes: “Nenhuma miseric6rdia! Nenhum prisioneiro! Imponham o nome da Alemanha de tal forma que os chineses nunca mais ousem olhar um alemao, nem mesmo de lado’’. O exército imperia- lista no desapontou as expectativas, executando massacres e pilhagens em Pekin e organizando ma- tangas em toda a provincia de Hebei. ‘A Corte Imperial, que negara armas pesadas aos Boxers nos instantes decisivos do cerco 4s embaixa- das, restabelece ligagSes com as poténcias assinando um novo acordo (1901): novas indenizagoes e impo- sigdes transformam o Corpo Diplomatico estrangeiro no verdadeiro governo do pais. A China tornara-se uma semicol6nia. A derrota dos movimentos populares As insurreigdes e lutas populares assumiram a reivindicagao da terra e da derrubada dos Qing. Muitas delas sero precursoras da guerra de liberta- gio nacional do século XX, ainda que tenham sido eyentualmente manipuladas pelo Estado Imperial (caso dos Boxers). O que as diferencia e as distingue é0 amplo apoio das massas. Por que ent4o foram derrotadas? Porque nao foram capazes de apresentar uma alternativa global 4 dominagdo social e politica exis- tente. Os Taiping vencem militarmente seus opres- sores, mas so vencidos por sua cultura e pelas ci- dades: a necessidade de estruturar uma nova ordem social e sua defesa impde aos dirigentes Taiping uma dinfmica... que reproduz a velha ordem com suas seqiielas de arbitrariedades, impostos pesados e re- concentragao fundidria. Por isso perderao 0 apoio dos camponeses, base social decisiva do movimento. Os movimentos populares seréo também assola- dos por divisdes internas inerentes 4 propria frente de interesses sociais que representam. O processo é visi- yel depois das vit6rias, quando o movimento comega a receber a adestio dos senhores de terra, funcion4- tios do Estado Imperial, etc. As condigées militares também influenciam: os revoltosos ttm armas rudimentares e uma organi- zacao militar inferior para enfrentar guerras de po- sigdes. A repressao é catastréfica. Dizia um mandarim: “Se eu no os liquido completamente, se permito que sobreviva uma raiz, corro 0 risco de que eles voltem e me destruam”. Referia-se aos revoltosos, mortos aos milhares. Mas os massacres nao conseguiram resol- ver as contradigdes que estavam na base dos movi- Daniel Aardo Reis Filh mentos. Nem foram capazes de apagar as reivindi- cages do pensamento das populacdes. Balango da Resisténcia — 1840-1911 As vertentes elitista e popular, entre 1840 e 1914, so expresses hist6ricas da luta da nagao chi- nesa para enfrentar e resolver as contradicdes ge- radas pela opressao estrangeira e pela exploracio social. A vertente modernizante-reformista é uma alter- nativa das elites. Ora se volta contra o poyo (Tai- ping), ora contra as poténcias (Boxers). Pouco a pouco, entretanto, as elites compreender&o que lhes € reservado um lugar de s6cia menor no sistema im- posto pelas poténcias estrangeiras. E que isto é me- lhor que a destruic&io prometida pelas insurreicdes populares. Preferirao, assim, compor, e cada vez mais claramente, seus interesses com as poténcias. A vertente popular amadurece. Volta-se alter- nativamente contra seus exploradores e opressores internos ¢ externos. Sera manipulada, eventualmen- te, por uns e outros. Traida, As vezes, por seus pré- prios chefes, que se deixario envolver pela velha ordem. Deixar4, porém, gravada na memoria popu- lar seus feitos e programas. E a perspectiva da re- volta. O MOVIMENTO 4 DE MAIO DE 1919 E A LUTA PELA UNIFICACAO NACIONAL — 1919-1927 A proclamacao da Repiblica, em 1911, nao conseguira garantir a unidade politica da China. V4- rias provincias reivindicavam autonomia em relacio ao governo central e passavam para o controle de grupos de pressdo locais: o grupo Zhili domina as provincias de Hubei, Henan e Shandong; outros gru- Pos controlam as provincias de Shanxi, Yunan e Hunan; a regifio do baixo Yangzi é dominada pelo grupo Zhejiang. Determinados territérios sto reta- lhados em “‘feudos” independentes (Sichuan). Chefes militares locais e regionais lutam cons- tantemente entre si e seu poder baseia-se apenas na forca armada. Representam um novo flagelo para o povo chinés: arbitrariedades, impostos, obrigagdes de todo o tipo, destruigao de colheitas, paralisacao & dos trabalhos ptblicos, acentuando os efeitos das calamidades naturais. Nas cidades, os trabalhadores nao gozam de nenhuma protegiio ou assisténcia. A propria burguesia ressente-se de uma situacio caé- tica que sé beneficia as poténcias estrangeiras. O Movimento 4 de Maio de 1919 Apesar de ter participado na guerra de 1914- 1918, a China no tem suas reivindicacdes atendidas: ao contrario, as poténcias decidem, em 1919, manter seu estatuto semicolonial, transferindo a “‘frea de influéncia” alema (Shandong) para o Jap&o, desig- nado parceiro “especial” na regiao. Os estudantes denunciam as conversacdes em Paris, exigindo a n&o-assinatura do tratado e a de- missao dos partidérios do Jap4o no governo. A pri- meira manifestagdo realiza-se em 4 de maio de 1919 e © movimento é apoiado pela intelectualidade e bur- guesia urbanas. Decide-se um boicote aos produtos Japoneses e, de norte a sul do pais, as cidades assis- tem a comicios e manifestages antijaponesas. A luta assume um cardter de “‘salvacdo nacio- nal”, provocando debates sobre o sistema politico chinés e os principios ideolégicos que o orientam. Toda uma cultura é questionada: as hierarquias con- fucionistas, a submissio da mulher, o sistema edu- cacional formalista, a escrita elitista, etc. Um movi- mento de “‘renovag&o cultural”, baseado em teorias e concepgées ocidentais, galvaniza a intelectualidade wolueao Chinesa urbana. O pragmatismo norte-americano, o socia- lismo inglés, o marxismo, inspiram a criagao de jor- nais, revistas, grupos de estudos, preocupados em fazer da China uma nacdo respeitada no mundo. O movimento social é controlado a partir de ju- Iho-agosto de 1919. Mas as autoridades nao tém forca para eliminar os germens de contestacdo cul- tural langados pelo ‘4 de Maio”. Embora restrito as cidades, fora um movimento decisivo — basta dizer que muitos historiadores chineses datam dai o inicio da histéria contemporanea de seu pais. A luta pela unificag’o nacional — 1920-1927 O movimento nacional chinés, depois de 1919, passara a ser polarizado e conduzido por forgas so- ciais urbanas: burguesia, trabalhadores urbanos e “nova” classe média (professores, estudantes, etc.). A burguesia conhecera uma fase de prosperi- dade inesperada entre 1914 e 1918 (absorgao das po- téncias pela guerra), mas, a partir de 1921, sofre os efeitos da crise econémica mundial que entio se ini- cia e da concorréncia das poténcias que voltam a inundar a China com seu comércio, produtos, inves- timentos e finangas. Estas dificuldades se combinam com o flagelo dos “‘senhores de guerra” cujos perma- nentes conflitos entravam o desenvolvimento do capi- talismo nacional. r— Daniel Aardo Reis Fill {evolugdo Chinesa a8: apoio aos movimentos operdrio e camponés, alianga com o Partido Comunista Chinés (PCC) e cooperacgo com a Unido Soviética (URSS). A expedigao ao norte e a ruptura da Frente Unica — 1926-1927 A Frente Unica define dois inimigos: os senho- res de guerra e as poténcias imperialistas. A vitéria sobre os primeiros — conquista da unidade nacional € reorganizagiio de um poder central de fato — 6, segundo Sun Yat-sen, a condico para o enfrenta- mento com as poténcias. Sun ainda fara uma tltima tentativa para conseguir a unificag&o pacificamente: em margo de 1925 retine-se com os principais senho- res de guerra e propde a convocago de uma’‘Con- ven¢ao Nacional 4 qual todas as partes se subme- teriam. O acordo é impossivel e Sun morre atacado pelo c&incer sem poder concretizar seus sonhos. S6 resta a solug4o armada. A campanha militar seré fulminante: entre julho e dezembro de 1926, o exército do Guomindang liberta o sul da China, che- ga ao Yangzi e ameaca Shanghai. As maiores forcas dos senhores de guerra (700 mil homens contra 100 mil do Guomindang) combatem divididas e nfo tém a mesma motivacdo das tropas do exército ‘“nacio- nal” de Canto, dirigido por comissarios politicos e por uma jovem oficialidade capaz do ponto de vista profissional (formada com assessoria soviética na Academia Militar de Whampoa). Além disso, 0 exér- cito do Guomindang recebe macico e decisivo apoio dos trabalhadores rurais e urbanos das regides por onde passa. A progress4o militar do Guomindang estimula o movimento social no campo e na cidade. Nas cidades, os sindicatos se fortalecem, am- pliam seus quadros, consolidam suas milicias, con- trolam o emprego e intervém nas relacdes de tra- balho. Os congressos sindicais realizados em Hubei e Hunan em 1927 exprimem a fora ascendente do movimento operario. A “nova” classe média também se manifesta macicamente fayorAyel a luta pela uni- ficacdo nacional. No campo, verifica-se um formidavel avango do movimento social camponés: as Uniées Camponesas ampliam consideravelmente sua forga. N&o s6 arran- cam conquistas econdmicas: menores rendas, dimi- nuig&o de impostos, etc., mas também questionam o poder politico das elites rurais, assumindo tarefas de organizagao da vida social (trabalhos hidraulicos, construgéo de diques, abastecimento, etc.). As Unides chegam mesmo a quebrar os valores ideolé- gicos da “velha ordem’’: emancipacao dos jovens e das mulheres, critica das hierarquias, etc. O movimento das classes favorece a retomada da luta antiimperialista: os ingleses sio expulsos das “concessées” da Hanzhou e Jiujiang. Pela primeira vez, desde 1842, representantes das poténcias eram batidos em territério chinés. Mas a burguesia nao via com bons olhos o desenvolvimento da situag&o, A radicalizacfo das lutas sociais no campo e nas cidades ameaca suas Daniel Aarao Reis Fit Revolugao Chinesa posigdes. Por outro lado, comecam a surgir propos- tas de conciliag&o no campo inimigo: muitos senho- tes de guerra, sentindo a forca do exército do Guo- mindang, aderem e trocam de lado. As poténcias teconhecem formalmente a perda das concessdes das quais foram expulsas ¢ prometem atender uma yelha teivindicagio da burguesia de Shanghai: participar no conselho municipal que dirigia a cidade. A burguesia hesita e a ruptura amadurece na consciéncia de seus dirigentes politicos e militares. A decisio sera tomada em Shanghai, tnica cidade libertada por uma insurreic¢4o popular. O exército do Guomindang, comandado por Tehiang Kai-chek, s6 chegaria cinco dias depois. Tchiang exige o desarma- mento das milicias populares. Os operdrios relutam e se cria o impasse. A 12 de abril de 1927, Tchiang Kai-chek ordena o massacre das liderancas sindicais e politicas ligadas ao Partido Comunista Chinés (PCC) e 0 fechamento das organizacées populares. Era aruptura. O governo “oficial”, transferido de Cantao para Wuhan, aderiré ao regime que Tchiang Kai-chek instala em Nankin. O novo governo reivindica a he- ranga do movimento republicano e a figura de Sun Yat-sen, mas declara guerra aberta contra os comu- nistas e as organizac6es populares rurais e urbanas. O movimento popular ainda tentar resisténcias desesperadas. No segundo semestre de 1927, o Par- tido Comunista Chinés dirigiré a insurreig’io de Nan- chang a 1° de agosto, a insurrei¢&o da colheita de outono, em Hunan, ea de Cantdo, a 11 de dezembro. [ As trés serdio esmagadas pelo exército de Tchiang, j& atuando em conluio com as poténcias imperialistas e com os senhores de guerra que aderiram ao seu pro- jeto. Os trabalhadores urbanos nunca mais se levan- tariam com o mesmo vigor. Os camponeses teriam que buscar outros caminhos. Os instrumentos de luta — Guomindang e PCC Dois partidos aparecem no cenArio politico entre 1919 e 1921: 0 Guomindang — Partido Nacional do Povo — e o Partido Comunista da China — PCC. O Guomindang O Guomindang é organizado em outubro de 1919 por Sun Yat-sen. Herda a tradicdo da Liga Ju- rada e retoma o programa republicano democrAtico- burgués de 1911. Sua base social é formada por se- tores da burguesia e da “nova” classe média urbana. Varias tentativas frustradas demonstrarao a Sun que os “‘senhores de guerra” e as poténcias imperia- listas nao véem com entusiasmo seu projeto. A con- clus&o empurra-o na diregaio da Unido Soviética e do Partido Comunista da China (1922-1923). O processo de aproximagéo culminara com a “reorganizag&o”’ de janeiro de 1924 que se baseia na reinterpretacéo dos Trés Principios do Povo e na Daniel Aardo Reis definig&o das Trés Politicas (vide pp. 45-6). Os co- munistas ingressam no Guomindang. Ha, porém, resisténcias: em novembro de 1925, organiza-se 0 “Grupo das Colinas do Oeste” para lutar contra a influéncia dos comunistas no Guomin- dang. A inquietagao da burguesia aumenta com a forga do movimento popular que surge na esteira da Expedic&o ao norte, em 1926. A decisio do rompi- mento da Frente Unica viré em abril de 1927. ‘Tehiang Kai-chek, mandante do massacre de Shan- ghai, projeta-se como um lider nacional burgués. O Partido Comunista da China (PCC) O PCC realiza o primeiro congresso em julho de 1921, unificando minisculos grupos de intelectuais que se haviam formado em algumas cidades do pais. © partido surge como seco da III Internacional Comunista (IC) e se distingue pelo projeto de condu- zir a China a revolugao proletaria socialista. Os comunistas chineses, numa primeira fase, concentram sua atuacio junto aos trabalhadores ur- banos, Incentivam a formagio de sindicatos, a rea- lizag&o de congressos de trabalhadores e a luta so- cial. Participam ativamente do crescimento do movi- mento sindical operario entre 1921 ¢ 1923, mas seus efetivos permanecem modestos — 432 filiados regis- trados em 1923 (III Congresso). Em 1923, apesar das reseryas de seu secretario- geral, Chen Du-xiu, 0 partido acompanhard as dire- tivas da II Internacional ¢ ingressaré no Guomin- wolugdo Chinesa dang, assumindo a linha de Frente Unica pela cons- truco de uma Repiblica Democratico-Burguesa e pela Independéncia Nacional. fortalecimento do PCC e sua insergo nas lutas sociais parecem confirmar a validade da linha aprovada. O éxito da expedicfo ao norte, o cresci- mento do movimento popular, obscurecem a capaci- dade de andlise do PCC. Prisioneiro de seus préprios esquemas, nao se preparar4 para o rompimento bru- tal que se anuncia. Diante do massacre de Shanghai, o PCC ainda tenta Tecuperar o terreno estimulando diversos movimentos insurrecionais, todos derrota- dos. Obrigado a recuar e 4 se refugiar nas zonas rurais e no trabalho clandestino das cidades, o PCC estara condenado a repensar sua estratégia ou a desaparecer. Influéncias internacionais O processo de organizac&o do Guomindang e do PCC seria impensdvel nos moldes tradicionais da yelha China. Os dois partidos diferenciam-se pelo contetido de suas concepgées, mas tém algo em co- mum: reivindicam teorias e doutrinas desenraizadas da tradi¢io cultural chinesa: 0 Guomindang busca inspiragéo nos modelos democratico-burgueses da Europa Ocidental e dos Estados Unidos, enquanto 0 PCC procura transplantar para a China a realidade dos sovietes de Petrogrado. Boa parte dos quadros dirigentes de ambos os partidos s&io “filhos” do 51 Daniel Aarao Reis Fil Revolugdo Chinesa Movimento de 4 de Maio e se formaram intelectual- mente num meio social comum: o movimento da “nova” classe média urbana e sua caracteristica efer- vescéncia cultural “ocidentalizante” e “moderni- zante’’. Um outro aspecto das influéncias internacionais manifesta-se através da atuag&o dos emissdrios da Unio Soviética e da III Internacional no sentido da aproximacao politica que se verifica entre os dois Partidos. A declaraco assinada por Sun Yat-sen e pelo soviético A. Joffe, em janeiro de’ 1923, afir- mando que a “China nfo esté madura para o comu- nismo” e que “‘a luta prioritdria é pela reunificacdo nacional” e pela “‘independéncia nacional”, constitui © passo decisivo para o processo da Frente Unica, consagrado mais tarde pela “reorganizacio” do Guomindang em 1924, Orompimento da Frente Unica — ligdes da historia O rompimento de Shanghai apontara os limites da politica de Frente Unica contra os senhores de guerra e as poténcias imperialistas: — aburguesia e seu partido, o Guomindang, apoian- do Tchiang Kai-chek, demonstraram que recea- yam menos a posigéo de sécios menores num pacto com as poténcias do que a posiga&o de van- guarda num processo de ampla mobilizagao. po- pular que poderia comprometer suas posigdes — a rigor, nao se pode afirmar que tenham sido cegas na avaliacdo de seus interesses; as cidades revelaram-se terrenos improprios para enfrentamentos decisivos com a burguesia, por melhores que fossem as organizacdes populares — Shanghai e Cantao foram ligdes sangrentas que nunca mais seriam esquecidas; a experiéncia da Frente Unica também demons- trara a faléncia dos modelos “ocidentalizantes” de direita e de esquerda: o Guomindang fez sua opcdo abdicando do capitalismo nacional, de suas instituicdes politicas democrtico-burguesas e aceitando a dependéncia econémica, politica e cultural. Quanto ao PCC, teria um caminho mais longo e penoso para se libertar dos modelos im- postos pela Internacional Comunista e pelo Es- tado Soviético (cf. Cap. 8). as wolugao Chinesa de tend€ncias procurando a melhor alternativa para a revolug4o. Tanto o Guomindang como o PCC ten- der&o a redefinir os “modelos” ocidentais importa- dos que os haviam inspirado anteriormente, ade- quando suas concepgoes a realidade das condigées e dos interesses sociais que pretendem interpretar e defender. DO MASSACRE DE SHANGHAI A LONGA MARCHA — 1927-1935 A Reptblica do Guomindang — 1927-1935 Depois do massacre de Shanghai, a primeira _Operiodo que se abre com o massacre de Shan- tarefa do Guomindang 6 estabelecer 0 controle da ghai até o término da Longa Marcha, em 1935, é um situag&o ao sul do Yangzi. A repressdo as insurrei- dos mais complexos da Revolugao Chinesa. goes desesperadas do segundo semestre de 1927 e a _ Duas contradi¢des determinam 0 movimento da unificagao das alas do Guomindang em torno de Sociedade: de um lado, a nag&o chinesa continua se Tchiang Kai-chek consolidam a situac4o do governo enfrentando com as poténcias, particularmente 0 Ja- instalado em Nankin. pee eue Pressiio aumenta em 1931. De outro lado, Em fevereiro de 1928, os exércitos de Tchiang 4 fes sociais, agrupadas em torno do Guomin- retomam a marcha ao norte com o objetivo de uni- fang, tentam esmagar pela violéncia 0 movimento ficar o pais, j4 agora contando com a simpatia da Geeemccenoc tural. burguesia de Shanghai e das poténcias imperialistas. A Situacdo se complica porque nem a Republica A progress4o militar é facilitada pela adesio da lo Guomindang, nem o movimento popular dirigido maioria dos senhores de guerta: em junho de 1928, pelo Partido Comunista da China (PCC) constituem as tropas do Guomindang entram em Pekin — a unidades homogéneas. Na Republica burguesa as China esté aparentemente unificada. contradicdes entre senhores de guerra e Guomindang HA, entretanto, uma distancia entre 0 discurso e sao @ expressdo de diferentes interesses em choque ao a pratica: nenhum dos dois objetivos definidos em nivel das elites dominantes. No PCC também ha luta julho de 1926 — unificagao da China e liquidagao finando a burguesia chinesa em aplicacées especu: Daniel Aarao Reis Filho dos senhores de guerra e expulsio das poténcias imperialistas — fora atingido, apesar da retérica dos chefes do Guomindang. A Repiiblica do Guomindang caracterizava-se pela conciliac&o e unidade ao nivel das elites sociais, incluindo as poténcias, e por uma guerra implacAvel aos moyimentos populares. A conciliagao ao nivel das elites sociais exprime © pressup6e uma alianca com os senhores de guerra, a maioria dos quais aderira apenas formalmente ao governo de Nankin. Os exércitos regionais sao man- tidos e devoram substanciais r cursos, as dissidén- cias continuam a se multiplicar: ‘‘governos indepen- dentes” proclamados em Pekin (setembro de 1930), em Canto (maio de 1931), em Fujiam (novembro de 1933); algumas provincias mais longinquas (Yunan, Sichuan, Gansu) so retalhadas por lutas entre che- fes militares; 0 norte e o nordeste conservam grande autonomia, permanecendo sob o comando de senho- Tes de guerra regionais promovidos a “‘generais” do exército nacional. Internamente, o capitalismo chinés articula-se em torno de quatro grandes bancos — o Banco Cen- tral, o da China, o das Comunicagées e 0 da Agri- cultura — pertencentes as “quatro grandes fami- lias”, apoiados e sustentados pelo governo central. A burguesia nacional, em 1932, controla apenas 1% da produgio de mAquinas; o setor de bens de con- sumo é totalmente dependente da tecnologia das po- téncias. A pressiio do capital estrangeiro acaba con- Revolugao Chinesa ‘as (capitalismo burocriatico). Externamente, como ja disse, a conciliagao in- clui as poténcias imperialistas. O Guomindang regis- tra algumas “‘vitérias” nesta frente: as poténcias con- cordam em ‘‘devolver”’ vinte das trinta e trés conces- sdes que possuiam, mantendo, naturalmente, o con- trole das principais; a China recupera 0 controle de servigos puiblicos essenciais: a alfandega, a arrecada- 40 do imposto do sal, os correios. O embargo ao comércio de armas, decretado em 1919, é suspenso e as pot€ncias prometem para breve a rentincia ao “direito 4 extraterritorialidade”. A dominag&o estrangeira, contudo, continua incontestavel — 0 controle das finangas, do comércio exterior, da indtstria e dos transportes acentua a dependéncia econémica e financeira. Politicamente, as poténcias mantém uma pressAo constante, agra- vada pelo expansionismo japonés, cada vez mais agressivo, Jaem 1928, a pretexto de “defender” seus nacionais, tropas japonesas invadem Jinan, em Shandong; em setembro de 1931, assumem o con- trole de Mukden, na Mandchii: em janeiro de 1932, atacam Shanghai, sendo, porém, repelidos; em marco de 1932, estabelecem um “‘estado-satélite” na Mandchiria — o Manzhouguo —, entronizando o ex-imperador Pu Yi, deposto ainda menino pela revolugdo republicana de 1911. A 1° de janeiro de 1933, atacam Jehol e ameagam Chaar — o nordeste da China tende a se tornar uma colénia japonesa. O governo do Guomindang tergiversa e concilia. Alega-se que as poténcias estrangeiras sAo um “mal Daniel Aardo Reis Filho Revolugao Chinesa 59. acidental” e que os comunistas, ao contrério, cons- tituem um “mal organico” a quem é necesshrio dar prioridade no combate. Também se afirma ser neces- sario tratar “‘antes da reunificagéo nacional” para “depois combater os inimigos externos”. Estas pre- missas orientario uma guerra implacdvel ao movi- mento popular. Depois de reprimir as cidades em 1927 e 1930, © Guomindang passa ofensiva contra 0 movimento camponés: em 1928, diversas insurreicées campone- sas sero esmagadas nas provincias de Sichuan, de Shandong e na Mandchiria, dirigidas pelas Socie- dades Secretas dos Soldados Sagrados do Caminho Budista, dos Lancas Vermelhas e da Grande Faca, respectivamente. A principal resist8ncia ser oferecida pelo movi- mento social camponés em torno das “bases verme- thas” dirigidas pelo PCC entre 1928 e 1934 no centro € no sudeste do pais. O Guomindang desencadeara varias campanhas militares até o aniquilamento das hases, em 1934, obrigando os comunistas a se reti- Tarem para o noroeste. A repressio que se segue lembraré as mortandades do tempo dos Taiping, no século XIX, A Repiiblica de Nankin une as elites na defesa da propriedade, capitula diante das agressdes estran- geiras em nome da unidade nacional e reprime o movimento popular em nome do combate ao comu- nismo. Esta politica ja nfo tem muito a ver com os sonhos de Sun Yat-sen e com os proprios prineipios do Guomindang. Do “modelo” ocidental emerge r uma caricatura de-repiblica, combinando aspectos do nazismo (culto ao chefe supremo, organizag4o dos “camisas azuis”’), do fascismo (“Exército, Nagao e Produgio”), do confucionismo (respeito a ordem e as hierarquias), de ensinamentos de Sun Yat-sen, etc. A caricatura, porém, é apenas formal: na pra- tica, ela representa a melhor adequagao dos “princi- pios” do Guomindang a “‘frente” de interesses reais que se compdem em torno da Republica. A evolugao do movimento popular e do PCC — 1927-1935 No periodo, h4 um deslocamento do eixo do movimento social das cidades para o campo. As insurreigdes urbanas sero substituidas pela resistén- cia armada rural, a reivindicagao da legislacao social do trabalho dard lugar a reivindicagao de uma Lei de Reforma Agraria, o campesinato se afirmaré como forga social principal da revolucao. No PCC trava-se a luta entre o “modelo Petrogrado” de revolugio social, defendido pelas-principais tiderancas do par- tido e apoiado pela autoritlade politica da Interna- cional Comunista, e uma nova estratégia que nasce da experiéncia nas “‘bases vermelhas” rurais. A evoluc&o desdobra-se em trés fases. Daniel Aarao Reis Fill Do massacre de Shanghai & ofensiva geral de 1930 — agosto de 1927—julho de 1930 Depois de 1927, a repressio se abate sobre as cidades e 0 campo: — nas cidades, 0 governo do Guomindang combina uma ado policial eficaz com a articulagao de sin- dicatos “‘amarelos” (que colaboram abertamente com o regime) e ‘“‘negros” (agéncias policiais organizadas no seio do movimento operdrio). Também auxiliam o governo as quadrilhas de traficantes e de contraventores, consolidando uma alianga que vem desde abril de 1927; no campo, a situacdo é critica, apesar de nao tao desfavoravel: 0 Guomindang alia-se As milicias turais dos senhores de terra e recorre aos siste- mas tradicionais de controle da populacio cam- ponesa. Termina o periodo em que as Unides Camponesas gozaram de relativa liberdade. O VI Congresso do PCC retine-se em Moscou entre julho ¢ setembro de 1928 e tenta enfrentar a situago. A linha de Frente Unica com 0 Guomin- dang, abandonada em agosto de 1927 numa reuniio do Comité Central, é mais uma vez criticada, re- caindo a responsabilidade na figura de Chen Du-xiu, secretario-geral do partido. A alternativa inspira-se mais uma vez nas diretivas da III Internacional (que realiza seu V Congresso também em Moscou e na mesma época) — 0 PCC aprova uma linha “ofen- siva”, baseada na concepcSo de que “‘o mundo ca- minha para uma crise geral do capitalismo”. A levolucdo Chinesa “ofensiva” se basearia na alianga operario-campo- nesa, mas, na pratica, o campesinato é colocado como “‘forca de apoio” a uma revolucao proletaria que se aproxima. Enquanto em Moscou se decidia a sorte da linha revoluciondria, na China se decidia a sorte da revo- lugdo: os militantes do partido, dispersos e desorien- tados, fugiam da sanha repressiva e se reagrupavam da melhor maneira possivel. Boa parte deles esco- thera o campo como refigio: 14 as condigdes sio melhores e a repressdo menos eficaz. Agirao quase instintivamente, reproduzindo os padrées de com- portamento dos “bandidos sociais” e das sociedades secretas tradicionais da ‘“‘velha” China: procurario regides de dificil acesso, afastadas das vias de comu- nicagao ¢ localizadas nas fronteiras de duas ou mais provincias. Nascera ent&o uma série de “bases fron- teiricas”’, “‘revolucionérias” ou “‘vermelhas’’: no oes- te de Hunan, nas fronteiras das provincias de Shenxi- Gansu, de Henan-Hubei-Anhui, de Zhejian-Fujian, etc. Em meados de 1930, existirao cerca de quinze bases, principalmente no sul e centro do pais. Numa primeira fase, elas serio muito mais um produto da derrota politica do que a expresso de uma linha alternativa. A experiéncia das bases “‘vermelhas” fornecer4 subsidios para a elaborag4o de uma nova politica: a revolug&o se apoiaria principalmente no campo e nos camponeses, assumindo papel decisivo a Refor- ma Agraria como politica de mobilizagio popular. O Exército Vermetho passaria a ser o instrumento 6 fundamental do processo revolucionério, do, com armas nas maos, os campone! guarda, e subordinando, na pratica, o P munista. Finalmente, a luta pelo poder Processo de longa duracio, forjado a pal mada do poder local ¢ caminhando em: Poder central através do cerco das cidades: Po. A nova politica nao surgiré pronta é | Sua elaboracio ¢ afirmagio passario po ziguezagues, dificuldades e advers4rios, O deles é, sem diivida, a politica de “ofensiy preconizada pela III Internacional e api VI Congresso do PCC. O Comité Central do PCC, di: Li-san, traca os planos e marca a dai A ofensiva se basearia nas cidades d Changsha e Nanchang — o partido ten lar insurreigdes urbanas que seriam apoi destacamentos armados vindos das bases Vi circunvizinhas. Os dirigentes das bases sao 6 a cumprir o plano: destacam-se, entre Tsé-tung e os principais chefes tnilitares Zhu De, Peng De-huai, Liu Bo-cheng, As sublevacdes fracassam, confirn irrealismo politico da direc4o. Os resultad sastrosos nas cidades — 0 PCC perderdl | influ€ncia politica nelas. No campo, os mentos armados sofrem pesadas perdas, m guem Se reagrupar em suas bases, oviética de Jiangxi — dezembro de 1934 des, a forca politica do proletariado ite abalada. Subsistirao pequenas re- 0 clandestino. No campo, ao contrario, ) camponés recobra energias e oferece ino social ao crescimento da influén- flo do partido transfere-se das cidades fs revolucionérias. Li Li-san perde 0 co- \do-o a quadros jovens recém-chegados ica, formados em Moscou e partidé- jonais das diretivas da Internacional (IC) — sao os “28 bolcheviques”. A si- § deixa de ser paradoxal: uma “Area liber- mente camponesa dirigida por qua- jrios fascinados pelo “modelo Petro- fevolugao, essencialmente urbano. flovembro de 1931, homenagem evidente Soviética, celebra-se na principal ‘area’ fundacto da ‘Reptiblica Soviética do 610 delegados vindos de todas as “‘bases / = quinze no total — aprovam uma 0 © elegem Mao Tsé-tung presidente da © Congresso camponés é obrigado a as- “soviética”, totalmente estranha as hist6ria do movimento social camponés. luma série de aspectos revelam a nostal- luglio urbana: o direito eleitoral confere 408 operirios (um representante por 25 Daniel Aaréo Reis Fil Operdrios, SO soldados e 100 camponeses), é apro- vada uma exaustiva legislagfo do trabalho... inapli- cavel nas montanhas de Jiangxi. O movimento é — contrabalancado por outras disposic¢des_importan- tes: a lei da Reforma Agraria atende aos pontos de vista dos dirigentes das “bases reyolucionarias” e, €m termos praticos, as estruturas do Exército e das organizagdes populares diluem, em certa medida, a “autoridade” formalmente incontrastAvel do par- tido. A rigor, 0 Congresso “soviético” exprime um certo equilibrio entre tendéncias contraditérias e isto Se revelaria ao nivel da diregio Politica: Mao Tsé- tung € eleito presidente da Reptiblica, mas é assistido por dois vice-presidentes identificados com 0 “mo- delo Petrogrado”. Entretanto, na direcdo do partido continua pre- dominando a concepedo de que as “reas libertadas”” nao passam de um “recurso tatico”, ironizando-se os quadros empenhadbs no trabalho politico rural como “comunistas de montanhas ou de florestas”, favoré- veis ao “‘comunismo de bandidos (sociais)"”. Mas a Repiiblica Soviética de Jiangxi precisa sobreviver: entre fins de 1930 e maio de 1931, 0 Guo- mindang langaré duas campanhas “de cerco © ani- quilamento”, mobilizando cem e duzentos mil ho- mens, respectivamente. O Exército Vermelho der- Tota as “‘campanhas” apoiando-se nos camponeses (“o guerrilheiro é um peixe na gua”) e aplicando uma tatica militar flexivel (“‘o inimigo se agrupa, nés dispersamos, o inimigo ataca, nés recuamos, o inimigo para, nés 0 fustigamos, o inimigo recua, nés ‘imos”’). ewyavareice eae reine 300 mil homens a partir de julho de 1931, mas a invas&o japonesa, em setembro daquele ano, impGe a suspensdo das ope- ragdes. j ER quarta tentativa comeca atacando as “bases vermelhas” do centro do pais, obrigando os comu- nistas a se retirarem para oeste. A campanha yai de janeiro de 1932 a fevereiro de 1933, sem conseguir, porém, atingir o objetivo principal: destruir a base ral do Jiangxi. a A ea vitérias fortalece a direg&o dos 28 bolcheviques: a reforma agr4ria é radicalizada, atin- gindo os camponeses abastados e até setores do cam- pesinato médio; acentua-se o papel do partido e, em termos militares, define-se a guerra de Posi¢des como método para resistir 4s proximas ofensivas do Guo- mindang. Mao Tsé-tung nao concorda e é afastado da diregao politica, conservando apenas a fungdo de Presidente da Republica, que se torna cada vez mais ‘rT Em fins de 1993, os extritos de ‘Tehiang Ka chek voltam ao ataque com efetivos maiores, melhor armados e bem assessorados por oficiais do Estado- Maior alemfo. A tatica adotada é a do “bloqueio’: consiste em avangar pelo interior da regiao libertada do Jiangxi, organizando a cada passo fortificacdes que impediriam a fuga dos comunistas € o estabele- cimento de qualquer contato entre as bases e as demais regides do pais. Os comunistas enfrentarao ° inimigo em torno de posig6es fixas (guerra de posi- Daniel Aardo Reis Fith 67 olugdo Chinesa g6es) € os resultados sio desastrosos: a situag&o tor- na-se insustent4vel. Em outubro de 1934, 0 Exército Vermelho co- mega a abandonar a regio que durante quase quatro anos fora o coragao da Revolug&o Chinesa: no inicio € muito mais uma fuga que uma retirada. Os comu- nistas tentam romper o cerco e atingir, no oeste de Hunan, uma “base vermelha”, produto de um movi- mento de retirada anterior. Mas as tropas de Tchiang, ajudadas pelas milicias locais dos senhores de terra, cercam-nos de perto e os ameacam. Os camponeses, oriundos do Jiangxi, desertam em grandes contin. gentes, desconfiados ou temerosos, ndo querendo se distanciar de suas zonas tradicionais de moradia e Produgdo. A situacio é critica para os comunistas. Abre-se entéo um periodo de transi¢ao: os “28 bolcheviques” j4 perderam a direcao politica mas ainda nao se afirmou uma clara alternativa A linha que encarnavam. Duas conferéncias politico-mili- tares alterariam o rumo dos acontecimentos. A conferéncia de Liping, realizada na fronteira de Hunan com Guizhou, faz a critica da “deban- dada” em-que se transformara a retirada das ‘tropas “vermelhas”, propondo a organizagiio de uma mar- cha em ziguezagues, privilegiando a guerra de movi- mento ¢ evitando qualquer combate frontal e decisivo com 0 inimigo. O terreno esté maduro para a subs- tituicdo dos “28 bolcheviques”. We Loses Wn Da Conferéncia de Zunyi ao fim da Longa Marcha — janeiro-outubro de 1935 A terceira fase comega com a Conferéncia de Zunyi e termina com a chegada do Exército Verme- Iho no noroeste da China. A conferéncia realiza-se em janeiro de 1935 e nela s4o reafirmados 9s | rinci- pios formulados em Liping, tomando-se a iniciativa da marcha para o noroeste do pais. A fuga se trans- forma em retirada estratégica — a Longa Marcha, cujo inicio remonta, para muitos historiadores, & Conferéncia de Zunyi. 4 Em Zunyi, finalmente, consagra-se a direg&o politica de Mao Tsé-tung e de sua equipe de chefes militares, predominando as orientagées e as concep- goes elaboradas a partir do trabalho nas bases ver- melhas — est&o abertos os horizontes para a “sini za¢io” do marxismo, ou seja, para a sua recriagfio segundo “‘as condigdes concretas da situagaio con- creta” da China. A GUERRA DE LIBERTACAO NACIONAL CONTRA A INVASAO JAPONESA — 1937-1945 A reconstituicao da Frente Unica — outubro de 1935-setembro de 1937 Os comunistas chegam enfraquecidos ao no- Toeste da China em outubro de 1935 — dos mais de =n mil nomen a8 sairam da provincia de Jiangxi lam apenas 8 a 10 mil, mai see ene| mais ou menos esfomeados O ponto de chegada da Longa Marcha é a “base yermelha” nas fronteiras das provincias de Shenxi, Gansu e Ningxia, organizada desde 1930 por Liu Zhi-dan, militante do PCC e da Sociedade Secreta dos Mais Velhos e Ancidos. Trata-se de uma base tipica: dificil acesso, afastamento dos meios de co- munica¢&o ¢ transportes, proximidade das fronteiras lueio Chinesa de duas ou mais provincias. A localizac&o é estraté- gica para a luta contra os japoneses: enquanto o go- yerno de Tchiang Kai-chek fugiré do avanco japonés rumo ao sudoeste, os comunistas fazem o caminho inverso — aproximam-se da 4rea preferencial de ocu- pago estrangeira — o norte ¢ o nordeste da China. Além disso, a base tem um valor simbélico: insere-se no coracao da “velha” China, perto de onde as len- das localizam 0 ber¢o da “‘civilizag4o dos Han”. O Estado-Maior do Exército Vermelho procura imediatamente consolidar a “base”: organizag&o do poder local, reorganizacio e reforco do Exército, politica de reforma agr4ria. Ao mesmo tempo, os comunistas tentam inserir-se no movimento nacional favorAvel a luta contra o Japao. Desde 1931, quando o Jap%o comegara sua agressao sistemAtica 4 China, o movimento nacional de protesto vinha crescendo. A resisténcia em Shan- ghai, em 1932, repelindo temporariamente o invasor, fora expressdo da indignag&o nacional frente a ex- pansdo japonesa. Em dezembro de 1935, hé mani- festagdes estudantis em todas as grandes cidades do pais, apoiadas até por setores da burguesia, exigindo do governo central de Nankin uma politica mais enérgica contra os agressores. Organiza-se a Fede- ragaéo Pan-Chinesa das Associagdes pela Salvagéo Nacional com o objetivo de unir a nago contra o exército estrangeiro. Os comunistas apéiam o movimento: em 1932, a Repdblica Soviética do Jiangxi declarara, simbolica- mente, guerra ao Japao. A 1° de agosto de 1935, Daniel Aardo Reis. antes mesmo de chegar a “base” do noroeste, os comunistas langam uma conclamagao a luta comum contra o Japo. Para esta politica contam com o aval da III Internacional e do Estado Soviético que se Pronunciavam, desde 1935, por uma politica de Frente Unica contra as poténcias nazifascistas e con- tra a agressio imperialista. Mas 0 governo de Nankin continua aferrado 4 tese de que “€ preciso, primeiro, unificar a China, depois, combater o inimigo externo”. Liquidar os comunistas 6 a primeira prioridade, e para isto se torna necessdrio organizar mais uma campanha de aniquilamento, desta vez contra a “base” do no- roeste. Esta politica entra em choque com o movi. mento nacional e, particularmente, com as tropas destacadas para combater os comunistas, sediadas em Shenxi, mas origindrias da Mandchiria. Obri- gadas pela politica capitulacionista do Guomindang a recuarem sem combater o invasor japonés, estas tropas ansiavam por voltar as suas regides de origem nao sentiam a menor motivacao Para enfrentar os comunistas. Jé haviam até perdido pequenas bata- Ihas para os “vermelhos” depois da chegada da Longa Marcha. Quando Tchiang Kai-chek chega em Xian, capi- tal de Shanxi, para dar os tiltimos retoques na ofen- siva contra os comunistas, encontra seus “generais” (ex-senhores de guerra que aderiram apenas formal- mente ao Guomindang) amotinados e é Preso por eles. A sua libertago s6 é obtida em troca de um compromisso pela Frente Unica e, mesmo assim, gracas & mediacgio dos comunistas ¢ da propria Uniao Soviética, que continua vendo em Tchiang o tinico lider capaz de unir a nag&o contra a agresséo j a. ea negociagdes no sentido da Frente se arrasta- tiam até julho de 1937, quando o Japio langa uma ofensiva geral contra a China, ocupando os Brn pais centros urbanos. O acordo sera, afinal, ae em setembro de 1937. O Guomindang comprome ce se a organizar um regime democratico ¢ socialmente justo. Os comunistas aceitam silenciar sua Dire ganda pela derrubada do regime de Nankin e inte- gram nominalmente suas tropas ao exército do Gis: mindang. Concessées formais de ambos os 4 on A grande diferenga da nova Frente Unica em rel lagio a de 1924-1927 é exatamente esta: os partidos conser- varo total independéncia organica e militar. A guerra nacional contra o imperialismo japonés — 1937-1945 Em julho de 1937 comega a ofensiva geral do Japao: em agosto as tropas ocupam Pekin, Tientsin, as provineias de Chaar e Suiyuan. Canto cairé em outubro, Shanghai em novembro, Nankin e a provin- cia de Shandong em dezembro. O invasor prolonga a ofensiva em 1938: caem as provincias de Jiangxi, de Anhui e as cidades do médio Yangzi. Todos os cen- tros urbanos de importancia e as provincias litoré- 72 Daniel Aario Reis Fill uid levolucao Chinesa eas passam, assim, as maos do imperialismo japo- nés. Escapam apenas as provincias do sudoeste (Si. chuan, Yunan, Guizhou e Guangxi) e do noroeste (Shenxi, Gansu, Ningxia), além de pequenos ‘pe. dacos” de provincias no centro e leste. O invasor encontra pouca resisténcia dos exér- citos de Tchiang Kai-chek: as tropas recuam para Sudoeste, capitulam ou simplesmente desertam ¢ aderem aos japoneses. A debandada 6 a expresso militar da politica de conciliagio assumida desde 1931 pelas elites sociais chinesas frente as ameacas agressdes do imperialismo japonés. Terminada a ofensiva, os senhores de terra, a burguesia comercial das cidades e a maior parte dos setores da prépria burguesia industrial colaborarao sistematicamente com o exército e a administracdo estrangeiras, confe. Findo base social A organizae4o pelo Japao de quatro “Estados satélites”: 0 Manzhouguo, formado desde 1932 na Mandchiiria; o “Governo Reformado” de Pekin, articulado em torno de senhores de guerra ligados @ influéncia japonesa; o Conselho Mongol Unificado, abrangendo a Mongélia Interior e o “(Gor verno Central” de Nankin, organizado por ex-aliados de Tehiang Kai-chek que reivindicam a tradigao do Guomindang em nome do pan-asiatismo e da “esfera de co-prosperidade” definida pelo Japio. Tais “Es. tados satélites” nao Passarao de estruturas formais, esvaziadas de contetido: os territérios ocupados se transformam de fato numa colénia japonesa, consu- mindo os produtos made in Japan e fornecendo mao- IL de-obra ¢ matérias-primas estratégicas ao esforco de ‘a japonés. Ber racial athide de resisténcia permanecem a forgas: os restos do governo de Tchiang Kai-chek, reagrupado em Chongqing, capital da jee provincia de Sichuan, e os comunistas, reorgani zados a noroeste, na “‘base vermelha” de Shenxi Gansu-Ningxia. “A China Livre” — 1938-1945 Entre 1938 e fins de 1941, 0 governo de Chong- qing mantém uma posig&o passiva, de Grae nem mesmo chega a declarar guerra ao imperialismo japonés. No periodo, a diplomacia anglo-norte-ame- ricana tenta ainda um acordo com 0 Japio. Em dezembro de 1941, porém, os japoneses ea cam Pearl Harbour ¢ lancam nova ofensiva geral, desta vez no sudeste asiatico, tomando ° vey a Malasia, Cingapura, a Birmania e ameagando aln- dia. Os EUA ¢ a Inglaterra sio obrigados a sees guerra ao Japao, levando em sua estcira o governo Chongaing,, ee desde ent&o na cena interna- i a ‘China Livre”. i f een OS EUA enviam missdes e passam a sider mite litar e financeiramente 0 governo de Tchiang Kai- chek, mas este manter4 uma atitude quase contem- iva di do Japiio. F i ao Cabana burocratico”, tipico do regime de Nankin, entre 1927 e 1937 (cf. Cap. 5), oceans suas caracteristicas de autoritarismo e cae i instituigdes politicas mantém-se apenas formal mente. Do ponto de vista militar, as melhores divi- ses esto concentradas na tarefa de “‘vigiar” os co- munistas a noroeste. Os efetivos dos exércitos sio deliberadamente ‘‘inchados’’ — os soldos sio pagos aos “‘generais” que os distribuem — ou nao — as tropas. O comércio e 0 contrabando florescem entre as areas controladas pelos japoneses e as provincias dominadas por Chongqing. Em princfpios de 1944, os japoneses lancam nova ofensiva no centro e no sudoeste da China: caem as provincias de Henan, Hunan, Guizhou e Guangxi. O governo de Chongqing mostra-se uma vez mais incapaz de resistir. Na verdade, seu tinico interesse é preservar e acumular forgas para o enfren- tamento considerado decisivo — a luta contra os comunistas. A invasao japonesa, a formacdo dos “Estados satélites”, a situagdo geral de guerra, degradam pro- fundamente as condicdes de vida e de trabalho do campesinato: aos flagelos tradicionais — secas, inun- dagées, pragas, arrendamentos extorsivos, impostos escorchantes — vém-se juntar as conseqiiéncias da guerra: conscrig&o forcada, impostos suplementa- Tes, inflag&o, degradagiio dos trabalhos publicos (ir- Tigacdo, diques, canais, etc.) e até sua destruicao pelos inimigos em luta. H4 numerosas revoltas es- pontaneas contra o invasor japonés e também contra © governo do Guomindang, cujos “‘generais” tratam os camponeses de forma tao brutal quanto os japo- neses. Pouco a pouco, as populagdes comecar&o a se organizar em torno daqueles que efetivamente assu- Revolucéo Chinesa os comunistas. “A China Vermetha” — 1937-1945 nés sé tem uma saida: resistir. Milicias populares durante a guerra antijaponesa carre- ‘gam seus canhoes de madeira de fabricacéo propria. mem a vanguarda da luta de libertag&o nacional — Mao Tsé-tung declarou certa vez que 0 exército japonés foi um “grande educador”’ do povo chinés. De fato, diante da brutalidade do invasor o campo- Daniel Aardo Reis Fith Boro oes O Japao adota desde o inicio de sua ofensiva, em Mens eone 1937, uma politica de “terra arrasada”: sucedem-se atl 0s massacres (300 000 mortos em Nankin), as campa- yal ort nhas de intimidacio, de terror, de aniquilamento, / patrocinadas pelas autoridades de ocupacio e pelos chefes militares. O General Okamura definirA a f61 Z A aglutinacdo em torno dos comunistas é deter- minada pela absoluta auséncia de combatividade dos “generais” do Guomindang e pela dedicacdo que, a0 contrério, demonstram os exércitos vermelhos. As bases vermelhas se expandem: elas encar- nardo 0 movimento nacional, confundindo-se, em certa medida, com a prépria sobrevivéncia da China, j4 nao s6 como Estado, mas até mesmo como nagio, ameagada em seus fundamentos pela agressio japo. nesa. Em 1945, os comunistas alargaram considera- velmente sua influéncia: a partir de Yanan, “base central”, nasceram dezenove bases, a maior.parte das quais se situavam, ¢ isto é sintomatico, no norte do pais, justamente onde os japoneses exerciam maior pressao. O Exército Vermelho desdobra-se em duas uni- dades principais: o VIII Exército de Campanha (a0 norte) e 0 IV Exército Novo (no médio e baixo Yang- zi), agrupando cerca de 950000 homens. Sao apoia- dos por milfcias populares (2200000 homens) e por unidades de autodefesa a nivel de aldeia (cerca de 10 : milhOes de camponeses). As dezenove bases abran- See daar eal Nae gem uma Area de cerca de 950000 km? com uma mula: “Matar tudo, queimar tudo, destruir tudo’ , ( ‘AS 19 “AREAS LIBERTADAS” com 1944/1945 limite aproximado da ofensiva japonesa em 1944 Daniel Aarao Reis Filho Revolueao Chinesa 9 populac&o de cem milhdes de habitantes. As forcas militares sob comando dos comunistas distinguem-se dos exércitos regulares dos senhores de guerra e do Guomindang pelo respeito em relacdo aos camponeses. Continuam, assim, a tradigio mul- tissecular das sociedades secretas. Neste sentido, si0 tipicos os “Oito Pontos” (falar com polidez; ser eqianime nas compras; devolver tudo o que pedir emprestado; compensar os prejuizos causados; nao bater e no insultar as pessoas; nao estragar as plan- tages; ndo importunar as mulheres; nfo maltratar os prisioneiros) e as “‘Trés Regras” (obedecer as or- dens; nada tomar das massas, nem um fio e uma agulha; entregar as autoridades os “bens confisca- dos”). As tropas “‘vermelhas” sio unidades disciplina- das nos combates e nas marchas, Dotadas de moral elevado, compensam a precariedade de seu equipa- mento militar com a superioridade do fator humano. Por essas razGes, e por sua localizacéo geogré- fica, os exércitos vermelhos sustentar&o o peso prin- cipal da guerra, sofrendo as principais ofensivas, enfrentando as tropas japonesas de elite ¢, em conse- qiiéncia, tornando-se credores do apoio, da con- fianca e da admiragao dos camponeses. Mas os comunistas nfo se apdiam apenas em operagdes € sucessos militares. Eles atraem, agluti- nam e mobilizam os camponeses através da politica de Reforma Agraria, da politica democratica de po- der e, sobretudo, de um novo estilo de vida. A base “central” de Yanan ser a concretizagiio e o simbolo 8 5 3 5 | § : » 8 a i = iS intelectuais sao chamados, assim como os qua-_ dros militares e politicos do Partido e do Exér- cito, a cumprir um papel na producdo, auxi- liando os camponeses e demais trabalhadores manuais. Entre 1940 e 1942 combate-se no PCC “o elitismo, o dogmatismo, o uso de formulas acabadas, o autoritarismo, o sectarismo” — é a “campanha de retificag&io” — retificar 0 vento, oestilo. Prevendo a derrota préxima do inimigo, os co- munistas “‘ressuscitarao” 0 PCC, organizando seu VII Congresso, em maio de 1945 (0 tiltimo fora em Moscou, em 1928). A reunido congregar4 50 dele- gados e 208 suplentes, representando 1210000 mem- bros. Os comunistas formularao suas alternativas de poder (cf. Cap. 7), consagrar&o o actimulo teérico e politico de anos de lutas € consolidarao o processo de “sinizago” do marxismo iniciado nas montanhas do sul da China desde 1928. A equipe dirigente eleita na Conferéncia de Zunyi (janeiro de 1935) é confirmada e Mao Tsé-tung é colocado no mesmo nivel dos gran- des vultos da teoria revolucionaria. O seu pensamen- to (“O pensamento de Mao Tsé-tung”) € definido como “‘expressio do comunismo chinés, do mar- xismo chinés”, “um novo desenvolvimento do mar- xismo na época atual, caracterizada pelas revolugdes nacional-democraticas dos paises coloniais e semi- coloniais' Yanan é celebrada como a sintese da experién- cia revolucionaéria acumulada: um novo “modelo” social (relagéo trabalho manual—trabalho intelec- tual; relagio dirigentes-dirigidos; relagdo entre as quatro classes que participam da luta de libertacdo nacional); politico (a Nova Democracia) e ideolégico (estilo comunitério e igualitarista). Afirma-se 0 “‘ca- minho” chinés — “‘exemplo” para todo o mundo. Os comunistas chineses nao se contentavam em rejeitar o “modelo Petrogrado”. Propunham um novo. A DERROTA DO JAPAO E A ULTIMA GUERRA CIVIL (1945-1949) ___Desde fins de 1944 e comegos de 1945, as tropas Japonesas est&o cercadas nas cidades e nos principais entroncamentos rodoferroviérios. Os transportes cir- culam com dificuldades. Os exércitos dos “Estados satélites" cncontram-se paralisados e a necessidade de manter vigilancia em amplas Areas impde uma ex- tenstio de linhas que facilita os ataques’ dos “‘ver- melhos”. Quando, ao contrario, o inimigo se concen- tra em operagées de “‘pacificacdo, os soldados de Ya- nan se dispersam e evitam os golpes — é a mesma tA- tica, em escala ampliada, desenvolvida nas monta- nhas do sul da China desde 1928. A populaco apéia os exércitos vermelhos: transportando equipamento militar e alimentos, in- formando, combatendo — as “bases” se transfor- mam em “Areas” ou “regides” libertadas. A6 de agosto de 1945, explode a primeira bom- ba atémica em Hiroshima. A 8 de agosto, os exér- citos da Unido Soviética, cumprindo os acordos de Yalta e Potsdam, invadem o norte e o nordeste da China. No dia seguinte, a segunda bomba atémica destréi Nagasaki. Frente ao poderio conjugado dos EUA e da URSS (a guerra na Europa terminara em maio), o Jap%o capitula a 14 de agosto de 1945. A derrota japonesa modifica os dados da reali- dade, colocando um problema decisivo: quem rece- ber a rendicfo — o governo instalado em Chong- ging — a “China Livre” — ou as “areas libertadas”, sob comando de Yanan — a “China Vermelha’’? Interesses politico-militares esto em jogo: o exército japonés tem 1200000 homens, ocupa os principais centros industriais e estratégicos da China e possui importantes estoques de material militar. Os comunistas propdem-se a receber a rendicéo das tropas japonesas estacionadas no norte e nor- deste do pais. Mas os norte-americanos nio pensam do mesmo modo: através de uma ponte aérea, a mé- quina militar dos EUA levar4 as tropas de Tchiang Kai-chek as cidades mais afastadas de suas bases de origem, assegurando assim ao governo de Chongaing © privilégio de receber a capitulagio japonesa em toda a China. Travara-se, assim, uma primeira esca- ramuca da guerra civil que explodiria entre a “China Livre” e a “China Vermelha” menos de um ano depois. E o alinhamento de forcas j4 se desenhara nitidamente: de um lado, o governo do Guomindang Daniel Aarao Reis amparado pelos EUA e sua m4quina militar insta- lada no Pacifico; de outro lado, os comunistas, con- tando, na pratica, “com suas proprias forcas””. Quanto a Uniio Soviética, mantinha uma politica ambigua ¢ hesitante. Essas tendéncias perm: unbig a anece- riam inalteraveis até 1949. ib O ballet das conversacdes — agosto de 1945-junho de 1946 E impossivel dizer que 0 Guomindang e os comunistas tivessem reais intengdes ou mesmo qual- quer ilus&o em promover um governo de coalizio na China. _ _Impunham-se, contudo, as conversagdes, e por dois motivos: em primeiro lugar, o povo estava exausto de guerras e destruigdes e a derrota japonesa era vista como o término de um longo periodo de PrivagSes e sofrimentos. Assim, as forcas politicas que n&o manifestassem, ao menos aparentemente, uma yontade declarada de fazer todo o possivel pela Pacificaco da nagdo seriam repudiadas e perderiam suas bases sociais. Em segundo lugar, as grandes poténcias que emergiam vitoriosas da II Guerra Mundial, os EUA e a URSS, pressionavam por um governo de “unidade nacional” e se ofereciam como ‘mediadoras” entre o Guomindang e os comunistas. Tais foram as bases sociais ¢ polfticas que determi- naram 0 inicio do ballet das conversacées, prolonga- ‘Revolucdo Chinesa o Se - ee das até junho de 1946. As contradigées ficariam muito claras desde os primeiros contatos entre Mao Tsé-tung e Tchiang Kai-chek em Chongqing (agosto de 1945): enquanto o Guomindang exigia o desarmamento dos comunis- tas para iniciar um processo de democratizacao efe- tiva do governo “‘central”, os comunistas propunham exatamente o inverso: exigiam que as reformas de- mocraticas precedessem a desmobilizagao militar dos exércitos “‘vermelhos”’. Os comunistas argumentavam que a desmobili- zacao militar de suas tropas esvaziaria seu poder de pressio. Além disso, ficariam também sem defesas no caso de uma “‘mudanga” de posigio de Tchiang Kai-chek, como em 1927. Estariam dispostos a en- carar a hip6tese do desarmamento se se instalasse na China um regime politico democratico — neste caso, teriam mecanismos pacificos de press&o e de defesa. A formula era recusada pelo Guomindang com 0 argumento de que o regime democratico possibili- taria total liberdade de ac&o aos comunistas e que nao haveria nenhuma garantia de que eles, depois, depusessem as armas. A discussio se arrastava e nenhuma formula parecia ser capaz de superar a desconfianga reci- proca, envenenada pelas sombras do massacre de Shanghai, em 1927, pelas campanhas de ‘“‘cerco € aniquilamento” entre 1931 e 1934 e pela hostilidade permanente nas relacdes entre os dois partidos du- rante a guerra de libertacfo nacional contra o Japiio. Afinal se chegou a uma conclus4o: 0 acordo de Daniel Aardo Reis 10 de outubro de 1945. Os comunistas abandona- tiam as “bases” ao sul do Yangzi (menos impor- tantes) e reduziriam suas tropas a vinte divisGes (1/10 de seus efetivos); o Guomindang comprometia- se a convocar uma Conferéncia Politica Consultiva, reunindo os dois partidos e também foreas politicas de “centro” (democraticas e liberais) que comeca- yam a se organizar no pais — a principal delas era a Liga Democr&tica, agrupando personalidades inde- pendentes da “nova’”’ classe média urbana. Além disso, o governo “central” prometia criar um clima de respeito as liberdades democrfticas de reunido, organizacao e manifestagao. Rapidamente, viu-se que 0 acordo nao era cum- prido. Na zona controlada pelo Guomindang suce- diam-se violagdes ao espirito e a letra dos acordos — as tropas de Chongqing fustigavam as bases comu- nistas e a repressfo se abatia nas cidades contra as manifestagdes estudantis que exigiam o estabeleci- mento de uma real democracia. Enquanto Tchiang Kai-chek parecia muito poucu preocupado com isso, os comunistas denunciavam o Guomindang como hostil 4s negociacdes e a pacificagao do pais. A situa- cio degradava-se a olhos vistos. Em janeiro de 1946, gracas a intervengo dos EUA, interessados num governo de coalizio sob hegemonia do Guomindang, assinava-se um cessar- fogo e se reunia, afinal, a Conferéncia Politica Con- sultiva em Chongqing. As resolugées fortaleceriam os comunistas, propondo uma série de medidas de democratizaciio do pais e de reconstrucdo nacional omen (convocacio de uma Assembléia Nacional, reorgani- zagio do governo “central” com participagéo dos demais partidos politicos, etc.). Do ponto de vista militar, aprova-se a fus&o das tropas do Guomindang e do Exército “‘Vermelho”. ; Tehiang Kai-chek nfo se deixa impressionar pelas decisées: proibe e reprime as manifestagdes do movimento democratico nas cidades, no liberta os prisioneiros politicos, reforca a pressio sobre 8 co- munistas e inicia 0 cerco sobre os pequenos partidos politicos de “‘centro”. O Guomindang caminha, as: sim, para o isolamento politico e social, demons- trando ser uma forga nao interessada no diflogo, na paz sociale na unificagao nacional. Uma nova crise, desta vez decisiva, eclode em marco de 1946, Expira o prazo de permanéncia das tropas soviéticas na Mandchiria. Recoloca-se a questo de agosto de 1945: quem ocuparia esta re- gio estratégica do ponto de vista econémico, politico e militar? Os exércitos vermelhos ou as tropas de Chongqing? Hé um duplo movimento de forgas, veri- ficando-se os primeiros enfrentamentos armados de vulto: o Guomindang ocupa as principais cidades da regido, mas os comunistas garantem o controle das zonas rurais. A guerra civil esta praticamente defla- grada. Ainda haverd uma trégua em junho de 1946, mas 0 processo é agora irreversivel — as divergéncias entre o Guomindang e o Exército Vermelho seriam resolvidas pelas armas. Daniel Aardo Reis. A ofensiva geral do Guomindang — junho de 1946-julho de 1947 A 4 de julho de 1946, o governo “‘central’” de- creta a “mobilizagfo nacional” para eliminar defini- tivamente 0 “perigo vermelho”: dois milhées de sol- dados atacam os centros visiveis das ‘Areas liberta- das”’, o principal dos quais é a pequenina cidade de Yanan, “capital vermelha” durante o perfodo da guerra antijaponesa e simbolo da nova sociedade proposta pelos comunistas. Enquanto as tropas do Guomindang tentam ocupar as 4reas libertadas, os comunistas preferem trocar espaco fisico por espago politico: a diretiva de maio de 1946 determina que ‘‘a terra deve ser dada a quem a trabalha’’. Os senhores de terra considerados “traidores”, ou seja, ciimplices da ocupagio japo- nesa, perdem suas terras em troca de bénus emitidos pelas autoridades das “areas libertadas”. Em outu- bro de 1947, os comunistas editariam uma Lei de Reforma Agraria, radicalizando o processo nas 4reas 44 libertadas durante a guerra antijaponesa: todos os proprietarios (e em determinados lugares so atingi- dos até mesmo os camponeses “‘médios”) terao suas terras confiscadas sem nenhuma indenizagao. Os co- mités de camponeses pobres recebem a atribuigao de executar a medida, o que apenas formaliza juridica- mente uma situac4o de fato. De outro lado, os comunistas rompem os lavos com os compromissos de janeiro de 1946: em julho, Revolugao Chinesa 1 as suas forcas militares recebem a denominagiio de Exército Popular de Libertag4o (EPL) e, em fevereiro de 1947, o PCC conclama publicamente 0 povo a derrubar o regime do Guomindang. No plano militar, os comunistas praticam a guerra de movimento, evitando os combates frontais e evoluindo na retaguarda de um inimigo que estira demasiadamente suas linhas de comunicagiio ¢ abas- tecimento. O Guomindang esta apenas preocupado em tomar os centros visiveis das Areas libertadas (Yanan é ocupada em margo de 1947). O governo de Chongaing ainda tenta tomar uma série de iniciativas politicas, mas elas nio conven- cem, na medida em que excluem os comunistas € os pequenos partidos de “centro”. A convocagio de uma Assembléia Nacional em dezembro de 1946, a Constituicéo aprovada em dezembro desse ano, as “eleigdes” realizadas em novembro de 1947, s6 ser- vem para dar uma “‘fachada” ao poder da extrema- direita do Guomindang, isolando cada vez mais este partido no cenério politico. Q isolamento se aprofunda por duas razées: a crise econémica que assola o territério sob controle da “China Livre” e 0 apoio aberto fornecido pelos BUA a Tchiang Kai-chek. A ingeréncia norte-ameri- cana permite que a mobilizacio do povo a favor do Exército Popular de Libertagio (EPL) seja feita em nome da luta nacional contra “os estrangeiros que querem se substituir aos japoneses”. O tema, como é evidente, sensibiliza bastante os chineses, recém-sai- dos da longa guerra de libertago antijaponesa. Daniel Aardo Reis Fil A politica dos EUA entre 1946-1949 Nas conferéneias de Yalta (1943) (1945), os EUA e a URSS definieaw ees “do mundo €, naturalmente, ndo esqueceram dos chine- ses: a China seria dirigida por um governo de coa. lizdo sob hegemonia do Guomindang. Os EUA conheciam Tchiang Kai-chek melhor do que ninguém: a rigor, o governo de Chongqing, durante a guerra contra 0 Japio, sobrevivera gracas ao apoio diplomatico, financeiro e militar dos norte. americanos. Eles conheceram de perto a corrupcaio ¢ 0 autoritarismo do governo “central” de Chongaing, Ao mesmo tempo, desde 1944, missdes diplomaticas € militares, além de muitos jornalistas norte-ameri- canos, visitaram Yanan e admiraram a disciplina e a combatividade das forcas comunistas, Em novembro de 1944, aliés, os comunistas propuseram encontros diplomaticos de alto nivel com os EUA no sentido de discutir o futuro da China, mas n&o obtiveram res- Postas favoréveis. Do ponto de vista oficial, a propa- ganda norte-americana exaltava as virtudes da “Chi. na Livre” e advertia para o “perigo vermelho”, _ Quando 0 Japao capitulou, a posi¢éo dos EUA foi claramente a favor do governo de Chongqing: se ndo fosse o apoio logistico da maquina de guerra dos EUA, teria sido impossivel a Tchiang Kai-chek rece. ber a rendicdo dos japoneses. Além disso, os EUA. imediatamente depois da guerra, forneceram subs- tancial ajuda financeira e militar a0 Guomindang, Revolucdo Chinesa Para reforeé-la, marines desembarcaram nos portos do norte e comecaram a chegar os primeiros “‘conse- theiros” de MAG (Military Advisory Group). Em dezembro de 1945, os EUA ainda pressio- nariam a favor de um.governo de coalizio no qual ja ninguém confiava. Os norte-americanos participa- riam de uma Comissdo Tripartite para supervisionar os acordos de janeiro de 1946, mas suas simpatias estavam claramente do lado do Guomindang. Em marco de 1946, por ocasiio da crise da Mandchiria que deu inicio A guerra civil, a ajuda logistica dos EUA seria mais uma vez decisiva para os partidarios do Guomindang ocuparem as cidades que os sovié- ticos evacuavam. No processo da guerra civil, finalmente, os norte-americanos investiram tudo a favor de Tchiang Kai-chek: recursos militares, conselheiros civis € militares, ajuda financeira... Em novembro de 1946, foi assinado um tratado sino-americano de comércio e navegacio, abrindo os portos chineses aos produtos made in USA; em fins de 1947, foram assinados um Pacto de Assisténcia e um Pacto Naval ligando ainda mais a “China Livre” aos EUA. Em abril de 1948, em plena debandada dos exércitos do Guomindang, © Congresso norte-americano ndo foi sensivel: votou 0 China Aid Act, concedendo 400 milhées de délares ao governo de Chongging, elevando para 3 bilhdes de délares 0 total da ajuda desde 1945. Os norte-americanos estavam decididamente numa situagao dificil: 0 seu apoio era indispensavel ao governo de Chongqing, mas, ao mesmo tempo, fie | Revolugdo Chinesa era um fator suplementar de Techiang Kai-chek, desmor: ‘ctimplice do estran, Povo chinés como “‘ A contra-ofensiva esi Popular de Libertag. de 1947-outubro de 1949 tratégica do Exército 40 — EPL — as tropas comandadas Por Lin Biao lancam-se ao ataque, secundadas elas forcas de Liu Bo-cheng e Che: 1948, e gradualmente, médias e grandes, pas: g6es. Em fins de 1948 ¢ trés grandes ¢ decisiva: — setembro-novembro novembro de 1948 ¢ jai China, entre dezemb: comegarao a atacar cidades 'sando para a guerra de Posi- comegos de 1949, realizam-se s batalhas: a da de 1948, a do rio neiro de 1949 e a ro de 1948 e jane As forcas do Exército Popular de Libertag&o saem vitoriosas, ocupando as cidades da Mandchtiria e importantes centros urbanos e industriais no norte e centro da China. Em janeiro de 1949, cairaio Kalgan, Tientsin e Pekin. A sorte da guerra estava decidida — em abril os comunistas atravessam o Yangzi e ocupam Nankin; em maio sera a vez de Shanghai; em outubro, finalmente, Cant&o passa as mos dos comunistas. Desde comegos de 1949, Tehiang Kai- chek partira para Taiwan onde instalaria o “seu” governo. Os comunistas tentam adequar-se ao ritmo ver- tiginoso das vit6rias militares. A principal preocu- Pacdo é alargar ao mAximo a frente social politica contra o Guomindang. Os reyoluciondrios criticam os “‘excessos” verificados na aplicacao da Lei de Re- forma Agraria (perseguicaio aos médios camponeses, arbitrariedades em geral, etc.) e restringem seus efei- tos as “‘velhas”’ dreas libertadas, ou seja, Aquelas que 4a existiam como tal durante a guerra antijaponesa. Em relacdo as Areas libertadas depois de agosto de 1947 (chamadas de “‘novas”), a politica agrdria sera bem mais flexfvel (limitagdes no direito de cobranga de arrendamentos, diminuigio das taxas de juro e impostos progressivos, segundo a tiqueza de cada um). Também em relagao as cidades, a politica sera bastante moderada: apelos a concérdia, conclama- g6es aos quadros e intelectuais para niio abandona- rem os empregos, garantias aos proprietérios em geral — comerciantes e industriais — contra exPro: Priagdes “arbitrarias”, apelos especificos A “nov: us Daniel Aardo Reis Fill [ classe média urbana e a burguesia “nacional” nao comprometida com os traidores da patria para per- manecerem em seus afazeres habituais. Em novembro de 1948, os comunistas relancam a idéia da Conferéncia Politica Consultiva reunindo Os pequenos partidos de “‘centro”’, inclusive um “‘Co- mité Revolucionario do Guomindang”, formado em Hongkong em oposicao ao carater antidemocritico e antinacional do governo de Tchiang Kai-chek. Em junho de 1949, instala-se um comité preparatério da Conferéncia em Pekin. A 21 de setembro de 1949, abre-se formalmente a Conferéncia com um amplo leque de forcas politicas: 142 delégados representam os diversos partidos politicos (16 so enviados pelo PCC); 102 delegados representam as éreas liberta- das; 60 falam em nome do Exército Popular de Li- bertagaio; 206 vém pelas organizagdes populares (mu- Theres, jovens, sindicatos, etc.), registrando-se ainda @ presenca de 75 personalidades independentes. A Confer€ncia aprova um Programa Comum e elege um governo presidido por Mao Tsé-tung. No dia 1? de outubro de 1949, proclama-se a Reptiblica Popular da China (RPC). Mao Tsé-tung exclama: “Nunca mais os chineses ser%o um povo escravo!” AS RELACOES ENTRE 0 PCC E A URSS — 1919-1949 A efervescéncia critica do Morunente e de Mate ‘cf. Cap. 4) despertou a atengdo de estudantes e inte- eae para a Revolugao de Outubro de 1917. A Rissia revolucionaria decidira oficialmente (em julho de 1919) renunciar aos privilégios ¢ as vantagens que © imperialismo czarista adquirira em territ6rio chi- nés. E certo que o Estado soviético nao tinha a menor possibilidade de exercer tais privilégios ¢ a rentincia, além disso, nio abrangia a anexaco dos territérios ao norte do rio Amur e a leste do rio Ussuri, tomados a partir de 1860 (cf. Cap. 2). De qualquer forma, a decis&o soviética causara impressdo entre os jovens do “4 de Maio”. Por outro lado, quando os bolche- viques resolveram nio pagar as dividas internacio- nais contraidas pelo czarismo, a medida foi inter- Daniel Aardo Reis Filho Revolugao Chinesa 9 pretada como um “‘exemplo” para os chineses, obri- gados a sustentar o fardo das pesadas “‘indenizagdes” e dos altos juros dos ‘‘financiamentos” impostos pe- las poténcias estrangeiras. Varios grupos se.constituiram em algumas das principais cidades do pais para estudar o marxismo, a teoria que conduzira e orientara os bolcheviques no tumo da yitéria. Logo se evidenciaram duas corren- ‘tes no modo de conceber os problemas da China e na forma como viam as possiveis contribuigdes do mar- xismo. A primeira, animada por Chen Du-xiu, era marcadamente “‘ocidentalizante”: considerava que a China deveria superar sua cultura “atrasada e tradi- cional”, adotando a cultura ocidental, mais dina- mica, e cuja assimilacao era fundamental para en- frentar as poténcias imperialistas. O marxismo apa- recia, assim, como uma “‘variante” de esquerda da cultura ocidental a ser aproveitada na analise e na critica da sociedade chinesa é também na elaboracdo de uma alternativa revolucionaria. A segunda cor- rente, liderada por Li Da-zhao, partia do ‘‘fato na- cional” chinés e da necessidade de destruir a opres- sao estrangeira como condic&o para o florescimento nacional. O marxismo era identificado corno uma teoria revolucion4ria a servigo da_afirmago nacio- nal. A Rissia revoluciondria fazia-se representar pela III Internacional Comunista (IC), fundada em marco de 1919 com o objetivo de coordenar e dirigir 0 movimento comunista revoluciondrio em todo o mun- do. E sob sua inspirag&o que se efetuara a fundacdo [ do Partido Comunista. Chinés (PCC), em julho de 1 1921. A tutela da III Internacional — 1921-1934 AIC, numa primeira fase (1921-1923), tera difi- culdades com o PCC: é que a linha internacional aprovada em seu II Congresso, em julho de 1920, determinava para os paises “atrasados”, coloniais ¢ semicoloniais, a necessidade da construgio de uma ampla frente, incluindo a burguesia (Frente Unica), para 0 combate 4 dominagio e opresso imperia- listas. As resolugdes do I e Il Congressos do PCC (1921 e 1922), porém, apontavam em outra direg4o: concentragio do trabalho politico na classe operaria e critica A debilidade estrutural da burguesia nacio- nal. Os comunistas chineses pareciam estar fascina- dos pela experiéncia soviética e decididos a repetir em Shanghai 0 “modelo Petrogrado” de revolugao so- cial. Os quadros da IC na China comegarao entdo a estimular a Frente Unica em contatos diretos com representantes politicos da burguesia. Neste sentido, desenvolvem-se as conversagées entre Maring e Joffe, representantes da IC e Sun Yat-sen, lider do Guo- mindang, que desembocarao na declaracao Sun-Joffe (cf. Cap. 4), celebrando a alianga entre a burguesia € o proletariado antes que 0 assunto fosse deliberado i) 100 Daniel Aaréo Reis Filho pelo proprio PCC. Ao nivel deste tltimo, a IC aliava- se a corrente dirigida por Li Da-zhao, mais sensivel Frente Unica. O III Congresso do PCC, em junho de 1923, ratificaria a mudanca de rumos. Mas a politica do Estado soviético n&o se esgo- tava nas orientagdes da IC. Em maio de 1924, a URSS assinava um tratado com os senhores de guer- ra do norte da China, restabelecendo o controle da estrada de ferro do nordeste, na Mandchiria. Em novembro de 1924, novo tratado é assinado com Zhang Zuo-lin, senhor de guerra da Mandchuria. A URSS dava assim inicio a uma politica sutil que se estenderia, inalterada em suas grandes linhas, até outubro de 1949: de um lado, contatos intimos com o PCC, através da IC, buscando sempre estimular a Frente Unica com a burguesia e mantendo um canal préprio e independente de conversacdes com 0 Guo- mindang; de outro lado, contatos e tratados com senhores de guerra, sobretudo ao norte da China, sempre e quando isso fosse conveniente e atendesse aos interesses imediatos do Estado soviético. Stalin resumiria a politica numa férmula lapidar: ‘“Jogar sempre em duas frentes”’, A ruptura de 1927 deixaré o PCC e a IC per- plexos. O VI Congresso do PCC, realizado em Mos- cou, em 1928, aprovaria, entretanto, um balanco critico inspirado pela IC: a linha de Frente Unica com o Guomindang fora acertada. Na sua aplicacio, porém, teriam sido cometidos desvios “de direita’’. O responsével pelos erros é nominalmente apontado: Chen Du-xiu, exatamente quem levantara reservas 4 Revolucdo Chinesa 101 aprovacdo da linha em 1923. O PCC também acom- panharia as orientagdes do Congresso da IC reali- zado na mesma época em Moscow: aproximava-se 0 “terceiro periodo” — uma fase de crises cada vez mais profundas no mundo capitalista abrindo possi- bilidades para a ofensiva ‘‘final’”’ do proletariado e de seus aliados rumo a destruic&o do sistema imperia- lista em escala mundial. Ou seja, apesar da derrota desastrosa de 1927, mantém-se e se reforca a tutela daIc. Em 1930, o PCC tentaré aplicar a linha do “ter- ceiro periodo” — diversas insurreicdes sero progra- madas (e esmagadas) (cf. Cap. 5). Mais uma vez, entretanto, a IC nfo assumiria as responsabilidades politicas, recaindo as mesmas sobre Li Li-san, acu- sado de ‘‘subjetivismo e aventureirismo” na “‘aplica- do” de uma linha essencialmente correta. Para substituir Li Li-san chegam a China, assis- tidos pela IC, quadros do PCC formados em Moscou: serao conhecidos no movimento comunista como os “28 bolcheviques”, pelo fascinio que sentem pelo “modelo Petrogrado” e por suas ligagdes com a IC. Inspirados pelas teses do ‘‘terceiro periodo”, os “28 bolcheviques” ainda tentam manter 0 centro de gra- vidade do movimento popular nas cidades. Mas a absoluta falta de condicdes de sobrevivéncia fisica empurrara os dirigentes para o tinico lugar seguro que havia ent&o para revolucion4rios comunistas: as “bases yermelhas” e, principalmente, a base de Jiangxi. Entre 1931 e 1934 trava-se a luta entre os “28 Daniel Aarao Reis Filho bolcheviques”, partidérios incondicionais da IC, e a nova linha que surge nas bases vermelhas (cf. Cap. 5). A linha formulada por Mao Tsé-tung e seu gru- po era totalmente “herética” em relacto as orien- tagdes da IC e ndo podia ser vista senZo com descon- fianca. Além disso, o fato de Mao ter estabelecido aliangas com “‘bandidos sociais” e prestigiado chefes militares que foram senhores de guerra (Zhu De) ou membros de sociedades secretas (He long), nao podia ser tolerado pelos quadros “‘ortodoxos” formados em Moscou. Mao Tsé-tung e tudo o que ele representa de novo serio acusados de “‘nacionalismo”, “‘milita- tismo”, “guerrilheirismo”, ‘“esquerdismo”, ‘“‘direi- tismo”, etc. A sua estratégia de “‘cercar as cidades pelo campo” é denominada de “‘comunismo de mon- tanhas”, ou, ainda, “de bandidos”’. A luta politica se radicaliza e Mao acaba afastado de todas as fungdes de dire¢io da Repiblica Soviética de Jiangxi. Os representantes da IC apéiam os “28 bolcheviques” ¢ declaram guerra aos desvios. A derrota da Repdblica Soviética de Jiangxi, em outubro de 1934, e o inicio da retirada, que iria se transformar na Longa Marcha, assinalam o comeco do fim da tutela da IC. Revolugao Chinesa 103 Afirmagio e consolidagao do “Caminho Chinés” — a sinizacio do marxismo A reviravolta se realizar4 na Conferéncia de Zu- nyi(cf. Cap. 5), quando Mao e seu grupo assumem o comando do Partido, desprezando, na pratica, as reservas emitidas pelo representante da IC. Ao mes- mo tempo, opera-se um deslocamento (imperceptivel na €poca) ao nivel da direc4o politica: 0 PCC, en- quanto aparelho organico, perde a primazia para 0 Estado-Maior do Exército Vermelho. Jamais, até en- to, os comunistas haviam “‘ousado” tanto: escolher novos dirigentes e mudar de linha sem autorizac’o expressa das instAncias centrais da IC. Quando a Longa Marcha chega a seu término, interesses comuns evitam (ou adiam) o irrompi- mento da crise entre a IC e os comunistas chineses: a primeira realizara 0 seu VII Congresso (1935) defi- nindo a “Frente Unica contra o Nazifascismo”. Ora, esta linha seria integralmente assumida pelos comu- nistas em sua “‘versdo chinesa”’: frente inica contra 0 imperialismo japonés. Além disso, os reyolucionarios chineses mantinham uma atitude formalmente favo- ravel 4 IC, reconhecendo o papel “lider” da URSS na revoluc&o mundial. Durante a guerra antijaponesa — 1937-1945 — a situacao é de “tensa cordialidade”. A URSS desen- volye sua politica em trés frentes: através da IC, mantém vinculos com o PCC, mas seu apoio é basi- camente moral e diplomAtico — a agress&o nazista (1941) consome todas as energias da URSS; por ou- Daniel Aardo Reis Filho Revolugao Chinesa 105 tro lado, a URSS mantém relacionamento diplom4- tico com a China de Tchiang Kai-chek e com os senhores de guerra do norte e noroeste da China (pacto com Sheng Schi-cai, senhor de guerra em Xinjiang, em 1935). Quando da estruturacdo da Frente Unica contra o Japao, a URSS e a IC tentardo exercer, como em 1923-1924, um papel de “‘mediadoras’’ entre os co- munistas e 0 Guomindang (a URSS pressionar4 a favor da libertag&o de Tchiang Kai-chek no chamado “episédio” de Xian). Mas desta vez os comunistas se limitarfo a concessdes formais, mantendo total inde- pendéncia politica e organica no interior da Frente Unica (cf. Cap. 6). E durante a guerra antijaponesa que os comu- nistas chineses afirmarao um perfil politico proprio: Yanan € 0 exemplo mais claro do processo. As difi culdades da guerra e a dissolucdo da IC (1943) limi- tam politica e materialmente a capacidade de inter- vencao da URSS, consolidando-se 0 “‘caminho chi- nés” para a tomada do poder: revolugdo agraria; campesinato como for¢a social principal; Frente Uni- ca, mantendo-se, no seu interior, completa indepen- déncia politica e organica; guerra de longa durac¢o; cerco das cidades pelo campo; papel decisivo do Exército Vermetho, etc. Os soviéticos subestimam, contudo, as possibili- dades dos comunistas chineses: em 1945, depois da capitulagéo japonesa e antes mesmo que ela ocorra oficialmente, a URSS assinar4 um tratado com o go- yerno de Chongaing, garantindo a independéncia da ] 7 ; Mongélia (contrariando expressamente a orientagao dos comunistas chineses), os direitos de controle dos soviéticos sobre a estrada de ferro do nordeste e ainda o controle dos portos de Dairen e Port Arthur. Além disso, as forgas de ocupacio soviéticas na Mandchtria remetem para a URSS equipamentos industriais chineses no valor de 2 bilhées de délares. Estava claro que nao esperavam, num prazo previ- sivel, a tomada do poder pelos comunistas chineses. Durante a ultima guerra civil entre comunistas e o Guomindang (Cap. 7), a politica da URSS sera extremamente sutil. Ligada por lagos politicos e ideo- logicos & “China Vermelha” e ao PCC, nao se abs- terd, porém, de desenvolver e reforgar vinculos com 0 governo do Guomindang. E bastante sintomAtico que a URSS s6 tenha reconhecido diplomaticamente a Republica Popular da China (RPC) vinte dias depois de sua proclamagio. A URSS tinha suas razdes: em maio de 1945, © VII Congresso do PCC colocara o pensamento de Mao Tsé-tung no mesmo nivel do de Marx, Engels, Lenin e Stalin. O “‘caminho chinés” surgia como um “modelo” para todo o mundo, especialmente para o mundo explorado e dominado pelas poténcias impe- rialistas. Estavam lancadas as bases para o conflito sino-soviético, que ainda demoraria onze anos para vir a piiblico. & 5 CONCLUSAO Em outubro de 1949, o movimento camponés surgia como 0 grande vitorioso, conquistando pela forga das armas as reivindicagdes da imensa maioria do povo chinés: distribuig&o de terras, paz, unidade e independéncia nacional. No processo de luta — entre 1927 e 1949 — for- jara-se igualmente a organizacio democratica de massas do movimento camponés: o Exército Popular de Libertagio (EPL). Uma organizacio em armas, adequada 4s especificidades da revolug&o chinesa — guerra de longa duracgdo, cerco das cidades pelo cam- po, progressio lenta do poder local ao poder central. O Exército Popular era a viga mestra de uma série de organizagdes populares armadas — milicias popu- lares, unidades de autodefesa, etc. — que se combi- navam, por sua vez, com outras organizacées poli- ticas ¢ sindicais: Partido Comunista Chinés (PCC), Organizac3o dos Jovens, das Mulheres, sindicatos Revolugdo Chinesa 107 profissionais, organizagdes estudantis, intelectuais, ete. A revolucdo agraria baseada no campesinato e utilizando como instrumento orgfnico fundamental o Exército Popular de Libertag4o (EPL) nao estava prevista em nenhum “modelo” ocidental. A faléncia do governo de Chongqing revelara a bancarrota dos “modelos” de democracia burguesa européia e norte- americana na China. Por outro lado, o fracasso da Frente Unica com o Guomindang — em 1927 e 1946 — e das experiéncias revolucionarias baseadas nas cidades desmoronaram os planos de tutela da Inter- nacional Comunista (IC), enfraquecendo o fascinio pelos “‘modelos” elaborados em Petrogrado e Mos- cou. As variantes ocidentais — de “‘direita” e de “esquerda” —, provadas na pritica, haviam reve- lado suas limitag6es. Dificil e lentamente, em meio a muitos zigue- zagues e contradigdes, fora surgindo a Revolugdo Chinesa em seu perfil proprio, especifico, engen- drando um novo “modelo” (Yanan), uma nova estra- tégia de poder (guerra de longa duragao), uma nova proposta de alianca de classes (a Nova Democracia) € lideres que se destacavam por sua originalidade: Mao Tsé-tung, Zhu De, Zhou En-lai, Lin Biao, Liu Shao- Qi, ete. Os camponeses armados e¢ disciplinados desfi- lando em Pekin, Tientsin, Shanghai e Cantdo provo- cam a admiraco do povo chinés e do mundo. O movimento social camponés provara na pratica sua capacidade politica e potencial revolucionario, agru- 108 Daniel Aardo Reis Filho pando as demais classes e setores sociais em torno de suas lutas e se constituindo na forga social principal da Revolucdo. Derrubara e vencera a velha ordem, conquistando suas reivindicagdes basicas. Um noyo desafio, contudo, rapidamente se le- vantaria: o da construg&o de uma nova sociedade — pacifica, harmé6nica, justa. Seria possivel construir uma Nova China, mantendo e aperfeigoando o igua- litarismo de Yanan? Ou o movimento camponés seria novamente subjugado por aqueles que vencera pelas armas? A histéria da luta entre estas alternativas é a hist6ria da construgo do socialismo na China. Se INDICACOES PARA LEITURA Os trabalhos de Collotti Pischel, E. — Histéria da Revolucéo Chinesa, Ed. Europa-América, Portu- gal, 1977 — e de Chesneaux, J. — La Chine, Ed. Hatier, Paris, 1975 — sfo abrangentes, acessiveis e criticos, entregando informacdes e indicagdes que permitem uma discussdo mais aprofundada das con- tribuicdes e contradi¢des da Revolucao Chinesa. Sugerimos, em seguida, obras que digam res- peito aos movimentos sociais que estiveram na base da revolugao, particularmente sobre 0 movimento social camponés: Hinton, W. — Fan Shen, un Do- cumentaire de la Révolution dans un Village Chinois, Ed. Plon, Paris, 1971; Chesneaux, J. — Le Mouve- ment Social Paysan en Chine (1840/1949), Ed. Seuil, Paris, 1976; Forman, H. — Ce que J’ai Vu en Chine Rouge, Paris, 1946; Wales, N. — Red Dust, Stanford, UP, 1952; Récits de la Guerre de Résistance contre le Japon, Pekin, 1961. O conjunto destes livros tem a vantagem de concentrar a ateng&o nos verdadeiros

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