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I. Preâmbulo
Fui convidada (e eu aceitei com muito prazer) para fazer parte deste Seminário
Internacional de Direitos Humanos, que tem como lema: a Violência Doméstica. De
nossa parte, nos foi proposto fazer uma comunicação sob o tema “O Quadro Jurídico
sobre a Violência Doméstica em Angola”. É, sobre esta questão que, neste primeiro
painel vamos conversar.
Por defeito, já que tenho dedicado anos de trabalho à área do Direito Penal, eu
começaria por dizer que, um dos Princípios estruturantes do Direito Penal é o Princípio
da Necessidade, entre nós, Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto,
conhecido com a designação Princípio da Intervenção Mínima.
Segundo este Princípio, e creio que muitos dos presentes, aqueles que já
estudaram Direito Penal, estarão recordados, dizia segundo este princípio, “ o Direito
Penal só deve querer aplicar-se quando por um lado, for necessário e, por outro, eficaz.
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Isto significa que, sempre que houver outras áreas mesmo de natureza meramente
social, estas devem ser as primeiras a intervir para resolver as questões que se levantem
nas relações que as pessoas estabeleçam no seu dia a dia. A eficácia, por seu turno, é
também importante, porque a aplicação de sanções deve ter como finalidade por um
lado a prevenção geral, ou seja, levar a que a generalidade das pessoas não se comporte
da mesma maneira que os denominados delinquentes, infractores, ou criminosos e, por
outro a prevenção especial cuja finalidade é a reinserção, ou seja o regresso da pessoa
condenada, ao convívio da sua família, amigos, etc.
O princípio da necessidade tem haver com o facto de que, o Direito Penal se por
um lado serve para proteger os direitos fundamentais das pessoas, como a vida a
integridade física, a honra, a dignidade, o bom nome, a propriedade, etc, também, por
outro, acaba por ofender esses mesmos direitos, uma vez que as suas sanções são de tal
modo gravosas, que, em alguns pontos do mundo, chegam a atingir o bem e direito
fundamental mais preciso e indispensável à existência da própria sociedade, a vida; é só
lembramo-nos da existência da pena de morte.
Faço esta introdução para dizer que sendo a necessidade e por via dela a eficácia,
princípios reitores e estruturantes do Direito Penal, é legítimo perguntar se, a questão
violência doméstica não estará dentre aquelas, cuja intervenção do direito penal é
ineficaz. Já que sabemos que o direito penal é um direito de última ratio.
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Julho1. Ela surge para prevenir e punir os actos de violência doméstica contra pessoas
indefesas e debilitadas física, psicológica e emocionalmente ou para proteger, de uma
forma geral, a sociedade de factos de violência contra a mulher, o homem, as crianças,
os idosos e adolescentes, estes considerados sujeitos vulneráveis à agressão, conforme
se lê nas razões de motivo desta lei contra a violência doméstica.
Aplica-se aos factos ocorridos no seio familiar ou outro, que por razões de
proximidade, afecto relações naturais e de educação, o que geralmente acontece nos
infantários, nos asilos para idosos, nos hospitais, nas escolas, nos internatos, femininos
ou masculinos, nos espaços equiparados de relevante interesse comunitário ou social
(cfr. o artigo 2.º da Lei n.º 25/11).
A Lei também opera, como não podia deixar de ser, com um conceito de
violência doméstica. Para esse efeito, violência doméstica é toda a acção ou omissão
que cause lesão ou deformação física e dano psicológico, temporário ou permanente,
que atente contra a pessoa humana no âmbito quer das relações familiar, e outros grupos
ou outros ambientes previstos no artigo 2.º da lei em análise. (Para mim uma
formulação um tanto deficiente, talvez resultante da redacção).
A fim de que as pessoas saibam como prevenir e/ou punir em caso de agressão
ou omissão, a Lei apresenta tipos que configuram violência. Assim, refere-se:
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Publicada no Diário da República, N.º 133. De 14 de Julho de 2011.
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A expressão vítima está a ser empregue num sentido amplo, para significar toda a pessoa que
sofre dano ou prejuízo resultante da actuação de outrem
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d) violência verbal, que pode ser definida como toda a cção que envolva a
utilidade de impropérios, acompanhados ou não de gestos ofensivos, que tenha como
finalidade humilhar e desconsiderar a vítima, configurando calúnia, difamção ou injúria.
[cfr. a alínea d)].
Ora, o legislador, alargou essa legitimidade e permitiu que, mesmo nos casos em
que o ofendido não apresenta qualquer pessoa que tenha conhecimento do facto
criminoso pode apresentar. Precisamente por causa do tipo de relação que envolve as
partes e o local onde a violência ocorre. (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º da Lei n.º
25/11).
Também por essa mesma razão, as vítimas têm o poder de desistir da queixa, do
processo. A natureza semi-pública permite ainda que, os conflitos resultantes dos actos
de violência doméstica possam ser dirimidos administrativamente pelos órgãos públicos
ou privados vocacionados para o efeito; embora as vítimas tenham direito a pedir uma
indeminização (cfr. o n.º 1 e o 3 do artigo 18.º). É ainda permitido a quem seja chamado
para intermediar uma questão de violência doméstica, apoiar-se em técnicas de
negociação que privilegiem a reconciliação.
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Um dos elementos típicos da caracterização dos crimes semi-públicos é a admissibilidade da
desitência da queixa, como nos confirma o n.º 3 do artigo 24.º Lei n.º 25/11.
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Não obstante a caracterização das condutas que configuram violência doméstica
definidos no artigo 3.º como de natureza semi-público, a lei define no artigo 25.º outros
tipos de conduta que constituem crime como de natureza pública. São nomeadamente:
a ofensa à integridade física ou psicológica grave e irresistível [cfr. a alínea a]; a falta
reiterada de prestação alimentos à criança e de assistência devida à mulher
grávida [a alínea b)]; o abuso sexual a menores de idade ou idosos sob tutela ou guarda
e incapazes [a alínea c)]; a apropriação indevida de bens da herança que pelo seu valor
pecuniário atente contra a dignidade social dos herdeiros [cfr. a alínea d)]; a sonegação,
alienação ou oneração de bens patrimoniais da família, tendo em conta o seu valor
pecuniário [cfr. a alínea e)] e finalmente, a prática de casamento tradicional com
menores de catorze anos de idade ou incapazes [cfr. a alínea f)].
Do facto da natureza pública, permite a denúncia, uma vez mais, por qualquer
pessoa, para que se dê início ao procedimento criminal e, o que é mais importante, não
admite a desistência por parte da vítima.( o que do meu ponto de vista levanta questões
de eficácia com relação à não prestação de alimentos e ao casamento tradicional com
menor de 14 anos).
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razões de segurança pessoal, apenas na presença da autoridade competente [cfr. a alínea
g) do artigo 12.º].
Já nos casos em que o agente não presta, reiteradamente os alimentos aos filhos
e à mulher grávida, à luz do n.º 3 do artigo 25.º,[alínea b)]; se apropria, de forma
indevida de bens da herança que pelo seu valor atente contra a dignidade social dos
herdeiros [alínea d)]; sonega, aliena ou onera os bens patrimoniais da família [alínea e)]
ou pratica casamento tradicional com menores de catorze anos ou incapazes, a pena é de
prisão até 2 anos, ou seja, nos termos do actual CP, de 3 dias a 2 anos. Pode haver lugar
a outra pena.
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Porque a lei determina que depois de recebida a aqueixa ou a denúncia, as autoridades
competentes devem averiguar a sua veracidade, para efeitos de procedimento criminal (procedimento este
que apenas começa com a queixa do lesado ou por quem tenha legitimidade para o fazer ou denúncia feita
por qualquer pessoa ou autoridade que tenha conhecimento do facto (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º de
Lei n.º 25/11).
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V. O TRATAMENTO SOCIAL DO AGENTE DO CRIME.
CONCLUSÕES
Como se pode concluir a partir da exposição que foi feita e, admitindo que a
violência doméstica constitui um flagelo social que contribui para a desestruturação e
instabilidade emocional das famílias e em consequência, da sociedade (preâmbulo da
Lei n.º 25/11), pode-se dizer que a Lei Contra a Violência Doméstica é um instrumento
legal que surge no ordenamento angolano para garantir uma protecção redobrada e
especial contra indefesos e debilitados, física, psicológica e emocionalmente.
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artigo 36.º da CRA]; o direito ao controlo à segurança e ao controlo sobre o seu próprio
corpo [alínea d) do artigo 36.º da CRA].
Por outro lado, existe também a legislação penal que, de forma mais abrangente
estabelece o regime jurídico de protecção, de prevenção, de assistência e de combate
e/ou punição das pessoas que praticam factos considerados criminosos.
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Ao terminar, gostaríamos apenas de recordar aos participantes a este Seminário
Internacional de Direitos Humanos e todos que eventualmente nos poderão acompanhar
através destes escritos, que a violência doméstica constitui uma forma de violação dos
direitos humanos e por isso mesmo constitui crime.
Juiz Conselheira,