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Apresentação – Modernidade e identidade – Anthony Giddens

A modernidade possui um contexto de extrema dinamicidade e se encontra em


um nível institucional, em que a vida social é influenciada por ela e que a mesma afeta,
inclusive, o eu. Na modernidade tardia, como denomina o autor, há uma interconexão
entre a globalização e as disposições pessoais. A partir desta noção, Giddens apresentará
algumas questões que envolvem a constituição da auto-identidade a partir da
reflexividade do eu, (sob efeitos das características dinâmicas e globalizantes da
modernidade tardia) que é uma característica do mundo pós-tradicional.
Com a finalidade de explicar o caráter dinâmico da modernidade, Giddens
elenca três aspectos: a separação do tempo e espaço, os mecanismos de desencaixe e a
reflexividade institucional. Se na pré-modernidade tempo e espaço eram
experimentados em conjunto, num contexto local, a partir da modernidade estes
elementos são experimentados separadamente e se rearticulam, coordenando as
atividades cotidianas sem a obrigatoriedade do local. Os mecanismos de desencaixe são
de dois tipos, as fichas simbólicas que compreendem meios de troca, que como exemplo
podemos citar o dinheiro, e os sistemas especializados, que são os modos de
conhecimento técnico; em conjunto são denominados sistemas abstratos. A
reflexividade diz respeito à incorporação de conhecimento e informação às atividades
da vida social, bem como sua constante revisão.
A modernidade é caracterizada, também, como uma “sociedade de risco”, não
que antes as sociedades estavam ilesas aos mesmos, mas na modernidade o risco passou
a ser entendido como tal devido à reflexividade. Dessa forma, a aferição do risco se
tornou uma ação constante a fim de possibilitar uma colonização do futuro, isto é,
trazer para o presente eventos localizados à frente, no futuro. Diante desta situação
de constante risco, a ansiedade é um elemento que se incorpora às sensações que os
indivíduos modernos experimentam. É um estado emocional que permanece em todos
os indivíduos e em todos os momentos, inclusive e principalmente, na infância.
A criança ainda não é um “ser”, mas um “ser sendo”, assim é preciso que os
cuidadores dela atuem de modo a fazer com que ela desenvolva um sentimento de
confiança e segurança básica, que futuramente possibilitarão ao adulto uma segurança
ontológica, isto é, uma segurança de ser e estar no mundo, sendo capaz de enfrentar os
percalços que poderão surgir na vida cotidiana.
A ansiedade, assim como o risco, é um elemento constante na modernidade
tardia, mas quando o indivíduo desenvolve sua segurança básica e, consequentemente, a
segurança ontológica, ele terá constituído um casulo protetor, que terá como função
filtrar essas os riscos potenciais, o protegendo de uma maior instabilidade psicológica e
emocional. Este casulo colocará entre parênteses alguns riscos numa condição de
improbabilidade, amenizando a ansiedade e possibilitando o “seguir em frente”, pois
manterá a segurança ontológica integra. Afinal, esta é a demanda, ser capaz de
ponderar os riscos, enfrentar os obstáculos, para assim, continuar seguindo em frente.
Os obstáculos a serem enfrentados se encontram, principalmente, no que o autor
denomina como momentos decisivos. Estes momentos são resultados dos períodos de
transição, em que o indivíduo atravessa uma crise, por exemplo, atravessar o caminho
da infância para a adolescência. Nessa etapa, as questões existenciais, como “quem
sou?”, “o que fazer?”, entre outras, se fazem presentes e são necessárias para o
desenvolvimento do indivíduo, mesmo que algumas questões lhes sejam impossíveis de
serem respondidas. (mas as questões, nesse contexto, se dariam como respondidas?)
A modernidade alta também é marcada pela dúvida, em que o conhecimento
opera através da hipótese, sendo revisto de forma constante. É um período de múltiplas
autoridades, diferente de contextos pré-modernos onde a religião ou a tradição eram
autoridades únicas e absolutas. Dessa forma, estão disponíveis aos indivíduos uma série
de possibilidades de autoridade dentro de uma mesma área do conhecimento, por
exemplo, que discordam ou concordam entre si e que orientam decisões e
comportamentos. A confiança é fundamental em um contexto marcado pela dúvida e
pelas inúmeras possibilidades, sendo o alicerce necessário às tomadas de decisão, como
por exemplo, de que vertente da medicina seguir.
Em todas essas passagens, a reflexividade se torna um elemento central. É ela
que permitirá as sensações de segurança, assim como a capacidade de seguir em frente
diante das inúmeras situações que são (im)postas aos sujeitos e a confiança, necessária
em um contexto de insegurança e múltiplas escolhas. A reflexividade, também, é um
fator determinante para a auto-identidade, que é reflexivamente construída a partir do
projeto reflexivo do eu, em que a noção de estilo de vida é fundamental, já que a
tradição, que antes orientava as ações dos individuos, perde cada vez mais sua
preponderância.
A modernidade, como já mencionado, é extremamente dinâmica, assim, oferece
uma gama de possibilidades em relação às inúmeras e diversas situações, pois com a
globalização, os traços culturais se entrelaçam, na articulação entre local e global. Dessa
forma, o estilo de vida adotado pelos indivíduos pode ser influenciado através de todos
os mundos fenomênicos apresentados aos mesmos, principalmente através da mídia. No
mundo moderno essa escolha se faz necessária, assim, é preciso que todos adotem um
estilo de vida, seja ele qual for. E esta escolha refletirá a auto identidade, se estendendo
ao corpo, já que esse passa a ser, também, reflexivamente mobilizado de acordo com o
projeto reflexivo do eu.
O eu ou projeto do eu, assim como todos os outros aspectos e fenômenos já
mencionados, é constituído reflexivamente, a partir de todas essas influências externas.
É importante ressaltar que, apesar destas influências, os indivíduos modernos não
desenvolvem sua auto identidade de forma passiva, isto é, apenas se fixando e sendo
suscetível a referências externas e extrínsecas, como a tradição. (AQUI TALVEZ
FIQUE UM POUCO CONFUSO FALAR EM INFLUÊNCIA EXTERNAS, PORQUE
PODE FAZER CONFUSAO COM A QUESTÃO DA REFERECIALIDADE, O QUE
CÊ ACHA?) Na modernidade tardia, a referencialidade passou a ser interna e intrínseca,
exatamente pelo fato de haver reflexividade. A auto identidade deve ser construída de
modo a manter uma biografia coerente, e essa coerência vai de encontro ao controle do
corpo. Assim, o corpo se torna alvo das tentativas de se apresentar e servir de espelho
para a auto identidade, bem como para a escolha do estilo de vida. (PENSO QUE
PODÍAMOS FALAR MAIS DA REFERECIALIDADE INTERNA)
Essa relação entre o eu e o corpo tem a ver com a auto realização, em que o
indivíduo mantem um eu integrado e autêntico diante de sua vida cotidiana. Esta auto
realização se estenderá, também, as relações, que foram influenciadas pela perda da
referencialidade externa. As relações, não só conjugais, mas as de amizade, deixam de
estar alicerçadas em critérios externos, como parentesco ou questões econômicas e
passam agora a serem sustentadas pelos benefícios da própria relação. Desse modo, as
relações puras se ligam, não somente a auto-realização, mas à própria auto-identidade,
já que possíveis percalços podem mobilizar determinados questionamentos (como
estou? O que estou fazendo?) e autenticidade, fator fundamental para a reciprocidade
dos relacionamentos puros, depende de uma auto-identidade coerente. Além disso, a
intimidade também é um elemento importante, pois dela depende a relação pura.
O eu estará sobre as condições de risco permanentemente, como já dito, o risco é
uma característica potencial da modernidade. Diante desta situação, Giddens
apresentará vários dilemas e tribulações que o eu enfrentará ao longo da trajetória do
indivíduo. Na modernidade tardia, a realização do projeto reflexivo do eu se dá em meio
à segregação de determinadas experiências que apresentam cunho moral e existencial.
Por exemplo, a segregação dos “loucos”, “desviados”, “criminosos” e a sexualidade,
que também passa a ser ocultada. A ocultação dessas experiências faz com que os
sujeitos perdam o contato com questões existenciais e morais que, de acordo com
Giddens, são importantes, pois tornam a existência “plena” e “satisfatória”.
A perda do contato com essas questões tem como consequência a ameaça de
perda de sentido, o sentimento de que a vida nada tem a nos oferecer. O eu e o
corpo são constantemente influenciados pelos sistemas abstratos, sendo permeados por
diversas possibilidades de estilo de vida. No projeto reflexivo do eu, ainda predomina o
controle e os parâmetros morais apenas se tornam evidentes através da autenticidade.
Mas, ainda assim, existe uma ânsia em direção a remoralização da vida.
A moral era anteriormente oriunda da tradição ou religião, referenciais externos
dos contextos tradicionais. Na modernidade tardia, os referenciais externos entram em
declínio, dando lugar aos referenciais internos, em que dilemas morais e existenciais são
estão presentes. A moral “precisaria”, então, ser retomada e isso foi possível a partir do
estabelecimento da política vida, que possibilitou aos indivíduos um aporte para suas
fragilidades, decorrente da ausência das questões morais de suas experiências. A
política-vida, portanto, tem um papel crucial na modernidade tardia, visto que o
indivíduo moderno caminhou para uma perda de sentido, que o colocou numa situação
frágil, que é prejudicial ao desenvolvimento de sua auto identidade e sensação de
confiança e segurança, que são elementos necessários para que se possa seguir em frente
perante um mundo que oferece uma situação de múltiplas escolhas e em que o risco é
tido como risco continuamente.

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