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Introdução
Considerada a ciência da diversidade dos organismos, a Sistemática abrange a descoberta e a
interpretação da diversidade biológica, assim como a síntese destas infomações sob a forma de sistemas
de classificação preditivos. O propósito fundamental desta ciência é desvendar os ramos da árvore da
vida, documentando e relatando as modificações que ocorreram durante a evolução dos organismos, além
de buscar identificar os processos responsáveis por esta diversidade.
A Sistemática consiste de quatro elementos básicos: Descrição, Identificação, Nomenclatura e
Classificação. A escola mais aceita da sistemática atualmente é baseada no critério de que as
classificações devem refletir a história evolutiva dos organismos, adicionando a reconstrução
filogenética como um de seus elementos.
A descrição é produzida em forma escrita pela listagem detalhada de todos os atributos
estruturais do organismo, sendo, no caso das plantas, iniciada pelos órgãos vegetativos: raiz, caule e
folhas; seguidos pelos reprodutivos: flores, frutos e sementes.
A identificação é o processo de determinação de um nome a um espécime, um indivíduo inteiro
ou suas partes. Este nome está associado a um material testemunho, o tipo nomenclatural, que é
designado quando se elabora a descrição da espécie. O método mais usual para a identificação de um
organismo é a utilização de chaves de identificação, sendo as dicotômicas as mais utilizadas,
possibilitando a identificação do material por meio de características morfológicas objetivas e excludentes
entre si. Abaixo segue um exemplo simples de chave de identificação:
A identificação pode também ser realizada por comparação, através de descrições das espécies
candidatas ou por comparação com espécimes já identificados, vivos ou fixados, depositados em coleções
biológicas. Apesar de ser um método eficiente deve-se levar em consideração a confiabilidade da
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identificação dos espécimes da coleção para que não ocorra a duplicação de uma identificação errônea.
Por isso é importante a utilização de materiais identificados por pessoas (consideradas especialistas) que
tenham um profundo conhecimento do grupo em questão.
A nomenclatura é fundamental para que o nome aplicado ao organismo descrito seja único e
universal. Para isso a nomenclatura vegetal é regida pelo Código Internacional de Nomenclatura para
Algas, Fungos e Plantas, cujas regras visam à indexação de todo o conhecimento disponível acerca do
organismo nomeado. O código pode ser alterado apenas durante o Congresso Internacional de Botânica
que ocorre a cada seis anos. Dessa forma, a nomenclatura é atualmente regida pelo Código de Melbourne
(2011) e no próximo congresso, que ocorrerá em 2017 na cidade de Shenzhen na China, será produzido o
futuro Código de Shenzhen.
A classificação consiste na ordenação das plantas em níveis hierárquicos de acordo com suas
características (atualmente, de acordo com as relações filogenéticas). Assim, um nível hierárquico mais
inclusivo (mais abrangente) incluirá níveis menos inclusivos (menos abrangentes) e suas respectivas
características. As categorias são atualmente estabelecidas de acordo com linhagens monofiléticas sendo
o Reino a mais inclusiva e a de Espécie a menos inclusiva (Figura. 1)
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artificial dos vegetais, em árvores, arbustos, sub-arbustos e ervas. Durante essa fase da sistemática, outro
personagem que se destaca na história é o médico do exército romano Pedanius Dioscorides, considerado
fundador da farmacognosia, por meio da sua obra De matéria medica, apresentou interesse nas
propriedades medicinais das plantas, em sua obra ele descreve cerca de 600 plantas.
2° Fase. Herbalista: Durante a idade média foram os médicos que deram uma ampla
contribuição aos estudos dos vegetais, como Andrea Cesalpino (1519-1603). Nesse momento da história,
surgem ilustrações e descrições que facilitam as identificações das plantas, essas informações eram feitas
apontando as propriedades medicinais que elas possuíam.
3º Fase. Sistemas artificiais. Momento em que surgem os primeiros taxonomistas, nesse período
a classificação busca agrupar as plantas por “afinidades naturais”, sem a preocupação de reuni-las por
relação de parentesco. As plantas eram classificadas com base em poucos caracteres, avaliando a ausência
ou presença de determinadas características morfológicas e considerando sua similaridade.
Durante essa fase da história surgem grandes taxonomistas, um dos mais citados desse período
foi de Carl Linnaeus (1707-1778), que escreveu Species Plantarum, baseando sua análise em um sistema
de classificação denominado “sexual”, uma vez que buscava similaridades estruturais reprodutivas. Assim
como o trabalho de todos os naturalistas da época, os sistemas de classificação buscavam refletir a Ordem
Divina da Criação.
4º Fase. Sistemas Naturais: Tempo de oposição às doutrinas religiosas, ocorre no final do século
XVIII. As plantas ainda eram classificadas de forma comparativa, porém os naturalistas levavam em
conta um maior número de informações, essencialmente do conhecimento acumulado sobre morfologia
vegetal.
Figura 2. Linha do tempo ilustrando diferentes fases da sistemática vegetal ao longo da História.
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relações evolutivas dos organismos. Nessa fase surge a escola Gradista, que apesar de ser baseada em
conceitos evolutivos, não apresenta uma base metodológica com inferência empírica.
A teoria da sistemática passou novamente por modificações a partir de 1950, quando o
entomólogo alemão Willi Hennig (1913-1976) propõe que a classificação dos organismos deveria refletir
seu parentesco filogenético e que somente novidades evolutivas compartilhadas por estes organismos
(sinapomorfias) permitiriam inferir essas relações; é fundada a escola Cladística ou Filogenética, que
buscava traçar a história evolutiva de ancestralidade dos organismos mediante um diagrama hipotético: o
Cladograma. Para essa reconstrução, somente grupos de organismos que compartilham uma série de
características únicas (apomorfias) com o mesmo ancestral (grupos monofiléticos) podem ser utilizados
na classificação.
6º Fase. Sistemas Filogenéticos na atualidade: Os estudos taxonômicos da atualidade utilizam
inúmeras ferramentas, incluindo a incorporação da biologia molecular e métodos que visam compilar os
estudos da filogenia dos diversos grupos. O sistema de classificação atual mais utilizado hoje é o APG III
(Angiosperm Phylogeny Group, 2009), sendo que acaba de ser publicado o APG IV (2016) que o
substituirá. Esse sistema da classificação, proposto por Walter S. Judd e colaboradores na década de 90,
reformulou os sistemas de classificação das angiospermas, considerando apenas grupos que compartilham
o mesmo ancestral. O sistema do APG é amplamente aceito pelos sistemas atuais e isso ocorre
principalmente porque a sistemática filogenética representa um importante avanço conceitual nos
métodos utilizados para classificar os organismos. Fundada em um arcabouço teórico objetivo, que busca
a opção mais válida das evidências disponíveis em uma análise, sujeitando-as a testes e confrontos com
evidências adicionais, a sistemática filogenética possibilita um sistema de referência muito mais estável e
preditivo.
Taxonomia na atualidade
A taxonomia é uma ciência que remonta à Antiguidade humana, mas foi operacionalizada e
formalizada no século XVIII, com a publicação do Systema Naturae pelo botânico sueco Carolus
Linnaeus. Considerado o pai da taxonomia, o sistema proposto por Linnaeus é empregado até os dias de
hoje.
O principal aspecto que caracteriza o trabalho dos taxonomistas é o de lidar com o total ou
parcialmente desconhecido. Além disso, a motivação primária é de que os organismos só existem, sob
uma visão antropocêntrica, se forem devidamente descritos. Assim, a taxonomia é primordial na maioria,
senão todas, as áreas das Ciências Biológicas, pois delimita as unidades básicas de estudo (i.e. espécies)
de qualquer trabalho que envolva seres vivos. Os dados gerados em trabalhos taxonômicos têm diversas
aplicações e alguns exemplos incluem: (i) embasar estratégias conservacionistas, que têm como foco
principal as espécies (p.ex. a lista vermelha de espécies ameaçadas, da IUCN e o Livro Vermelho da
Flora do Brasil); (ii) monitorar espécies invasoras; (iii) gerar informações que permitem o uso humano
direto da biodiversidade, entre outras.
No entanto, ao longo do tempo, principalmente a partir da década de 80, taxonomia foi sendo
pouco a pouco desvalorizada sob a justificativa de que essa se dedica “somente” à descrição de espécies.
Este cenário é decorrente de diversos fatores, sendo os principais: a valorização de pesquisas
experimentais, e consequentemente menos incentivo à ciência descritiva, o argumento de que não há
testes de hipóteses em taxonomia e também ao status associado a novas metodologias, consideradas mais
modernas. A taxonomia é, em sua essência, uma ciência descritiva que busca caracterizar a diversidade
biológica em seus mais diversos níveis de organização, nem por isso pode ser menosprezada diante de
outras áreas do conhecimento humano. Além disso, cada espécie constitui uma hipótese evolutiva
inequívoca, estabelecida pelos taxonomistas a partir da análise criteriosa dos atributos do grupo de estudo.
Desta forma, os argumentos que embasam algumas justificativas de menor valorização da taxonomia não
se sustentam e basicamente demonstram o desconhecimento das bases desta Ciência.
Atualmente, o conhecimento taxonômico constitui umas das metas mais urgentes, pois vivemos
em meio a uma ‘crise de biodiversidade’ na qual a velocidade de extinção supera a taxa de descrição de
novas espécies. As consequências deste cenário de pouca valorização dos estudos taxonômicos são
diversas, como a diminuição do número de taxonomistas treinados, seja pelo menor financiamento de
pesquisas bem como pela supressão de posições, em institutos de pesquisa, para estes profissionais.
Apesar disso, com a inclusão da questão da crise de biodiversidade na agenda da Convenção
sobre Diversidade Biológica, realizada no Rio de Janeiro em 1992, foi estabelecido como metas: (i)
completar o inventário sobre a diversidade biológica; (ii) elucidar as relações evolutivas entre as espécies;
e, (iii) disponibilizar informações via Internet. A partir disso, diversas ações têm sido tomadas, dentre as
quais estão a informatização de dados armazenados em coleções ao redor do mundo e, assim, a criação de
iniciativas internacionais para armazenar e compartilhar dados da biodiversidade como, por exemplo, o
GBIF (Global Biodiversity Information Facility) e, no Brasil, o CRIA (Centro de Referência em
Informação Ambiental), e especificamente para espécimes de plantas: o Herbário Virtual Reflora. As
iniciativas de infraestrutura informatizada (do inglês, cyberinfrastructure) são consideradas promissoras e
comumente elencadas como parte das medidas para que o conhecimento taxonômico seja difundido.
Assim, essas medidas permitiriam a difusão do conhecimento taxonômico acumulado, e também
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sensibilização do público e dos tomadores de decisões políticas sobre a importância da biodiversidade e
das ciências que se encarregam de cienc-la.
Além disso, cada vez mais é reforçada a necessidade de uma taxonomia integrativa, baseada em
evidências de múltiplas fontes que aumentará a robustez das delimitações de espécies. E é por meio destas
abordagens que se busca pelo chamado renascimento da taxonomia.
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