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- Sociossemidtica: uma teoria geral do sentido! Eric Landowski (CNRS, CPS) No escopo da semistica de inspiragao saussuro-hjelmsleviana, aetiqueta "sociossemidtica” se emprega para designar, segundo os contextos, seja um dos ramos especializados da disciplina — aquele que toma especificamente por objeto o social —, seja uma das principais correntes teoricas que se oferecem atualmente para renovar a andlise dos fatos de significagao em geral, qualquer que seja 0 tipo de dominio empirico considerado. 1. Um terreno especifico, uma teoria geral Entendida segundo a primeira acepcao, a sociossemidtica desenvolve-se, desde a metade dos anos 1970, sobretudo na Franca, na Italia e na América Latina, sob a forma de um nume- ro continuadamente crescente de pesquisas sobre dominios tao variados que sua enumera¢ao pode parecer heterdclita. A anali- se critica das midias seguiu-se a dos discursos e das praticas da politica e do direito, depois a das situagdes e dos espagos no interior dos quais os atores sociais comunicam-se, construindo e trocando entre eles formas carregadas de sentido e de valor, até TS 1. Esse texto foi adaptado por E. Landowski em dezembro de 2013 para ser publicado na fevista Galéxia, n, 27, p, 10-20, jun. 2014, a partir de uma versne anterior publicada em francés em D. Ablali etal, Vocabulaire des études sémiotiques et sémiologiques, Paris-Be- Sengon, Honoré Champion-Presses universtaires de Franche-Comté, 2009, odalidades da interface entre os objetos chegar ao estudo das m an ee e ee utilizadores. Deste modo, passo a passe Ss it ee ae problematica abrangente, englobando o conjun' O° pl da cotidianidade’. Segundo a outra perspectiva, entretanto, a sociossemiotica nao pode mais ser definida pelo carater “social” dos oo a ela estuda. De fato, seu objeto é 0 sentido enquanto tal, © © Pape! que ela assume € construir a teoria geral desse objeto. Deixando de constituir uma ” aplicagao " da disciplina a um campo particu- lar, ela se apresenta — do mesmo modo que a sua concorrente le camplice), a “semidtica tensiva” — como uma das cores aaa da semiotica geral. O que faz a sua especificidade € uma opgao te6rica da qual ela nao tem o monopdlio, mas da qual ela procura | extrair todas as consequéncias, a saber a ideia de uma relagaéo necesséria, constitutiva, ligando sentido e interacao.? Todavia, essas duas acepcées, uma mais especializada, outra | mais geral, longe de se excluirem, conjugam-se. E é precisamente a nogao de intera¢do que lhes serve de articulagao. Ao mesmo tempo que essa nogdo permite fundar uma teoria sociossemisti- ca sobre 0 plano mais geral, ela também garante, sobre o plano analitico, a unidade do campo sociossemidtico, ou, ao menos, a possibilidade de projetar sobre ele um olhar constante e coeren- te a despeito da diversidade dos objetos empiricos tomados em consideragao. Em uma palavra, pensar sociossemioticamente a questo geral do sentido, ou analisar sociossemioticamente obje- tos de ordens diversas, 6, em todos os casos, colocar a nogao de interagao no cora¢ao da problematica da significagdo. F Sociossemistica: uma teoria geral do sentido | i ESTO Z GREIMAS, A. J. Maupassant: la sémiotique du texte, Patis: Seuil, 1976 (Maupassant - a Praticos. Traduczo de Teresinha Oenning Mi : 9 Michels; Carmen suelles Par Pun ae otanSpols: Edtora da UFSC, 1993; LOCH, J-M, identités Vi i Pa ae ae ie 1; LANDOWSKI, E. Présences de |'Autre, Essais de socio-sémiotique net UPL Presoeas 0 Outro — ensaios saciossemisticos Il. Tradugio de Mary Tui, Einav 2004; uo S80 Paulo: Perspective, 2002), MARRONE, G. Comm Social 3, LANDOWSKL, £ ARSCIANI.F. Tacat di etnosemiotica, Milan; Angel, 2007. ieee ineratone ren sls de socio-sémiotique ll, Pais: PUF, 2004 Limoges: Puli, 2008 easy fuses. Noweauxactes sémiougues, no. 101-102-103 Silva. Sio Paulo: Estacao das Letras ¢ ee ae Tradugao de Luiza Helena O. da Eric Landowski @— 2, Aquém dos signos e além dos codigos Um sobrevoo histérico fara compreender como esta concep- do foi pouco a pouco se desenhando. Em um primeiro momen to, em torno do final dos anos 1960, a ideia de sociossemidtica era ligada, no espirito de seu promotor na época, A. J. Greimas, aquela de "sistema das conotagées sociais”. Considerando que as praticas semidticas, verbais, gestuais ou outras constituem ma- nifestagdes por meio das quais se exprimem “conotativamente” as posi¢6es sociais dos agentes, propunha-se inventariar as cor- respondéncias entre tipos de comportamentos (em primeiro lu- gar linguisticos) e tipos de papéis sociais (definidos a partir de varidveis tais como a idade, o sexo, o estatuto profissional, etc.). Préxima da sociolinguistica norte-americana entdo em voga, essa problemética apresentava um inconveniente maior: aquele de re- duzir o sentido a uma funcdo de expressdo segunda, subordinada | 4 primazia das estruturas sociais e, desse modo, de excluir toda autonomia do semidtico. Compreende-se que nessas condigées, | apesar de uma certa insisténcia da parte de seu promotor, ela nao | tenha feito adeptos e tenha sido praticamente rejeitada. De fato, © que se designa hoje pelo nome de sociossemistica sé comecou a tomar corpo a partir do dia em que um certo ntimero de investi- gadores tiveram a iniciativa de propor uma Pesquisa direcionada &xatamente na contramao dessa dtica. Podem-se resumir os seus principios em trés pontos’). O projeto sociossemiético sob sua forma atualmente efetiva sssume como hipétese primeira que as produces de sentido nao devem ser tomadas como “representacdes”" do social considera- do enquanto referencial ou realidade primeira. So, ao contrario, 48 praticas de construgao, negocia¢ao, intercambio de sentido Bae eensinindes “social” enquanto universo de sentido. Do iodo vém sendo delimitados os campos do “politico”, Pa +N Re a E. La société réfléchie. Essais de socio-sémiotique. Paris: Seuil, 1989 (A liCampinas: Erase ssaios de sociossemistica,Traducao de Ediardo Brand, Ss ‘: ontos, 1992; LANDO\ ae Se teferem a edicao frances WSKI, E. Op. cit., 2004, pp. 18-37). As paginas Sc aE od ad —@® » ssemistica: uma teoria geral do sentido “literario” etc. Paralelamente, esse projeto nas- ce da decisao de deixar de uma vez por todas ac> semiologistas as nogées de cédigo e de signo. Por epee a (socio) semi- 6tica pretende construir uma problematica mals abrangente da significagdo concebida ao mesmo tempo como uma totalidade dependente da articulagéo estrutural imanente a cada discur- so ou pratica (e néo de uma simples justaposigao de elementos combinatérios) e como 0 resultado de uma construgdo negociada entre os actantes (e nado como oO produto de um simples reco- nhecimento de unidades pré-codificadas). Correlativamente, o de de uma Ultima escolha decisiva: do "juridico”, do projeto sociossemidtico proce a de privilegiar nao a descrigao de sistemas que determinariam a produgao e a recepcéo das manifestagées significantes (0 que acabaria por encerrar as praticas de sentido numa fungao de per- pétua reprodugao do mesmo), mas a analise dos processos, ou seja, justamente, das interagoes (entre sujeitos ou entre o mundo e 08 sujeitos) que presidem a construgao mesma do sentido e tornam em consequéncia possivel a emergéncia de configuragées inéditas. Menos que uma andlise do sentido realizado, investido nos objetos — nos enunciados, nos textos, nas coisas que nos circundam ou nos comportamentos que nds observamos —, a sociossemidtica se propde como uma teoria da produgao e da apreensao do sentido em ato. 3. Da jungao a unido Concentrando assim a atengao sobre o ato e mais especifi- camente sobre a dimensao interacional dos processos, a socios- semidtica inscreve-se no prolongamento da semidtica standard, frequentemente considerada ela mesma como uma semiética da Boro (fem papel”). Mas se uma retoma da outra suas principais aquisicoes, a saber a problematica actancial e modal conhecida patente gramatica narrativa, é somente com certas reservas. Pois piles a a on Soclossemidtica acaba por tomar resulta de metodica do modelo standarc®. Ao Procurar superar ean 5. IANBOWSKI, E. Op, cit, 2004, pp. 39-49. Eric Landowski oe as pressuposicoes filosoficas e antropoldgicas desse modelo e completar suas facile @ sociossemiética foi levada a adicionar a conceituagao semio-narrativa classica um certo numero de com- plementos que tomam finalmente lugar num modelo novo, ao mesmo tempo integrador e inovador*. Na base quase filosdfica da gramatica narrativa classica, en- contra-se 0 postulado segundo o qual todas as flutuagées que afetam a condigao material e moral dos sujeitos dependem de operacées de jun¢ao que alternativamente os pdem ou de posse dos objetos que valorizam (conjungao), ou em estado de privagao (disjun¢ao)’. Ora, tal modelizagao permite dar conta somente de um aspecto, muito parcial, de nossas relagdes com o mundo — de seu aspecto “econdmico”. E além dessa dimensao da vida, existe, enquanto positividades também semioticamente analisdveis, in- teragdes independentes de qualquer transferéncia de objetos en- tre sujeitos. De fato, antes de se decompor em unidades discretas oferecidas a nossa curiosidade, nossa cobica ou nossa apreensao, o mundo nos é presente enquanto totalidade fazendo sentido. & assim que, numa perspectiva em parte inspirada nos trabalhos de Sartre e de Merleau-Ponty, foi-se levado a postular, paralelamente 8 logica da jungao, a pertinéncia semidtica de uma outra légica do sentido, fundada sobre a co-presenca sensivel dos actantes — 0 que foi convencionado chamar de légica da uniao®. Segundo a légica da jungao, a compreensao do mundo passa pelo deciframento de formas que, verbais ou nao, sd0 considera- das como equivalentes a outros tantos textos que, supostamente, "quereriam" dizer-nos qualquer coisa. Ao contrario, segundo a légica da unido, nés nao olhamos mais, ou nao ainda, 0 mun- do como uma rede de significantes a decifrar. Entretanto, apesar disso, j4 existem sentido e valor. E que, nao havendo como loca- lizar na superficie das coisas as marcas de discursos inteligiveis que nos seriam direcionados, nés nos deixamos entao impregnar See $. LANDOWSKI, E. Op. cit., 2005, pp. 71-92. 7. GREIMAS, A. J.; COURTES, J. Sémiotique: di i 92ge. Paris: Hachette, 1979 (Dicionario de Semistica. Traduca $40 Paulo: Contexto, 2008). 8. LANDOWSKI, E. Op. cit., 2004, pp. 62-66, pp: 136-137. ictionnaire raisonné de a théorie du lan- 10 de Alceu Dias Lima et al. —@ Sociossemistica: uma teoria geral do sentido pelas qualidades sensiveis inerentes as coisas mesmas. E, Portan- to, necessério distinguir dois tipos de processos de significancia: a leitura, decifracdo das "significagées”, fundada sobre o reconhe- cimento de formas figurativas, e a captura, apreensdo do “sen- tido” que emana das qualidades sensiveis — plasticas, ritmicas, estésicas — imanentes aos objetos. Sublinhamos que nem um nem 0 outro desses regimes se define por referéncia a uma classe determinada de elementos a qual ele se aplicaria especificamen- te, mas que aquilo que os separa deve-se a diferenca dos tipos de olhar que eles implicam respectivamente, sobre o mundo, qual- quer que seja o elemento visado. Mais ainda, leitura ou captura, cada uma implica na realidade, da parte do sujeito, uma moda- lidade diferente de “ser no mundo” e, por esta razio mesmo, entra em correlagéo com os modelos praxiolégicos oriundos da gramatica narrativa enquanto problematica da interagdo. Assim deve-se esperar que aos distintos mods de significan- cia, uns da ordem da leitura, outros da captura, correspondam, em termos de narratividade, regimes de interacdo também distintos?. Para mostrar isso, vamos recorrer a dois exemplos literarios. Primeiro, o herdi de O Vermelho e o Negro, de Stendhal, Julien Sorel. Da parte dele, a decifragao das significacdes é efetuada por meio de uma meticulosa leitura do mundo (e, mais tecnicamente, da leitura de suas “figuras de superficie"), que € acompanhada pelo comportamento social caracteristico de alguém que se va- lia de intrigas: Julien 6 um sujeito programado para manipular. No extremo oposto, Goliadkine, personagem central do conto de Dostoievski, O Duplo, apresenta-se como absolutamente in- capaz de retirar alguma significagao clara das intrigas que, ele cré, s4o tramadas ao seu redor: é uma linguagem que ele nao sabe “ler”. Inversamente, a cada instante, prolifera a seus olhos, sobre 0 modo da captura — isto é, no contato com as qualidades plasticas do mundo que o circunda (ou estésicas dos corpos que ele margeia) — , uma multiplicidade de tropismos que, na medi- da em que, em si mesmos, fazem sentido para ele, comandam ee » LANDOWSKI, E. Unité del senso, pluralita di regime. In: MARRONE, G (dir), Narrazione ed esperienza, Rome: Meltemi, 2007 Eric Landowski inteiramente sua maneira de agir em sociedade e o que se pode chamar sua praxis existencial: longe de programar o que ere seja, ele procura entrar em sintonia com o outro, no instante; longe de manipular quem quer que seja, ele se entrega ao puro ee do que advira, colocando assim em ago (sem sucesso) dois regimes de sentido e de interacao diametralmente opostos aqueles que privilegiava (aliés em seu préprio detrimento) o heréi de Stendhal: o regime do ajustamento ao outro e aquele do assentimento aos decretos da sorte. 4, Regimes de sentido e regimes de interacdo Entre esses diversos regimes, a semidtica narrativa standard re- conhecia somente dois: a "operagao”, ou agdo programada sobre as coisas, e sobretudo a “manipulagao", entre sujeitos. O que os distingue sociossemioticamente sao os principios sobre 0s quais eles se fundam respectivamente: de um lado um principio geral de regularidade que, congelando os papéis dos protagonistas da aco, garante (em principio) a eficacia de nossas intervengées so- -bre o mundo; de outro, um principio de intencionalidade cujo funcionamento supde © reconhecimento reciproco dos parceiros da aco enquanto sujeitos dotados de “competéncias modais” (do tipo querer, saber, etc.)"®. Foi assim que a gramatica narrativa colocou em relevo a figura do “manipulador” e, em menor grat, ado “programador”. Ao contrario, nem o sujeito confiante na sua capacidade de sentir ao vivo as potencialidades de uma situa¢gao, de tirar vantagem da propensao das coisas ou das pessoas, de apreender e de explorar de improviso 0 kairos — © batizamos de “oportunista” —, nem o “fatalista” decidido a entregarse 2 sorte, encontravam lugar nesse quadro. Tanto a observagao da interagéo, quanto a propria experiéncia que temos, a obrigam a reconhecer-Ihes um lugar no modelo. Dai a necessidade de in- troduzir ao lado dos regimes precedentes — cues ao perder Sau monopélio, nao perdem nada de sua pertinencia — dois regimes ae 10, LANDOWSKI E. Op, cit, 2005, pp. 17-20, pp. 34-39: HQ) sociossemistca: uma teoria geral do sentido respectivamente fundados sobre um principio | complementares, aqueles do de sensibilidade e um principio de aleatoriedad. ajustamento e do assentimento"’. Uma vez superados os limites do modelo juntivo, vé-se assim que novas possibilidades se abrem para dar conta da diversidade de mo- dos de apreensdéo do sentido na interagdo e tentar construir uma teoria geral. Pode-se resumi-la sob a forma esquematica seguinte’: Fazer ser Fazer advir Fazer sobrevir Regime de interagao Regime de interaco | fundado sobre fundado sobre | 2 reguleridade: a o aleatéri | programagao. O assentimento. \, (Estratégias do (Estratégias do | | * programador”) "fatalista”) Regime de interacdo Regime de interagdo | fundado sobre fundado sobre a intencionalidade: a sensibilidade: 0 | a manipulacao. ajustamento | (Estratégias do (Estratégias do | “manipulador”) “oportunista”) | Fazer querer Fazer sentir Fazer fazer pa eei 11, Idem, pp. 43-47 42, fbidem,p. 72, PP &*71. Eric Landowski @— Formando sistema e tendo por conseguinte a vocagao de se articular e de se combinar entre si, as quatro formulas as quais se chega permitem dar conta da variedade e do carater geralmente compésito, hibrido ou polivalente das praticas interacionais ob- servaveis sobre os terrenos os mais diversos, inclusive aquele da construgao do objeto de conhecimento nas nossas disciplinas com vocac¢ao "cientifica”. Fortemente integrador, uma vez que ele visa a dar conta nao somente das regularidades mas também dos aci- dentes da construgao do sentido, esse modelo implica uma moral da interagdo, ou uma ética do sentido. Nessa medida, ele convida a uma reflexdo nova sobre o papel, o estatuto e a vocagéo de nossa disciplina, a meio caminho entre descrigdes antropolégicas e reflexao filoséfica. Seguem algumas definigées de base relativas principalmente aos dois regimes introduzidos mais recentemente no quadro da gramatica da interacado. |. Oregime do assentimento (ou dlea) Acidente Ver Alea, Assentimento, Papel Alea Do mesmo modo que a regularidade constitui 0 principio pres- suposto por toda programagao, que a intencionalidade é a base Necessdria para toda manipulagao estratégica e ques sensibilida- de é a condigao de toda interacao em forma de ajustamento, 0 lea (ou melhor, a aleatoriedade) constitui, do ponto de vista de uma sociossemictica da interacao, 0 principio fundador de um re- gime de sentido e de interagao especifico, © regime do acidente ©u, mais precisamente, do assentimento ao imprevisivel. Capaz, sob a figura do “azar”, de fazer fracassar ou vencer qualquer pro- grama em curso, qualquer manipulagao, qualquer ajustamento, 0 dlea faz fungdo de actante “joker” e apresenta o estatuto de um auto-destinador paradoxal. Por definicao, ele nao depende de —@ Sociossemistica: uma teoria geral do sentido nenhuma instancia que lhe seja exterior. Mas tampouco pode-se dizer que ele dependa de si mesmo como seria 0 caso de um ator que instauraria seu proprio dever-fazer. Ao contrario, é somente em sua manifestagdéo mesma (por exemplo, numa sequéncia de numeros tirados ao azar), que ele se autoinstitui, em ato, como sua propria lei’. Assentimento Fundado sobre 9 principio do alea, o que se denomina regime do assentimento equivale ao que na terminologia sociossemicti- ca se chama também regime de acidente. A escolha entre essas duas denominagdes depende da perspectiva que se adote: seja uma perspectiva “objetivante" que sublinha o carater imprevisi- vel, aleatorio, “acidental” do que advém, seja uma perspectiva em conformidade com o ponto de vista do sujeito que aceita a incerteza da sorte, a possibilidade do acidente, 0 risco do nonsen- se. Ao contrario, passa-se para o regime da manipulagao quando © sujeito, transformando 0 dlea em uma espécie de destinador, tenta “conjurar a sorte” e orientar o azar a seu favor. Deixa-se igualmente o regime do assentimento, mas para se orientar rumo ao da programa¢ao quando se procura capturar, atras da aparén- cia aleatéria do curso das coisas, as regularidades estatisticas que permitem calculos de probabilidade"* Coincidéncia No quadro da problematica geral da interagdo, distinguem-se na sociossemiética dois modos de encontro entre actantes. Quan- do se trata de pdr em relacao as intencionalidades (como ocorre no regime da manipulagao) ou de pér em contato as sensibilidades (como ocorre no ajustamento), fala-se de interagdo propriamente dita. Ao contrario, fala-se em coincidéncia quando 0 encontro é © simples cruzamento de dois percursos independentes postos eM 13. LANDOWSKI, E. Op. cit., 2005, 65-71 14, Idem, pp. 62-65. a 7° Eric Landowski @- relagao por uma instancia terceira, operador (no caso do regime de programacao) ou azar (sob o regime do acidente). Nos dois primei- ros casos, © resultado da “interagao" (stricto sensu) é negociado mediante um processo dinamico de coordenagio entre as compe- téncias (modais ou estésicas) dos participantes; nos outros dois, 0 resultado final da "coincidéncia” é predeterminado pela definisdo dos papéis tematicos proprios a cada um dos atores que as circuns- tancias fazem entrar em conjung&o (na programagao) ou em colisdo (sob 0 efeito do azar)"®. ll. O regime do ajustamento Ajustamento O termo ajustamento designa um dos quatro regimes intera- cionais definidos pela teoria sociossemistica. Ajustamento nao deve ser confundido com a ideia de adaptagao, que remete ao regime da programagao (onde um actante pode agir sobre um outro apenas sob a condigdo de respeitar as regularidades que re- gem seu comportamento). Nao consiste, tampouco, em fazer de modo que um dos actantes se dobre a vontade do outro, como na manipulagao. Trata-se de um regime entre iguais, onde os actan- tes coordenam suas dinaémicas respectivas em fungao de um prin- cipio de sensibilidade. Ele poe em jogo 0 processo de contagio fundado sobre as qualidades sensiveis dos parceiros da interagao, isto é, de um lado, a consisténcia estésica (plastica e ritmica) dos objetos, e, de outro, a competéncia estésica dos sujeitos"®. Competéncia estésica eténcia modal que remete a légica da jun- m sociossemistica, légica e do sujeito, a superagao Jo reconhecimento de Diferindo da comp G40, a competéncia estésica remete, © da unido. Seu exercicio supde, da part do modo de leitura do mundo definide pe ae 15, Ibidem, 1, pp, 86-91. 16. Ibidem, pp. 39-52. AQ sociosseristica ume teoria geral do sentido unidades figurativas pontuais, e uma erat para capturar efeitos de sentido oriundos das qualidades p asticas PePies aos objetos apreendidos em sua presenga eer qual quer que seja seu estatuto actorial (parceiros num anass obras ou) objetos do mundo natural). Obedecendo ao principio de sensibilidade (e, portanto, independentemente de eneleuey intencloeteeea orientada por objetivos do tipo "liquidagao da falta ) essa com- peténcia permite o desenvolvimento do processo de ajustamento reciproco, até o accomplissement (desabrochamento) mituo dos participantes. Expandindo-se a maneira de uma finalidade sem fim — sem alvo preestabelecido —, a competéncia estésica se constitui na medida mesma em que ela se exerce'”. Contagio Em termos epidemioldgicos, 0 contagio define-se como uma transformaciio de estado provocada pela transferéncia de um ob- jeto (0 virus) entre sujeitos: ele obedece & ldgica da jungao. O conceito sociossemidtico de contagio depende, ao contrario, da légica da unido. Se o rir, 0 bocejar ou o desejo sao ditos con- tagiosos, é porque, para provocé-los, ndo é sempre necessario conjugar 0 interlocutor a algum objeto especialmente “risivel”, “aborrecido” ou “desejavel”. Ao deixar tao somente transparecer © seu préprio estado hildrio, de fastio ou de desejo, um sujeito pode “acender" (como diz Rousseau) 0 mesmo “fogo” no core- $80 dos que o olham. Sentir o sentir do outro é, em muitos casos, J8 prova-lo por sua propria conta, como se, por uma espécie de performatividade da copresensa sensivel, a percep¢ao das mani- festagdes somaticas de certos estados vividos por outros tenha © poder de nos fazer experimenta-los. O contagio assim entendido Bone: relacdo entre sensibilidades, intervindo, portanto, no plano ee a opine coma “imitagao” intencional, nem com , 10 plano cognitivo'’, ae 17. LANI i 18. ide SK! E. Op. cit, 2004, pp, 96-99, ee

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