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Independência do Brasil
Cronologia Comentada do
Processo de Independência
da Bahia – 2 de julho de 1823
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38
Personagens do
Dois de Julho
49
4
A Consolidação da Independência
2 de Julho
do Brasil na Bahia
Para muitos brasileiros, a frase “Independência ou da Bahia no mês de fevereiro de 1821, uma conspira-
Morte” proferida por D. Pedro I às margens do rio Ipi- ção em apoio a Revolução do Porto eclodiu no Forte
ranga marcou definitivamente o início da autonomia de São Pedro em Salvador. Nos meses seguintes, fo-
política do Brasil em relação a sua antiga metrópo- ram eleitos deputados nas províncias brasileiras para
le, Portugal. Considerando os exageros que cercam serem enviados às Cortes. Ao chegarem em Portugal,
o tema, podemos afirmar que no caso do Nordeste e esses deputados compreenderam a feição conserva-
especificamente da Bahia, a separação foi resultado dora da Revolução do Porto, que, entre outras medi-
de um processo muito mais complexo e por vezes vio- das, pretendia recolonizar o Brasil.
lento. Para se ter uma ideia do significado do 2 de ju- Diante das insatisfações dos brasileiros frente ao
lho, é importante recuperar um pouco da história do projeto recolonizador em curso na Metrópole, come-
Brasil e dos baianos no esforço para a consolidação çaram os conflitos entre os partidários da causa do
da independência. Brasil e os defensores da causa portuguesa. Os ofi-
A separação do Brasil da metrópole portuguesa ciais militares e civis baianos passaram a desafiar a
deu os seus primeiros passos com a chegada da fa- Junta Provisória da Bahia, dominada pelos portugue-
mília real em 1808 e com as transformações políticas ses. Estas manifestações de insatisfação exigiam o fim
e econômicas resultantes, sobretudo a abertura dos da Junta Provisória e maior autonomia da Câmara de
portos brasileiros às nações amigas e a elevação do Salvador.
Brasil à categoria de Reino Unido. Em 15 de fevereiro de 1822, chegou à cidade de
Em 1820, eclodiu na cidade do Porto, em Portugal, Salvador uma Carta Régia nomeando o Brigadeiro
uma Revolução Liberal Constitucionalista, que exigia português Inácio Luís Madeira de Melo para o cargo
o retorno de D. João VI junto com a corte imperial de Governador das Armas, substituindo o brasileiro
para a Europa e a implantação de um regime Monár- Manuel Pedro de Freitas Guimarães. Os comandantes
quico Constitucional. Como resultado, na Província militares recusaram-se a aceitar a autoridade de Ma-
porações e todos os cidadãos mais respeitáveis que dessa Joana Angélica de Jesus. Aos 20 de fevereiro de
possam congregar-se, se tome uma resolução sábia 1822, às onze horas para as doze da manhã, faleceu
e capaz de segurar a salvação da Província, ficando, sem os Sacramentos por morrer de uma baioneta-
aliás, V.Exa. responsável para com as mesmas Cor- da no acontecimento e entrada que fizeram neste
tes e El-Rei, de todos os maus resultados que possam Convento a tropa Lusitana, a Muito Digna Abades-
acontecer. sa Joana Angélica de Jesus; foi seu corpo sepultado
Deus guarde a V.Exa. no coro baixo na sepultura nº 9, e se lhe fizeram
Palácio do Governo da Bahia, aos 18 de Fevereiro de todos os sufrágios que manda a nossa santa regra
1822. Francisco Vicente Vianna, Presidente; Fran- das Religiosas reformadas neste Convento de Nos-
cisco Carneiro de Campos, Secretario; Francisco sa Senhora da Conceição da Lapa, onde havia feito
Martins da Costa Guimarães, Francisco Elesbão Pi- solene profissão. Tinha de idade sessenta anos, dois
res de Carvalho e Albuquerque, Manoel Ignácio da meses e nove dias ...”
Cunha e Manezes, José Cardoso de Pereira de Mello. (Livro de Óbitos do Mosteiro) In: Santos, Joel
In: Amaral, Braz do. História da Independência na Rufino dos. O Dia em que o Povo Ganhou. Edi-
Bahia. Publicações da Prefeitura do Município do tora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1979,
Salvador, Bahia, 1957, p.79. p. 69.
Após a nomeação de Madeira de Melo ao Comando Após estes acontecimentos, dezenas de famílias
das Armas, ocorreram novos embates no interior das e soldados brasileiros começaram a deixar Salvador
tropas, envolvendo portugueses e brasileiros. Estes rumo às vilas do Recôncavo, onde começou a ganhar
incidentes culminaram com a tomada do Forte de São força a resistência à ocupação portuguesa em Salvador.
Pedro pelos lusitanos e com a morte da Abadessa Sóror Várias localidades da Bahia, entre elas: São Francisco
do Convento da Lapa, Joana Angélica, que heroicamen- do Conde, Cachoeira, Santo Amaro, Saubara, Naza-
te tentou impedir a entrada de soldados portugueses ré, Caetité, Inhambupe, Itapicuru reuniram tropas de
no claustro feminino do Convento da Lapa. O Termo de voluntários, reconheceram a autoridade de D. Pedro
Falecimento de Joana Angélica, descrito abaixo, apre- frente ao governo do Brasil e colaboraram como man-
senta maiores detalhes sobre o episódio: timentos e munições para compor o Exército Brasilei-
A BAHIA NA INDEPENDÊNCIA NACIONAL
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ro, responsável pela organização da resistência no solo já diferentes pontos da Província), desejam mos-
baiano. Abaixo, segue a proclamação deferida na Vila trar pelo seu valor o nobre patriotismo, de que se
de Santo Amaro, em reconhecimento a autoridade do acham possuídos”. (Risério, Antônio. Uma história
Príncipe Regente D. Pedro: da Cidade da Bahia. Rio de Janeiro: Versal Edito-
“Que haja no Brasil hum centro único de Poder res, 2004, p. 325).
Executivo; que este Poder seja exercitado por sua
Alteza Real o Príncipe Real, segundo as regras pres- As batalhas que se seguiram tiveram características
critas em uma liberal Constituição; e que a sede do de guerra civil, alcançando seu ponto máximo nos me-
mesmo Poder seja aquele lugar que mais útil for ao ses de maio e junho de 1823, quando as tropas brasilei-
seu bom Regime e administração do Reino”. (in.: Ta- ras, comandadas pelo Coronel Joaquim José de Lima e
vares, Luís Henrique Dias. Independência do Brasil Silva, após a deposição de Labatut, cercaram Salvador,
na Bahia. Salvador: Editora da Universidade Fede- enquanto a esquadra comandada por Lord Cochrane
ral da Bahia, p. 94). posicionava-se à frente da Baía de Todos os Santos.
Numa carta enviada ao Rei de Portugal, Madeira de
No decorrer dos meses seguintes, várias batalhas Melo narrou a difícil situação em que se encontrava:
se sucederam por terra e mar, tendo a frente do Exér-
cito Pacificador o General Labatut. Entre os principais “Senhor – A falta de navios que se proponham a fa-
conflitos, destacam-se os ocorridos em Pirajá, na Ilha zer viagem para Lisboa, a qual procede da estagna-
de Itaparica, no Canal do Funil, em Cachoeira e no mar ção do comércio e da incerteza em que todos estão
da Baía de Todos os Santos. Quando assumiu a direção sobre o ulterior destino deste país, me obrigou a
do Exército Pacificador, Labatut encaminhou a seguin- pedir ao Comandante da Esquadra que fizesse sair
te missiva à Madeira de Melo: um navio, a fim de levar a V. Majestade e a El-Rei
“General, como militar e filantropo, eu deploro novas do presente estado desta província, que assim
vossa sorte; sim, vos achai-vos a mais de 2.000 como o do restante do Brasil exige prontas delibera-
léguas distante de Portugal, donde vos podiam so- ções. Depois das últimas participações que a Vossa
correr, e eu à testa de um povo vingador dos seus Majestade tive a honra de dirigir tudo quanto diz
direitos, e habitantes deste vasto continente, que respeito ao estado político do Brasil tem piorado
em número de 20.000 (contando os que ocupam para nós. O espírito revolucionário tem abrangido
Cronologia Comentada do
2 de Julho
Processo de Independência da
Bahia – 2 de julho de 1823
Em agosto de 1820, tropas de várias cidades ção que as Províncias adotariam diante da Revolu-
portuguesas se dirigiram à cidade do Porto e lá noti- ção Constitucionalista do Porto.
ciaram o levante que tinha entre seus objetivos exi- Na Bahia, por volta do mês de fevereiro de 1821,
gir o imediato retorno do Rei D. João VI, que estava eclodiu um levante no Forte de São Pedro, compos-
no Brasil desde 1808, a Portugal e a elaboração de to por oficiais e soldados brasileiros e portugueses
uma constituição para o país. insatisfeitos com o regime absolutista português e
Em 30 de novembro daquele mesmo ano, che- seu representante na Bahia, o Conde da Palma. Os
garam à Bahia as informações acerca da Revolução revoltosos conclamaram os moradores de Salvador
Liberal na cidade do Porto e sobre a convocação das a aderir a Revolução Constitucional de Lisboa. Em
Cortes para elaborar uma constituição e instaurar pouco tempo, o motim espalhou-se pelas ruas da ci-
uma Monarquia Liberal Constitucional em Portugal. dade, tomando o Largo dos Aflitos, Campo Grande
As notícias causaram comoção em meio aos nego- e a enseada da Gamboa. Numa tentativa de impedir
ciantes, militares e magistrados de Salvador, que o avanço do movimento, o Conde da Palma reuniu
aplaudiram o movimento e a elaboração de uma no Senado da Câmara os membros da elite política
constituição que limitasse o poder absolutista do baiana e elegeu uma Junta Provisória de Governo
monarca português. da Província da Bahia, escolhendo pessoalmente os
Entre os meses de dezembro de 1820 e janeiro seus membros em meio ao clero, negociantes, mili-
de 1821, muito se discutiu no Brasil acerca da posi- tares, senhores de engenho e plantadores. Uma das
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crudesceu ainda mais as animosidades entre brasi- afirmou, em correspondência sobre o caso, que não
leiros e portugueses. Dias antes, em 18 de março de estava submetido à autoridade do governo do Rio de
1822, aportou à Bahia o navio São José Americano, Janeiro e, sim, às Cortes de Lisboa. O destacamen-
que transportava um destacamento de 300 homens to desembarcou sobre manifestações públicas de
chefiados pelo General Francisco Joaquim Carre- apoio de comerciantes portugueses e aderentes do
ti — sua tropa havia sido expulsa do Rio de Janeiro Partido da Praia. Dias depois, a Câmara de Salvador
pelo Príncipe Dom Pedro em decorrência do “Fico”. endereçou uma representação formal ao Rei D. João
Madeira de Melo ordenou o desembarque do desta- VI, não às Cortes, solicitando a partida imediata das
camento, para suprir os quadros tropas portuguesas estaciona-
da tropa, mas sua ordem não foi das na Bahia, acusando-as das
seguida pelo General Carreti. “Em 31 de março de 1822, mortes e conflitos que ocorre-
Este argumentou que havia rece- o General Madeira de ram na cidade entre os dias 18 e
bido ordens do Príncipe Regente Melo lançou uma nota à 19 de fevereiro.
D. Pedro para conduzir o desta- Em 31 de março de 1822, o
população condenando o
camento para Lisboa. Além dis- General Madeira de Melo lançou
so, afirmava não estar obrigado êxodo para o Recôncavo.” uma nota à população conde-
a aceitar ordens de um general nando o êxodo para o Recônca-
mais novo de acordo com a hie- vo. No dia seguinte, a Junta Civil
rarquia militar. A Junta governativa alegou que não fez o mesmo. Porém, a esta altura já estava explícito
teria como suprir o destacamento, reafirmando as que as tropas portuguesas que tomaram a cidade
ordens de D. Pedro. Imediatamente, os comercian- não conseguiam controlá-la nem organizar a sua
tes portugueses do Partido da Praia responderam vida cotidiana. O documento abaixo apresenta a
com uma subscrição para cobrir as despesas. A Jun- nota expedida por Madeira de Melo.
ta contra-argumentou, reafirmando as ordens de D.
Pedro; porém, isso foi ignorado por Madeira e Melo. “Habitantes da Bahia! Os inimigos da Pátria
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esforçam-se para derramar entre nós a discór- a experiência não venha um dia convencer-vos
dia; eles abusaram de vossa credulidade, apre- desta verdade.
sentando-vos os mais aterradores ideais e vós Quartel-General da Bahia, 31 de março de
abandonais inconsideradamente os vossos lares 1822. Inácio Luís Madeira de Melo”
para evitar males que não existem e que só a In: Santos, Joel Rufino dos. O Dia em que o Povo
imaginação dos malvados pode conceber para Ganhou.
ser perturbada a vossa tranqüilidade. Como a Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
tropa européia opõe uma barreira inacessível a 1979, p. 72-73.
seus sinistros intentos, eles buscam os modos de
fazê-la odiosa, atribuindo-lhes tudo quanto pode Em abril de 1822, diversos grupos atuavam em
concorrer para tal fim, até a vil qualidade de per- franca conspiração contra o governo militar portu-
juros, esse crime que o homem de bem não pode guês que se estabelecera em Salvador. Alguns ten-
encarar sem horror! [...]
diam a reconhecer a autoridade de D. Pedro e outros
Habitantes da Bahia! Recobrai o vosso sossego;
aceitavam o relacionamento político com as Cortes
vós achareis a segurança em vossas próprias
casas; elas serão respeitadas, e vossas pessoas de Lisboa.
resguardadas de qualquer insulto. O intento dos Em 12 de junho de 1822, foi marcada uma reu-
perversos é fazer-lhes desconfiar da estabilidade nião na Câmara de Salvador para que os vereadores
daqueles sagrados direitos e debaixo deste prin- respondessem acerca da consulta feita pelos depu-
cípio atrair partido para organizarem o ponto de tados baianos nas Cortes de Lisboa a várias ques-
desunião em trabalho. Fingem-se possuídos de tões, entre elas o reconhecimento da autoridade de
medo para se retirarem da cidade, dando-vos o D. Pedro como Príncipe Regente. A reunião foi proi-
exemplo porque os inúteis, quanto eles, só tem em bida por Madeira de Melo e as tropas portuguesas
seu coração a perversidade que pretendem fazer cercaram todas as ruas que davam acesso à Câma-
grassar nos povos do Recôncavo. Eu só desejo a ra. Diante da atitude autoritária do comandante das
vossa ventura e não sei falar-vos então a verdade;
forças lusitanas, senhores de engenho em São Fran-
evitai as revoluções. Em toda parte são elas pe-
cisco do Conde incitaram publicamente a aclamação
rigosas, porém muito mais neste país. Oxalá que
da escuna canhoneira, advertindo que urgia convo- Ao final do Te Deum na Igreja Matriz, a população
car a Câmara para aclamar o Príncipe D. Pedro antes seguiu em desfile, aglomerando-se pelas ruas e na
que se instalasse a ‘desordem’. (TAVARES, 2005, p. Praça da Sé (atual Praça da Aclamação) quando soa-
99) ram tiros tanto da canhoneira quanto de residências
Em 25 de junho de 1822, a Câmara de Cachoei- de portugueses. Os disparos mataram o soldado-
ra, juntamente com o povo, decidiu aclamar D. Pe- tambor Soledade. O povo de Cachoeira, no entanto,
dro como Regente e Perpétuo Defensor e Protetor não se arrefeceu. As milícias que estavam a postos,
do Reino do Brasil. Dias antes, um boato correu pela juntamente com populares, contra-atacaram ven-
Vila informando que D. Pedro havia sido reconhe- cendo as tropas lusitanas dois dias depois.
cido pelas Cortes de Lisboa como Príncipe Regen- No dia 26 de junho de 1822, compôs-se uma
te do Brasil, o que jamais ocorreu. Mas inspirados Junta Interina, Conciliatória e de Defesa, que tinha
por esse rumor, os habitantes de Cachoeira saíram como prioridade divulgar a aclamação do Príncipe
às ruas para manifestar com alegria e vivas. A ma- Regente, bem como as hostilidades e violências per-
nifestação popular a favor de D. Pedro foi feita pela petradas pelos portugueses contra os brasileiros. No
manhã na praça principal da Vila. À tarde, foi mar- mesmo dia, a Câmara da Vila de Maragogipe reuniu-
cada uma missa, na qual foi oferecido o Te-Deum na se e decidiu que: “no Reino do Brasil deve residir
Igreja Matriz Nª. Sª. do Rosário a D. Pedro, ou seja, o um único Centro de Poder Executivo na Pessoa do
reconhecimento da autoridade do Príncipe Regen- Príncipe Real” (TAVARES, 2001, p. 236). Maragogipe
te. Acredita-se que perto de mil pessoas estavam aclamou a autoridade de D. Pedro no mesmo dia em
presentes dentro e ao redor da Igreja Matriz de Ca- que a Câmara de São Francisco do Conde em 29 de
choeira. Tudo foi observado de perto pelos soldados junho de 1822.
portugueses, que se encontravam numa canhoneira Em 28 de junho de 1822, a escuna canhoneira
estacionada à beira do Rio Paraguaçu em frente ao portuguesa que bombardeou Cachoeira foi rendida
Cais dos Arcos, fechando o porto da Vila. Madeira de pelas tropas brasileiras e por populares da Vila. Nes-
Melo enviou a escuna canhoneira dias antes, exigin- te mesmo dia, a Câmara de Cachoeira encaminhou
A BAHIA NA INDEPENDÊNCIA NACIONAL
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ao Príncipe Regente D. Pedro uma carta narrando o nho das Vilas de São Francisco do Conde e de Santo
acontecido, vejamos um trecho dela: Amaro enviaram uma delegação à Cachoeira pro-
pondo que a Junta Interina ampliasse sua atuação
“Senhor — O leal e brioso povo do distrito de Ca- e se transformasse em um governo militar e civil
choeira, de quem temos o prazer de sermos ór- legítimo para todas as vilas do Recôncavo. Nos dias
gão, acaba de proclamar e reconhecer Vossa Alte- seguintes, outras vilas e povoados da Província, situ-
za Real como Regente Constitucional e Defensor adas dentro e fora do Recôncavo baiano, uniram-se
Perpétuo do Reino do Brasil. Debalde o verdugo
a Cachoeira, São Francisco do Conde e Santo Amaro,
da Bahia, o opressor Madei-
foram elas: Camamu, Itapari-
ra, quis renovar nesta Vila
as sanguinosas catástro- ca, Nazaré, Maraú, Rio de Con-
“Mas inspirados por esse tas, Jaguaripe, Valença, Jaco-
fes do dia 19 de fevereiro
e seguintes da Capital da
rumor, os habitantes de bina, Caravelas, Caetité, Cairu
Província. Debalde tentou Cachoeira saíram às ruas e Inhambupe. Nesta primeira
ainda aumentá-las, desta- para manifestar com alegria fase da guerra pela indepen-
cando neste rio uma escuna e vivas. A manifestação dência, as tropas brasileiras
artilhada, para bombarde- popular a favor de D. Pedro — formadas por milícias, vo-
ar, como com efeito bom- luntários, negros, mestiços, li-
bardeou, por alguns dias
foi feita pela manhã na
praça principal da Vila.” vres, libertos, brancos pobres
com balas e metralha, não e índios — estavam sob o con-
só os honrados cachoeiren-
trole do Conselho Interino e
ses (cujo crime consistia em
do Coronel Miliciano Antonio
quererem ser brasileiros e súditos de Vossa alteza
Real) mas até seus inocentes edifícios” (RISÉRIO, Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque D’Ávila
2004, p. 323) Pereira, o herdeiro do Morgado dos Garcia D’Ávila.
A estratégia utilizada pelas forças patrióticas foi si-
Em 29 de junho de 1822, senhores de enge- tiar Salvador, através do fechamento das vias de co-
municação e abastecimento da cidade, mantendo as
A BAHIA NA INDEPENDÊNCIA NACIONAL
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tropas portuguesas ilhadas na capital da Província. na preparação de emboscadas.
2 de Julho
aportou em Itapuã a esquadra Comandada por Lord forças lusitanas sofriam com a falta de alimentos.
Cochrane. Para discutir a situação, Madeira de Melo convocou
Em 03 de maio de 1823, Labatut investiu contra uma reunião com o conselho de oficiais e comercian-
Salvador pelo Cabula. Ao mesmo tempo, na região de tes portugueses, em que destituiu a Junta Provisória e
Brotas, os Batalhões organizados por Joaquim Pires passou a governar sozinho a cidade, declarando esta-
de Albuquerque D’Ávila Pereira avançaram sob o co- do de sítio. Como forma de reservar os mantimentos
mando do Coronel Felisberto disponíveis para o exército portu-
Gomes Caldeira, que acabou guês, Madeira de Melo permitiu
sendo preso, por discordar das “ Labatut ganhou, mas não a saída de Salvador de todas as
determinações de Labatut. levou. Mesmo com todo o pessoas que assim o quisessem.
Na manhã de domingo do sucesso obtido pelo exército Acredita-se que mais de dez mil
dia 4 de maio de 1823, entra- sob seu comando, acabou sendo indivíduos, em sua maioria idosos
va na Baía de Todos os Santos afastado em virtude de ignorar e crianças, deixaram a cidade e
a esquadra de Lord Cochrane e, até mesmo, desrespeitar as passaram a perambular pelas ma-
para combater os navios por- hierarquias sociais e raciais da tas e pelos arredores de Salvador.
tugueses que estavam estacio- sociedade escravista baiana. ” Em 15 de maio de 1823, che-
nados à frente de Salvador. Por gou a Torre de Gárcia D’Ávila o re-
volta das 11h da manhã, ocor- forço de cerca de 250 soldados de
reu o conflito entre a esquadra brasileira e a esquadra Pernambuco para integrarem o Exército Libertador.
portuguesa. A nau brasileira Pedro I sofreu grandes Em 19 de maio de 1823, o General Pedro Laba-
estragos o que fez Lord Cochrane recuar, no dia se- tut ordenou a prisão do Coronel Felisberto Gomes
guinte, para a enseada de Morro de São Paulo, onde Caldeira, comandante da Brigada da Esquerda do
ficou abrigada na Ilha de Tinharé, buscando melhor Exército Libertador, enviando-o para o Forte de São
organizar o contra-ataque à esquadra portuguesa. Lourenço em Itaparica. Na mesma ocasião, o General
Entre 08 e 09 de maio de 1823, a cidade de Sal- do Exército Libertador ordenou também que o coro-
A BAHIA NA INDEPENDÊNCIA NACIONAL
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nel de Milícia de Santo Amaro, Luís Manuel de Oli- da Junta de Cachoeira e dos oficiais do seu exército,
veira Mendes, mandasse prender o Tenente-Coronel que passaram a conspirar abertamente contra ele.
Joaquim D’Ávila Pereira. Ao que tudo indica, Labatut Depois da sua prisão, ele foi enviado ao Rio de Janei-
desconfiava que seus oficiais estivessem conspirando ro, onde foi absolvido em fevereiro de 1824.
para substituí-lo no comando do Exército Libertador. Em 27 de maio de 1823, o Coronel Joaquim José
Em 22 de maio de 1823, oficiais libertam o Co- de Lima e Silva foi nomeado comandante-chefe do
ronel Felisberto Gomes Caldeira da Fortaleza de São Exército em substituição a Labatut. Ele reorganizou
Lourenço. as tropas, criando nove batalhões e cinco compa-
Em 24 de maio de 1823, Labatut foi deposto do nhias, sendo uma de crioulos, formada em Nazaré
comando do Exército Libertador e preso juntamen- das Farinhas e outra de negros livres, denominada
te com Cambuci do Vale e o Coronel Antero de Brito, Companhia dos Libertos Imperiais, criou também
apesar do sucesso de sua tropa1. O general francês foi duas brigadas especiais, uma de artilharia e outra de
acusado de cometer violências contra senhores de cavalaria.
engenho, apropriar-se do tesouro em prata do enge- Em 28 de maio de 1823, Madeira de Melo solici-
nho Passagem, pertencente a portugueses e fuzilar tou a Intendência da Marinha Portuguesa a requisi-
quilombolas nos arredores de Salvador. ção de todos os navios lusos estacionados na Baía de
Labatut ganhou, mas não levou. Mesmo com todo Todos os Santos e que se encontravam em condições
o sucesso obtido pelo exército sob seu comando, aca- de navegar.
bou sendo afastado em virtude de ignorar e, até mes- Em 2 de junho de 1823, uma nova Junta Governa-
mo, desrespeitar as hierarquias sociais e raciais da tiva portuguesa tomou posse, numa desesperada ten-
sociedade escravista baiana. O general se impôs pela tativa de garantir a manutenção das tropas lusitanas
força, solicitou que senhores de engenho liberassem na Bahia.
parte de seus escravos para integrarem o Exército Li- Entre 23 e 25 de junho de 1823, tomou posse em
bertador. Por conta disso, Labatut perdeu a confiança Cachoeira, em substituição ao Conselho Interino, a
1 Segundo Luis Henrique Dias Tavares, de acordo com a defesa de Labatut, a prisão ocorreu no dia 21 de Maio de 1823. (in.: TAVARES, 2001, p. 243).
D. Pedro I em 5 de dezembro de 1822, com poder de O trecho abaixo narra com detalhes a partida das
jurisdição em nome do Imperador sob toda a Provín- tropas lusitanas e a entrada triunfante do Exército Pa-
cia da Bahia. Enquanto isso em Salvador, Madeira de cificador:
Melo preparava a evacuação das tropas portuguesas.
Em 30 de junho de 1823, o Brigadeiro Madeira “Durante a madrugada de 2 de julho, [Madeira
de Melo autorizou o início das negociações para o de Melo] promoveu in selentio noctis o embarque
embarque do exército lusitano de volta a Lisboa. O das tropas os vasos de guerra e em grandes na-
general português discutiu os possíveis itens da ren- vios mercantes, ao mesmo tempo em que a bordo
dição com o Coronel Lima e Silva, que exigia uma ca- de outras embarcações famílias portuguesas se
pitulação oficial, a qual Madeira de Melo se recusou a amontoaram, com todos os pertences que pude-
assinar. ram transportar. Toda a esquadra portuguesa le-
Na madrugada do dia 02 de julho de 1823, as tro- vantou então as âncoras e partiu. Salvador ao al-
vorecer estava praticamente deserta. E quando o
pas de Inácio Luís Madeira de Melo deixaram a Baía
exército pacificador entrou na cidade, por volta do
de Todos os Santos. Estavam cercados por terra, pelo
meio dia, passou por um arco do triunfo, manda-
Exército Pacificador, e por mar pela esquadra de Lord do erguer em frente ao convento da Soledade pela
Cochrane. No entanto, apesar do cerco, o general madre Maria José do Coração de Jesus […] Assim,
português recusou-se a assinar a capitulação Na ma- enquanto no mar a esquadra brasileira, sob o co-
nhã daquele dia, as tropas brasileiras estacionadas mando de Lord Cochrane, perseguia a portuguesa
em Pirajá receberam a notícia da partida das forças e aprisionava quatro dos seus navios, uma vez que
portuguesas. Para o então comandante do Exército Madeira de Melo não propusera a capitulação, os
Libertador, o General Lima e Silva, que esperava a ca- soldados do exército libertador, sem que tumulto
pitulação de Madeira de Melo, restou apenas aceitar ou desordem houvesse, ocuparam pacificamente
a fuga portuguesa e guiar as tropas patrióticas pelas a cidade de Salvador” (BANDEIRA, 2000, p 460-
ruas de Salvador. Depois de mais de um ano de luta, o 461).
povo baiano poderia finalmente comemorar o fim do
A BAHIA NA INDEPENDÊNCIA NACIONAL
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As comemorações públicas da
independência nacional
Na Bahia, desde 1824 que no dia dois de julho 1823. Daí porque esta data é tão importante para os
repete-se uma entusiasmada e concorrida comemo- baianos.
ração cívica e popular. Com as ruas enfeitadas com Desfeita a ordem Imperial e instituída a Repúbli-
adereços azuis, vermelhos e brancos – as cores da ca, as comemorações pelo fim do domínio colonial
bandeira da Bahia - e folhas de crótons verdes e ama- persistiram, atravessaram o século XX e continuam
relas – as cores da bandeira brasileira – a população a ser uma das mais importantes do calendário festi-
sai às ruas para recontar a mesma saga: a conquista vo da Bahia. A longevidade da festa é tão intrigante
da independência do domínio português, depois das quanto as raízes históricas e culturais que a susten-
lutas ocorridas na Bahia entre 1821 e 1823. tam.
Sendo uma festa que marca o fim da condição de
colônia do Brasil, o Dois de Julho rememora a funda- A HISTÓRIA QUE EXPLICA A FESTA
ção do império brasileiro e a liberdade nacional. Em
Em 1820, enquanto D. João VI governava seu im-
todo o Brasil celebra-se a independência nacional
pério a partir do Rio de Janeiro, explodiu em Portu-
proclamada no Rio de Janeiro por D. Pedro, no dia
gal a revolução liberal do Porto. Uma das principais
7 de setembro de 1822. Entretanto, o fim do domí-
reivindicações dos revoltosos era o retorno imedia-
nio português só se efetivou depois das lutas ocorri-
to de Dom João VI à Europa, de onde, em 1808, ele
das na Bahia, que resultaram na retirada das tropas
havia escapado das investidas imperialistas de Na-
portuguesas do solo brasileiro no dia 2 de julho de
A BAHIA NA INDEPENDÊNCIA NACIONAL
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primia a um país continental e em franca ascensão
econômica, graças aos lucros obtidos com a lavoura
açucareira, então concentrada no Recôncavo baiano.
A ânsia brasileira por autonomia e liberdade
corroía a condição metropolitana de Portugal. Em
reação, no dia 7 de setembro, D. Pedro, o príncipe-
-regente, foi informado de que seus decretos ha-
viam sido revogados e que D. João VI determinara
seu retorno imediato para Portugal. Diante daquela
situação nada lhe pareceu mais oportuno do que de-
cretar a independência do Brasil. Mas nem de longe
a atitude do então imperador D. Pedro I amenizou o
clima de instabilidade e os conflitos entre portugue-
Cortejo Dois de Julho, Campo Grande. Foto Ivan Erick - SECOM ses e brasileiros, que ocorriam em várias províncias.
poleão Bonaparte. Embora tenha relutado a retor- Da Bahia vinham as piores notícias. Em dezem-
nar, D. João VI e a realeza embarcaram de volta para bro de 1821 foi nomeado pela metrópole, governa-
Lisboa em 1821, deixando no Brasil seu filho Pedro dor das Armas, importante cargo militar, o briga-
como príncipe regente. deiro português Inácio Luís Madeira de Melo, em
A volta de D. João VI a Portugal foi decisiva para substituição ao brasileiro Manuel Pedro de Freitas
o processo de independência do Brasil. A partir daí Guimarães. A nomeação de Madeira de Melo não foi
uma série de atos metropolitanos visando reiterar reconhecida pelos militares brasileiros na Bahia.
a soberania lusitana aguçava dia a dia o desejo das Desde então, uma série de conflitos entre tropas de
elites brasileiras por autonomia política e adminis- uns e de outros foram compondo, ao longo de meses,
trativa. Tornava-se evidente o desconforto dos bra- o clima de guerra. Com a notícia do ato de D. Pedro
sileiros com os limites que a condição colonial im- às margens do rio Ipiranga no dia sete de setembro
de 1822, a situação se agravou, pois a existência de
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um governo central e independente de Portugal não É o fato de ter sido cenário para batalhas deci-
2 de Julho
era mais só uma aspiração, tornou-se real. Como sivas, cercos, mortes e, é óbvio, da vitória sobre os
era de se esperar, os portugueses não aceitaram de portugueses que tornou as comemorações do Dois
pronto a emancipação política do Brasil, afinal não de Julho tão representativas.
estavam dispostos a abrir mão de um território rico Quando, enfim, a guerra eclodiu em junho de
e próspero. 1823, quem de fato reinava na Bahia era a instabili-
Com a iminência da guerra, quem tinha recursos dade política. Isto porque, embora pareça que exis-
suficientes para afastar-se tiam dois campos rivais
de Salvador o fez. Muitos se bem demarcados, portu-
abrigaram em suas proprie- gueses versus brasileiros,
dade do Recôncavo, área re- a situação era bem mais
cuada dentro da baía de To- complexa e mesmo caóti-
dos os Santos e sob o controle ca. Entre os portugueses
dos grandes senhores de es- via-se mais hegemonia.
cravos, engenhos de açúcar Eles estavam dispostos a
e plantações de fumo. Mas a lutar pelo controle políti-
grande maioria da população co e comercial de Portugal
permaneceu em Salvador e sob o Brasil, mantendo-o
experimentou os horrores como colônia devidamen-
de uma cidade sitiada pelas Cortejo Dois de Julho, Marina. Foto Ivan Erick - SECOM te subordinada a D. João
tropas portuguesas que che- VI.
gavam de Lisboa para garantir o governo militar de Já entre os brasileiros havia planos diferentes.
Madeira de Melo. Os brasileiros, por sua vez, eram Alguns proprietários de terras e escravos desejavam
chefiados pelo general Labatut, enviado do Rio de gerir seus negócios sem a interferência da Coroa
Janeiro para comandar o Exército Pacificador e ex- portuguesa, mas a guerra certamente compromete-
pulsar os portugueses das terras brasileiras. ria a atividade comercial, além do risco de o movi-
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mento se expandir para as senzalas, dando vazão a
rebeldia escrava. Por isso empenhavam-se por uma
conciliação capaz de manter o Brasil unido a Portu-
gal, mesmo através de laços coloniais.
Dentre os partidários da radicalização da rebel-
dia brasileira estavam militares, profissionais libe-
rais e outros proprietários de escravos que viam no
controle metropolitano o principal empecilho para
sua prosperidade econômica e ascensão social. A
ideia da autonomia política mobilizou principal-
mente senhores de engenho, que trataram de criar e
financiar batalhões patrióticos e garantir alimentos
e armas para as tropas nacionais. Para estes senho-
res, negociantes e comerciantes nacionais, a inde-
pendência do Brasil tornava possível a administra-
ção de seus negócios sem a interferência da Coroa
portuguesa, mais preocupada em atender aos inte-
resses das suas elites.
Ao lado deles, a gente pobre, urbana e livre in-
comodada com os privilégios reservados aos por-
tugueses, a exemplo do monopólio no comércio
de produtos básicos na época, como a farinha de
mandioca. Para esta gente era na vida cotidiana das
feiras e bodegas que a subjugação aos portugueses
ganhava nitidez. A carestia e a escassez de alimentos Saida do Cortejo em frente ao busto do General
penalizavam os mais pobres, que estavam à mercê Labatut, na Lapinha 2009 Foto Manu Dias - SECOM
bem nascidos, a festa do Dois de Julho sempre con- nas. Numa das mãos ele segura uma lança apontada
tou com significativa e ruidosa participação popular. para uma serpente, representação da tirania portu-
Em 1867, por exemplo, um viajante francês, ao par- guesa e, na outra, empunha a bandeira nacional. Já
ticipar das comemorações ao Dois de Julho, notou a cabocla foi criada em 1840 com o intuito de subs-
“grupos de rapazes e de pretos caminhando pelas tituir a imagem do caboclo, visto naquele momento
ruas, seguindo orquestras com bandeiras e tochas. como hostil à presença portuguesa e mesmo incita-
Os cantos, ou melhor, os gritos patrióticos, o ruído dora de conflitos, os já citados mata-marotos. Graças
das bombas, de flautas e de tambores, os foguetes à força simbólica do caboclo, em vez de substituí-lo,
que cruzam os céus, todo este alvoroço se prolonga- a cabocla foi incorporada ao cortejo ao lado dele. A
rá até tarde da noite.” cabocla é a representação da lendária Catarina Pa-
Mas tudo isto era apenas a véspera. raguaçu, a índia que, nos primórdios do Brasil, teria
O auge das comemorações era, como continua a encantado Caramuru, o aventureiro e náufrago por-
ser, o desfile do dia dois de Julho. Este cortejo cívico tuguês que viveu entre os tupinambás, na região de
teria surgido logo depois que os portugueses foram Porto Seguro.
vencidos na decisiva batalha de Pirajá, área subur- Ambos são conduzidos em duas carroças adorna-
bana de Salvador. Conta-se que as tropas brasileiras, das com diversos símbolos nacionais, como brasões
com o contingente de 9.515 homens, ao adentraram e nomes de batalhas e heróis da guerra, chamadas
a cidade entusiasmadas com a vitória, apropriaram- de carros emblemáticos. Na Lapinha, no bairro da
se de uma carroça abandonada pelos lusitanos, a en- Liberdade, foi construído, em 1860, o pavilhão pa-
feitaram com folhas verdes e amarelas e colocaram triótico, a fim de abrigar os caboclos enquanto o dia
sobre ela um índio. Inaugurava-se, assim, a festa da dois de julho não chega. De lá, eles só saem para o
independência, que ainda tem início no bairro da Li- cortejo cívico levados pelos populares até a praça do
berdade, local de chegada das tropas vitoriosas. Campo Grande, onde foi inaugurado, em 1895, o ma-
Em 1826, o velho índio foi substituído por uma
Reisado - 2008 - Foto Acervo SECOM
escultura de madeira. O caboclo passou então a ser
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poderia deixar de ser, tem como principal destaque ágil e vencedor, como se saído das páginas do ro-
a escultura de índio armado de arco e flecha, o qual, mancista José de Alencar, a sua principal referência
da altura de vinte cinco metros, impõe-se sobre os de nacionalidade. É por aí que podemos entender
demais símbolos nacionais e os milhares de tran- porque vários daqueles que se envolveram com as
seuntes que diariamente passam pelo lugar. lutas pela independência na Bahia, depois do dia 2
No principal dia da festa, logo pela manhã, bem de julho, adotaram sobrenomes indígenas, a exem-
cedo, os batalhões patrióticos começavam a tomar plo do bacharel Francisco Gomes Brandão, que pas-
os seus lugares, enfileirando-se segundo a lógica sou a assinar Francisco Gê Acaiaba de Montezuma.
social da época: autoridades, acadêmicos, militares, Não se faz um Dois de Julho sem o desfile cívico
jornalistas, estudantes e caixeiros vinham à frente. e popular com os caboclos. Eles não só constituem
Em seguida, surgiam os batalhões representando os o núcleo central do desfile como simbolizam o com-
sertanejos que se engajaram nas lutas de 1822-23. plexo sentido de pertencimento que a festa recria a
Trajavam roupa, chapéu e gibão de couro. Fechando cada dia. Digo isto porque nas ruas festivas da cida-
o cortejo, o “populacho”, como a imprensa se referia, de estas representações indígenas extrapolam a en-
na época, àqueles que se colocavam próximos aos carnação do mítico selvagem das matas brasileiras
carros emblemáticos e os seguiam cantando, sam- dos românticos. Dentro do universo religioso afro-
bando e reverenciando os caboclos. brasileiro, caboclos também são seres encantados,
Ainda hoje, a festa do Dois de Julho é palco para os “donos da terra”, ou seja, entidades que já habita-
manifestações desse civismo impregnado de refe- vam o Brasil quando os africanos chegaram com os
rências culturais afro-brasileiras, nas quais cabem seus orixás. Para adeptos do candomblé, reveren-
sambas, missas, batuques, jogos de azar e, sobre- ciar o nativo, reconhecendo figuras indígenas como
tudo, o desfile do caboclo e da cabocla. A primazia encarnações do que seria genuinamente nacional,
das representações indígenas nas comemorações expressa um sentido de pertencimento tanto à na-
da independência na Bahia só pode ser entendida se ção brasileira fundada em 1822, quanto a tradições
considerarmos o movimento nativista do começo do religiosas afro-brasileiras.
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universo religioso. Ainda devemos
considerar que o significado do
termo nação se tornou importante
para os africanos escravizados nes-
te lado do Atlântico. Para o povo do
candomblé, herdeiro de tradições
africanas, dizer-se de uma deter-
minada nação implica em assumir
valores, princípios e rituais que os
distinguem de outros.
Neste sentido, há nos terreiros
de candomblé uma ambivalência
para o termo nacionalidade, ao tem-
po que significa pertencer a uma
comunidade herdeira da história e
de culturas africanas, também quer
dizer fazer parte de um povo cujo
Vista da chegada do cortejo no Largo do Pelourinho - 2008 - Foto Acervo - SECOM ancestral é o índio, o dono original
da terra Brasilis. Por isto, na Bahia, os
Temos, assim, na festa que celebra a indepen- caboclos também são entidades religiosas a serem
dência nacional, evidências da singularidade dos reverenciadas enquanto se rememoram os feitos dos
cruzamentos culturais no Brasil. Sob a escravidão patriotas de 1822-23. É deste modo que podemos
os diferentes povos africanos reinventaram identi- compreender porque todos os anos, depois que os
dades, recriando formas de pertencimento e mesmo carros emblemáticos são recolhidos ao pavilhão da
incorporando divindades de outras crenças ao seu Lapinha, são encontrados sob os pés dos caboclos
vários bilhetes e cartas agradecendo-os por graças
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alcançadas ou renovando pedidos e promessas. Referências Bibliográficas:
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Antonio Viana conta um caso interessante a este ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. Algazarra nas ruas: come-
respeito em Casos e Coisas da Bahia. Disse ele so- morações da independência na Bahia (1889-1923). Campinas:
bre uma discussão entre um comerciante português UNICAMP, 1999.
e um caixeiro brasileiro que insistia em abandonar TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 10. ed. São Paulo:
o serviço para ver passar o “santo Dois de Julho”, UNESP; Salvador: EDUFBa, 2001.
numa flagrante associação entre os símbolos da KRAAY, Hendrik. “O abrigo da farda”: o exército brasileiro e os es-
festa da independência e as imagens religiosas que cravos fugidos, 1800 1888. Revista Afro Ásia. Salvador, n. 17; p.
desfilavam nas procissões católicas. O português, 29 – 56, 1996.
alheio ao jogo simbólico do brasileiro, não entendeu ____________. “Entre o Brasil e a Bahia: as comemorações do Dois de
Julho em Salvador, século XIX”. Revista Afro Ásia. Salvador, n. 23; p.
o quanto aquele sincretismo era significativo para a
9-44, 1999.
população local.
UERINO, Manuel. A Bahia de Outrora. Salvador: Livraria Progresso,
Deste modo, os caboclos representam, a um só 1946.
tempo, os heróis da guerra da independência, a ân- REIS, João José e SILVA, Eduardo . Negociação e conflito: resistência
sia por liberdade e a fé religiosa dos descendentes negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
daqueles que lutaram pela liberdade nacional. Por SANTOS, Jocélio Telles dos. O Caboclo nos candomblés da Bahia.
tudo isto, as comemorações da independência de- Salvador: Sarah Letras, 1995.
monstram o quanto festas públicas são espaços de VERGER, Pierre. Notícias da Bahia (1850). Salvador: Corrupio,
reconstrução da história que compõe a memória lo- 1988, p. 110.
cal. E comemorar a independência é também uma VIANNA, Antônio. Casos e Coisas da Bahia. Salvador: Museu do Es-
das maneiras de contar sobre as trocas sincréticas e tado, 1950, p.12.
a riqueza simbólica que estruturam a nossa cultura.
Wlamyra R. de Albuquerque
Lord Cochrane
2 de Julho
de Lima e Silva
Esteve no comando geral do Exército Pacificador
após prisão do General Pedro Labatut em 24 de
maio de 1823 e adentrou vitorioso, junto com as tro-
pas brasileiras, nas ruas da cidade de Salvador em 2
de julho de 1823. Hoje Lima e Silva nomeia a mais
importante rua do bairro da Liberdade, em Salvador.
Maria Quitéria
Maria Quitéria de Jesus nasceu na freguesia de São
João de Itaporocas, “campos da Cachoeira”, a 27 de
julho de 1798, filha de Gonçalo Álvares de Almeida
e Quitéria Maria de Jesus. Teria deixado a fazenda
do pai ao escutar notícias dos acontecimentos de 25
de junho de 1822, na Vila de Cachoeira. Com roupa
masculina, fornecida por um cunhado, apresentou-
se como soldado Medeiros ao Batalhão dos Voluntá-
rios do Príncipe, chamado “dos Periquitos”, por cau-
sa da cor verde da farda. Por seus atos de bravura
em combate, o General Pedro Labatut conferiu-lhe
as honras de 1º Cadete. Maria Quitéria também par-
ticipou do desfile das tropas brasileiras em Salvador
em 2 de julho de 1823, sendo recebida festivamente
no Largo da Soledade, onde hoje há uma estátua em
sua homenagem.
Joana Angélica
2 de Julho
Antônio Joaquim
Pires de Carvalho
e Albuquerque
D’Ávila Pereira
Antônio Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque
D’Ávila Pereira era herdeiro do Morgado dos Garcia
D’Ávila, proprietários da Casa da Torre. Além de ser
Coronel do Regimento de Milícias e Marinha da Tor-
re, sendo responsável pela organização do Exército
Libertador na luta pela Independência. Imponente
senhor de engenho e envolvido com a política, Jo-
aquim D’Ávila Pereira, o Coronel Santinho, como
ficou conhecido, se rebelou militarmente contra a
ditadura do português Madeira de Melo. Junto com
uma tropa formada por índios, fechou a Estrada das
Boiadas, utilizada para o abastecimento de Salvador,
abrigando na Casa da Torre soldados e voluntários
que haviam se rebelado contra o governo português
na capital.
Castro – “Periquitão”
Avô do poeta Castro Alves, foi herói da indepen-
dência por ter criado e comandado o Batalhão
dos Periquitos, responsável pela defesa de Itapuã.
Hoje José Antônio da Silva Castro é reconhecido
como um dos heróis imortalizados no bronze do
Monumento Dois de Julho em Salvador. Através da
poesia, seu neto Castro Alves continuou sua luta
contra o regime monárquico.
Maria Felipa
2 de Julho
Joaquim Inácio
de Siqueira Bulcão
Foi o primeiro senhor de engenho a se manifestar
contra o domínio de Madeira de Melo e conclamar
outros senhores em São Francisco do Conde a par-
ticiparem da organização das tropas de voluntários.
Siqueira Bulcão arregimentou e armou homens
para a formação do Exército Patriótico no momento
em que as lutas pela expulsão das tropas portugue-
sas alcançavam o Recôncavo.
Índio Bartolomeu
2 de Julho